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FEEVALE Curso de Direito Direito Civil I Texto 1 Professor: Luis Augusto Stumpf Luz A CODIFICAÇÃO CIVIL: CONCEPÇÃO DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002 O direito civil é considerado o mais importante ramo do direito privado por ter sido a primeira regulamentação elaborada para disciplinar as relações entre os particulares. É um ramo do Direito destinado a reger relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre indivíduos, assim considerados como membros da sociedade, bem como entre as pessoas jurídicas de direito público e direito privado. É o direito comum a todas as pessoas naturais e jurídicas, por disciplinar o seu modo de ser e agir, independentemente das condições sociais e culturais do indivíduo. Toda a vida social, todas as relações sociais estão previstas na lei civil que, assim, normatiza as relações do cotidiano das pessoas. Assim, para ilustrar, regula as relações de paternidade e maternidade, de marido e esposa, de credor e devedor, de alienante e adquirente de bens, de vizinhos, de condôminos, de herdeiros, entre inúmeros outros exemplos que poderiam ser mencionados. Na era medieval, o direito civil identificou-se com o direito romano, contido no Corpus Juris Civile; na Idade Moderna, no direito anglo-americano, a expressão civil law correspondia ao direito moderno, e as matérias relativas ao nosso direito civil eram designadas como private law. A partir do século XIX, o direito civil passa a ter um sentido mais restrito para designar as instituições disciplinadas no Código Civil (conforme previsão dos Livros da Parte Geral e da Parte Especial do CCB, adiante referidas). No período colonial da história brasileira, vigoravam as Ordenações Imperiais (em especial, as Filipinas). A partir da Independência do Brasil, em 1822, foram várias tentativas de elaboração de um Código Civil Brasileiro. Entendia-se que as diversas leis previstas de forma avulsa deveriam ser agrupadas e previstas em lei única, a ser estruturada em ´segmentos´ (Livros da Parte Geral e da Parte Especial, a seguir explicados). Porém, somente após a Proclamação da República, com a indicação de Clóvis Beviláqua, o Projeto de Código Civil foi elaborado, depois revisto e encaminhado ao Presidente da República, que o remeteu ao Congresso Nacional, em 1900. Após sofrer algumas alterações determinadas por uma comissão especialmente nomeada para examiná-lo, foi aprovado em janeiro de 1916, tendo vigência a partir de 1º de janeiro de 1917. Importante referir que a tarefa de codificar o direito é árdua, pois não é uma simples reunião de leis avulsas relativas a certos temas. É necessário coordenar e classificar metodicamente as normas concernentes às relações jurídicas de uma só natureza, criando princípios harmônicos, sintonizados, dotados de uma razoável unidade sistemática, por meio de critérios lógicos, racionais e objetivos que contemplam o sistema jurídico. Nesse sentido, ao final deste texto, estão indicados alguns dos princípios. O CCB/16 continha 1.807 artigos e era antecedido pela Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). Em sua concepção, sofreu influências dos Códigos francês e alemão. Em termos estruturais, continha uma Parte Geral, da qual constavam previsões legais aplicáveis a todos os denominados Livros da Parte Especial e produziam reflexos em todo o ordenamento jurídico, ou seja, em todos os demais ramos do Direito, tais como o Direito Penal, Direito Processual, Direito Administrativo, etc. Reconhecidamente elogiado pela clareza, técnica jurídica e precisão dos seus conceitos e previsões, o Código refletia as concepções e necessidades sociais do final do século XIX e início do século XX, baseados no individualismo, especialmente quando tratava do Direito de propriedade e da liberdade de contratar. A considerar a natural evolução das relações sociais, ocorreram algumas tentativas para modificá-lo por meio de projetos que criariam um novo código. Em paralelo, muitas leis avulsas trouxeram modificações ao CCB/16, em