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Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Teoria Geral do Direito Civil Professora Doutora Maria Raquel Rei 06-10-2020 70% -> aulas práticas 30% -> frequências (primeira frequência nos primeiros 15 dias de dezembro) • O que significa Jurisprudência? Jurisprudência é a palavra que tem sido usada para designar as decisões dos tribunais. A base de dados associada à jurisprudência é a DGSI. 13-10-2020 TPC: Ler o Tratado do Direito Civil, volume 1, do Menezes Cordeiro, da página 83 a 171 • O Direito civil constitui o corpo fundamental do Direito, na sua globalidade. • O Direito civil exprime, por excelência, o modo de viver do povo que o criou e que o aplica. • Direito é a Ciência que visa solucionar problemas concretos. • Torna-se difícil, perante qualquer “lei” civil, retirar dela, um sentido imediatamente útil. • O Direito civil é Direito privado comum, ou seja, Direito que regula as relações que se estabeleçam entre pessoas iguais e que, a esse nível, trata particularmente os níveis genéricos da regulação. • O Direito civil é delimitado por critérios de tipo histórico-cultural: abarca regras e princípios historicamente derivados do Direito romano e paulatinamente afeiçoados às relações mais diretas, estabelecidas entre pessoas que compartilhem uma vivência. • O Direito civil exprime uma área da Ciência do Direito: aquela que resolve casos concretos civis. • A Ciência do Direito civil equivale ao grande tronco comum da dogmática jurídica. • Ciência do Direito -> aparece no século II a.C. • Século XII -> aparecimento da nacionalidade • Finais do século XIII -> fundação da Universidade • Idade Média -> momento histórico mais decisivo para a formação do Direito civil lusófono Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Menos sensível a reformas legislativas do que diversos outros ramos normativos, o Direito civil evolui à medida que a elaboração científica permita novas composições. • Na Europa e desde o século XII, com o aparecimento das universidades, o Direito civil comporta uma evolução que, sendo eminentemente nacional, transcende quaisquer fronteiras linguísticas ou antropológicas. • O Direito civil lusófono tem, hoje, uma feição romano-germânica. É um Direito realizado, no Continente europeu, desde a Fundação; mas é um Direito vivo, reanimado por gerações de magistrados e de estudiosos universitários e, daí, vestido nas mais recentes leis civis, com relevo para os Códigos de 1966 e de 2002. O labor universitário, muito permeável a experiências estrangeiras, tomadas em aceção científica, permitiu que o nosso moderno Direito civil se aproxime da pureza latina, precisamente com apoios na Ciência jurídica que mais aperfeiçoou o Direito românico: a alemã. Todo o sistema atual do Direito civil lusófono deriva desse decisivo fator histórico, cultural e científico. • O tratamento germânico do Direito civil foi – e é – ele próprio, o fruto de múltiplas confluências históricas, científicas e universitárias. • O Direito civil tem um núcleo que, pura e simplesmente, adveio da História: o Direito romano. • Não faltaram tentativas de substitui o Direito puramente histórico, de racionalidade por vezes discutível, por um Direito racional: mais lógico e perfeito. De um modo geral, as tentativas falharam. Mas entre essas tentativas, uma houve que teve consequências: a levada a cabo, nos séculos XVII e XVIII, pelos racionalistas ou teóricos do Direito natural. • Os racionalistas intentaram substituir os esquemas tradicionais romanos por classificações e definições lógicas. Daí resultou todo um corpo de matéria, com reflexos acentuados domínio dos contratos. Esse campo não substituiu quaisquer outros que o antecedessem: somou-se a eles. • O Direito civil é, hoje, um Direito codificado: incluiu-se nos códigos civis. • Os códigos de tipo germânico – ou alguns deles – apresentam, logo no início, uma “parte geral”. Essa parte geral antecede o subsequente tratamento civil – as “partes especiais” (Direito das Obrigações, Direitos Reais, Direito da família e Direito das Sucessões) – em temos que não comportam uma articulação inteiramente lógica, mas, tão-só, histórico-cultural. • A contraposição entre o Direito público e o Direito privado remonta às compilações de Justiniano (século VI): o direito público é o que respeita ao Estado dos assuntos romanos; o privado o que pertence ao interesse privado, sendo tripartido (deriva de preceitos naturais, de [Direito] das gentes, ou de [Direito] civil). • Os digesta, em texto atribuído a Ulpiano, dizem que o Direito público é aquele que respeita ao Estado dos assuntos romanos; o privado ao interesse dos particulares. O interesse público consiste nas coisas santas, nos sacerdotes e nos magistrados; o privado é tripartido e provém ou dos preceitos naturais, ou das gentes, ou do civil. • Os dois pontos anteriores não têm precisão dogmática. • A ideia de Direito civil é anterior à de Direito privado. • O Direito civil é o Direito da cidade e dos cidadãos (cives), surgindo, no final da República romana, para designar o conjunto representado pelas XII Tábuas e pelas leis subsequentes. Contrapunha- se ao ius gentium ou Direito das gentes, aplicável fora da cidade e a relações com não-cidadãos. O direito público (ius publicum) surgiu para designar o direito posto pelo populus, isto é: o Direito é a base legal, aplicável a todos. Já o Direito privado (ius privatum) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 seria o proveniente de contratos entre os particulares: apenas a estes diria respeito. Ou seja, o próprio Direito civil, quando legislado, seria público. • De acordo com o espírito do Direito romano, a contraposição entre o Direito público e o Direito privado não tinha qualquer significado sistemático. Apenas se teria de lidar com o Direito civil, o qual incluiria o Direito público: simples tópicos – um e outro – ordenadores da grande matéria jurídica. • A contraposição entre o Direito público e o Direito privado manteve-se ao longo da História. • Na linha do fragmento de Ulpiano, o Direito público ocupar-se-ia do Estado, enquanto o Direito privado versaria os interesses dos particulares. • No Direito romano, o Direito público perdeu o seu significado com a queda do Império e com o desaparecimento da organização política clássica. Já o Direito privado subsistiu, assente na sua valia técnica e no prestígio da Antiguidade: non rattione imperii sed rationis imperio (não em razão do império, mas pela razão do império). • No período contemporâneo, principalmente logo após as revoluções liberais, desenvolveram-se as doutrinas do Estado e da Administração pública. A preocupação dos juristas já não era a de afirmar a autoridade do soberano: antes a de conter o Estado, mantendo uma esfera livre dos cidadãos. A diferença entre o Direito público e o Direito privado aprofunda-se: além das origens, temos, agora, técnicas distintas, jurisdições próprias e modos de ser diferentes. Finalmente, a ideia de Estado de Direito permite lançar a Ciência do Direito público, suplantando as (meras) teorias do Estado e da Administração. • Posições que relativizam ou negam a contraposição entre Direito público e Direito privado: 1. Orientações sócio-comunitárias -> relevam, no Direito, o papel das organizações intermédias, das coletividades e das associações; as normas de ambos os setores estariam interligadas; 2. Orientações normativistas analistas -> dissecam, nas diversas instituições, regras estruturalmente públicas, de acordo com o critério do interesse predominante e da presença de poderes de autoridade. Chegam à conclusão que, no seio do mais tradicional Direito privado, ocorrem situações públicas (Direito da família; o Estado a atuar de acordo com esquemas privados): distinção não éclara, podendo ser inconciliável com a ideia de Estado de Direito. 3. Orientações totalitárias de extremos opostos/orientações antiliberais de cariz totalitário –> negam a contraposição entre Direito Público e Direito privado, pois é um modo fácil de suprimir a defesa que o Direito privado representa para as pessoas. (A ex-República Democrática Alemã foi a última experiência histórica deste tipo; O nacional-socialismo alemão e o fascismo italiano tomaram essa posição. • A contraposição entre o Direito público e o privado foi ainda posta em causa por estudiosos de disciplinas que vinham jogar com normas provenientes de ambos os setores. • O Direito do trabalho é considerado, predominantemente, como Direito privado. • A existência de uma contraposição entre o Direito público e o Direito privado é um dado existencial, imposto pela História e pela cultura. • A contraposição entre Direito público e Direito privado é explicada com recurso a diversas doutrinas. Todas elas são úteis, mesmo quando insustentáveis: contribuem para esclarecer a contraposição. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Teoria do interesse -> Ao Direito privado caberiam os interesses dos particulares enquanto, por simetria, o Direito público proporcionaria o interesse público. O interesse público respeitaria a uma generalidade de pessoas, podendo concretamente exigir o sacrifício dos particulares. A teoria faz sentido pelo prisma do Direito público: este, a ser caracterizado como um corpo normativo ao serviço do Estado e tendencialmente vocacionado para limitar a autonomia privada (Direito fiscal ou Direito público do Urbanismo) só pode mesmo justificar-se pelo interesse público. Pelo prisma do Direito civil, não é assim. Desde o Direito Romano há a clara perceção da presença de regras civis que, por estarem ao serviço do interesse comum, não podem ser afastadas pelos particulares. Estas regras são civis pela origem, pelos institutos em que se integram e pelo modo por que são aplicadas: parece haver, aqui, outros tantos critérios que se sobrepõe ao do interesse público. Além desta objeção, o moderno Direito administrativo (direito público interno) faculta outra: ao contrário dos inícios, sempre carecidos de legitimação, encontramos hoje direitos subjetivos públicos que, imediatamente, tutelam interesses particulares. O respeito pelas posições dos particulares é inevitável para a preservação da comunidade: para o interesse público; a tutela conveniente do interesse público acautela, em última instância, a posição de cada cidadão. O Direito público requer um plus de legitimação; não vale por si como o privado. • Teoria da importância (por Püttner) -> o Direito público corresponde a um setor mais importante do que o privado, ou seja, prevalece sobre ele havendo concurso. É uma versão mais assumida da teoria do interesse. O interesse público suplanta o privado. • Teoria da subordinação -> no Direito público, as relações jurídicas pautam-se pela superioridade de uma das partes sobre a outra (domina um vetor de autoridade); no Direito privado, os participantes estão, pelo contrário, em pé de igualdade. Teorias do Sujeito (apelo primordial ao tipo de sujeito da relação ou da situação jurídica) Teorias Materiais (distinção na natureza das próprias regras em si) Teoria do interesse Teoria da Importância Teoria da Subordinação Teoria da Soberania Teoria da Tradição Teoria do Sujeito Formal Teoria do Sujeito Material Teoria da Ordenação Teoria da Competência Teoria da Gestão Pública Teoria do Direito Especial Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Teoria da soberania -> admite uma ideia subjacente à da subordinação, mas procura ir mais longe; O Direito público funcionaria como um Direito especial, portador de autoridade, mas, para além disso, haveria que prever regras de legitimação – que apelam para a soberania – e normas de conflito. Esta teoria descura o Direito privado. • Teoria da tradição -> na base de diversas orientações, certas regras vêm a ser consideradas de Direito público e outras de Direito privado; basicamente acolhem-se como direito público aquelas que como tal já o eram consideradas; é muito funcional e realista: boa parte da conformação das fronteiras público-privadas é de índole histórico-cultural. • Teoria do sujeito formal -> o Direito público é o Direito do Estado ou, em rigor, também o de outros organismos públicos; verifica-se, no entanto, que o Estado pode agir como um simples sujeito privado (comprando, vendendo, arrendando, celebrando negócios), logo neste Direito público não basta falar em Estado: tem de falar-se em Estado com um plus distintivo. • Teoria do sujeito material -> haveria, no Direito público, uma atuação do Estado dotado dos seus atributos próprios. • Teoria da ordenação -> vê, no Direito público, um corpo especial de regras, um “conjunto de normas jurídicas que só legitimam ou obrigam os sujeitos de direito que se determinam exclusivamente através de normas ou atos de Estado”; esta teoria aproxima-se das teorias institucionais que veem no Direito público um corpo especial de regras destinadas a legitimar a atuação do Estado e dos organismos públicos, ou seja, é uma versão modificada da teoria do sujeito; ideia de exclusividade; não tem, hoje, absoluta consistência. • Teoria da competência -> no Direito privado todos são competentes para agir (Jedermannkompetenz); no Direito público, apenas o poderiam fazer as pessoas indicadas por uma norma de legitimação. • Teoria da gestão pública (por Achterberg) -> o Direito público seria a soma das normas relativas a relações nas quais um dos sujeitos, na base de uma situação legitimadora, atuaria como um gestor (Sachwalter) do “bem comum”; falha na definição daquilo que é o “bem comum” ou o “interesse comum”. • Teoria do Direito especial -> dominantes na atualidade; o Direito privado constituiria a base aplicável a todos os sujeitos; o Direito público diferenciar-se-ia pela sua especificidade, funcionando apenas perante determinadas ocorrências ou em face de entidades especialmente legitimadas, por lei, para usar as inerentes prerrogativas. • Todas as relações suscetíveis de se estabelecerem entre os seres humanos, por iniciativa destes, são objeto do Direito privado. O Direito privado vale por si: adere estritamente às pessoas, não carecendo de se justificar pelos fins que prossiga; advém da História – ius romanum -, estando menos dependente do legislador. • O Direito público surge como um Direito especial, pois é o Direito que regula a Administração, ou as Finanças públicas ou quaisquer outros domínios do Estado. Pode falar-se em Direito dos titulares de poderes de soberania, Direito dos princípios da organização do Estado ou em Direito especial do Estado. • O Direito público, enquanto Direito especial, atenderá ao denominado interesse público, dando corpo a situações de soberania e de subordinação. No seu âmbito de aplicação, prevalece sobre o Direito privado. As especificidades materiais do Direito público determinam-se, porém, apenas a nível do sistema (conjunto ordenado no qual ganham o seu sentido pleno). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Nesse plano do sistema, podemos considerar que: nas situações jurídicas privadas, as atuações pautam-se pela igualdade e pela liberdade; nas situações públicas, as atuações desenrolam-se segundo a autoridade e a competência. • A figura do direito potestativo (poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica) documenta, em zonas pacificamente reconhecidas como privadas, a erupção dos vetores da autoridade e da competência. • Os parâmetrosda igualdade e da liberdade manifestam-se, apenas, a nível do sistema – ou subsistema – privado na sua globalidade e não, necessariamente, em cada situação jurídica privada em si. • A contraposição entre o Direito público e o Direito privado surge, hoje, reforçada, graças às aplicações da ideia e de sistema. Apuram-se, assim, novos fatores de diferenciação, que facultam uma separação nítida em relação ao Direito público. Por razões de exposição, tais fatores podem ordenar-se em culturais, teóricos, práticos e significativo-ideológicos. • Plano cultural -> o Direito privado radica na tradição românica; o Direito público assenta numa elaboração racionalista do tecido normativo, em obediência a inflexões diversas; ainda não tem uma verdadeira codificação devido à sua progressão científica. • Plano teórico -> o Direito privado apresenta-se como uma regulação de relações interindividuais; correspondendo aos avanços e recuos da civilização, ele é pouco sensível a modificações bruscas, antes acompanhando a evolução da Ciência jurídica; o Direito público figura o regime do relacionamento do Estado com os particulares e certos esquemas hierarquizados de distribuição dos bens. • Plano prático -> (??) • Plano significativo-ideológico -> o Direito privado corresponde à expressão cultural mais profunda de cada sociedade. Este tem vindo a ser reconhecido como uma eficaz garantia das pessoas e do seu espaço próprio – é o mais eficaz bastião de defesa da pessoa contra as arremetidas do Estado e o arbítrio dos grupos. • Pascoal de Mello -> trata o conjunto do Direito português como Direito Civil. Dentro do Direito Civil haveria que distinguir o público do privado: o público respeita à sociedade em geral, e determina os direitos dos imperantes e dos cidadãos; o Direito privado ou particular, é o que abrange as pessoas, as coisas e as ações. • Lobão -> distingue no Direito público o universal e o particular subdividindo-se este em Direito público civil e em eclesiástico; o Direito pátrio divide-se, por seu turno, em público e em particular. • Para os clássicos civilistas do século XIX, foi-se estabelecendo uma diferenciação entre o Direito civil e o Direito público. • Liz Teixeira -> tudo o que diz respeito à organização da massa ou corpo d’uma Nação; as individualidades só remotamente são por ele consideradas - Direito Público ou Político; O Direito Particular – Jus Privatum -, ou Direito civil em mais estreita aceção, diz respeito a todas as relações que se dão entre os membros da mesma Nação para os seus interesses particulares: atende de imediato às individualidades, à associação em remoto. (Dava já um estatuto mais elevado ao Direito público) • Coelho da Rocha –> o Direito público regula as relações dos cidadãos de cada nação com o seu governo, enquanto o Direito particular ou civil se ocupa dos direitos e obrigações dos cidadãos Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 uns para com os outros. Além do sentido expresso anteriormente, Direito civil abrange três outros sentidos: 1º Direito positivo por oposição ao natural; 2º Direito comum por oposição ao canónico; 3º Direito particular, por oposição ao público e ao criminal. • O liberalismo veio dar uma grande importância ao Direito administrativo, recém-criado como disciplina reformadora do Estado e da Administração. • As referências ao Direito público foram-se enriquecendo, à medida que o liberalismo dotava o Estado de um moderno Direito administrativo. • No início, os publicistas nacionais limitaram-se a apresentar o Direito administrativo, sem especiais preocupações de integração sistemática. Justino António de Freitas -> Direito administrativo é a ciência da ação e da competência do poder central, das administrações locais e dos tribunais administrativos nas suas relações com os interesses dos administrados, e com o interesse geral do Estado. • Guimarães Pedrosa -> o Direito administrativo é o Direito do Estado ou o conjunto de disposições de Direito público que regulam o Estado. • A publicística tem mantido uma ligação preferencial com a teoria do interesse. O Direito público é apresentado como visando defender o interesse público ou coletivo, pelo menos em primeira linha. Mantém, no entanto, uma ideia de justificação significativo-ideológica por parte do Direito público: não vale apenas por existir, como facto ontologicamente irresistível, mas, antes, por ter uma valia que o faça sobrelevar-se além do Direito comum – o interesse público. • Manutenção do Direito público como o Direito especial, próprio de um determinado setor de atuação do Estado – o da função administrativa – bem delimitado em termos materiais e de tradição. O Direito privado será, em definitivo, o Direito comum nacional. • Perante qualquer situação carecida de tratamento jurídico, na ausência de regras especiais que tenham pretensão de aplicabilidade, há que recorrer ao Direito civil. • A distinção entre o Direito comum e o Direito especial é essencialmente relativa: ambos se afirmam um perante o outro e, na medida em que um exista, consubstancia-se o outro: pode acontecer que um mesmo complexo normativo seja, em simultâneo, especial e comum. • Dentro do Direito civil, a não haver nenhuma área específica implicada, caímos na parte geral ou no Direito das obrigações. • O Direito civil é o mais comum e o mais abstrato de todos os ramos do Direito. Constitui a base a partir do qual, por especialização, por negação, por complementação ou por inovação, se vão erguendo todos os demais ramos jurídicos normativos. • A elaboração geral de regras de determinação de fontes, sua delimitação no tempo e no espaço, sua interpretação, integração e aplicação são tarefa do Direito civil • Noções comuns/civis -> relação, direito subjetivo, contrato, prestação, adstrição, prazo, validade, eficácia… • Num País de Direito continental, o último Direito constitucional material acabará por ser o Direito civil. • O Direito civil enquanto Direito comum (ou Direito mais comum), tem aplicação subsidiária perante os diversos ramos jurídicos. • Para se chegar ao fundamento da aplicabilidade subsidiária do Direito civil no campo público e, particularmente, no administrativo, têm sido invocadas duas teses que não se excluem, mas sim documentam momentos distintos do processo de realização do Direito: a dos princípios gerais e Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 a da analogia. • Tese dos princípios gerais -> o Direito civil daria corpo aos princípios gerais do ordenamento; na falta de normas específicas, eles tenderiam a prevalecer. • Teoria da analogia -> o Direito civil seria chamado a depor quando regulasse um caso análogo ao carecido de regras públicas. • O Direito civil exprime, em si, a riqueza multidimensional da ordem jurídica a que pertença: é direito positivo na medida em que traduz regras jurídicas destinadas a facultar soluções de casos concretos surgidos no seu vasto âmbito de aplicação (quid iuris?); é Ciência do Direito na medida em que fixa o caminho que vai das fontes às soluções concretas dos problemas, fazendo-o em termos previsíveis, justificáveis e controláveis (quid ius?); é Cultura Jurídica pois comporta a linguagem, os conceitos, os institutos e as conexões presentes em todas as disciplinas jurídicas e que foram elaboradas no seu seio. • No atual momento histórico, a preservação e o aprofundamento do Direito civil lusófono constituem um desígnio nacional. O Direito civil corresponde, em simultâneo, ao cerne mais tradicional, mais característico, mais denso e mais avançado da nossa ordem jurídica. A autonomia do Direito lusófono e o seu nível geral valem o que valer a sua Ciência jurídico-civil. • O futuro da Nação Portuguesa numa Europa em integração crescente depende da manutenção da língua e do Direito, fundamentalmentecivil, apoiado nos demais Estados lusófonos. • O Direito civil é Direito romano atual. • As raízes romanas – entendidas através das receções – do atual Direito civil são fundamentais para exprimir a sua essência. Mas apenas por si, não a explicam: o Direito atual, apesar de semelhanças formais que vão até à identidade de proposições normativas, não é, efetivamente, Direito romano, tal como vigorou em sociedades há muito desaparecidas. A explicação reside na evolução entretanto registada na Ciência do Direito e na natureza constitutiva por esta assumida. • A dogmática jurídica está intimamente ligada à História, quer em termos puramente cognitivos, quer em moldes argumentativos. • A remissão do Direito civil, no seu progresso histórico, para o campo da evolução da própria Ciência do Direito, obriga a colocar os temas da tópica e da sistemática (complementares entre si). • A tópica traduz a técnica da justificação da solução dos problemas, enquanto a sistemática se propõe a resolver os problemas com recurso a princípios pré-elaborados. A tópica pressupõe que os problemas, desligados entre si, encontrem uma solução extracientífica; mas essa solução deveria, depois, ser fundamentada, de modo a permitir convencer as outras pessoas e, designadamente, o adversário numa discussão. A tópica ensinaria, então, a encontrar os lugares argumentativos para tanto necessários. • A sistemática, pelo contrário, apoia-se na existência prévia de princípios assentes, que comportariam as soluções múltiplas para os problemas possíveis. Colocada a questão restaria, por via dedutiva, obter uma saída justificada pelo modo da sua obtenção. • O Direito civil teve uma origem tópica. Quando, na antiga sociedade romana, se atingiu um desenvolvimento sociocultural mínimo, tornou-se necessário instituir instâncias de decisão para os conflitos que, porventura, surgissem no seu seio. As soluções para tais conflitos eram alcançadas caso a caso, com base em considerações de oportunidade e de bom senso: não havia Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 normas gerais e abstratas prévias que inculcassem vias de solução. E uma vez obtidas, tais soluções eram justificadas com recurso a referências – a tópicos – que concitassem a aprovação social. O decurso do tempo e o efetivo cuidado posto na decisão dos problemas permitiu o apuramento de certas regularidades de solução: as interações sociais, radicadas em estruturações minimamente estáveis, levam a que o igual seja resolvido de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. Esta regularidade corresponde a uma certa lógica interna e faculta a formulação de regras que tornem previsíveis as soluções para litígios futuros. A esse conjunto de regras que facultem a obtenção – e a previsão – das soluções para os problemas que venham a colocar-se pode chamar-se sistema interno. • Quando as soluções para os problemas se concatenaram entre si, numa série de relações estáveis, de acordo com regras que habilitavam à sua previsão, nasceu a Ciência do Direito civil, identificada como o sistema interno. A tópica que levou ao nascimento do Direito civil foi, a nível interno, substituída por uma sistemática, necessariamente conectada com o próprio surgir da Ciência jurídica. • As coordenadas constituídas pelas contraposições sistema interno-sistema externo e tópica- sistemática ditaram a génese e as alterações subsequentes no Direito civil e, a partir deste, na Ciência jurídica em geral. • A transposição do jusracionalismo – e da sistemática por ele pressuposta – para o Direito civil levantou dificuldades quase insuperáveis. O Direito civil é um dado cultural: ele é pré-dado, derivando da História; ontologicamente, ele não é deduzido de particulares princípios, numa situação rica em consequências. • A sistemática integrada ou terceira sistemática perdura até aos nossos dias. Lançada por Savigny, foi utilizada ao longo de todo o século XIX, no espaço jurídico alemão, em