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Apresentação. Parece ser consenso dizer hoje que memória, identidade e patrimônio são palavras-chave da consciência histórica contemporânea. Na cena pública, o patrimônio tem sido cada vez mais convocado, acionado e usado, por diferentes sujeitos, grupos e instituições. A melhor forma de construir qualquer tipo de mediação em torno dos diversos bens culturais que ganham valor de patrimônio representativo de alguma coletividade é, sem dúvidas, conhecendo a trajetória dos seus sentidos. Os contextos sociais e históricos responsáveis pelo alargamento do conceito de patrimônio cultural serão aos poucos abordados neste curso. De início, a informação mais pertinente é notar que os adjetivos que recebeu ao longo do tempo (histórico, artístico, móvel, imóvel, tangível, intangível, material, imaterial, paisagístico, genético, tesouro vivo etc.) indicam como a ressemantização do conceito de patrimônio é sinalizadora das concepções de tempo, lugar social de produção, perspectiva teórica e metodológica, além dos sentidos políticos, criados entre lembranças e esquecimentos pelos indivíduos. Conhecer as várias noções de patrimônio é fundamental para quem já atua ou pretende atuar em processos educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural. Saiba mais Processos educativos formais (ocorrem no interior dos sistemas de ensino convencionais, como a escola) e não formais (ocorrem fora de estabelecimentos de ensino, como na família, entre grupos de amigos, em museus etc). Neste módulo, discutiremos os sentidos básicos de patrimônio: seus principais itinerários no âmbito das políticas culturais; as práticas para sua preservação, como o tombamento, o registro e os inventários de referências culturais; as arenas em que suas atribuições de valor encontram-se em disputa; as propostas de educação para o patrimônio, com seus desafios e possibilidades para um efetivo exercício de cidadania. Lembramos a você: mesmo que evidentemente parcial, o conteúdo apresentado contribui para abrir o debate de modo que cada um construa novos sentidos de patrimônio. O texto destina-se a professores do ensino básico das redes pública e privada, estudantes, profissionais dos campos da memória e do patrimônio (museus, arquivos, bibliotecas, centros de memória etc.), integrantes de movimentos sociais e interessados em geral. Assim, a ideia é fomentar a expansão das redes de colaboração, atuação e intervenção que circundam o tema do patrimônio cultural. Você está curioso? Pode ter a certeza de que nós oferecemos o melhor. Inscreva-se no curso, convide seus amigos, compartilhe essa ideia. Vamos começar? Para refletir Antes de continuar a leitura do fascículo, pense: se um turista perguntasse hoje para você quais os importantes patrimônios culturais do seu estado, de sua cidade ou de seu bairro, o que você responderia? Anote suas respostas. Guarde-as até o final do módulo. Depois, continue seus estudos. Os sentidos do patrimônio. (...) “Por “lugar” não designam um ponto no espaço, mas um ponto no tempo. Não é nostalgia, é quase saudade. Um olhar para trás de banda de olho. (Cidadão Instigado, relise do álbum Fortaleza, 2015). As palavras em torno do álbum Fortaleza, produzido pela banda Cidadão Instigado, bem podem ser uma partida para pensar os sentidos presentes no âmbito dos patrimônios que nos cercam, marcam e demarcam. Não somente como um ponto no espaço a ser preservado da perda, mas como um ponto no tempo que ao ser valorado como patrimônio indica múltiplas vivências. O olhar carregado de suspeitas que é lançado, para além da simples nostalgia, significa interrogá-los em prol de um passado e um futuro sempre em construção, de modo justo, democrático e ético. Em sentido etimológico, patrimônio advém de patrimonium, uma junção de “patri”, termo designador de “pai”, com “monium”, que exprime “recebido”, para referir-se à “herança”. Desde a noção mais antiga que manifesta o desejo de transmitir os bens da família, até a noção mais contemporânea, que desenvolve a ideia de um patrimônio a ser transmitido para as gerações futuras, nota-se como o conceito é uma construção social. O patrimônio pode ser, então, tudo o que alguém diz e faz a respeito dele, expandindo o sentido de herança reivindicado e/ou apropriado. Daí o termo patrimonialização ser empregado para designar todo o processo de constituição de patrimônios na sociedade. As políticas de patrimonialização nos mais longínquos lugares do mundo têm propiciado novas compreensões da história. Por isso, Dominique Poulot considera que a história do patrimônio tem sido a história da maneira como uma sociedade constrói esse patrimônio, que se mantém vivo graças às práticas de memória que os revestem em nome de um “investimento de identidade" a ser transmitido. Vários são os horizontes a serem explorados em diferentes escalas – internacionais, nacionais e locais – que atravessam os bens culturais. Particularmente, um esforço importante tem sido problematizar a construção do patrimônio cultural como prática social formadora de um campo de conflito material e simbólico no processo de institucionalização da memória-histórica de diferentes países e grupos sociais. Porque, a partir do conceito de patrimônio cultural e das políticas de preservação a ele relacionadas, é possível compreender os múltiplos sentidos e valores que nortearam a seleção dos bens culturais, de natureza material ou imaterial, nas sociedades. tinerários Os movimentos no campo patrimonial têm longa historicidade. Regina Abreu distingue três grandes momentos da trajetória dos processos de patrimonialização como um movimento próprio do Ocidente moderno, com (1) a criação de agências nacionais e internacionais, (2) a formação de agentes e (3) a definição de políticas públicas. É uma referência de síntese pertinente, embora tenha generalizações como qualquer outra, pois possibilita construir observarção acerca de distintas escalas, relações de poder e disputas de um campo em constante mutação. Internacionalmente, no primeiro momento, que vai do século XIX à primeira metade do século XX, os processos de patrimonialização fundamentavam-se na reconstrução do passado ou na busca e valorização de uma arte nacional. No segundo, cujo marco fundamental foi a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nos anos 1940, uma nova e importante variável é absorvida nos processos: o conceito antropológico de cultura, por ressaltar sua dinâmica particular de ser inerente a cada contexto em contraponto a supostas hierarquias. Por fim, o terceiro momento, no início dos anos 1980, quando se instaurou a patrimonialização das diferenças, devido às recomendações emitidas, sobretudo, pela Unesco, no que diz respeito à preservação das singularidades locais em frente ao movimento de homogeneização em curso no mundo ocidental. Se liga Conceito antropológico de cultura. A cultura é vista como um sistema complexo que inclui conhecimentos, crenças, costumes ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pela pessoa enquanto membro de uma sociedade. No Brasil, durante o período conhecido como Estado Novo (1937-1945), com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 1937, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 25/1937, vemos a reconstrução de um passado nacional com a finalidade de angariar prestígio de modernidade para a identidade da nação. As ações desse órgão, depois chamado de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), fizeram com que o tombamento fosse transformado em sinônimo de preservação. Esse instrumento, cujo principal efeito incide na conservação dos bens materiais, consolidou-se como a forma mais antiga de preservação na política brasileira de patrimônio. Por muito tempo, as suas ações privilegiaram dois fatores: de um lado, o patrimônio em “pedra e cal”, tombando igrejas, fortes, chafarizes, prédios e conjuntos urbanos representativos de uma determinada escola, como fora a arte do barroco colonial, o que deixou de lado manifestaçõese expressões que não tinham essa natureza material; do outro, expressões culturais de determinadas classes e grupos sociais, como as de tradição europeia de herança luso-colonial, o que relegou ao esquecimento memórias manifestas em senzalas, quilombos, terreiros, as primeiras fábricas, cortiços, vilas operárias. No contexto da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), em que as metas de políticas para o desenvolvimento social usavam a cultura como um dos motores de expansão, destaca-se a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975, por operar mais baseado na concepção antropológica da cultura. Experiência responsável pela introdução do conceito de “bem cultural”, que alargou a compreensão de patrimônio com a adoção da noção de “referência cultural”. O diferencial deste conceito foi ser capaz de identificar toda a dinâmica cultural como patrimônio, propiciando reconhecimento em potencial da diversidade do país, sobretudo com o registro da cultura popular, que culminou na luta pela fragmentação de identidades nacionais vistas como homogêneas. Apesar da repressão cultural vivenciada na época, gestou-se o entendimento de que o patrimônio cultural brasileiro não devia se restringir aos grandes monumentos, devendo incluir também as manifestações culturais representativas para outros grupos que compõem a sociedade brasileira – os índios, os negros, os imigrantes, as classes populares em geral. Para os curiosos A Constituição de 1988 define o Patrimônio Cultural brasileiro da seguinte forma: “(...) bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Acesse toda a Legislação sobre Patrimônio Cultural do Brasil: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/4844 Em meio à redemocratização política brasileira, com o fortalecimento do direito à memória como elemento de cidadania, a inclusão do artigo 216 da Constituição de 1988 foi significativa para uma patrimonialização das diferenças. O texto da Carta Magna potencializou a defesa da diversidade cultural de distintos grupos étnico-culturais, legitimando a emergência de novos sujeitos de direito coletivo, como os povos indígenas, quilombolas e de culturas tradicionais. Foi apropriado igualmente para a legitimação de iniciativas em torno de grupos sociais variados, oriundos de mobilizações de partidos políticos, sindicatos, associações de bairros etc. Posteriormente, a aprovação do Decreto nº 3.551/2000 instituiu o Registro e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI). A ampliação da preservação com o instrumento do registro, destinado à salvaguarda de bens de caráter processual e dinâmico, passou a proteger as formas de expressão e os modos de vida, criar e fazer, bem como os objetos, artefatos e lugares que lhes são associados. Na esteira dessas mudanças, importante atentar como os agentes anteriormente silenciados se tornaram, para além de um objeto de apreciação, os próprios agentes das políticas patrimoniais que resultam em inúmeras revisitações críticas das identidades nacionais. Novos patrimônios, valores e inventários INVENTÁRIOS. A expressão “novos patrimônios”, muito recorrente nos debates contemporâneos do assunto, tem designado patrimônios emergentes na sociedade. Tratam-se de patrimônios que advêm da “profusão de esforços públicos/privados em favor de múltiplas comunidades e estão longe da definição canônica de herança cultural”, bem como decorrem dos usos inerentes à sociedade de consumo, pois são instrumentalizados para o desenvolvimento econômico em prol do turismo e de práticas mercantis do saber e lazer” (POULOT, 2011, p. 199; 228). Edifício São Pedro, em Fortaleza-CE. Essa expressão é pertinente pois tanto pode “designar os patrimônios que não eram tradicionalmente herdados pelas esferas institucionais que privilegiavam bens materiais, como os marcados pela dimensão etnológica, viva e imaterial”, quanto também pode referir-se à “renovação do olhar em torno de todos os patrimônios, quer sejam os genéticos, arqueológicos, antropológicos, naturais, paisagísticos, materiais, imateriais, digitais etc” (TARDY; DODEBEI, 2009, p. 10). As formas de circulação do patrimônio acionadas pelo surgimento de novos agentes de patrimônios, organismos, sobretudo movimentos sociais, organizações não-governamentais, coletivos oriundos de camadas populares e vários outros sujeitos coletivos favorecidos pelas novas tecnologias, como a internet, forjaram a “necessidade de repensar os silêncios e os ocultamentos, assim como o que deve ser protegido, valorizado, repertoriado” (NOGUEIRA, 2014, p. 52). Na política brasileira, uma das grandes novidades da Constituição de 1988 para o tema foi, justamente, deslocar do Estado para a sociedade e seus segmentos, quer dizer, seus cidadãos, a responsabilidade pela atribuição do xvalor cultural. Ulpiano Meneses é quem, sem reproduzir a inconveniência da polaridade entre material e imaterial, ou entre o valor técnico e social, destaca como o valor não é algo natural, quer dizer, intrínseco às coisas. Vale sempre perguntar: se o valor é uma atribuição, quem o atribui? Quem cria valor? Que tipo de valor é esse? Meneses convida a pensar em alguns componentes principais do valor cultural – valores cognitivos, formais, afetivos, pragmáticos e éticos – “notando que eles não existem isolados, agrupam-se de forma variada, produzindo combinações, recombinações, superposições, hierarquias diversas, transformações e conflitos” (MENESES, 2009, p. 35). Saiba mais O Edifício São Pedro, construído na década de 1950, é um importante referencial da cidade de Fortaleza-CE. Integra um quadro da Secretaria de Cultura de Fortaleza (SecultFOR) em que muitos outros bens culturais estão inseridos, seja os que já são preservados oficialmente ou que estão em processo de reconhecimento. Para os curiosos A cidade de Fortaleza, integrante da “Rede de Cidades Criativas” da Unesco, tem concedido lugar estratégico para o patrimônio no seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Você pode acessar e conferir o documento Fortaleza 2040: fortaleza2040.fortaleza.ce.gov.br/site/ Para exemplificar esses valores, observe um dos bens culturais que a banda Cidadão Instigado, citada no início do fascículo, se reporta em suas músicas. Trata-se do Edifício São Pedro, localizado na orla da Praia de Iracema, na cidade de Fortaleza, cuja situação foi escolhida pela capacidade de sintetizar uma série de problemas com uma sensibilidade própria da força criativa dos artistas. a. O valor cognitivo costuma tomar o bem como um documento, ao possibilitar uma fruição intelectual e técnica, que pode apontar para o padrão estilístico que orientou o pedido de tombamento deste prédio, um dos primeiros construídos no local. b. O valor formal ou estético é perpassado por um tipo de apreço sensorial, como aquele que desponta em torno de seu formato metaforizado de navio, ao ser contemplado por um habitante ou visitante da cidade, num dos pontos mais badalados à beira-mar. c. O valor afetivo, muito relacionado à memória, deriva de vinculações subjetivas de identificação com o bem, como os dos antigos moradores e sujeitos que frequentam o seu entorno. d. O valor pragmático é mais um valor de uso percebido como qualidade, como os dos projetistas que tentam requalificá-lo diante da especulação imobiliária característica da área onde está localizado. e. O valor ético seria aquele associado não somente ao bem, mas às interações sociais nas quais ele é apropriado, tendo como referência o lugar do outro, a exemplo dos artistas que o tomam como símbolo da cidade para pensar os desafios e possibilidades do convívio entre o antigo e contemporâneo na trama urbana. Saiba mais Você pode aprofundar o estudo sobre definições importantes, como as de tombamento, registro e inventário, através do Dicionário do Patrimônio Cultural do Iphan. ACESSE: portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural Note que a “patrimonialização de bensculturais é elaborada nas interações sociais que exibem categorias de tempo e espaço, como memória, história, identidade, passado, cultura, cidade, em nome de uma determinada coletividade na urbe” (REIS, 2015, p. 16). Paralelo ao instrumento do tombamento, vinculado ao patrimônio material, e do registro, relacionado ao patrimônio imaterial, temos as propostas de inventários que visam superar a falsa dicotomia entre material e imaterial através da lógica das referências culturais. A cartografia dos sentidos que pode ser realizada a partir dessas práticas, facultaria acesso tanto à dimensão tangível do espaço, dada a ver pela sua materialidade, quanto à dimensão do intangível, aquela associada ao universo do simbólico e da percepção (NOGUEIRA, 2015) Mediações Saber o que fazer diante dos muitos usos e abusos do patrimônio é fundamental. A mediação é uma importante ação por permitir o avanço na abordagem comunicacional da memória e do patrimônio, bem como das condições de circulação de saberes. Convém ressaltar que a proposta de “educação patrimonial” do próprio Iphan pressupõe um conhecimento de várias noções de patrimônio. Essa mediação não é somente realizada por agentes do serviço público entre os “solicitantes” e os “atingidos” pelas políticas de preservação. Pode ser feita por qualquer um que se envolva em processos educacionais, nos espaços formais ou informais, como escolas, museus, pontos turísticos da cidade e associações comunitárias, que tenham foco no patrimônio cultural. A partir da leitura de vários textos produzidos com recomendações de ações educativas acerca do patrimônio cultural, em âmbito nacional e internacional, Janice Gonçalves detectou duas concepções fundamentais. Uma que “vincula as ações educativas à necessidade de proteção ou defesa do patrimônio cultural e que busca alcançar, por parte do público-alvo, respeito, interesse e apreço pelos bens patrimoniais”. A outra concepção “articula tais ações educativas à valorização ou ao empoderamento de determinados grupos sociais por meio do reconhecimento do patrimônio cultural a eles associado”, pressupondo a participação ativa desses grupos na definição do que cabe preservar (GONGALVES, 2014, p. 84). Para os curiosos A portaria nº 137/2016, que estabelece as diretrizes de Educação Patrimonial, no âmbito do Iphan, pode ser acessado no seguinte link: pnem.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/01/Educacao-Patrimonial-web2.pdf A constatação da autora é importante por ajudar a enfatizar que a mediação não é apenas uma facilitação, mas uma atitude de protagonismo, que pode e deve culminar em ações de preservação amparadas pelas políticas públicas. Não custa dizer que, contemporaneamente, esse passou a ser um direito de todo cidadão. A autora sinaliza algumas proposições relevantes para nortear ações que merecem destaque. A seguir, 4 proposições: a. desnaturalizar o patrimônio cultural, refletindo sobre o campo que o produz: significa problematizar sua construção social em detrimento de uma visão que o toma como um dado natural, enfatizando as ações dos sujeitos envolvidos na patrimonialização de um bem. b. dessacralizar o acervo patrimonial, problematizando os processos sociais e históricos que o geraram: busca enfatizar as atribuições de valor acionadas nas operações de patrimonialização como uma forma de desvelar suas experiências. c. pôr sob suspeição uma perspectiva do processo educativo que oponha educadores e educandos como esclarecidos e não esclarecidos: importa para desestabilizar certezas, através de indagações de valores atribuídos e/ou atribuíveis ao acervo patrimonial, a fim de que a prática de uma leitura crítica e autônoma prevaleça. d. valorizar as diversas instâncias que lidam com o patrimônio cultural como produtoras e disseminadoras de saberes e visões sobre ele e buscar compreender suas especificidades: incentiva a finalidade de reconhecer singularidades do campo patrimonial que é marcado por ser multidisciplinar, reconhecendo as variadas contribuições dos profissionais que neles atuam. Anterior Patrimônio para quem? Essa pergunta carrega consigo paradoxos em torno das movimentações patrimoniais na contemporaneidade. Por um lado, abre-se uma comporta para um excesso de patrimonialização impulsionado pela “política da patrimonialização das diferenças como forma de combate à homogeneização neoliberal”, mas, por outro lado, fortalece o movimento inverso, estimulando ações de distinção patrimonial, materializadas por meio dos selos de “patrimônio mundial” ou de “obra-prima do patrimônio oral e imaterial da humanidade” (ABREU, 2015, p. 7). Como vimos, o patrimônio, enquanto faceta do direito à memória, é fundamental no exercício da cidadania. Por esse caminho, não se deve esquecer que a interpretação do patrimônio cultural dever ser feita, antes de tudo, “com” e “para” a população local. Logo, as distinções patrimoniais que diferentes lugares e/ou práticas angariam de organismos internacionais e nacionais poderiam configurar-se em oportunidades interessantes para incentivar o que Marilena Chauí (2006) denominou de “cidadania cultural”, considerando tanto as perdas, quanto as conquistas nas perspectivas dos seus habitantes, para a elaboração de políticas públicas que garantam amplos direitos aos cidadãos. Para tanto, as mediações em processos educacionais para o patrimônio são basilares, se realizadas de forma que exista crítica permanente sobre certas ideias que orientam o trabalho no campo do patrimônio cultural. Importante tomá-lo como uma arena de acordos e conflitos de valores, avaliações e proposições, que explicita como o patrimônio é, além de uma construção social, uma prática eminentemente política. Afinal, pensar para quem é o patrimônio, em meio às lembranças e aos esquecimentos que o atravessam, é uma forma de continuar apostando na democracia que visamos construir. Para os curiosos As considerações desse fascículo modificaram as respostas que você anotou no início do fascículo e que daria para um turista se indagado sobre quais seriam os importantes patrimônios culturais do seu estado, cidade ou bairro? Por quê? Apresentação. No presente módulo, faremos uma reflexão sobre arte e patrimônio, tomando como base a xilogravura popular produzida em algumas localidades do Nordeste e, em especial, no município de Juazeiro do Norte, Ceará. A fonte documental principal desse estudo é a coleção de xilogravuras que constitui o acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, o Mauc, em Fortaleza, adquirida entre fins dos anos de 1950 e início dos anos 1960. A xilogravura é uma expressão artística milenar, utilizada na Antiguidade para a estamparia de tecidos e, em seguida, usada no papel. Os testemunhos mais antigos de xilogravura em papel datam do século VIII, são orações budistas impressas no Japão. Para os curiosos. Você conhece a técnica de xilogravura? No seu estado ou cidade existem artistas que utilizam essa técnica ou museus e galerias que guardam coleções de xilogravura? Se não houver, busque na internet informações sobre a xilogravura brasileira, especialmente sobre “como” ela é executada. Na sua chegada à Europa, no século XII, a xilogravura trilhou o mesmo percurso dos antigos, ou seja, a estamparia de tecidos, para depois partir para imagens sacras e cartas de baralho. No século XV contribuiu para os primeiros livros impressos da história. A partir daí foi sendo exercitada até alcançar altos níveis artísticos (COSTELLA, 1984). O ingresso da xilogravura no Brasil se deu no século XIX, com a implantação da Imprensa Régia, utilizada nos periódicos para torná-los mais atrativos quanto ao aspecto visual. Em um dos três mais antigos jornais em circulação no Brasil, o Mossoroense, a xilogravura era utilizada para destacar as notícias, a publicidade ou os artigos assinados mais importantes de sua edição. Contudo, é curioso e importante salientar que além do uso na imprensa, há evidências que apontam para o emprego da xilogravura em uma época anterior ao período mencionado, com outras finalidades,entre os indígenas. É possível que a técnica tenha sido repassada aos nativos pelos missionários portugueses, no século XVII, durante a realização da catequese. Essa evidência foi identificada pelo pintor italiano Guido Boggiani, no Mato Grosso do Sul, em 1892, entre os Kadiwéu. Eles, com apenas um pequeno pedaço de madeira entalhada, carimbavam o corpo com sinais e figuras, além de estamparem raras peças de vestuários (COSTELLA, 1984, p.83). Se liga! Imprensa Régia. Editora lusitana, depois transferida para o Brasil, em 1808, com a vinda da Família Real. Nela foi editado o primeiro jornal da colônia, a Gazeta do Rio de Janeiro, periódico que permitiu a circulação de notícias, embora restritas, por ser um veículo usado para expandir a imagem que convinha à Corte Portuguesa. Apresentação. É o pau, é pedra, é o fim do caminho É um resto de toco, é um pouco sozinho É um caco de vidro, é a vida, é o sol É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol É peroba no campo, é o nó da madeira Caingá candeia, é o matita-pereira [...] É o projeto da casa, é o corpo na cama É o carro enguiçado, é a lama, é a lama É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã É um resto de mato, na luz da manhã São as águas de março fechando o verão É a promessa de vida no teu coração [...] (“Águas de Março”, de Tom Jobim) Você conhece essa canção de Tom Jobim? Acima selecionamos alguns trechos dela. Busque-a na internet e ouça-a na íntegra, lendo com atenção a sua letra. Observe que em alguns momentos ela faz menção aos elementos da natureza e em outros à presença humana e suas criações. Conseguiu perceber? Mas, afinal, o que essa “mistura poética” pode nos dizer acerca do patrimônio natural, tema de nosso módulo? Sim, neste fascículo, noções sobre o patrimônio natural. São caminhos para quem deseja entender, aprender e ensinar sobre este assunto tão fascinante. Só quem conhece a sua importância pode sensibilizar e mobilizar os outros para sua preservação e valorização. Nesse sentido, serão abordados conceitos que tratam da Geodiversidade, como também da Paleontologia. No Brasil, os assuntos relativos à geodiversidade estão sempre em pauta, embora os temas paleontológicos costumam ser pouco divulgados, com exceção daqueles voltados para a história dos dinossauros. Mas outros organismos fossilizados (como moluscos, plantas, insetos e animais, incluindo a espécie humana) também podem ser exemplares importantes acerca do registro da vida pretérita na superfície terrestre. O Patrimônio Natural. O patrimônio natural é com-posto de diferentes elementos que interagem constantemente entre si, na superfície e em camadas subterrâneas da Terra, promovendo transformações no planeta, como as reservas minerais, os relevos, a hidrografia, a fauna, a flora, o clima. Tudo isso resulta numa configuração maior, que é a paisagem. Os limites entre a paisagem natural e a paisagem cultural (entendida como resultante da intervenção humana) tornam-se cada dia menos evidentes. Paisagens tidas como produto exclusivo da natureza, após estudos acurados, envolvendo diferentes áreas do conhecimento, revelaram-se consequências de ações antrópicas. Quem não tem histórias que envolvam o patrimônio natural? Desprezar esse patrimônio é, além de uma agressão à nossa memória (individual e coletiva), um problema ambiental que pode afetar seriamente a qualidade de toda a vida terrestre. Preservar o patrimônio natural, cujos recursos são limitados, é defender quem somos e para onde queremos ir num futuro próximo, seja como indivíduos ou como espécie animal. Geodiversidade. O termo geodiversidade começou a ser utilizado na década de 1990 e se refere à “variedade natural de aspectos geológicos e geomorfológicos, incluindo suas coleções, relações, propriedades, interpretações e sistemas” (GRAY, 2004, p.434). O conceito de patrimônio geológico, que é representado pelo conjunto de sítios geológicos ou geossítios, está estreitamente relacionado com a geodiversidade. Contudo, não são sinônimos. A geodiversidade, de forma simples, consiste em toda a variedade de minerais, rochas, fósseis e paisagens do planeta Terra. A geoconservação envolve todas as ações empreendidas no sentido de preservar a geodiversidade. Um marco nesse movimento foi o I Simpósio Internacional sobre a Proteção do Patrimônio Geológico, na França (1991). No final, foi aprovada a Carta de Digne - Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra. Se liga! A palavra grega “geo” significa Terra. Nesse sentido, a Geologia é a área do conhecimento que estuda a crosta terrestre (camada mais externa da Terra, de 5 a 70 km de espessura) e as matérias que a compõe (minerais, rochas e fósseis). Por outro lado, a Geografia estuda as características físicas e os fenômenos da Terra, na sua interação com as sociedades humanas. Já a Geomorfologia é um ramo da Geografia que se dedica especificamente às formas de relevo da superfície terrestre. Para os curiosos. Confira a íntegra da Carta de Digne em: www.progeo.pt/pdfs/direitos.pdf A partir deste simpósio, começaram a se desenvolver trabalhos sobre o patrimônio geológico, especialmente na Europa, enfocando o inventário da geodiversidade para a sua conservação e aplicação no turismo. Entre essas iniciativas, encontra-se a organização, no Brasil, da ProGEO, uma empresa brasileira focada na execução de serviços especiais de geologia, engenharia geotécnica e recuperação de estruturas, cuja máxima é: “O único registro da história de nosso planeta está nas rochas que repousam sob nossos pés. Rochas e paisagens são a memória da Terra”. Merece destaque também o Programa Geoparks da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Geopark ou Geoparque é uma área com um único ou vários patrimônios geológicos que tenham uma estratégia de desenvolvimento. Deve ter limites bem definidos e ser grande o suficiente para o desenvolvimento econômico sustentável, por meio do Geoturismo, para o benefício de visitantes e de pessoas que vivem dentro do parque. Os moradores locais devem ser encorajados a reavaliar seu patrimônio e participar ativamente da revitalização da área. De acordo com a Unesco, até hoje estão registrados 127 geoparques mundiais em funcionamento, em 41 países. Nesta lista, o Brasil conta apenas com o Geopark Araripe, no Cariri cearense, mas há várias iniciativas em andamento para reconhecer novos geoparques no território acional, como os Campos Gerais (Paraná) e Bodoquena-Pantanal, Núcleo Nioaque (Mato Grosso do Sul). O Geopark Araripe foi certificado e integrado à Rede Global de Geoparques em 2006, por uma iniciativa da Universidade Regional do Cariri (Urca), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, com o apoio das várias instituições regionais e prefeituras municipais. Este esforço visava desenvolver programas de educação e de valorização da Geologia e Paleontologia. O Museu de Paleontologia em Santana do Cariri, pertencente à Urca, passou a ser um dos centros das ações do Geopark, com diversas atividades voltadas às comunidades, como oficinas de réplicas de fósseis, artesanato e biojoias, encenações teatralizadas, cursos básicos de formação de guias turísticos e treinamento de crianças para se tornarem guias-mirins (Projeto Geokids). O Programa Geopark nas Escolas procurou ainda difundir o conhecimento geopaleontológico e biótico da região, para embasar o turismo científico (NOGUEIRA et al., 2004) O Geopark Araripe tem sido presente em feiras de turismo nacionais e regionais, levando jogos e brincadeiras paleontológicas para o grande público. Propôs ainda outros veículos de divulgação paleontológica, como livros e cartilhas paradidáticas. O mais antigo é Viagem ao Cretáceo (1999), de autoria de Francisco Cunha e Willian Brito (1999), com ilustrações de Luís Karimai. Depois surgiu o livro infantil de Socorro Acioli, Peixinho de Pedra (2006), ilustrado por Ronaldo Almeida, que ganhou em 2007 o selo de altamente recomendável pela Fundação Nacional de Literatura Infantojuvenil, explicando o significadoe o valor dos peixes fósseis do Araripe. Posteriormente, veio à lume a cartilha Descobrindo os Tesouros do Cariri (2010), de Lana Luiza Maia e Alexandre Sales, com ilustrações de Diana Medina.s Paleontologia versus Arqueologia. Devido à grande confusão que existe em muitos textos, inclusive títulos de reportagens que lemos em jornais e revistas, se faz necessário explicarmos a diferença entre a Arqueologia e a Paleontologia. Embora possuam al-guns métodos de escavação, coleta e datação parecidos, a Arqueologia e a Paleontologia são áreas do conhecimento completamente distintas. A Arqueologia vem das palavras gregas arkhé (antigo) e logos (estudo). É classificada, genericamente, como uma ciência humana ou social, pois seu objetivo principal é o estudo do homem, especialmente em sociedades antigas, a partir da coleta e da análise dos vestígios materiais produzidos pela ação humana, como artefatos e construções. A palavra Paleontologia vem da união de termos gregos palaios (antigo), ontos (ser) e logos (estudo). Pode ser traduzida como “o estudo dos seres antigos”, ou melhor, a ciência que se dedica à pesquisa dos fósseis de seres pré-históricos. Porém, a Paleontologia em si é muito mais abrangente do que o limitado estudo dos seres. Ela possui subdivisões que a tornam uma ciência intermediária entre a Geologia, a Biologia e outras. Entre as suas subdivisões estão o estudo do clima, da ecologia e do comportamento dos seres e do Processos de Fossilização. Ao examinarmos uma peça fossilizada é necessário verificar se estamos diante de um organismo inteiro ou parte dele. A fossilização resulta da ação combinada de processos físicos, químicos e biológicos. Para que ela ocorra, ou seja, para que a decomposição do ser que morreu seja interrompida e haja a sua preservação, são necessárias algumas condições favoráveis, como (1) um rápido soterramento do ser e (2) a ausência de ação bacteriana no meio, que decompõe os tecidos etc. A seguir, vamos sintetizar um processo simplificado de fossilização, com ilustrações. A natureza pode agir como uma criança com massa de modelar nas mãos, deixando marcado nas rochas a forma externa de uma concha. Desse modo, ficamos apenas com o molde externo e/ou interno. Se a natureza for ainda mais caprichosa, depois de ter deixado um espaço, ela deposita outro mineral, fazendo o que denominamos de contramolde. 1. Os organismos morrem e acomodam-se no fundo de um rio, lago, pântano, mar ou oceano. 2. As partes moles desses organismos são degradadas (apodrecem) e suas partes mais duras são recobertas por sedimentos. 3. O rio, lago, pântano, mar ou oceano sofre um processo de secagem ao longo dos anos. Enquanto isso, os sedimentos depositados vão se acomodando e formando um molde dos organismos. 4. Após um tempo, no fundo do rio, lago, pântano, mar ou oceano, ocorre uma compactação dos sedimentos, preservando as estruturas que restaram dos organismos, transformando os sedimentos em rocha e fazendo com que estas estruturas se fossilizem (petrifiquem) com o passar dos séculos (milhares ou milhões de anos). 