especial no ramo de Direito de família (Estatuto da Mulher Casada, de 1962; Lei do Divórcio, de 1977; Lei dos Companheiros e Conviventes, de 1994 e 1996, Lei dos Registros Públicos, de 1973, Código de Defesa do Consumidor, etc.). A própria Constituição Federal de 1988 implicou relevantes alterações no CCB/16. Com o acúmulo dos anos e a mudança das relações sociais, vários dispositivos do CCB/16 foram revogados, sempre na tentativa de atualização da legislação. Nesse contexto, no início do presente século, o Congresso Nacional aprovou o novo Código Civil brasileiro, resultante do Projeto de Lei nº 634/75, elaborado por uma comissão de juristas sob a supervisão de Miguel Reale. O Código Civil brasileiro de 2002 (Lei 10.406/02) revogou o de 1916, mas manteve a sua estrutura. O CCB/16 era precedido pela LICC (Lei de Introdução ao Código Civil) e, atualmente, o CCB/02 é precedido pela LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Em termos estruturais, o CCB/02 e o CCB/16 são muito parecidos. Assim, o CCB/02 trouxe a primeira parte do Código Comercial para o novo Código e está estruturado em duas partes, a saber: I – Parte Geral; II – Parte Especial, assim como também era estruturado o CCB/16. Considerando que o Direito Civil é um ramo concernente às relações do cotidiano das pessoas, está previsto e estruturado em duas partes: · Parte Geral do CCB/02: estruturada em três Livros ou seja, das normas concernentes às pessoas (naturais e jurídicas), aos bens (espécies) e aos fatos jurídicos (fenômeno da juridicização do fato social e espécies dos fatos jurídicos), exatamente como estava estruturado o CCB/16. · Parte Especial do CCB/02: prevista em cinco Livros, com os seguintes títulos: Direito das Obrigações (disciplina contratos e as obrigações oriundas de declaração unilateral de vontade e de atos ilícitos); Direito de Empresa (não previsto no CCB/16) (rege o empresário, a sociedade empresarial, o estabelecimento e demais institutos); Direito das Coisas (referente à posse, à propriedade, aos direitos reais sobre a coisa alheia, aos direitos de garantia); Direito de Família (normas relativas ao casamento, à união estável, à proteção dos filhos menores e incapazes) e Direito das Sucessões (normas sobre a transferência de bens por força da herança). Assim, previsto em 2.046 artigos, o novo Código (CCB/02) manteve a estrutura do CCB/16 e unificou as obrigações civis e mercantis. Como significativa característica, o CCB/02 afastou-se das concepções individualistas que nortearam o CCB/16 para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. Não obstante, é observado que a demorada tramitação legislativa fez com que fosse atropelado por leis especiais modernas e a própria Constituição Federal de 1988. A considerar que, em sua origem, o CCB/02 foi concebido em conformidade com a lei maior, isto é, com a Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, entendendo a estrutura da denominada “Pirâmide das Leis”, o CCB/02 obedece às previsões da CF/88 e concebe normas jurídicas em harmonia com a Lei Maior, identificando-se a chamada “constitucionalização” do Direito Civil, ou seja, o CCB/02 está concebido em sintonia com a CF/88 (Lei Maior). Assim, para ilustrar: a CF/88 prevê que o Direito de Propriedade deve ser exercido em conformidade com a função social (função social da propriedade) para diversos efeitos a serem respeitados, tais como a preservação do meio ambiente em prol das gerações presentes e futuras (artigos 5º, XXIII, 170, II e 225 da CF/88). No mesmo sentido, o CCB/02 prevê o direito de propriedade no artigo 1.228, parágrafo 1º, ou seja, caracteriza-se a harmonia entre a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro de 2022. Por todo o exposto, é importante referir que o CCB/02 está concebido por meio de princípios, a destacar: - da personalidade; - da autonomia da vontade; - da liberdade de estipulação negocial; - da propriedade individual; - da intangibilidade familiar; - da legitimidade da herança e do direito de testar; - da solidariedadesocial (não era concebido pelo CCB/16)