trabalhos desenvolvidos sobre os Digesta ou Pandekten. Conhece-se, por isso, também por pandetística. O êxito de Savigny ficou a dever-se à justeza da sua leitura e ao impacto direto que a sua obra teve na consecução de soluções concretas. Os cânones gerais da interpretação, ainda atuais e utilizáveis, foram fixados por Savigny. Hoje, eles já não são o coração da dogmática jurídica, mas sim a sua coluna: a herança de Savigny é universal. • As codificações civis modernas – as únicas que, verdadeiramente, merecem o título de “codificações” – surgiram quando a Ciência do Direito atingiu um nível que possibilitou a sua confeção e quando as condições sociopolíticas a tanto deram lugar. • Uma codificação civil só pode singrar quando o enorme trabalho de redução e síntese, que sempre implica, respeite o tecido interno, nas suas conexões e no seu teor fundamental. • A primeira codificação moderna é normalmente reportada ao Código Civil francês de 1804 ou Código Napoleão. Surgiu na sequência de um imenso trabalho levado a cabo durante os séculos XVII e XVIII e que visou o conhecimento e o redimensionar do material jurídico-civil. • Nos séculos XVII e XVIII, a doutrina continental procurou enfrentar e resolver três questões fundamentais: a unificação das fontes; a busca de uma sistemática racional; a adaptação dos institutos a novas realidades. • A unificação das fontes era um problema particularmente grave em França, dividida numa zona norte, de costumes – ainda que redigidos em termos romanizados – e numa zona sul, de Direito escrito – o Corpus Iuris Civilis. Mas para além disso, havia toda uma situação complexa gerada pela existência de compilações justinianeias, de inúmeras leis nacionais, do Direito canónico e Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 de diversos costumes e praxes jurisdicionais. • A busca de uma sistemática racional correspondia à necessidade de encontrar uma ordem para a compreensão e a aprendizagem do Direito, de aprontar um sistema externo que superasse as meras ordenações periféricas levadas a cabo pelos jurisprudentes elegantes. • A primeira codificação traduz apenas o ponto de chegada de uma evolução complexa iniciada com os comentaristas, renovada pelo humanismo e pela primeira sistemática e infletida pelo racionalismo. Entre a doutrina pré-revolucionária e o Código não há quebras ou, sequer, evoluções significativas; pelo contrário: o Código Napoleão pôs cobro a múltiplas inovações introduzidas durante o período revolucionário, adotando soluções anteriores. A adaptação dos institutos a novas realidades, aquando da efetivação de uma codificação civil, tem, pois, outro alcance: trata-se de generalizar segmentos já aproveitados e comprovados sectorialmente, de consagrar inovações preconizadas pela doutrina, de limar arestas em esquemas há muito conhecidos ou de erradicar fórmulas consideradas, de modo pacífico, como inúteis. • Os grandes pilares de fundo do Código Napoleão residiam nos seus artigos 544 e 1134/1, assim concebidos: “A propriedade é o direito de gozar e de dispor dos bens da forma mais absoluta, desde que não se faça deles um uso proibido pelas leis e pelos regulamentos” e “As convenções legalmente formadas valem como leis para aqueles que as fizeram (…)” • Estes preceitos tiveram, contudo, o simples mérito de proclamar com clareza aquilo que já era bem conhecido no Direito anterior. • O essencial das inovações integradas num novo estádio político-social cifrou-se, tudo visto, em supressões, como a das antigas corporações: a abertura do Direito privado, assente na ausência de regulações, facultou, por si, uma melhor atuação dos níveis económicos no plano privado. • Obedecendo aos parâmetros gerais que sempre justificam uma codificação, o Código Napoleão veio ainda acusar, de modo marcado, o influxo jusnaturalista.O Código apresenta-se como um produto terminal da segunda sistemática. • O Código Napoleão reparte-se por 3 livros: I- Das pessoas; II- Dos bens e das diversas modificações da propriedade; III- Das diferentes formas por que se adquire a propriedade. • Livro I – posição jurídica do indivíduo e de situações jurídicas familiares; Livro II – coisas, propriedade e outros direitos reais; Livro III – sucessões, doações, contratos em geral, casamento e regimes matrimoniais, contratos em especial, hipotecas e prescrição. • Toda a matéria se desenvolve, pois, a partir de ideias centrais simples e claras: a pessoa, enquanto indivíduo, carece de bens que movimenta, para sobreviver e se expandir. A aplicação destes postulados, por não atentar suficientemente nos elementos pré-sistemáticos que a cultura e a história sempre comportam, mostra-se pouco apta perante os regimes em jogo, como a evolução posterior acabaria por demonstrar. • O Código Napoleão surgiu como um monumento legislativo de primeira grandeza. Ele impôs- se para além das suas fronteiras naturais, seja pela força das armas napoleónicas, seja por livre adoção (fenómeno de receção). • Hoje continua em vigor, embora muito alterado: a evolução das ideias e a pressão do Direito comunitário a tanto têm conduzido. • Centenário de 1904 -> foi ponderada, com cuidado, a eventualidade de uma revisão profunda: alguns Autores manifestaram-se a favor de tal revisão, enquanto outros optaram pela negativa. Os argumentos à revisão pareciam sérios e ponderosos, mas o Código Napoleão manteve-se. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • A influência dominadora, científica e cultural, do Código Civil francês apenas esmoreceria perante o aparecimento, nos finais do século XIX, de uma nova codificação, assente em dados científicos mais perfeitos e avançados: o Código Civil alemão, conhecido pela sua sigla BGB (Bürgerliches Gesetzbuch) – corresponde ao ponto terminal de uma intensa atividade jurídico- científica, que se prolongou por todo o século XIX. • Pandetistas -> levados a confecionar um novo sistema civil: as proposições jurídicas singulares, os institutos, os princípios e a ordenação sistemática sofreram remodelações profundas, aperfeiçoando-se, evitando contradições e desarmonias e multiplicando o seu tecido regulativo de modo a colmatar lacunas. • A doutrina francesa, presa a uma exegese intensa do texto napoleónico, perdeu terreno, até os nossos dias. • O Código Civil alemão tem, subjacentes, as estruturas científicas da terceira sistemática. • As preocupações imediatamente ideológicas – patentes no Código Napoleão e, em geral, nas codificações de inspiração liberal – desapareceram da Ciência do Direito, a favor de considerações de predomínio técnico. • Os trabalhos codificadores tiveram o seu início depois da proclamação, por Bismark, do 2º Império alemão. Estes vieram a prolongar-se por 23 anos de labor sério e intenso. • O BGB traduz “uma recolha do já existente e não uma criação de novidades” sintetiza a Ciência jurídica do século XIX, no que ela tinha de maus evoluído. • O BGB apresenta uma sistematização em 5 livros: Livro I- Parte geral; Livro II- Direito das ralações obrigacionais; Livro III- Direito das coisas; Livro IV- Direito da família; Livro V- Direito das sucessões. (classificação germânica do Direito civil) • Enfrentou, com êxito, os dois grandes desafios que lhe foram lançados: inexistência de normas associadas ao trabalho (o BGB estava, à partida, desatualizado) -> R: nasce o Direito do trabalho, como Direito privado especial; perturbações económicas e sociais profundas que não cessaram de aumentar depois da primeira guerra mundial -> R: desenvolvem-se institutos importantes no âmbito civil. • Com alterações, o BGB mantém-se a base do Direito privado alemão. • Publicação do BGB -> definitiva divisão dos Direitos de base românica em dois estilos: o estilo francês ou napoleónico e o estilo germânico ou pandetístico. • O Direito civil lusófono, com várias especificidades, oscilou entre os dois estilos: passou do napoleónico ao germânico. • As codificações tardias têm as seguintes características: são fruto da terceira sistemática; correspondem à universalização do Direito e da sua Ciência; têm em conta as críticas setoriais feitas à primeira e segunda codificação e consagram certos institutos novos obtidos já depois delas; apresentam desvios provocados pelas diversas realidades nacionais. • Foram precedidas pela receção e pelo desenvolvimento de uma Ciência jurídica de tipo pandetístico que, procurando evitar extremos de um Direito puramente racionalista ou de um Direito empírico no seu todo, efetuou a síntese integrada desses dois níveis jurídicos. • O Código Civil suíço apresenta a seguinte sistematização: Livro I- Direito das pessoas; Livro II- Direito da família; Livro III- Direito Sucessório; Livro IV- Direito das coisas; Livro V- Direito das obrigações. • O Código Civil grego, teve, na sua base, uma aplicação milenária do Corpus Iuris Civilis e, Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Designadamente, dos Digesta ou Pandektae. A influência alemã foi determinante, embora o Código suíço também tenha jogado. • O Código grego reparte-se pelas 5 partes germânicas. As críticas movidas à parte geral não obstaram à sua consagração, embora tivessem permitido corrigir alguns dos seus erros. • O Código Civil italiano, de 1942, é a mais autónoma das codificações tardias; sistematizou o Direito civil em termos mais aperfeiçoados: absorveu, por um lado, as novas criações jurídico- cientificas do século e retomou, por outro, as mais finas construções romanistas; intentou a unificação do Direito privado, absorvendo o Direito comercial e do Direito do trabalho; reparte- se da seguinte maneira: Livro I- Das pessoas e da família / Livro II- Das sucessões / Livro III- Da propriedade / Livro IV- Das obrigações / Livro V- Do trabalho / Livro VI- Da tutela dos Direitos; constitui um fruto notável da Ciência jurídica da primeira metade do século XX. • No século XIX, as necessidades da reunificação levaram a Itália a optar por uma codificação de tipo napoleónico: o Código Civil de 1865. • Nos finais do século XIX, assistiu-se a uma viragem definitiva da Ciência jurídica italiana para o modelo da terceira sistemática. • O segundo terço do século XX foi mesmo proclamado como a “idade da descodificação”: novos problemas encontravam solução legislativa à margem dos códigos civis tradicionais; temas antes incluídos nos códigos vieram a, deles, ser retirados. • A Ciência do Direito continental retomou, todavia, e com alguma facilidade, o seu ascendente sobre o Direito e a produção das leis. • Finais do século XX, princípios do século XXI -> aparecimento de 3 importantes códigos civis: Quebeque (1991), Holanda (1992), Brasil (2002). A reforma do Código Civil alemão, de 2002/2002, é também importante neste contexto. • Pano de fundo destas codificações -> apoiam-se numa 3ªsistemática a qual, em vez de ser precedida pela pura e simples receção do pandetismo, pode ser alcançada através da evolução integrada do estilo napoleónico; apresentam uma preocupação envolvente, acolhendo, no Código Civil, ora matéria comercial (Brasil), ora matéria do consumo (Alemanha); ora ambas (Quebeque e Holanda). • O Quebeque adotou um direito de tipo continental pré-codificado, seguindo o “costume” de Paris. • Sir Georges-Étienne Cartier -> prepara o primeiro Código Civil do Quebeque (Código Civil do Baixo-Canadá); este código adotou uma sistematização napoleónica (I- Das pessoas; II- Dos bens, da propriedade e das diferentes modificações; III- Da aquisição e do exercício dos direitos de propriedade; IV- Leis comerciais); • O Código Civil do Baixo Canadá cumpriu admiravelmente a sua função, preservando, numuniverso de Common Law, uma ilha de Direito continental e provando, com isso, a capacidade de sobrevivência do Direito civil. • Thibaudeau-Rinfret -> a partir de 1955 prepara uma nova codificação que é aprovada, em 1991, como Código Civil do Quebeque; reparte-se por 10 livros (I- Das pessoas; II- Da família; III- Das sucessões; IV- Dos bens; V- Das obrigações; VI- Das prioridades e das hipotecas; VII- Da prova; VIII- Da prescrição; IX- Da publicidade dos direitos; X- Do Direito internacional privado); podemos considera-lo como o produto científico-cultural mais evoluído do estilo continental napoleónico. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Código Civil Holandês (Burgerlijk Wetboek) de 1838 correspondia ao figurino francês, distanciando-se o seu Direito civil, claramente, do alemão. • Dá-se uma reforma sendo aprovado, em 1991, e entrando em vigor em 1992, o novo Burgerlijk Wetboek que se reparte em 9 livros (I- Direito das pessoas e da família, II- Direito das pessoas coletivas, III- Direito patrimonial em geral, IV- Direito das sucessões, V- Direitos reais, VI- Parte geral do Direito das obrigações, VII- Contratos em especial, VII-A- Contratos em especial; continuação, VIII- Direito dos transportes) – contempla áreas sensíveis, como a da tutela do consumidor. • Brasil -> 1890 Coelho Rodrigues apronta um projeto (já haviam sido encarregadas outras pessoas para esta tarefa desde 1859), mas este foi rejeitado. • O novo Código civil do Brasil só é aprovado em 5 de janeiro de 1916 -> era um texto excelente, onde transparecia já um bom conhecimento do Direito alemão, em processo de superação do francês. • A evolução subsequente da realidade brasileira acaba por colocar a hipótese de preparação de um novo Código Civil -> surge um projeto em 1975 que acaba por ser promulgado a 10 de janeiro de 2002. Sistema: Parte Geral [Livro I- Das pessoas (1º a 78º); Livro II- Dos bens (79º a 103º); Livro III- Dos factos jurídicos (104º a 232º)], Parte Especial [Livro I- Do Direito das obrigações (233º a 965º); Livro II- Do Direito da empresa (966º a 1195º); Livro III- Do Direito das coisas (1196º a 1510º); Livro IV- Do Direito da família (1511º a 1783º); Livro V- Do Direito das sucessões (1784º a 2027º)] e Livro Complementar – Das disposições finais e transitórias (2028º a 2046º). • O Código Civil brasileiro de 2002 acolheu o Direito comercial e procedeu a uma certa unificação do Direito privado. Ficaram de fora o Direito do trabalho e o Direito do consumo. • 11 de outubro de 2001 -> é aprovado, na Alemanha, um diploma denominado “Lei para a modernização do Direito das obrigações”. Esta lei alterou dezenas de parágrafos do BGB na sua área mais nobre: o coração do Direito das obrigações. • Esta reforma surgiu precedida por reformas importantes como a do Código de Comércio, de 1998 e a do próprio BGB, de 2000. • Tocou nos seguintes pontos: regime de prescrição; Direito da perturbação das prestações; Direito da compra e venda; contrato de empreitada; contrato mútuo. Além disso, transitaram para o BGB diversas leis de tutela dos consumidores, com relevo para a das cláusulas contratuais gerais, para a das vendas a domicílio e para a das vendas à distância, complementadas com regras sobre o comércio eletrónico. • Reforma do Direito das obrigações -> início de agosto de 2000 é apresentado um projeto de reforma (Diskussionsentwurf). • Contra a reforma movimentou-se um poderoso esforço universitário. Particularmente notados seriam o simposium que teve lugar em Regensburg, no mês de novembro de 2000 e cujas participações foram publicadas e as jornadas Deutsche Zivilrechtslehrervereinigung, ocorridas em Berlim, em 30 e 31 de março de 2001. Manteve-se, no entanto, um forte impulso político favorável à reforma. • 6 de março de 2001 -> o Ministério da Justiça preparou uma “versão consolidada do projeto de discussão” • 9 de maio de 2001 -> o Governo adotou o projeto, o qual foi agendado, no Parlamento pelas Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Direito é um conjunto de orientações que disciplina a vida em sociedade. O Direito Romano é a grande matriz dos direitos na europa ocidental. Já os Romanos distinguiam, desde os tempos de Ulpiano (jurista Romano), o Direito Público do Direito Privado. • Ius Publicum -> conjunto de normas que se aplicavam a todos e que eram de conhecimento público • Ius Privatum -> cláusulas insertas nos contratos, testamentos, etc., cujo conhecimento se limitava às partes contratantes e não eram publicitadas. Incluía o direito civil (direito dos cidadãos – regulava tudo aquilo que lhes dizia respeito) e o ius gentium (direito dos estrangeiros); A distinção anteriormente apresentada não coincide com a doutrina moderna. Existem então, atualmente, 3 critérios para distinguir Direito Público de Direito Privado: Natureza dos interesses, Qualidade dos Sujeitos e Posição dos Sujeitos na Relação Jurídica. fações do SPD/Verdes. A primeira leitura pelo parlamento, ocorreu em 13 de julho de 2001. O Bundesrat ou Câmara Alta tomou o seu parecer em 13 de julho de 2001. A Comissão de Justiça do Bundestag apresentou o seu parecer em 25 de setembro de 2001. O projeto foi finalmente aprovado, em segunda e terceira leituras, pelo Parlamento (Bundestag), em 11 de outubro de 2001, pela maioria SPD/Verdes. • 1 de janeiro de 2002 -> versão revista do BGB entra em vigor (grande novidade jurídico- científica, legislativa e civilística dos últimos 100 anos). • A reforma do BGB teve, ou vai tendo, um impacto crescente em áreas exteriores ao próprio Código Civil (ex. Direito comercial e diversas áreas do Direito das sociedades comerciais, com um relevo marcante na chamada aquisição de empresas). • Gustav Hugo (1764-1844) propõe a seguinte sistematização do Direito civil -> Introdução (§§ 1- 7); Ius in rem (§§ 8-30); Obligatio: ius in personam (§§ 31-81); Direito de família (§§ 82-96); Direitos que pressupõe uma morte (§§ 97-121); Processo (§§ 122-146) • Arnold Heise (1778-1851) faz a seguinte repartição -> Parte geral; Direitos reais; Direito das obrigações; Jura potestatis (correspondem ao Direito da família); Direito geral das sucessões; Restitutio in integrum (autonomizada: normalmente inserida nas obrigações). Verifica-se a presença da classificação germânica, com a inclusão da parte geral e a exclusão do processo. • Savigny (1779-1861) -> 7 livros (1- Fontes do Direito romano atual; 2- As relações jurídicas; 3- Domínio das relações jurídicas sobre as regras do Direito; 4- Direitos reais; 5- Direito das obrigações; 6- Direito da família; 7- Direito das sucessões. • A classificação germânica, ainda que por vezes criticada, veio a entrar nos hábitos de trabalho e de pensamento dos juristas nacionais. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Segundo o critério da Natureza dos Interesses: 1. Direito Público -> Tem como objetivo a satisfação dos interesses públicos; 2. Direito Privado -> Tem como objetivo a satisfação dos interesses privados; NOTA: é, no entanto, muito difícil dizer se determinada norma regula interesses públicos ou privados. Ex. As normas que fixam as penas para diversos crimes procuram defender a segurança da coletividade e garantir a paz social e, nessa medida, tutelam interesses públicos, ao mesmo tempo que asseguram a defesa dos interesses individuais, a segurança de cada um de nós e o interesse moral e material de todo aquele que se considere lesado com a prática do crime. • Segundo o critério da Qualidade dos Sujeitos: 1. Direito Público -> Normas que regulem as relações em que intervenha o Estado ou qualquer entidade pública em geral; 2. Direito Privado -> Constituído por normas que regulam as relações entre particulares; NOTA: também foi alvo de críticas pois o Estado pode atuar nos mesmos termos que os particulares. Ex. quandocelebra um contrato de compra e venda. • Segundo o critério da Posição dos Sujeitos: 1. Direito Público -> Conjunto de normas que regulam as relações em que intervenha o Estado (ou qualquer entidade pública, dotada de supremacia, ou seja, investida de imperium). Vigente o princípio da competência Ex. quando o Governo pretende construir uma estrada e quer celebrar um contrato de empreitada tem de recorrer a um concurso público; 2. Direito Privado -> Constituído por normas que regulem as Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 relações entre os cidadãos, ou entre estes e o Estado (ou qualquer outro ente público), mas desde que desprovidos de imperium. Vigente o princípio da liberdade, ou seja, “posso fazer o que me apetecer, desde que chegue a acordo com o outro sujeito”. Ex. Estado arrenda um prédio. A sociedade, desde o direito Romano, tornou-se muito mais complexa e o Direito acompanhou essa mudança -> o Direito Civil começa a especializar-se e a adaptar-se a certas situações: • ex.1 -> na idade média houve um conjunto de pessoas que começa a ter relações comerciais, tendo necessidades que outros não tinham, assim, determinadas regras deveriam ser adaptadas quando se tratava de relações entre comerciantes -> surgiu, portanto, o direito comercial; • ex.2 -> sec. 18/19 [época da revolução industrial] na sequência desta revolução verifica-se que existiam trabalhadores que celebravam contratos com pessoas com muito mais poder que eles e frequentemente assistia se a uma exploração do primeiro, o que não pode, de todo ser -> nasce, assim, o direito do trabalho; Os direitos autonomizam-se. O Direito Civil é o que resta quando não há qualquer tipo de direito especial para determinada situação; é o direito comum a todo o direito (público e privado). No final do séc. XVIII, na Alemanha, houve um jurista chamado Gustav Hugo que dividiu o Direito Civil em 4 blocos: direito das obrigações, direito reais ou das coisas, família e sucessões (por influência de Savigny, esta divisão do Direito Civil foi consagrada pelo Código Civil Alemão [Bürgerliches Gesetzbuch – BGB] sendo, hojem em dia, conhecida em todo o mundo como classificação germânica do código civil). • Direito das Obrigações / Livro das Obrigações: é a parte mais extensa do Código Civil -> regula a generalidade dos contratos e a prática de atos ilícitos; dominantemente trata de situações jurídicas em que alguém é credor de uma pessoa, o dito devedor (ex. alunos são credores dos professores, cobram-lhes o dever de ensinar); esta parte do direito é muito romanizada, de estrutura antiquíssima. Há áreas que o direito das Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 obrigações absorveu (fenómenos de absorção – falados pelo Doutor Menezes Cordeiro na sua obra); podemos inventar sempre mais direitos. • Direitos Reais ou Direito das Coisas: regula a relação entre pessoas e coisas (ex. direito de propriedade, hipoteca, penhor, usufruto); é apenas o que é; divide-se em direitos de gozo (direito de propriedade), de garantia (hipoteca) e de aquisição (direito de preferência). • Direito da Família: conjunto de regras que pairam à volta da instituição família, que regulam as relações familiares; não é romanizada, tem antes origem medieval e canónica; direito instável e ideológico; • Direito das Sucessões: tem sobretudo origem românica e regula o que acontece quando uma pessoa morre Existe uma divisão muito significativa entre o direito ocidental e os direitos anglo-saxónicos. O atual Código Civil Português respeita a classificação germânica que, apesar de ser consensual, recebe muitas críticas: muitos pensam que a classificação germânica é pouco racional, pois, em vez de ter um único critério, tem dois -> critério estrutural (diz respeito ao Direito das obrigações e aos Direitos Reais) e critério institucional ou da fonte (diz respeito, essencialmente, ao o Direito da família e ao Direito das sucessões). É, então, uma classificação em 4 partes e o nosso Código Civil é baseado na mesma, tendo, no entanto, 5 partes. As últimas 4 partes já foram apresentadas; a primeira diz respeito à parte geral que, importante salientar, não representa um repositório de regras jurídicas, mas sim uma tentativa de construir uma teoria geral do direito que depois funcionasse na compreensão de todo o direito -> acaba por não resultar na totalidade. TPC: Ler Manual de Introdução ao estudo do direito do professor Inocêncio Galvão Telles – 2ºvolume, páginas 149 a 157 Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Na Alemanha, até 1870, não havia um só país, mas sim vários que se relacionavam. Como faziam? Aplicaram, até essa altura, o direito romano. Este direito, era, no entanto, muito desajustado para uma sociedade do séc. XIX. Durante a idade média foi feita uma compilação de leis romanas -> corpus iuris civilis /pandectas. Os juristas alemães que aplicavam as pandectas, isto é, as leis romanas ficaram conhecidos por pandectistas; Os Pandectistas propuseram o conceito de relação jurídica como tentativa de compreender o direito -> é um vínculo entre duas pessoas que se caracteriza por uma ser titular de um direito perante a outra que se encontra adstrita a um dever -> garantida pela coercibilidade. Na relação jurídica temos 4 elementos essenciais: Sujeito, Objeto, Conteúdo e Garantia: • Sujeito: pessoas entre as quais se estabelece a relação jurídica; Titulares do direito subjetivo e dos passivos correspondentes – dever jurídico ou sujeição. • Objeto: tudo aquilo sobre que recaem os poderes do titular do Direito. Ex. coisas ou prestações. • Conteúdo (ou objeto imediato): direitos e adscrições que corporizam o vínculo entre os sujeitos. • Garantia: possibilidade de exercer coercibilidade jurídica. O nosso Código Civil está organizado de acordo com a norma jurídica. Se não encontrarmos uma regra, pensamos numa relação jurídica e mais facilmente a encontraremos. TPC: ler 1º volume do Tratado do Direito Civil, do doutor Menezes Cordeiro (das páginas 216 a 242) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 A legislação originariamente portuguesa era escassa. A maior parte das regras era costumeira. Depois do Rei Afonso III, começa se a dar primazia as fontes do direito portuguesas, nomeadamente ao costume. A partir do séc. XV as regras portuguesas são compiladas numa coletânea: as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. No Brasil vigoraram as Filipinas até 1916. Estas ordenações abrangiam todas as áreas do direito e não apenas o civil. Quando não havia ordenações portuguesas aplicava-se o direito romano, o canónico, a doutrina dos manuais de certos professores ou a opinião geral dos doutores. Isto foi assim até ao Marquês de Pombal que lança a Lei da Boa Razão (para resolver os problemas das pessoas devemos utilizar o direito português ou, quando este não existe, o direito das nações europeias civilizadas e só depois o direito romano, quando conforme à boa razão); Objetivo -> concentrar o poder do rei e reorganizar o Direito Português. Em 1867 surge o 1º Código Civil Português, o código de Seabra, que reflete os ideais da Revolução Francesa; embora com influências do mesmo, era mais perfeito que o código de Napoleão. Código de Napoleão reflete os ideias da Revolução Francesa e foi o primeiro com maior expansão no mundo. Em 1944 (período do Estado Novo) foi constituída uma comissão presidida por Adriano Vasco, para rever e fazer um novo código. O Código de Seabra já não servia porque era demasiado individualista -> surge, então, o Código Civil de 1966, entrando em vigor em 1967 Depois da Revolução de 1974 o Código Civil é alterado, nomeadamente no âmbito do direito da família. Os direitos da família e de arrendamento são muitas vezes alterados. 