5. Depois de fossilizados, os organismos ficam incorporados à rocha. Quando a rocha começa a se degradar ou sofre erosão, ela expõe os restos fossilizados dos organismos nela preservados. Legislação sobre patrimônio natural e paleontológico no Brasil. Por conta da ênfase dada ao direito de propriedade no Brasil, desde o período colonial, não existia efetivamente uma preocupação com o meio ambiente. A metrópole portuguesa e depois a jovem nação brasileira buscaram apenas normatizar a exploração daqueles recursos naturais que pudessem gerar impactos econômicos para a sociedade. Com a ascensão do regime republicano, começaram a ser gestadas políticas relativas a cada um dos tipos de recursos ambientais, de forma setorial, por meio de órgãos como o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Cada um desses órgãos federais passou a desempenhar suas atribuições no território nacional, independentemente da atuação dos demais, o que os conduziu muitas vezes a ações desconectadas e conflitantes. Somente a partir de meados dos anos 1960, com a divulgação de dados relativos ao aquecimento global do planeta e da ocorrência de catástrofes ambientais, é que a sociedade civil, em diversos países, como o Brasil, começou a construir uma consciência ambiental e a pressionar seus respectivos governos a adotarem uma legislação mais ampla, transversal e efetiva sobre o tema. Um marco dessa fase é a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, da ONU (Organização das Nações Unidas), na Suécia, em 1972, aprovando ao final a Declaração Universal do Meio Ambiente. Em nossa sociedade, é a partir da década de 1980 que a legislação começou a se preocupar com o meio ambiente de uma forma global e integrada, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Entretanto, como vemos atualmente nos meios de comunicação, a luta pela proteção do meio ambiente foi sempre uma arena de conflitos, envolvendo muito atores e interesses, nem sempre convergentes, tanto em âmbito nacional como internacional, que fazem com que diretrizes e legislações ora avancem mais e ora recuem drasticamente. Já a construção da ideia de patrimônio natural em nosso país ocorre com a Constituição de 1934, que já afirmava ser dever do Estado proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico. Com a Constituição de 1937, sob os auspícios do Estado Novo varguista, foi cunhada, pela primeira vez, a expressão monumento natural, substituindo o termo “belezas naturais”. Após a publicação do Decreto Lei nº 25/1937, foram alçados à condição de patrimônio nacional os monumentos naturais, sítios e paisagens por sua “feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Ficaram sujeitos à proteção por meio do tombamento, que seria inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Apesar de mencionar a “mão humana”, a partir de então o patrimônio natural foi interpretado pelos órgãos de preservação como expressão de grandiosidade e beleza da natureza, pressupondo uma ideia de intocabilidade, ou seja, de testemunhos poupados da intervenção do homem. Essa perspectiva de monumentalidade, da exaltação do valor estético e do caráter inviolável do patrimônio natural foi consagrada não apenas no Brasil, mas internacionalmente, por meio de documentos como a Convenção para a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, organizada pela Unesco, em Paris, no ano de 1972. O problema dessa definição é que ela criou uma separação entre a cultura e a natureza, que perdurou por alguns anos no mundo ocidental. Somente em 1992, durante sua 16ª Assembleia Geral, é que a Unesco tentou resolver esta contradição, instituindo a noção de paisagem cultural e definindo-a como o resultado da obra combinada da natureza e do homem. No Brasil, a Constituição de 1988, em seus artigos 215 e 216, consolidou a noção de patrimônio cultural, possibilitando a salvaguarda de sítios de valor paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Por um lado, se ainda manteve a valorização do apelo estético advindo do termo monumento natural, por outro trouxe o reconhecimento de novos aspectos até então não invocados – o ecológico, o paleontológico – valorizando as relações estabelecidas na dinâmica de transformação incessante da natureza. Além de avançar no debate conceitual sobre o patrimônio natural, abriu espaço para outros instrumentos de sua preservação, além do tombamento. É o caso da criação da Chancela da Paisagem Cultural, pela Portaria Iphan nº 127/2009, que admite as interações do homem com o meio natural, num dado território. Com relação especificamente ao patrimônio paleontológico,que integra o nosso patrimônio natural, a legislação nacional criou vários dispositivos, desde 1942, como o Decreto-Lei nº 4.146, que dispõe sobre a proteção dos depósitos fossilíferos. Essa lei já considerava os depósitos fossilíferos como propriedades da nação e, assim, a extração de espécimes fósseis dependeria de autorização do Estado. Durante muito tempo, este Decreto-Lei foi distribuído pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com a recomendação de que todo o particular, sem licença expressa, que estivesse explorando um depósito de fósseis, estaria sujeito à prisão, como espoliador do patrimônio científico nacional. Por conseguinte, o Código Penal Brasileiro passou a aplicar penas no caso de comercialização de fósseis. A remessa de qualquer fóssil por compra ilegal de museus, universidades e colecionadores particulares foi condenada pela Conferência de Paris, organizada pela Unesco, em 1970. Foi nessa perspectiva que o Brasil estabeleceu o Decreto-Lei n° 72.312/1973. A seguir, a Lei nº 7.347/1985 passou a responsabilizar os agentes sociais causadores de danos ao meio ambiente, incluindo os jazigos com fósseis. A Sociedade Brasileira de Geologia e a Sociedade Brasileira de Paleontologia poderiam propor uma ação civil, visando a proteção dos sítios fossilíferos. Embora os fósseis já fossem considerados bens da União pelo Decreto Lei n° 4.146/42, os artigos 20 a 23 da atual Constituição Brasileira (1988) consolidaram o Estado Brasileiro como um dos entes na sua defesa, como também enquadraram os fósseis, em seu artigo 216, na categoria de patrimônio cultural brasileiro, como vimos. O Decreto nº 98.830/1990 sujeitou as atividades de campo para coleta de materiais por pessoa natural ou jurídica estrangeira, ao controle do Ministério das Ciências e Tecnologia, que deveria autorizar, supervisionar e analisar os resultados dos trabalhos de coleta. O artigo 13, alínea V nos indica que: “sem prejuízo da responsabilidade civil e penal, as infrações às normas deste decreto poderão importar, segundo a gravidade do fato: (...) a apreensão e a perda do equipamento utilizado nos trabalhos, bem assim do material coletado”. Um dos artigos da Lei nº 8.176/1991 define como crime, na modalidade de usurpação, a exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizado. O fóssil, como bem da União, e sem a autorização legal do DNPM, não pode ser explorado por particulares, não sendo, por conseguinte, um bem negociável. Assim, todos os que fazem a retirada dos fósseis ou que os adquirem, transportam ou comercializam, incorrem em crime contra a ordem econômica. Através do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) e do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), o Governo Federal criou, em 1997, a Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, que tem como objetivo maior a proteção desses sítios. Porém, apenas proteger da degradação não é suficiente para que se obtenha sua verdadeira valorização. Um patrimônio geológico ou paleontológico só será devidamente valorizado mediante o equilíbrio de ações voltadas à investigação científica e à divulgação do conhecimento para o grande público, que não se restrinja aos cientistas. Paleoturismo no Brasil. O Brasil pode ser considerado um país de razoável patrimônio fóssil, levando-se em conta que apresenta grandes bacias sedimentares, de grande espessura, com espécies significativas para a Paleontologia, como o Staurikosaurus pricei, dinossauro que viveu no período Triássico, há 220 milhões de anos, descoberto nas vizinhanças de Santa Maria (RS). Viana e Carvalho (2019) realizaram um levantamento de museus, parques e acervos com clara função de divulgação científica da Paleontologia no Brasil. Com relação aos museus, mapearam 35 na Região Sul; 34 no Sudeste; 29 no Nordeste; 4 no Norte; e 3 no Centro-Oeste. No caso de coleções em Instituições de Ensino Superior (IES), identificaram 9. Mapearam ainda o Instituto Virtual de Paleontologia do Estado do Rio de Janeiro, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no endereço: www.ivprj.uerj.br. Indicaram ainda a existência de seis paleoparques: Geopark Araripe (CE); Sítio Arqueológico do Lajedo de Soledade (RN); Vale dos Dinossauros, em Souza (PB); Geopark Bodoquena- MS (sem o selo Unesco); Parque Paleontológico de São José do Itaboraí (RJ) e o Jardim Paleobotânico de Mata (RS). Os incentivos do governo federal poderiam estimular a criação de Centros de Turismo Paleontológico perto de museus e áreas de escavação em sítios fossilíferos, respeitando as condições de preservação destes locais, além de reservar fundos para o desenvolvimento desta ciência. Caso isso acontecesse, a Paleontologia brasileira não necessitaria depender apenas de verbas oficiais. Divulgação e popularização da paleontologia. A divulgação da Paleontologia no Brasil ainda está muito vinculada aos museus e, sobretudo, às universidades, nas quais se desenvolvem pesquisas apresentadas em encontros científicos e publicadas em revistas da área. Existem ainda muitas dificuldades no ensino desses conhecimentos nas escolas, como a escassez de material didático e paradidático; a deficiência na formação dos alunos e professores; e o distanciamento entre as universidades e a sociedade. Não existem indícios de uma prática continuada ou bem estabelecida no ensino fundamental e médio, pois esta ciência ainda não recebe a devida importância, apesar do grande interesse do público infantojuvenil, especialmente por dinossauros. Contudo, procurando, existem alguns livros no mercado brasileiro com tramas narrativas encantadoras e bem urdidas, numa linguagem simples e fluente, além de bem ilustrados. Podem ser trabalhados em sala de aula, com muito proveito na aprendizagem, as obras Na Era dos Dinossauros (1994), de Joanna Cole, com ilustrações de Bruce Degen; As Aulas do Professor Dinossaurius (2002), de Valerie Wilding, com desenhos de Kelly Waldek; e Os Dinossauros, de Philip Ardagh (2009), com ilustrações de Mike Gordon. Sobre os fósseis brasileiros, temos 3 obras: Manual da Pré-História do Horácio, Dinossauros do Brasil e Dinos do Brasil, com excelente design gráfico. É necessário oferecer ainda mais oportunidades de aprendizado da Paleontologia ao público, seja por meio de vídeos, jogos, oficinas e/ou visitas orientadas aos museus, sítios e coleções. Mas para que essas atividades venham a ser mais numerosas, efetivas e eficientes, é preciso formar recursos humanos comprometidos com a valorização do patrimônio natural brasileiro, o conhecimento de técnicas de comunicação e da pedagogia infantojuvenil. Só assim será possível oferecer atividades lúdicas e cientificamente corretas, que conduzam a um futuro promissor no desenvolvimento da Paleontologia e de outras ciências correlatas. Para os curiosos. Que tal passear em bibliotecas, feiras, livrarias, sebos físicos ou virtuais à procura de livros, filmes, jogos ou brinquedos que tenham a Paleontologia em seus títulos? Que atividades você poderia desenvolver com seus amigos ou sua família sobre o tema? A xilogravura chega ao cordel. É importante salientar que a xilogravura integrou o mundo das artes visuais brasileiras, no século XX, sendo praticada por Oswaldo Goeldi (1895-1961), natural do Rio de Janeiro, considerado o “pai da xilogravura brasileira”, entretanto, paralelamente ao itinerário da arte oficial, no Nordeste, prestou-se às atividades utilitárias, servindo como rótulo de produtos, como também ilustrações das capas dos folhetos de cordel, sobre o qual discutiremos com mais detalhes posteriormente. Muitos poetas escreveram e, ao mesmo tempo, ilustraram suas obras com a técnica que passou a ser considerada, de acordo com José M. Luyten, a verdadeira representação do espírito do cordel (apud CASCUDO, 2002, p.752). Nesse contexto de produção dos versos populares e ilustrações com a técnica, a Tipografia São Francisco, de propriedade de José Bernardo da Silva, em Juazeiro do Norte, Ceará, teve grande destaque,uma vez que assumiu a posição de maior editora de literatura popular do país. Se liga! Com o desenvolvimento de novas tecnologias de impressão e a morte de José Bernardo, a Tipografia São Francisco entrou em decadência. Seu acervo e equipamentos foram adquiridos pelo Governo do Ceará, sob novo nome – Lira Nordestina – sugestão do poeta Patativa do Assaré. Hoje, a Universidade Regional do Cariri (Urca) responde por sua administração, que se tornou um espaço de produção de xilogravura, superando a publicação de cordéis. A partir dos anos de 1950, a xilogravura popular passou a ser observada por intelectuais em algumas localidades do Nordeste de modo independente dos folhetos. Este novo olhar lhe conferia uma valorização como produção artesanal autônoma, iniciada em Alagoas, pelo folclorista Téo Brandão, em seguida, no estado de Pernambuco, por parte do colecionador de arte Abelardo Rodrigues, e pelo estudioso paraibano Ariano Suassuna, que escreveu artigos sobre elas no Diário de Pernambuco . Ainda entre os anos 1950-1960, com o impulso da industrialização e dos novos meios de comunicação, como o rádio e a televisão, acreditava-se na morte ao cordel e, consequentemente, junto com ele, a morte das xilogravuras. Na realidade, o cordel adaptou-se aos novos meios comunicacionais, passando a ser difundido amplamente pelos repentistas nas rádios, além de se articularem em feiras, espaços e equipamentos públicos, sendo reconhecidos por editoras de pequeno, médio e grande porte. Embora o estilo discursivo tenha permanecido, continuou a propagação do desaparecimento da xilogravura. Nesse contexto, reverberava a visão folclorista que percebia a xilogravura como expressão avessa à ideia de modernidade. No Ceará, a mesma ideia de desaparecimento foi abraçada por agentes fundadores do Mauc, inaugurado em 1961. Nos anos que antecederam à criação do Mauc, esses agentes recolheram os tacos de xilogravuras utilizadas nas capas dos folhetos, livros de orações e rótulos de produtos que pertenciam a algumas gráficas do Nordeste, como em Pernambuco, Paraíba e Ceará. Constituíram, assim, uma coleção do gênero que passou a ser revelada em exposições, guardada e conservada como acervo desse novo museu de arte. Esta recolha possibilitou a valorização da xilogravura vinculada ao cordel. Nossa cultura prevê como locais específicos onde a arte pode manifestar-se, os museu e galerias, que também conferem estatuto de arte aos objetos enobrecendo-os e garantindo-lhes o rótulo “arte” (COLI, 2006, p.32). Em 1962, o artista cearense Sérvulo Esmeraldo, também ligado ao Museu e à Universidade Federal do Ceará, residia em Paris. Por motivo de visita ao Juazeiro do Norte, acabou constituindo uma nova modalidade de criação popular para as xilogravuras. Encomendou uma série representativa da “Via Sacra” ao mestre Noza, publicando-as em 1965, na capital francesa, fundando assim a experiência inédita de criação de álbuns temáticos que passaram a ser comercializados dentro da perspectiva do mercado de arte, com numeração de cada gravura e assinatura do artesão/artista. Para os curiosos. Quer saber mais sobre a história do Museu de Arte da UFC (Mauc)? Acesse: mauc.ufc.br/sobre-o-mauc/ Se liga! Mestre Noza: Inocêncio Medeiros da Costa ou Inocêncio da Costa Nick, como dizia chamar-se, nasceu em Taquaritinga do Norte-PE, em 1897. Mudou-se para o Juazeiro do Norte em 1912, onde exerceu diversas atividades, entre as quais a de funileiro. A partir da década de 1930, tornou-se conhecido como artista popular, pelas criações de esculturas em madeira. Sua primeira escultura foi um são Sebastião, mas depois resolveu esculpir uma imagem do padre Cícero, levando-a para apreciação do sacerdote, que achou graça e perguntou: “Eu sou assim?”. Desde então fez milhares de imagens do padre (proclamado santo por devotos de diversas localidades do Brasil). Na década de 1950, recebeu encomenda de José Bernardo da Silva para fazer xilogravuras, tornando-se gravador. As ilustrações em zincogravura. Um dos pioneiros a introduzir ilustrações nas capas dos folhetos dos cordéis foi João Martins de Athayde, com o intuito de torná-los mais atraentes para o público consumidor. Para tanto, recorreu aos caricaturistas e desenhistas que faziam trabalhos para alguns jornais em Recife. A ideia conquistou o gosto dos leitores e logo passou a ser copiado por outros editores, inclusive os de centros distantes do seu, como em Juazeiro do Norte-CE. Athayde, para essa inovação, recorreu aos ilustradores que desenhavam cartazes de filmes para cinemas no Recife, aprendendo a reproduzir o rosto dos artistas, como também dos heróis das revistas em quadrinhos. Em meio aos processos criativos, decorreram as ilustrações impressas em zincogravura, que possibilitaram representações das imagens dos astros de Hollywood, o que acabou fazendo com que fossem empregadas, definitivamente, nas impressões das capas dos cordéis (MELO, 2003, p. 113-117). COSTELLA (1984, p. 65.) define Zincogravura como “uma técnica de gravura que utiliza a placa de zinco como matriz. O trabalho é feito revestindo-se uma chapa metálica, com material fotossensível e, em seguida, a chapa é submetida a uma fonte de luz que atravessa um negativo fotográfico. O processo equivale a fazer uma cópia fotográfica em chapa de metal, em vez de fazê-la em papel. O revestimento fotossensível endurece as partes que recebem luz e essas partes correspondem àquelas em que o negativo é transparente. Leva-se a placa para remover as partes moles do revestimento, isto é, aquelas que correspondem as áreas não iluminadas. Depois, a placa toma um banho de ácido. Este ácido ataca a placa nas áreas nuas e não afeta aquelas que permanecem cobertas pelo revestimento fotossensível endurecido. Logo se tem uma matriz metálica toda produzida fotoquimicamente. O processo citado foi empregado pela primeira vez em 1870, mas aplicadoA introdução da xilogravura nos folhetos. A Tipografia São Francisco, já citada, ocupou uma posição de destaque no mercado editorial no país. Como dissemos, a editora pertenceu a José Bernardo da Silva, que de vendedor ambulante dos folhetos de cordéis nas feiras regionais, dedicou-se ao universo da poesia popular adquirindo a anterior Folheteria Silva. Em 1949, esta Tipografia alcançou grande apogeu, a partir da compra dos direitos autorais dos folhetos de João Martins de Athayde. De posse desses direitos, José Bernardo aumentou a produção de cordéis e, consequentemente, suas vendas, ganhando o mercado nacional e tornando-se a maior produtora desse gênero literário no Brasil. A falta dos clichês de zinco para os folhetos fez com que Bernardo optasse por introduzir a técnica já utilizada nos jornais, a xilogravura, a partir do final dos anos 1940, ciente das dificuldades encontradas para obtenção e elaboração da zincogravura, que se configurava um procedimento mais elaborado de ilustração e de aquisição. Esta técnica só existia nos centros desenvolvidos, sobretudo em Recife. A partir da introdução da xilogravura nos cordéis, esses folhetos passaram a contar com a aplicação dos dois de gravura: a zinco e a xilogravura (RAMOS, 2010). Os primeiros xilógrafos buscaram imitar os clichês das zincogravuras e fizeram isso com grande maestria. A maioria dos gravadores procurados para confeccionar as ilustrações dos folhetos foram iniciados por José Bernardo da Silva. Alguns exerciam ofícios de ourives, outros eram escultores em madeira, mas a maior parte pertencia às classes menos abastadas e suas criações eram feitas como um meio de sobrevivência. Contudo, o que esses gravadores faziam era arte, mesmo sem escolaridade artística ou acesso aos círculos dos artistas profissionais. A técnica por eles utilizada “encontrou na ponta da faca sertaneja, no canivete de cortar fumo de rolo e até nas hastes de guarda-chuvas, uma perfeita adequação e tradução de todo um imaginário de princesas, dragões e mitos como Lampião e Padre Cícero” (CARVALHO, 2010, p.10). Alguns xilógrafos copiavam os clichês de zinco, o que não era problema entreeles. Outros elaboravam seus próprios desenhos a partir da própria criatividade. Um dos gravadores desse período, bastante admirado, foi Walderêdo Gonçalves. Para os curiosos. Nascido no Crato, no ano de 1920, Walderêdo se iniciou nas artes gráficas muito jovem, por meio de uma encomenda feita pelo editor José Bernardo, com a finalidade de compor a capa de um livro de oração. Seu primeiro trabalho foi um Cristo crucificado e, após a encomenda, ele deu continuidade ao ofício de gravador, onde se destacou pelo traço e estilo próprio. Seus desenhos apresentavam formas realistas, muitos detalhes e efeitos únicos de luzes e sombras. Confira: acordacordel.blogspot.com/2011/06/mestres-da-gravura.html comercialmente a partir de 1895.” Todos nós somos e temos um patrimônio. Você sabia que além dos bens de natureza material, como os conjuntos arquitetônicos e monumentos tombados como patrimônio, existem outros bens que também são importantes para comunidades e países, porém não são edificados? Fazem parte do patrimônio de uma sociedade as práticas, os saberes, as formas de expressão, as crenças, as técnicas e as celebrações que formam a sua identidade cultural e que nos são transmitidos através das gerações. Pois é, este conhecimento que não está nas paredes dos monumentos, nem nas bibliotecas ou nas escolas, mas no saber transmitido pelos nossos antepassados e pelos mestres, é o que denominamos de patrimônio cultural imaterial. Sabia que mesmo que não tenha nenhuma leitura anterior sobre o conceito de patrimônio imaterial, você participa de sua transmissão e preservação? É sim. Quando prepara uma tapioca no café da manhã, quando lê um folheto de cordel, quando faz aquela receita de doce que sua avó ensinou, quando participa de uma cerimônia religiosa ou de uma festa na comunidade em que vive, você está usufruindo e preservando o patrimônio cultural imaterial da sua localidade e, porque não dizer, da humanidade. Ao manter o costume, mesmo sem refletir sobre essas práticas no dia a dia, as pessoas estão preservando o patrimônio cultural imaterial. Através da vida familiar e da vida em sociedade, aprendemos a degustar os alimentos e nos acostumamos com os sabores das refeições. Aprendemos a cultivar os alimentos e a cozinhar, a rezar e a crer nos deuses, a encenar brincadeiras e a fazer brinquedos, a cantar e fazer instrumentos para o canto, a dançar e fazer tambores, a ler poesia, a ouvir histórias e a imaginar, entre outras tantas coisas. O patrimônio cultural é uma riqueza e, por isso, precisa ser reconhecido como um bem a ser preservado. Por isso, em nosso módulo, vamos discutir o que é patrimônio cultural imaterial, procurando entender de que maneira os seres humanos adquiriram a capacidade de produzir bens culturais, compreender o acesso ao patrimônio cultural como um direito humano e acompanhar passo a passo como um bem cultural é registrado como patrimônio imaterial no Brasil. Vamos agora recuar no tempo e analisar o sentido histórico da formação da diversidade cultural do planeta Terra, para compreender como adquirimos a capacidade de produzir bens culturais. Vamos lá? Pesquisas arqueológicas mostram que os hominídeos tiveram que enfrentar muitas adversidades, como as mudanças climáticas, o deslocamento de continentes, os predadores e a escassez de alimentos. Um exemplo disto ocorreu após o desaparecimento das florestas na África em razão da glaciação, há cerca de 5 milhões de anos. As mudanças no meio ambiente obrigaram esses grupos a buscar alimentos em outros ecossistemas. Esses desafios exigiram a adaptação dos nossos ancestrais e o desenvolvimento de outras habilidades. O andar bípede e a capacidade de utilizar e manejar as coisas com as mãos foram adaptações que trouxeram novas habilidades, como: lascar pedras, ossos e galhos para coletar alimentos; confeccionar instrumentos para a caça e para construir abrigos contra o frio, a chuva e os predadores. Para cada tipo de material e para cada finalidade foram produzidas ferramentas e técnicas diferentes. A confecção de potes para guardar água e transportar alimentos significou a sobrevivência em ambientes adversos. O controle do fogo foi, sem dúvida, um enorme passo na evolução humana. O controle do processo de produção de alimentos, que chamamos de agricultura, desenvolvida há cerca de 12 mil anos atrás, foi a descoberta mais importante para a autonomia dos grupos humanos. Por serem conhecimentos vitais para a perpetuação da espécie, passaram a ser aperfeiçoados e transmitidos de geração a geração. A necessidade de comunicação em grupo estimulou o desenvolvimento da linguagem. Tudo isto representou uma enorme capacidade de adaptação ao ambiente e de sobrevivência. Escavações arqueológicas comprovaram que nossos antepassados desenvolveram o sentido de proteção ritual dos mortos através do cuidado e da ornamentação dos corpos. A ritualização da morte tem um significado muito importante. O luto demonstra o respeito com os entes próximos, a noção de família e a crença na transcendência da morte, matriz do pensamento religioso. A confecção de colares, braceletes, a pintura de conchas e as pinturas rupestres revelam a capacidade de atribuição de um valor estético aos objetos, ao próprio corpo e aos lugares em que habitavam. A percepção da beleza, a atribuição de uma qualidade estética ao mundo que nos cerca é a matriz da criação artística. Os momentos mais importantes da vida, como o nascimento, a alimentação em grupo, a sexualidade, as relações familiares ou a morte passaram a ser revestidos de um significado mais amplo e ritualizado. A apreciação da beleza, a ideia de transcendência, a capacidade de representar a si mesmos e aos outros – como atestam as pinturas rupestres – significam o desenvolvimento de um traço distintivo da nossa espécie. Ao enfrentarmos adversidades e nos adaptando ao meio ambiente, desenvolvemos a capacidade de representar figuras, de comunicação, de atribuir valor simbólico a pessoas, aos animais e aos objetos. Esta capacidade intelectual, exclusiva da espécie humana, é chamada de cultura. Ao longo dos milhares de anos da presença humana na Terra, os grupos desenvolveram saberes os mais diversos. As ferramentas para o trabalho, formas de exprimir as emoções, a religiosidade, as práticas agrícolas, os modos de como produzir, transportar e conservar os alimentos, as brincadeiras, a musicalidade, as danças e os jogos com as palavras que deram origem à literatura. A oralidade, a culinária, a dança, a religiosidade, a literatura, a música, o teatro, o artesanato, os ofícios relacionados ao trabalho e ao lazer são algumas dessas linguagens e formas de expressão. A ação dos mestres – pessoas que preservam o saber coletivo e se tornaram guardiões das tradições – tem sido fundamental para a transmissão deste legado cultural ao longo do tempo. É no convívio entre as pessoas mais experientes, em geral idosas, com as crianças e jovens, que acontece o modo mais eficiente de transmissão das culturas. As culturas estão sempre em transformação. Ao longo da história, a vida social se tornou complexa e gerou conflitos em razão das diferenciações sociais, políticas, econômicas e religiosas. As hierarquias, as diferenças de classe social, as desigualdades e conflitos se traduziram em guerras, massacres, genocídios e escravização. Inúmeras formas de opressão, discriminação e exploração acarretaram a destruição e o desaparecimento de povos, línguas, costumes e tradições. É importante destacar os efeitos do colonialismo na Idade Moderna. Nações europeias ocuparam e exploraram territórios alheios, subjugando populações economicamente e impondo as suas crenças e práticas culturais sobre os povos dominados. As missões católicas e protestantes no continente americano, por exemplo, introduziram crenças desconhecidas até então das populações nativas. O colonialismo europeu no continente americano, a partir do século XVI, trouxe consequências terríveis para as populações indígenas que habitavam este território há pelo menos 12 mil anos. Inúmeras tribose alguns impérios foram dizimados e suas culturas desapareceram. A destruição do império Inca na região dos Andes, com uma população de 12 milhões de pessoas, ocorreu através do uso da violência pelos colonizadores espanhóis. A morte do líder inca Tupac Amaru, assassinado pelos espanhóis em 1572, representou o fim de uma civilização riquíssima culturalmente. O mesmo ocorreu com o império Asteca, localizado no atual México, com a ocupação da capital Tenochtitlan em 1521. A escravidão de milhões de africanos representou a criação de um sistema brutal de exploração da força de trabalho humana baseada no racismo. Os africanos trazidos à força como escravos para as Américas trouxeram consigo suas culturas e formaram nesse território sociedades marcadas pelas trocas culturais e por diversas formas de resistência cultural, como o sincretismo religioso. Se liga. Indústria cultural é um conceito criado pelos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer no livro Dialética do esclarecimento, publicado em 1944. Para os autores, a produção artística difundida através dos meios de comunicação de massa representava a decadência das culturas e a utilização desses veículos como instrumentos de manipulação e alienação da população. Você concorda com essas afirmativas? Por quê? Fundamente seus argumentos com exemplos do seu cotidiano. A partir do século XX assistimos também ao surgimento de um fenômeno novo na humanidade: a indústria cultural. Nos países industrializados, especialmente a partir da década de 1930, teve início a produção industrial de bens e produtos em larga escala. Daí o surgimento da fotografia, do cinema e da arte pop. Surgem os veículos de comunicação de massa, como o rádio, o jornal, a televisão e, mais recentemente, a internet. Este fenômeno produziu o aparecimento da chamada cultura de massa, ou seja, o desenvolvimento de bens culturais que são transformados em mercadorias para dar lucro a empresas, indústrias e aos países capitalistas. O aparecimento da indústria cultural promoveu transformações nas práticas culturais do mundo contemporâneo. Em muitos países, a chegada da cultura de massa interferiu drasticamente na cultura das comunidades. O fenômeno da globalização, que se aprofundou com a queda do Muro de Berlim em 1989, promoveu o comércio de bens culturais em uma escala sem precedentes. Produtos culturais industrializados, como filmes, discos e programas de televisão invadem comunidades, povos e nações, ameaçando uma padronização cultural do mundo. As regiões menos industrializadas e os países em desenvolvimento foram os espaços mais atingidos pela invasão de produtos culturais industrializados. Fenômenos como o êxodo rural, urbanização, a formação de grandes cidades e a concentração de populações pobres em áreas periféricas produziram inúmeras mudanças culturais. No entanto, as populações atingidas por esses problemas desenvolveram inúmeras estratégias de resistência cultural aos efeitos do colonialismo, da escravidão e da globalização sobre as culturas tradicionais. Pressões para a construção de políticas de proteção às comunidades tradicionais obtiveram algumas conquistas, especialmente através da Unesco, órgão das Nações Unidas, responsável pela proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural da humanidade. A proteção ao patrimônio cultural imaterial: definições e políticas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, no seu art. 27 afirma que “todo ser humano tem o direito de participar da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. A introdução de um artigo específico acerca do direito dos povos à proteção de sua vida cultural foi consequência do horror promovido pelo nazismo na Alemanha, sistema político liderado por Adolf Hitler, que motivou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para os curiosos. Confira a Declaração Universal dos Direitos Humanos na íntegra em: www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por Importante entender que o nacional-socialismo era uma ideologia de extrema-direita baseada na perseguição e extermínio daquelas pessoas e de culturas diferentes dos padrões culturais alemães (germânicos), considerados pelos nazistas como “seres superiores”. Ao assumir o poder, o Partido Nazista executou cerca de 11 milhões de pessoas entre judeus, ciganos, maçons, homossexuais, comunistas, testemunhas de Jeová, poloneses, soviéticos, pessoas com deficiências físicas ou mentais. Para cumprir essa determinação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Unesco aprovou, em 2003, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Este documento foi ratificado por 175 países e se tornou a principal referência na criação de políticas públicas para garantir a proteção a diversidade cultural como um direito de povos e nações, assim definindo o patrimônio imaterial: Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como parte de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do meio em que vivem, de sua interação com a natureza e da sua história e, confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade, promovendo assim, o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana. Para fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos, indivíduos e do desenvolvimento sustentável. No Brasil, antes mesmo desse documento da Unesco, a Constituição de 1988, no seu artigo 216, conceituou o patrimônio cultural brasileiro como os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, ação e a memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira”. Para os curiosos. No site do Iphan (portal.iphan.gov.br) você encontra a relação de todos os bens declarados como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Além disto, é possível baixar o dossiê de registro (que traz o inventário dos bens registrados) e documentários. No site do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (www.cnfcp.gov.br) você terá acesso aos documentos da Comissão Nacional de Folclore, que também produziu um inventário minucioso de diversas formas de expressão da cultura brasileira. No site da Unesco (nacoesunidas.org/agencia/unesco) você terá acesso à relação de bens registrados como patrimônio cultural da humanidade. O referido artigo define que o patrimônio cultural contempla as formas de expressão, a criação artística e tecnológica, os modos de viver, as obras, objetos, documentos e espaços destinados às manifestações artístico-culturais. Estabelece que cabe ao Estado, em colaboração com a sociedade, proteger o patrimônio cultural através dos mecanismos de inventários, registros, desapropriação e vigilância, bem como através da adoção de ações de cautela. Em 1997, a proteção ao patrimônio cultural no Brasil ganhou uma direção mais efetiva durante a realização do Seminário Patrimônio Imaterial: estratégias e formas de proteção, realizado no Ceará durante as comemorações os 60 anos do Iphan. Durante o Seminário foi divulgado o documento que ficou conhecido como a Carta de Fortaleza, que defendeu a adoção de uma política nacional de preservação do patrimônio cultural, implementada no Decreto nº 3.551/2000 que criou o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. Esta lei define que o modo como o patrimônio cultural deve ser identificado é através do registro e não do tombamento, como ocorre com o patrimônio material, pois os bens de natureza cultural são definidos como bens intangíveis. Parareceber o reconhecimento como patrimônio, as práticas culturais devem ser consideradas referências culturais, ou seja, transmitidas há várias gerações por meio da memória, marcando a identidade de grupos sociais e favorecendo o sentido de pertencimento dos indivíduos às suas comunidades de origem. Além de ser uma referência cultural, um saber-fazer para receber o título de patrimônio cultural imaterial brasileiro deverá ser aprovado no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. O Iphan é o órgão responsável por receber os pedidos de registro, que devem ser encaminhados por representantes da sociedade civil, instituições públicas ligadas aos poderes públicos de estados, municípios ou da União. Após acolher o pedido de registro, o Iphan realiza uma pesquisa documental junto aos locais e comunidades, recolhendo depoimentos de mestres, fotografias, registros sonoros, filmes, trabalhos acadêmicos, a fim de reunir o maior número de informações possíveis acerca do bem a ser registrado. Esta fase do processo de registro também é conhecida como inventário. A partir da documentação reunida é redigido um Dossiê de Registro que indicará em qual dos Livros de Registro o bem cultural deverá ser registrado: · Livro de Registro dos Saberes: onde são inseridos os conhecimentos e os modos de fazer que fazem parte da identidade cultural da sociedade. São técnicas de produção, habilidades próprias na produção de objetos que identificam grupos e comunidades. · Livro de Registro das Formas de Expressão: se referem às artes e linguagens através das quais as comunidades, grupos e etnias transmitem seus saberes, como a música, artes cênicas, literatura, pintura, dança. · Livro de Registro das Celebrações: são cerimônias que marcam a vida social de uma comunidade, como festas, procissões, romarias e celebrações rituais do calendário. · Livro de Registro dos Lugares: são incluídos os espaços que marcam a identidade coletiva, tais como feiras, mercados, lugares de devoção, santuários, praças, referência naturais. Se liga. O estado do Ceará foi um dos primeiros do país a criar uma lei específica de reconhecimento do saber dos mestres. A Lei nº 13.842/06 criou o Livro de Registro dos “Tesouros Vivos da Cultura”. Este livro reconhece o saber e as técnicas de pessoas, grupos e coletividades considerados relevantes para o fortalecimento da identidade cultural de comunidades no Ceará. O reconhecimento é dado por meio de um diploma. Aos mestres e grupos que comprovem estar em situação de vulnerabilidade econômica, o estado concede um auxílio financeiro. Esta Lei foi considerada um marco no reconhecimento do papel dos mestres na transmissão da cultura. Para ser reconhecido como patrimônio, um bem cultural precisa ser praticado há várias gerações. É necessário haver uma continuidade histórica, quando a comunidade possui um papel de manter o bem cultural vivo ao longo do tempo. Após ser reconhecido, o bem registrado passa a receber a proteção do Estado contra a apropriação indevida. O Estado também passa a ter a obrigação de promover políticas públicas que garantam a sua salvaguarda e divulgação, destinando recursos para esse fim. Para que as ações de salvaguarda possam ser realmente implantadas é fundamental a participação dos detentores, ou seja, das pessoas que fazem parte da comunidade onde aquele bem cultural é vivido no cotidiano. Esta participação deve se dar por meio da atuação da comunidade e dos mestres. A população precisa ter vez e voz na gestão de seu patrimônio. A salvaguarda do patrimônio cultural deve ser democrática e compartilhada entre os poderes públicos e a sociedade. No Brasil, instituições como o Iphan e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, além de diversas associações culturais, organizações da sociedade civil (OSCs), grupos culturais, universidades contribuíram com ações, pesquisas e diversas formas de atuação para o reconhecimento e a proteção do patrimônio cultural brasileiro. E, aliás, no seu bairro ou cidade, você conhece um grupo ou alguém que poderia ser considerado um Tesouro Vivo? Para os curiosos. Quer conhecer a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial na íntegra? Acesse: ich.unesco.org/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf Reconhecendo e identificando nossos saberes e formas de expressão. Todos os brasileiros são herdeiros dos costumes e técnicas desenvolvidas pelas comunidades indígenas que ocuparam o continente americano há pelo menos 12 mil anos. Na Amazônia, assim como nos territórios conhecidos atualmente como Nordeste, Sudeste e Sul, achados arqueológicos de diversos povos mostram como os primeiros grupos que habitaram esses lugares desenvolveram técnicas de caça e a produção de artefatos, como esculturas, urnas funerárias e pinturas rupestres. Além da relação com a sobrevivência, a produção de artefatos possui a função ritual, demonstrando as crenças partilhadas coletivamente. Os Wajãpi são índios que vivem atualmente nas regiões banhadas pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá, e pertencem à tradição e língua tupi-guarani. Esses povos desenvolveram um complexo sistema artístico através da pintura corporal, confecção de cestos, armas de caça, tecelagem e objetos de madeira. Esses materiais recebem uma técnica de pintura, chamada Kusiva, que se caracteriza por padrões gráficos específicos. Os desenhos e formas geométricas pintados nos objetos e nos corpos dos habitantes das aldeias representam animais, objetos, partes do corpo e crenças a respeito da origem desse povo. A técnica de pintura e padrões gráficos representam um sistema de comunicação, uma linguagem própria daquele grupo e uma forma de expressão. Em 2002. A arte Kusiva foi registrada como patrimônio cultural imaterial pelo Iphan. No ano seguinte, foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Você sabia disso? Havia ouvido falar desses índios e/ou da arte Kusiva? Pois além da arte Kusiva, herdamos dos antepassados indígenas a cestaria, a olaria, diversas técnicas agrícolas, o uso da farinha de mandioca, o hábito de dormir em redes, a sabedoria do uso das plantas medicinais. Todos esses saberes resistiram à destruição da maior parte das comunidades nativas e são preservadas principalmente pelos povos residentes na Amazônia, onde se encontra o maior número de terras tradicionalmente ocupadas e reservas indígenas. Esses grupos, ainda hoje, preservam o saber dos primeiros habitantes do território brasileiro. Além da herança cultural indígena, a cultura brasileira é formada pela presença de manifestações culturais vindas da África durante a escravidão. Uma diversidade cultural que já existia há milhares de anos no continente africano, o berço da humanidade. Os povos bantos, angola, jejês e yorubás, além dos malês e hauçás (convertidos ao islamismo) trouxeram diversas crenças, costumes, religiões e formas de expressão para o Brasil. Durante o processo da diáspora negra (imigração forçada de africanos na condição de escravizados), os africanos que vieram para o Brasil conseguiram preservar muitos seus costumes como um modo de resistir à escravidão. Enfrentando as diferentes formas de racismo e o preconceito racial, a identidade africana se afirmou na sociedade brasileira. A diversidade cultural do Brasil é marcada pela cultura afro-brasileira da qual somos todos herdeiros e guardiões. O candomblé e a umbanda são as mais importantes expressões da religiosidade afro-brasileira. O samba de roda do Recôncavo baiano, o tambor de crioula do Maranhão (mistura de canto, dança