20-10-2020 TPC: Ler Manual do prof. Carvalho Fernandes, 1º volume, páginas 77-106 Instituto -> utilizando a definição do Menezes Cordeiro,é um “conjunto compactuado de normas e princípios que permite a formação típica de modelos de decisão”. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Institutos base da disciplina: • Instituto da Autonomia Privada × Designa os mecanismos jurídicos que, em cada ordenamento jurídico, permitem aos particulares revestir a sua vontade de eficácia jurídica; é um espaço de liberdade jurídico; é a tradução do mundo idílico da liberdade; possibilidade de cada pessoa orientar a sua vida como quiser; pode ser concedida com mais ou menos intensidade (do ponto de vista técnico há dois graus de autonomia privada – liberdade de celebração e liberdade de estipulação); ü Liberdade de celebração é o grau menos intenso de autonomia privada que permite que o sujeito produza efeitos jurídicos associados à sua vontade de celebrar um determinado ato; se a pessoa quiser os efeitos jurídicos produzem-se, se a pessoa não quiser, os efeitos jurídicos não se produzem (ex. perfilhação); ü Liberdade de estipulação diz-nos que há modelação do conteúdo, de acordo com a vontade dos que formam o negócio (ambas as partes estabelecem o conteúdo do contrato de acordo a sua vontade). NOTA: está errado dizer “a lei estipula que” ou num negócio unilateral “eu estipulo que” porque estipular vem do latim stipulatio e significa “chegar a acordo”. × Em cada época histórica a autonomia privada teve uma determinada configuração que variou muitíssimo, no entanto, existiu sempre, mesmo em regimes totalitários; o legislador sabe que há um nível de detalhe da vida pessoal das pessoas que não só não é possível controlar, como não é conveniente; × A extensão de autonomia privada também varia de país para país (ex. o nosso direito do trabalho, comparativamente ao de outros países, é uma zona em que há pouca autonomia privada, ou seja, há muitas normas imperativas; o direito americano é conhecido por ser o direito em que a autonomia privada é muito ampla); × No Direito Romano este princípio também existia, mas existia ainda outro principio aplicado à autonomia privada (contratos) que era o princípio da tipicidade (os cidadãos podiam produzir os contratos de acordo com a sua vontade, desde que previstos na lei, mas apenas de determinada maneira). Este princípio existe no direito português, relativamente ao negócio unilateral (artigo 457º do Código Civil); Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 × Um ato que seja fruto da autonomia privada chama-se negócio jurídico. × Artigo 405º do Código Civil diz respeito ao princípio da autonomia privada em matéria contratual. × Autonomia no direito civil varia: é máxima no direito patrimonial, por exemplo, mas não no direito da família e algumas áreas do direito das sucessões. × Limite geral à autonomia privada encontra-se no artigo 280º do Código Civil, mas há outros como os negócios usurários, o regime das cláusulas contratuais gerais, etc. • Instituto da propriedade × O Código Civil, não define o direito de propriedade, mas o art. 1305º caracteriza-o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”; × Tem associado um sentido de afetação de uma coisa a uma determinada pessoa; × Teve muitas alterações ao longo da história; × Tem uma carga ideológica muito forte: é vulgar encontrarmos ideologias que olham para o direito de propriedade de uma forma muito negativa, inclusive alguns sistemas jurídicos tentaram eliminar a propriedade privada (algumas comunidades religiosas também tentaram eliminar ou eliminaram mesmo a propriedade privada); × Algumas comunidades nem sequer conheceram a propriedade privada, conheceram outras formas de propriedade; × A propriedade é reconhecida no art. 62º da CRP (“A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição). • Instituto da Responsabilidade Civil VER: Manual do Professor Antunes Varela “Das obrigações em Geral”, 1ºvolume (páginas 518 a 544) × Dano corresponde à supressão ou à diminuição de uma vantagem de cumprir determinado direito; × Desde sempre que as pessoas sofrem danos e também desde sempre o direito tenta alterar esta realidade; inicialmente, a reação ao dano era uma reação coletiva e o dano era reparado não apenas pelo agressor, Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 mas por toda a sua família ou tribo; o direito civil e o direito penal confundiam-se. × Hoje, o que interessa para o direito civil é a reparação do dano (direito civil é ressarcitório) e não uma retaliação. × O princípio geral em matéria de reparação de danos é o de que cada pessoa sofre os danos que cabem na sua esfera jurídica (risco, aptidão para suportar danos) - princípio de justiça básica: ubi commodum, ibi incommodum (onde está a vantagem está a desvantagem) × Há exceções à regra do ubi commodum, ibi incommodum e são designadas por responsabilidade civil (corresponde ao instituto pelo qual alguém vai suportar na sua esfera jurídica um dano que ocorreu na esfera jurídica de outrem, através da indeminização). Para que isto aconteça é necessário que aconteça uma atuação ilícita e culposa causadora do dano (artigo 483º do Código Civil) × Artigo 483º/2 do Código Civil: só há responsabilidade sem culpa em duas situações (responsabilidade civil pelo risco e responsabilidade pelo sacrifício ou por factos lícitos) ü Responsabilidade civil pelo risco (responsabilidade objetiva) – prevista nos artigos 499º e seguintes do Código Civil – sobretudo a partir da Revolução Industrial o industrial o legislador entendeu que há determinadas realidades que são perigosas e que causam dano sem as pessoas terem qualquer culpa. Mas estas realidades também geram vantagens. Ex. vou a conduzir e rebenta-me o pneu e não consigo controlar o carro pelo que atropelo uma pessoa (artigo 503º do Código Civil) - se seguirmos a regra não acontece nada porque não tenho culpa, mas isto é injusto, por isso o legislador criou casos com responsabilidade pelo risco; ü Responsabilidade pelo sacrifício ou por factos lícitos - há responsabilidade civil mesmo se a conduta for lícita (ex. artigo 339º ou 81º do Código Civil); exemplifica casos em que alguém pode, licitamente, provocar um dano, mas tem sempre que indemnizar Estudar pelo Carvalho Fernandes, 1º volume (páginas 125 a 339 e 391 a 424) e 2º volume de Inocêncio Galvão Telles (páginas 157 e seguintes) As pessoas são os destinatários das normas jurídicas. A pessoa é o fim do Direito, o Direito é feito para as pessoas. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Pessoa -> é um centro de imputação de normas jurídicos. É um ente destinatário das normas jurídicas. É o protagonista do Direito. Sem pessoa não há Direito. Personalidade jurídica -> qualidade de ser pessoa. Suscetibilidade de ser titular de direitos e encontra-se adstrito a deveres. Conceito qualitativo, ou seja, uma determinada entidade, ou é pessoa jurídica, ou não é. Pessoas coletivas -> centro de imputação de normas jurídicas que não corresponde à pessoa humana ü Pessoas coletivas de base pessoal: grupos de pessoas que se juntam para realizar uma determinada atividade (ex. clubes de futebol, partidos políticos, sociedades comerciais) ü Pessoas coletivas de base patrimonial -> massas de bens que prosseguem um determinado fim (ex. fundações) ü Pessoa rudimentar (conceito inserido por Menezes Cordeiro) -> centros de imputação, não de normas jurídicas em geral, mas de um pequeno conjunto de normas. Desafiam o conceito de pessoa jurídica porque não são pessoas coletivas, mas parece que são, em determinadas e limitadas situações (ex. condomínio de um prédio) NOTAS: • No Brasil as pessoas coletivas chamam-se pessoas morais; antigamente, no Código de Seabra, também se designavam pessoas morais; • No direito romano não existiaa pessoa coletiva. Apareciam apenas casos muito pontuais como o estado, o senado, etc.; • Uma fundação é um conjunto de bens afetado a um determinado fim. A generalidade das normas aplica-se indistintamente a pessoas coletivas e a pessoas singulares. Quando havia escravos, as normas que se aplicavam eram destinadas aos seus donos, como hoje em dia é a situação dos animais. Pessoa singular -> centro de imputação de normas jurídicas que corresponde à pessoa humana; Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Capacidade jurídica -> ao contrário da personalidade jurídica, é um conceito quantitativo. Distingue-se quanto à capacidade: ü De gozo: medida dos direitos e deveres que alguém pode ser titular; ü De exercício: medida dos direitos e dever que alguém pode exercer pessoal e livremente; ao contrário da capacidade de gozo, é suprível. Legitimidade -> suscetibilidade de uma pessoa exercer uma situação jurídica que resulta não das qualidades da pessoa, mas da relação da pessoa e da situação jurídica em causa. Esfera jurídica -> Conjunto de direitos e deveres de que uma pessoa é efetivamente titular. Esta esfera jurídica varia constantemente de pessoa para pessoa quanto à: ü Esfera patrimonial -> contém todas as situações jurídicas que juridicamente sejam trocadas por dinheiro (ex. garrafa de água); ü Esfera pessoal: direito à honra, direito à vida privada. Património -> conjunto das situações jurídicas patrimoniais de que alguém é titular ou conjunto dos bens ou é a garantia geral dos credores. NOTAS: • Em matéria de patrimónios separados, por dívidas da herança responde o património da herança e não o meu; quando duas pessoas casam passam a ter um património comum que pode ser maior ou menor consoante o regime que escolham (há aqui 3 patrimónios, o do homem, o da mulher e o comum, havendo regras diferentes para cada um); • Quando contratamos com alguém é fundamental saber qual é o património da pessoa. Em Portugal, desde a época do Marquês de Pombal existe princípio da responsabilidade patrimonial que nos diz que quando alguém viola a sua obrigação, a única consequência que sofre é patrimonial, ou seja, a pessoa paga uma indeminização (em Direito Civil, em Direito Penal não é assim). Até ao Marquês de Pombal havia prisão por dívidas. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 27-10-2020 Personalidade Jurídica (artigo 66º do Código Civil) -> é a suscetibilidade de ser titular de direitos e estar adstrito a deveres. Esta personalidade adquire-se com o nascimento completo e com vida e cessa com a morte do indivíduo (artigo 68º do Código Civil) NOTA: Durante muitos anos em Espanha (até há muito pouco tempo, por exemplo), para adquirir personalidade jurídica era necessário que o bebé tivesse viabilidade, ou seja, que o nascimento ocorresse completo e com vida, mas que a vida fosse uma vida viável (se se soubesse que o bebé que ia nascer não tinha hipóteses de sobreviver ele não adquiria personalidade jurídica). Em Portugal isto não é assim: qualquer criança que nasça, mesmo que morra no minuto seguinte, adquire (e depois perde) personalidade jurídica. Nascituros -> bebés em gestação Quais são os direitos destes bebes? É uma matéria que tem evoluído nos últimos séculos a par da evolução da medicina. Artigo 66º, nº2 do CC -> os direitos que a lei reconhece aos nascituros são típicos (é preciso que a lei reconheça os seus direitos); esses direitos dependem do nascimento (condição legal- da lei) -> ex. 952º, 1854º e 2333º do Código Civil. Pessoas Coletivas Singulares (centros de imputação de normas jurídicas que correspondem a seres humanos) Acontece por exemplo no casamento. O património pertence a ambos. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Conceturo -> pessoa que ainda nem foi concebida A palavra “nascituro” em sentido amplo inclui conceturos e nascituros. A figura dos nascituros e dos conceturos coloca o prolema de saber quem é o titular dos direitos dos nascituros entre o momento em que os direitos lhes são atribuídos e o momento em que eles nascem (2237º e 2240º do CC): • Pires de Lima e Antunes Varela -> consideram que antes do nascimento o nascituro não tem verdadeiramente personalidade e, assim sendo, não adquire qualquer direito subjetivo à herança logo à morte do de cujos, mas uma simples expectativa ao futuro chamamento. • Mota Pinto -> recusa admitir a personalidade pré-natal; considera direitos sem sujeito aqueles que são atribuídos por herança ou doação aos nascituros, até que ocorra o nascimento completo e com vida. • Galvão Telles -> defende que o nascituro, após a conceção passa a existir como ser vivo, que, todavia, não é tratado logo como sujeito de direito; carece de personalidade jurídica, mas goza de proteção jurídica; a personalidade só surge quando pode revestir eficácia perdurável (nascimento). • Carvalho Fernandes -> nega personalidade ao nascituro e considera sem sujeito os direitos que lhe advenham antes do nascimento por herança ou doação: se não nascer com vida não chega a ser deles titular, se nascer com vida adquire ao tempo do nascimento os referidos direitos, sem que ocorra qualquer retroação. • Oliveira Ascensão -> embora com cautela, admite que o nascituro já concebido tem personalidade jurídica desde o momento da conceção. • Menezes Cordeiro -> a personalidade deveria adquirir-se logo com o momento da conceção, em nome do princípio básico de que todo o ser humano é pessoa; defende que o nº2 do artigo 66º tem o sentido de supressão retroativa dos direitos dos nascituros quando este não chega a nascer com vida. Porque é que os nascituros e os conceturos só têm os direitos que a lei prevê e apenas se de facto nascerem? Se considerássemos que estes Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 indivíduos já tinham personalidade jurídica logo desde a sua conceção criaria uma grande confusão. Menezes cordeiro -> personalidade jurídica adquire-se no momento da conceção, mas que essa personalidade é restrita ao direito à vida (artigo 24º da Constituição) e, portanto, o nascituro, durante a gestação tem direito à vida e nada mais. Os conceturos, enquanto tal, não têm direitos. Só têm algum interesse nos direitos sucessórios. Tratamento jurídico de danos que são provocados no feto: • durante a gravidez -> indemnizável se essa pessoa vier a nascer; • durante o parto -> indemnizável porque o bebé já adquiriu personalidade jurídica; NOTA: os danos da mãe também são indemnizáveis. Problema do dano vida -> parte do pressuposto que a vida humana não saudável é um dano (tem a ver com doença ou malformação grave, no sentido de que dá muita despesa). Em Portugal, uma pessoa saudável e uma pessoa doente têm o mesmo valor jurídico; uma pessoa doente não é um dano. NOTA: quanto mais leis existam que relativizem a vida humana mais fácil é considerar-se a vida não saudável um dano. Há determinados direitos que são atribuídos às pessoas só pelo facto de elas serem pessoas, são inerentes às pessoas (direitos de personalidade); São uma manifestação jurídica da identidade e da humanidade de cada pessoa. NOTA: nem todas as pessoas tem todos os direitos de personalidade (ex. um mudo não tem direito à voz) Artigo 70º do Código Civil -> estão protegidos todos os direitos que respeitem o corpo da pessoa e a moral. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Pessoas coletivas • Maria Raquel Rei: pensa que não têm direitos de personalidade (ex. o direito ao bom nome, nas pessoas coletivas tem uma aceção comercial, enquanto nas pessoas coletivas é algo interior, as pessoas podem ficar tristes, magoadas; direitos como o direito à vida nem são suscetíveis de ser adquiridos por pessoas coletivas). Direitos de personalidade são um espaço de liberdade para que cada pessoa se desenvolva enquanto ser humano, mas o exagero destes direitos temprecisamente o efeito contrário porque se coloca em causa a dimensão ética destes direitos. Direitos de personalidade são absolutos (não dependem de uma relação jurídica com outra pessoa) e pessoais (não podem ser trocados por dinheiro, juridicamente falando); alguns são ainda pessoalíssimos (tem a ver com realidades muito pessoais e íntimas) e indisponíveis (os titulares podem limitar alguns desses direitos, mas não podem aliená-los); também há direitos de personalidade remetidos (relacionados com o artigo 75º/1 do Código Civil), patrimoniais (ex. algumas explorações do direito à imagem – há pessoas que comercializam a sua imagem); pode haver um certo grau de representação, ou seja, alguns direitos são suscetíveis de ser exercidos por representação (não são pessoalíssimos) e alguma disponibilidade (nos termos do artigo 81º do Código Civil) – quando alguém limita o seu direito de personalidade está a dispor de uma forma de exercício do mesmo. Os direitos de personalidade são direitos subjetivos, ou seja, permissões normativas especificas de aproveitamento de bens de personalidade (corpo e honra). Não existe tipicidade nos direitos de personalidade em Portugal -> artigo 70º, nº1 do Código Civil permite jus subjetivar todos os bens de personalidade; é possível, a partir deste artigo, criarmos direitos subjetivos relativamente a qualquer aspeto da personalidade física ou da personalidade moral. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Os direitos de personalidade têm um regime muito restritivo em matéria de limitações -> previsto no artigo 81º do Código Civil que se desdobra em dois pontos principais: • São nulas, ou seja, não produzem efeitos jurídicos, todas as limitações que contrariem os princípios da ordem jurídica. • As limitações que sejam válidas podem ser revogadas pelo seu titular desde que haja uma indeminização (indeminização pelo sacrifício ou por atos lícitos) Artigo 70º, nº2 do Código Civil -> a lei estabeleceu uma regra que é uma exceção no nosso direito: o ofendido pode pedir uma indeminização ou uma outra coisa qualquer, como por exemplo um pedido de desculpas. 878º e seguintes do Código do Processo Civil prevê a efetivação das reparações aos direitos de personalidade. A doutrina discute se no artigo 70º do Código Civil estamos perante um direito geral de personalidade (direito cujo objeto seria toda a pessoa) ou se estamos apenas perante um princípio geral que admite todos os direitos de personalidade (princípio de não tipicidade dos direitos de personalidade): • Maria Raquel Rei, Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro: tendem a considerar que estamos perante uma cláusula geral ou um princípio geral de todos os direitos de personalidade; não há um único direito de personalidade, há vários. • Capelo de Sousa: defende que existe um direito geral de personalidade, ou seja, existe um único direito cujo objeto é a pessoa na sua totalidade. Direito de Personalidade Direito subjetivo - permissão normativa especifica de aproveitamento de bens de personalidade (corpo e honra) Direito Fundamental Direito que vem previsto na Constituição (caracteriza-se não pelo seu objeto, mas pela sua fonte) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Há direitos de personalidade que são direitos fundamentais (ex. direito à vida), mas não devemos confundir porque os direitos fundamentais têm um regime jurídico próprio Direitos humanos -> caracterizam-se quanto a sua fonte; são consagrados em convenções internacionais, tratados internacionais, enfim, documentos internacionais; visam proteger os seres humanos onde quer que eles estejam. Direitos humanos/direitos naturais num sentido filosófico -> aqueles que deviam existir para todos os seres humanos. Direitos pessoais -> não podem ser trocados por dinheiro; há direitos de personalidade que são pessoais, outros não (ex. podemos comercializar a nossa voz). Pessoas singulares -> enquadradas de acordo com categorias: • Identificação: elemento fundamental; desde o Direito Romano que se estabeleceu um conjunto de regras para estabilizar o modo de identificação de cada pessoa; a identificação principal de cada ser humano faz-se através do seu nome, no entanto, hoje em dia há outros fatores de identificação (ex. naturalidade, nacionalidade, domicílio, estado civil, residência, etc.); hoje, com as tecnologias, também é muito importante a identificação das pessoas através de números; existem regras para o furto dos nomes das pessoas, quer sejam singulares ou coletivas; há um registo público para as pessoas singulares (registo civil) e outro para as pessoas coletivas (registo comercial e registo nacional de pessoas coletivas); uma pessoa é um centro de produção de efeitos jurídicos pelo que é fundamental saber quem é pessoa e quem não é. Estado Civil (solteiro, casado, viúvo) -> cada um destes estados tem consequências associadas: há um regime jurídico significativo que se aplica em função do estado civil das pessoas; hoje em dia, deve acrescentar-se dois estados civis (unidos de facto e insolventes). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Maria Raquel Rei: confessa ser muito crítica em considerar a união de facto um estado civil porque casar é uma liberdade (as pessoas só casam se quiserem); o conjunto de normas que hoje existem sobre as uniões de facto é uma forma de forçar as pessoas a uma coisa que elas não querem (ex. se eu quiser casar com uma pessoa e ter os direitos e obrigações de um casamento, eu caso; se eu não quero, não caso – a existência de muitas normas como as que temos hoje que se aplicam a pessoas que estão a viver juntas sem estarem casadas é o legislador a fazer pouco da liberdade das pessoas (é como se dissesse “bem, tu não queres casar, não é? Não queres ter os direitos e obrigações de um casamento? Mas vais ter, lol, olha-me este”) Insolvente -> pessoa que deixou de ter dinheiro para pagar todas as suas dívidas vencidas e que foi declarada como tal pelo tribunal; existe um conjunto de regras muito extensas que se lhes aplica. Discute-se muito, na doutrina, se a insolvência é ou não um estado civil. • Maria Raquel Rei: acha que a insolvência é um estado civil porque há um conjunto de regras que alteram a vida destas pessoas, de maneira muito semelhante daquelas que existem para o casamento; estas pessoas têm a sua vida afetada por causa da situação em que se encontram, tal e qual como no casamento, viuvez, etc. Domicílio -> local onde, para certos efeitos, é suposto uma pessoa encontrar-se; é extremamente relevante porque vivemos num espaço, existimos fisicamente. Há vários tipos de domicílios: • Geral: local onde a pessoa tem a sua residência habitual (artigo 82º/1 do Código Civil); é possível uma pessoa ter domicílios alternados (viver com permanência em dois sítios ao mesmo tempo); NOTA: quando as pessoas não têm residência habitual, o seu domicílio é a residência ocasional ou paradeiro (artigo 82º/2 do Código Civil) • Especial: é, por exemplo, o domicílio profissional; • Eletivos: eu escolho o domicílio para determinados efeitos; • Obrigatórios: os menores têm domicílio na casa dos seus pais, por exemplo. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Ausência -> figura que corresponde à situação de alguém que desapareceu, não deixou representante e tem um património que é preciso cuidar (previsto nos artigos 89º e seguintes do Código Civil); permite que quando existe a ausência de alguém, o tribunal nomeie um curador provisório a essa pessoa – o tribunal faz a relação dos bens dessa pessoa que está ausente, o curador presta uma caução e depois o tribunal entrega os bens ao curador e o curador trata os bens dessa pessoa; o curador tem que prestar contas e será responsável pela administração que fizer dos bens do ausente; com a passagem do tempo a curadoria pode cessar, nos termos do artigo 98º do Código Civil (se for pela alínead. deste artigo, abre-se também algum testamento que o ausente tenha deixado e os curadores definitivos passam a ser tratados como herdeiros – o ordenamento jurídico começa a agir como se a pessoa tivesse morrido); a curadoria também pode cessar nos termos do artigo 112º do Código Civil. Morte presumida (artigo 114º e seguintes do Código Civil) -> declara-se se a pessoa não voltar passados 10 anos, ou passados 5 se tiver mais de 80 anos; é um processo judicial e tem os efeitos da morte (artigo 115º do Código Civil) NOTA: estes institutos são muito pouco usados nos dias de hoje, mas são justificados pela história - portugueses iam para a guerra ou emigravam, etc., e depois nunca mais se sabia deles. Estudar a capacidade jurídica pelo 4º volume do Menezes Cordeiro (páginas 544 a 567), porque no Carvalho Fernandes está desatualizado na parte dos maiores acompanhados Capacidade Jurídica Capacidade de Gozo (medida das possibilidades de relações jurídicas de que uma pessoa pode ser titular) Capacidade de Exercício (medida das situações jurídicas que um sujeito pode exercer pessoal e livremente) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Capacidade de gozo Tendencialmente, as pessoas singulares são genericamente capazes de gozo (artigo 67ºCC), mas há certas matérias excecionalmente previstas na lei em que isso não acontece: • As pessoas singulares com idade inferior a 16 anos não podem casar (artigo 1601º/a do Código Civil); • Os homens, até aos 16 anos, não têm capacidade de gozo de perfilhar (artigo 1850º/1 do Código Civil), ou seja, o estabelecimento da paternidade tem de ser feito de outro modo, tem de ser o ministério publico a estabelecer a perfilhação; • As pessoas singulares não podem testar até aos 18 anos ou até à emancipação (artigo 2189º/a do Código Civil); • Não é possível adotar até aos 25 ou 30 anos, conforme o estado civil das pessoas (artigo 1979/1 do Código Civil); • Há outras incapacidades fora do código civil, por exemplo, porte de arma, elegibilidade para Presidente da República, etc. A incapacidade de gozo não é suprível, ou seja, não é possível os pais, ou outra pessoa, suprir a incapacidade de gozo. Capacidade de exercício -> medida das situações jurídicas que um sujeito pode exercer pessoal e livremente • Pessoal: é o próprio indivíduo que vai atuar por si mesmo (exemplo de uma atuação não pessoal: eu tenho um filho com 7 anos e vou comprar um imóvel em nome dele – eu é que assino a escritura, eu é que fisicamente compro o imóvel, mas juridicamente quem comprou o imóvel foi o meu filho; o meu filho atuou através de mim [instituto da representação]) • Livremente: o indivíduo atua porque quer (ex. eu quero vender a minha casa, vendo a casa e ponto / eu quero vender a casa do meu filho – calma lá que aí já não posso sem pedir autorização ao tribunal [assistência], aqui já não sou livre) Representação -> corresponde à substituição jurídica por virtude da qual uma pessoa age, mas os efeitos jurídicos produzem-se na esfera do representado. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Assistência -> é o modo de suprimento da incapacidade em que uma pessoa concorre com outra, através da autorização, para a validade do ato; aqui quem pratica o ato é a própria pessoa (há uma pessoa que assiste outra e essa outra pratica o ato por si, pessoalmente, mas não livremente). Há 3 grandes categorias de pessoas que são incapazes de exercício: • Menores; • Maiores acompanhados; • Incapacidade acidental. Menoridade -> é a situação daqueles que tem menos de 18 anos (artigo 122 do Código Civil); os menores são genericamente incapazes de exercício (artigo 123º do Código Civil) e a incapacidade de exercício deles é suprida pelo poder paternal e subsidiariamente pela tutela (artigo 124º do Código Civil). O conteúdo do poder paternal (responsabilidades paternais) vem densificado no artigo 1878º do Código Civil. O poder paternal é um poder funcional ou poder-dever -> é uma situação jurídica ativa que é exercida, não no interesse dos pais, mas sim no interesse dos filhos (dissociação entre o titular do direito e o titular do interesse protegido pelo direito). A incapacidade dos menores que é suprida pelo poder paternal, é suprida pela representação; só há a exceção do casamento que é mediante autorização dos pais, desde que maiores de 16 anos – aqui a incapacidade é suprida pelo poder paternal, mas por assistência. A tutela é a forma subsidiária de suprimento de incapacidade dos menores; acontece quando os menores não têm pais, ou quando os pais estão inibidos de exercer o poder paternal; vem regulada nos artigos 1921º e seguintes do Código Civil. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Os menores são genericamente incapazes de exercício, mas há exceções à sua incapacidade de exercício que vêm previstas no artigo 127º do Código Civil. • Menezes Cordeiro: acha que estas exceções são tão amplas que nem deviam ser chamadas exceções; • Maria Raquel Rei: não concorda com o Menezes Cordeiro porque acha que do ponto de vista metodológico é mais conveniente raciocinarmos desta forma; não obstante, concorda que algumas das exceções previstas no 127º são bastante amplas A alínea b) do 127º é muito interessante porque tem 3 requisitos que são cumulativos e que permitem ao menor gradual autonomia. Artigo 128º do Código Civil -> consagra o dever de obediência dos menores aos seus pais. O menor que tenha violado estas regras, ou seja, que tenha praticado atos fora das exceções aqui previstas, praticou atos anuláveis (artigo 125º e 287º do Código Civil) Anulabilidade -> é um vício menos grave; produz efeitos, mas pode ser destruído e se assim for deixa de produzir efeitos retroativamente; o titular do poder paternal ou tutor é quem tem o poder de anular um ato (pode fazê-lo até um ano depois de ter tido conhecimento do ato, ou até à maioridade ou emancipação do menor); há certas situações em que o menor ou os seus herdeiros também o podem fazer (o menor pode fazê- lo no ano seguinte a ter obtido a maioridade ou emancipação, se ainda for possível anular). Nulidade -> um contrato ou outro negócio jurídico é nulo (padece de nulidade) quando, devido a um vício existente no momento em que foi celebrado, não produz os efeitos jurídicos que diz produzir (ex. negócio celebrado verbalmente quando a lei impõe que seja por escrito). A nulidade é uma forma de invalidade, contrapondo-se à anulabilidade. A nulidade é também uma forma de ineficácia, isto é, de não produção dos efeitos de um negócio. Nos termos do regime geral (artigo 286.º do Código Civil), a nulidade pode ser invocada a qualquer momento (isto é, sem prazo) por Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 qualquer interessado, e pode (deve) ser declarada oficiosamente pelo tribunal, ou seja, mesmo que ninguém lho peça. Artigo 125º, nº2 do Código Civil -> é possível confirmar os atos anuláveis, ou seja, a pessoa que os pode anular aceita-os como válidos. NOTA: a autorização não vale como confirmação. Artigo 126º do Código Civil -> o dolo do menor (menor finge que é maior ou emancipado para realizar determinado negócio jurídico) impede a anulabilidade do ato. Discute-se muito na doutrina se os pais devem estar incluídos neste impedimento: • Menezes Cordeiro: acha que a proibição não deve atingir os pais do menor; • Maria Raquel Rei: acha que os pais não podem anular este ato porque os pais agem em representação do menor, logo, se o menor não tem o direito de anular o negócio, os pais também não o poderão fazer. A menoridade termina com a maioridade (artigo 130º do Código Civil). Há uma única exceção, prevista no artigo 131º do Código Civil que é uma ação pendente para tornar aquele menor num maior acompanhado – nestes casos a incapacidade mantém-se até ao final da ação. Instituto da emancipação -> hoje em dia, é raro osmenores serem emancipados (só dá pelo casamento - artigo 132º do Código Civil); a emancipação é a antecipação da capacidade jurídica geral – o menor que se emancipa torna-se maior, ou seja, adquire a capacidade de exercício. Se houver autorização dos pais para casar, os menores adquirem a capacidade jurídica plena, se não houver autorização dos pais, os menores podem pedir autorização ao tribunal. Se não houver nenhuma das autorizações e mesmo assim os filhos conseguirem casar, o casamento é válido, mas os menores não podem administrar os bens que levaram o casamento ou os bens que obtiverem enquanto estão casados (continuam a ser administrados pelos pais). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 NOTA: antigamente a capacidade de exercício só se adquiria aos 21 anos e era muito vulgar os pais emanciparem os seus filhos, para eles poderem tirar a carta de condução. 03-11-2020 Incapacidade dos maiores -> área muito sensível juridicamente porque estamos a tirar a capacidade jurídica (possibilidade de alguém atuar por si no mundo do direito) a pessoas que juridicamente são consideradas aptas para modelarem a sua vida nos termos em que entenderem; aplica-se a maiores por definição, mas é possível, nos termos do artigo 142º do Código Civil requerer este regime no último ano da menoridade porque há pessoas que, infelizmente, nós já sabemos que não têm qualquer condição de exercer pessoal e livremente os seus direitos e cumprir as suas obrigações; para que seja declarada a maioridade acompanhada de alguém, é necessária uma sentença judicial. NOTA: No nosso país não existe a “morte civil”. A morte civil era utilizada com pessoas que praticavam crimes bastante graves (pena acessória). Esta significava que a pessoa morria juridicamente, deixava de ter direitos e deveres civis. Até ao ano passado (2019) tínhamos 2 sistemas de incapacidade de maiores: • Interdição: sistema mais limitador que se aplicava às pessoas com uma incapacidade natural mais intensa (ex. pessoas em coma em estado vegetativo, doentes mentais muito graves, etc.) • Inabilitação: aplicada a casos menos graves de pessoas que precisavam de algum apoio, mas que na maioria dos casos conseguiam organizar a sua vida ou pelo menos aquilo que dizia respeito à sua pessoa; precisavam de ajuda para governar o seu património, mas não o seu corpo. A inabilitação podia ser suprida pela assistência, mas não era uma prática muito comum. NOTA: este modelo é muito antigo, mas que se entende que está desatualizado, por um lado quanto aos fundamentos da incapacidade Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 (eram tabelados e alguns deles não são considerados verdadeiramente incapacitantes, ex. surdez-mudez, cegueira); para além disso, o sistema que tínhamos era rígido, não estava adaptado aos problemas que hoje temos relacionados com a velhice, com o prolongamento da vida e, portanto, com a degradação progressiva das capacidades das pessoas – entendeu-se então que devia ser criado um sistema em que a pessoa pudesse ser apoiada de forma gradual O sistema atual baseia-se em 2 princípios fundamentais: • Caráter transitório das limitações (periodicamente, o tribunal vai rever a situação daquela pessoa e vai constatar se ela continua ou não a precisar do acompanhamento e se sim, se aquele acompanhamento é adequado à sua condição ou se precisa de ser ajustado) • Preservação máxima da capacidade da pessoa (mesmo para um maior acompanhado, a regra é de que ele é capaz de tudo exceto aquilo que vier previsto na sentença; só se limita aquilo que for necessário para a situação transitória daquela pessoa) NOTA: este novo regime foi instituído pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto e entrou em vigor no dia 14 de fevereiro de 2019 Artigo 138º do Código Civil -> há uma amplitude grande das causas de incapacitação; nas circunstâncias previstas no artigo é necessário que se requeira uma declaração de maior acompanhado. A incapacidade dos maiores pode ser suprida por representação, por assistência ou por uma conjugação de ambas. Para além disso, pode ser declarada em termos totais ou de modo parcial. As medidas de acompanhamento podem abranger o património da pessoa, a própria pessoa ou as duas coisas, dependendo das necessidades dessa pessoa. Também quanto ao tempo, as medidas podem ser limitadas, sendo certo que são sempre transitórias (artigo 155º do Código Civil determina que há um máximo de 5 anos a partir dos quais a medida de acompanhamento tem que ser revista pelo tribunal). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Maria Raquel Rei acha que há um problema de inconstitucionalidade no sistema implementado, no art. 147º do Código Civil porque pode ser interpretado como permitindo ao tribunal suprimir a capacidade de gozo de um maior; isto não é possível porque vai contra o art. 18º/3 da CRP que nos diz que as limitações aos direitos fundamentais têm que ser feitas através de uma norma geral e abstrata e uma decisão do tribunal não é uma norma geral e abstrata. A capacidade de exercício pode ser limitada, mas a pessoa pode sempre suprir essa limitação através dos esquemas de representação e de assistência – este artigo 147º, da maneira como está escrito, permite a interpretação de que o tribunal pode determinar que determinada pessoa não tem direito a x direito, ou seja, dá a impressão de que o tribunal pode limitar a capacidade de gozo de uma pessoa e isso é inconstitucional. Obviamente o artigo não poderá ser interpretado daquela maneira. Como se resolve isto? A lei acaba por resolver quase todos estes problemas: • Quanto ao casamento, o artigo 1601º/b do Código Civil impede as pessoas que padeçam de demência notória (resolve porque, quase de certeza, um maior a quem o tribunal pretendeu retirar o direito de casar é porque mentalmente não está em condições de o fazer) • Quanto à perfilhação, temos a mesma coisa no 1850º do Código Civil (não podem perfilhar os homens que padeçam de uma perturbação mental notória) • Quanto ao testamento temos um problema porque o artigo 2189º do Código Civil refere apenas a limitação através da sentença proferida num processo de acompanhamento de maiores e por isso temos que recorrer ao 2199º do Código Civil, que nos diz que o testamento pode ser anulado se existirem incapacidade acidental do testador (é uma solução que não é muito fantástica porque têm que ser os interessados a demonstrar que ele estava numa situação de incapacidade acidental, o que pode ser difícil de comprovar) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Há alguns princípios que podem ser observados ao longo do regime dos maiores acompanhados: • Supletividade (artigo 140º/2 do Código Civil) se uma pessoa tiver uma família que apoie a pessoa naquilo que ela precise e esse apoio for suficiente, não se deve requerer o estatuto de maior acompanhado; • O tribunal deve estabelecer as medidas estritamente necessárias ao suprimento da incapacidade natural daquela pessoa (artigo 145º do Código Civil) • Exceções à incapacidade (têm a ver, sobretudo com o exercício de direitos pessoais e com os negócios da vida corrente), previstas no artigo 147º do Código Civil • Prestação de contas (artigo 151º/2 do Código Civil) • Caráter gratuito do acompanhamento (artigo 151º/1 do Código Civil) • Os atos que venham a ser praticados pelo maior acompanhado em violação ao regime jurídico estabelecido na sentença são anuláveis (artigo 154º do Código Civil) Antes deste regime, quer a inabilitação quer a interdição eram públicos (inclusive o bilhete de identidade tinha essa nota) e havia pessoas que achavam que isto era estigmatizante e por isso o artigo 153º/1 do CC entra em cena, estabelecendo que pode haver publicidade na medida daquilo que é entendido ser necessário, de acordo com a situação da pessoa; o nº2 prevê o registo civil da medida de incapacidade, precisamente porque esta medida afeta o estado civildas pessoas (há um conjunto de normas muito significativas que passa a ser aplicado à vida civil deste indivíduo). Art. 156º CC -> permite que o maior, antes de ficar muito debilitado, celebre um mandato com outra pessoa, com vista a que essa pessoa o ajude futuramente, estabelecendo os termos desta ajuda. Lei nº25/2012 de 16 de julho -> consagra a figura do procurador para cuidados de saúde (pessoa que toma aquelas decisões difíceis em matérias Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 de saúde); criada ao mesmo tempo que a figura do testamento vital (documento em que a pessoa diz quais são os tratamentos médicos que quer ou não quer receber numa situação em que não se possa exprimir) Incapacidade acidental (art. 257º CC) -> Menezes Cordeiro trata da figura nos vícios e Carvalho Fernandes trata nas incapacidades (é muito discutível); é uma figura muito ampla; esta pessoa não é um maior acompanhado, mas pontualmente é considerado incapaz porque não consegue compreender o que está a fazer (ex. casos de embriaguez e consumo de estupefacientes graves; casos de extrema perturbação); para permitir a anulabilidade do negócio tem que ser notória ou conhecida do destinatário da declaração (declaratário); aplica-se a qualquer pessoa (no caso dos maiores acompanhados existe expressamente uma remissão que vem no artigo 154º/3 do Código Civil que nos diz que antes do anúncio do início do processo, os atos podem ser anulados com recurso à incapacidade acidental) Novo regime dos maiores acompanhados Vantagens: • flexibilidade e possibilidade de maior adaptação a um conjunto de incapacidades naturais que passaram a existir na nossa sociedade e que não estavam contempladas no regime anterior. Desvantagens: • flexibilidade (decidir para a pessoa x o que é que é adequado e não existir um tabelamento, é necessário muito tempo); • é difícil arranjar uma pessoa disposta a acompanhar. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Termo da personalidade jurídica: Art. 68º, nº1 CC -> a personalidade jurídica cessa com a morte (uma pessoa está morta com a cessação irreversível das funções do tronco cerebral – definida na Lei 141º/99, de 28 de agosto, no artigo 2º. A morte tem que ser atestada por um médico. Art. 68, nº2 CC -> presunção de comoriência (quando duas pessoas com ligações sucessórias morrem em momentos muito próximos e não se consegue determinar quem morreu primeiro, presume-se que morreram ao mesmo tempo); é importante no âmbito das sucessões. Art. 68, nº3 CC -> morte declarada (não há duvidas de que determinada pessoa morreu, mas ainda não se encontrou ou reconheceu o cadáver) Artigos 114º a 119º do Código Civil -> morte presumida (tribunal declara que a pessoa está morta porque já não aparece há muitos anos e tudo indica que ela morreu) Efeitos da morte: • Extinção da personalidade jurídica • Abertura da sucessão (art. 2025º CC) • Tutela post mortem dos direitos de personalidade (art. 71º do CC) – permite aos herdeiros continuarem a defender direitos de personalidade do falecido (ex. direito ao bom nome); as pessoas que aqui vêm referidas podem requerer as providencias previstas no artigo 70º/2 (Menezes Cordeiro entende que não só podem requerer as providências, como também podem pedir a indeminização, mas Maria Raquel Rei pensa que não, pensa que a tutela post mortem se restringe às providências necessárias) NOTA: a generalidade dos direitos patrimoniais não se extingue com a morte, mas antes abre a sucessão Cadáver -> beneficia de uma tutela jurídica especifica; o cadáver juridicamente é uma coisa, mas é uma coisa especial porque já foi uma pessoa. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Em matéria de direitos de personalidade, temos um problema que respeita às situações em que as pessoas são de alguma forma ofendidas porque a consequência da violação destes direitos é apenas a responsabilidade civil (artigo 70º/2 do Código Civil) (desde o tempo do Marquês de Pombal que as relações do ponto de vista civil têm como consequência apenas a responsabilidade civil, isto é, uma consequência indemnizatória). Com frequência as violações aos direitos de personalidade constituem danos morais e este dano não é um bem juridicamente trocável por dinheiro. Quando alguém sofre um dano moral, a indeminização, a responsabilidade civil, traduz-se numa compensação e não tanto num equivalente. É possível que, numa violação de um direito de personalidade, um sujeito sofra danos patrimoniais (ex. António é advogado e alguém fala mal dele < a sua fama, o seu bom nome enquanto advogado é atingido < perde clientes; aqui é uma violação de um direito de personalidade, o direito à honra, que teve consequências morais e patrimoniais). O inverso também é possível: violação de um direito patrimonial, mas que gera consequências morais (ex. celebro um contrato de empreitada com alguém < definimos um prazo < o senhor atrasa-se na obra < estou numa casa arrendada e acaba o contrato de arrendamento e eu não consigo suportar o preço de uma casa e o preço da empreitada < fico deprimida e ansiosa; uma coisa que em primeira linha é um dano patrimonial (não cumprimento do contrato) gera também danos morais (depressão, ansiedade). Durante séculos os danos morais não eram indemnizáveis porque não era possível suprimir o dano; também havia quem dissesse que, mesmo que fosse possível, era imoral ser indemnizada por um dano moral. Indemnização: • Serve de apoio ao lesado; • Caráter punitivo para o que lesa; • Caráter dissuasor e preventivo. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 496º, nº1 CC -> admite a indeminização por danos morais, mas apenas se, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito • Menezes Cordeiro: é critico e propõe que a indeminização se admita sempre que um direito de personalidade for violado porque acha que todos os danos morais que resultem de violações de personalidade são sempre graves; • Maria Raquel Rei: acha que o artigo é mais equilibrado do que a solução do Menezes Cordeiro porque não faz sentido permitir uma indeminização por qualquer contrariedade, as pessoas não podem ser mariquinhas; a eliminação da palavra gravidade no artigo proporciona problemas jurídicos que não merecem tratamentos porque são bagatelas, não têm importância; os tribunais não têm que estar ao serviço de pessoas hipersensíveis, não é essa a sua função. • Extremo oposto à opinião de Menezes Cordeiro: interpretam que há indeminização por danos morais sempre que haja outros danos patrimoniais a serem indemnizados -> isto seria bastante desajustado As pessoas coletivas podem reclamar danos morais? • Maria Raquel Rei: pensa que não; as pessoas coletivas também sofrem danos em alguns direitos que têm muita semelhança com os danos morais, sobretudo quando se afeta o seu bom nome (artigo 484º do Código Civil prevê esta situação), mas o bom nome da pessoa coletiva tem repercussões patrimoniais e não morais; os danos morais são danos que afligem uma pessoa porque ela é pessoa – uma pessoa coletiva, por definição, não tem este tipo de danos. Como se calcula uma indemnização por danos morais? Artigo 496º/4 do Código Civil remete para o 494º -> este artigo manda calcular a indemnização de acordo com a equidade e manda atender a alguns aspetos em particular (culpa, situação económica do lesante e do lesado, circunstâncias do caso) – é um dos poucos exemplos em que o tribunal está autorizado a resolver um caso de acordo com a equidade. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Dano morte -> é a supressão da vida de uma pessoa; é o dano que é sofrido pelo morto • Há autores que entendem que o dano morte não existe porque se o morto já não existe como é que ele vai sofrer o dano? Para além disso para que serve este dano morte? • Há outra corrente maioritária (onde se inclui o professor Menezes Cordeiro) que entendeque o dano morte existe efetivamente e seria extremamente formalista (porque se baseava apenas no facto da pessoa já ter morrido) não admitirmos o dano morte; além disso violaria a harmonia do sistema jurídico admitir que a violação do direito à vida ficava sem indemnização (estragam-me o estojo têm de me indemnizar; matam-me, epa yha, tranquilo, não passa nada bro) – era estranho isto; para o professor Menezes Cordeiro, quando alguém perde o direito à vida, ganha o direito a ser indemnizado (a indemnização entra na sua esfera jurídica e vai para os seus sucessores); defende a aplicação normal da indemnização, através do artigo 483º do Código Civil em conjugação com o artigo 70º do Código Civil • Maria Raquel Rei e Antunes Varela (posição tradicional): concorda que é estranho termos que indemnizar alguém por, por exemplo, estragar-lhe um objeto, mas não termos que indemnizar se a matarmos, mas os outros autores que questionam como é que a pessoa pode ser indemnizada se no momento em que ela adquire o direito se extingue a personalidade jurídica também têm um ponto; o legislador verificou que o dano morte era um dano diferente dos outros e, por causa disso, criou um regime especial (artigo 496º/2 e 3 do Código Civil) – existe o dano morte, mas quem o vai receber não é o de cujos, mas antes as pessoas mencionadas no artigo. Não vai dar ao mesmo que a opinião do professor Menezes Cordeiro porque na dele o dano morte pode passar para a esfera jurídica das pessoas em testamento, enquanto que aqui só passa para as pessoas referidas no artigo. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 03-11-2020 (aula de compensação) • Menezes Cordeiro: entende que a par do direito do morto (de cujos) existe o direito das pessoas que estão indicados no artigo 496º/2 e 3 do Código Civil a serem indemnizados pelo seu dano. • Maria Raquel Rei: acha que este direito existe, mas que está protegido no artigo 496º/4 do Código Civil Danos dos familiares -> são danos por reflexo ou danos por ricochete (matéria muito discutida na doutrina e na jurisprudência) • Existe um conjunto de autores que pretende estender os danos reflexos para além do dano morte; a existência destes danos é uma exceção ao princípio de que a responsabilidade é individual (admite- se que o dano de alguém vai ter reflexo noutras pessoas). Estudar as pessoas coletivas pelo 1º volume do professor Carvalho Fernandes (páginas 425 a 624) Pessoas coletivas -> são centros de imputação de normas jurídicas que não são pessoas singulares; distinguem-se por exclusão de partes e são extremamente variadas. O fim último do direito é o ser humano e as pessoas coletivas, de uma certa forma, também correspondem a estruturas jurídicas cujo objetivo é permitir que os seres humanos se organizem e prossigam os seus interesses da melhor maneira possível, da maneira mais eficaz, mais eficiente possível. • Menezes Cordeiro: tem uma expressão que a Maria Raquel Rei acha muito feliz que diz que “as pessoas coletivas correspondem a um modo de atuação de pessoas singulares, mas que é uma atuação em modo coletivo”; a pessoa singular age naturalmente, age por si própria, age independentemente do resto; no caso da pessoa coletiva, temos uma estrutura, pensada para servir as pessoas singulares, mas que é uma forma de atuação em modo coletivo das pessoas singulares também porque quem se prevalece dos Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 interesses, dos bens, enfim, de tudo o que existe numa pessoa coletiva, é, sem dúvida, uma ou um conjunto de pessoas singulares também. Esta técnica de personificação de realidades que não são seres humanos é uma técnica extremamente útil na prática – nós como que ficcionamos que determinada realidade é uma pessoa e, portanto, permitimos que essa realidade atue no mundo do direito como se fosse um ser humano. Esta forma de atuar em modo coletivo é uma forma de atuar que exige, do ponto de vista jurídico, um grau de sofisticação bastante significativo e, por isso, é uma forma de atuação que não existia no direito romano – há uma evolução histórica muito significativa para nós conseguirmos chegar ao ponto de personificar realidades que não são seres humanos. Ler, no manual do professor Menezes Cordeiro, um resumo daquilo que veio dar origem às pessoas coletivas Existem várias teses sobre aquilo que é uma pessoa coletiva, sobre como é que se compreende esta realidade: • Savigny, séc. XIX: nas pessoas coletivas temos uma ficção (analogia com o ser humano) - fingimos que uma sociedade, uma associação, etc., é uma pessoa singular (um ser humano) e esta ficção permite- nos aplicar a estas entidades as regras das pessoas singulares, como se estivéssemos perante uma pessoa singular. A pessoa coletiva não existe, mas fingimos que existe para fins práticos. • Teses Realistas (Beseler): a pessoa coletiva de facto existe porque se considera que a personalidade se atribui a todo o sujeito de uma relação jurídica, ou seja, uma pessoa é tudo aquilo que é titular de relação jurídica (partem do objeto para o sujeito); desta feita conclui-se que as entidades que prosseguiam um mesmo objetivo eram considerados pessoa, neste caso, pessoa coletiva. • Teses negativistas (Ihering) -> a pessoa coletiva é um meio ao serviço do direito, mas em última analise os interesses que estão protegidos pelo direito são interesses de seres humanos (pessoas singulares); não existe propriamente uma pessoa coletiva, existe Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 uma forma de nós satisfazermos os interesses das pessoas singulares que passa pela admissibilidade de uma estrutura que pode ser titular de direitos e deveres: a pessoa coletiva. As pessoas coletivas existem para preservar a tutela de certos interesses das pessoas singulares. • Organicismo (finais do século XIX e primeira metade do século XX) -> foi uma corrente filosófica que também teve repercussões no direito, inspirada, em especial, pelas ciências da natureza (biologia) e que tentava ver algumas realidades jurídicas por comparação com o mundo da natureza; entendia que as pessoas coletivas eram organismos - tal como na natureza nós temos aqueles bichinhos todos, no mundo do direito também teríamos vários organismos: um deles era o ser humano, mas depois também tínhamos organismos que não eram seres humanos, eram pessoas coletivas; há vantagens e desvantagens na consideração das pessoas jurídicas como organismos, mas nós ainda hoje temos resquícios fortíssimos dessa corrente (ex. quando nós designamos as partes das pessoas coletivas como órgãos) Ler a tese do Dr. Diogo Costa Gonçalves sobre personalidade jurídica O direito objetivo cria realidades específicas porque através de determinados mecanismos e, em último recurso, através do uso da força (por uma comunidade politicamente organizada), nós conseguimos impor determinadas noções. Há um conjunto de realidades que num primeiro momento até pode existir só no mundo do direito, mas que a seguir passa, efetivamente, para o mundo da realidade – para o mundo físico. As pessoas jurídicas são uma realidade jurídica como as outras. As pessoas singulares têm uma particularidade de corresponder diretamente com uma pessoa real. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Estudar classificações de pessoas coletivas nos manuais As pessoas coletivas podem ser muito variadas: ü Quanto ao seu fim: • Pessoas coletivas com fim lucrativo -> sociedades (civis ou comerciais) • Pessoas coletivas sem fim lucrativo -> associações ou fundações ü Quanto ao seu substrato (aquilo que está subjacente às pessoas coletivas, aquilo que justificou a personificação daquela entidade): • Pessoas coletivas associativas -> o seu substrato é um conjunto de pessoas que querem realizar determinada atividade em conjunto (ex. Benfica; sociedades) • Pessoas coletivas fundacionais -> o seu substrato é um conjunto de bens emregra bastante significativos afetos à prossecução de determinados fins (Sr. Gulbenkian) NOTA: por razões de interesse público (temos que saber a quem vamos pedir responsabilidades por determinados atos; o Estado tem que saber a quem cobra impostos), existe um numerus clausus para os tipos de pessoas coletivas – há o princípio da tipicidade em matéria de pessoas coletivas (os tipos de pessoas coletivas são apenas aqueles que estão previstos na lei) Comunhão -> por vezes a lei exige que determinados direitos e deveres sejam cumpridos em conjunto pelos vários titulares de uma situação jurídica; não há personalidade coletiva aqui (ex. comunhão hereditária – para vender um bem herdado por várias pessoas, todas têm de estar de acordo) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Regras comuns a pessoas coletivas: Artigo 160º CC -> Princípio da tipicidade/especialidade: a capacidade de gozo das pessoas coletivas é limitada pelos seus fins (ex. o Benfica não pode realizar atos que não se integrem no fim que persegue) • Menezes Cordeiro: acha que este princípio não impede lá grande coisa; • Maria Raquel Rei: acha que dizer que não temos este principio é demais Artigo 162º CC -> Existência de órgãos que servem para exprimir a vontade das pessoas coletivas São órgãos obrigatórios: ü Um órgão colegial e ímpar (na medida em que têm que ter um número ímpar de pessoas maior que 1) para a administração da pessoa coletiva – normalmente chama-se Conselho de Administração, mas pode também chamar-se Conselho Diretivo, Comissão Executiva, etc.; ü Órgão de fiscalização da pessoa coletiva Associação -> conjunto de pessoas que pretende desenvolver uma atividade não lucrativa em comum; Ao longo dos séculos, as associações ganharam uma carga ideológica muito forte. Em Portugal, a liberdade de associação tem, inclusivamente, consagração na Constituição (artigo 46º). Este artigo garante a liberdade de associação, liberdade essa que é muito ampla porque as pessoas podem construir associações para praticamente tudo o que lhes apetecer. Este carinho do legislador pelas associações existe, em certa medida, como reação a um passado recente em que não havia, na prática, liberdade de associação – a liberdade de associação estava bastante restringida. Até 1974, quando alguém queria constituir uma associação tinha que pedir autorização; agora isto não é necessário, desde que a associação não seja contra a lei. As associações beneficiam de um sistema de aquisição automática de personalidade jurídica (a personalidade jurídica adquire-se automaticamente a partir do cumprimento do procedimento). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Existe também a tutela de liberdade de não pertencer a uma associação (ex. quero fazer-me sócia da AAFDL, faço; não quero, não faço). Há, no entanto, algumas exceções como a Ordem dos Advogados: se eu quero exercer a profissão tenho, necessária e obrigatoriamente de pertencer à Ordem. Como se constitui uma associação? Através de um contrato (acordo) entre todas as pessoas que estão interessadas em constituir-se como associação. Além disso, existe o estatuto ou pacto social que contém o regulamento da vida daquela associação. Os estatutos, do ponto de vista físico, são muitas vezes um documento aparte do contrato de associação, no entanto, quando a pessoa coletiva é muito simples, é possível que esteja tudo no mesmo documento. ü Contrato de associação: identificam-se as pessoas; formaliza-se o desejo de constituir, efetivamente, a associação, dizendo o nome dela; indica-se a sede; etc. ü Estatuto: quais são os órgãos da associação; maiorias necessárias para determinados atos; como se faz a eleição dos membros da administração; quantos votos tem cada associado; quantas assembleias pode haver por ano; etc. Costuma discutir-se se, a par deste acordo para a formação da associação, é necessário também o animus personificandi (vontade de personificar). • Menezes Cordeiro e Maria Raquel Rei: as pessoas não são tolinhas por isso nós temos que ter atenção ao que elas fazem – se um grupo se dirige ao RNPC para pedir o nome (custa cerca de 70€), prepara um contrato, vai a um cartório, constitui a sociedade, paga mais 500€, publica nos jornais que foi constituída a sua associação e etc.; com isto tudo, alguém tem dúvidas que esse grupo de pessoas quer efetivamente constituir uma pessoa coletiva? Não há dúvida nenhuma porque ninguém no seu perfeito juízo vai fazer este percurso para não constituir uma pessoa coletiva. Se eu quiser não constituir uma pessoa coletiva, o que eu faço é uma combinação com Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 o grupo para fazerem umas coisas relacionadas com o fim que pretendem e tal, mas não me vou dar ao trabalho de fazer todo o percurso como se fosse constituir uma associação, sendo que afinal não vou (isto só aconteceria se as pessoas fossem todas doidas, não é normal). Basicamente defendem que o animus personificandi é uma intenção que está subjacente à atuação da pessoa e não um requisito em si mesmo. A constituição de uma associação dá lugar à aquisição automática de personalidade jurídica e é possível a constituição de uma associação para qualquer fim (desde que seja lícito) não lucrativo (artigo 157º do Código Civil). É possível uma associação prosseguir atividades lucrativas, o que ela não pode é fazê-las com intuito lucrativo. O intuito lucrativo consiste em distribuir pelos associados os lucros da atividade (ex. se o Benfica quiser abrir um restaurante e aplicar o lucro na atividade desportiva pode fazê-lo) Nas associações existe a necessidade de os associados contribuírem para a atividade social (através de quotas, de trabalho, etc.). É vulgar qualificar-se o contrato de associação como um contrato normativo - em vez de estabelecer regras para um caso concreto, estabelece regras que têm uma aplicação muito parecida com a das leis, ou seja, geral e abstrata. Estes contratos normativos constituem um desafio grande ao jurista porque grande parte das regras sobre contratos não está pensada para estes contratos, mas antes para os de execução instantânea (o paradigma dos contratos é o contrato de compra e venda, não é o contrato normativo). No entanto, nós não devemos ser fundamentalistas com as normas, nós devemos permitir que a norma jurídica seja o mais rica possível e, de facto, as normas que regulam os contratos (tal e qual como as outras) também são gerais e abstratas e, portanto, é possível, ainda que com alguma dificuldade nalguns casos, aplicarmos aos contratos de associação e aos estatutos das pessoas coletivas as regras que regulam os contratos. Existe alguma polémica em matéria de interpretação: há quem entenda que os contratos de associação e os estatutos das pessoas coletivas devem ser interpretados não de acordo Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 com as regras dos contratos, mas sim de acordo com as regras que disciplinam a interpretação da lei – esta não é a opinião da Maria Raquel Rei, mas ela reconhece que o caráter normativo destes contratos cria dificuldades ao jurista. Formalmente o contrato de associação deve ser constituído através de escritura pública (artigo 168º/1 do Código Civil) ou por constituição imediata da associação (o estado português, em 2006, adotou um conjunto amplo de medidas que ficou conhecido como simplex e que se destinou a simplificar muitos procedimentos na área do direito e da administração pública e uma destas normas foi a Lei nº 40/2007 que permitiu um processo simplificado de constituição de associações). Há algumas associações que não podem ser constituídas através desta Lei nº 40/2007 (ex. partidos políticos, pessoas coletivas religiosas, pessoas coletivas de cariz militar ou relacionadas com as forças de segurança, associações de empregadores, sindicatos e associações de bombeiros). A constituição imediata apresenta como vantagenso facto de ser muito mais barata e muito mais rápida e apresenta como desvantagens o preço que se paga pela simplificação (o modo de constituir estas pessoas coletivas é um modo standartizado, portanto, só se pode fazer a pessoa coletiva de uma certa maneira, a associação tem que ter certas características, enquanto que quando vamos ao cartório podemos fazer a associação da maneira que entendermos, com os órgãos que quisermos, mais complexa, menos complexa, etc.). Uma vez constituídas estas pessoas coletivas estão sujeitas a publicidade e registo (art.168º do Código Civil) – tem a ver com a necessidade de certeza jurídica (se há uma nova pessoa jurídica temos que saber que ela existe e em que termos é que ela existe; qualquer pessoa pode ir a uma conservatória e pedir uma certidão dos estatutos de uma determinada pessoa coletiva porque são públicos). As pessoas coletivas têm órgãos e há uma grande liberdade quanto ao desenho desses órgãos: tem que haver os previstos no artigo 162º do Código Civil, mas além desses a pessoa coletiva pode ter muito mais órgãos. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Nas associações existem por definição 3 órgãos (artigos 162º e 170º e seguintes do Código Civil): • Assembleia: reúne os associados; dispõe de competência residual (todas as competências que não estejam adstritas a um dos outros órgãos, pertencem à assembleia – artigo 172º do Código Civil); é o coração da associação; • Conselho de administração: é um órgão executivo, ou seja, cabe-lhe executar as deliberações da assembleia e a representação – para a pessoa coletiva praticar atos jurídicos tem de o fazer através de um órgão que é a administração (art. 163º/1 do Código Civil); a pessoa coletiva responde pelos atos deste órgão (artigo 165º do Código Civil); • Conselho fiscal: tem de ter um presidente; tem, necessariamente, funções de fiscalização. Artigo 182º do Código Civil -> extinção das pessoas coletivas. Artigo 184º do Código Civil -> quando a associação se extingue entra em liquidação (período em que a associação tem apenas os poderes necessários para preparar a extinção). Artigo 166º do Código Civil -> os bens da pessoa coletiva, quando ela se extingue, são entregues a uma pessoa coletiva com fins semelhantes. 10-11-2020 Artigo 980º do Código Civil -> Uma sociedade é um acordo, um contrato; a pessoas que firmam este acordo contribuem com bens ou serviços (obrigação de entrada); têm que exercer, em comum, uma atividade económica que não seja de mera fruição e que tenha uma finalidade lucrativa (ao contrário das associações) A sociedade constitui-se através de um contrato (980ºCC); não há uma forma especial para este contrato, exceto se as entradas dos sócios exigirem uma entrada especial (artigo 981º do Código Civil) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Quanto aos órgãos – os artigos 980º e seguintes do CC, praticamente não falam dos órgãos da sociedade porque o legislador teve em vista um contrato e não uma pessoa coletiva. • Assembleia – o código não menciona, no entanto, em vários artigos (980º e seguintes do CC), se prevê matérias que devem ser tomadas pelos sócios (como já tínhamos visto para as associações, a assembleia é o conjunto dos associados, no caso das associações e dos sócios, no caso das sociedades) • Carvalho Fernandes: diz que a assembleia não tem que existir porque os sócios podem deliberar ad hoc, sem estarem reunidos; • Maria Raquel Rei: diz que talvez não seja uma assembleia, mas se tivermos reuniões por zoom ou reuniões telefónicas tende a dizer que continua a ser uma assembleia porque os sócios estão reunidos e deliberam. • Administração – a lei não fala dela, mas prevê a função dos administradores (artigo 985º do Código Civil); os administradores são o órgão executivo e gerem e representam a sociedade. Artigo 1007º do Código Civil -> formas voluntárias e não tão voluntárias da extinção da sociedade Depois da extinção abre-se a fase de liquidação da sociedade – é necessário um determinado período de tempo para que os administradores (liquidatários) encerrem a atividade das sociedades. Ao contrário daquilo que se passa nas associações, em que os bens passam para uma associação semelhante, os bens que existem na sociedade quando a sociedade se extingue são partilhados pelos sócios (tem a ver com o fim egoísta, que existe na constituição da sociedade, durante a vida da sociedade e na extinção da sociedade). O fim egoísta é uma das razões para que as sociedades funcionem melhor que as associações (quanto melhor tratarem da sociedade, mais receberão no seu fim). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 O debate sobre a personalidade jurídica das sociedades é uma matéria muito discutível: • Elemento Sistemático – as sociedades foram reguladas na parte dos contratos e não das pessoas coletivas; • Em sítio algum do 980º e seguintes do Código Civil nós temos um artigo que nos diga, sem sombra para dúvidas, que as sociedades têm personalidade jurídica; • Artigo 981º CC - a forma da sociedade é determinada pela forma de transmissão das entradas dos sócios (para haver transmissão de bens tem que haver duas pessoas jurídicas); • Artigo 984º CC – dá a entender que existem duas pessoas jurídicas • Artigo 990º CC – responsabilidade do sócio perante a sociedade (só pode haver responsabilidade se houver duas pessoas jurídicas; eu não sou responsável perante mim mesmo) • Artigo 996º do Código Civil – trata das relações da sociedade com terceiros (se ela se relaciona com terceiros é porque existe; implica que exista uma outra entidade diferente dos sócios com a qual os terceiros se relacionam) De facto, há doutrina nos dois sentidos. A maioria (Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, Pedro Pais Vasconcelos, etc.) entende que a sociedade tem personalidade jurídica. • Menezes Cordeiro: têm uma opinião muito sensata no ponto de vista da Maria Raquel Rei que diz que, quando os sócios respeitam as regras dos artigos 157º e seguintes na constituição de uma sociedade então temos uma pessoa coletiva; se não respeitarem, não temos – ex. no totoloto em conjunto não há, no seu ver, uma pessoa coletiva porque não seguem os passos do 157º e seguintes; assim sendo, não há personalidade jurídica; se os sócios percorrerem os passos para a criação de uma pessoa coletiva, temos personalidade jurídica, mas se o não fizerem, ainda que possamos ter uma sociedade, não temos personalidade jurídica. não têm personalidade jurídica tê m pe rs on al id ad e ju ríd ic a Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 NOTA: • Mesmo que uma sociedade tenha personalidade jurídica, as sociedades têm autonomia patrimonial imperfeita (artigo 997º do Código Civil) -> sócios tornam-se como que o garante do pagamento pela sociedade (se houver dívidas vai-se primeiro ao fundo comum, mas depois deste acabar são os sócios que entram) As sociedades de advogados que eram sociedades civis, ou seja, eram sociedades feitas com base no artigo 980º do Código Civil (sociedades em que existia autonomia patrimonial imperfeita; os sócios respondiam na falta de bens da sociedade). Enquanto as sociedades de advogados foram sociedades civis com autonomia patrimonial imperfeita, ou não havia sociedades de advogados ou, quando havia, tinham muito poucos sócios porque é necessária confiança nas pessoas para aceitarmos responder com o nosso património pelos atos menos bons que elas possam praticar. Hoje em dia, como a lei foi alterada, as sociedades de advogados são sociedades civis, mas com um regime especial (Lei das Sociedades de Advogados), tendo agora autonomia patrimonial perfeita (pelas dívidas da sociedade responde apenas a sociedade e não o património individual dos sócios). A partir daqui proliferam-se as sociedades de advogados. Alem das sociedades civis existem sociedades comerciais. A sociedade comercial distingue-se dasociedade civil, em primeira linha, atendendo ao seu objeto: o da sociedade civil é não comercial, enquanto que o da sociedade comercial o é. Hoje em dia há poucas sociedades civis porque, devido ao fim lucrativo, se formam mais sociedades comerciais. Associações sem personalidade jurídica e comissões especiais: são entidades semelhantes às associações (quando são grupos de pessoas) ou às fundações (quando são património de afetação), mas sem personalidade jurídica; tem menos autonomia do que as pessoas coletivas normais; são relativamente vulgares (ex. associações de finalistas; comissão de festas; morgados – enfim, organizações pontuais para um fim determinado ou para receber dinheiro para situações de emergência, por exemplo); estruturas simples, normalmente temporárias, que se fazem e desfazem, com um determinado objetivo Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Maria Raquel Rei: pensa que estamos perante aquilo que o professor Menezes Cordeiro designa por pessoas jurídicas rudimentares (entidades que para efeitos muito pouco determinados são tratadas como se tivessem personalidade jurídica, apesar de não terem); acha um bocadinho violento dizermos que estas entidades têm personalidade jurídica quando a lei diz expressamente que não • Menezes Cordeiro: diz que as associações sem personalidade jurídica são verdadeiras pessoas coletivas e não apenas pessoas rudimentares Particularidades destas entidades: • Constituição extremamente informal, o que traz vantagens quando corre bem e desvantagens quando corre mal; • Responsabilidade das associações sem personalidade jurídica reguladas no artigo 198º do Código Civil -> o fundo comum responde em primeira linha, depois responde a pessoa que contraiu a dívida e, por fim, respondem os associados na proporção das entradas para o fundo comum. NOTA: a autonomia patrimonial é muito pequena e, portanto, os associados correm riscos muito grandes - se o objetivo destas pessoas for prolongado no tempo é melhor constituir uma associação porque oferece mais garantias. • Artigo 200º do Código Civil - Responsabilidade pessoal e solidária dos membros da comissão (todos respondem pela totalidade das dívidas); natureza fiduciária da relação (quando eu entrego dinheiro a uma pessoa para determinado fim, essa pessoa é responsável por esse dinheiro e por afetá-lo aos fins para os quais o dinheiro foi entregue). Fundações: é a pessoa coletiva mais difícil porque não é tao vulgar no nosso dia a dia; pessoa coletiva de base patrimonial (a lei personifica um património que foi afetado pelo ser proprietário a um determinado fim). Artigo 185º do Código Civil -> o fim das fundações não pode ser um qualquer (as associações e as sociedades podem), tem que ser um fim comunitário. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Em 2012 o legislador tentou dinamizar as fundações: promulgou-se a Lei 24º/2012, de 9 de julho, designada por Lei Quadro das Fundações. Esta lei pretendeu promulgar o regime geral das fundações (sobrepõe-se ao Código Civil, mas não o revoga; é inclusive uma lei um pouco infeliz porque o legislador foi preguiçoso e, em vez de alterar o Código, decidiu escrever um novo documento que em algumas coisas diz exatamente o mesmo, outras diz coisas um bocadinho diferentes e outras acrescenta mais informação ao que já havia – foi prático para o legislador, mas na aplicação não é muito simples) Como se constituem as fundações? • Inter vivos: constituídas por acordo, por escritura pública (é o processo mais normal) ou de acordo com uma lei especial; • Mortis causa: constituídas por testamento Artigo 185º/4 do Código Civil -> existe publicidade. Artigos 186º e 187º do Código Civil -> pode-se dizer que se quer uma fundação, pôr património de parte para tal e deixar a feitura dos estatutos para mais tarde porque o essencial é afetar o património. A Lei Quadro das Fundações dá vários exemplos de fins de interesse social no artigo 3º, o que nos ajuda a interpretar o artigo 185º do Código Civil, em relação ao conceito de interesse social. Há uma espécie de má vontade na Lei Quadro das Fundações quanto às fundações que se destinam a ser parqueamento de património familiar, o que tem a ver com a história das fundações em Portugal. Em Portugal, nós temos duas realidades muito diferentes, mas que se conjugaram para criar uma grande má vontade relativamente às famílias: • Ordens religiosas e igreja em geral – tendo em conta a forma como Portugal se formou e o poder da igreja, verificou-se que esta acumulou grandes massas de bens; como a igreja é uma pessoa coletiva ela não desapareceu e, portanto, os bens que foram sendo Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 acumulados por ela ao longo destes 900 anos ficava ali; a partir de uma certa altura, começa-se a achar que os bens que estavam na posse da igreja eram bens muito pouco produtivos; procede-se então à expropriação destes bens de mão morta (ao longo dos tempos, a expropriação da igreja tem sido um clássico). • Fenómeno dos morgadios – o morgadio (hoje em dia já não existe) é uma forma de organização do património que era muito comum no nosso país, sobretudo a norte do Tejo (em certas famílias, havia determinadas massas de bens que faziam parte de um morgadio e que tinham regras de sucessão diferentes daquelas que existiam em relação ao restante património; o morgadio ia, na totalidade, para o rapaz mais velho [quando não havia rapazes ia para a rapariga mais velha]; o morgado recebia o património vinculado ao morgadio e uma parte do património não vinculado, em conjunto com os irmãos); começou a ser mal visto porque o morgado não podia vender os bens do morgadio mesmo que quisesse, uma vez que estavam vinculados à sua descendência (mais uma vez, eram bens de mão morta); no séc. XIX acabaram os morgadios Em 1966, havia pessoas a pensar que fazer fundações era ressuscitar os morgadios e é isso que determina o facto de elas só poderem servir fins públicos, explicitando-se mesmo que não podem prosseguir fins familiares. O património é o coração da fundação; tem que ser suficiente porque a sua insuficiência pode determinar fusão com outra fundação (artigo 190º/2, alínea c do Código Civil) ou até mesmo a extinção. A fundação só ganha personalidade jurídica (artigo 6º da Lei Quadro das Fundações) no momento do ato de reconhecimento e não no ato de instituição. Assim sendo, quem gere os bens entre estes períodos? Lei Quadro das Fundações, artigo 20º/3 -> no período de limbo entre a instituição e o reconhecimento os bens são administrados pelo fundador, pelos seus herdeiros ou pelo executor testamentário Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Lei Quadro das Fundações, artigo 20º/4 -> as pessoas mencionadas no ponto anterior são responsáveis pessoal e solidariamente pelos atos praticados em nome da fundação até à altura do reconhecimento. Reconhecimento (art. 188ºCC) -> é um ato que não existe nas restantes pessoas coletivas; é um ato de autoridade pública (governo) que reconhece a existência do fim social e a suficiência do património afetado pelo fundador à produção daquele fim; é um ato discricionário da autoridade. A Lei Quadro das Fundações estabeleceu um processo de reconhecimento extraordinário e simplificado para determinar se há ou não há interesse social (artigo 22º, nº 6, 7 e 8). Depois do pedido de reconhecimento, a instituição da fundação é irrevogável (artigo 185º /2 do Código Civil). NOTA: A necessidade de reconhecimento, de certa maneira, demonstra alguma má vontade do legislador contra as fundações. Órgãos da fundação (artigo 26º da Lei Quadro das Fundações) • Obrigatório: ü Órgão da administração; ü Órgão executivo (para a gestão corrente); ü Órgão da fiscalização; • Com frequência: ü Órgão consultivo (constituído por pessoas com determinadas qualificações aquela área) NOTA: O fundador não é um órgão da pessoa coletiva;dá vida a esta pessoa, mas é externo (apesar disso, é muito importante para certas coisas da fundação, ex. interpretação dos estatutos, modificação ou extinção da fundação, etc.). Extinção das fundações (artigo 192º do Código Civil) Tal como as restantes pessoas coletivas, uma vez extinta, a fundação entra em liquidação (artigo 194º/1 do Código Civil). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 O destino dos bens das fundações, uma vez que não há intuito lucrativo, é semelhante ao das associações: os bens da fundação são atribuídos a outra pessoa coletiva que prossiga aqueles fins, salvo indicação do fundador ou dos estatutos da fundação em contrário (artigo 186º do Código Civil) NOTA: por vezes fala-se em extinção em sentido impróprio quando a fundação não consegue reconhecimento, mas se a fundação nem chegou a constituir-se não pode aqui falar-se em extinção. 17-11-2020 Pessoas coletivas não são titulares de direitos de personalidade: • Elementos sistemáticos -> A tutela dos direitos de personalidade vem regulada na secção II do capítulo I que diz respeito apenas às pessoas singulares; no Código do Processo Civil (artigo 878º) existe um processo especial para efetivar as medidas adequadas previstas no artigo 70º/2 do Código Civil e ele fala especificamente de pessoas singulares • Elemento literal -> art. 70º do Código Civil, que regula a tutela geral da personalidade é bastante clara quando se refere ao “indivíduo” (o indivíduo não é uma pessoa coletiva, é um ser humano); Para além disto, os direitos de personalidade têm um nível axiológico muito forte que se encontra ligado aos bens de personalidade e à característica da inerência desses direitos de personalidade relativamente à personalidade humana. É completamente diferente nós falarmos do direito à vida, direito à honra, etc., relacionados com seres humanos do que dizermos que são direitos de todas as pessoas, sejam individuais, sejam coletivas. Se nós falarmos exclusivamente de pessoas singulares percebemos que existe uma carga valorativa, filosófica e até mesmo política, relacionada com estes direitos de personalidade que são direitos específicos de seres humanos, tendo em conta a dignidade e a relevância moral das pessoas – isso não acontece se estendermos os direitos de personalidade às pessoas coletivas. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 A maior parte dos direitos de personalidade previstos no Código Civil respeitam, necessariamente, a pessoas singulares (ex. artigo 70º fala de personalidade física ou moral – as pessoas coletivas não têm personalidade física e, de certa forma, também não têm personalidade moral; artigo 71º fala da proteção das pessoas falecidas – as pessoas coletivas não falecem, extinguem-se; cartas-missivas confidenciais [artigo 75º] não são suscetíveis de ser escritas por pessoas coletivas; memórias familiares [artigo 77º], imagem [artigo 79º]; intimidade da vida privada [artigo 80º] – são tudo bens que não pertencem, por definição, a pessoas coletivas. A aplicação destes artigos a uma pessoa coletiva implicaria sempre uma certa adaptação, mas para quê se nós temos outros instrumentos que podemos aplicar a pessoas coletivas? Os direitos das pessoas coletivas (existem alguns que são até muito parecidos com estes das pessoas singulares) são direitos diferentes e têm um objetivo muito diferente – ex. artigo 484º do Código Civil é um artigo que se aplica quer a pessoas singulares, quer a pessoas coletivas e que protege o crédito e o bom nome quer de umas quer de outras. De facto, a afetação do bom nome de uma pessoa coletiva pode ser extremamente prejudicial para a mesma, mas de uma perspetiva económica; não é prejudicial com o mesmo tipo de dano e/ou intensidade que quando se afeta a honra de uma pessoa singular. No direito comercial há vários artigos que dão proteção as coletivas parecidos aos das pessoas singulares, mas não chamamos a esses direitos de proteção direitos de personalidade porque isso, de certa maneira, seria degradar os direitos de personalidade. • Menezes Cordeiro: é da opinião que os direitos de personalidade são para as pessoas coletivas e singulares. Estudar o levantamento da personalidade coletiva no manual do professor Menezes Cordeiro Levantamento ou desconsideração da personalidade coletiva: surge no séc. XX porque nessa altura se banalizou a utilização da personalidade coletiva. As pessoas coletivas, sobretudo as que têm responsabilidade limitada (portanto têm autonomia patrimonial perfeita) constituem uma enorme vantagem, sobretudo para as pessoas que realizem atividades económicas (ex. se eu estiver numa sociedade e praticar um ato ilícito, Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 quem vai responder é o património da sociedade e não o meu património pessoal) Sociedade: conjunto de pessoas que se junta e origina uma pessoa coletiva, cujo objetivo é o exercício da atividade económica, com vista a repartir os lucros entre todos. Nunca têm muito dinheiro, têm o dinheiro necessário à sua atividade. Não serve para acumular dinheiro: serve para ganhar dinheiro e distribuir pelos sócios. Quando uma sociedade é responsável por alguma coisa, vamos ver o que ela tem e até esse limite paga-se; para lá desse limite não há, paciência. Na prática, a sociedade permite limitar a responsabilidade das pessoas que atuam no âmbito da mesma. Tratar uma pessoa coletiva como sendo o nosso património pode dar problemas e é injusto que os credores da sociedade não possam vir reclamar alguma coisa do meu próprio património porque, durante toda a vida da sociedade, usei-a como se aquilo fosse um só património e não dois – ex. eu tenho uma sociedade e vou ao supermercado, faço compras com o cartão da sociedade e a sociedade não tem dinheiro e, portanto, eu avanço com o meu dinheiro; ou então não tem dinheiro e eu não pago e não quero assumir as responsabilidades (não faz sentido pedir responsabilidades à sociedade, a sociedade não come). Também é problemática a existência de pessoas que constituem sociedades e as levam à falência, constituindo outra igual logo a seguir. Perante estes abusos dos mecanismos de personalidade jurídica foi necessário que os legisladores os limitassem: • Artigo 83º do Código das Sociedades Comerciais -> estabelecer a responsabilidade da sociedade dominadora; • Artigo 84º do Código das Sociedades Comerciais -> responsabilidade do sócio único (quando uma sociedade tiver um único sócio, esse sócio responde pelas dívidas da sociedade; na prática ele domina a sociedade); • Código da insolvência e recuperação de empresas -> tem regras que limitam a eficácia da personalidade jurídica tendo em conta a situação a que se chegou naquela sociedade; Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade jurídica -> é o instituto que originariamente tem duas tradições (Alemanha e Estados Unidos da América) Em Portugal, o levantamento da personalidade jurídica coletiva faz- se através do artigo 334º CC, ou seja, através do instituto de abuso de direito: • Há autores que pensam que há outras formas de desconsiderar as personalidades jurídicas coletivas; • Maria Raquel Rei: acha que não; não há outra base legal (enquanto instituto geral) que nos permita desconsiderar a personalidade jurídica coletiva. O nosso ordenamento jurídico atribui a cada pessoa a possibilidade de se constituir pessoas jurídicas, mas esta possibilidade é conferida com determinados objetivos, ou seja, que cada um de nós prossiga fins (relacionados consigo próprios), que se realize através da constituição de pessoas coletivas. A constituição de pessoas coletivas também permite que as pessoas limitem, legitimamente, a sua responsabilidade. No entanto, há quem abuse – a consequência está prevista no 334º CC (o caráter vago desta estatuição permite adaptar o artigo a determinadas consequências, designadamenteo levantamento da personalidade jurídica [se é ilegítimo usar a personalidade jurídica para isto, tu não a podes usar; como usaste vais ser tratado como se não houvesse pessoa coletiva] ex. no caso da conta do supermercado, se uma pessoa age como se a pessoa coletiva e ela fossem um só, então parece justo que se ponha a pessoa coletiva de lado e a pessoa responda pelo que fez) NOTAS: ü Este mecanismo é excecional, não o devemos banalizar; ü Maria Raquel Rei acha que o artigo 50º do Código Civil brasileiro é um mau artigo porque banaliza o levantamento da personalidade jurídica; ü A limitação da responsabilidade é uma vantagem muito grande, mas, como tudo na vida, tem desvantagens. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Estudar a matéria das coisas no 1º volume do professor Carvalho Fernandes – páginas 665 a 741 É muito difícil definir uma coisa porque há inúmeras. Art. 202ºCC -> muito criticado por ser circular; é infeliz; ajuda pouco, mas não está errado Uma coisa é aquilo que tem existência física (existência física ≠ existência corpórea) delimitada (tem princípio, meio e fim) e autónoma (ex. as páginas de um livro não têm autonomia, mas se as arrancarmos de lá passam a ter), não é uma pessoa nem animal, é apropriável (o ar que nós respiramos de forma natural não é uma coisa exatamente por não ser apropriável; as coisas fora do comércio não são apropriáveis – praias, estradas, etc.) e pode ser objeto de relações jurídicas. NOTAS: ü Há muitos direitos que não podem incidir sobre partes de coisa (ex. eu posso vender um livro, mas não posso vender uma página de um livro); ü Podemos arrendar um quarto, mas não podemos vender um quarto porque não é possível haver direitos de propriedade sobre partes de coisa; ü Os bens de personalidade não são coisas, a menos que tenham autonomia (ex. cabelo depois de cortado); ü Lei nº8/2017, de 3 de março veio alterar o Código Civil, estabelecendo o estatuto jurídico dos animais • Maria Raquel Rei: acha que esta lei é patética porque o legislador foi mexer no Código Civil sem compreender muito bem o que estava a fazer; criou um subtítulo autónomo que tem 3 artigos sobre os animais com artigos que explicam aquilo que já se sabia antes As coisas têm um regime jurídico próprio (regime dos direitos reais); este regime é mais exigente do que o regime das prestações porque as coisas têm grande importância na vida das pessoas. Tradicionalmente costuma-se falar de coisas imateriais – na definição apresentada, as coisas imateriais não estão incluídas porque não têm existência física. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Coisas imateriais: não se lhes aplica o regime jurídico das coisas; é algo que não tem matéria, não é um animal nem uma pessoa, tem autonomia, é delimitado e pode ser objeto de relações jurídicas (ex. software) NOTA: direitos às vezes são considerados coisas imateriais; hoje em dia, é considerado errado tratar os direitos como se fossem coisas Artigo 1303º CC -> direitos de autor e propriedade industrial são as regras que regulam a generalidade dos direitos imateriais; a própria legislação diz que os direitos imateriais estão sujeitos a um regime especial pelo que não faz sentido considera-los coisas. O domínio público é uma área que tem tido uma evolução muito diferente ao longo dos séculos e de país para país. Há regras muito diferentes quanto ao domínio público nos vários países que dependem da sua tradição e até mesmo da política. As pessoas coletivas públicas (Estado e outras entidades) podem ter bens do domínio público e bens do domínio privado. Bens de domínio público: estão afetos à satisfação do interesse público (ex. praias, estradas, mar); por vezes a utilização pelo público carece de autorização; enquanto os bens estiverem no domínio público não é possível aliená-los e não é possível serem objeto de apropriação individual, usucapião, etc. Bem: é uma expressão que nos veio da tradição jurídica francesa e tem um conceito mais amplo do que a coisa porque um bem é tudo aquilo que tem utilidade para o homem. As coisas são muito variadas, pelo que é um conceito difícil de definir. Assim sendo, estudamos as coisas através de classificações: • Coisas Corpóreas: quando têm um corpo Artigo 1302º do Código Civil -> As coisas corpóreas são suscetíveis dos direitos reais – são sempre suscetíveis de posse (controlo material de uma coisa) e podem ser objeto de direito de propriedade. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 NOTA: posse é um conceito jurídico diferente do conceito de propriedade: o possuidor é aquele que controla materialmente a coisa, o proprietário é aquele que tem uma permissão normativa específica de aproveitamento da coisa. • Coisas incorpóreas: quando não têm um corpo; não são suscetíveis de posse (ex. eletricidade) • Coisas fungíveis (artigo 207º do Código Civil): coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de relações jurídicas - ex. 2 bifes porque se determina pelo seu género (bifes), pela qualidade (do lombo, por ex.) e pela quantidade (2); não há relações jurídicas que se estabeleçam sobre uma coisa fungível quando ela não está determinada. Precisam de ser medidas (ex. 1kg de batatas, 1kg de mel); se eu for a uma loja e pedir um Fiat500 também é uma coisa fungível porque qualquer Fiat500 me serve; as coisas fungíveis acabam por ser substituíveis porque se determinam apenas pelo seu género, quantidade e qualidade • Coisas não fungíveis (ou infungíveis): coisas individualizadas pelas suas características próprias NOTAS: ü Pode haver coisas fungíveis e não fungíveis meramente subjetivas (ex. o casaco que eu quero adquirir é objetivamente fungível porque há vários na loja, mas se eu quiser adquirir especificamente o que a minha amiga já comprou por ser dela, o casaco passa a ser não fungível; o inverso também é possível, ex. eu sou muito rica e quero adquirir um Picasso – à partida o Picasso seria não fungível porque eu iria querer escolher de acordo com determinadas características, no entanto, eu nem gosto de Picasso, só quero mesmo para ostentação, então pode ser um qualquer, ou seja, passa a ser uma coisa fungível) ü As coisas fungíveis colocam muitas dificuldades - existe um regime próprio (artigos 539º a 542º do Código Civil) • Coisas consumíveis (artigo 208º): quando o seu uso regular importa a sua destruição (ex. maçã – o seu uso regular implica que eu a coma; gasolina) ou alienação; o consumo pode ser natural ou jurídico (ex. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 dinheiro); o regime jurídico das coisas consumíveis é diferente; com frequência são suscetíveis de perda ou de deterioração • Coisas não consumíveis: admitem o uso reiterado sem destruição da sua substância 17-11-2020 (aula de compensação) • Coisas móveis (artigo 205º do Código Civil) • Coisas imóveis (artigo 204º do Código Civil) § Menezes Cordeiro: coisa imóvel é parte delimitada da crosta terrestre e tudo aquilo que a ela esteja ligado Coisas imóveis: - Prédios rústicos e urbanos (um prédio rústico é uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes não têm autonomia económica – ex. uma casinha para guardar os equipamentos agrícolas inserida no pomar, uma vez que está a servir de apoio ao solo; um prédio é urbano quando consiste num edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro – ex. moradia com quintal; prédio; armazém; fábrica; parque de estacionamento alcatroado; estrada: aqui o que interessa é que o terreno seja totalmente secundário, ao contrário dos prédios rústicos) NOTAS: • logradouro é o termo técnico para designar aquilo que normalmente se designa por quintal ou jardim; é um espaço não edificado ao lado de imóvel. • No Código do Imposto sobre Imóveis e no Registo Predial a lei utiliza as palavras prédio rústico e prédio urbano de maneira diferentedo Código Civil; • O Registo Predial ainda acrescenta a noção de prédio misto (quando constituído por uma parte urbana e uma parte rústica) - A água de um rio é uma coisa imóvel quando corre no rio; se a pusermos numa caneca já não é. - Direitos inerentes aos imóveis (é uma classificação bastante infeliz porque, como já tínhamos visto, não se devem classificar os direitos como Importante porque há muitas normas em que é relevante saber esta distinção Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 coisas, muito menos como coisas imóveis; o que o legislador pretendeu foi aplicar aos direitos inerentes aos imóveis o regime jurídico das coisas imóveis) - As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos são coisas que perderam autonomia e passaram a estar agregadas à coisa imóvel (se eu tiver um pomar e lhe colocar uma cerca, a cerca tinha autonomia, mas passa a ser parte integrante do pomar – quando eu vendo o pomar, eu vendo o pomar e a cerca); NOTA: também podemos ter coisas móveis com partes integrantes A classificação entre coisas imóveis e móveis é especialmente importante, designadamente devido às regras de forma. Por norma, os negócios sobre coisas imóveis estão sujeitas a uma forma especialmente solene. Por outro lado, há certos direitos que são privativos de coisas móveis ou de coisas imóveis: • Arrendamento, Superfície, a Propriedade Horizontal, a Hipoteca (exceto numa situação) são negócios que só existem tendo por objeto coisas imóveis • Aluguer, Penhor, etc. são negócios específicos das coisas móveis As coisas imóveis estão sujeitas a registo público e os direitos que incidem sobre as coisas imóveis, para terem eficácia perante terceiros, carecem, precisamente, de estarem registadas. Normalmente, para celebrar negócios em nome de outrem em relação a imóveis, é vulgar a lei exigir determinadas autorizações que não exige quando os negócios são relacionados com coisas móveis. Também existem impostos especiais sobre imóveis (ex. IMI, IMT, etc.). Há uma categoria “intermédia” quanto ao regime jurídico, entre as coisas móveis e as coisas imóveis que é a categoria das coisas móveis sujeitas a registo: em regra, o legislador sujeitou a registo público as coisas móveis que se mexem (ex. automóveis, aviões, navios, etc.). Como as coisas se mexem, o legislador criou, a par do registo, um sistema de matrícula: a matrícula é como se fosse o nome, é a identificação de cada uma destas coisas móveis, que permite identificar a coisa e os direitos que sobre ela incidem. O artigo 205º/2 do Código Civil manda-nos aplicar às Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 coisas móveis sujeitas a registo o regime jurídico das coisas móveis, exceto naquilo que não seja especialmente regulado. • Coisas divisíveis (artigo 209º do Código Civil): uma coisa é divisível quando sendo dividida não perde valor (claro que perde valor proporcionalmente, mas a soma das parcelas é igual à coisa na sua totalidade) – ex. chá numa garrafa é divisível porque ao pô-lo em copinhos, ao dividi-lo, não perde valor NOTA: no caso das coisas fungíveis, é possível haver, em alguns casos, divisibilidade objetiva e subjetiva (ex. se eu tiver que, por motivos de saúde, beber uma garrafa de litro e meio de água e alguém chegar e me pedir um pouquinho, apesar de objetivamente ser uma coisa divisível, para mim, ou seja, subjetivamente, não o é; uma situação inversa também é possível) • Coisas indivisíveis: ex. ao partirmos uns óculos a meio eles deixam de ser funcionais e, consequentemente, perdem valor – os óculos são indivisíveis. • Coisas futuras (artigo 211º do Código Civil): são as coisas que não estão em poder do disponente ou que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial (ex. coisas que não existem – eu vendo ao Pingo Doce as minhas uvas do ano que vem; eu faço um contrato-promessa com uma amiga acerca da casa do meu vizinho – eu ainda não adquiri a casa, mas vou adquiri-la para efetivar a venda) • Coisas presentes: coisa que existe no momento da declaração negocial ou a que, nesse momento, esteja na disponibilidade do declarante. Benfeitoria (artigo 216º do Código Civil) É uma despesa feita para conservar ou melhorar uma coisa (ex. pintar uma casa, remendar um casaco, construir uma piscina numa moradia, arranjar um carro, etc.). Podem ser: • Necessárias: quando evitam a perda, destruição ou deterioração da coisa (ex. remendar o casaco) • Úteis: quando não sendo indispensáveis para o valor da coisa, aumentam o seu valor (ex. forrar um casaco) Im po rt an te p ar a ef ei to d e di vi sã o ou p ar til ha s Im po rt an te p or qu e só é p os sív el p ro du zir ef ei to s r ea is co m c oi sa s q ue e xi st em n a m in ha es fe ra ju ríd ic a (a rt ig o 40 8º /2 d o Có di go C iv il) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Voluptuárias: quando, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor de uso (a utilidade), servem apenas para deleite do benfeitorizante (ex. construir uma piscina numa moradia não aumenta o valor de uso da moradia nem é necessário – a menos que seja uma estratégia para valorizar o imóvel) Quando falamos em benfeitoria estamos a ter em atenção uma despesa; quando falamos de parte integrante estamos a ter em atenção, não a despesa, mas sim a própria coisa e a função da parte integrante na coisa. A benfeitoria e parte integrante podem ser a mesma coisa, mas olhadas de perspetivas diferentes. Relações entre coisas: • Parte Componente: é uma parcela de uma coisa (ex. mangas de uma camisola são uma parte componente da mesma); é possível que algumas partes componentes antes tenham tido alguma autonomia (ex. parafusos da mesa), mas no momento não a têm. O regime da parte componente é o regime da coisa. • Parte Integrante: não é uma coisa porque não tem autonomia, mas já teve e se for separada da coisa pode voltar a ter autonomia – isto é importante porque há alguns negócios sobre partes integrantes e nesses negócios os efeitos reais só se produzem depois da parte integrante ser separada da coisa – artigo 408º do Código Civil (ex. eu hoje vendo a janela da minha casa à Joana e combino com ela que ela é que cá vem com o empreiteiro tirar a janela; amanhã vendo a minha casa à Sara; na Estas 3 classificações são importantes, sobretudo em casos em que o benfeitorizante (a pessoa que faz a despesa) não é o proprietário da coisa – ex. por vezes a pessoa que tem a posse da coisa não é proprietária (ex. arrendatário) e é vulgar que o inquilino faça algumas benfeitorias na coisa; às vezes as benfeitorias também podem ser feitas de má fé (ex. ladrão rouba computador todo estragado, arranja-o e é obrigado a devolvê-lo, mas quando o devolve, o proprietário já recebe o computador com uma série de benfeitorias incluídas – o computador sem os arranjos valia 100, com os arranjos vale 1000, o que fazer? O ladrão fica com o prejuízo? O dono paga a valorização? O ladrão retira as benfeitorias do computador? – esta matéria vem tratada nos artigos 1273º a 1275º do Código Civil e o regime jurídico associados às benfeitorias depende da sua classificação Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 semana que vem, a Joana bate à porta de casa, a Sara abre e a Joana diz- lhe que veio buscar a janela; a Sara diz “bem, ela vendeu-me a casa com a janela, tu não vieste busca-la antes, por isso agora podes ir à tua vidinha” – como a janela não foi separada, a Joana não adquiriu a propriedade e neste momento o proprietário já não sou eu, é a Sara que já não está disponível para vender a janela, por isso a Joana celebrou o negócio, mas não vai ter a janela [problema de incumprimento]. Joana vem falar comigo para pedir explicações e, no limite, ser indemnizada. O direito da Joana sobre a parte integrante antes da separação é um mero direito de crédito,não é um direito real); o visor é parte integrante do telemóvel, por exemplo. • Fruto (artigo 212º do Código Civil): é tudo aquilo que a coisa produz periodicamente sem prejuízo da sua substância; nem todas as coisas são frutíferas; podem ser, consoante a produção resulte da natureza da própria coisa ou das relações jurídicas, naturais (ex. frutos das árvores e dos arbustos) ou civis (ex. juros, que são o fruto do dinheiro; a renda dos imóveis arrendados) NOTAS: ü a coisa imóvel produz uma renda, a coisa móvel produz um aluguer ü as regras dos frutos vêm previstas nos artigos 213º e 214 do Código Civil • Coisa acessória (artigo 210º CC): são coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afetas por forma duradora ao serviço ou ornamentação da coisa principal (ex. ferro e tábua; telemóvel e carregador; esferográfica e tampa); NOTA: o problema é exposto no artigo 210º/2 do Código Civil porque consagra a regra da autonomia dos regimes jurídicos. Qual é o problema disto? Há determinadas coisas principais que simplesmente não funcionam sem as coisas acessórias, assim como há coisas assessórias que não têm qualquer utilidade se não for ao serviço da coisa principal, pelo que, apesar do regime deste artigo ser o apropriado para certas coisas acessórias, para outras não é. Em virtude disto, aparecem várias teorias a tentar resolver o problema – as mais populares passam por considerar que as coisas acessórias têm categorias: Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Estes autores dizem que no 210º, na epígrafe, estavam coisas acessórias em sentido amplo; no 210º/1 estão previstas as coisas acessórias e as pertenças e no 210º/2, estão previstas apenas as coisas acessórias. Ou seja, eles dizem que o 210º/2 aplica-se às coisas acessórias, mas não se aplica às pertenças – o regime que se aplica às pertenças é o da coisa principal. Pertença: coisa acessória sem valor autónomo e sem a qual a coisa principal perde a sua utilizabilidade normal (ex. bainha de uma espada – a espada funciona na mesma, mas de forma menos fantástica) Coisa acessória stricto sensu: coisa acessória com valor autónomo, desafetável da coisa principal e sem a qual a coisa principal não perde a sua utilizabilidade normal Vivemos numa sociedade que é muito pouco natural, muito pouco simples e, portanto, nós devemos olhar para as coisas como pessoas do séc. XXI – isto significa que quando eu penso numa caneta, eu não penso só na caneta, penso na caneta e na tampa (a tampa tem autonomia física da caneta, mas enquanto coisa não tem autonomia). Uma coisa não é necessariamente constituída por um só artigo, há coisas que têm várias peças (ex. garrafa térmica e tampa – se comprarmos uma garrafa térmica sem tampa, a garrafa não serve para nada). O que acontece é que há determinadas partes componentes que não têm uma ligação material com a coisa principal (ex. chave da porta – a chave é uma coisa diferente, mas faz parte da porta, é componente daquela porta, só cabe naquela fechadura; atacadores dos sapatos – um sapato sem atacadores não funciona, os atacadores fazem parte do sapato, tal e qual como a sola do sapato) – apesar de poderem não ter ligação material à coisa principal, não deixam de ser componentes da mesma e, portanto, não deixam de estar abrangidos pelos negócios que se faz em relação à coisa principal (não se aplica o artigo 210º do Código Civil) Há outros negócios que até estamos perante coisas acessórias, mas que recorrendo àquilo que é normal no mundo dos negócios e ao modo de interpretar a declaração das partes, temos que concluir que o negócio inclui Coisa Acessória (lato sensu) Coisa Acessória (stricto sensu) Pertença Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 quer a coisa principal, quer a coisa acessória (ex. eu vou comprar uma quinta que tem alfaias agrícolas –coisas acessórias- e estas alfaias agrícolas seguem o regime do artigo 210º/2 do Código Civil, ou seja, se as partes nada disserem segue-se este artigo, mas se disserem algo em contrário segue-se a vontade das partes. Há negócios que incluem coisas acessórias por força da lei (ex. carro e triângulo, embora se calhar este não seja um bom exemplo porque acho que a lei já mudou) 24-11-2020 Artigo 206º do Código Civil -> contrapões coisas simples a coisas compostas • Essa não é a opinião maioritária: a doutrina contrapõe coisas simples (aquelas que não são constituídas por várias coisas, por vários elementos autonomizáveis) às coisas complexas (aquelas onde há uma agregação física ou jurídica de elementos autonomizáveis). Assim teríamos: ü Dentro das coisas complexas: § Coisas compostas -> agregação física de elementos (ex. automóvel, porque é constituído por elementos fisicamente ligados – travões, motor, pneus, etc.) § Coisas coletivas ü Dentro das coisas coletivas § Coisas coletivas em sentido estrito -> as coisas que formam a coisa principal são tratadas em conjunto (ex. par de sapatos, baralho de cartas – se eu vender sapatos, vendo o par e não um só; a mesma coisa com o baralho) § Universalidades de facto -> pluralidade de coisas móveis que pertencem às mesmas pessoas, tem um destino unitário, mas cada coisa pode ser tratada individualmente, são extensíveis e são fungíveis entre si (ex. rebanho, livros de uma biblioteca, coleções). Universalidades de direito: além de coisas, incluem também direitos – ex. estabelecimento comercial, herança, etc. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Estudar a matéria dos animais no tomo 3 do professor Menezes Cordeiro (páginas 287 a 315) Artigo 201º-D do Código Civil -> diz-nos que, na ausência de uma lei especial, se aplica o regime das coisas aos animais, desde que não seja incompatível com a sua natureza. Os animais foram sempre tratados de uma forma diferente das coisas precisamente por terem vida. A figura jurídica dos animais deve ser entendida num sentido histórico (não são nem as pessoas, nem os seres microscópicos). Lei nº 92/95, de 12 de setembro e decreto-lei nº 314/2003, de 17 de dezembro -> sobre os deveres das pessoas relativamente aos animais Estudar a Representação pelo 2º volume do professor Carvalho Fernandes (páginas 254 a 275) Representação: consiste numa substituição jurídica pela qual uma pessoa atua em nome, no interesse e por conta de outra, produzindo os efeitos da atuação diretamente na esfera do representado (ex. pais em representação dos filhos) Requisitos: • Alguém atua em nome de outrem – invoca o nome de outra (ex. eu compro o casaco do Telmo em nome do meu irmão); • Atuar no interesse de outrem - atuar tendo em vista os interesses do representado, o que não significa que os negócios sejam sempre fantásticos; origina o fenómeno da prestação de contas (o representante deve prestar contas ao representado); não implica que os interesses do representante também não estejam envolvidos (ex. nenhum pai tem interesse em ter um filho malcriado, educam-nos para o interesse deles e para o seu próprio interesse); a atuação no interesse do representado faz com que a representação seja ou um poder-dever ou, em qualquer caso, um poder de exercício vinculado. • Atuação por conta do representado – tem em vista que as situações jurídicas passem para a esfera jurídica de outra pessoa (pode estar Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 associado ao mandato sem representação ou à interposição real de pessoas); não interessa ao representado que se saiba que ele está envolvido • Efeitos jurídicos produzem-se diretamente na esfera jurídica do representado (contemplatio domini) – tenta transmitir que o representante é como se fosse transparente (ex. se eu for ao café comprar o pão à minha mãe, o dono do café vai olhar para mim como se eu fosse a minha mãe) A representação é uma figura extremamente relevante porque é uma forma de aumentarmos as possibilidades de atuação de uma pessoa (permitem auma pessoa estar em vários sítios ao mesmo tempo, através do seu representante); possibilitam relações jurídicas profissionais. Dificuldades da representação: • normas jurídicas estão pensadas para a ausência de representação; quando introduzimos um fenómeno de representação temos que lidar com dois blocos de normas (ex. regras da compra e venda + regras de representação); • em vez de haver problemas em duas pessoas, pode haver em 3; do ponto de vista técnico complica sempre a vida de um jurista O representante deve ter sempre capacidade ou poder de decisão; o representado pode dar instruções, mas o representado é que decide o negócio. Núncio: pessoa que não tem poder de decisão, não é representante; é um mero transmissor da vontade do representado (ex. procuração para casamento – artigo 1620º/2 do Código Civil – uma pessoa pode casar por procuração, mas não é o procurador que escolhe o cônjuge, a única coisa que ele faz é dizer que sim) Artigo 250ºCC -> a figura que está prevista neste artigo é a do núncio Existem 3 tipos de representação: a legal, a orgânica e a voluntária – para qualquer uma delas, para haver representação, tem que haver um fundamento qualquer, é preciso uma fonte para essa representação. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Representação legal: é uma representação típica; só existe, praticamente, quando a lei a prevê (daí o nome); tem que ser analisada caso a caso porque cada tipo de representação legal tem o seu regime (ex. representação paternal). Representação orgânica: é designada por algumas pessoas como representação imprópria porque ocorre quando alguém faz parte do órgão de uma pessoa coletiva e quando o órgão da pessoa coletiva atua não temos duas pessoas jurídicas a atuar, temos só uma que não age por conta de outrem, temos apenas a pessoa coletiva; aplicam-se-lhe as regras das pessoas coletivas • Alguns autores: quando o órgão da pessoa coletiva atua, não temos duas pessoas a atuar, temos apenas a pessoa coletiva e daí decorre que não se deveria chamar representação. • Maria Raquel Rei: acha que é preferível dizer que há representação orgânica porque há todas as semelhanças entre esta representação e as outras. Representação voluntária: é o paradigma de todos os fenómenos de representação; é a representação verdadeira; tem a sua origem na vontade de uma ou duas pessoas (radica na autonomia privada, na liberdade). No direito romano a representação voluntária não era muito favorecida – havia esquemas alternativos para conseguir aquilo que nós conseguimos através da representação. Propagou-se na Idade Média, período de extrema insegurança devido ao perigo e às invasões. Havia más comunicações o que implicava que as pessoas arranjassem soluções para estar num sítio diferente, mas sem sair do mesmo sítio onde já estavam. A representação voluntária funda-se na autonomia privada, ou seja, na vontade das pessoas. A fonte de uma representação voluntária é o negócio jurídico que confere poderes de representação. O negócio jurídico pode ser de 2 tipos: • Negócio Jurídico Unilateral: procuração (artigos 262º e seguintes do Código Civil) • Negócio Jurídico Bilateral: os poderes de representação podem ser expressos ou implícitos (ex. um balconista tem poderes implícitos de Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 representação); o mandato (artigos 1157º e seguintes do Código Civil) é um negócio jurídico bilateral Mandato: contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra; pode ser celebrado com poderes de representação (ex. advogado) ou sem poderes de representação. Discute-se na doutrina e na jurisprudência se o negócio jurídico da procuração não terá outro negócio subjacente, ou seja, se a procuração não será apenas uma fachada – dar poderes a uma pessoa para atuar na minha esfera jurídica é um ato gravíssimo pelo que isso não acontece sem uma explicação. O art. 265º do Código Civil parece indicar que a procuração tem que ter um negócio que lhe serve de base, mas a última parte pode abrir a porta a razões abstratas. • Maria Raquel Rei: pensa que 99% das procurações têm um negócio de base subjacente, mas tem que admitir que possa acontecer sem um negócio de base, advertindo apenas que não é de aconselhar. A regra é que a procuração não tenha prazo, mas a pessoa pode estabelecê-lo e é prudente que o faça. Existem 2 grandes tipos de procuração: a procuração normal (ordinária) e a procuração no interesse de terceiro. As procurações são negócios com particularidades: • Capacidade do procurador (artigo 263º do Código Civil) – o procurador costuma ter apenas a capacidade necessária para entender aquilo que vai fazer Mandato • Bilateral • O mandatário tem o dever de celebrar negócios jurídicos Procuração • Unilateral • O procurador tem o poder de celebrar negócios jurídicos Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Falta ou vícios da vontade e estados subjetivos relevantes (artigo 259º do Código Civil) - implica conjugar a vontade do procurador e do representado; é de difícil aplicação. • Forma da procuração (artigo 262º/2 do Código Civil e 116º a 118º do Código do Notariado) – a procuração tem a forma do negócio que o representado pretenda que o procurador celebre (ex. se eu passo uma procuração a alguém para me ir comprar um rissol ao café, essa procuração não precisa de nenhuma forma específica porque a compra e venda também não a tem; ao contrário, se eu passar a uma procuração a alguém para me ir comprar um imóvel, a forma dessa procuração tem que ser por escritura pública ou documento particular autenticado, porque é assim o regime dos imóveis); se a procuração tiver muitos atos, a forma vai ser a do mais solene. • O terceiro pode exigir a prova dos poderes representativos (artigo 260º do Código Civil) – se o terceiro não exigir a prova dos poderes representativos, no caso de algo correr mal, a responsabilidade é dele. Este artigo constitui um poder ao terceiro, mas também o responsabiliza. • Artigo 264º do Código Civil – refere-se à substituição do procurador • Artigo 261º do Código Civil – prevê os negócios consigo mesmo que originam conflitos de interesse, permitindo que o seja anulado, se o representado não o tiver consentido especificamente na celebração. • Artigo 265º do Código Civil – refere-se à extinção da procuração; é vulgar perguntar qual é a relação jurídica que serve de base aos poderes de representação; a relação de base é a fonte dos poderes de representação; a relação de base é normalmente um mandato, um contrato de trabalho, um contrato de agência, etc. • Quando a procuração se extingue, o representante deve devolver o documento (medida de segurança) – artigo 267º do Código Civil • Artigo 266º do Código Civil - conjunto de regras de proteção de terceiros quando a procuração é alterada ou revogada – exige que o representado faça chegar aos terceiros notícias de que revogou a procuração. Institutos relacionados com a representação: • Representação sem poderes (artigo 268º do Código Civil) -> ocorre quando alguém invoca poderes de representação que não tem; tem Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 como efeito que um negócio sem poderes de representação é ineficaz ao representado (não produz efeitos na esfera jurídica do representado); o artigo permite a ratificação do negócio (aceitar um negócio que foi feito por alguém que não tinha poderes de representação); o terceiro pode revogar o negócio antes da ratificação (268º/3). • Abuso de poderes de representação (artigo 269º do Código Civil) -> há um procurador que se afasta daquilo que ele sabe que é o interesse do representado; quando as procurações são amplas é vulgar o procurador ter mais elementos de decisão do que aqueles que constam na procuração e se afaste do interesse do representado; se o terceiro souber do interesse do representadopodemos aplicar o artigo 268º do Código Civil porque no 269º o terceiro merece proteção, mas no 268º não merece. Aula para exame nº1 Situações Jurídicas Estudar pelo manual do Professor Menezes Cordeiro – 1º volume (páginas 863 a 921) Situação jurídica: é o efeito jurídico perspetivado a partir da esfera jurídica de cada pessoa, ou seja, a situação jurídica é o resultado da aplicação do direito objetivo (normas jurídicas) a uma pessoa concreta numa determinada situação (ex. a norma que diz que é proibido matar dá origem, em termos de situação jurídica, ao dever de não matar; art. 879º CC está redigido a partir dos efeitos jurídicos, os efeitos da compra e venda – quando uma pessoa compra um bem, na sua esfera jurídica nasce o direito de propriedade, nasce o dever de pagar o preço e nasce o direito a receber a coisa, assim como na esfera jurídica do vendedor nasce a extinção por transmissão do direito de propriedade, o direito a receber o preço e o dever de entregar a coisa [são efeitos jurídicos que resultam da aplicação das regras da compra e venda]). Podemos trabalhar com situações jurídicas em todos os ramos do direito. Sucede, porém, que em Direito Civil, como lidamos sobretudo com as Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 atuações, os direitos dos particulares, é muito prático recorrer às situações jurídicas porque na sua atuação, normalmente os sujeitos pensam em si próprios e não nas normas (direito objetivo). Classificação das Situações Jurídicas Situação Jurídica Ativa: o titular da situação jurídica é destinatário de uma norma permissiva ou de uma norma que confere um poder (ex. direito de receber o preço – porque resulta da aplicação de uma norma permissiva ou do poder de reclamar o preço) -> cria situações que são vistas como vantagens do sujeito; Situação Jurídica Passiva: o titular da situação jurídica é destinatário de uma norma proibitiva ou de uma norma que impõe uma conduta, portanto, uma norma de obrigação (ex. dever de não matar – porque resulta da aplicação de uma norma proibitiva) -> criam circunstâncias que são sentidas como desvantagens. Situação Jurídica Absoluta: é aquela que existe por si só (ex. direito de propriedade); Situação Jurídica Relativa: é aquela que para existir precisa de outra de sinal contrário (ex. dever de pagar o preço / direito de receber o preço). Tipos de Situações Jurídicas NOTAS: • há uma carga doutrinal muito forte nesta matéria e existe muita flutuação (ex. há certos autores que chamam faculdade a realidades que outros autores chamam direito, poder…); • algumas situações jurídicas (pouquíssimas) têm uma determinada noção que está consagrada na lei e é aquela e ponto. Tipos de Situações Jurídicas Ativas × Direito Subjetivo: é o efeito jurídico ativo por excelência, o que significa que a carga ideológica associada à liberdade, à autonomia das pessoas é canalizada para esta noção; do ponto de vista técnico é a expressão da liberdade das pessoas no mundo do Direito; é muito importante do ponto de vista científico porque nos permite trabalhar através de permissões jurídicas, ou seja, através da Sã o sit ua çõ es ju ríd ic as q ue n ão e xi st em u m a se m a o ut ra , sã o sim ét ric as . E u nã o po ss o te r o d ev er d e pa ga r o p re ço se n ão h ou ve r a lg ué m c om o d ire ito d e o re ce be r. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 atribuição a pessoas concretas de espaços de liberdade (ex. posso olhar para o direito numa perspetiva de legislador, portanto, a partir de normas, ou posso olhar a partir de pessoas concretas e das posições jurídicas que elas têm, trabalhando com o espaço de liberdade de cada pessoa e não com aquilo que o legislador diz e isso é ótimo); também é importante a muitos outros níveis (ex. para sabermos se uma pessoa tem direito a uma indemnização essa pessoa tem que ter um direito violado - artigo 483º CC - e é preciso que seja um direito, não basta que seja uma permissão genérica); podem distinguir-se em patrimoniais e não patrimoniais, disponíveis e não disponíveis, etc.; é uma construção jurídica do séc. XIX, cuja origem podemos associar a Savigny, à pandectística, enfim, é uma consequência do liberalismo, transportada para o mundo do direito. § Maria Raquel Rei: é uma situação jurídica relativamente à qual já se escreveu muitíssimo, havendo definições para todos os gostos; aconselha a que decoremos uma definição e que a percebamos minimamente para conseguirmos falar sobre ela. § Menezes Cordeiro: um direito subjetivo é uma permissão normativa específica de aproveitamento de um bem. Permissão Normativa: espaço de liberdade que tem como fonte uma norma Específica: é aqui utilizada em contraposição com as permissões genéricas (ex. liberdade de contratar ou de casar é uma permissão genérica); para ser específica é preciso que haja uma afetação de algum bem a uma pessoa concreta (ex. o meu telemóvel está afeto a mim então eu tenho um direito sobre ele, eu posso fazer o que quiser com ele porque o direito me permite que eu atue especificamente sobre ele) De aproveitamento de um bem: tem como objetivo salientar a concretude do direito subjetivo, isto é, o direito subjetivo não é um wishful thinking, tem um objeto concreto, ou seja, tem um bem sobre o qual ele incide (ex. mesmo no caso dos direitos de personalidade que não são tão palpáveis como o de propriedade, por exemplo, existe sempre um bem concreto que é afetado a uma pessoa: a honra, a saúde, etc.) § Gomes da Silva: um direito subjetivo é uma afetação de um bem aos fins de uma pessoa individualmente considerada – coloca em evidência o caráter específico da liberdade que é Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 atribuída a uma determinada pessoa sobre um bem em concreto. × Poderes ou Faculdades: quando as posições jurídicas ativas são menos complexas (NOTA: não esquecer que há muita flutuação dos termos) § Maria Raquel Rei: confessa não ser fundamentalista acerca dos temos – se a lei não estabelece regras não cabe aos doutores fazê-lo; por vezes é mais prático falar em poderes ou faculdades em vez de direito (a lei utiliza muitas vezes estas palavras com muita flutuação); o que é importante é perceber o que é um direito subjetivo, há direitos subjetivos mais complexos e outros menos complexos; a palavra poder é aquela que normalmente é utilizada para o direito subjetivo mais simples, mas isso às vezes não acontece (ex. poder paternal é um conjunto de situações jurídicas muitíssimo complexo) Dentro do Direito Subjetivo podemos ter: • Direito Comum – todos os outros que não são potestativos • Direitos ou Poderes Potestativos – é uma permissão normativa específica de aproveitamento do poder de, unilateralmente, produzir efeitos na esfera jurídica de outrem ou no ordenamento jurídico (o bem jurídico que está em causa no direito subjetivo potestativo); são direitos invioláveis – o que é violável é a situação jurídica subsequente; é absoluto (se eu celebrar o contrato de compra e venda com o António eu não posso violar o direito do António de produzir o efeito jurídico, mas posso violar o contrato de compra e venda, por exemplo não pagando o telemóvel); alguém pode produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica de outra pessoa ou no ordenamento jurídico no geral, sem depender da vontade de outra pessoa (são mais parecidos com as situações de direito público do que com as situações de direito privada), ex. eu faço uma proposta ao António para lhe comprar o seu telemóvel, pelo que o António tem o poder potestativo de se disser que sim, automaticamente, portanto, através da sua vontade, o contrato forma-se e eu passo a ser a proprietária do telemóvel enquanto o Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 António deixa de o ser; eu passo a ter o dever de pagar o preço e o direito de receber o telemóvel – há um conjunto de efeitosjurídicos (art. 879º CC) que se produzem na minha esfera jurídica, inclusive, e neste caso também na do António, que se produzem apenas por vontade do António: se o António não quiser vender o telemóvel nada disto acontece. NOTA: não importa que já haja uma proposta pois ela por si só não produz efeitos jurídicos: só há efeitos jurídicos a partir da eficácia da declaração do António; o António com a minha proposta adquire o direito potestativo de produzir, ou não, efeitos jurídicos na minha esfera jurídica. § Exceção - é um direito subjetivo potestativo que se caracteriza por constituir um contrapoder ao permitir ao seu titular, licitamente, recusar-se a cumprir uma situação jurídica a que está adstrito (ex. comprei o telemóvel ao António, mas não tenho o dinheiro para pagar, então o António só me entrega o telemóvel quando eu lho pagar – artigo 428º CC. Ora, nos termos do 879º CC, o António vendeu o telemóvel, logo, tem o dever de entregar o telemóvel [situação jurídica passiva], mas pode, licitamente, recusar-se a entregar [contrapoder] o telemóvel enquanto eu não pagar); é a possibilidade de uma pessoa paralisar o exercício do meu direito; vêm previstas no Código do Processo Civil • Dilatórias – quando atrasa, paralisa o direito alheio (ex. não me entrega o telemóvel até eu chegar com os 100€ do multibanco) • Perentórias - quando extingue o direito de outra pessoa ou paralisa-o por tempo indeterminado (ex. prescrição – após um determinado período de tempo sem que o credor tenha exercido o seu direito, a lei diz que ele já não o pode exercer mais; no nosso ordenamento jurídico o prazo geral de prescrição é de 20 anos (artigo 309º CC) – o devedor pode dizer que não paga. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 × Direito Funcional: posição jurídica ativa (resulta de uma norma que confere uma permissão ou um poder) e caracteriza-se por ser conferida em razão do exercício de uma função e, precisamente por isso, deve ser exercida no interesse da prossecução dessa função (ex. poder paternal) × Expectativa: é uma situação jurídica ativa; há muita divergência quanto à definição; é a situação de uma pessoa que ainda não é titular de uma determinada situação jurídica ativa, mas já beneficia de certos instrumentos jurídicos que protegem a eventualidade dessa pessoa, no futuro, vir a ser titular da situação jurídica em causa (ex. eu não tenho direito sobre os bens dos meus pais, mas sou filha única e, portanto, herdeira legitimária – não me podem afastar da sucessão pelo que apesar dos bens não serem meus, no futuro é muito provável que aqueles bens venham a ser meus. Assim sendo, a lei, no presente, estabelece determinados mecanismos jurídicos para proteger esta eventualidade de eu, no futuro, vir a ser proprietária daqueles bens – ex. se eu tivesse irmãos e os meus pais quisessem fazer-lhes vendas precisavam da minha autorização, artigo 877º CC; em certas circunstâncias posso impugnar alguns atos que os meus pais pratiquem) • Inocêncio Galvão Telles: definia a expectativa jurídica como sendo aquela que é própria de um processo, ou seja, há certos direitos que se adquirem não instantaneamente, mas na sequência de um processo. Expectativa Jurídica (é a anterior) Expectativa de Facto (é um desejo, uma esperança – ex. eu tenho uma tia solteira rica e tenho a esperança que ela faça um testamento em meu favor, mas a lei não protege isto) Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 × Proteção indireta: é uma situação jurídica ativa, mas é ainda mais ténue do ponto de vista da permissão que concede do que a expectativa; caracteriza-se por o bem jurídico da proteção indireta ser colocado à disposição do titular da proteção indireta não através de uma norma permissiva (que é o normal), mas sim através da proibição que é adjudicada às outras pessoas e que tem como resultado indireto que aquela pessoa vai ter um benefício, ou seja, o titular da proteção indireta não é protegido diretamente através de uma atribuição pelo ordenamento jurídico de uma permissão ou de um poder, mas antes proibindo-se os outros todos de fazer determinada coisa ou obrigando-se os outros todos a agir de determinada maneira que indiretamente acaba por beneficiar aquela pessoa (ex. a lei manda a que as pessoas que fabricam os iogurtes coloquem a data de validade em cada caixinha de iogurtes, ou seja, se um consumidor comer um iogurte que não tenha data de validade e que tenha um problema por causa disso, essa pessoa tem direito a uma indemnização – a pessoa não tem o direito de não ficar doente nem o direito de não comer comida estragada, no entanto há aqui uma proteção indireta que resulta do facto de os produtores de iogurtes terem que colocar a data de validade nos produtos [artigo 483º CC]) × Proteções reflexas: o modo de funcionar é o mesmo das proteções indiretas, ou seja, há uma pessoa que beneficia não de uma permissão, mas sim do resultado de normas de obrigação ou de proibição que têm como destinatário todas as outras pessoas ou um conjunto grande de outras pessoas que dá como resultado uma vantagem para esta tal pessoa, mas nas proteções reflexas nós não temos associado a este efeito aquilo que vem previsto no 483º CC, isto é, o legislador, quando estabeleceu aquela proteção, não teve em atenção os interesses daquelas pessoas e, portanto, elas não têm direito a ser indemnizadas (o que acontece aqui é muito semelhante ao caso da expectativa de facto, isto é, há uma pessoa que beneficia reflexamente das normas de obrigação ou proibitivas destinadas a outras pessoas por sorte, porque essas normas existem, mas não tem qualquer pretensão decorrente da violação das normas pelas outras pessoas). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Aula para exame nº2 Tipos de Situações Jurídicas Passivas: × Obrigação: é o paradigma das situações jurídicas passivas; remonta ao direito romano e têm, por isso, uma história muito maior do que o direito subjetivo; é a situação jurídica da pessoa que se encontra na necessidade jurídica de praticar, ou não, um determinado comportamento (ex. comprei um telemóvel pelo que tenho a obrigação de pagar o preço; a pessoa que me vendeu o telemóvel tem a obrigação de me entregar o telemóvel); podem ser mais ou menos complexas – quando são muito simples, normalmente, chamam-se deveres (não se dividem noutros – pagar o preço é um dever / dar uma aula é uma obrigação porque podemos dividi-la noutros deveres como preparar a aula, não falar muito depressa, esclarecer dúvidas, etc.) × Sujeição: é uma situação jurídica passiva e é, digamos assim, “a irmã gémea do direito potestativo” porque, tal como ele, também é uma situação jurídica absoluta, ou seja, também não depende de outra, designadamente do direito potestativo para existir, no entanto elas andam sempre a par porque quando há um direito potestativo também há uma sujeição. A sujeição é a situação jurídica daquele que pode ver a sua esfera jurídica alterada por efeito exclusivo da vontade de outrem (ex. eu propus ao António comprar-lhe o telemóvel - depois de fazer a proposta e enquanto ele não responder eu fico numa situação de sujeição, eu fico à mercê do António); é uma situação inviolável (só a situação jurídica que daqui resulta é que pode ser violada e não a sujeição em si) e absoluta, isto é, apesar de haver uma relação prática entre estas duas situações jurídicas, não há uma dependência estrutural, uma não depende da existência da outra. É a situação jurídica mais grave do ordenamento jurídico porque é a situação daquele que não pode fazer nada para alterar os efeitos jurídicos que se vão produzir na sua esfera jurídica quer ele queira quer não. • Ónus ou encargo: é a situação jurídica passiva na qual se encontra alguém que tem o dever de praticar uma Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 determinada conduta, no entanto, se não praticar a conduta a consequênciaé que essa pessoa não vai ter uma vantagem (ex. no caso do ónus da prova – eu tenho o ónus da prova e proponho uma ação sem ter provas, o que é que acontece? Eu vou perder porque eu não vou conseguir provar [eu tenho o ónus da prova, tenho a obrigação de provar, mas se eu não provar o que é que acontece? Perco a vantagem.]). • Autores no geral: estas duas palavras são sinónimos • Menezes Cordeiro: reserva a palavra “ónus” para o direito processual e entende que devemos chamar à situação jurídica civil “encargo” ou “ónus material”. § Alguns autores: devido à ausência de sanção entendem que o ónus ou encargo é uma situação jurídica ativa, ou pelo menos é uma situação jurídica mista; § Maria Raquel Rei e Menezes Cordeiro: incluem nas passivas porque historicamente o ónus ou encargo tem sido visto como um dever e não como uma vantagem e, além disso, nem todos os deveres têm uma sanção acoplada As situações jurídicas encontram-se sujeitas, ao longo da sua vida, a determinadas vicissitudes. As vicissitudes das situações jurídicas são despoletadas por factos jurídicos, portanto, por ocorrências no mundo real que provocam alterações no mundo do direito. As vicissitudes podem ser de 3 tipos: × Constitutivas – quando dão origem a uma situação jurídica (ex. contrato de compra e venda porque se adquire o direito de propriedade) NOTAS: v podíamos dizer que o contrato de compra e venda é uma vicissitude transmissiva em relação ao direito de propriedade, mas por exemplo, em relação ao dever de pagar o preço é constitutivo; v isto é importante no âmbito do direito processual porque as pessoas quando apresentam um pedido a um tribunal têm que dizer qual é a origem do seu direito, ou seja, o advogado tem que indicar a causa do pedido – se o não fizer, vai perder. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 × Modificativas – nos casos em que o facto jurídico modifica a situação jurídica (ex. eu comprei o telemóvel ao António por 100€ e fiquei de lhe dar o dinheiro para a semana; para a semana chego ao pé dele e digo-lhe que afinal não consigo arranjar os 100€, só consigo arranjar 95€ e, portanto, preciso de um desconto de 5€ - se o António aceitar fazer o desconto estamos perante uma vicissitude modificativa) × Extintivas – quando o facto jurídico extingue a situação jurídica (ex. eu e o António celebramos o contrato, mas arrependemo-nos e chegámos ao acordo de que o telemóvel fica com o António na mesma, eu não tenho que pagar o preço, enfim, extinguem-se todos os efeitos que o contrato de compra e venda envolvia) As vicissitudes das situações jurídicas, grosso modo, correspondem ao seu regime jurídico, que pode ser um regime negocial (como os exemplos da compra e venda) ou um regime legal (quando os factos constitutivos, modificativos ou extintivos decorrem da lei – ex. responsabilidade civil: se eu provocar um dano noutra pessoa pela prática de um facto ilícito eu tenho que indemnizar, não porque eu quero, mas porque a lei diz que sim, ou seja, verificado aquele facto, aquele facto tem um efeito constitutivo de uma pretensão indemnizatória de uma pessoa e da obrigação de indemnizar por parte daquele que praticou o ato ilícito.) Exercício Jurídico Abuso do Direito – Estudar pelo Carvalho Fernandes (páginas 621 a 635) e ler artigo do Menezes Cordeiro publicado na revista da Ordem dos Advogados, ano 65 (2005), tomo II, setembro O abuso de direito é uma figura que nasceu em França no final do séc. XIX. Casos que estão na origem do abuso de direito: 1. Caso da Chaminé Falsa: X tinha má relação com o seu vizinho Y então resolveu construir na sua casa uma grande chaminé, mas que não se Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 destinava a fazer a função normal das chaminés, mas antes a tapar a janela de Y 2. X tinha uma casa no campo e ao lado vivia Y que passou a ter um negócio de dirigíveis; X não achou graça, por isso construiu espigões altíssimos no seu terreno que se destinavam a furar os dirigíveis de Y quando eles lá passavam De facto, as pessoas representadas com a letra X exerceram o seu direito uma vez que tinham permissão normativa para construir naquilo que é seu (não esquecer que isto aconteceu no século XIX e não era necessário pedir licenças), no entanto, apesar de estarem a exercer o seu direito, era um exercício injusto porque em ambos os casos era totalmente inútil, tendo somente a “utilidade” de fazer mal ao vizinho. A utilização inapropriada do direito incomodou os juristas e surge então a figura do abuso de direito – não basta termos um direito, temos que fazer um uso adequado do mesmo. As teses acerca do abuso de direito dividem-se sobretudo em 2 grandes grupos: teses internas e teses externas. v Teses internas – o abuso de direito manifesta um limite interno do direito, isto é, o direito subjetivo de X tem um limite que não é só quanto à titularidade, ou seja, também há limites que impedem X de construir chaminés falsas e espigões v Teorias externas – o abuso de direito não é um limite ao direito subjetivo, é um limite ao exercício, ou seja, o direito existe e tem uma amplitude máxima, mas quanto ao exercício, nem todos os exercícios são possíveis e, portanto, os limites no exercício são limites externos ao próprio direito v Maria Raquel Rei – com toda a franqueza acha que ambas as teorias são um bocadinho estéreis: o que é importante aqui é nós percebermos o que está em causa e como é que funciona, ou seja, saber como é que esta figura apareceu no nosso ordenamento jurídico e como é que a fazemos funcionar no caso concreto. Podemos defender a que quisermos, o conveniente é sabermos aplicar o disposto no artigo 334º CC. Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 Artigo 334º CC -> não basta que analisemos o direito subjetivo na sua configuração enquanto situação jurídica, isto é, este artigo diz-nos que, para além da configuração do direito, também o exercício tem limites; é um artigo muito propenso à chamada jurisprudência do sentimento – não é isso que se pretende, ou seja, não se trata de fazer justiça dando asas à nossa poesia jurídica, pois este tipo de abordagem prejudica a técnica jurídica. v A palavra direito neste artigo não deve ser entendida no sentido técnico de direito subjetivo, mas sim como situação jurídica ativa, isto é, o legislador ao dizer “direito” utilizou a palavra numa acessão ampla. × Menezes Cordeiro: entende que o abuso de direito também se aplica a situações jurídicas passivas × Maria Raquel Rei: não concorda com MC porque, nos termos do artigo 9º CC não é possível interpretar a palavra direito como dever (é exatamente o antónimo jurídico) v Exceder manifestamente = exceder sem qualquer dúvida os limites impostos pela boa-fé (…) – ex. se X tivesse feito exatamente a mesma chaminé, mas com o propósito normal das chaminés e não para prejudicar Y, Y nada poderia fazer contra isso. v É necessário que o excesso se traduza na violação de um de 3 conceitos (boa-fé, bons costumes e fim económico-social do direito) § Bons costumes: correspondem a regras de moral sexual ou familiar, bem como a regras deontológicas de uma determinada comunidade § Fim económico-social: corresponde ao objetivo económico- social daquele direito; às vezes não existe um fim económico- social § Boa-fé: aqui está no sentido objetivo, ou seja, corresponde aos valores fundamentais do sistema jurídico, vocacionados para intervir no caso concreto; integra-se ou densifica-se, sobretudo, a partir de dois princípios distintos – princípio da tutela da confiança e princípio da primazia da materialidade subjacente. • Princípio da tutela da confiança aplicada ao abuso de direito – significa que uma pessoa não pode praticar determinado ato que, em princípio, está no âmbito da Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 permissão subjetiva de que essa pessoa é destinatária, se com isso violar o princípio da tutela da confiança;para que este princípio funcione, a doutrina e a jurisprudência identificaram 4 requisitos que se têm que verificar no caso concreto para que determinada pessoa venha a ser protegida: × Tem que existir uma situação de confiança e isso significa, na prática, que a pessoa que confia tem que se encontrar numa situação de boa-fé subjetiva ética, isto é, tem que ignorar que está a lesar um direito alheio, mas depois de ter tentado de alguma forma informar-se (quem acredita porque acredita não é protegido, temos que estar perante uma pessoa que acredita porque não tem uma razão para não acreditar naquilo depois de se ter informado) × É preciso que haja uma justificação para a confiança, isto é, é preciso que haja elementos objetivos que tenham conduzido a que aquela pessoa criasse a situação de confiança (o homem médio, naquelas circunstâncias, também acreditaria que aquilo aconteceria daquela forma) × É preciso que exista imputação da confiança, isto é, é preciso que os factos objetivos que conduzem à situação de confiança sejam atribuíveis à pessoa que vai sofrer as consequências da proteção da confiança × Investimento de confiança, isto é, não basta a pessoa acreditar, é preciso que a pessoa que acreditou num determinado estado de coisas tenha feito um investimento, tenha feito despesas ou tenha organizado a sua vida em função daquela situação Caso prático: 2 irmãos herdaram um terreno e não faziam nada com ele; X é despedido e decide montar a sua própria oficina no terreno herdado; X vai falar com o irmão Y e conta-lhe a sua pretensão, pedindo-lhe que façam partilhas; o Y diz-lhe que é melhor não as fazerem já porque pode correr Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 mal e que, portanto, seria melhor que ele começasse a arranjar já os carros lá e falarem sobre as partilhas se o negócio correr bem; X assim o fez e correu tudo bem pelo que foi falar com Y outra vez; Y diz-lhe que não lhe dá jeito tratar das partilhas agora e que não vale a pena estar a gastar dinheiro em tudo o que isso envolve, mas que ele pode montar lá a sua garagem à vontade; X pede um empréstimo, constrói a oficina, contrata pessoas, etc.; passaram-se já muitos anos desde que o X tem ali o seu negócio, mas os irmãos desentenderam-se e o Y quis ficar com a oficina do X; vão para tribunal e o tribunal diz que há aqui um abuso de direito por violação por parte de Y do princípio da tutela da confiança. × Situação de confiança – X pensava que não estava a violar o direito do Y porque foi ter com ele para fazer partilhas e foi o próprio Y que lhe disse que não era preciso e que podia fazer ali o seu negócio à vontade (X agiu de boa-fé subjetiva) × Justificação para a confiança – X tinha razões objetivas para acreditar que estava a fazer bem: as várias conversas com o irmão e o decorrer do tempo (qualquer pessoa nestas circunstâncias confiaria) × Imputação da confiança – Foi Y que lhe foi dizendo que estava à vontade, ou seja, a confiança de X residia no comportamento de Y × Investimento de confiança – X endividou-se para construir a garagem, investiu o seu trabalho ali, passou anos e anos a trabalhar ali, enfim, construiu a sua vida, o seu património em cima da confiança que depositou no irmão NOTA: o princípio da tutela da confiança “situa-se na terra de ninguém” porque por um lado não temos um contrato, existe um “pensar que” e por outro não podemos proteger todas as pessoas que “pensaram que”, protegemos confianças que não são tão fortes como aquelas em que existe de facto um direito A forma como Y está a exercer o seu direito, tentando expulsar Y do terreno é inadmissível porque está a violar a confiança que ele próprio deixou que X adquirisse ao longo dos anos. Assim sendo, neste caso, o tribunal não permitiu que Y expulsasse X do terreno Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 • Princípio da primazia da materialidade subjacente – o direito, quando estabelece determinadas normas, pretende que uma determinada consequência aconteça, isto é, não se basta com a aparência, com a forma, não basta cumprir formalmente as normas e materialmente os objetivos do direito não estarem preenchidos (ex. professor vem dar-nos a aula de matemática, mas fala da qualidade das chamuças do bar – formalmente está a cumprir a sua função porque veio dar a aula, mas materialmente não está porque veio falar-nos de coisas que não têm nada a ver com matemática). Aquilo que acontece em casos como o exemplificado é que a lei não permite o exercício do direito porque o titular do direito está a exercê-lo violando o princípio da primazia da materialidade subjacente, ou seja, está a exercê-lo apenas formalmente. O abuso de direito é um mecanismo excelente para funcionar como válvula de segurança do sistema jurídico, isto é, há muitos casos que não conseguimos resolver de outra maneira senão através da aplicação da figura do abuso de direito, no entanto, quando existirem mecanismos de direito estrito para solucionar um determinado problema, ou seja, quando existir uma norma jurídica que resolva aquele problema em concreto, não vamos recorrer a uma cláusula geral como a do abuso de direito para conseguir uma solução que com toda a facilidade se consegue com uma norma de direito estrito. Ao longo do tempo a doutrina e a jurisprudência foram identificando ocorrências típicas de casos de abuso de direito, isto é, situações concretas em que o abuso de direito adota determinadas formas que são quase sempre as mesmas. Então foram-se construindo figuras, que são figuras de abuso de direito, mas que o descrevem um pouco mais (nos manuais encontraremos uma listagem de casos abusivos). O mais famoso de todos é o venire contra factum proprium. Venire contra factum proprium – caso de abuso de direito no qual o abuso se concretiza em duas condutas contraditórias, ou seja, o sujeito faz uma Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 coisa e a seguir faz outra contrária à primeira (ex. o anteriormente falado dos irmãos e do terreno) NOTA: × as pessoas são completamente livres de mudar de ideias, o que não pode acontecer é a pessoa mudar de ideias e com isso violar a confiança que legitimamente criou, ou seja, se é para mudar de ideias eu não devo criar em alguém a expectativa de que não vou mudar de ideias × para além do venire existem mais uns 7 ou 8 casos, como por exemplo: exceptio doli; tu quoque; inalegabilidades formais; exercício em desequilíbrio (…). – são figuras doutrinárias, não têm consagração na lei; sempre que quisermos aplicar o abuso de direito podemos fazer uso dessas figuras porque elas muitas vezes ajudam- nos, sobretudo a identificar o abuso de direito, mas quando estamos a fundamentar a resposta temos que fundamentar no 334º CC O que acontece quando há abuso de direito? O artigo 334º CC diz-nos que a consequência é a ilegitimidade (aqui ilegitimidade é um conceito aberto que se destina a permitir que a consequência do abuso de direito seja a mais adequada ao caso concreto). A consequência pode ser: § a paralisação do exercício jurídico (é ilegítimo o exercício, portanto significa que eu não posso exercer o direito daquela maneira, tenho que parar); § quando o exercício jurídico se traduza na prática de atos jurídicos, é possível dizer que um exercício abusivo dá lugar a um ato nulo (artigo 294º CC); a regra da invalidade no direito civil é a nulidade, portanto, quando um ato é contrário à lei é nulo § responsabilidade civil (consequência mais habitual) – para que um ato seja abusivo, o artigo 334º CC não exige que o ato seja praticado com culpa (a responsabilidade, como já vimos, só existe, fora dos casos especificamente previstos na lei, se houver culpa, o que significa que para que o ato abusivo seja um ato suscetível de responsabilidade civil é preciso que além de abusivo o ato seja culposo – temos que conjugar o disposto no artigo 334º CC com o SendimFernandes | FDUL 2020-2021 disposto no artigo 483º CC); o que acontece aqui é que o abuso de direito permite considerar que o ato abusivo é um ato ilícito e, portanto, através do artigo 483º CC, se o ato for ilícito e culposo é possível arbitrar uma indemnização à pessoa que sofreu danos com aquele ato. O artigo 334º CC, a propósito desta consequência da responsabilidade civil, nos últimos 15 anos (sensivelmente), tem sido bastante utilizado por alguma doutrina, designadamente pela professora Mafalda Miranda Barbosa para tentar fundamentar um novo tipo de responsabilidade civil, a par do artigo 483º CC da responsabilidade extracontratual e da responsabilidade contratual (artigo 798º CC) - isto não é nada pacífico, há muita gente que não concorda com este terceiro tipo de responsabilidade civil, mas seja como for é uma matéria que nos dias que correm está bastante “na ordem do dia” e é “ciência de ponta” a utilização do abuso de direito como nova forma de responsabilidade civil. Aula para exame nº3 Colisão de Direitos Estudar pelo manual do professor Carvalho Fernandes, 2º volume, páginas 614 a 620 O instituto da colisão de direitos já existia no Código de Seabra e é muito difícil de trabalhar na prática. Artigo 335º CC -> para aplicarmos este artigo temos que hierarquizar os direitos, temos que saber quais são os direitos superiores e os direitos da mesma espécie (isto é muito difícil e problemático porque não existe uma hierarquia dos direitos); há muitas propostas para a interpretação deste artigo, mas nenhuma delas é consensual. § Maria Raquel Rei: acha que depende muito do caso concreto e da fundamentação que seja aplicada em cada caso, mas o que lhe parece pacífico é nós admitirmos que os direitos que têm dignidade constitucional, na medida dessa dignidade constitucional, e os direitos que tenham proteção penal, na medida, também, da proteção penal, são superiores aos que não a têm. Um direito que Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 tenha sido entendido como merecedor de consagração constitucional é, obviamente, superior a um que não tenha consagração constitucional, sobretudo se estiver no capítulo dos direitos, liberdades e garantias que são direitos especialmente protegidos, têm eficácia direta e determinam a inconstitucionalidade das leis que os pretendam violar. No caso da tutela penal o raciocínio é o mesmo. Estas regras de funcionamento do artigo 335º são regras que pressupõe distinção entre os direitos e que exigem na solução bastante bom senso. É uma norma que, tal como o abuso de direito, deve ser utilizada quando não existirem regras de direito estrito para aplicar Erros comuns: × Dizer que os direitos de personalidade são superiores aos outros. Alguns direitos de personalidade são superiores a outros direitos, mas não por serem direitos de personalidade (ex. direito à vida é um direito de personalidade superior aos restantes direitos na medida em que tem consagração constitucional e tutela penal; já o direito à imagem, que também é um direito de personalidade, não tem consagração constitucional nem tutela penal, pelo que é claramente inferior). Os direitos de personalidade podem ser entendidos como tendo alguma proeminência sobre os outros com base no artigo 70º/2 CC – é um tipo de proteção que existe nos direitos de personalidade e que não existe nos outros, mas não é por isso que tem que prevalecer sempre. × Não é por um direito ser pessoal e outro ser patrimonial que o pessoal tem mais valor (ex. tenho uma casa com 3 quartos, mas só ocupo um, não é por isso que o vagabundo que vive na rua tem que vir dormir para um dos meus quartos – não há nada na lei que diga que o meu direito patrimonial é menos importante que o direito pessoal do sem abrigo) Coisas – Baldios Estudar pelo manual do professor Menezes Cordeiro Os baldios são um tipo de coisas muito desafiante do ponto de vista jurídico porque estamos habituados a lidar com o conceito de propriedade Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 e até de direito subjetivo que implica a apropriação do bem e implica uma utilização em exclusividade (ex. o facto de alguém ter uma casa e não a utilizar na sua totalidade não faz com que o direito deixe de proteger o direito de a ter, mesmo que não a utilize na totalidade porque nos habituámos a que a propriedade, a que o direito seja um direito de afetação de uma coisa a uma pessoa, independentemente dessa pessoa usar ou não usar, portanto, existe uma apropriação, uma exclusividade no uso que é protegida pelo direito – esta forma de utilização dos bens é típica do direito romano e mostra um certo individualismo transposto para o direito e para a forma como nós nos relacionamos com as coisas; existe uma afetação dos bens aos fins das pessoas individualmente consideradas e o direito subjetivo também está ao serviço disto porque o direito subjetivo é uma afetação de um bem a uma pessoa, pessoa essa que tem a permissão normativa específica de utilização/aproveitamento dessa coisa). No entanto, há formas de aproveitamento diferentes, que não passam pela apropriação, como por exemplo a comunhão conjugal – o marido e a mulher são titulares de bens que não são nem de um, nem de outro, são dos dois, mas são dos dois de uma forma estranha porque um deles não pode pedir ao outro a separação, ou seja, não pode dizer que afinal vão dividir; só se eles se separarem é que podem partilhar os bens, até lá os bens são comuns. O baldio é uma forma de utilização de um bem que não passa pela apropriação. É um terreno ou uma parte de um terreno (lagar, moinho, forno, etc.) que é possuído e gerido por uma comunidade local e que em regra constitui aquilo que se designa pelo logradouro (logradouro = palavra jurídica para designar o quintal) comum dos compartes (compartes = pessoas que utilizam o baldio). Esta comunidade local utiliza a coisa na medida das suas necessidades. O baldio tem uma origem muito difícil de traçar – há muitas teses, a única coisa que se sabe é que a origem é muito antiga. Há quem entenda que os romanos também tinham algo parecido com o baldio, mas a maior parte das pessoas entende que o baldio adveio dos povos germânicos que invadiram a Europa na baixa Idade Média. Há ainda quem entenda que tem origem árabe. A verdade é que ninguém sabe a origem. Os baldios, por um lado devido a esta incógnita da origem, por outro lado devido ao romantismo associado a uma utilização sem apropriação Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 têm sido sempre envolvidos numa grande aura de poesia e romantismo em torno dos baldios como os terrenos das comunidades. Há muitos exemplos na literatura sobre os baldios, sendo o mais famoso em Portugal, os romances de Aquilino Ribeiro. Ler “Quando os Lobos Uivam”, de Aquilino Ribeiro (fala sobre as guerras dos baldios) A realidade dos baldios tem uma carga política muito forte nas obras devido à dimensão comunitária do baldio. Hoje em dia, a carga política dos baldios tem a ver com uma errada compreensão dos mesmos: normalmente, na sociedade atual, os baldios são muito defendidos politicamente por ideologias de esquerda, mas a realidade dos baldios não tem nada a ver com realidades associadas tipicamente a filosofias políticas de esquerda, pelo contrário, até têm mais a ver com realidades que são mais típicas de direita. Seja como for, grande parte desta mística dos baldios é mais poesia do que outra coisa. Do ponto de vista da ciência jurídica, o baldio é uma figura extremamente interessante e é uma figura que é muito relevante porque ainda hoje há cerca de 400 000 hectares de terrenos baldios em Portugal. Existe, sobretudo, no Norte. Historicamente, o poder político sempre lutou contra os baldios por várias razões, mas fundamentalmente porque os baldios subaproveitam os terrenos precisamente porque o terreno baldio é de todos e não é de ninguém e o que não é de ninguém, normalmente, não éaproveitado intensivamente, não é cuidado da melhor maneira. Como fazer com o problema dos fogos? Quem é que tem a obrigação de limpar o baldio? Quem é que paga os impostos? – nós temos 400 000 hectares de terreno que não contribuem para o bem comum. Outro problema dos baldios é suscitarem a cobiça e desde sempre a suscitaram. Os nossos primeiros reis sempre cobiçaram terrenos baldios e mesmo no Estado Republicano isso também acontece (ex. se se encontrar petróleo no subsolo de um terreno baldio, o mais provável é começarmos a ouvir dizer que afinal o terreno não era bem baldio, mas antes do Estado). Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 No século XIX e sobretudo no século XX, os baldios passaram a ser administrados pelas autarquias, pelos municípios e depois, em 1976, houve uma lei (que, entretanto, já foi revogada) que restituiu os terrenos baldios às comunidades locais. × Maria Raquel Rei: acha esta lei um bocadinho estranha porque considera que manipula um bocadinho os baldios porque sempre se regeram por direito consuetudinário e a lei de 1976 exige, para que o baldio seja reconhecido, que as comunidades se constituam como comunidades baldias e que criem determinados órgãos que são estabelecidos na lei, ou seja, tentou-se democratizar o baldio que não é um sistema de utilização democrática. O que a lei de 1976 fez foi arranjar um meio termo entre o baldio tradicional e uma estrutura mais ou menos palatável para o homem do séc. XX com sistemas democráticos de eleição dos órgãos do baldio, com órgãos para tomar decisões em nome do baldio. Aquilo que nós temos hoje é a lei nº 75/2017, de 17 de agosto, que faz um compromisso entre a figura democrática e a figura tradicional do baldio. Particularidades: § Os bens sujeitos ao regime de baldio podem ser utilizados por qualquer morador da área do baldio, de acordo com os costumes ou as deliberações do baldio (artigo 3º da lei nº 75/2017). § Não há uma utilização em comum como se de uma associação se tratasse, há uma utilização individual por parte de um conjunto de pessoas, ainda que existam algumas regras de utilização. § Os bens dos baldios são bens que se encontram fora do comércio (artigo 6º/3 da Lei nº 75/2017 que depois entronca no artigo 202º CC). § São bens inapropriáveis, indisponíveis, impenhoráveis, imprescritíveis e insuscetíveis de usucapião (artigo 6º/2 da Lei nº 75/2017) – se os órgãos do baldio fizerem asneira, a pessoa que sofreu o dano não o vai ver ressarcido porque não há qualquer tipo de responsabilidade civil; quanto ao usucapião há problemas jurídicos significativos por causa da sucessão de leis no tempo (pelo Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 menos entre 1940 e 1976 era possível haver usucapião sobre terrenos baldios e depois de 1976 não é possível § É possível atribuir a qualidade de comparte a alguém que não seja eleitor (artigo 7º/2 da Lei nº 75/2017) através de deliberação § O baldio não tem personalidade jurídica, apesar de ter órgãos próprios (artigo 17º da Lei nº 75/2017) § Correspondem àquilo que o professor Menezes Cordeiro chama “pessoas rudimentares” e têm autonomia patrimonial imperfeita (artigo 20º/3 da Lei nº75/2017) Os bens dos baldios não são bens do domínio público. No domínio público quem pode utilizar é o público, mas no caso dos baldios não é qualquer pessoa que os pode utilizar, são os compartes, as pessoas que fazem parte daquela comunidade local. Hoje em dia, tenta-se rentabilizar o baldio. Uma das formas com a qual se tenta fazer isso é através do arrendamento de alguns desses espaços para os aerogeradores. § Maria Raquel Rei: acha muito duvidoso que isso possa ser feito porque o baldio não é uma associação e, portanto, não faz sentido nenhum rentabilizar o baldio a este nível. Para além disso, a lei trata o baldio como um logradouro comum, pelo que a sua utilização correta é uma utilização individual e não capitalista. Há muitos aproveitamentos políticos dos baldios porque há uma falta de compreensão do que é que é um baldio e existe muitas vezes uma promiscuidade grande entre pessoas que são eleitas para juntas de freguesia ou para câmaras municiais e pessoas que são eleitas para os órgãos dos baldios, nos sítios em que os baldios interessam por terem grandes potencialidades económicas – isto, do ponto de vista jurídico, é errado porque a lei do baldio não permite este tipo de utilização; não deixa, no entanto, de ser feito, porque não tem havido fiscalização ou porque a fiscalização é feita por estas pessoas. Do ponto de vista subjetivo, hoje em dia, as pessoas que fazem parte dos baldios são os eleitores dos sítios onde existem baldios – isto também Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 não é muito fácil porque os baldios às vezes não correspondem necessariamente às freguesias. Não há sucessão nos baldios (ex. se eu vivo em Coimbra e os meus filhos moram em Lisboa, se eu era titular do baldio e morro, os meus filhos não passam a sê-lo porque não moram lá) Natureza jurídica dos baldios: § Menezes Cordeiro e Carvalho Fernandes: entendem que há um direito de propriedade com um regime subjetivo especial, portanto, seria um direito de propriedade, mas o titular desse direito de propriedade seria uma pessoa especial, seria a tal comunidade dos compartes. § Maria Raquel Rei: não concorda, acha que não há um direito de propriedade, há um direito diferente, um direito de baldio. Há um regime subjetivo original, sem dúvida, que é a comunidade dos compartes, mas também há um regime objetivo original, portanto, não é um direito de propriedade como os outros porque não há apropriação enquanto que no direito de propriedade há uma afetação jurídica do bem a pessoas individuais.