circular, percussão, coreografia e umbigada) e o jongo (dança coletiva com tambores e saudações praticadas pelos escravos nas fazendas de café e de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) são formas de expressão que reúnem diversas linguagens, saberes e crenças. Através do preparo do acarajé (bolinho consumido na África Ocidental e que veio para o Brasil por meio dos escravizados), as baianas de Salvador perpetuam um modo de fazer uma iguaria que surgiu como oferenda aos orixás e possui umsignificado simbólico na cultura afro-brasileira. Na Bahia, no final dos anos 1970, militantes do movimento negro, pesquisadores, estudantes, carnavalescos e políticos começaram a denunciar a decadência e a descaracterização da capoeira. Naquele momento, as academias tradicionais de capoeira estavam desaparecendo e a prática estava perdendo suas características como forma de expressão de matriz africana, sendo introduzida nas escolas apenas como uma arte marcial, um esporte. A capoeira havia perdido seu sentido cultural e isso seria uma perda de referências não só para os milhões de brasileiros de descendência africana, para os descendentes de escravizados que mantiveram a capoeira como uma prática de resistência cultural, mas para todos os cidadãos brasileiros que deixariam de ter acesso à diversidade cultural da nossa sociedade. Assim, em 2008, a roda de capoeira foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil. No Iphan, a roda de capoeira foi inscrita em dois livros de registro: por se expressar através do jogo, da dança e da música, dos elementos das religiosidades afro-brasileiras, a capoeira foi inscrita como uma forma de expressão. Mas a roda de capoeira tem um outro aspecto muito importante: a transmissão deste saber através dos seus mestres. Por este motivo, o ofício dos mestres que produzem os instrumentos, que fazem a roda de capoeira acontecer, que ensinam as músicas, os golpes, o ritmo e as danças aos mais jovens foi inscrito no Livro dos Saberes. Depois, em 2014, a roda de capoeira seria reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Atualmente é praticada em 115 países. No Brasil é presenciada em todos os estados, sendo mais presente na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e no Ceará, onde é praticada a partir da década de 1970 por meio de mestres pioneiros, como Zé Renato, Zé Ivan, João Baiano, Everaldo Ema, Rafael Magnata, Armando, Jorge Negão e mestra Vanda Dias. Em 2018, a literatura de cordel e a xilogravura foram reconhecidas pelo Iphan como patrimônio cultural do Brasil. Foi em forma de versos que os poetas redigiram o pedido de registro ao Iphan, em 2010: Aqui eu peço clemência A quem manda no poder É só uma questão de querer E de tomar providência Não se trata de exigência Só falta encaminhamento Deste projeto atento Dizendo claro e fiel Queremos para o cordel Seu registro e tombamento. João Batista Melo A literatura de cordel tem uma relação muito próxima com a poesia cantada de improviso, conhecida como repente. É um gênero literário que possui três características essenciais: métrica, rima e narrativa. A poesia em versos chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses. Ao final do século XIX, a cantoria se tornou uma prática cultural muito difundida, especialmente na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. No início do século XX surgiram as primeiras tipografias destinadas exclusivamente a impressão dos folhetos de cordel, como vimos no módulo 4 de nosso curso. Os poetas de cordel se tornaram artistas muito populares nas feiras e em mercados públicos e o cordel ganhou o apelido de “jornal do sertão”. As histórias de príncipes e princesas, as narrativas sobre o cangaço, sobre padre Cícero, sobre as secas e sobre o cotidiano da população contribuíram para tornar o cordel um gênero literário extremamente popular, passando a ter seus folhetos ilustrados com xilogravuras. Os cangaceiros, João Grilo e o Pavão Misterioso passaram a fazer parte do imaginário social dos brasileiros. Os cearenses tiveram o privilégio de usufruir do saber de inúmeros cordelistas, repentistas e xilógrafos. Da mesma forma que muitos sertanejos no passado aprenderam a ler por meio dos cordéis, atualmente, a literatura de cordel tem sido bastante difundida nas escolas e contribui para a formação da aprendizagem de crianças e jovens. Em alguns municípios, como Mauriti, no sul do Ceará, a literatura de cordel e o repente fazem parte do currículo das escolas municipais. Para os curiosos. Na sua cidade ou estado, quais as expressões culturais imateriais que você considera reveladoras da identidade da sua sociedade? Elas já foram registradas pelo Iphan ou por outros órgãos de preservação do patrimônio? Anterior Reconhecendo e identificando nossos saberes e formas de expressão. Todos os brasileiros são herdeiros dos costumes e técnicas desenvolvidas pelas comunidades indígenas que ocuparam o continente americano há pelo menos 12 mil anos. Na Amazônia, assim como nos territórios conhecidos atualmente como Nordeste, Sudeste e Sul, achados arqueológicos de diversos povos mostram como os primeiros grupos que habitaram esses lugares desenvolveram técnicas de caça e a produção de artefatos, como esculturas, urnas funerárias e pinturas rupestres. Além da relação com a sobrevivência, a produção de artefatos possui a função ritual, demonstrando as crenças partilhadas coletivamente. Os Wajãpi são índios que vivem atualmente nas regiões banhadas pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá, e pertencem à tradição e língua tupi-guarani. Esses povos desenvolveram um complexo sistema artístico através da pintura corporal, confecção de cestos, armas de caça, tecelagem e objetos de madeira. Esses materiais recebem uma técnica de pintura, chamada Kusiva, que se caracteriza por padrões gráficos específicos. Os desenhos e formas geométricas pintados nos objetos e nos corpos dos habitantes das aldeias representam animais, objetos, partes do corpo e crenças a respeito da origem desse povo. A técnica de pintura e padrões gráficos representam um sistema de comunicação, uma linguagem própria daquele grupo e uma forma de expressão. Em 2002. A arte Kusiva foi registrada como patrimônio cultural imaterial pelo Iphan. No ano seguinte, foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Você sabia disso? Havia ouvido falar desses índios e/ou da arte Kusiva? Pois além da arte Kusiva, herdamos dos antepassados indígenas a cestaria, a olaria, diversas técnicas agrícolas, o uso da farinha de mandioca, o hábito de dormir em redes, a sabedoria do uso das plantas medicinais. Todos esses saberes resistiram à destruição da maior parte das comunidades nativas e são preservadas principalmente pelos povos residentes na Amazônia, onde se encontra o maior número de terras tradicionalmente ocupadas e reservas indígenas. Esses grupos, ainda hoje, preservam o saber dos primeiros habitantes do território brasileiro. Além da herança cultural indígena, a cultura brasileira é formada pela presença de manifestações culturais vindas da África durante a escravidão. Uma diversidade cultural que já existia há milhares de anos no continente africano, o berço da humanidade. Os povos bantos, angola, jejês e yorubás, além dos malês e hauçás (convertidos ao islamismo) trouxeram diversas crenças, costumes, religiões e formas de expressão para o Brasil. Durante o processo da diáspora negra (imigração forçada de africanos na condição de escravizados), os africanos que vieram para o Brasil conseguiram preservar muitos seus costumes como um modo de resistir à escravidão. Enfrentando as diferentes formas de racismo e o preconceito racial, a identidade africana se afirmou na sociedade brasileira. A diversidade cultural do Brasil é marcada pela cultura afro-brasileira da qual somos todos herdeiros e guardiões. O candomblé e a umbanda são as mais importantes expressões da religiosidade afro-brasileira. O samba de roda do Recôncavo baiano, o tambor de crioula do Maranhão (mistura de canto, dança circular, percussão, coreografia e umbigada) e o jongo (dança coletiva com tambores e saudações praticadas pelos escravos nas fazendas de café e de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) são formas de expressão que reúnem diversas linguagens, saberes e crenças. Através do preparo do acarajé (bolinho consumido na África Ocidental e que veio para o Brasil por meio dos escravizados), as baianas de Salvador perpetuam um modo de fazer uma iguaria que surgiu como oferenda aos orixás e possui umsignificado simbólico na cultura afro-brasileira. Na Bahia, no final dos anos 1970, militantes do movimento negro, pesquisadores, estudantes, carnavalescos e políticos começaram a denunciar a decadência e a descaracterização da capoeira. Naquele momento, as academias tradicionais de capoeira estavam desaparecendo e a prática estava perdendo suas características como forma de expressão de matriz africana, sendo introduzida nas escolas apenas como uma arte marcial, um esporte. A capoeira havia perdido seu sentido cultural e isso seria uma perda de referências não só para os milhões de brasileiros de descendência africana, para os descendentes de escravizados que mantiveram a capoeira como uma prática de resistência cultural, mas para todos os cidadãos brasileiros que deixariam de ter acesso à diversidade cultural da nossa sociedade. Assim, em 2008, a roda de capoeira foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil. No Iphan, a roda de capoeira foi inscrita em dois livros de registro: por se expressar através do jogo, da dança e da música, dos elementos das religiosidades afro-brasileiras, a capoeira foi inscrita como uma forma de expressão. Mas a roda de capoeira tem um outro aspecto muito importante: a transmissão deste saber através dos seus mestres. Por este motivo, o ofício dos mestres que produzem os instrumentos, que fazem a roda de capoeira acontecer, que ensinam as músicas, os golpes, o ritmo e as danças aos mais jovens foi inscrito no Livro dos Saberes. Depois, em 2014, a roda de capoeira seria reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Atualmente é praticada em 115 países. No Brasil é presenciada em todos os estados, sendo mais presente na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e no Ceará, onde é praticada a partir da década de 1970 por meio de mestres pioneiros, como Zé Renato, Zé Ivan, João Baiano, Everaldo Ema, Rafael Magnata, Armando, Jorge Negão e mestra Vanda Dias. Em 2018, a literatura de cordel e a xilogravura foram reconhecidas pelo Iphan como patrimônio cultural do Brasil. Foi em forma de versos que os poetas redigiram o pedido de registro ao Iphan, em 2010: Aqui eu peço clemência A quem manda no poder É só uma questão de querer E de tomar providência Não se trata de exigência Só falta encaminhamento Deste projeto atento Dizendo claro e fiel Queremos para o cordel Seu registro e tombamento. João Batista Melo A literatura de cordel tem uma relação muito próxima com a poesia cantada de improviso, conhecida como repente. É um gênero literário que possui três características essenciais: métrica, rima e narrativa. A poesia em versos chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses. Ao final do século XIX, a cantoria se tornou uma prática cultural muito difundida, especialmente na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. No início do século XX surgiram as primeiras tipografias destinadas exclusivamente a impressão dos folhetos de cordel, como vimos no módulo 4 de nosso curso. Os poetas de cordel se tornaram artistas muito populares nas feiras e em mercados públicos e o cordel ganhou o apelido de “jornal do sertão”. As histórias de príncipes e princesas, as narrativas sobre o cangaço, sobre padre Cícero, sobre as secas e sobre o cotidiano da população contribuíram para tornar o cordel um gênero literário extremamente popular, passando a ter seus folhetos ilustrados com xilogravuras. Os cangaceiros, João Grilo e o Pavão Misterioso passaram a fazer parte do imaginário social dos brasileiros. Os cearenses tiveram o privilégio de usufruir do saber de inúmeros cordelistas, repentistas e xilógrafos. Da mesma forma que muitos sertanejos no passado aprenderam a ler por meio dos cordéis, atualmente, a literatura de cordel tem sido bastante difundida nas escolas e contribui para a formação da aprendizagem de crianças e jovens. Em alguns municípios, como Mauriti, no sul do Ceará, a literatura de cordel e o repente fazem parte do currículo das escolas municipais. Para os curiosos. Na sua cidade ou estado, quais as expressões culturais imateriais que você considera reveladoras da identidade da sua sociedade? Elas já foram registradas pelo Iphan ou por outros órgãos de preservação do patrimônio? Introdução. São nomeadas celebrações, as festas e rituais que marcam a vivência coletiva de um grupo social, sendo consideradas importantes para a sua cultura, memória e identidade. Acontecem em territórios específicos e podem estar relacionadas à religião, à prática de determinados ofícios, aos ciclos do calendário etc. Essas celebrações são eventos de sociabilidade durante um determinado momento do ano, quando há mobilização e organização dos indivíduos e grupos com regras diferenciadas, distribuição de papéis sociais, preparo e consumo de bebidas e comidas, produção de vestuário, trajetos e percursos. Na lista de bens culturais já inscritos no Livro de Registro das Celebrações do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como integrantes do patrimônio imaterial brasileiro, estão: · O Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA); · O Complexo Cultural do Boi Bumbá do Médio Amazonas e Parintins (AM); · O Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão (MA); · A Festa do Divino Espírito Santo de Paraty (RJ); · A Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis (GO); · As Festividades do Glorioso São Sebastião na Região do Marajó (PA); · A Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha (CE); · A Festa de Sant´Ana de Caicó (RN); · A Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim (BA); · A Procissão do Senhor dos Passos de Santa Catarina (SC); · Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe (MT); · Romaria de Carros de Bois da Festa do Divino Pai Eterno de Trindade (GO); · Festa do Bembé do Mercado de Santo Amaro (BA). Apresentaremos, neste módulo, alguns exemplos de celebrações, ressaltando a diversidade cultural que elas representam. Imagine quantos povos diferentes, com suas respectivas culturas, que aqui já estavam ou chegaram nesse território que hoje chamamos Brasil, contribuíram para a existência dessas celebrações. Afinal, tradições são inventadas, sustentadas e reinventadas a partir das trocas culturais entre os indivíduos e grupos que recebem e repassam, oral e gestualmente, seus pensamentos e hábitos. Preparem-se conhecer algumas dessas celebrações tradicionais que ilustram nosso módulo. Se liga! Você conhece alguma das celebrações citadas? Leu sobre elas? Viu na televisão ou no cinema? Assistiu a um documentário? Vivenciou de perto? Conhece alguma outra celebração que não consta nesta lista? Compare seus conhecimentos prévios com o que você está descobrindo agora, neste módulo. O Círio de Nazaré. O Círio de Nazaré ocorre há mais de duzentos anos na cidade de Belém, estado do Pará. É considerada uma das maiores festividades católicas das Américas. Em razão de sua importância histórica, foi o primeiro bem cultural inscrito no Livro de Registro das Celebrações, pelo Iphan (2004). Depois, em 2013, foi considerado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) como Patrimônio Cultural da Humanidade. História e mito se fundem para contar como a celebração começou. Por volta de 1700, o caboclo Plácido José dos Santos encontrou, num igarapé, uma pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré e a levou para casa. No dia seguinte, ao acordar, a imagem não estava onde ele havia colocado. Foi até o tal igarapé, o local onde ela havia sido encontrada, e lá estava ela. O fato teria ocorrido novamente nas semanas seguintes, até que a imagem foi levada à sede do Governo do Pará e ficou protegida por guardas. Ainda assim, ela teria voltado ao lugar onde foi vista pela primeira vez. Gotas de orvalho e carrapichos em seu manto eram a “prova” da sua longa caminhada. Seu descobridor, então, construiu uma pequena capela em homenagem à santa. A notícia do “milagre” se espalhou e a cada ano aumentava o número de pessoas indo à cabana, ofertando ex-votos para reconhecer as graças alcançadas. A partir de então a Coroa Portuguesa decidiu aproveitaras peregrinações e passou a estimular a realização de grandes feiras, a fim de estimular a movimentação econômica para Belém. A palavra círio tem origem no latim e significa “vela grande”. O primeiro Círio teria acontecido em junho de 1793. O então governador da província ficou doente e prometeu que se sobrevivesse faria uma procissão para conduzir a imagem do local mítico do seu achado até a igrejinha construída para a sua devoção, hoje transformada na Basílica de Nazaré. Assim foi feito. Como a procissão inicialmente era realizada à noite, usavam-se os círios, ou seja, as velas. Mestiços e indígenas de diversos grupos vinham juntar-se aos colonos locais e comercializar baunilha, tabaco, cacau, guaraná, urucum, ceras, velas e outros artigos religiosos. “Apesar da iniciativa do primeiro Círio ter partido de um governante, historicamente a procissão representa o predomínio de uma romaria de origem popular sobre as fórmulas tradicionais de origem oficial.” (Iphan, 2006 p.18). A festa inicia-se oficialmente na terça-feira que antecede ao segundo domingo de outubro, estendendo-se por mais 15 dias. A primeira atividade é a descida da imagem original, que permanece durante todo ano no altar da Basílica de Nazaré. Ela é colocada num pedestal, no altar-mor, durante o restante da quadra nazarena, para ficar mais próxima dos devotos. No último dia da festa, logo antes da missa do Recírio, é feita a celebração da subida, quando a imagem retoma seu lugar, até o ano seguinte. Já a imagem peregrina segue nas procissões de trasladação, antes do Círio propriamente dito. O percurso tem aproximadamente cinco quilômetros. Perpassa parte do centro histórico de Belém, por lugares como o Mercado Ver-o-Peso. A santa é conduzida em carreata, da Basílica até a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças, que fica em Ananindeua, município vizinho de Belém. Lá, permanece durante a noite, acompanhada por uma vigília de fiéis. Depois, a imagem segue em romaria fluvial pelo rio Guajará, até o porto de Belém, acompanhada de barcos, canoas, jet skis, encontrando lá os moto-romeiros. Iluminados por velas, milhares de fiéis lavam a berlinda circundada por uma corda. O tamanho desta corda variou com o tempo. Hoje, mede aproximadamente 450 metros. Ao final da procissão, os devotos se amontoam para retirar pedaços do sisal, que afirmam ser milagroso. Devotos seguem descalços, formando um grande cordão humano. Cerca de dois milhões de pessoas seguem a imagem até a Basílica de Nazaré. A santa repousa durante uma semana, exposta ao público, até que acontece o Recírio. A celebração possui sentidos sagrados, mas também profanos, numa performance que se interconecta. Um elemento essencial é o arraial: ponto de encontro, local de comércio, das brincadeiras, da comida, da bebida e do jogo. É onde se encontram o velho e o novo da festa. O almoço do Círio ainda é muito tradicional para os paraenses. O pato no tucupi e a maniçoba são os pratos típicos servidos, num evento que é prática religiosa e reunião familiar. A Festa de Iemanjá, Brasil afora. Apartir da década de 1980, acontece uma transformação na sociedade brasileira. Motivados pelas lutas de resistência à ditadura civil-militar, com acúmulo teórico e prático de estudos sobre as culturas afro-brasileiras e organizados em movimentos reivindicatórios, ativistas iniciam o reconhecimento da cultura afro-brasileira e indígena como depositárias da memória de significativa parcela da população nacional. Foi a primeira vez, em 1986, dentro da Fundação Pró-Memória, hoje Iphan, que um templo afro-brasileiro foi tombado e passou a ser reconhecido como herança cultural nacional: o Ilê Axé Nassô Oká. Também conhecido como Casa Branca, esse é o primeiro espaço de culto afro-brasileiro onde se reconheceu “o valor do acervo de bens culturais neles encerrados” (SERRA, 2005 p.171). Uma das principais manifestações da cultura afro-brasileira é a celebração à Iemanjá, considerada a mãe de todos os orixás, que habita as águas salgadas dos oceanos. Esta divindade é adorada Brasil afora, em várias cidades e, desde a última década, as festividades em torno dela vêm sendo reconhecidas como patrimônio cultural em diferentes locais do país. Desde 2011, a festa realizada nas praias cariocas da cidade do Rio de Janeiro é registrada como patrimônio imaterial municipal. Sua imagem é lembrada especialmente no dia 31 de dezembro, quando assistimos ao já famoso ritual de pular as ondas durante a virada do ano. Uma das mais famosas festas de Iemanjá é a da cidade da Salvador, no dia 2 de fevereiro. Na capital baiana, Iemanjá é sincretizada com Nossa Senhora dos Navegantes (Candeias), a “protetora dos pescadores”. O antigo Mercado dos Peixes do Rio Vermelho é o ponto de encontro de milhares de devotos e turistas que chegam para agradecer as graças alcançadas, ofertando presentes que seguirão de barco para o mar. Recentemente, em 1º de fevereiro de 2020, a celebração foi registrada como patrimônio imaterial municipal. Numa reelaboração do simbolismo das águas, a festa também é realizada em locais onde não há mar. É o caso da Festa de Iemanjá no Lago Paranoá, em Brasília, que tornou-se patrimônio distrital, no ano de 2018. Em Belo Horizonte, capital mineira, a celebração foi registrada pelo munícipio em 2019 e acontece às margens da Lagoa da Pampulha, em um parque arborizado. Em Fortaleza, Ceará, os festejos para a orixá também foram patrimonializados pela Secretaria Municipal de Cultura (SecultFOR). Ela acontece há pelo menos cinquenta anos, na Praia do Futuro, no dia 15 de agosto, embora desde 2014 também se realize na Praia de Iracema, no dia 14. A aprovação do Comphic (Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza) ocorreu em 2017, ratificando o trabalho de pesquisa etnográfica para compor o dossiê do registro, elaborado entre 2016 e 2017. Segundo Ismael Pordeus (2002), desde a década de 1950, Mãe Júlia Condante se estabeleceu em Fortaleza e institucionalizou a Umbanda, criando um local para cultuar Iemanjá, conforme foi ensinado no Rio de Janeiro. A União Espírita Cearense de Umbanda (Uecum), entidade fundada por Mãe Júlia, é a principal responsável pela organização da cerimônia. No dia 14 à noite, os umbandistas se põem a dançar, tocar e cantar na Praia de Iracema, maior polo turístico da capital. É, sobretudo, um espírito de comunhão que tenta quebrar barreiras do racismo arraigado na sociedade brasileira. A Umbanda representa uma religiosidade de acolhida dos excluídos e marginalizados, tal como Iemanjá, a mãe de todos, que não deixa ninguém desamparado. Nas primeiras horas da manhã do dia 15, da sede da Uecum, no centro da cidade, sai um cortejo em carro aberto até a Praia do Futuro, com a imagem de Iemanjá. Quem consegue segui-lo, escuta os tambores sincopando a marcha, enquanto mães e pais de santo entoam as cantigas dos orixás, caboclos, pretos velhos e outros guias espirituais. Os participantes levam consigo as ofertas que serão entregues para a orixá numa jangada que irá percorrer o trajeto mar adentro. Ao longo do dia, revezam-se as músicas na extensa faixa de areia. Os tambores, as maracas e agogôs criam a orquestra semiológica para evocar as entidades, compartilhando conhecimento e conforto com os fiéis. Em tempos de crescimento de denominações religiosas que demonizam essas religiões de matriz indígena e africana, a estratégia do “povo de santo” é aparecer na esfera pública e tentar reafirmar sua influência na cultura nacional. Esses grupos têm denunciado o racismo religioso (não apenas a intolerância religiosa, termo bastante usado até pouco tempo). Em outras palavras, a questão não é tolerar uma religião diferente. O problema é que as agressões, em geral, são desferidas especialmente contra as religiões de matriz afro-indígenas, diferente do que acontece com outras denominações que não são alvo desses agressores. Além das dificuldades originadas no racismo de feição religiosa, os organizadores da Festa de Iemanjá sofrem também com questões práticas do cotidiano da cidade.Algumas dessas situações estão relatadas no dossiê do registro, que prevê sugestões e indicações para dirimir os problemas que dificultam a realização da festa. Mesmo com algumas precariedades, é perceptível a singularidade e a originalidade da Festa de Iemanjá em Fortaleza. Anterior Como patrimonializar uma celebração. pós ilustrarmos nosso módulo com a descrição de algumas dessas celebrações – esperamos que vocês procurem conhecer as demais –, vamos entender como é possível patrimonializá-las. Muitas manifestações culturais do povo brasileiro só ganharam status de patrimônio cultural após a publicação do Decreto nº 3.551/2000, do Iphan, que regulamentou o artigo 216 da Constituição Federal Brasileira de 1988, definindo o conceito de patrimônio cultural imaterial, disciplinando o seu registro e criando o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). O PNPI, posteriormente, foi regulamentado pela Portaria Iphan nº 200/2016, que criou uma Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial. Antes dos anos 2000, somente a dimensão material do patrimônio nacional (edificações, monumentos, coleções) era oficialmente reconhecida e salvaguardada pelo Estado brasileiro, por meio do instrumento de tombamento, que poderia ser solicitado por qualquer pessoa física ou jurídica, de forma voluntária ou compulsória. A partir do Decreto nº 3.551/2000, apenas pessoas jurídicas, como associações da sociedade civil, instituições vinculadas ao Ministério da Cultura e Secretarias de Cultura (estaduais, municipais e do Distrito Federal), com a anuência dos detentores das referências culturais de caráter imaterial, podem solicitar o registro dessas referências. Nesse sentido, a solicitação de registro deve estar acompanhada de informações históricas sobre o bem (textos, fotografias, ilustrações, vídeos, gravações sonoras etc.), além de declaração formal da comunidade expressando seu conhecimento sobre os trâmites do registro. Quando o Iphan se certifica da anuência da comunidade, seus técnicos iniciam a elaboração de um dossiê detalhado, mapeando as informações e estudos acerca da manifestação cultural indicada. Depois, o dossiê é apresentado ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado de decisão máxima dentro da instituição, formado por especialistas de diversas áreas do conhecimento, que representam órgãos governamentais e da sociedade civil organizada. Apenas após o aceite do dossiê, por parte do Conselho, é que o bem pode ser registrado em um ou mais Livros de Registro (Saberes; Formas de expressão; Celebrações; Lugares). Posteriormente é elaborado um plano de salvaguarda para o bem registrado. Esse plano tem o objetivo de possibilitar condições de continuidade ao bem, listando iniciativas e ações a serem tomadas pelo poder público, a sociedade civil e os seus legítimos detentores. De acordo com as regras do Iphan, após dez anos do registro realizado, é necessário revalidar esse registro, com o objetivo de analisar as mudanças e permanências da atividade enquanto referência cultural, avaliando se ela continua a ser importante e quais as novas questões de sustentabilidade que se colocam depois desse período de tempo. O Círio de Nazaré, por exemplo, foi revalidado em 2016. Além do registro, há outros instrumentos de valorização do patrimônio imaterial, que tanto o Estado, como os próprios grupos sociais detentores, pode realizar. Para os curiosos Para saber mais detalhes sobre a Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, leia o documento Saberes, fazeres, gingas e celebrações: ações para a salvaguarda de bens registrados como patrimônio cultural do Brasil, 2002-2018, disponível em: portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/sfgec.pdf São os Inventários dos Bens Culturais, experiências cada vez mais participativas e protagonizada por agentes comunitários de um determinado território. Importante atentar ao seu papel em sua comunidade na observância de novos possíveis bens culturais de natureza imaterial. O Iphan estabeleceu uma metodologia, tanto para inventários, quanto para orientar os estudos dos dossiês de registro que são aprovados. É o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) que serve de base para obtenção de dados históricos, socioantropológicos e ambientais, com os quais se avaliará quais as melhores ações patrimoniais a serem tomadas. O Iphan não é o único órgão responsável pela preservação do patrimônio cultural no Brasil. Os estados e municípios brasileiros também possuem instituições responsáveis pela preservação patrimonial, que muitas vezes replicam, adequam ou aperfeiçoam a legislação federal apresentada, de acordo com a realidade local. Nesse sentido, muitos bens culturais podem não ser patrimonializados em âmbito nacional, mas podem conseguir reconhecimento e proteção nas esferas estaduais e municipais. Há casos, como vimos, de bens que “acumulam” essa proteção, em diferentes níveis, no país. Aliás, vimos ainda nesse fascículo que há bens que são representativos não apenas para determinados grupos sociais de um munícipio, estado, região ou nação. São representativos para a história da humanidade. Nessas circunstâncias, a Unesco é a instituição internacional que se encarrega dos procedimentos necessários para a sua preservação, junto aos países detentores desse patrimônio. Celebrar a diversidade. Você já percebeu que a construção de um patrimônio cultural não ocorre do dia para noite. É necessária sua consolidação na memória coletiva de um expressivo contingente da sociedade. O tempo é fator fundamental nesta equação, aliado a uma ação coletiva dos sujeitos, que dá o tom do que vai servir de referência, do que elegemos para ser lembrado. Sempre que imaginamos uma “festa”, pensamos em momentos de lazer ou descanso. Imaginamos uma perspectiva de oposição ao trabalho. Entretanto, as atividades ligadas às celebrações significam mais do que isso. São momentos de reorganização social, de congregação e renovação dos laços fraternais. Há os momentos oficiais, de tom formal e racional, quando o sagrado se expressa nas orações, nas caminhadas. Mas há também momentos de brincadeira, euforia e crítica às condições precárias de vida de boa parte dos envolvidos. Em razão de nossa colonização católica portuguesa, as manifestações dessa origem já chegaram sedimentadas, mas a influência indígena e negro-africana nas práticas culturais, religiosas ou não, estão presentes em boa parte do nosso cotidiano. Se liga Após ler esse fascículo, pense: no seu bairro, município ou estado existem celebrações que poderiam ser elevadas à categoria de patrimônio imaterial brasileiro? Ou registradas como patrimônio imaterial estadual ou municipal? Como você poderia contribuir para o debate acerca da patrimonialização dessas celebrações? Mãos a obra! Essa diversidade de visões de mundo é a riqueza da cultura brasileira. É a inovação sociotécnica que nos permitiu viver e sobreviver em meio a dificuldades do nosso território. Por mais que o Iphan tenha sido fundado em 1937, somente décadas depois que os monumentos e símbolos negros e indígenas tornaram-se, então, objetos de preservação. Deste modo, o Estado começou a reconhecer a importância da herança que esses povos imprimiram à formação da sociedade brasileira. Para Laura Cavalcanti (2019), o conceito de patrimônio cultural imaterial, do qual as celebrações fazem parte, foi o instrumento sensível para a incorporação de amplos e diversos conjuntos de processos culturais nas políticas públicas relacionadas à cultura e à construção de referências de identidade e memória para diferentes grupos sociais. A oralidade, as formas do conhecimento tradicional, os sistemas de valores, os modos de vida, as expressões festivas e artísticas estão agora inclusas nas políticas patrimoniais. É o reconhecimento, finalmente, que somos grupos e sujeitos plurais, múltiplos e diferentes. Apresentação. Não se encontra o espaço, é sempre necessário construí-lo. (Bachelard). Para compreendermos a categoria “lugar” no vasto e complexo mundo do patrimônio cultural brasileiro,vamos trilhar por três vias distintas, mas que se entrecruzam constantemente. São elas: · Uma breve abordagem conceitual sobre os termos lugar, espaço e local numa perspectiva patrimonial; · A análise do “lugar”, objetiva e legalmente como categoria patrimonial, no âmbito dos processos de patrimonialização dos bens imateriais; · Uma avaliação de casos específicos da patrimonialização de “lugares”, seja pelo tombamento ou pelo registro, buscando uma visão que aponte para a compreensão da preservação do patrimônio integral. Conceitos e obras abordados aqui são oriundos do trabalho de pensadores ocidentais, cuja trajetória inspirou a profissionais do campo patrimonial brasileiro. Abordagens outras, como a perspectiva decolonial ou os processos patrimoniais orientais, embora já nos cheguem ao conhecimento, não serão alvo de nossa empreitada, visto que ainda se encontram distantes de uma real incorporação na práxis preservacionista do patrimônio cultural brasileiro. Quando Michel de Certeau (1998) propôs, em sua obra A invenção do cotidiano, uma distinção entre “lugar” e “espaço”, nos trouxe uma reflexão sobre as operações que estabelecem esses conceitos. A despeito de o historiador francês ter especificado nesta obra a cidade como lócus de suas reflexões, podemos, por analogia, estender suas proposições a outras geografias, que não apenas a urbana. A cidade em sua materialidade plasmada em ruas, praças ou jardins, no sentido estrito de seu planejamento e construção, por exemplo, pode ser lida como um lugar, sem significações simbólicas relevantes para os sujeitos, que não estabelecem com ele qualquer vínculo relacional. É a partir do habitar a cidade que ela passa a ser significada e pode ser transmutada em espaço. Assim, podemos dizer que o espaço é aquele lugar ocupado, apropriado e transformado pelos sujeitos que ali transitam e o (res)significam a partir de suas vivências particulares e sociais. Espaço que nunca é um dado natural e é sempre construído. Podemos pensar ainda sobre este trânsito entre o lugar e o espaço, resultante da ação dos sujeitos, como um ato socialmente compartilhado. Daí se criam permissões e interdições, tácitas ou explícitas, conflitos e harmonizações que se inserem nas disputas de poder pelo discurso significativo e hegemônico do lugar. Então, se fazem escolhas, se determinam memórias e interpretações sobre as vivências ali realizadas. O espaço é, portanto, resultante de um campo de disputas, interações, barganhas, conquistas e derrotas O espaço, apesar de vivido individualmente pelos sujeitos, vai se configurando num lugar comum, compartilhado, possibilitando uma referência cultural que possa significar o coletivo e não apenas o sujeito individual. O lugar, em sua ampla acepção, depois de significado, pode remeter a uma ou a várias identidades, pode constituir-se num lugar de memória, como afirmou o francês Pierre Nora (1993). Lugares de memória. Pierre Nora pontua uma série de possibilidades materiais e simbólicas para caracterizar o que ele define como lugar de memória. Para o autor, os aspectos “material, funcional e simbólico” constitutivos do “lugar de memória” são coexistentes e, necessariamente, a relação entre eles é que caracteriza a experiência ali vivida, dando-lhe sentido e significado. Conservam em si uma memória social do acontecimento, que é transmitida pelas épocas que se sucedem a outros sujeitos que ali não viveram, mas que se identificaram com ele e com o que ali sucedeu no passado, sob o selo do pertencimento histórico. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um lembrete concentrado de lembrar (NORA, 1993, p. 21-22) GRIFOS NOSSOS. Por sua vez, a memória, que vem se agregar ao lugar, é compreendida como um pilar dos bens patrimoniais, que lhe são elementos constitutivos e indissociáveis, conjuntamente à identidade. Conforme Candau: Se identidade, memória e patrimônio são ‘as três palavras-chave da consciência contemporânea’ – poderíamos, aliás, reduzir a duas se admitirmos que o patrimônio é uma dimensão da memória – é a memória, podemos afirmar, que vem fortalecer a identidade, tanto no nível individual quanto no coletivo: assim, restituir a memória desaparecida de uma pessoa é restituir a sua identidade (2012, p. 16). Locais da recordação. Podemos cruzar a definição de Pierre Nora com o intuito de ampliar a compreensão da noção de lugares – sempre na perspectiva patrimonial –, com outra cunhada pela pensadora alemã Aleida Assmann e apresentada em seu livro Espaços de recordação: formas e transformações da memória cultural. Locais da recordação são fragmentos irrompidos da explosão de circunstâncias de vida perdidas ou destruídas. Pois, mesmo com o abandono e a destruição de um local, sua história ainda não acabou; eles retêm objetos materiais remanescentes que se tornam elementos de narrativas e, com isso, pontos de referência para uma nova memória cultural. Esses locais, porém, são carentes de explicações; seus significados precisam ser assegurados completamente por meio de tradições orais. A continuidade que tenha sido destruída pela conquista, pela perda e pelo esquecimento não pode ser reconstruída em um momento posterior, mas pode se reestabelecer o acesso a ela no médium da recordação (ASSMANN, 2011, p. 328-329) Com a noção de “locais da recordação”, Assmann incorpora e amplia aos lugares o sentido de mediadores na renovação da memória cultural. Não são os lugares em si, mas o que neles está contido e como eles são acessados pelos indivíduos e grupos sociais que deles se apropriam, sempre no presente, que os pode fazer seguir existindo, por vezes determinando-os sob nova significação e sentido. Essas ideias iniciais visam ampliar nosso entendimento do que são os lugares, espaços e locais, em especial quando associados ou implicados diretamente à questão patrimonial, o que pode ocorrer de modo oficial, quando o Estado age na patrimonialização de bens culturais, ou de forma não-oficial, quando a sociedade civil realiza, sem a formalidade e a legalidade do Estado, os processos patrimoniais. O registro e a patrimonialização dos “lugares”. Para fins de proteção patrimonial aos lugares e seus aspectos imateriais, temos no registro, no inventário e nos planos de salvaguarda os instrumentos de preservação legal. Como já sabemos, esses instrumentos estão dispostos no Decreto nº 3.551/2000, aquele mesmo que rege a patrimonialização dos bens imateriais, criando o instrumento de acautelamento desses bens e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). Neste decreto são arrolados os Livros de Registro, entre os quais se encontra o Livro de Registro dos Lugares, que traz de forma sucinta os aspectos que conceitualmente estamos explorando desde o início deste fascículo: IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Compreendemos que, de modo geral, o texto legal deve ter a escrita concisa, coerente e objetiva. Talvez, por este motivo, é que no trecho aqui abordado, lugar e espaço sejam utilizados sem maiores distinções conceituais, o que poderia causar estranhamento e questionamentos diversos de nossos leitores e cursistas. Contudo, dada a distinção estilística entre o texto legal e o texto científico, não entraremos neste debate, sendo esta apenas uma observação pontual, mas necessária para não confundir ninguém. Pois bem, a proposta do legislador, num primeiro momento, pode nos soar restrita, configurando o lugar apenas no seu aspecto material. Mas ao seguirmos a leitura desta definição, doisoutros aspectos nos permitirão compreender a amplitude da concepção de “lugar” inseridas no texto da lei. Quando o legislador escreve “espaço”, refere-se a determinados lugares (mercados, feiras, santuários e praças), identificando-os como locais de práticas culturais coletivas. Você consegue perceber aí, então, a conformidade com as reflexões de Michel de Certeau, Pierre Nora e Aleida Assmann, anteriormente abordadas em nosso fascículo? Para os cuiosos. Para consultar o texto integral do Decreto nº 3.551/2000, acesse o endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm E para uma maior compreensão do conceito e dos processos de patrimonialização dos bens imateriais, consulte a Cartilha Patrimônio Cultural Imaterial, disponível no site do Iphan, no seguinte endereço: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/cartilha_1__parasabermais_web.pdf As ações humanas dadas num determinado “espaço” configuram-se como formadoras deste mesmo espaço. Quando significadas coletivamente e assim incorporadas às tradições próprias do local, dão a este o seu sentido. Tornam este espaço, como afirma Assmann, local da recordação, cujo acesso às práticas ali criadas e vividas se dá pela repetição, garantidora da continuidade histórica, pela (re)vivência, mediada pela memória dos sujeitos do presente, que reconhecem e se identificam com esta trajetória. Bens imateriais registrados na categoria “lugares”. Entre os 47 bens imateriais já registrados como patrimônio cultural brasileiro, listamos aqueles especificamente inscritos no Livro de Registro dos Lugares. São eles, por distribuição regional: · Nordeste: Feira de Caruraru (PE); Feira de Campina Grande (PB). · Norte: Cachoeira de Iauaretê: lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri (AM); · Sul: Tava, lugar de referência para o povo Guarani (RS). As regiões Sudeste e Centro Oeste não apresentam ainda bens registrados ou em Processo de Instrução para Registro na categoria “lugares”, restando nessa última condição apenas a Feira de São Joaquim, em Salvador (BA), também no Nordeste. Como podemos ver, nesta pequena lista acima se sobressai a região Nordeste com dois registros. Ambos são feiras públicas tradicionais. Também observamos que no Sul e no Norte do país a característica comum é o pertencimento a povos indígenas. Essas observações nos permitem algumas reflexões e questionamentos quanto à valoração e a determinação conceitual dos bens registrados na categoria “lugares”. Até o momento há uma prática de inscrever os bens culturais de natureza imaterial em apenas um dos Livros de Registro (Celebrações; Saberes; Formas de Expressão; Lugares), caracterizando-os univocamente, quando muitos poderiam transitar em mais de uma categoria. Um destes bens, ao qual nos deteremos um pouco mais, é a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha, no Ceará, que você, cursista, conheceu bem pela apresentação em módulo anterior. A Festa está registrada exclusivamente no Livro de Registro das Celebrações. Contudo, considerados o Parecer Conclusivo do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) e o Parecer do Conselho Consultivo do Iphan, bem como o texto Alguns registros sobre a Festa de Santo Antônio, do historiador Igor Soares (2013), podemos evocar a força do “lugar/espaço” na constituição patrimonial deste bem. Diversos são os pontos no Parecer do DPI que denotam a força motriz do “lugar” como constituinte desta festa/celebração. Entre eles, nos atemos àquele redigido no item III, sobre o “objeto do registro”: Após o árduo trajeto, marcado por diversas paradas em pontos referenciais da zona rural e urbana da cidade, no qual também muitas brincadeiras ocorrem, o Cortejo do Pau chega à Praça da Matriz de Santo Antônio, onde a bandeira com a imagem do padroeiro da cidade será enfim hasteada. Neste momento, milhares de espectadores e participantes da festa assistem entusiasmados o levantamento do Pau da Bandeira, deixando explícita a devoção barbalhense ao santo padroeiro e a permanência da tradição local (BRASIL, 2015a, p. 24) Se liga. O processo de instrução para o registro de um patrimônio imaterial começa quando a sociedade civil organizada ou uma instituição governamental solicitam o registro junto ao órgão de proteção e, ao pedido, são agregados uma pesquisa documental e de campo sobre o bem cultural a ser registrado, um diagnóstico sobre sua vulnerabilidade, recomendações para a sua salvaguarda, além de comprovantes da mobilização social do grupo detentor do bem para a sua inscrição em um dos Livros do Patrimônio Imaterial: Celebrações, Lugares, Saberes e Formas de Expressão. Para consultar toda a lista de bens imateriais registrados ou em Processo de Instrução para Registro, consultar as listas na página do Iphan, nos endereços: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/606 e http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/426/ O trajeto geograficamente marcado no território, desde o sítio na zona rural, donde se extrai o mastro da bandeira, até a praça da matriz (carregamento do pau) onde o mesmo é fincado para o hasteamento da flâmula, são claramente compreensíveis como “espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas”, sendo destas um eminente condicionante para a sua realização. Neste sentido, uma questão sobre a qual necessariamente temos de tratar refere-se ao processo do corte, carregamento e hasteamento do pau da bandeira de Santo Antônio. Todo o cortejo do pau da bandeira evoca a noção de devoção e sacrifício em torno do santo padroeiro. (...) E, para além de uma integração social, ocorre uma proximidade entre o meio natural e o meio urbano, entre o tradicional e o moderno, garantindo uma espécie de comunhão simbólica, que evidentemente envolve pessoas e os diferentes espaços da cidade (BRASIL, 2015a, p. 198) É nessa confluência de diferentes “espaços da cidade”, dessa proximidade entre o “meio natural e o meio urbano”, suscitada pelo trajeto do cortejo celebrativo, que além do que se realiza em cada lugar ocupado, percebe-se a inegável relação entre as categorias lugar e celebração. Os lugares ocupados por usos peculiares, desde aqueles do trabalho, da brincadeira, do profano, àqueles do sagrado, do ritual oficial, tramam e reafirmam a teia desta integração no espaço da festa. O historiador Igor Soares, no que se refere à patrimonialização da festa, inseriu uma nova perspectiva para a sua abordagem e leitura. Perceba: Não restam dúvidas de que a Festa de Santo Antônio, como construção paisagística de Barbalha, reflete sobremaneira uma referência cultural da cidade; a festa sintetiza, portanto, uma ideia de uma coerência comunitária da sociedade de Barbalha expressa por meio de construções ritualísticas e performáticas que convergem a um elemento central – a fé em Santo Antônio (SOARES, 2013, p. 244) Ou seja, ao aproximar da Festa do Pau da Bandeira à noção de paisagem, já difundida no meio patrimonial, embora ainda não incorporada definitivamente às práticas preservacionistas brasileiras, esses historiadores abrem espaço para uma abordagem mais ampla e integrativa do patrimônio cultural. Assim, analisar uma celebração, é pensar sobre o conjunto da sua realização, sobretudo na relação entre a sua configuração espacial e as práticas culturais que “nelas” e tão somente “com elas” se realizam. Para os cuiosos. Sobre a noção de paisagem consultar as obras: Paisagem e memória, de Simon Schama (1996); A invenção da paisagem, de Anne Cauquelin (2007). Para a interface entre a paisagem e o patrimônio cultural, consultar: Paisagem cultural e patrimônio, de Rafael Winter Ribeiro (Iphan, 2007) disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/SerPesDoc1_PaisagemCultural_m.pdf Minuta da Portaria Iphan nº 127, de 30.04.2009, que “define paisagem cultural brasileira e estabelece a chancela como instrumento de reconhecimento do patrimônio cultural”: https://www.normasbrasil.com.br/norma/portaria-127-2009_214271.html Tomemos agora a Cachoeira do Iauaretê como outro exemplo de patrimônio imaterial registrado.Ressaltamos as considerações do antropólogo Roque de Barros Laraia, em seu parecer apresentado ao Conselho Consultivo do Iphan, em 2 de agosto de 2006: (...) Um lugar somente pode ser considerado como passível de registro como Patrimônio Cultural Imaterial, quando uma população lhe atribui importantes significados culturais que estão vinculados à sua história, à sua mitologia e a sua própria identidade cultural. Este é o caso da Cachoeira do Iauaretê. (...) Considerando a importância simbólica de abrir o Livro dos Lugares com um espaço geográfico que recebeu atribuições culturais bem antes da formação do nosso país (BRASIL, 2006, p. 7 -10) A reiterada atribuição de significados simbólicos específicos ao lugar é destacada novamente, como frisa o próprio antropólogo em seu parecer, entre tantos outros similares que nos remetem à identidade cultural dos diferentes povos indígenas do Amazonas. O específico do local (ASSMANN, 2011, p. 319) é também o comum, compartilhado entre os diversos povos, como figura no Dossiê de Registro: O que há de comum é, de fato, passível de circular em um domínio público; já o conhecimento a respeito do que é particular se restringe às unidades e subunidades desse extenso sistema social, isto é, aos grupos exogâmicos e seus clãs componentes específicos (BRASIL, 2008, p. 83). Uma perspectiva do patrimônio integral. Analisemos agora o tombamento do Sítio Histórico do Patu, na cidade de Senador Pompeu (CE), realizado em julho de 2019, pela Prefeitura Municipal, questionando a eficácia deste instrumento e a necessidade do reconhecimento do uso conjunto do registro como forma de garantir a preservação integral do bem, dada a sua condição de lugar geográfico e espaço de peregrinação religiosa na atualidade. O recorte espacial Sítio Histórico do Patu compreende edificações remanescentes do ano de 1919, acrescidas de outras do ano de 1932, totalizando 12 edifícios (integrais, em ruínas e inconclusos), que inicialmente serviram de suporte às obras de construção da barragem do Patu e, posteriormente, à administração do Campo de Concentração do Patu. Para os cuiosos. Os campos de concentração foram erguidos pelo governo do estado do Ceará, em dois períodos: 1915 e 1932. Eram espaços de aprisionamento para evitar que os retirantes da seca, saídos do interior em busca de socorro e sobrevivência, muitos deles doentes, famintos, em andrajos, chegassem ao centro da capital, Fortaleza. Para saber mais sobre o tema, consultar: a. Isolamento e poder. Fortaleza e os Campos de Concentração na seca de 1932, de Kênia Rios. Disponível aqui. b. Das santas almas da barragem à caminhada da seca: projetos de patrimonialização da memória no sertão central cearense (1982 – 2008), de Aterlane Martins. Disponível aqui c. Assista ainda o longa-metragem Currais, ganhador do Prêmio Abraccine na categoria Melhor Filme Brasileiro de Diretor Estreante, na 43° Mostra Internacional de Cinema, realizada em outubro de 2019, na cidade de São Paulo. Deste conglomerado de edificações nos importa, para a análise, o Cemitério da Barragem, dada a sua configuração e uso passado e atual. Esse lugar permite a rememoração dos episódios vividos ali na década de 1930 e os atualiza socialmente, em pequena ou em larga escala quando, respectivamente, as famílias o visitam em culto privado aos seus mortos ou quando realizam a Caminhada da Seca, na qual milhares de devotos o tomam em romaria, desde os anos 1980. É no “campo santo” que hoje melhor se situa o sentido e o significado das memórias do Campo de Concentração. O tombamento em questão abrange esta edificação apenas no aspecto físico do lugar (o muro de alvenaria, o território cercado, as pequenas construções religiosas ali erigidas, os túmulos e seus cruzeiros). Cabe-nos retomar a premissa que nos guiou até aqui: a compreensão do processo de transformação do lugar em espaço; do vestígio material em espaço significado, abarcando nessa passagem o aspecto patrimonial: Conjuntamente à dimensão imaterial sobre a qual se fundam estas crenças e práticas devocionais legadas no cotidiano familiar, comunitário, permanece também deste momento inicial um vestígio palpável, material, um espaço sagrado. O campo santo: o Cemitério da Barragem. Ali, onde foram enterrados e repousam os mortos da epidemia de cólera em 1932, é o local por excelência para o exercício de culto às Santas Almas. (MARTINS, 2017, p. 48) Este cemitério, lugar construído, traz em si os aspectos material, funcional e simbólico que os sujeitos lhe aplicaram ao longo da história e isto lhe garante a condição de lugar de memória. Há, contudo, uma importante prática cultural e religiosa a considerar, que dota este espaço de significativo valor imaterial: a devoção às Santas Almas da Barragem, que no nosso entendimento é o que sustentou, sustenta e amplia a “vida” do local. Acreditamos que é nesta confluência entre o material e o imaterial que o bem cultural deve ser visto e preservado, a despeito do trabalho ficar pela metade, incompleto e incorreto, quando apenas uma dimensão do bem é protegida pelos atos formais do Estado. O tombamento e o registro são instrumentos acessórios entre si para a real proteção do bem na condição de “lugar”, assim se considera também a sua dimensão imaterial, pois não há atribuição de significado e sentido dado pelas práticas culturais que se substancie de outra maneira. Lembramos, então, que nos é muito importante que o(a) cursista procure ler nossas indicações e procurem similaridade em seu município ou estado de casos de tombamento e registro e os analisem à luz do que aprenderam por aqui e dos casos aqui ilustrados. Apresentação. A Plataforma MuseusBR do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museu) indica a existência de 3.801 museus cadastrados no Brasil, entre públicos e privados. Os moradores de São Paulo e Rio Grande do Sul são os estados brasileiros que mais possuem unidades museológicas no país, com 665 e 465 museus, respectivamente. Quando olhamos para o resto do mundo, os números surpreendem ainda mais. A 26ª edição da publicação Museums of the World (2019) apresenta informações de mais de 55 mil instituições museológicas espalhadas por 202 países! Faço, então, um convite aos participantes do nosso curso: reflitam sobre o que é um museu, a partir da história dessa instituição e de suas transformações, sempre questionando: museu é patrimônio? Ao fim da jornada, quem sabe você não se torna também um agente dos museus e do patrimônio na sua comunidade? Se liga!. Você se lembra qual foi a primeira vez que visitou um museu? Você sabia que muitos brasileiros nunca visitaram um museu e talvez passem a vida inteira sem vivenciar esta experiência? Para os curiosos. A Plataforma MuseusBR foi implementada em 2015, ampliando o Cadastro Nacional de Museus (CNM). Está interligada ao Mapas Culturais, outra plataforma gerenciada pelo governo federal, com o objetivo de fornecer informações mais detalhadas sobre o setor museológico brasileiro, de modo colaborativo. Acesse a plataforma e veja quais museus há em seu bairro, cidade e estado: museus.cultura.gov.br O que é um museu?. Em 2019, o Icom (Conselho Internacional de Museus, sigla em inglês) buscou dar mais um passo em sua longa tentativa de definir o que é um museu, sem, no entanto, chegar a um consenso. E isso não é por acaso. Afinal, o mundo dos museus é extremamente vasto, representando pessoas e modos de viver inteiramente diferentes uns dos outros. Vamos trabalhar aqui com a definição disponível desde 2007 pelo próprio Icom: Um museu é uma instituição permanente, aberta ao público e sem fins lucrativos a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e do ambiente para fins de educação, estudo e deleite. Ainda que a definição proposta não tenha um valor legal, pois é elaborado por uma organização internacional não-governamental, ela tem sido utilizada com fins normativos nos diversos Estados Nacionais que possuem museus e buscam desenvolverpolíticas públicas para tais instituições. É o caso da Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus e deu outras providências relativa ao campo museológico brasileiro. Logo em seu primeiro artigo, afirma-se: Art. 1º. Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Parágrafo único. Enquadrar-se-ão nesta Lei as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades. (BRASIL, 2009). Assim, quando você observa as duas definições – do Icom e do Estatuto de Museus – percebe que ambas possuem a mesma raiz, destacando que os museus devem estar a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que tal serviço acontece por meio de processos de conservação, pesquisa e comunicação do patrimônio (material, imaterial ou natural) de uma sociedade, entendendo a interpretação, a educação e a exposição como algumas das faces do processo de comunicação museológica. Saiba Mais. Em setembro de 2019, realizou-se em Quioto, Japão, a 25ª Conferência Geral do Icom, quando o debate sobre uma nova definição de museu aconteceu. As discussões foram acaloradas e, por isso, suspensas temporariamente. A proposta discutida foi a seguinte: “Os museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifônicos para um diálogo crítico sobre o passado e o futuro. Reconhecendo e enfrentando os conflitos e desafios do presente, eles guardam artefatos e espécimes para a sociedade, salvaguardam diversas memórias para as futuras gerações e garantem direitos iguais e acesso igual ao patrimônio para todos os povos. Os museus não são lucrativos. Eles são participativos e transparentes, e trabalham em colaboração ativa com e para várias comunidades, a fim de coletar, preservar, investigar, interpretar, expor e expandir os entendimentos do mundo, com o propósito de contribuir para a dignidade humana e justiça social, para igualdade mundial e bem-estar planetário”. E você, o que pensa obre essa definição? Perguntamos: será que tais definições servem para todos os museus? Será que um museu deixa de ser museu por não cumprir com uma ou mais dessas funções? Você sabia que um museu não deixa de ser museu por estar temporariamente fechado? Claro que não, pois inúmeras outras atividades – exceto a visitação do público – permanecem ocorrendo mesmo a portas fechadas, como as ações de conservação, pesquisa e comunicação, que não se referem especificamente às exposições apresentadas na sede do museu. É o caso do Museu do Ceará, em Fortaleza, cujo trabalho interno está preparando a instituição para as obras de restauro no Palácio Senador Alencar, sede da instituição, um bem tombado a nível federal, em 1973. O fechamento temporário também se justifica para permitir a reestruturação de sua exposição de longa duração, realizando assim um conjunto de ações que se enquadram na musealização dos patrimônios salvaguardados pela instituição. Um museu não vira uma empresa, instituição que tem por fim o lucro, ao cobrar ingressos ou abrir uma loja de souvenires, pois tais ações são subsidiárias à sua manutenção, como forma de colaborar com o financiamento das diversas atividades que são necessárias para o seu bom desenvolvimento, já que os custos de conservação dos patrimônios, incluindo a do próprio prédio da instituição, a manutenção do quadro de profissionais envolvidos, assim como os equipamentos e materiais permanentes, são elevados. Nem todos os museus estão abertos ao público no momento, no Brasil ou fora dele. Alguns sequer vão voltar a abrir as suas portas para visitação, como aqueles que neste momento estão sendo saqueados ou destruídos em zonas de guerra. Há aqueles vitimados pelas intempéries da natureza, assim como pelo descaso da própria humanidade, mesmo guardando artefatos e referências culturais que um grupo de pessoas resolveu proteger, não apenas para si, mas para os outros membros desse coletivo que chamamos humanidade. Os museus podem ser compreendidos ainda, como afirma Pierre Nora (1993), como lugares de memória, no sentido de que os grupos organizadores desses espaços têm sempre uma intenção de memória, que nunca é neutra. Esses museus são campos de disputa que objetivam o controle das representações do pretérito, seja ele mais recente ou muito antigo. Essa chave interpretativa nos permite analisar os museus de história, que buscam refletir sobre as ações da humanidade no tempo, até os museus de arte contemporânea, que no seu processo de colecionamento ativo vão criando o passado da arte em tempo real, por meio das referências culturais dos grupos envolvidos na sua gestão. As definições do que é um museu podem diferir em maior ou menor grau, mas existe um consenso: independente da forma, do meio ou das práticas, tais instituições devem cumprir três funções específicas: (1) função científica, relacionada à produção do conhecimento; (2) função educativa, relacionada à capacidade de educar por meio do patrimônio e (3) função social, quando a instituição integra essas funções e atua junto com a sociedade que o circunda. Pequeno percurso dos museus no Ocidente. Os museus que existem hoje têm uma história. Seja longa e gloriosa, mas não sem percalços, como o Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro (RJ), considerada a mais antiga instituição museal brasileira, em atividade, mesmo após o terrível incêndio que o vitimou, em setembro de 2018, ironicamente data em que eram celebrados os seus 200 anos de atividade. Outros já têm uma história mais modesta, mas não menos audaciosa e inovadora, como é o caso do Memorial do Homem Kariri, da Fundação Casa Grande, localizado na cidade de Nova Olinda (CE), na chapada do Araripe. Sediado em um prédio que estava em ruínas há décadas e restaurado em 1992, apresenta em seu acervo – além da própria sede, considerada sua primeira “peça” – acervo lítico e cerâmicas que são relacionados com os aspectos mitológicos da região. Um destaque desse museu é que sua equipe é composta por crianças e jovens que participam de atividades formativas nas áreas de gestão cultural, arqueologia e museologia. Mas se esses dois museus são tão diferentes entre si, há uma característica que os une: um coletivo de pessoas, ao longo do tempo, decidiu que valia a pena preservar algo (material e imaterial) para as futuras gerações, como referência da sua identidade cultural e o fez a partir de um processo de colecionamento. Assim, independentemente do nome, do tamanho e da história, museu e patrimônio são temáticas inseparáveis Essa relação, no entanto, nunca foi linear, ainda que possamos falar das origens do termo museu na Antiguidade (museum, no latim; mouseion, no grego). Tais denominações remontam ao Templo dedicado às Musas, sendo o mais famoso deles o Mouseion de Alexandria, fundado aproximadamente no século III a.C., que sobreviveu por quase seis séculos, até ser destruído. Segundo Edward e Mary Alexander (2008), possuía estátuas de pensadores, papiros, instrumentos cirúrgicos e astronômicos, parque botânico e zoológico, com funções próximas àquelas que atribuímos hoje às universidades ou centros de estudo, nos quais importantes pesquisadores viviam e estudavam. É interessante observar que apesar do Mouseion apresentar um conjunto de funções diversas daquelas que atribuímos hoje aos museus, já possuíam coleções públicas de objetos valorizados por sua importância histórica, estética, religiosa ou mágica, frequentemente armazenadas e expostas em templos. Durante a Idade Média (entre os séculos X e XV), as igrejas, catedrais e monastérios foram os lugares frequentemente usados para venerar relíquias de santos, produzindoarte em diversos metais e pedras preciosas, manuscritos e outros objetos protegidos por seus fins religiosos, estéticos e históricos. Tais coleções também se beneficiaram das ações das Cruzadas (séculos XI a XV), que produziam imensos espólios, tanto para a Igreja, quanto para soberanos do continente europeu, legando aos museus um estado de dormência conceitual. Isto significa que a vontade de memória e prática de colecionamento relacionada a ela permanece como uma característica da sociedade ocidental, mas seus fins, práticas, funções e sujeitos envolvidos diferem daquilo que entendemos por museu hoje. No início da Idade Moderna (séculos XV a XVIII) surgem as galerias e os gabinetes de curiosidades ou wunderkammer, com especial representatividade, respectivamente, na Itália e na Alemanha, lugares fruto do humanismo do Renascimento, do expansionismo ultramarino europeu e do mercantilismo. As galerias eram lugares específicos para a apresentação de quadros e esculturas, compostas por um longo corredor com iluminação proveniente de apenas um lado. Já os gabinetes eram lugares menores, normalmente quadrados, com uma tipologia extremamente diversa de objetos colecionados, tais como animais empalhados, exemplares de botânica, joias, curiosidades de outros povos e lugares trazidos pelos navegantes. Tais lugares, porém, eram frequentemente restritos aos seus proprietários, fossem eles príncipes, reis, papas ou grandes comerciantes de uma burguesia em ascensão. Também é nesse período que surgem os jardins botânicos em universidades, de modo a possibilitar o estudo sistemático do mundo vegetal. Para os curiosos. Sobre o Memorial do Homem Kariri, da Fundação Casa Grande, veja: www.facebook.com/fcgmhk/ O ato de colecionar coisas do mundo natural e da sociedade, por parte dos soberanos, para fins de deleite, pôde ser verificado ainda entre os Aztecas, povo pré-colombiano que vivia no território que atualmente é o México. Um de seus governantes, Montezuma II, mantinha casas de passatempo onde existiam jardins com tanques de água doce e salgada, diversas linhagens de felinos e aves aquáticas da região, além de uma equipe especializada no cuidado com os animais. No século XVII, as coleções, antes de acesso restrito, tornaram-se um modelo mais próximo do que temos hoje, com acervos protegidos em prol do interesse público, num movimento vinculado à criação de leis de proteção ao patrimônio artístico, como em Florença (1602) e Roma (1624 e 1745). Em 1671, é aberto ao público, na Universidade de Basel, Suíça, o Amerbach Kabinett, cuja coleção fora adquirida dez anos antes. Em 1683, na cidade de Oxford, Inglaterra, inaugurou-se o Ashmolean Museum, fruto da coleção pessoal de Elias Ashmole, que no ano anterior doara seu acervo para a Universidade de Oxford, instituição que mantém o museu aberto até os dias de hoje, sendo considerado o mais antigo do mundo em atividade. É nesse movimento de abertura das coleções, ainda muito restrita aos pesquisadores e intelectuais, que vai sendo forjada a ideia dos museus públicos. É no século XVIII que se firmam as bases para os Museus de História Natural, que serão influenciados pelo Iluminismo, desejosos de erudição e conhecimento sobre os mundos da natureza, desenvolvendo técnicas de organização e classificação, aplicando o ideal de Razão em um processo de ordenamento do mundo conhecido por meio dos objetos colecionados, cuja prática se associou fortemente ao pensamento enciclopédico. As consequências da Revolução Francesa (1789), que marca o início da Idade Contemporânea, mostram a expansão e consolidação, no continente europeu, de políticas de preservação do patrimônio, nas quais se incluem os museus. Em 1793, o Palácio do Louvre é aberto ao público como Museu da República, alterando o estatuto dos objetos de valor histórico e artístico confiscados junto à realeza, à Igreja e aos emigrados, que se tornam um patrimônio nacional a ser identificado, catalogado, protegido e exposto aos cidadãos. O século XIX é considerado o século dos museus. Foi o momento no qual se criaram redes de museus fundados no período, em diversos países, buscando dar conta da construção de memórias e identidades nacionais, educação estética e a popularização da ciência. Os acervos, pesquisadores e conhecimentos circulavam sobre o mundo que se conhecia e se ordenava por meio das peças colecionadas e do próprio mundo museal, com seus sistemas sendo desenvolvidos e transformados em cada país, por meio dos intercâmbios científicos E no Brasil?. É também no século XIX que são fundados alguns dos mais importantes e antigos museus do Brasil, como o Museu Real (hoje Museu Nacional), em 1818; a Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes (RJ), em 1851, que deu origem ao Museu Nacional de Belas Artes; o Museu Paraense Emílio Goeldi (PA), em 1866; o Museu Paranaense (PR), em 1876, e o Museu Paulista (SP), em 1895. Tais modelos foram sedimentando uma forma de pensar os museus calcada no cientificismo, protagonizado notadamente pela atuação do Império brasileiro, assim como pelos presidentes de província e intelectuais do período. Na história dos museus brasileiros houve também experiências de colecionismo privado, que originaram museus ainda no século XIX, mas que infelizmente não sobreviveram às provas do tempo, como o Museu Simoens da Silva (RJ), em 1879; e o Museu Rocha (CE), em 1894. O primeiro teria uma feição mais próxima de um gabinete de curiosidades, incluindo obras de arte, armas, móveis, entre outros objetos colecionados por Simoens da Silva, descendente da aristocracia imperial, que o fundou quando tinha oito anos de idade, com fragmentos de cerâmica chinesa e indiana descartados. Encerrou suas atividades em 1957, quando seu acervo foi à leilão em meio as disputas pelo patrimônio familiar. Já o segundo foi fundado pelo comerciante, professor e cientista brasileiro Francisco Dias da Rocha, que colecionou itens da história natural por meio da aquisição e permuta de peças com outros museus brasileiros e estrangeiros. Antes de seu falecimento, em 1960, doou a maior parte do seu acervo para diversas instituições como Gabinete de Zoologia da Escola de Agronomia, o Museu Zoológico de Farmácia e Odontologia e o Salão de História Natural da Escola Normal Justiniano de Serpa, todos em Fortaleza, Ceará. É o século XX, no entanto, a era dos museus no Brasil. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existiam pouco mais de 20 (vinte) museus no início desse século. Na década de 1950 já eram contabilizadas mais de 100 (cem) instituições. Em 1967, eram 232 unidades museológicas. O Anuário Estatístico do Brasil dava conta da existência de 1.225 museus em 1988, um aumento de 630% de museus públicos (municipais, estaduais e federais) e 385% no caso dos museus privados. Tal crescimento acompanhou os anseios da sociedade por lugares de memória, aliado a ações estatais que fomentaram a criação de instituições no país. É de se destacar o impacto da criação, em 1937, do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que deu forma à atuação do Estado brasileiro perante o patrimônio nacional, inspirados pelo ideal modernista. É no conjunto das políticas de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional que são criados alguns museus federais como o Museu Nacional de Belas Artes (RJ), em 1938; o Museu Imperial (RJ), em 1940; o Museu do Ouro (MG), em 1946; o Museu do Diamante (MG), em 1954; o Museu da República (RJ), em 1960; o Museu Villa-Lobos (RJ), em 1961; e o Museu Regional de São João Del Rei (MG), em 1963. Letícia Julião (2009) afirma que foram tímidas as ações do Sphan no setor museal comparadas àquelas voltadas para o patrimônio edificado. No entanto, destaca o colecionamento ativo do Estado brasileiro, o desenvolvimento de critérios e procedimentos técnicos relacionados à identificação, classificação e valorização de objetos adquiridos, além da ressignificação de velhos acervos. É o caso do Museu Histórico Nacional (RJ), que apesar de ter sido criado em 1922, emmuito se beneficiou das ações de colecionamento do Sphan. O I Encontro dos governadores de estado, secretários estaduais da área cultural, prefeitos de municípios interessados, presidentes e representantes de instituições culturais, em 1970, teve como tema a Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Entre várias deliberações, o documento Compromisso de Brasília sugere a criação de museus regionais em todo o país, que deveriam ter seus acervos salvaguardados em prédios já tombados como patrimônio, de modo a dar um bom uso para um grande conjunto de bens arquitetônicos que a despeito de sua importância patrimonial, não eram utilizados pela sociedade. A adoção de políticas públicas específicas para os museus do país, no entanto, só se consolidou no século XXI, com a elaboração da Política Nacional de Museus (PNM), em 2003; a criação do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e do Estatuto de Museus no ano de 2009; e, posteriormente, o lançamento do Plano Nacional Setorial de Museus 2010-2020. Para os curiosos. Em agosto de 2019, a Secretaria da Cultura do Ceará, a Universidade Estadual do Ceará e o Museu Nacional assinaram um Protocolo de Intenções que tem como objetivo promover a cooperação técnica de base científica e cultural para a construção do Museu de História Natural do Ceará Professor Dias da Rocha, com base em ações de restauro, pesquisa e divulgação do acervo colecionado por Dias da Rocha, que encontra-se atualmente salvaguardado no Museu do Ceará. Museu é patrimônio! Apesar da democratização dos museus no século XX, com a abertura de diversas instituições públicas e privadas, o fomento ao colecionismo e os usos educacionais dos museus, tais instituições ainda podem ser analisadas como lugares elitistas, destinados apenas a uma pequena parcela da população, ao mesmo tempo em que se luta para demarcar o seu potencial para a educação da humanidade e o seu papel no desenvolvimento de uma sociedade plural e respeitosa das diferenças culturais. As décadas de 1960 e 1970 foram particularmente importantes para a história dos museus contemporâneos, quando esses passaram a ser frequentemente criticados em países como a França. Tais críticas evidenciavam o fato de que a maior parte do acervo das instituições museais tinha sido colecionada por meio de práticas violentas, com o extermínio da cultura de povos nativos de diferentes continentes durante os processos de colonização por parte das nações europeias. Não à toa, fala-se muito atualmente em repatriação de objetos, de grandes museus para os seus lugares de origem. Assim, esse é um momento de transformação nos paradigmas dos museus, cujo foco havia sido, até então, o cuidado relacionado aos bens materiais salvaguardados pela instituição, promovendo, entre outros aspectos, uma comunicação museológica na qual apenas os profissionais de museus eram autorizados a produzir conhecimento, enquanto aos visitantes cabia um papel passivo de receptores de informações. Essa mudança de paradigma pode ser observada quando o foco se desloca dos objetos para os sujeitos dos museus. Maria Célia Teixeira Moura Santos (1996) entende esse movimento como a substituição da preservação pela apropriação/reapropriação do patrimônio cultural. Nesse aspecto, tanto o público interno do museu, quanto o público externo (visitantes, voluntários, moradores do entorno etc.) devem participar ativamente das tomadas de decisão da instituição e não apenas a sua Diretoria. Essa mudança permeia os processos museais numa perspectiva inclusiva, respeitando e valorizando as diferentes saberes e experiências, tendo como objetivo promover o sentimento de pertencimento, um dos elementos básicos para a valorização dos patrimônios locais, regionais ou nacionais. Afinal, como pensar museus e patrimônio, sem tratar das identidades que estão sendo encenadas e reencenadas nos acervos, expostos ou salvaguardados nas reservas técnicas? O que se pode afirmar é que, ao longo dos últimos trinta anos, buscou-se cada vez mais integrar o público externo nos processos museológicos, desde a coleta de novos acervos, montagem de exposições etc. Mesmo os museus tentando ressignificar suas práticas e seus discursos por meio de ações de inclusão, a matéria sobre a qual este trabalho é realizado – o acervo – foi “colecionado” muito anteriormente. Isso traz algumas complicações quando colocamos em destaque a valorização da diversidade cultural, como no caso das culturas afro-brasileiras e indígenas. Afinal, como representar em um museu práticas culturais sobre as quais ele não possui acervo? A primeira possibilidade é a elaboração de uma política de aquisição e descarte de acervos, que é um dos itens necessários do desenvolvimento do Plano Museológico de cada instituição, conforme determina o Estatuto de Museus. Por meio dessa política, o museu pode cada vez mais cumprir sua função social. Uma outra possibilidade é quando o Estado – por meio dos governos municipais, estaduais, federais – desenvolve ações práticas de reparação. É o caso do Memorial da Liberdade (SP), criado em 2002. Desde 2009, ele é aberto ao público como Memorial da Resistência e trata da resistência à repressão política do Brasil republicano, por meio da musealização de parte do edifício que foi sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP), uma das polícias políticas mais truculentas do país, principalmente durante o regime militar (1964-1985). Em Fortaleza, desde 2013, no prédio da SecultFOR, antiga sede da Polícia Federal, encontramos o Memorial da Resistência, espaço de memória do período da ditadura militar no Ceará. O Memorial abriga a exposição permanente Arquivo das Sombras, destinada a provocar o debate sobre a liberdade democrática e os direitos humanos. Além disso, o Ibram tem fomentado a criação de Pontos de Memória e museus comunitários, cujos focos são a promoção de processos museológicos em pequenas comunidades (como exposições, rodas de conversa, seminários), objetivando a preservação da memória e do patrimônio cultural local, por meio do protagonismo das comunidades tradicionalmente excluídas de uma narrativa oficial da história, disseminando assim uma política pública de direito à memória e à diversidade cultural. É nesse sentido que a Prefeitura Municipal de Fortaleza inseriu a criação, entre as metas do Eixo Cultura e Patrimônio do Plano Fortaleza 2040, em parceria com organizações da sociedade civil, de no mínimo dois museus comunitários e um Centro de Memória dos Bairros em cada Distrito Cultural, além de um Centro de Referência da Memória de Fortaleza, de modo a possibilitar aos munícipes conhecer, reconhecer e difundir as memórias dos diversos grupos sociais que compõe a cidade. Para começo de conversa: o que é Turismo?. Os estudos sobre a Teoria do Turismo, enquanto atividade econômica, são bastante recentes, o que faz com que não tenhamos uma conceituação mais rígida sobre o que é turismo. Ainda assim, para o propósito desse fascículo, vamos eleger alguns entendimentos do que é o turismo, que podem ser vistos como consensuais. O primeiro deles compreende o turismo como um sistema de atividades e serviços que envolvem o planejamento, a promoção e a execução de uma viagem, seja ela especificamente atrelada ao lazer ou não (MOESCH, 2002). Quando se pensa em uma viagem a um destino fora daquele onde residimos, não apenas o destino em si importa – país, estado, cidade –, mas todas as questões relacionadas ao atendimento dos nossos objetivos como viajantes, a exemplo da hospedagem, do receptivo, da infraestrutura de demais serviços e dos pontos a serem visitados no destino escolhido. É ao atendimento de todas essas necessidades que se propõe a atividade turística que, como atividade econômica – não percamos de vista – visa principalmente à produção de riquezas. Outro conceito que podemos tomar é o expresso pela Organização Mundial de Turismo (OMT), órgão internacional de caráter intergovernamental, hoje agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa àpromoção e ao desenvolvimento da atividade turística através de políticas e instrumentos de apoio à área. Ela apresenta o turismo como “um fenômeno social, cultural e econômico, que envolve o movimento de pessoas para lugares fora do seu local de residência habitual, geralmente por prazer (NACIONES UNIDAS/ UNWTO, s/d, apud TROCCOLI, 2014). Esse entendimento dá ênfase às relações sociais, culturais e econômicas da atividade turística, ligando-a principalmente ao tempo livre e à cultura do lazer. Historicamente, foi em meados do século XX, sobremaneira após a Segunda Guerra Mundial, que uma onda otimista cercou os grandes centros urbanos, reconstruindo suas economias e oportunizando o cultivo da ideia do direito ao lazer pago e a de que as férias representam um período importante dentro do calendário laboral, servindo como forma de renovação do trabalhador (URRY, 2001). É justamente esse tempo livre possibilitado ao lazer, como finais de semana, feriados ou férias, o principal incentivador da busca pelo Turismo como necessário ao bem-estar, importante para a qualidade de vida de todas as pessoas, sem que esqueçamos sua importância no desenvolvimento econômico e sua influência política e cultural. Em muitas cidades, a atividade turística passou a ter enorme destaque, movimentando vultosas somas e impactando a vida de milhares de pessoas. Devemos avaliar esse impacto de duas formas: 1. uma que incide sobre a economia, que envolve todas as cadeias de serviços ligados direta ou indiretamente – como empresas de turismo, guias, hotéis, restaurantes etc. – aos processos que compreendem a chegada, a permanência e a partida do turista; e 2. a que impacta sobre o usuário desses processos, o turista, que é modificado em sua forma de compreender o mundo, uma vez que suas viagens lhe proporcionam o conhecer não apenas de outros espaços, alheios aos seus rotineiros, mas outros “olhares” a outras culturas, um conhecer nascido ante à diferença de outras formas de organização do mundo. Todas essas questões nos fazem pensar sobre a importância do turismo para as sociedades. Se liga! As palavras inglesas tourism e tourist aparecem em documentos britânicos desde o ano de 1760. É também da Inglaterra aquele que é considerado “o pai das agências de viagens”, Thomas Cook, que teria organizado, em 1841, a primeira excursão “turística” da história, quando elaborou os preparativos e a viagem de 578 pessoas da cidade de Loughborough a Leicester, para participarem de um congresso antialcoolismo. Foi ele o criador da primeira agência de viagens (OLIVEIRA, 2001). Políticas públicas para o Turismo no Brasil. O turismo no Brasil é caracterizado pela oferta de inúmeros atrativos naturais espalhados por todo o seu território e pautados na exuberante beleza de seus biomas, mas também por um diverso repertório de bens culturais, materiais e imateriais, que contam sobre a história e a cultura brasileiras a todos que visitam nosso território. Essas características tornam o país um destacado lugar de atratividade turística, que ao longo dos anos vem demandando a elaboração de políticas públicas para regrar e regulamentar, bem como estabelecer objetivos, diretrizes e estratégias para a sua promoção e o seu desenvolvimento em território brasileiro, uma tarefa que não tem sido necessariamente fácil. Data da década de 1950 a elaboração dos primeiros instrumentos de regulação do turismo no Brasil, quando da criação do Conselho Nacional de Turismo (CNT), da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) e do Fundo Geral de Turismo (Fungetur). Nas últimas décadas, o governo brasileiro tem demonstrado uma maior disposição para implementar políticas de regulação e desenvolvimento do setor. Em 2003 – através de um Decreto, posteriormente convertido na Lei nº 10.683, de 28 de maio do referido ano – a pasta do Turismo ganhou autonomia dentro do governo federal, saindo do antigo Ministério do Esporte e do Turismo, ganhando um Ministério próprio. Atualmente, é de competência do Mistério do Turismo (Portaria nº 36, de 29 de janeiro de 2019): 1. a política nacional de desenvolvimento do turismo; 2. a promoção e a divulgação do turismo nacional, no país e no exterior; 3. o estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades turísticas; 4. o planejamento, a coordenação, a supervisão e a avaliação dos planos e dos programas de incentivo ao turismo; 5. a criação de diretrizes para a integração das ações e dos programas para o desenvolvimento do turismo nacional entre os governos federal, estaduais, distrital e municipais; 6. a formulação, em coordenação com os demais ministérios, de políticas e ações integradas destinadas à melhoria da infraestrutura e à geração de emprego e renda nos destinos turísticos; 7. a gestão do Fundo Geral de Turismo (Fungetur); e 8. a regulação, a fiscalização, e o estímulo à formalização, à certificação e à classificação das atividades, dos empreendimentos e dos equipamentos dos prestadores de serviços turísticos. Quando pensamos na busca do patrimônio cultural como atrativo turístico, importa-nos observar que muitas das discussões que aconteceram nas últimas décadas falam da urgência da realização de um turismo sustentável como forma de realização de atividades que atendam, com o mesmo grau de importância, às necessidades econômicas e sociais dos agentes promotores do turismo e das populações das regiões receptoras. No entanto, conforme anunciado, essa não tem sido tarefa fácil, uma vez que muitas das formas de turismo, sobremaneira aquelas entendidas como “turismo de massa”, trazem um número descontrolado de visitantes que usufruem de maneira irresponsável dos espaços visitados e de seus recursos, trazendo, às vezes, mais prejuízos do que desenvolvimento às populações locais. Pode-se, inclusive, gerar o esgotamento dos recursos naturais ou o esvaziamento de significados dos espaços culturais, que são desfigurados para o atendimento imediato das expectativas da atividade turística ou ainda problemas de natureza social, como o desenvolvimento de polos de turismo sexual, o aumento da venda e consumo de drogas ilícitas, entre outros fatores nocivos. Para os curiosos. O seu estado ou cidade possuem Planos Estaduais ou Municipais de Turismo? Caso positivo, que tratamento esse documento oferece à necessidade de sustentabilidade sociocultural? O que se diz, se garante ou recomenda sobre a preservação do patrimônio cultural? Para os curiosos. Como se realizam as políticas públicas de proteção ao patrimônio em sua cidade ou estado e como elas podem favorecer o desenvolvimento do turismo? Caso não existam, que projetos ou ações você pode sugerir aos poderes públicos locais ou organizações da sociedade civil? Há que se realizar um planejamento baseado em pontos de partida que visem à sustentabilidade das áreas receptoras (RUSCHMANN, 2001). Os Planos Nacionais de Turismo, expressos em metas, diretrizes e programas, trazem tal preocupação. O mais recente deles, o Plano Nacional de Turismo 2018-2022, estabelece, em sua Diretriz 3.4, a promoção da sustentabilidade, entendida como a “preservação não apenas dos recursos naturais, mas da cultura e da integridade das comunidades visitadas”. O documento, que deve servir de “carta de navegação” ao desenvolvimento das políticas públicas para o turismo no Brasil, bem como estabelece compromissos a serem cumpridos pelo governo federal, destaca a importância da sustentabilidade sociocultural, que deve assegurar a preservação das culturas locais e dos valores morais das populações, da mesma forma que deve fortalecer as identidades das comunidades e contribuir para o seu desenvolvimento. O Plano 2018-2022 traz também, como uma de suas iniciativas principais, a de aprimoramento da oferta turística nacional, tendo como primeira estratégia a promoção da valorização do patrimônio cultural e natural, entendendo-se que, para que os destinos turísticos do país sejam mais atrativos, eles devem destacar-se não somente pela qualidade de infraestrutura, equipamentos e serviços, mas, fundamentalmente,por sua capacidade de inovação e criatividade. Como exemplo dessa capacidade, podemos citar os recentes títulos de Cidades Criativas atribuídos pela Unesco às cidades de Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG). As capitais foram reconhecidas por promoverem o desenvolvimento sustentável através, respectivamente, do design e da culinária. Com o título, as capitais têm a oportunidade, entre outras, de participar de projetos internacionais de fomento à indústria criativa de forma sustentável e inclusiva (O POVO, 31 de dezembro de 2019), contribuindo não apenas para seu desenvolvimento, mas para a valorização de seu patrimônio cultural. Essa valorização, para que seja aproveitada como atrativo turístico, depende das comunidades onde os referidos bens culturais estão inseridos. Exige envolvimento e a capacitação de seus membros, além da construção de sólidas relações de pertencimento, impedindo a elaboração de cenários e experiências artificiais que visem tão somente a destacar elementos exóticos de atração para os turistas, prejudicando o reconhecimento e a valorização dos patrimônios culturais locais. Nesse sentido, a educação patrimonial precisa assumir seu papel nas elaboração e execução das políticas públicas – não somente voltadas ao turismo, mas para várias áreas possíveis – promovendo e difundindo a importância do patrimônio cultural pelas comunidades, que devem assimilá-lo e apropriar-se dele de maneira mais consistente, contribuindo para o entendimento e o fortalecimento de suas identidades, como também tornando mais eficientes os elos da cadeia econômica do turismo. Nesse processo, a atuação conjunta dos órgãos responsáveis pelos bens culturais, como aqueles relacionados ao meio ambiente e à cultura, apresenta-se como fundamental para a criação e a efetivação de programas, projetos e ações de gestão das áreas onde está assentado o patrimônio cultural que se quer evidenciar. Para os curiosos. O Brasil é formado por seis diferentes biomas de aspectos bastantes distintos, sendo esses a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, os Pampas e o Pantanal, todos eles abrigando uma incontável riqueza de biodiversidade, de flora e fauna. Conheça mais sobre esses biomas em: mma.gov.br/biomas.html. Turismo cultural: questões relativas à preservação e desenvolvimento. Podemos afirmar que “toda viagem turística é uma experiência cultural”, afinal, ao experimentar espaços diferentes do seu habitual, o turista experimenta também outros olhares, sabores e visões de mundo. Para que consigamos diferenciar um turista comum do turista cultural, precisamos observar suas motivações. O turismo cultural é realizado por meio da busca por destinos turísticos que se constituem previamente como atrativos culturais, sejam de natureza material ou imaterial, chancelados ou não por órgãos oficiais, excluindo-se aqueles locais que, embora de alguma maneira estabeleçam relações com cultura de um povo, tenham suas características naturais como o principal incentivo à visitação (BRASIL, 2010). Dessa forma, o turismo cultural desenvolve-se em espaços onde não é a natureza, mas os aspectos relacionados à atividade humana, às relações de um universo cultural diferente daquele experimentado pelo turista em seu cotidiano habitual, que se apresentam como foco principal. Ou seja, a motivação do turista cultural é a busca pela diferença, que lhe é apresentada por lugares de memória e manifestações de caráter único, carregados de simbologia expressa através da história, da arte, da arquitetura ou de manifestações religiosas e festivas de caráter popular, onde a música, a dança e inúmeras outras linguagens compõem um todo diferenciado. Se liga! A origem do turismo cultural antecede às outras formas de turismo, podendo ser encontrada no Grand Tour, viagem realizada mormente pelos filhos da aristocracia inglesa de finais do século XVII, em busca de conhecimentos através de viagens a lugares como Paris e algumas das cidades italianas. Durante as viagens, os estudantes ocupavam-se com a identificação e a descrição de grandes monumentos europeus, relacionando-os à história das civilizações (URRY, 2001). Ainda que bastante seletivas, uma vez que bastante caras e muito mais ligadas à educação dos jovens que as experimentavam, tais viagens são o princípio do que hoje chamamos de turismo cultural. Ao longo do território brasileiro, como vimos nos módulos deste curso, são inúmeras as cidades, os espaços e as manifestações culturais que dão conta da pluralidade de características do nosso povo e da força das muitas identidades que o compõem. Não por acaso, cada vez mais a busca por destinos turísticos culturais ganha força e movimenta atores e capitais para a sua realização. Em decorrência, são muitos os problemas que desse movimento podem surgir. Vimos também, em fascículos anteriores, que há um repertório de leis e programas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, replicado, com algumas nuances, por muitos estados e municípios. Mesmo com esses instrumentos de proteção, é importante pensarmos que o tratamento desse patrimônio como “produto” a ser comercializado pela atividade turística, sem o devido planejamento, tende a beneficiar apenas os sujeitos promotores do turismo (LEITE, 2004). Como atividade relacionada ao fluxo de pessoas, o turismo estabelece o intercâmbio de diferentes culturas. Sua interferência nos lugares visitados pode ir desde a degradação física de monumentos e outros patrimônios materiais, devido a uma visitação em massa sem regramentos ou fiscalização devidos (como o caso de turistas que gravam suas iniciais em sítios arqueológicos ou removem fragmentos de fachadas e edifícios históricos para levarem como suvenires), à desfiguração e consequente esvaziamento de sentidos ocasionados pela transformação de tradições e espaços de manifestações culturais em “mercadoria” estilizada ao gosto de turistas ansiosos pelo exotismo da “cultura do outro” (como a espetacularização exacerbada de folguedos e festas populares). A medida que um bem cultural assume um valor comercial, o risco da perda de sua autenticidade aumenta exponencialmente, pois sobre ele passam a atuar outros atores e interesses que não aqueles que originalmente os constituíram (OMT, 2001). Os governos, aliados à iniciativa privada, sempre tiveram clara a necessidade de investimento em infraestrutura turística, como hotéis, restaurantes, bares e atrações culturais, objetivando a dinamização da oferta e procura turística em um dado espaço. Porém, cada vez mais se impõe a necessidade de investimento em planejamento para a exploração do turismo cultural de forma sustentável, de modo que sejam respeitados os modos de vida, as tradições e as identidades das regiões receptoras, principalmente potencializando a inserção das comunidades nessa cadeia produtiva. Muitos museus e sítios arqueológicos estabelecem políticas rígidas de visitação, como horários e número limitado de pessoas para determinadas atividades ou a proibição do consumo de alimentos ou bebidas durante as visitas, entre outros. Mas os exemplos positivos mais significativos vêm do que se convencionou chamar de turismo de base comunitária, que surge em oposição ao turismo de massa e contribui para que empreendedores externos não dominem as tomadas de decisão sobre o espaço e o cotidiano das comunidades. O turismo de base comunitária, ou simplesmente turismo comunitário, é um modelo de gestão da atividade turística protagonizado pela comunidade, no qual as decisões e os benefícios auferidos são coletivos, “promovendo a vivência intercultural, a qualidade de vida, a valorização da história e da cultura dessas populações, bem como a utilização sustentável dos recursos para fins recreativos e educativos” (ICMBIO, 2018). Tal modalidade de turismo objetiva não apenas a oferta do espaço e das manifestações ao usufruto do visitante, mas oportuniza a troca de experiências entre diferentes grupos, com diferentes culturas e modos de vida. Para tanto, as atividades do turismo comunitário devem surgir como complementoàs atividades tradicionalmente realizadas pelas comunidades, gerando emprego e renda, sem que isso modifique de forma profunda a dinâmica local. Deve ser uma troca em várias direções, oportunizando a reflexão e o aprendizado para moradores e visitantes, sem perder de vista as características identitárias dos nativos, onde as mudanças e as permanências devem ser problematizadas coletivamente. Um interessante exemplo vem da cidade de Nova Olinda, situada no Cariri cearense, morada de muitas referências dos saberes tradicionais, conhecidos como Tesouros Vivos. A região constitui um verdadeiro caldeirão efervescente de inúmeras manifestações culturais, como reisados, grupos de coco e de maneiro-pau, rabequeiros, ceramistas, cabaceiros, xilógrafos, poetas populares, mestres do couro e muitos mais. Além de agregar tesouros do patrimônio natural, especialmente ligados à Geologia e Paleontologia, no âmbito do Geopark Araripe, primeiro parque geológico das Américas reconhecido pela Unesco, como vimos em nosso terceiro módulo. Diante de tamanha profusão cultural, a procura pela região como atração turística vem-se impondo, acompanhada da necessidade de preservação do patrimônio ali verificado. Por essa razão, a Fundação Casa Grande: memorial do Homem do Kariri, organização não-governamental localizada em Nova Olinda, vem desenvolvendo há mais de 25 anos uma série de atividades de fomento à cultura da região, ao empreendedorismo juvenil e à geração de renda voltada ao turismo. Situada em uma casa de arquitetura tradicional do sertão cearense, a Fundação possui museu, biblioteca, Gibiteca (talvez a de maior acervo no Ceará), videoteca, estação de rádio, estúdio de música e vídeo, laboratório de Arqueologia, restaurante, dois cafés, uma lojinha e o Teatro Violeta Arraes: engenho de Artes Cênicas. Suas atividades são dirigidas por crianças e geridas por elas, de forma coletiva e sob a supervisão de alunos mais velhos da instituição. Além dessas ações, foi criada a Cooperativa de Amigos da Casa Grande (Coopagran). Por meio dela, os turistas que visitam a região podem hospedar-se nas pousadas domiciliares que ficam nas casas dos cooperados, famílias das crianças da Casa Grande. Lá, os visitantes convivem e fazem as refeições preparadas pelos moradores, oportunizando trocas culturais de imenso valor. Podem ainda conhecer muitos lugares da região e os Tesouros Vivos, tendo os cooperados como guias turísticos. A ação tem como foco o fortalecimento das mulheres, donas das casas, e dos jovens, que se atualizam constantemente em cursos de formação e realizam o receptivo turístico. Como resultado, o trabalho da OSC estimulou o turismo na cidade de Nova Olinda e a tornou referência de turismo comunitário no estado do Ceará, rendendo-lhe diversas condecorações: o Prêmio Unicef de Criatividade Patativa do Assaré, em 2002; o Prêmio Fellow Empreendedor Social Ashoka, 2002; a Ordem do Mérito Cultural, dada pelo Ministério da Cultura, em 2004; o título de Casa do Patrimônio da Chapada do Araripe, Iphan 2009; e o Prêmio Economia Criativa 2012, do Ministério da Cultura. As iniciativas da Fundação, que se somam às de outras instituições espalhadas pelo país, são um bom exemplo de interface possível entre o reconhecimento, a valorização, a preservação cultural e o desenvolvimento da atividade turística. Dada a sua inegável importância, urge a necessidade de encontrar-se um equilíbrio para o seu desenvolvimento ordenado, sendo o bom planejamento, fundamentado nas prerrogativas da sustentabilidade e da educação patrimonial, ferramentas fundamentais. Preservar já! No Brasil, a prática preservacionista, seguindo a tendência europeia, esteve intimamente ligada à ideia de formação e afirmação do Estado-Nação. Com a chegada de d. João VI e da Corte Portuguesa em 1808, foram criados a Biblioteca Nacional (1810) e o Museu Nacional (1818), entre outras instituições culturais, que reuniram documentos e obras artísticas, a fim de registrar e atestar a história brasileira, ainda muito atrelada ao reino português. Bem mais tarde, entre o final do século XIX e início do XX, percebia-se a valorização da cultura erudita, cuja produção e consumo eram restritos à elite da época. É a partir da década de 1930, com a reformulação do Estado, que assistimos à ampliação dos serviços ofertados aos cidadãos e a valorização da cultura popular. E apenas assim, surgem também as primeiras políticas de cultura, muito assentadas nas ações de preservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro, como preconizava a Constituição Federal de 1934, a primeira a tratar do tema. Para os curiosos. A palavra tombamento reporta-se à Torre do Tombo, situada em Lisboa. Trata-se de uma das instituições mais antigas de Portugal, criada em 1378, funcionando até hoje como um grande Arquivo Nacional, que guarda documentos importantes sobre a administração portuguesa, incluindo suas colônias, como o Brasil. O verbo tombar tem o sentido de registrar ou inventariar bens nos arquivos. No caso brasileiro, tombar significa, a partir do Decreto-Lei nº 25/1937, que o poder público atribui importância e estabelece a preservação de determinado bem de natureza material, a partir de práticas de registro, conservação e difusão do bem tombado. É nesse contexto que se cria, dentro do Museu Histórico Nacional, o primeiro Curso de Museologia no Brasil (1932) e a Inspetoria dos Monumentos Nacionais (1934). Ambos foram idealizados pelo cearense Gustavo Barroso (1888-1959), figura de destaque no período pela preservação dos bens representativos da identidade nacional brasileira. Surgem, da mesma forma, as primeiras iniciativas na área de preservação dos monumentos históricos, norteadas por uma perspectiva tradicionalista, como a elevação da cidade de Ouro Preto (MG), em 1933, à categoria de monumento nacional, pelo governo federal. No entanto, essa perspectiva de Gustavo Barroso foi suplantada pela corrente modernista, representada por Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) e outros intelectuais que defendiam uma determinada “brasilidade” traduzida no nosso barroco colonial, de origem portuguesa, mas que envolvesse também elementos tipicamente brasileiros. Assim, em 1937, por meio do Decreto-Lei nº 25, é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje nominado Iphan, órgão nacional em atuação até a atualidade, que tem por finalidade determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio histórico e artístico nacional. Importante também registrar que foi, por meio desse decreto, a criação do instrumento do tombamento. Os bens tombados passaram a ser inscritos em um ou mais livros de Tombo do Iphan. Seriam eles: · Livro de Tombo Histórico · Livro de Tombo de Belas Artes · Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico · Livro de Tombo das Artes Aplicadas As políticas de pedra e cal: o patrimônio material em evidência. No campo do patrimônio material, o principal e mais antigo instrumento de preservação do patrimônio, como já mencionado, é o tombamento, criado pelo Decreto-Lei nº 25, de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, vigente até o dia de hoje. De acordo com art. 1º desse decreto-lei, “constitui o patrimônio histórico e artístico nacional, o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Complementa em seu § 2º: “Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Desta forma, podem ser tombados os bens de natureza material: a. bens imóveis, como construções e edificações, cidades históricas, sítios urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos; b. bens móveis, como coleçõesarqueológicas e museológicas, acervos documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos; e c. bens integrados, ou seja, aqueles bens móveis que integram os imóveis tombados, a exemplo de objetos de artes, esculturas, peças decorativas e imagens de igrejas e palacetes. Além do tombamento, o Iphan criou outros instrumentos de preservação dos bens materiais, como: a. A Valoração do Patrimônio Cultural Ferroviário: Por conta da extinção da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), a Lei nº 11.483/2007 atribuiu ao Iphan a obrigação de “receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural oriundos da extinta RFFSA e zelar pela sua guarda e manutenção”. A Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário protegido foi publicada pelo Iphan por meio da Portaria nº 407/2010. b. A Chancela da Paisagem Cultural: Instituída pela Portaria Iphan nº 127/2009, reconhece a importância cultural de porções peculiares do território nacional, representativas do processo de interação do homem com o meio natural, às quais a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores. Pressupõe o estabelecimento de um pacto entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada, visando a gestão compartilhada dessas parcelas do território nacional. Embora exista a previsão legal e processos em andamento, nenhuma paisagem cultural até hoje (março de 2020) obteve essa chancela. Na prática, elementos da paisagem continuam sendo tombados, a exemplo dos monólitos de Quixadá (CE), que em 2004 se tornaram patrimônio nacional e foram inscritos no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. c. A Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM): Recentemente, o Iphan abriu uma consulta pública para receber propostas para essa Política, instituída pela Portaria nº 375, de 19 de setembro de 2018. A PPCM traz elementos novos aos processos de proteção dos bens culturais de natureza material. Alguns princípios merecem destaque: · Não estabelecer uma separação entre bens culturais materiais patrimonializados e as comunidades que os têm como referência; · Estimular redes de contato entre instituições (públicas e privadas), a sociedade civil organizada e profissionais da área de preservação patrimonial (arquitetos, sociólogos, historiadores etc), para que a gestão do patrimônio ganhe maior visibilidade e qualidade; · Fortalecer as ações de diferentes grupos sociais para preservação do seu próprio patrimônio cultural material. A arqueologia nas políticas de patrimônio. Dentro das políticas de preservação do patrimônio cul-tural, merecem destaque aquelas voltadas para os bens arqueológicos. A legislação brasileira considera duas categorias: a. patrimônio arqueológico emerso, regido pela Lei º 3.924/61 e b. patrimônio submerso, regido pela Lei nº 7.542/86 (com a alteração dada pela Lei nº 10.166/00). Por conta dessa legislação, os bens arqueológicos não precisam de um instrumento administrativo como o tombamento, por exemplo, para garantir a sua proteção. Além disso, são tratados como bens públicos materiais de propriedade da União, que não podem ser vendidos ou comercializados. Algumas exigências (a e b) e recomendação (c) a esse respeito devem ser de conhecimento de todos: Para os curiosos. No seu estado ou munícipio existe algum Sítio Arqueológico ou um Museu de Arqueologia ou algum Museu que guarde objeto(s) arqueológico(s)? Você já o visitou? Sim? Parabéns, compartilhe, convide amigos e familiares para conhecê-los e ajudar na sua preservação. Não? Pois a hora é essa. Você agora sabe de sua importância. Conheça e influencie a seus amigos a visitarem também, além de divulgar nas suas redes sociais. a. Qualquer ação ou intervenção em bens ou sítios arqueológicos devem ser executadas por profissional habilitado, o arqueólogo, e com autorização do Iphan. b. Cabe ao Iphan a fiscalização dos bens e sítios arqueológicos. c. As ações voltadas para o conhecimento, promoção e preservação desses bens e sítios arqueológicos devem ser efetuadas em um sistema de cogestão, envolvendo entidades públicas, arqueólogos, empresas e instituições de guarda (geralmente museus e universidades). A atuação do Iphan na preservação dos bens arqueológicos ficou bastante em evidência por conta dos processos que envolvem licenciamento ambiental. Embora abranja todos os bens culturais legalmente protegidos (tombados, valorados etc), os bens arqueológicos se destacam nos processos de licenciamento ambiental, especialmente quando são desenvolvidos empreendimentos, como construções de estradas, instalação de estações de energia, obras de infraestruturas nas cidades, entre outros. Nesses casos, para se receber o licenciamento, antes é necessário apresentar estudos e propostas de intervenção. No âmbito do Iphan, o licenciamento ambiental está regulamentado pela Instrução Normativa/Iphan nº 01/2015. Se liga! Antes da elaboração da legislação específica voltada ao patrimônio arqueológico, o Brasil já contava com 18 bens tombados, sendo 12 sítios arqueológicos e 6 coleções arqueológicas localizadas em museus. Entre esses bens, estão as Itacoatiaras do Ingá, um sítio arqueológico localizado no interior da Paraíba. Trata-se de um sítio com inscrições rupestres em baixo relevo (escavadas na pedra), gravadas em rochas. Destaca-se um grande bloco, de 24m de largura por 3,80m de altura, com figuras zoomórficas, antropomórficas e fitomórficas. É considerado um dos sítios arqueológicos mais importantes do Brasil e foi tombado como patrimônio nacional em 1944. O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. O último ano do século XX trouxe um marco nas políticas patrimoniais: a instituição do Registro do Patrimônio Imaterial. Instituído pelo Decreto nº 3551, de 4 de agosto de 2000. O registro é um importante passo para o reconhecimento da diversidade cultural que integra a identidade e a memória nacional. Ao lado do registro, este decreto criou Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), por meio do qual o governo federal promove ações de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural imaterial. a) implementar uma política nacional de inventário, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial; b) contribuir para a preservação da diversidade cultural do país e para a divulgação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro para toda a sociedade; Para os curiosos. Conheça a Carta de Fortaleza, documento que se originou no primeiro Seminário Internacional do Patrimônio Imaterial e que traz 12 recomendações, entre elas a criação do Grupo de Trabalho para a instituição do Registro dos bens culturais de natureza imaterial: portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Fortaleza%201997.pdf Para os curiosos. Conheça a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (2003). Acesse: ich.unesco.org/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf Conheça a Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005). Acesse: unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224_por c) captar recursos; d) promover a constituição de uma rede de parceiros; e) incentivar iniciativas e práticas de preservação desenvolvidas pela sociedade por meio de seleção de projetos. A exemplo dos bens materiais tombados, os bens imateriais registrados são inscritos em um ou mais livros, assim definidos: · Livro de Registro dos Saberes · Livro de Registro das Celebrações · Livro de Registro das Formas de Expressão · Livro de Registro dos Lugares É importante ressaltar que o registro dos bens imateriais e a criação do PNPI são resultados de discussões e estudos prévios que já vinham ocorrendo no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, entre o Estado e a sociedade. Um importante evento nesse sentido foi a realização, em 1997, pelo Iphan, do primeiro Seminário Internacional do Patrimônio Imaterial, na cidade de Fortaleza. As políticas voltadas para o patrimônio imaterial também são reforçadas, em nosso país, por meio da Convenção para a Salvaguarda do PatrimônioImaterial (2003) e a Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), ambas da Unesco. Ao ratificar uma convenção, os Estados-membros da Unesco, como o Brasil, assumem determinadas obrigações e concordam em realizar ações para atingir em seus territórios as metas estabelecidas internacionalmente. E você, cara leitora e caro leitor, deve atentar que, ao se falar em patrimônio cultural, devemos ter em mente a indissociabilidade entre seus aspectos materiais e imateriais. Para os curiosos. Para uma discussão mais aprofundada sobre a noção de patrimônio cultural e a indissociabilidade entre a sua face material e imaterial, sugerimos a leitura dos textos: Patrimônio material e imaterial: dimensões de uma mesma ideia, de Márcia Sant’Anna (2011) e Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil, de Márcia Chuva (2012) Se liga! Para a Unesco, o Patrimônio Cultural Imaterial compreende as práticas, representações, expressões, conhecimento, habilidades – assim como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais a eles associados – que as comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como parte de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial, transmitido de geração a geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em resposta a seu ambiente, sua interação com a natureza e sua história e lhes dá um senso de identidade e continuidade, promovendo, dessa forma, respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Para fins da Convenção, é unicamente levado em consideração o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos de direitos humanos existentes, bem como com os requerimentos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e com o desenvolvimento sustentável. Anterior A Política Nacional de Museus. Após amplo debate com a comunidade museológica brasileira, o então Ministério da Cultura (MinC) lançou, em maio de 2003, a Política Nacional de Museus (PNM), que tem como premissa a constituição de uma ampla e diversificada rede de parceiros que, somando esforços, contribuam para a valorização, a preservação e o gerenciamento do patrimônio cultural brasileiro sob a guarda dos museus. Para os curiosos. Leia na íntegra o caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. Acesse: museus.gov.br/wp-content/uploads/2010/02/politica_nacional_museus_2.pdf A PNM foi a primeira política setorial do MinC. Para a sua construção foram realizados fóruns com Secretarias de Cultura, Ministérios afins à área museológica, Universidades, profissionais e personalidades do meio museológico. Posteriormente, o texto foi disseminado por meio eletrônico para que sugestões pudessem ser apresentadas. Finalmente foi consolidado e sistematizado no caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. Atualmente, a PNM está institucionalizada pela Lei nº 11.904/2009, conhecida como Estatuto dos Museus, que regulamenta a política e a organização do setor museológico brasileiro e do Sistema Brasileiro de Museus (SBM). E para quem não sabe o que é o Sistema Brasileiro de Museus, instituído pelo Decreto nº 5.264/2004: ele se configura como o cumprimento de uma das metas previstas no documento da Política Nacional dos Museus. O SBM tem como finalidade a “interação entre os museus, instituições afins e profissionais ligados ao setor, visando ao constante aperfeiçoamento da utilização de recursos materiais e culturais”, bem como a “gestão integrada e o desenvolvimento das instituições, acervos e processos museológicos”. Além do SBM, existem sistemas estaduais e municipais de museus. Um sistema estadual bastante consolidado é o do Rio Grande do Sul (Decreto nº 33.791/91), que serviu de modelo para a proposta de criação do SBM. Voltemos ao Estatuto dos Museus, que além de definir o conceito de museu, estabelece os procedimentos para a criação de instituições museológicas, identifica suas funções e atribuições, bem como determina a proteção ao patrimônio musealizado. Um dos pontos mais relevantes desenvolvido no Estatuto encontra-se no dever dos museus, públicos ou privados, de elaborar um Plano Museológico. E o que seria esse Plano Museológico? Trata-se de um documento com o registro da história da instituição, um diagnóstico da sua situação estrutural, além de um planejamento (a curto, médio e longo prazo) dos seus programas de gestão e de atividades, que devem ser monitorados periodicamente. Com a edição da Lei nº 11906/2009 foi extinto o antigo Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan e criada uma autarquia específica para cuidar da Política Nacional de Museus: o Instituto Brasileiro de Museus, ou simplesmente Ibram. Entre as atribuições do Ibram está o gerenciamento da Plataforma Museusbr, um cadastro de museus, de amplitude nacional, que tem como finalidade diagnosticar e mapear a diversidade museológica brasileira. Também coube ao Ibram a implantação, coordenação e o monitoramento do Plano Nacional Setorial dos Museus (PNSM), com vigência de 2010 a 2020. Dentro da PNSM, destaca-se o Programa Pontos de Memória, que visa a estimular iniciativas da sociedade civil, pautadas no protagonismo comunitário e na gestão participativa, com foco na identificação, pesquisa e promoção do patrimônio cultural. Muitas dessas iniciativas culminaram na criação de museus comunitários, autônomos do poder público. Para os curiosos. Sugerimos acessar a Plataforma Museusbr (museus.cultura.gov.br) e conhecer os Pontos de Memória Museu de Favela (RJ) e do Quilombo Sítio do Meio (MA). Aproveite e descubra se em seu estado ou município existe algum Ponto de Memória. Procure conhecê-lo. A educação patrimonial e museal como políticas públicas. O museólogo Mario Chagas (2013) alerta que a relação entre educação e patrimônio remonta há períodos anteriores à criação do Iphan. Esclarece que essa relação está também presente nos museus desde longa data, vindo de práticas museológicas ainda do século XIX. Nas últimas décadas, a educação patrimonial passou a ser considerada uma política pública a partir da criação da Gerência de Educação Patrimonial e Projetos, atualmente Coordenação de Educação Patrimonial (Ceduc), no âmbito do Iphan. Seus objetivos e diretrizes foram sistematizadas na publicação Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos (2014) e institucionalizadas na Portaria Iphan nº 137, de 28/04/2016. Atualmente, a Ceduc defende que a Educação Patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sociohistórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para o seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera, ainda, que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de patrimônio cultural. O projeto Casas do Patrimônio é o carro-chefe atual das ações de educação patrimonial desenvolvidas pelo Iphan, cuja proposta é “ampliar a capilaridade institucional do Iphan e interligar espaços que promovam práticas e atividades de natureza educativa de valorização do patrimônio cultural” (IPHAN, 2014). Não são necessariamente espaços físicos, mas ações educativas sobre o patrimônio desenvolvidas em parceria com escolas, associações de moradores, OSCs etc, respeitando os diferentes saberes e a participação dos detentores das referências culturais. Nesse quesito, as Casas do Patrimônio dialogam bastante com o Programa Pontos de Memória do Ibram, pois buscam trabalhar com diferentes grupos sociais, partindo da premissa de que as comunidades podem assumir a seleção das referências culturais mais significativas para a formação de suas identidades e memórias coletivas. Após uma construção participativa, que incluiuconsulta pública por meio de plataforma on-line e encontros presenciais, regionais e nacionais, o Ibram institucionalizou a Política Nacional de Educação Museal (Pnem), por meio da Portaria nº 422, de 30 de novembro de 2017. O texto legal estabelece os princípios e diretrizes dessa Política, com a finalidade de nortear as práticas educativas não só dos museus do Ibram, mas de todo o campo museal brasileiro. A Pnem compreende a educação museal como “um processo de múltiplas dimensões de ordem teórica, prática e de planejamento, em permanente diálogo com o museu e a sociedade”. Tem como princípio “garantir que cada instituição possua o setor de educação museal composto por uma equipe qualificada e multidisciplinar, com a mesma equivalência apontada no organograma para os demais setores técnicos do museu.” Por uma visão crítica das políticas de patrimônio. Além de conhecer as políticas de patrimônio em suas diferentes vertentes, é importante que você, enquanto pesquisador(a), também faça uma análise crítica de suas concepções e implementações. Igualmente, é necessário reconhecer que as práticas preservacionistas fazem parte de um processo que sofreram dinâmicas e transformações ao longo tempo, mas sempre carregadas de disputas políticas, econômicas e simbólicas. Nesse sentido, o campo do patrimônio é concebido como um espaço de conflitos, que envolve relações de força e de poder. Muitos são os autores que apontam que as políticas preservacionistas, desde sua origem, no Brasil, arquitetaram uma memória nacional pautada numa herança portuguesa colonial. A maioria dos bens tombados está vinculada à Igreja católica, à nossa trajetória militar e às elites econômicas e políticas brasileiras. Lembrando a todos que o primeiro tombamento de um bem de matriz africana só ocorreu quase 50 anos após a criação do Sphan, em 1984. Trata-se do emblemático caso do Terreiro da Casa Branca, em Salvador (BA). A patrimonialização de bens culturais relativos a outros grupos formadores da sociedade brasileira (índios, negros, camponeses, moradores das periferias etc) só começou a tomar algum fôlego como resultado das lutas sociais, somente a partir das décadas de 1980-1990, sobretudo com a instituição do Registro do Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial. Foi esse instrumento que possibilitou tornar patrimônio brasileiro o ofício das baianas de acarajé, o teatro de bonecos popular e a literatura de cordel, entre outros exemplos. Ressalta-se, no entanto, que mesmo com o registro, a representatividade dos diferentes povos formadores da nossa sociedade ainda está aquém do ideal da patrimonialização das diferenças. Essa breve observação serve de alerta para que, em sua pesquisa e na sua atuação no campo do patrimônio, você possa refletir sobre como as políticas de Estado, voltadas para a constituição e preservação de uma determinada memória coletiva, muitas vezes contribuem para reafirmar hierarquias e privilégios historicamente enraizados e naturalizados nas desigualdades sociais no Brasil. A despeito disso, também cabe observar que novos sujeitos sociais comumente não representados ou silenciados nos processos constitutivos de memórias nacionais (como nos materiais didáticos e museus) têm produzido narrativas acerca de suas próprias memórias e identidades coletivas, aliados a lutas políticas por direitos sociais básicos. São os casos de movimentos como o Ocupe Estelita (PE), Ocupe o Porto do Capim (PB), Espaço Comum Luiz Estrela (MG), além de diversos grupos quilombolas e indígenas do país. Um grande desafio na implementação das políticas patrimoniais é garantir a participação efetiva e democrática dos diferentes atores sociais, bem como a sua articulação a outras políticas públicas, de forma intersecional. As mudanças significativas em nossa sociedade exigem um governo que atue em rede e uma gestão compartilhada do patrimônio cultural, de modo que o Estado cumpra com sua responsabilização – disponibilizando programas, projetos e ações efetivas para a preservação da memória dos distintos segmentos sociais – ao mesmo tempo que a sociedade civil, na medida em que se reconhece como um importante ator nesse jogo político, pode propiciar um maior controle social sobre a ação do Estado e reivindicar que suas demandas sejam atendidas. Nós enquanto mediadores de Educação para Patrimônio temos a obrigação de entender essas nuances, compartilhar com as comunidades, com a sociedade civil, com os detentores desse patrimônio, sujeitos sociais que muitas vezes ignoram o poder e a riqueza daquilo que trazem em suas mãos. Apresentação. O presente módulo tem como objetivo apresentar reflexões acerca da Educação Patrimonial ou Educação para o Patrimônio, como possibilidade de intervenção das pessoas nas cidades, aproximando os principais referenciais teóricos dessa área de atuação. Apontaremos ainda por aqui o uso de algumas ferramentas como os inventários participativos e sugerimos algumas atividades e jogos que despertem a atenção para as discussões acerca do tema. Legal, não é? Lembremos que o patrimônio está em todo lugar. Não está separado ou distante da nossa vida cotidiana. Localiza-se onde os sentidos, sentimentos e experiências de vida dos diferentes grupos sociais afloram, criando relações de pertencimento e identidades. Muitos de nós habitamos em pequenas, médias ou grandes cidades. Nelas, estabelecemos diálogos com múltiplos sujeitos com quem compartilhamos lembranças, memórias e sentimentos, comuns ou não, e determinamos as referências culturais representativas para nós. E é nesse momento que nós definimos o que merece ser guardado, protegido e valorizado. Para os curiosos. Hora de praticar. Você mesmo, neste momento, pode conversar com um familiar, um vizinho, um colega da escola, aquele amigo da infância, e buscar registrar em uma folha de papel, pessoas, coisas e manifestações de seu bairro, de hoje ou dos tempos de sua meninice. Essas lembranças podem ser reconhecidas como referências culturais ou patrimônios que representaram ou ainda representam a sua comunidade. Anterior Educação Patrimonial ou Educação para o Patrimônio?. O termo Educação Patrimonial foi incorporado no Brasil a partir dos textos produzidos pela museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta, na década de 1980, como uma transposição do conceito inglês Heritage Education. Foi definido como “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo.” (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999, p. 6). Seus princípios metodológicos foram muito utilizados nos museus de História e de Arte, além de difundidos por meio de publicações do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Tempos depois, alguns dos seus pressupostos começaram a ser questionados por vários estudiosos, sobretudo no que se refere à ideia de promover uma “alfabetização cultural” dos indivíduos a partir da observação dos objetos, museus e paisagens antropizadas. Denise Grispum foi uma das primeiras a formular novas proposições para o desenvolvimento de uma Educação para o Patrimônio (2000). Embora essa terminologia não tenha sido largamente incorporada aos textos acadêmicos e documentos técnicos produzidos no âmbito do Iphan e de outros órgãos de preservação do patrimônio, suas proposições metodológicas, como a de mediação, foram consideradas e amplificadas nos últimos 20 anos, como veremos a seguir. Não é possível conhecer o patrimônio cultural apenas a partir de uma visão contemplativa: intervir nele é urgente! Principalmente no processo de sensibilização para que outras pessoas possam se relacionar com a cidade, identificando seus patrimônios de forma crítica, refletindo acerca dos significados que marcam muitos momentos da história de nossas cidades. É onde entra o nosso papel de mediador(a) de educação para o patrimônio, ou seja, de agente responsável por estabelecer diferentes estratégias que auxiliarão na construção de significados individuais e coletivos no encontroentre os bens culturais e seus detentores. Agindo assim, assumimos a nossa função de poliglotas culturais, como afirma Varine (2012), nos adaptando a públicos distintos, independentemente de seu grau de instrução e origem social, utilizando linguagem adequada e acessível, mas sempre determinada, encorajadora e sensibilizadora. Exemplifiquemos: as edificações (casas, prédios, monumentos) podem conter várias informações sobre o contexto histórico de uma determinada época, como as técnicas de construção, o estilo arquitetônico e as formas de ser e de viver utilizados no passado. Uma manifestação cultural, como as rodas de capoeira, o cortejo de maracatu, a xilogravura etc., pode revelar os modos de viver, saberes locais e costumes que se enraizaram e se reconstruíram ao longo de um tempo. Logo, o patrimônio ajuda a caracterizar um contexto sociocultural, as identidades individuais e coletivas, como pode transmitir valores para as próximas gerações. A educação para patrimônio, portanto, é um instrumento importante para uma intervenção nas cidades, por nos fazer entender que os bens culturais são testemunhos de quem fomos, de quem somos e de quem queremos ser. Para desenvolver atividades efetivas de educação para o patrimônio, o ideal é que elas se integrem à vida das pessoas desde seus primeiros momentos de existência. Discutimos e repetimos aqui muitas vezes que o reconhecimento e a preservação de patrimônios não cabem apenas ao poder público. Devemos atuar como educadores na comunidade, fazendo com que ela se aproprie desses patrimônios e exerça o seu poder de resguardar, transmitir e ressignificá-los, deixando de lado uma postura passiva das lamentações por vê-los abandonados e/ou quase destruídos. Não é isso o que assistimos nas redes sociais quando se noticiam a derrubada daquele imóvel antigo e raro? Lamentos e pronto. Só isso? A educação patrimonial ou para o patrimônio deve ser, desse modo, um mecanismo importante na construção da cidadania, por ser uma prática que se preocupa em assegurar que os habitantes da cidade tenham voz e desempenhem o seu papel de protagonistas na construção do conhecimento e de ações relacionados às suas memórias e histórias. Se liga! E qual a diferença entre memória e história? Baseados no pensador francês Pierre Nora (1993), podemos entender que esses termos não são sinônimos, embora tenham semelhanças, pois ambos são dimensões da produção humana que lidam com lembranças, esquecimentos e identidades (individuais e coletivas). A memória, no entanto, é uma ação vivenciada no cotidiano, espontaneamente atualizada no tempo presente, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, vulnerável a manipulações, que precisa de múltiplas modalidades de lugares (materiais e imateriais) para tomar forma. É o reino do absoluto. Já a história é uma ação intelectual, escrita, que possui métodos de produção, demanda análise e discurso crítico. É atualizada no presente como uma reconstrução sempre problemática e incompleta do pretérito. Pode usar a memória como fonte de pesquisa, além de outros documentos. Deve fazer emergir lembranças e esquecimentos simultaneamente e, sobretudo, não deve estar a serviço de manipulações de qualquer natureza. A Educação para o Patrimônio. Quando as atividades dentro das instituições não formais de educação (como os museus) começaram a ser sistematizadas, a concepção pedagógica predominante enxergava a educação patrimonial como um instrumento de alfabetização cultural. É comum ouvirmos falar: (1) para proteger o patrimônio cultural é necessário fazer com que as pessoas conheçam esse patrimônio; ou (2) as pessoas não preservam o patrimônio por que não o conhecem. É comum ouvirmos falar: (1) para proteger o patrimônio cultural é necessário fazer com que as pessoas conheçam esse patrimônio; ou (2) as pessoas não preservam o patrimônio por que não o conhecem. No decorrer do curso, certamente você percebeu que, quando essas frases se referem a “proteger”, “preservar” e “conhecer” o patrimônio cultural, não significa que se reportem apenas ao patrimônio consagrado, aquele já tombado ou registrado pela Unesco, pelo Iphan, ou pelos estados e/ou municípios. Lembre-se sempre que as comunidades são sujeitos ativos dos processos de patrimonialização. Nós e os membros de outros grupos sociais aos quais não pertencemos, elaboramos e construímos outras narrativas além daquelas que já foram reconhecidas por “especialistas” no âmbito dos órgãos oficiais de preservação. Para começar, e isso você já está fazendo, é preciso compreender o que é patrimônio (material, imaterial, natural) e qual a sua importância, além dos meios e caminhos necessários para a sua preservação. Então, concluímos que as atividades de educação para o patrimônio não devem ser voltadas para “alfabetizar culturalmente” as pessoas. Elas não são organizadas objetivando levar o conhecimento “mais correto” ou imposto ao outro. A postura que defendemos aqui é a da promoção da diversidade, ou seja, quando diferentes pessoas e grupos sociais possam ser sujeitos ativos, produtores e protagonistas da cultura, entendida como plural, promovendo conhecimentos em torno dos bens patrimoniais, de forma coletiva e dialógica (TOLENTINO, 2016). Logo, temos que repensar algumas práticas que convencionamos denominar como “as mais apropriadas” para trabalhar com o patrimônio cultural. Entre elas, as visitas aos “bens tombados”, aos chamados “centros históricos” ou “monumentos” das cidades. Não podemos nos restringir apenas a elas. Para os curiosos. Hora de praticar. Assumindo o seu papel de mediador(a) de educação para o patrimônio, faça um exercício: em duplas ou trios, delimite um perímetro (o seu bairro, por exemplo, ou uma parte dele) e saia caminhando por sua cidade. Comece a mapear e fotografar alguns bens materiais (casas, escolas, praças, comércios, instituições públicas) e imateriais (grupos artísticos e suas manifestações, ofícios etc), mesmo aqueles que você sabe que não foram tombados ou registrados pelos órgãos oficiais de preservação do patrimônio. A partir desse levantamento, monte um mapa com pegadas (utilizando as fotos colhidas), para que outras pessoas possam seguir esse roteiro das pegadas e se deparar com os bens identificados pela equipe. Em cada um deles, coloque uma “plaquinha” que sinaliza sua importância. Vamos lá? Certamente você terá muitas surpresas. Saiba mais. Você sabia que, em 1936, durante a elaboração do anteprojeto de Mário de Andrade para a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), já havia a preocupação com uma formação pedagógica voltada para o patrimônio, sobretudo nos museus? A educação não serve apenas para instruir, informar. Os usuários do patrimônio devem fazer parte de um processo no qual sejam levados a refletir sobre o que estão conhecendo. Naturalmente, falar de patrimônio não é garantir consensos. É compreendê-lo como uma construção social, realizada num campo de tensões, acordos e conflitos. Somente assim é possível dar sentido a ele como potencial transformador da realidade. É importante que todos os cidadãos, ao se depararem com um bem cultural, estejam aptos a problematizá-lo, usando diversas chaves de interpretação, que vão além de uma perspectiva estritamente pedagógica. Para despertar o interesse no patrimônio cultural, a mensagem para você, agora mediador(a), é relacioná-lo com o cotidiano das pessoas, levando em consideração o contexto de vida dos muitos usuários dos bens culturais. A educação patrimonial acontece a partir de vários métodos de trocas de saberes, a partir do encontro de diversos agentes, como os detentores de bens, especialistas do patrimônio ou profissionais de diversos campos do saber, por meio da interdisciplinaridade e transversalidade (SCIFONI, 2017). Para os curiosos. Hora de praticar Na atividade anterior, a missão era reconhecer e conhecer o patrimônio cultural de sua localidade, elaborando um mapeamento descritivo e compartilhando-o. Agora, munidos deste mapa e com a equipe duplicada, pode-sefazer um trabalho mais cuidadoso e participativo, de modo que todos saiam da observação, entrando na ação. Daí, que tal criar um ateliê de atividades, aberto e participativo? Como? Respeitando as habilidades de cada participante (escrever ou desenhar bem, fotografar bem, realizar boas filmagens, performances etc). Assim, é possível construir um diário de bordo, em que os usuários percorrem o espaço, registrando com detalhes o que observaram. No final, marca-se um momento para que todos os envolvidos mostrem o que foi coletado, reunindo os conteúdos em um documento a ser disponibilizado para a consulta na biblioteca comunitária de seu bairro, da sua escola ou, quem sabe, na biblioteca oficial de seu município. No caso das ações em escolas (públicas ou privadas), é possível pensar a educação patrimonial a partir do diálogo dos diferentes programas curriculares e projetos que discutam os conceitos de patrimônio, trabalhando o contexto dos alunos a partir de írculos concêntricos. Isso exige dos educadores metodologias diferenciadas, aplicadas em diferentes níveis, a fim de que o patrimônio não sirva apenas como mera “ilustração” das aulas. Isso exige dos educadores metodologias diferenciadas, aplicadas em diferentes níveis, a fim de que o patrimônio não sirva apenas como mera “ilustração” das aulas. Educação patrimonial é um processo educativo, baseado em um conjunto de diferentes metodologias que devem levar em consideração as particularidades do público com quem vai se trabalhar, o lugar e os diferentes contextos, proporcionando aos educandos experiências diferentes das que vivem e não apenas se limitando a transmitir informações ou apresentar a eles apenas àquilo que é reconhecido e estabelecido oficialmente. Sendo assim, não podemos dar um modelo ou uma receita de como fazer educação para o patrimônio, pois a educação é uma prática sociocultural (CHAGAS, 1999) que se inventa, se testa, se reelabora, sempre numa perspectiva dialógica entre todos os sujeitos que dela participam. Entendamos assim que a educação não é difusão cultural, mas ação cultural. Ou seja, não se trata da transferência de conteúdo (mera exposição), mas da produção coletiva de sentidos e experiências. Então, você pode se perguntar, qual o potencial das atividades educativas no campo do patrimônio cultural? Respondemos: esse é um campo possível para nos aproximar da pluralidade de olhares e de narrativas históricas e afetivas ou de conflitos sociais em torno dos diferentes bens culturais da cidade. É o lugar onde podemos ouvir as vozes dos detentores de tradições, com seus saberes e fazeres, servindo de instrumento ao direito à memória e à cidadania, permitindo que as comunidades se apropriem e usufruam do patrimônio como ferramenta de permanência e de fala. Saiba mais. No curso, muitas vezes falamos em detentores de bens culturais. E você já ouviu falar nos Mestres da Cultura do Ceará? No link a seguir você saberá quem é esse mestre da cultura, onde ele se encontra e o que ele faz. Se você residir em município do interior cearense, é capaz que cruze todos os dias com um deles e não saiba de sua importância para a comunidade: anuariodoceara.com.br/mestres-da-cultura-do-ceara/ Inventários participativos. Como insistimos sempre por aqui, a população pode definir o que ela entende como patrimônio cultural. Nesse sentido, foram criados os Inventários Participativos. E o que são? São instrumentos que garantem a escuta dos membros dessa população, permitindo que indiquem o que consideram ser o patrimônio da comunidade em que estão inseridos e, assim, forneçam o maior número de informações e documentos possíveis para a sua patrimonialização oficial. Dessa forma, acreditamos que a comunidade se torna protagonista para inventariar, descrever, classificar e definir o que constitui o seu patrimônio, numa perspectiva dialógica do conhecimento, abarcando habitantes distintos, de gerações e atuações diferentes na comunidade. O objetivo principal é exercitar a mobilização social, realizando reflexões acerca das referências culturais comunitárias. O Inventário Participativo proposto pelo Iphan traz fichas estruturantes como: a. ficha do projeto, preenchida ao longo de toda a atividade, organizando as informações recolhidas; b. ficha do território, que reúne informações acerca do espaço demarcado pelo grupo de pessoas que irá produzir o inventário; c. ficha das fontes pesquisadas, que têm o objetivo de identificar de onde vieram as informações, como citação de livros, documentos, entrevistas etc.; d. ficha do relatório de imagens, que reúne fotografias, pinturas, gravuras, desenhos coletados ou produzidos; e e. ficha de roteiro das entrevistas, que serve para organizar os depoimentos que o grupo considera importantes para a caracterização da referência cultural que está sendo inventariada. Para os curiosos. Com base em metodologias já existentes no Iphan, sobretudo o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), foi desenvolvido e disponibilizado, em 2012, o Inventário Pedagógico, fruto da participação do Instituto na atividade de Educação Patrimonial do Programa Mais Educação, da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC). Esse instrumento foi idealizado para ser aplicado pelas escolas. Acesse em: portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/582. Em 2014, o Iphan lançou a publicação Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos, com a finalidade de estabelecer um marco institucional que referencia as ações e experiências desenvolvidas com o suporte técnico da instituição. Confira em: portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Educacao_Patrimonial.pdf. Depois, em 2016, foi publicado o manual Educação Patrimonial: inventários participativos. A partir das experiências com o Inventário Pedagógico foi proposta a metodologia do Inventário Participativo, a ser aplicada pelas comunidades interessadas na identificação e valorização dos seus patrimônios locais. Acesse: portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodo patrimonio_15x21web.pdf. Um exemplo exitoso de inventário participativo elaborado foi o que envolveu dois coletivos de cultura na cidade de São Paulo: o Movimento BaixoCentro e a Repep (Rede Paulista de Educação Patrimonial). Ambos se envolveram na revalorização da área central do munícipio, com a desativação do “Minhocão” (Elevado Presidente João Goulart) como via de tráfego e a implantação de projetos para dar novos usos ao espaço (se quiser ler sobre isso: repep.fflch.usp.br/gt-minhocao). Para ajudar na realização de entrevistas, sugerimos as experiências do Museu da Pessoa, que produziu algumas publicações para divulgar sua Metodologia em Tecnologia Social da Memória. Ela está sintetizada em textos como: · História Falada: memória, rede e mudança social. Confira em: museudapessoa.org/pt/entenda/portfolio/publicacoes/metodologia/historia-falada-2005 · Memória Social: uma metodologia que conta histórias de vida e o desenvolvimento local. Disponível em: museudapessoa.org/memoria-social-uma-metodologia-que-conta-historias-de-vida-e-o-desenvolvimento-local-2008 · O que é? Conceitos e sugestões de atividades para construir coletivamente um projeto de memória. Disponível em: museudapessoa.org/pt/entenda/ Se liga! E que tal fazer um inventário dos lugares dentro da sua escola, comunidade ou bairro? A partir dos resultados, é possível montar uma exposição, um programa de rádio ou um jornal local. Vamos lá!? Percorrendo o Patrimônio Material e Imaterial. Vamos relaxar um pouco agora e planejar uma visita a espaços urbanos reconhecidos ou não pelo poder público como patrimônio cultural material. É uma boa ideia, não é? Você conhece algum espaço assim na sua cidade ou em seu estado? Pode ser um museu, um parque, um jardim botânico, um sítio arqueológico. Depois de escolher onde acontecerá essa prazerosa visita, prepare-se para ser um(a) mediador(a) do patrimônio entre os seus convidados, sejam eles seus alunos, colegas, amigos ou familiares. Para isso, vamos lhe dar algumas dicas para seu roteiro para patrimôniocultural material: 1. Trace uma rota com todos os lugares que irão visitar: praças, igrejas, museus, parques etc. É importante carregar consigo sempre um mapa (físico ou digital) para melhor se localizar; 2. Informe-se antecipadamente sobre a história desses lugares, por meio de pesquisas em livros, revistas, sites (assegure-se das fontes desses sites. Muitos, ainda que bem-intencionados, publicam informações de “ouvi dizer”, repetindo erros históricos que você, sem querer, pode contribuir para disseminar); 3. Procure saber quais são os conhecimentos prévios do grupo que você irá mediar. Questione se alguém já visitou ou conhece algo sobre os locais que o grupo vai percorrer (reconhecer e utilizar do conhecimento prévio do grupo é uma ótima estratégia para potencializar os resultados de sua visita); 4. Durante o trajeto lance curiosidades, “iscas” para manter a atenção, e suscite o debate de temas. Por exemplo: como surgem as cidades? De que forma os espaços públicos urbanos foram ocupados no perímetro escolhido? O que significa o tombamento do patrimônio material? Qual o significado dos nomes que as ruas receberam? 5. Caso a visitação seja durante o dia, oriente o grupo para que vistam roupas e calçados confortáveis, levem chapéu, protetor solar, garrafas de água, alimentos etc. Ao escolher lugares íngremes, deve levar em consideração a faixa etária dos envolvidos. Enfim, você é responsável para garantir uma visita bem-sucedida e segura; 6. Ressalte sempre a importância de ficarem todos juntos durante o trajeto percorrido, a fim de zelar pela segurança e a união do grupo. Todos zelam por todos; 7. Instigue os participantes a perceber e listar pontos históricos/artísticos ou mesmo curiosos durante o trajeto percorrido, do local de partida até o ponto final ou de atividade; 8. Caso sejam seus alunos, não é interessante que eles fiquem preocupados com a resolução de questionários ou com a escrita de relatórios no decorrer da visita; 9. Incentive associações entre o que está sendo visto e o local em que os participantes moram, a fim de expandir a noção de patrimônio e preservação; 10. Na volta da visita, avaliem a experiência de visitação. Em uma breve conversa em roda, você pode se surpreender com os relatos; 11. Promova a montagem de um painel fotográfico, virtual ou físico, com imagens do grupo, para que todos tenham acesso; 12. No caso de estudantes, proponha atividades como a elaboração de redações, desenhos, charges e simulação de bens que poderiam ser tombados como patrimônio cultural material da cidade em que vivem. Agora, vamos apresentar uma sugestão de roteiro exploratório para o patrimônio cultural imaterial. Compreendendo agora que o patrimônio imaterial refere-se a práticas e domínios da vida social, que se manifestam em saberes, ofícios, modos de fazer, celebrações e formas de expressão (cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas), você conseguiria citar lugares do seu cotidiano que correspondem à cultura imaterial? Você se lembra, a partir dos módulos anteriores, que os mercados e as feiras populares fazem parte da cultura do Brasil? Que a roda de capoeira, marginalizada durante grande parte da história do nosso país, foi reconhecida em 2008 como patrimônio imaterial brasileiro e, posteriormente, reconhecida pela Unesco, em 2014, como Patrimônio Imaterial da Humanidade? Enfim, agora você deve planejar um roteiro de visitação que contemple itens do patrimônio imaterial reconhecidos ou não pelo poder público. Assim, como mediador do patrimônio, conduzirá um grupo por esse roteiro. Siga as dicas: Para os curiosos. Visita Orientada x Visita Mediada As visitas orientadas acontecem quando uma pessoa se desloca de um ambiente para o outro, temporariamente, para encontrar outra(s) pessoa(s) ou lugar(es). Nesse caso, costumam ser agendadas com antecipação, para que o(a) monitor(a) possa estar preparado(a) para atender o visitante. No caso dos museus e monumentos, usam-se também adjetivos agregados à visitação, como visita guiada ou monitorada, que pode dar uma ideia de que o visitante é um mero receptor de informações/orientações acerca do acervo e de como se comportar. Já as visitas mediadas ampliam a visão educativa nessa atividade onde o(a) visitante é (ou deve ser) estimulado a participar ativamente na troca de conhecimentos inerente à atividade. O (a) profissional do museu apenas media a visita, sem ser o “único detentor(a)” do saber. Contudo, em alguns casos, é pertinente o uso do termo “monitorado” ou “guiado” quando, por exemplo, em momentos de grande fluxo de visitação, há a preocupação maior com o “ordenamento” organizacional momentâneo, sem a preocupação direta e efetiva com a produção de conhecimento naquele instante. 1. Informe-se antecipadamente sobre a história desses lugares e/ou desses atores, por meio de pesquisas em livros, revistas, sites (atente para o cuidado de pesquisa citado no roteiro anterior); 2. Antes de levar o grupo, faça uma visita mediada ao lugar/situação escolhido, para avaliar se o espaço está adequado à proposta da atividade que você idealizou. Converse com a pessoas sobre os seus objetivos e as características do grupo que você trará; 3. É importante que um bom diálogo entre os participantes da atividade anteceda a visita pretendida. Sonde quais são os conhecimentos prévios do grupo. Questione se alguém pratica ou já praticou a atividade a ser explorada. Reflita com eles sobre a trajetória de patrimonialização do bem cultural a ser visto de perto; 4. Discuta temas e debates, como: quem praticava essa atividade no passado? quem a pratica atualmente? qual a importância desse bem para a história local, regional, nacional? Seja criativo. As referências de natureza imaterial são mais sutis e exigem um repertório bem mais amplo do(a) mediador(a); 5. Instigue os participantes a perceber e listar pontos históricos/artísticos durante o trajeto percorrido do local de saída até o lugar visitado; 6. É importante que os participantes não se sintam pressionados a participar das atividades que venham a ocorrer para que não ocasione nenhum tipo de constrangimento. Deixe-os à vontade; 7. Caso sejam seus alunos, é interessante que não fiquem preocupados com a resolução de questionários ou com a escrita de relatórios no decorrer da visita; 8. Durante a visita, o(a) mediador(a) exerce um papel fundamental. Ele(a) conhece o grupo e deve facilitar as atividades planejadas, tendo cuidado para não se tornar protagonista das ações; 9. Na volta da visita, avalie a experiência de visitação; 10. Promova a montagem de um painel fotográfico físico ou virtual, com imagens colhidas pelo grupo, para que todos tenham acesso. Também podem ser feitos registros audiovisuais e/ou gravação de entrevistas (ambas por meio de smartphones, por exemplo); 11. No caso de estudantes, proponha atividades como a elaboração de redações, desenhos, charges e simulação de bens que, na concepção deles, poderiam ser registrados como patrimônio cultural imaterial da cidade em que vivem; 12. Proponha uma publicação. As manifestações culturais só são preservadas devido ao reconhecimento coletivo; Jogos e aplicativos. Uma das dimensões contemporâneas para se trabalhar com o patrimônio cultural atualmente são os jogos e aplicativos. Eles criam oportunidades para acessarmos alguns valores patrimoniais e entendermos processos de patrimonialização de forma mais lúdica. Por isso, possuem grande apelo entre crianças e jovens, sejam em computadores, celulares, tabuleiros ou em formato de RPG. Um desafio para os mediadores de educação para o patrimônio é pensar como podemos adaptar tais propostas para diferentes faixas etárias (crianças, jovens, adultos e idosos) e interesses (dos estudantes da educação básica, trabalhadores de equipamentos culturais, universitários, membros de organizações da sociedade civil, de associações, líderes comunitários etc). A seguir, dispomos alguns exemplos de jogos e aplicativos disponíveis no Brasil, que podem dinamizar e motivar incursões patrimoniais: a. Ágora do Saber: é um game produzidoem 2017 pelo Grupo de Pesquisa Educação Digital GPE-DU Unisinos/CNPq. O jogo se passa na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, evidenciando o contexto da imigração italiana. O game une patrimônio material e imaterial. Está disponível gratuitamente nas lojas do Google Play ou App Store; b. Quiz Arte em Português: é uma coleção de perguntas de conhecimentos gerais que garantem ao público testes lúdicos acerca das artes, desde o Renascimento à Arte Contemporânea. Para quem trabalha ou quer visitar um museu de artes, esse jogo é uma boa referência. Responda as questões e se divirta! O aplicativo está disponível gratuitamente nas lojas do Google Play ou App Store; c. Trilha Cultural: o jogo propõe a ampliação do repertório cultural, apresentando vários lugares conhecidos como patrimônio artístico-cultural nacional e sua diversidade. Na trilha, o jogador vai reunindo selos para formar cartões postais que darão informações sobre os patrimônios culturais do país. Com eles, você pode refletir sobre os critérios que foram usados para a seleção desses bens pelos órgãos de preservação; d. Carnavalizando: o aplicativo permite que o usuário seja o maestro de bandas, tocando os ritmos do litoral ao interior de Pernambuco, como o Frevo, Maracatu de Baque Virado, Baião, Coco de roda e Cavalo Marinho, mostrando a musicalidade desses patrimônios imateriais. Este aplicativo é disponível apenas na App Store para iPhone e iPad; e. Jogos Patrimoniais: foram desenvolvidos por meio do edital INOVApps, do Ministério da Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações (MCTIC). São 4 jogos, pensados individualmente, para que o usuário conheça, interaja, reflita e cuide do patrimônio cultural. Você pode acessar pelo site jogospatrimoniais.com.br/ f. Museu Encantado: é um jogo em que o participante precisa organizar as salas de um museu de acordo com determinados critérios. Cada uma das 9 salas apresentadas neste museu virtual representa um contexto histórico do nosso país e o usuário é convidado a acessá-lo. Acesse no site ludoeducativo.com.br/pt/play/o-museu-encantado?tag=historia g. Era Virtual: site onde você pode fazer visitações virtuais a museus brasileiros e seus acervos. Este projeto dialoga com a área da tecnologia das informações e a necessidade de promover o acesso aos espaços museológicos sem sair de casa. O projeto contempla também os parques nacionais e as cidades com sítios considerados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Disponível em: eravirtual.org/ h. Cartilha Jogo do Patrimônio 2.0: pensando em promover trabalhos colaborativos e que envolvessem os princípios da educação patrimonial, a equipe da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) desenvolveu a cartilha, no começo de 2013, como estratégia didática e lúdica. Em referência a web 2.0, permite a interação do usuário, promovendo proximidade com as identidades locais e valorizando o reconhecimento dos bens culturais pelos sujeitos envolvidos. Acesso em issuu.com/cultura.pe/docs/cartilha-jogo-do-patrim-nio-2.0 i. O Jardim é o Tabuleiro: influenciado pelo jogo de ludo, esse foi feito de modo que os jogadores realizam uma visita ao jardim do Museu da República, no Rio de Janeiro, bairro do Catete. O jogo é composto por tabuleiro, cartas com orientações de movimentação, dado e peças em formato de animais. Os jogadores, um por vez, lançam o dado e movem suas peças de acordo com o número de pontos obtidos. Informações: museus.gov.br/noticias/museu-da-republica-lanca-jogo-educativo-voltado-ao-publico-infantil-no-rj/ No próximo e último módulo de nosso curso, a segunda parte de Instrumentos possíveis para uma intervenção nas cidades, continuaremos a conversar sobre a temática, com mais dicas e sugestões práticas de mediação. Você não vai perder esse percurso, vai? Recordando... Diversos são os modos de habitar e viver as cidades, mas quando o que nos move é a perspectiva patrimonial, temos um olhar especial para os bens culturais que nela se encontram, dos quais fazemos parte e que vão nos formando identitariamente, como referências à nossa experiência e às memórias que construímos. Na trajetória do patrimônio cultural brasileiro, algumas cidades foram reconhecidas como sítios históricos ou algumas edificações foram escolhidas como bens patrimoniais e ganharam proteção oficial imediata, garantidas por força da lei. Muito se fez além do tombamento de bens materiais e do registro dos bens imateriais. Outras ações, sobretudo no campo da educação patrimonial, foram necessárias para que esses instrumentos de preservação se efetivassem. As fundação do Iphan, a criação de legislação especifica, as políticas culturais pelo país afora, a recente criação do Ibram, o desenvolvimento de disciplinas e áreas profissionais – como a Museologia –, além de ações da sociedade civil e iniciativas como nosso curso Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio, em EaD, que nessa primeira edição conquistou milhares de inscritos no país inteiro, compõem uma trajetória patrimonial que precisa ser vista, compreendida e continuada por nós e pelos que virão adiante, como aqueles que terão mediadores tão especiais como você. E por falar em nosso curso, depois de percorrer, nos módulos anteriores, a trajetória do patrimônio cultural brasileiro, agora você poderá revê-la a partir de uma linha do tempo. Assim, poderá fazer uma revisão panorâmica da trajetória deste curso, revisitando alguns temas abordados. Ao final desse percurso, proporemos algumas atividades que podem ser realizadas individualmente ou em grupo e ofereceremos dicas de páginas eletrônicas, redes sociais, projetos comunitários, filmes brasileiros ou estrangeiros sobre patrimônio cultural. Assente-se, jovem educador(a), e vamos embarcar nessa viagem que está apenas começando... Linha do tempo patrimonial? Nós já vimos que a história do patrimônio foi construída a partir de importantes marcos políticos, sociais, econômicos e culturais da nossa sociedade. Tanto os agentes civis, quanto as instituições e os agentes públicos aos poucos se cruzaram e encontraram caminhos comuns que resultaram em conceitos, diretrizes e ações incorporadas ao longo do tempo. Perceba: (1934) | Criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN). Sediada no Museu Histórico Nacional, a IMN foi criada a partir do Decreto nº 24.735/34. À frente da Inspetoria, o cearense Gustavo Barroso (1888-1959). Funcionou até 1937, quando o Sphan é criado. (1936) | Elaboração do Anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Redigido pelo escritor e pesquisador paulistano Mário de Andrade (1893-1945), a pedido de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do governo Getúlio Vargas, o anteprojeto apresentava uma perspectiva ampla da noção de patrimônio, incluindo a produção da cultural popular, a promoção de ações educativas em museus e a participação da comunidade na preservação dos bens patrimoniais. (1937) | A fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). O Decreto-Lei n.º 25/37, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, cria o Sphan e, com ele, o tombamento, instrumento de proteção dos bens materiais vinculados às elites nacionais. Nesse sentido, o Decreto acabou se distanciando do anteprojeto de Mário de Andrade. (1938) | Tombamento do Centro Histórico de Ouro Preto (MG). Tido como o “cartão-postal” do patrimônio brasileiro, o local já havia sido declarado Monumento Nacional, desde 1933. (1946) | Criação do International Council of Museums (Icom). O Icom é uma organização não-governamental que mantém relações formais com a Unesco. Destaque para o Comitê Internacional para a Educação e Ação Cultural (Ceca) (1948) | Criação do Conselho Internacional de Museus/seção Brasil (Icom Brasil). O Icom Brasil passou a ter assento em diferentes foros e conselhos nacionais ligados à preservação e à promoção do patrimônio brasileiro. (1958) | Promoção do Seminário Regional da Unesco. Realizado no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Teve como finalidade discutir a funçãoeducativa dos museus, com ênfase nos serviços para a educação escolar. Saiba mais. As Casas do Patrimônio são espaços de interlocução do Iphan com as comunidades, promovendo ações educativas que visam fomentar e favorecer a construção do conhecimento e a participação social para o aperfeiçoamento da gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio cultural. (1975) | Fundação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). Um grupo de intelectuais, sob o comando do designer pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982), promoveu a atualização da discussão sobre o sentido da preservação e da ampliação da concepção de patrimônio. (1980) | O Centro Histórico de Ouro Preto (MG) torna-se Patrimônio Mundial. Declarado pela Unesco, o primeiro bem cultural brasileiro inscrito na Lista do Patrimônio Mundial. (1981 – 1986) |Realização do Projeto Interação. A Secretaria de Cultura do MEC (Ministério da Cultura) propõe, por meio desse projeto, a aproximação da educação básica com os diferentes contextos culturais existentes no país, indicando que cultura e educação são esferas interconectadas. (1987) | Criação do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade. O nome do Prêmio é uma homenagem ao advogado, jornalista e escritor mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), membro do grupo dos modernistas e primeiro presidente do Sphan, de 1937 a 1967. A premiação reconhece ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro que, em razão da sua originalidade, mereçam divulgação e reconhecimento público. Promovido pelo Iphan, é realizada anualmente, via edital, com criteriosa seleção. É concedido a empresas, instituições e cidadãos de todo o Brasil, contribuindo para apresentar a diversidade e a riqueza do patrimônio cultural nacional. (1988) | Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, é referida como “Constituição Cidadã”. Trouxe em seu texto o conceito de patrimônio cultural, em seus artigos 215 e 216. Se liga! O período de 1937 a 1967 é chamado de Fase Heroica do Patrimônio, pois se fez o salvamento necessário da “pedra e cal”. As principais frentes de “ação educativa” eram dadas pelo incentivo às publicações, como a Revista do Iphan, e o tombamento de exemplares da arquitetura civil, religiosa, militar e vernacular, sobretudo do período colonial. (1999) | Publicação do Guia Básico de Educação Patrimonial. Tornou-se uma referência nos trabalhos que envolvem ações educativas sobre as questões patrimoniais. O livro apresenta fundamentação teórica voltada para a salvaguarda do patrimônio cultural por meio de experiências e projetos desenvolvidos pelo Iphan. Esse material encontra-se disponível aos interessados no site do Iphan. Acesse: portal.iphan.gov.br/guia_educacao_patrimonial . (2000) | Publicação do Decreto nº 3.551/00: Registro do Patrimônio Imaterial. O Decreto instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem Patrimônio Cultural Brasileiro e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). (2002) | Primeiro bem inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão. Trata-se do registro da Pintura Corporal e Arte Gráfica (Arte Kusiwa) da etnia Wajãpi, no Amapá. No ano seguinte, esse bem recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfico próprio dos povos indígenas Wajãpi, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo. (2003) | Criação da Política Nacional de Museus (PNM). Lançada pelo Ministério da Cultura, em meio às comemorações do Dia Internacional de Museus. Os documentos básicos, após debate com a comunidade museológica, culminaram no lançamento do caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. (2003) | Fundação da Rede de Educadores de Museus do Rio de Janeiro (REM RJ). Outras Redes de Educadores em Museus surgiram em diversos estados brasileiros, se inspirando na REM do Rio de Janeiro, que organizou encontros nacionais entre educadores e outros profissionais de museus para promover esses coletivos. (2004) | Criação da Gerência de Educação Patrimonial e Projetos (Geduc). Primeira instância da área central do Iphan voltada para a Educação Patrimonial. Para consolidá-la, foi realizada a I Reunião Técnica, em Pirenópolis (GO). Desde 2009, funciona como Coordenação de Educação Patrimonial (Ceduc), vinculada ao Departamento de Articulação e Fomento (DAF/Iphan). (2005) | Organização do I Encontro Nacional de Educação Patrimonial (Enep). Reunião para discussão e proposição de parâmetros nacionais para ações de Educação Patrimonial do Iphan nas escolas, museus e outros espaços sociais, realizado na cidade de São Cristóvão, Sergipe, no Convento de São Francisco. Saiba mais sobre essa ação: portal.iphan.gov.br/I_encontro_nacional_de_educ_patrimonial.pdf. (2005) | Fundação do Programa de Especialização em Patrimônio (PEP Iphan/Unesco). Propõe uma formação interdisciplinar para a gestão do patrimônio cultural brasileiro, voltado aos jovens profissionais recém-graduados. São selecionados profissionais de todas as regiões do Brasil que, durante dois anos, desenvolvem pesquisa e trabalhos junto às Superintendências do órgão nos estados. Desde 2010, o PEP tornou-se um mestrado profissional em preservação do patrimônio cultural. (2008) | Organização da Oficina de Capacitação em Educação Patrimonial e Fomento a Projetos Culturais. Primeira realização da política de educação patrimonial do Iphan nas Casas do Patrimônio, quando as diretrizes gerais desses espaços foram debatidas e consolidadas em âmbito coletivo. (2008) | Criação do Prêmio Darcy Ribeiro para Ações Educativas em Museus. O Prêmio tem como objetivo identificar e estimular os movimentos e as práticas educacionais dos museus. (2009) | I Seminário de Avaliação e Planejamento das Casas do Patrimônio. Realizado em Nova Olinda (CE), na Fundação Casa Grande, a ação tinha como objetivo consolidar um campo de trabalho para as ações educativas de preservação do patrimônio cultural brasileiro. (2009) | Fundação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira, vinculada à Secretaria Nacional de Cultura, com sede e foro na capital federal. Tem o papel de pensar e gerenciar políticas públicas para o campo museal no Brasil. (2011) | II Encontro Nacional de Educação Patrimonial (II Enep). Reunião para pactuar as diretrizes no campo de Educação Patrimonial e fortalecer a rede de instituições e de profissionais atuantes na área educacional. Parceria entre o MEC (Ministério da Educação) e Iphan, para que o tema Educação Patrimonial integrasse o macrocampo Cultura e Artes do Programa Mais Educação, de Educação Integral. (2013) | Encontro ProExt – Extensão Universitária na Preservação do Patrimônio Cultural. Uma política conjunta entre MEC e MinC, aconteceu em Ouro Preto (MG). (2013) | 23ª Conferência Geral do Icom. Realizada no Rio de Janeiro, com o tema Museus (memória + criatividade) = mudança social. (2016) | Publicação das Diretrizes de Educação Patrimonial no âmbito do Iphan e das Casas do Patrimônio. A Portaria nº 137, de 28 de abril, do Iphan e das Casas do Patrimônio, tem o objetivo de organizar o conjunto de marcos referenciais para a educação patrimonial como prática transversal aos processos de preservação e valorização do patrimônio cultural. (2017) | Seminário de Fortaleza: Desafios para o Fortalecimento da Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Realizado na cidade de Fortaleza, entre os dias 8 e 11 de novembro, o Seminário revisitou a trajetória da elaboração e os caminhos da implementação da Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial do Brasil (lembra-se que falamos sobre a Carta de Fortaleza, há pouco?), bem como refletiu sobre os avanços e futuro dessa política. Também aconteceu nesse evento a reunião do Centro Regional para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina(Crespial), da Unesco. (2017) | Construção da Política Nacional de Educação Museal (Pnem). A Pnem reúne princípios, diretrizes e objetivos que foram definidos e construídos de forma coletiva, colaborando para a instituição da Portaria nº 422/17 do Ibram, e integrando o Caderno da PNEM, publicação que apresenta um breve histórico da educação museal no país, uma síntese de como ocorreu o processo de construção participativa da Pnem e conceitos-chave que devem conduzir o trabalho nesta área. Para os curiosos. Hora de Praticar! Que tal, a partir desse exemplo, criar duas linhas do tempo pessoais? Sugerimos duas propostas: 1. Escolha uma pessoa. Pode ser um amigo, um familiar ou alguém com destaque na sua comunidade (cuidado: esse destaque não necessariamente implica riqueza!). Faça uma árvore genealógica/patrimonial, pontuando os momentos mais significativos desta trajetória de vida (atenção: tente não impor a sua visão ou experiência pessoal). Lembre-se que patrimônio, na origem da palavra, tem o sentido de “herança, legado familiar”. Nesse sentido, pense nas seguintes questões durante a construção dessa árvore: Quais os aprendizados dessa pessoa e de quem ela os herdou? Como ela os preserva? 2. Escolha um bem cultural (material ou imaterial) da sua família, da sua comunidade ou da sua cidade e monte uma linha do tempo. Faça isso no formato de um painel, imaginando que você possa apresentá-lo a outras pessoas e solicitar delas a colaboração na construção dessa linha do tempo, acrescentando outras informações. Assim, você conhecerá o seu patrimônio cultural e teremos uma linha do tempo coletiva. Mãos à obra! Explorando novas possibilidades de pensar o Patrimônio. O patrimônio cultural, como observamos ao longo do curso, é objeto de diversos olhares: professores e alunos de todos os níveis educativos; profissionais (designers, museólogos, bibliotecários, antropólogos, historiadores, arqueólogos etc); instituições culturais das mais variadas; investigadores de programas de pós-graduação; pessoas que moram em bens tombados ou no entorno deles; comunidades que intervêm para que algum lugar não seja apagado da memória citadina ou que criam ferramentas autossustentáveis para o seu reconhecimento; espaços físicos ou virtuais criados para evidenciar memórias; indivíduos que se reúnem e passam o ano inteiro preparando uma festa cuja “construção” lhes foi repassada por gerações anteriores; filhos que continuam o que os familiares mais velhos deixaram como saberes e ofícios etc. Diante de tantos agentes, não podemos pensar uma educação patrimonial ou educação para o patrimônio reduzida apenas em um saber ou tão somente por uma única via de produção de conhecimento, privilegiando apenas um campo ou uma área que se quer legitimar como lugar de onde fala o “profissional do patrimônio”. Portanto, não é possível pensar sobre a história de uma cidade restrita apenas aos chamados “centros históricos” ou aos museus. Essa visão é, no mínimo, equivocada, se partirmos de um conceito de patrimônio cultural mais abrangente e contemporâneo, que permite entender os bens patrimoniais ligados aos mais diversos territórios, edificações, objetos, conhecimentos, manifestações e paisagens, a partir da importância que eles têm para diferentes segmentos sociais, mesmo aqueles mais invisibilizados. Logo, é importante para qualquer mediador(a) de uma educação para o patrimônio refletir sobre como as pessoas usam, vivem, convivem, enfim, se relacionam com as referências culturais que acabam interferindo na construção de suas identidades e memórias, individuais e coletivas. É a partir dessas questões que devemos pensar na construção de instrumentos para a intervenção em nossas cidades, de forma qualitativa. A meta é despertar nas pessoas a vontade de participar das discussões acerca do patrimônio cultural e integrarmos às nossas atividades educativas as dimensões do viver cotidiano, fugindo não apenas de processos de retificação de símbolos e significados externos às nossas comunidades, como assumindo o compromisso de constituir um movimento coletivo e democrático em torno do pensar o patrimônio. A produção ativa de saberes pelos detentores e sujeitos das referências culturais de uma localidade é o mais importante, pois assim é possível reconhecer essas referências atreladas aos sentidos da memória social local e suas particularidades frente a contextos socioculturais distintos. Nesse sentido, devemos pensar atividades que primem pelo autoconhecimento comunitário, a partir da produção horizontal (compartilhada) de conhecimentos pelos diversos grupos sociais na dinâmica de habitar a cidade. Nessa dinâmica, não se deve refletir apenas sobre um passado distante, mas sobre o tempo presente e o devir (vir a ser), para garantirmos a preservação do que elegemos como patrimônio, com desenvolvimento sustentável. Assim, devemos pensar ações que coloquem os membros das comunidades e coletivos em um lugar mais privilegiado. Ou seja, eles saem da situação de “recebedores” passivos de informações, para a condição de sujeitos (protagonistas) no mundo. É preciso que abandonemos o modelo da “educação bancária”, tão criticado por Paulo Freire (1970), para outros em que o(a) educador(a), educando(a), poder público e comunidades participem de forma dialógica, articulada e comprometida para reconhecer e proteger o patrimônio cultural das cidades. Partindo dessas premissas, poderíamos nos perguntar: que ferramentas podemos propor para estimular a gestão territorial e patrimonial? Ora, muitas delas fazem parte do nosso cotidiano, como o uso das redes sociais, leitura de blogs e o estímulo aos debates suscitados após assistir a boas produções audiovisuais. Essas possibilidades, claro, não substituem a visita aos museus, aos sítios históricos e aos bens tombados, ou ainda a vivência das manifestações culturais imateriais, mas servem para despertar nossa sensibilidade acerca do patrimônio, seja ele já reconhecido e consagrado pelas políticas públicas ou não. Então, a partir dessas ideias, preste bastante atenção nas dicas a seguir. Educação Patrimonial ou Educação para o Patrimônio?. O termo Educação Patrimonial foi incorporado no Brasil a partir dos textos produzidos pela museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta, na década de 1980, como uma transposição do conceito inglês Heritage Education. Foi definido como “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo.” (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999, p. 6). Seus princípios metodológicos foram muito utilizados nos museus de História e de Arte, além de difundidos por meio de publicações do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Tempos depois, alguns dos seus pressupostos começaram a ser questionados por vários estudiosos, sobretudo no que se refere à ideia de promover uma “alfabetização cultural” dos indivíduos a partir da observação dos objetos, museus e paisagens antropizadas. Denise Grispum foi uma das primeiras a formular novas proposições para o desenvolvimento de uma Educação para o Patrimônio (2000). Embora essa terminologia não tenha sido largamente incorporada aos textos acadêmicos e documentos técnicos produzidos no âmbito do Iphan e de outros órgãos de preservação do patrimônio, suas proposições metodológicas, como a de mediação, foram consideradas e amplificadas nos últimos 20 anos, como veremos a seguir. Não é possível conhecer o patrimônio cultural apenas a partir de uma visão contemplativa: intervir nele é urgente! Principalmente no processo de sensibilização para que outras pessoas possam se relacionar com a cidade, identificando seus patrimônios de forma crítica, refletindo acerca dos significados que marcam muitos momentos da história de nossas cidades. É onde entra o nosso papel de mediador(a) de educação para o patrimônio, ou seja, de agente responsável por estabelecer diferentes estratégias que auxiliarão na construção de significados individuais e coletivosno encontro entre os bens culturais e seus detentores. Agindo assim, assumimos a nossa função de poliglotas culturais, como afirma Varine (2012), nos adaptando a públicos distintos, independentemente de seu grau de instrução e origem social, utilizando linguagem adequada e acessível, mas sempre determinada, encorajadora e sensibilizadora. Exemplifiquemos: as edificações (casas, prédios, monumentos) podem conter várias informações sobre o contexto histórico de uma determinada época, como as técnicas de construção, o estilo arquitetônico e as formas de ser e de viver utilizados no passado. Uma manifestação cultural, como as rodas de capoeira, o cortejo de maracatu, a xilogravura etc., pode revelar os modos de viver, saberes locais e costumes que se enraizaram e se reconstruíram ao longo de um tempo. Logo, o patrimônio ajuda a caracterizar um contexto sociocultural, as identidades individuais e coletivas, como pode transmitir valores para as próximas gerações. A educação para patrimônio, portanto, é um instrumento importante para uma intervenção nas cidades, por nos fazer entender que os bens culturais são testemunhos de quem fomos, de quem somos e de quem queremos ser. Para desenvolver atividades efetivas de educação para o patrimônio, o ideal é que elas se integrem à vida das pessoas desde seus primeiros momentos de existência. Discutimos e repetimos aqui muitas vezes que o reconhecimento e a preservação de patrimônios não cabem apenas ao poder público. Devemos atuar como educadores na comunidade, fazendo com que ela se aproprie desses patrimônios e exerça o seu poder de resguardar, transmitir e ressignificá-los, deixando de lado uma postura passiva das lamentações por vê-los abandonados e/ou quase destruídos. Não é isso o que assistimos nas redes sociais quando se noticiam a derrubada daquele imóvel antigo e raro? Lamentos e pronto. Só isso? A educação patrimonial ou para o patrimônio deve ser, desse modo, um mecanismo importante na construção da cidadania, por ser uma prática que se preocupa em assegurar que os habitantes da cidade tenham voz e desempenhem o seu papel de protagonistas na construção do conhecimento e de ações relacionados às suas memórias e histórias. Se liga! E qual a diferença entre memória e história? Baseados no pensador francês Pierre Nora (1993), podemos entender que esses termos não são sinônimos, embora tenham semelhanças, pois ambos são dimensões da produção humana que lidam com lembranças, esquecimentos e identidades (individuais e coletivas). A memória, no entanto, é uma ação vivenciada no cotidiano, espontaneamente atualizada no tempo presente, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, vulnerável a manipulações, que precisa de múltiplas modalidades de lugares (materiais e imateriais) para tomar forma. É o reino do absoluto. Já a história é uma ação intelectual, escrita, que possui métodos de produção, demanda análise e discurso crítico. É atualizada no presente como uma reconstrução sempre problemática e incompleta do pretérito. Pode usar a memória como fonte de pesquisa, além de outros documentos. Deve fazer emergir lembranças e esquecimentos simultaneamente e, sobretudo, não deve estar a Educação para o Patrimônio. Quando as atividades dentro das instituições não formais de educação (como os museus) começaram a ser sistematizadas, a concepção pedagógica predominante enxergava a educação patrimonial como um instrumento de alfabetização cultural. É comum ouvirmos falar: (1) para proteger o patrimônio cultural é necessário fazer com que as pessoas conheçam esse patrimônio; ou (2) as pessoas não preservam o patrimônio por que não o conhecem. É comum ouvirmos falar: (1) para proteger o patrimônio cultural é necessário fazer com que as pessoas conheçam esse patrimônio; ou (2) as pessoas não preservam o patrimônio por que não o conhecem. No decorrer do curso, certamente você percebeu que, quando essas frases se referem a “proteger”, “preservar” e “conhecer” o patrimônio cultural, não significa que se reportem apenas ao patrimônio consagrado, aquele já tombado ou registrado pela Unesco, pelo Iphan, ou pelos estados e/ou municípios. Lembre-se sempre que as comunidades são sujeitos ativos dos processos de patrimonialização. Nós e os membros de outros grupos sociais aos quais não pertencemos, elaboramos e construímos outras narrativas além daquelas que já foram reconhecidas por “especialistas” no âmbito dos órgãos oficiais de preservação. Para começar, e isso você já está fazendo, é preciso compreender o que é patrimônio (material, imaterial, natural) e qual a sua importância, além dos meios e caminhos necessários para a sua preservação. Então, concluímos que as atividades de educação para o patrimônio não devem ser voltadas para “alfabetizar culturalmente” as pessoas. Elas não são organizadas objetivando levar o conhecimento “mais correto” ou imposto ao outro. A postura que defendemos aqui é a da promoção da diversidade, ou seja, quando diferentes pessoas e grupos sociais possam ser sujeitos ativos, produtores e protagonistas da cultura, entendida como plural, promovendo conhecimentos em torno dos bens patrimoniais, de forma coletiva e dialógica (TOLENTINO, 2016). Logo, temos que repensar algumas práticas que convencionamos denominar como “as mais apropriadas” para trabalhar com o patrimônio cultural. Entre elas, as visitas aos “bens tombados”, aos chamados “centros históricos” ou “monumentos” das cidades. Não podemos nos restringir apenas a elas. Para os curiosos. Hora de praticar. Assumindo o seu papel de mediador(a) de educação para o patrimônio, faça um exercício: em duplas ou trios, delimite um perímetro (o seu bairro, por exemplo, ou uma parte dele) e saia caminhando por sua cidade. Comece a mapear e fotografar alguns bens materiais (casas, escolas, praças, comércios, instituições públicas) e imateriais (grupos artísticos e suas manifestações, ofícios etc), mesmo aqueles que você sabe que não foram tombados ou registrados pelos órgãos oficiais de preservação do patrimônio. A partir desse levantamento, monte um mapa com pegadas (utilizando as fotos colhidas), para que outras pessoas possam seguir esse roteiro das pegadas e se deparar com os bens identificados pela equipe. Em cada um deles, coloque uma “plaquinha” que sinaliza sua importância. Vamos lá? Certamente você terá muitas surpresas. Saiba mais. Você sabia que, em 1936, durante a elaboração do anteprojeto de Mário de Andrade para a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), já havia a preocupação com uma formação pedagógica voltada para o patrimônio, sobretudo nos museus? A educação não serve apenas para instruir, informar. Os usuários do patrimônio devem fazer parte de um processo no qual sejam levados a refletir sobre o que estão conhecendo. Naturalmente, falar de patrimônio não é garantir consensos. É compreendê-lo como uma construção social, realizada num campo de tensões, acordos e conflitos. Somente assim é possível dar sentido a ele como potencial transformador da realidade. É importante que todos os cidadãos, ao se depararem com um bem cultural, estejam aptos a problematizá-lo, usando diversas chaves de interpretação, que vão além de uma perspectiva estritamente pedagógica. Para despertar o interesse no patrimônio cultural, a mensagem para você, agora mediador(a), é relacioná-lo com o cotidiano das pessoas, levando em consideração o contexto de vida dos muitos usuários dos bens culturais. A educação patrimonial acontece a partir de vários métodos de trocas de saberes, a partir do encontro de diversos agentes, como os detentores de bens, especialistas do patrimônio ou profissionais de diversos campos do saber, por meio da interdisciplinaridade e transversalidade (SCIFONI, 2017). Para os curiosos. Hora de praticar Na atividade anterior, a missão era reconhecer e conhecer o patrimônio cultural de sua localidade, elaborando um mapeamento descritivo e compartilhando-o. Agora, munidos deste mapa e com a equipe duplicada, pode-se fazer um trabalho mais cuidadosoe participativo, de modo que todos saiam da observação, entrando na ação. Daí, que tal criar um ateliê de atividades, aberto e participativo? Como? Respeitando as habilidades de cada participante (escrever ou desenhar bem, fotografar bem, realizar boas filmagens, performances etc). Assim, é possível construir um diário de bordo, em que os usuários percorrem o espaço, registrando com detalhes o que observaram. No final, marca-se um momento para que todos os envolvidos mostrem o que foi coletado, reunindo os conteúdos em um documento a ser disponibilizado para a consulta na biblioteca comunitária de seu bairro, da sua escola ou, quem sabe, na biblioteca oficial de seu município. No caso das ações em escolas (públicas ou privadas), é possível pensar a educação patrimonial a partir do diálogo dos diferentes programas curriculares e projetos que discutam os conceitos de patrimônio, trabalhando o contexto dos alunos a partir de írculos concêntricos. Isso exige dos educadores metodologias diferenciadas, aplicadas em diferentes níveis, a fim de que o patrimônio não sirva apenas como mera “ilustração” das aulas. Isso exige dos educadores metodologias diferenciadas, aplicadas em diferentes níveis, a fim de que o patrimônio não sirva apenas como mera “ilustração” das aulas. Educação patrimonial é um processo educativo, baseado em um conjunto de diferentes metodologias que devem levar em consideração as particularidades do público com quem vai se trabalhar, o lugar e os diferentes contextos, proporcionando aos educandos experiências diferentes das que vivem e não apenas se limitando a transmitir informações ou apresentar a eles apenas àquilo que é reconhecido e estabelecido oficialmente. Sendo assim, não podemos dar um modelo ou uma receita de como fazer educação para o patrimônio, pois a educação é uma prática sociocultural (CHAGAS, 1999) que se inventa, se testa, se reelabora, sempre numa perspectiva dialógica entre todos os sujeitos que dela participam. Entendamos assim que a educação não é difusão cultural, mas ação cultural. Ou seja, não se trata da transferência de conteúdo (mera exposição), mas da produção coletiva de sentidos e experiências. Então, você pode se perguntar, qual o potencial das atividades educativas no campo do patrimônio cultural? Respondemos: esse é um campo possível para nos aproximar da pluralidade de olhares e de narrativas históricas e afetivas ou de conflitos sociais em torno dos diferentes bens culturais da cidade. É o lugar onde podemos ouvir as vozes dos detentores de tradições, com seus saberes e fazeres, servindo de instrumento ao direito à memória e à cidadania, permitindo que as comunidades se apropriem e usufruam do patrimônio como ferramenta de permanência e de fala. Saiba mais. No curso, muitas vezes falamos em detentores de bens culturais. E você já ouviu falar nos Mestres da Cultura do Ceará? No link a seguir você saberá quem é esse mestre da cultura, onde ele se encontra e o que ele faz. Se você residir em município do interior cearense, é capaz que cruze todos os dias com um deles e não saiba de sua importância para a comunidade: anuariodoceara.com.br/mestres-da-cultura-do-ceara/ Inventários participativos. Como insistimos sempre por aqui, a população pode definir o que ela entende como patrimônio cultural. Nesse sentido, foram criados os Inventários Participativos. E o que são? São instrumentos que garantem a escuta dos membros dessa população, permitindo que indiquem o que consideram ser o patrimônio da comunidade em que estão inseridos e, assim, forneçam o maior número de informações e documentos possíveis para a sua patrimonialização oficial. Dessa forma, acreditamos que a comunidade se torna protagonista para inventariar, descrever, classificar e definir o que constitui o seu patrimônio, numa perspectiva dialógica do conhecimento, abarcando habitantes distintos, de gerações e atuações diferentes na comunidade. O objetivo principal é exercitar a mobilização social, realizando reflexões acerca das referências culturais comunitárias. O Inventário Participativo proposto pelo Iphan traz fichas estruturantes como: a. ficha do projeto, preenchida ao longo de toda a atividade, organizando as informações recolhidas; b. ficha do território, que reúne informações acerca do espaço demarcado pelo grupo de pessoas que irá produzir o inventário; c. ficha das fontes pesquisadas, que têm o objetivo de identificar de onde vieram as informações, como citação de livros, documentos, entrevistas etc.; d. ficha do relatório de imagens, que reúne fotografias, pinturas, gravuras, desenhos coletados ou produzidos; e e. ficha de roteiro das entrevistas, que serve para organizar os depoimentos que o grupo considera importantes para a caracterização da referência cultural que está sendo inventariada. Para os curiosos. Com base em metodologias já existentes no Iphan, sobretudo o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), foi desenvolvido e disponibilizado, em 2012, o Inventário Pedagógico, fruto da participação do Instituto na atividade de Educação Patrimonial do Programa Mais Educação, da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC). Esse instrumento foi idealizado para ser aplicado pelas escolas. Acesse em: portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/582. Em 2014, o Iphan lançou a publicação Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos, com a finalidade de estabelecer um marco institucional que referencia as ações e experiências desenvolvidas com o suporte técnico da instituição. Confira em: portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Educacao_Patrimonial.pdf. Depois, em 2016, foi publicado o manual Educação Patrimonial: inventários participativos. A partir das experiências com o Inventário Pedagógico foi proposta a metodologia do Inventário Participativo, a ser aplicada pelas comunidades interessadas na identificação e valorização dos seus patrimônios locais. Acesse: portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodo patrimonio_15x21web.pdf. Um exemplo exitoso de inventário participativo elaborado foi o que envolveu dois coletivos de cultura na cidade de São Paulo: o Movimento BaixoCentro e a Repep (Rede Paulista de Educação Patrimonial). Ambos se envolveram na revalorização da área central do munícipio, com a desativação do “Minhocão” (Elevado Presidente João Goulart) como via de tráfego e a implantação de projetos para dar novos usos ao espaço (se quiser ler sobre isso: repep.fflch.usp.br/gt-minhocao). Para ajudar na realização de entrevistas, sugerimos as experiências do Museu da Pessoa, que produziu algumas publicações para divulgar sua Metodologia em Tecnologia Social da Memória. Ela está sintetizada em textos como: · História Falada: memória, rede e mudança social. Confira em: museudapessoa.org/pt/entenda/portfolio/publicacoes/metodologia/historia-falada-2005 · Memória Social: uma metodologia que conta histórias de vida e o desenvolvimento local. Disponível em: museudapessoa.org/memoria-social-uma-metodologia-que-conta-historias-de-vida-e-o-desenvolvimento-local-2008 · O que é? Conceitos e sugestões de atividades para construir coletivamente um projeto de memória. Disponível em: museudapessoa.org/pt/entenda/ Percorrendo o Patrimônio Material e Imaterial. Vamos relaxar um pouco agora e planejar uma visita a espaços urbanos reconhecidos ou não pelo poder público como patrimônio cultural material. É uma boa ideia, não é? Você conhece algum espaço assim na sua cidade ou em seu estado? Pode ser um museu, um parque, um jardim botânico, um sítio arqueológico. Depois de escolher onde acontecerá essa prazerosa visita, prepare-se para ser um(a) mediador(a) do patrimônio entre os seus convidados, sejam eles seus alunos, colegas, amigos ou familiares. Para isso, vamos lhe dar algumas dicas para seu roteiro para patrimônio cultural material: 1. Trace uma rota com todos os lugares que irão visitar: praças, igrejas, museus, parques etc. É importante carregar consigo sempre um mapa (físico ou digital) para melhor se localizar; 2. Informe-se antecipadamente sobrea história desses lugares, por meio de pesquisas em livros, revistas, sites (assegure-se das fontes desses sites. Muitos, ainda que bem-intencionados, publicam informações de “ouvi dizer”, repetindo erros históricos que você, sem querer, pode contribuir para disseminar); 3. Procure saber quais são os conhecimentos prévios do grupo que você irá mediar. Questione se alguém já visitou ou conhece algo sobre os locais que o grupo vai percorrer (reconhecer e utilizar do conhecimento prévio do grupo é uma ótima estratégia para potencializar os resultados de sua visita); 4. Durante o trajeto lance curiosidades, “iscas” para manter a atenção, e suscite o debate de temas. Por exemplo: como surgem as cidades? De que forma os espaços públicos urbanos foram ocupados no perímetro escolhido? O que significa o tombamento do patrimônio material? Qual o significado dos nomes que as ruas receberam? 5. Caso a visitação seja durante o dia, oriente o grupo para que vistam roupas e calçados confortáveis, levem chapéu, protetor solar, garrafas de água, alimentos etc. Ao escolher lugares íngremes, deve levar em consideração a faixa etária dos envolvidos. Enfim, você é responsável para garantir uma visita bem-sucedida e segura; 6. Ressalte sempre a importância de ficarem todos juntos durante o trajeto percorrido, a fim de zelar pela segurança e a união do grupo. Todos zelam por todos; 7. Instigue os participantes a perceber e listar pontos históricos/artísticos ou mesmo curiosos durante o trajeto percorrido, do local de partida até o ponto final ou de atividade; 8. Caso sejam seus alunos, não é interessante que eles fiquem preocupados com a resolução de questionários ou com a escrita de relatórios no decorrer da visita; 9. Incentive associações entre o que está sendo visto e o local em que os participantes moram, a fim de expandir a noção de patrimônio e preservação; 10. Na volta da visita, avaliem a experiência de visitação. Em uma breve conversa em roda, você pode se surpreender com os relatos; 11. Promova a montagem de um painel fotográfico, virtual ou físico, com imagens do grupo, para que todos tenham acesso; 12. No caso de estudantes, proponha atividades como a elaboração de redações, desenhos, charges e simulação de bens que poderiam ser tombados como patrimônio cultural material da cidade em que vivem. Agora, vamos apresentar uma sugestão de roteiro exploratório para o patrimônio cultural imaterial. Compreendendo agora que o patrimônio imaterial refere-se a práticas e domínios da vida social, que se manifestam em saberes, ofícios, modos de fazer, celebrações e formas de expressão (cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas), você conseguiria citar lugares do seu cotidiano que correspondem à cultura imaterial? Você se lembra, a partir dos módulos anteriores, que os mercados e as feiras populares fazem parte da cultura do Brasil? Que a roda de capoeira, marginalizada durante grande parte da história do nosso país, foi reconhecida em 2008 como patrimônio imaterial brasileiro e, posteriormente, reconhecida pela Unesco, em 2014, como Patrimônio Imaterial da Humanidade? Enfim, agora você deve planejar um roteiro de visitação que contemple itens do patrimônio imaterial reconhecidos ou não pelo poder público. Assim, como mediador do patrimônio, conduzirá um grupo por esse roteiro. Siga as dicas: Para os curiosos. Visita Orientada x Visita Mediada As visitas orientadas acontecem quando uma pessoa se desloca de um ambiente para o outro, temporariamente, para encontrar outra(s) pessoa(s) ou lugar(es). Nesse caso, costumam ser agendadas com antecipação, para que o(a) monitor(a) possa estar preparado(a) para atender o visitante. No caso dos museus e monumentos, usam-se também adjetivos agregados à visitação, como visita guiada ou monitorada, que pode dar uma ideia de que o visitante é um mero receptor de informações/orientações acerca do acervo e de como se comportar. Já as visitas mediadas ampliam a visão educativa nessa atividade onde o(a) visitante é (ou deve ser) estimulado a participar ativamente na troca de conhecimentos inerente à atividade. O (a) profissional do museu apenas media a visita, sem ser o “único detentor(a)” do saber. Contudo, em alguns casos, é pertinente o uso do termo “monitorado” ou “guiado” quando, por exemplo, em momentos de grande fluxo de visitação, há a preocupação maior com o “ordenamento” organizacional momentâneo, sem a preocupação direta e efetiva com a produção de conhecimento naquele instante. 1. Informe-se antecipadamente sobre a história desses lugares e/ou desses atores, por meio de pesquisas em livros, revistas, sites (atente para o cuidado de pesquisa citado no roteiro anterior); 2. Antes de levar o grupo, faça uma visita mediada ao lugar/situação escolhido, para avaliar se o espaço está adequado à proposta da atividade que você idealizou. Converse com a pessoas sobre os seus objetivos e as características do grupo que você trará; 3. É importante que um bom diálogo entre os participantes da atividade anteceda a visita pretendida. Sonde quais são os conhecimentos prévios do grupo. Questione se alguém pratica ou já praticou a atividade a ser explorada. Reflita com eles sobre a trajetória de patrimonialização do bem cultural a ser visto de perto; 4. Discuta temas e debates, como: quem praticava essa atividade no passado? quem a pratica atualmente? qual a importância desse bem para a história local, regional, nacional? Seja criativo. As referências de natureza imaterial são mais sutis e exigem um repertório bem mais amplo do(a) mediador(a); 5. Instigue os participantes a perceber e listar pontos históricos/artísticos durante o trajeto percorrido do local de saída até o lugar visitado; 6. É importante que os participantes não se sintam pressionados a participar das atividades que venham a ocorrer para que não ocasione nenhum tipo de constrangimento. Deixe-os à vontade; 7. Caso sejam seus alunos, é interessante que não fiquem preocupados com a resolução de questionários ou com a escrita de relatórios no decorrer da visita; 8. Durante a visita, o(a) mediador(a) exerce um papel fundamental. Ele(a) conhece o grupo e deve facilitar as atividades planejadas, tendo cuidado para não se tornar protagonista das ações; 9. Na volta da visita, avalie a experiência de visitação; 10. Promova a montagem de um painel fotográfico físico ou virtual, com imagens colhidas pelo grupo, para que todos tenham acesso. Também podem ser feitos registros audiovisuais e/ou gravação de entrevistas (ambas por meio de smartphones, por exemplo); 11. No caso de estudantes, proponha atividades como a elaboração de redações, desenhos, charges e simulação de bens que, na concepção deles, poderiam ser registrados como patrimônio cultural imaterial da cidade em que vivem; 12. Proponha uma publicação. As manifestações culturais só são preservadas devido ao reconhecimento coletivo; Anterior , Jogos e aplicativos. Uma das dimensões contemporâneas para se trabalhar com o patrimônio cultural atualmente são os jogos e aplicativos. Eles criam oportunidades para acessarmos alguns valores patrimoniais e entendermos processos de patrimonialização de forma mais lúdica. Por isso, possuem grande apelo entre crianças e jovens, sejam em computadores, celulares, tabuleiros ou em formato de RPG. Um desafio para os mediadores de educação para o patrimônio é pensar como podemos adaptar tais propostas para diferentes faixas etárias (crianças, jovens, adultos e idosos) e interesses (dos estudantes da educação básica, trabalhadores de equipamentos culturais, universitários, membros de organizações da sociedade civil, de associações, líderes comunitários etc). A seguir, dispomos alguns exemplos de jogos e aplicativos disponíveis no Brasil, que podem dinamizar e motivar incursões patrimoniais: a. Ágora do Saber: é um game produzido em 2017 pelo Grupo de Pesquisa Educação Digital GPE-DU Unisinos/CNPq. O jogo se passa na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, evidenciando o contexto da imigração italiana. O game une patrimônio material e imaterial.Está disponível gratuitamente nas lojas do Google Play ou App Store; b. Quiz Arte em Português: é uma coleção de perguntas de conhecimentos gerais que garantem ao público testes lúdicos acerca das artes, desde o Renascimento à Arte Contemporânea. Para quem trabalha ou quer visitar um museu de artes, esse jogo é uma boa referência. Responda as questões e se divirta! O aplicativo está disponível gratuitamente nas lojas do Google Play ou App Store; c. Trilha Cultural: o jogo propõe a ampliação do repertório cultural, apresentando vários lugares conhecidos como patrimônio artístico-cultural nacional e sua diversidade. Na trilha, o jogador vai reunindo selos para formar cartões postais que darão informações sobre os patrimônios culturais do país. Com eles, você pode refletir sobre os critérios que foram usados para a seleção desses bens pelos órgãos de preservação; d. Carnavalizando: o aplicativo permite que o usuário seja o maestro de bandas, tocando os ritmos do litoral ao interior de Pernambuco, como o Frevo, Maracatu de Baque Virado, Baião, Coco de roda e Cavalo Marinho, mostrando a musicalidade desses patrimônios imateriais. Este aplicativo é disponível apenas na App Store para iPhone e iPad; e. Jogos Patrimoniais: foram desenvolvidos por meio do edital INOVApps, do Ministério da Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações (MCTIC). São 4 jogos, pensados individualmente, para que o usuário conheça, interaja, reflita e cuide do patrimônio cultural. Você pode acessar pelo site jogospatrimoniais.com.br/ f. Museu Encantado: é um jogo em que o participante precisa organizar as salas de um museu de acordo com determinados critérios. Cada uma das 9 salas apresentadas neste museu virtual representa um contexto histórico do nosso país e o usuário é convidado a acessá-lo. Acesse no site ludoeducativo.com.br/pt/play/o-museu-encantado?tag=historia g. Era Virtual: site onde você pode fazer visitações virtuais a museus brasileiros e seus acervos. Este projeto dialoga com a área da tecnologia das informações e a necessidade de promover o acesso aos espaços museológicos sem sair de casa. O projeto contempla também os parques nacionais e as cidades com sítios considerados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Disponível em: eravirtual.org/ h. Cartilha Jogo do Patrimônio 2.0: pensando em promover trabalhos colaborativos e que envolvessem os princípios da educação patrimonial, a equipe da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) desenvolveu a cartilha, no começo de 2013, como estratégia didática e lúdica. Em referência a web 2.0, permite a interação do usuário, promovendo proximidade com as identidades locais e valorizando o reconhecimento dos bens culturais pelos sujeitos envolvidos. Acesso em issuu.com/cultura.pe/docs/cartilha-jogo-do-patrim-nio-2.0 i. O Jardim é o Tabuleiro: influenciado pelo jogo de ludo, esse foi feito de modo que os jogadores realizam uma visita ao jardim do Museu da República, no Rio de Janeiro, bairro do Catete. O jogo é composto por tabuleiro, cartas com orientações de movimentação, dado e peças em formato de animais. Os jogadores, um por vez, lançam o dado e movem suas peças de acordo com o número de pontos obtidos. Informações: museus.gov.br/noticias/museu-da-republica-lanca-jogo-educativo-voltado-ao-publico-infantil-no-rj/ No próximo e último módulo de nosso curso, a segunda parte de Instrumentos possíveis para uma intervenção nas cidades, continuaremos a conversar sobre a temática, com mais dicas e sugestões práticas de mediação. Você não vai perder esse percurso, vai? Anterior Recordando... Diversos são os modos de habitar e viver as cidades, mas quando o que nos move é a perspectiva patrimonial, temos um olhar especial para os bens culturais que nela se encontram, dos quais fazemos parte e que vão nos formando identitariamente, como referências à nossa experiência e às memórias que construímos. Na trajetória do patrimônio cultural brasileiro, algumas cidades foram reconhecidas como sítios históricos ou algumas edificações foram escolhidas como bens patrimoniais e ganharam proteção oficial imediata, garantidas por força da lei. Muito se fez além do tombamento de bens materiais e do registro dos bens imateriais. Outras ações, sobretudo no campo da educação patrimonial, foram necessárias para que esses instrumentos de preservação se efetivassem. As fundação do Iphan, a criação de legislação especifica, as políticas culturais pelo país afora, a recente criação do Ibram, o desenvolvimento de disciplinas e áreas profissionais – como a Museologia –, além de ações da sociedade civil e iniciativas como nosso curso Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio, em EaD, que nessa primeira edição conquistou milhares de inscritos no país inteiro, compõem uma trajetória patrimonial que precisa ser vista, compreendida e continuada por nós e pelos que virão adiante, como aqueles que terão mediadores tão especiais como você. E por falar em nosso curso, depois de percorrer, nos módulos anteriores, a trajetória do patrimônio cultural brasileiro, agora você poderá revê-la a partir de uma linha do tempo. Assim, poderá fazer uma revisão panorâmica da trajetória deste curso, revisitando alguns temas abordados. Ao final desse percurso, proporemos algumas atividades que podem ser realizadas individualmente ou em grupo e ofereceremos dicas de páginas eletrônicas, redes sociais, projetos comunitários, filmes brasileiros ou estrangeiros sobre patrimônio cultural. Assente-se, jovem educador(a), e vamos embarcar nessa viagem que está apenas começando... Linha do tempo patrimonial? Nós já vimos que a história do patrimônio foi construída a partir de importantes marcos políticos, sociais, econômicos e culturais da nossa sociedade. Tanto os agentes civis, quanto as instituições e os agentes públicos aos poucos se cruzaram e encontraram caminhos comuns que resultaram em conceitos, diretrizes e ações incorporadas ao longo do tempo. Perceba: (1934) | Criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN). Sediada no Museu Histórico Nacional, a IMN foi criada a partir do Decreto nº 24.735/34. À frente da Inspetoria, o cearense Gustavo Barroso (1888-1959). Funcionou até 1937, quando o Sphan é criado. (1936) | Elaboração do Anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Redigido pelo escritor e pesquisador paulistano Mário de Andrade (1893-1945), a pedido de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do governo Getúlio Vargas, o anteprojeto apresentava uma perspectiva ampla da noção de patrimônio, incluindo a produção da cultural popular, a promoção de ações educativas em museus e a participação da comunidade na preservação dos bens patrimoniais. (1937) | A fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). O Decreto-Lei n.º 25/37, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, cria o Sphan e, com ele, o tombamento, instrumento de proteção dos bens materiais vinculados às elites nacionais. Nesse sentido, o Decreto acabou se distanciando do anteprojeto de Mário de Andrade. (1938) | Tombamento do Centro Histórico de Ouro Preto (MG). Tido como o “cartão-postal” do patrimônio brasileiro, o local já havia sido declarado Monumento Nacional, desde 1933. (1946) | Criação do International Council of Museums (Icom). O Icom é uma organização não-governamental que mantém relações formais com a Unesco. Destaque para o Comitê Internacional para a Educação e Ação Cultural (Ceca) (1948) | Criação do Conselho Internacional de Museus/seção Brasil (Icom Brasil). O Icom Brasil passou a ter assento em diferentes foros e conselhos nacionais ligados à preservação e à promoção do patrimônio brasileiro. (1958) | Promoção do Seminário Regional da Unesco. Realizado no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Teve como finalidade discutir a função educativa dos museus, com ênfase nos serviços para a educação escolar. Saiba mais. As Casas do Patrimônio são espaços de interlocução do Iphan com as comunidades, promovendo ações educativas que visam fomentar e favorecera construção do conhecimento e a participação social para o aperfeiçoamento da gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio cultural. (1975) | Fundação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). Um grupo de intelectuais, sob o comando do designer pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982), promoveu a atualização da discussão sobre o sentido da preservação e da ampliação da concepção de patrimônio. (1980) | O Centro Histórico de Ouro Preto (MG) torna-se Patrimônio Mundial. Declarado pela Unesco, o primeiro bem cultural brasileiro inscrito na Lista do Patrimônio Mundial. (1981 – 1986) |Realização do Projeto Interação. A Secretaria de Cultura do MEC (Ministério da Cultura) propõe, por meio desse projeto, a aproximação da educação básica com os diferentes contextos culturais existentes no país, indicando que cultura e educação são esferas interconectadas. (1987) | Criação do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade. O nome do Prêmio é uma homenagem ao advogado, jornalista e escritor mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), membro do grupo dos modernistas e primeiro presidente do Sphan, de 1937 a 1967. A premiação reconhece ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro que, em razão da sua originalidade, mereçam divulgação e reconhecimento público. Promovido pelo Iphan, é realizada anualmente, via edital, com criteriosa seleção. É concedido a empresas, instituições e cidadãos de todo o Brasil, contribuindo para apresentar a diversidade e a riqueza do patrimônio cultural nacional. (1988) | Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, é referida como “Constituição Cidadã”. Trouxe em seu texto o conceito de patrimônio cultural, em seus artigos 215 e 216. Se liga! O período de 1937 a 1967 é chamado de Fase Heroica do Patrimônio, pois se fez o salvamento necessário da “pedra e cal”. As principais frentes de “ação educativa” eram dadas pelo incentivo às publicações, como a Revista do Iphan, e o tombamento de exemplares da arquitetura civil, religiosa, militar e vernacular, sobretudo do período colonial. (1999) | Publicação do Guia Básico de Educação Patrimonial. Tornou-se uma referência nos trabalhos que envolvem ações educativas sobre as questões patrimoniais. O livro apresenta fundamentação teórica voltada para a salvaguarda do patrimônio cultural por meio de experiências e projetos desenvolvidos pelo Iphan. Esse material encontra-se disponível aos interessados no site do Iphan. Acesse: portal.iphan.gov.br/guia_educacao_patrimonial . (2000) | Publicação do Decreto nº 3.551/00: Registro do Patrimônio Imaterial. O Decreto instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem Patrimônio Cultural Brasileiro e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). (2002) | Primeiro bem inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão. Trata-se do registro da Pintura Corporal e Arte Gráfica (Arte Kusiwa) da etnia Wajãpi, no Amapá. No ano seguinte, esse bem recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfico próprio dos povos indígenas Wajãpi, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo. (2003) | Criação da Política Nacional de Museus (PNM). Lançada pelo Ministério da Cultura, em meio às comemorações do Dia Internacional de Museus. Os documentos básicos, após debate com a comunidade museológica, culminaram no lançamento do caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. (2003) | Fundação da Rede de Educadores de Museus do Rio de Janeiro (REM RJ). Outras Redes de Educadores em Museus surgiram em diversos estados brasileiros, se inspirando na REM do Rio de Janeiro, que organizou encontros nacionais entre educadores e outros profissionais de museus para promover esses coletivos. (2004) | Criação da Gerência de Educação Patrimonial e Projetos (Geduc). Primeira instância da área central do Iphan voltada para a Educação Patrimonial. Para consolidá-la, foi realizada a I Reunião Técnica, em Pirenópolis (GO). Desde 2009, funciona como Coordenação de Educação Patrimonial (Ceduc), vinculada ao Departamento de Articulação e Fomento (DAF/Iphan). (2005) | Organização do I Encontro Nacional de Educação Patrimonial (Enep). Reunião para discussão e proposição de parâmetros nacionais para ações de Educação Patrimonial do Iphan nas escolas, museus e outros espaços sociais, realizado na cidade de São Cristóvão, Sergipe, no Convento de São Francisco. Saiba mais sobre essa ação: portal.iphan.gov.br/I_encontro_nacional_de_educ_patrimonial.pdf. (2005) | Fundação do Programa de Especialização em Patrimônio (PEP Iphan/Unesco). Propõe uma formação interdisciplinar para a gestão do patrimônio cultural brasileiro, voltado aos jovens profissionais recém-graduados. São selecionados profissionais de todas as regiões do Brasil que, durante dois anos, desenvolvem pesquisa e trabalhos junto às Superintendências do órgão nos estados. Desde 2010, o PEP tornou-se um mestrado profissional em preservação do patrimônio cultural. (2008) | Organização da Oficina de Capacitação em Educação Patrimonial e Fomento a Projetos Culturais. Primeira realização da política de educação patrimonial do Iphan nas Casas do Patrimônio, quando as diretrizes gerais desses espaços foram debatidas e consolidadas em âmbito coletivo. (2008) | Criação do Prêmio Darcy Ribeiro para Ações Educativas em Museus. O Prêmio tem como objetivo identificar e estimular os movimentos e as práticas educacionais dos museus. (2009) | I Seminário de Avaliação e Planejamento das Casas do Patrimônio. Realizado em Nova Olinda (CE), na Fundação Casa Grande, a ação tinha como objetivo consolidar um campo de trabalho para as ações educativas de preservação do patrimônio cultural brasileiro. (2009) | Fundação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira, vinculada à Secretaria Nacional de Cultura, com sede e foro na capital federal. Tem o papel de pensar e gerenciar políticas públicas para o campo museal no Brasil. (2011) | II Encontro Nacional de Educação Patrimonial (II Enep). Reunião para pactuar as diretrizes no campo de Educação Patrimonial e fortalecer a rede de instituições e de profissionais atuantes na área educacional. Parceria entre o MEC (Ministério da Educação) e Iphan, para que o tema Educação Patrimonial integrasse o macrocampo Cultura e Artes do Programa Mais Educação, de Educação Integral. (2013) | Encontro ProExt – Extensão Universitária na Preservação do Patrimônio Cultural. Uma política conjunta entre MEC e MinC, aconteceu em Ouro Preto (MG). (2013) | 23ª Conferência Geral do Icom. Realizada no Rio de Janeiro, com o tema Museus (memória + criatividade) = mudança social. (2016) | Publicação das Diretrizes de Educação Patrimonial no âmbito do Iphan e das Casas do Patrimônio. A Portaria nº 137, de 28 de abril, do Iphan e das Casas do Patrimônio, tem o objetivo de organizar o conjunto de marcos referenciais para a educação patrimonial como prática transversal aos processos de preservação e valorização do patrimônio cultural. (2017) | Seminário de Fortaleza: Desafios para o Fortalecimento da Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Realizado na cidade de Fortaleza, entre os dias 8 e 11 de novembro, o Seminário revisitou a trajetória da elaboração e os caminhos da implementação da Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial do Brasil (lembra-se que falamos sobre a Carta de Fortaleza, há pouco?), bem como refletiu sobre os avanços e futuro dessa política. Também aconteceu nesse evento a reunião do Centro Regional para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina (Crespial), da Unesco. (2017) | Construção da Política Nacional de Educação Museal (Pnem). A Pnem reúne princípios, diretrizes e objetivos que foram definidos e construídos de forma coletiva, colaborando para a instituiçãoda Portaria nº 422/17 do Ibram, e integrando o Caderno da PNEM, publicação que apresenta um breve histórico da educação museal no país, uma síntese de como ocorreu o processo de construção participativa da Pnem e conceitos-chave que devem conduzir o trabalho nesta área. Para os curiosos. Hora de Praticar! Que tal, a partir desse exemplo, criar duas linhas do tempo pessoais? Sugerimos duas propostas: 1. Escolha uma pessoa. Pode ser um amigo, um familiar ou alguém com destaque na sua comunidade (cuidado: esse destaque não necessariamente implica riqueza!). Faça uma árvore genealógica/patrimonial, pontuando os momentos mais significativos desta trajetória de vida (atenção: tente não impor a sua visão ou experiência pessoal). Lembre-se que patrimônio, na origem da palavra, tem o sentido de “herança, legado familiar”. Nesse sentido, pense nas seguintes questões durante a construção dessa árvore: Quais os aprendizados dessa pessoa e de quem ela os herdou? Como ela os preserva? 2. Escolha um bem cultural (material ou imaterial) da sua família, da sua comunidade ou da sua cidade e monte uma linha do tempo. Faça isso no formato de um painel, imaginando que você possa apresentá-lo a outras pessoas e solicitar delas a colaboração na construção dessa linha do tempo, acrescentando outras informações. Assim, você conhecerá o seu patrimônio cultural e teremos uma linha do tempo coletiva. Mãos à obra! Explorando novas possibilidades de pensar o Patrimônio. O patrimônio cultural, como observamos ao longo do curso, é objeto de diversos olhares: professores e alunos de todos os níveis educativos; profissionais (designers, museólogos, bibliotecários, antropólogos, historiadores, arqueólogos etc); instituições culturais das mais variadas; investigadores de programas de pós-graduação; pessoas que moram em bens tombados ou no entorno deles; comunidades que intervêm para que algum lugar não seja apagado da memória citadina ou que criam ferramentas autossustentáveis para o seu reconhecimento; espaços físicos ou virtuais criados para evidenciar memórias; indivíduos que se reúnem e passam o ano inteiro preparando uma festa cuja “construção” lhes foi repassada por gerações anteriores; filhos que continuam o que os familiares mais velhos deixaram como saberes e ofícios etc. Diante de tantos agentes, não podemos pensar uma educação patrimonial ou educação para o patrimônio reduzida apenas em um saber ou tão somente por uma única via de produção de conhecimento, privilegiando apenas um campo ou uma área que se quer legitimar como lugar de onde fala o “profissional do patrimônio”. Portanto, não é possível pensar sobre a história de uma cidade restrita apenas aos chamados “centros históricos” ou aos museus. Essa visão é, no mínimo, equivocada, se partirmos de um conceito de patrimônio cultural mais abrangente e contemporâneo, que permite entender os bens patrimoniais ligados aos mais diversos territórios, edificações, objetos, conhecimentos, manifestações e paisagens, a partir da importância que eles têm para diferentes segmentos sociais, mesmo aqueles mais invisibilizados. Logo, é importante para qualquer mediador(a) de uma educação para o patrimônio refletir sobre como as pessoas usam, vivem, convivem, enfim, se relacionam com as referências culturais que acabam interferindo na construção de suas identidades e memórias, individuais e coletivas. É a partir dessas questões que devemos pensar na construção de instrumentos para a intervenção em nossas cidades, de forma qualitativa. A meta é despertar nas pessoas a vontade de participar das discussões acerca do patrimônio cultural e integrarmos às nossas atividades educativas as dimensões do viver cotidiano, fugindo não apenas de processos de retificação de símbolos e significados externos às nossas comunidades, como assumindo o compromisso de constituir um movimento coletivo e democrático em torno do pensar o patrimônio. A produção ativa de saberes pelos detentores e sujeitos das referências culturais de uma localidade é o mais importante, pois assim é possível reconhecer essas referências atreladas aos sentidos da memória social local e suas particularidades frente a contextos socioculturais distintos. Nesse sentido, devemos pensar atividades que primem pelo autoconhecimento comunitário, a partir da produção horizontal (compartilhada) de conhecimentos pelos diversos grupos sociais na dinâmica de habitar a cidade. Nessa dinâmica, não se deve refletir apenas sobre um passado distante, mas sobre o tempo presente e o devir (vir a ser), para garantirmos a preservação do que elegemos como patrimônio, com desenvolvimento sustentável. Assim, devemos pensar ações que coloquem os membros das comunidades e coletivos em um lugar mais privilegiado. Ou seja, eles saem da situação de “recebedores” passivos de informações, para a condição de sujeitos (protagonistas) no mundo. É preciso que abandonemos o modelo da “educação bancária”, tão criticado por Paulo Freire (1970), para outros em que o(a) educador(a), educando(a), poder público e comunidades participem de forma dialógica, articulada e comprometida para reconhecer e proteger o patrimônio cultural das cidades. Partindo dessas premissas, poderíamos nos perguntar: que ferramentas podemos propor para estimular a gestão territorial e patrimonial? Ora, muitas delas fazem parte do nosso cotidiano, como o uso das redes sociais, leitura de blogs e o estímulo aos debates suscitados após assistir a boas produções audiovisuais. Essas possibilidades, claro, não substituem a visita aos museus, aos sítios históricos e aos bens tombados, ou ainda a vivência das manifestações culturais imateriais, mas servem para despertar nossa sensibilidade acerca do patrimônio, seja ele já reconhecido e consagrado pelas políticas públicas ou não. Então, a partir dessas ideias, preste bastante atenção nas dicas a seguir. Guia prático do Patrimônio. Por onde começar quando se fala em Educação Patrimonial e seus instrumentos de aplicação? Você entendeu, pelo acompanhamento e estudo de nossos módulos, que contamos com algumas instituições no Brasil responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas para fins de proteção e salvaguarda do nosso patrimônio cultural, não é? Pois vamos reforçar o convite para que você conheça três páginas eletrônicas produzidas por essas instituições, nas quais encontrará legislações, documentos e material complementar sobre o tema. São elas: 1. Site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Autarquia federal que responde pela preservação do patrimônio cultural brasileiro. Cabe ao Iphan promover os bens culturais do país, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. Você encontrará mais de 250 publicações indispensáveis para sua biblioteca virtual, entre livros, revistas, cartilhas, manual para professores etc. 2. Site do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Autarquia responsável pela Política Nacional de Museus (PNM) e pela melhoria dos serviços do setor, como o aumento de visitação e arrecadação dos museus, fomento para a aquisição e preservação de acervos, estímulo as ações integradas entre os museus brasileiros etc. Possui muitas publicações sobre a área museológica também disponíveis em PDF. Acesse: museus.gov.br. 3. Site da Política Nacional de Educação Museal (Pnem). Trata-se de orientações dirigidas ao campo museal para a realização de ações que fortaleçam a promoção de práticas educacionais nos museus. No site da Pnem encontrará o marco dessa política, a partir de documentos, além de acessar vários livros, teses e outros sites indicados na plataforma construída. Acesse: pnem.museus.gov.br. Recomendamos ainda a navegação pelas páginas da Fundação Palmares, Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional e Fundação Nacional das Artes (Funarte). Só assim iremos conhecer um pouco do nosso patrimônio e entender as políticas de estado para salvaguardá-lo. Na web, podemos descobrir quais instâncias públicas ficam responsáveis pelas políticas e ações em defesa do patrimônio em nossa cidadee estado, como as secretarias da cultura, da educação e/ou do turismo, estaduais e municipais. As redes sociais são espaços singulares, cotidianos e diversificados, capazes de juntar diferentes produções ligadas à memória e às identidades. Quem nunca se deparou com pessoas no Facebook ou no Instagram divulgando fotografias, livros e documentos – antigos e/ou atuais – sobre bairros, cidades ou mesmo sobre personalidades e grupos sociais brasileiros? Você já pensou em propor atividades que promovam algumas reflexões sobre essas páginas? Pensar, a partir delas, o que costumamos lembrar ou esquecer quando evidenciamos um determinado lugar ou manifestação em detrimento de outros? Que discursos patrimoniais são mais recorrentes? As redes acenam com novas possibilidades de entendimento e de informação sobre o patrimônio, bem como estimulam a nossa interação social. Facebook, Twitter, blogs e outros canais marcam experiências entre o mundo real e o virtual. Encontramos pessoas que circulam com pensamento e interpretações parecidos e diferentes dos nossos, por meio de curtidas, compartilhamentos e comentários que acabam também julgando e definindo o que deve ser guardado ou protegido. Por isso, são lugares onde as palavras ganham inúmeros sentidos e significados. Que tal entrar em algumas páginas e conhecer o conteúdo disponibilizado por digitais influencers? Elencamos algumas. Se liga! Mais viciante do que Whatsapp, Instagram, as séries de streamings e as novelinhas de TV para você, mediador(a) de educação para patrimônio, será conhecer a vasta bibliografia à sua disposição gratuitamente no Portal do Iphan. Você pode fazer download e depois imprimir se quiser. E melhor: não tem fake news! Todos os autores são especialistas reconhecidos pelo Iphan. Com essa bagagem, acabou o discurso do “acho” ou “parece”, tá? Vamos lá! Clique em: portal.iphan.gov.br/publicacoes/. a. @ClickMuseus: o objetivo desse perfil é aproximar e facilitar a comunicação dos museus com as pessoas, abordando o patrimônio de forma transversal, além de disseminar a ideia de que museus são espaços de lazer e entretenimento, não apenas de educação, dando dicas para as pessoas aproveitarem e se divertirem a cada visita. Esse espaço virtual oferece sugestões de exposições na cidade de São Paulo, que somam aproximadamente 130 instituições. b. @quantosmuseus: o projeto Quantos museus existem na sua cidade? foi criado em 2018, por dois museólogos. Tem como missão a divulgação dos museus do país, difundindo materiais como vídeos e fotos. São priorizados os museus que ainda não possuem tanta visibilidade, seja por questões geográficas ou porque não estão no centro das políticas de investimento dos poderes públicos. c. @patrimonio_cultural: surgiu com a ideia de reunir e divulgar informações sobre bens culturais tutelados ou não pelos órgãos preservacionistas, presentes em território brasileiro e fora dele. O intuito é criar conteúdo desta área para atender o interesse de pesquisadores do Brasil e do mundo. d. @museologicas_podcast: é um programa de extensão construído por professores e estudantes do Departamento de Antropologia e Museologia e do curso de Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Pernambuco. Os programas gravados estão disponível no Spotify, Deezer e SoundCloud, trazendo temas contemporâneos relacionados à museologia e ao patrimônio cultural. e. @adson_pinheirocultura: produzido por um historiador – coautor deste fascículo – com o objetivo de disseminar dicas de cursos e eventos acadêmicos para as pessoas que o seguem. Além disso, todas as quintas-feiras acontecem entrevistas com pesquisadores, gestores públicos, entre outros profissionais que atuam no campo museal e patrimonial. Se liga! Que tal criar a sua própria página, perfil ou blog com conteúdos sobre educação patrimonial ou sobre os patrimônios de seu bairro ou cidade? Mas é importante colocar essa ideia em ação quando conseguir traçar um planejamento de médio e longo prazo, pois muitos desses conteudistas criam páginas e não as alimentam, frustrando seus seguidores. Organize-se, peça contribuições e acredite no que faz. O Brasil conta com formação acadêmica em diversos níveis – cursos de extensão, graduação, especialização, mestrado, doutorado – e em diferentes áreas relacionadas com o Patrimônio Cultural, como Museologia, História, Arqueologia, Conservação de Bens Móveis, Biblioteconomia, Arquivologia, entre outros. Para os curiosos. Hora de Praticar! Escolha uma instituição de preservação do patrimônio em seu município ou estado e trace um relatório, apontando: quais patrimônios são protegidos (tombados ou registrados) e por quê? Quais poderiam ser tombados ou registrados e ainda não são? IMPORTANTE: quando falamos de patrimônio, não nos referimos apenas àqueles bens já consagrados, mas também àqueles ainda esquecidos! Recomendamos que navegue, a seu tempo, pelas páginas eletrônicas das universidades públicas brasileiras. Elas são um mundo à parte e cheio de riqueza. Saiba o que elas andam produzindo e fique por dentro das principais discussões e produções teóricas do momento sobre patrimônio cultural. Quanto aos filmes, quem disse que eles servem apenas para diversão e lazer? Eles, assim como os livros, podem assumir o papel de documento histórico e possuem caráter educativo não-formal. Que tal usá-los numa sessão “PiPa” (“Pipoca com Patrimônio”)? O trabalho educativo com filmes deve se concentrar não somente na análise dos conteúdos técnicos e explícitos, como construção de personagens, figurinos, iluminação, sonorização etc. É importante pensar, sobretudo, nas condições e contextos de sua produção. Quando foi rodado? Por quem? Para quê? Para quem? Que valores e expectativas são difundidos por aqueles que o produziram (diretor, roteirista, produtores, atores)? Como foi ou é recebido pela sociedade (espectadores, críticos, acadêmicos)? Aqui vamos sugerir algumas películas que discutem diretamente temas ligados à gestão do patrimônio, sejam ficcionais ou documentários. Vejamos: a. Narradores de Javé (1h40 | 2004), direção de Eliane Caffé: Javé é uma localidade fictícia no Brasil que está prestes a ser inundada pela construção de uma hidrelétrica. Para alterar a direção dos acontecimentos, seus moradores resolvem escrever a história da cidade, com o objetivo de transformá-la em patrimônio histórico e preservá-la. b. Aquarius (2h25 | 2016), direção de Kleber Mendonça Filho: O confronto entre o “velho” e o “novo” surge na figura de Clara, dona de um apartamento cobiçado por uma imobiliária, que já adquiriu todos os demais imóveis do prédio, localizado em Recife-PE. O objetivo é pôr tudo abaixo e construir um prédio novo, mas Clara se recusa a vendê-lo. c. Bacurau (2h10 | 2019), direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles: “Se for, vá na paz” é o que diz a placa indicando a localização de Bacurau, cidade fictícia do filme, localizada no sertão brasileiro, num futuro não muito distante. O enredo parece simples. Bacurau sumiu do mapa e, aos poucos, os moradores percebem que há algo de estranho acontecendo. d. Uma Noite no Museu (1, 2 e 3), trilogia com direção de Shawn Levy: Ao longo dos três filmes, a proposta, de caráter lúdico, é pensar o que acontece nos museus quando as portas se fecham, na calada da noite, sem a presença dos visitantes ruidosos e de suas câmeras fotográficas. As três sequências foram filmadas em importantes museus dos Estados Unidos e da Europa. e. Série Conhecendo Museus: Composto de vários episódios, a coprodução é uma iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação, Fundação José de Paiva Netto, Ibram e TV Escola. Apresenta, com detalhes, alguns dos principais museus/acervos do Brasil. O objetivo é divulgar bens e valores culturais brasileiros que foram musealizados, democratizando o conhecimento gerado por essas instituições, além de divertir e fomentar o surgimento de novos públicos. Para os curiosos. Escolha um filme, assista com amigos, familiares ou seus alunos (antes, deve, naturalmente, ler sobre o filme, a históriade produção, o contexto do período histórico abordado ou sobre o personagem, se for baseado em fatos, curiosidades etc.). Evite dar spoiler para esse grupo! Depois, proponha a produção de um mapa mental, anotando em um caderno, cartolina, lousa ou mesmo digitalmente em celulares, o tema central da obra, os principais personagens, enredo, música e diálogos que acharem interessante. Analise e discuta os resultados apresentados. O mapa mental é uma técnica cujo objetivo é organizar as informações, tornando a compreensão e a memorização mais fácil e mais didática. O elenco de filmes vai depender de sua criatividade, repertório e a capacidade de perceber o que pode ser de melhor proveito para despertar debates patrimoniais com os integrantes da plateia. f. Niède (2h20 | 2020), direção de Tiago Tambelli: É a história de Niède Guidon, arqueóloga brasileira mundialmente reconhecida por seu trabalho de preservação na Serra da Capivara, no Piauí. A partir de depoimentos da própria Guidon, o documentário relembra sua vida pessoal e sua frutífera carreira no campo da proteção do patrimônio arqueológico. Partindo da necessidade de relacionar o patrimônio cultural com a comunidade, numa relação orgânica com o contexto social que lhe dá dinamicidade e forma, sugerimos a visitas aos museus, redes e escolas comunitários, que primam pela participação social, a identificação de valores patrimoniais e o respeito aos saberes locais. Listamos algumas propostas para você conhecer, presencial ou virtualmente. Vamos lá? a. Ecomuseu de Santa Cruz (Rio de Janeiro, RJ): o Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz, também conhecido como Ecomuseu de Santa Cruz, é um dos mais antigos do Brasil, criado para garantir a preservação e valorização do patrimônio cultural do bairro de Santa Cruz. As ações de preservação, comunicação, documentação, pesquisa e educação buscam o diálogo e a participação comunitária na definição do patrimônio, em diálogo com o desenvolvimento social e econômico da região. Acesse: facebook.com/ecomuseusc/. b. Museu da Maré (Rio de Janeiro, RJ): pensado a partir de um grupo de jovens moradores integrantes do CEASM (Centro de Ações Solidárias da Maré), o museu criado com o nome da favela teve o objetivo de evidenciar as memórias e identidades da população local, possibilitando uma mudança no olhar estigmatizado dessa comunidade, bem como a autoestima de seus moradores. Acesse: museudamare.org.br/. c. Rede Cearense de Museus Comunitários (CE): formada por iniciativas comunitárias de memória, patrimônio e museologia social. Iniciou suas atividades em 2011. É formada por indígenas, assentados, pescadores, profissionais, estudantes e ambientalistas. Por meio dessa rede é que eles compartilham e divulgam suas experiências e os desafios da sua atuação na museologia sociocomunitária. Acesse: museuscomunitarios.wordpress.com/ d. Museu Comunitário da Lomba do Pinheiro (Porto Alegre, RS): é uma instituição localizada em um bairro da periferia gaúcha. Seu objetivo é ser um espaço de reflexão para os moradores pensarem sobre suas histórias de vida e lutas comunitárias, contemplando além de objetos, um conjunto de depoimentos orais. Acesse: museus.gov.br/museu-comunitario-da-lomba-do-pinheiro-identifica-60-referencias-culturais-no-bairro. e. Ecomuseu da Amazônia (Belém – PA): é um museu que atua em uma área compreendida pelo distrito de Icoaraci, bairro do Paracuri e a Orla, além das Ilha de Cotijuba (Faveira e Poção); Ilha do Mosqueiro (Caruaru, Castanhal do Mari Mari, Paulo Fontes e Vila), Ilha de Caratateua (São João do Outeiro, Tucumaeira e Fama). Trata dos problemas da região e suas comunidades, desenvolvendo programas de preservação e recuperação do patrimônio natural e cultural na Amazônia. Acesse: ecomuseuamazonia.blogspot.com. f. Ecomuseu do Cerrado Laís Aderne (DF): museu vivo voltado para a tríade “território, patrimônio e comunidade”. Conta as histórias relacionadas à cultura e à natureza, onde estão inseridas comunidades que se relacionam com o ambiente do Cerrado. Acesse: museucerrado.com.br/ecomuseu-do-cerrado-lais-aderne. g. Escola Viva Olho do Tempo – Evot (João Pessoa – PB): essa instituição desenvolve ações que buscam aproximar os moradores da região aos seus valores culturais relacionados ao modo de viver de povos originários e tradicionais que cercam a bacia do baixo Rio Gramame. Realiza atividades anuais nas escolas, como oficinas educacionais com base na Pedagogia Griô, educação popular e holística. Acesse: olhodotempo.org.br. Para os curiosos. Na África Ocidental, o griot ou griô, é aquele indivíduo (poeta, historiador, cantador, contador de história) que se ocupa de transmitir para os outros o seu conhecimento sobre os costumes, os conhecimentos, os mitos e as histórias dos povos. Por meio deles, ocorre a perpetuação da memória ancestral e a garantia da continuidade das tradições por meio do saber oral. Procure saber mais sobre os griôs e a pedagogia griô. PESQUISE!