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<p>APG S10P1: “Desacelerando”</p><p>DOENÇAS DESMIELINIZANTES</p><p>.</p><p>.</p><p>Objetivos:</p><p>1- Estudar a etiologia, epidemiologia, fatores de risco, das Doenças Desmielinizantes (Esclerose Múltipla);</p><p>2- Compreender a fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento das Doenças Desmielinizantes</p><p>DOENÇAS DESMIELINIZANTES</p><p>→ Os distúrbios de mielina abrangem uma ampla faixa de doenças, nas quais não há produção dessa substância (hipomielinização), a mielina normal não está formada (doença dismielinizante) ou a mielina normalmente formada é destruída ou não mantida apropriadamente (doença desmielinizante e mielinólise). As doenças hipomielinizantes e dismielinizantes são raras e incluem uma série de leucodistrofias, que apresentam base genética e podem afetar a formação de mielina como um resultado primário ou secundário. As doenças desmielinizantes são muito mais comuns e incluem: esclerose múltipla (EM), que representa mais de 95% de todos os tipos de distúrbios de mielina do sistema nervoso central (SNC).</p><p>→ A bainha de mielina recobre as fibras nervosas do SNC e do SNP, acelerando a transmissão axônica dos impulsos nervosos. Ela é formada no SNC pelos oligodendrócitos e no SNP pelas células de Schwann. Doenças que afetam a mielina levam a perdas consideráveis na transmissão de impulsos nervosos e efeitos inflamatórios e neurodegenerativos.</p><p>→ As doenças desmielinizantes do SNC são condições adquiridas caracterizadas por dano preferencial à mielina com relativa preservação de axônios. Os déficits clínicos, pelo menos inicialmente, decorrem de efeitos da perda de mielina na transmissão de impulsos elétricos ao longo dos axônios. A história natural das doenças desmielinizantes é determinada, em parte, pela capacidade limitada do SNC regenerar a mielina normal e pelo grau de dano secundário aos axônios que ocorre à medida que a doença segue seu curso.</p><p>→ Vários processos patológicos podem causar perda de mielina, incluindo destruição imunomediada de mielina (como na esclerose múltipla [EM]) e em infecções (como na LMP, descrita anteriormente). Além disso, distúrbios hereditários podem afetar síntese ou renovação dos componentes da mielina. Estes distúrbios são denominados leucodistrofias e são discutidos em conjunto com distúrbios metabólicos.</p><p>→ A desmielinização costuma ser secundária a doenças infecciosas, isquêmicas, metabólicas ou hereditárias ou a uma toxina (álcool, etambutol). Nas doenças primárias, a principal causa é autoimune e elas devem ser suspeitadas na presença das seguintes condições:</p><p>· Déficits difusos ou multifocais;</p><p>· Início súbito ou subagudo, particularmente em adultos jovens;</p><p>· Início dentro de semanas após uma infecção ou vacinação;</p><p>· Déficits que surgem e desaparecem;</p><p>· Sintomas que sugerem uma doença desmielinizantes específica (p. ex., neurite óptica inexplicável ou oftalmoplegia intranuclear, sugerindo esclerose múltipla).</p><p>→ Em razão da característica clínica de promoverem a instalação de sintomas neurológicos agudos chamados de surtos ou ataques, que podem deixar sequelas e ocorrer de forma recorrente, essas doenças devem ser suspeitadas e precocemente diagnosticadas. A esclerose múltipla (EM) é a mais frequente desse heterogêneo grupo de doenças, e a sua prevalência vem aumentando em nível.</p><p>→ Outras doenças englobadas nesse grupo são: neuromielite óptica (NMO) e encefalomielite aguda disseminada.</p><p>ESCLEROSE MÚLTIPLA</p><p>CONCEITO</p><p>→ A esclerose múltipla (EM) é a principal doença inflamatória do sistema nervoso central (SNC). É uma doença crônica, autoimune e incurável, caracterizada por episódios de déficit neurológico focal que podem ser completa ou parcialmente revertidos mesmo sem um tratamento específico.</p><p>→ Doença desmielinizante do SNC, de mecanismo inflamatório autoimune, acometendo, sob a forma de lesões características chamadas de “placas”, a substância branca do cérebro, tronco encefálico, cerebelo, medula espinhal e, tipicamente, o nervo óptico.</p><p>EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO</p><p>→ A EM é uma doença heterogênea, mais comum em adultos jovens, de causa ainda não completamente conhecida e que pode evoluir de diversas formas, desde apresentações clínicas mais brandas a quadros muito agressivos. Existe uma clara predileção pelo sexo feminino (3 mulheres afetadas para cada homem) e o pico de incidência é ao redor dos 27 a 34 anos, sendo raras as apresentações infantis ou após os 50 anos de idade. Tem uma prevalência variável e muito ligada a características populacionais.</p><p>→ O Brasil é considerado um país de baixa prevalência da doença com cerca de 15 casos a cada 100 mil habitantes.</p><p>→ A EM tem uma peculiar associação geográfica. Diversos estudos apontam para uma maior prevalência</p><p>quanto mais longe da linha do Equador. No Brasil, por exemplo, existe um claro gradiente Norte-Sul, sendo a</p><p>doença mais prevalente no Sul do que no Norte e no Nordeste. Essa distribuição parece estar relacionada ao nível de exposição solar e consequentemente à produção de vitamina D, cujo déficit é um fator de risco para a doença.</p><p>→ Além do sexo feminino, da peculiaridade de latitude e do nível de vitamina D, diversos outros fatores de risco já foram associados à doença. Entre eles, há uma predisposição genética, com mais de 200 genes já associados ao aumento de risco. Apesar do número de variantes relacionadas a essa predisposição, em linhas gerais, os aspectos genéticos são menos relevantes, correspondendo a cerca de 30% do risco global. Ilustrando essa análise, o risco de um parente de primeiro grau de um indivíduo afetado desenvolver a doença é de apenas 2 a 4%.</p><p>→ As variáveis ambientais são mais relevantes, compondo um risco acumulado de cerca de 70%, sendo os principais fatores: obesidade infantojuvenil, tabagismo e antecedente de mononucleose infecciosa pelo vírus Epstein-Barr (EBV).</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>→ Agressão inflamatória autoimune (geralmente linfócitos T) sobre a bainha de mielina dos axônios do SNC. Quem sintetiza mielina no SNC são os oligodendrócitos, enquanto a síntese de mielina no sistema nervoso periférico fica a cargo das células de Schwann.</p><p>→ A perda da mielina envolve perda de fatores tróficos produzidos por essa camada protetora, levando à degeneração axonal permanente (o que explica porque após alguns anos as sequelas da EM acabam se tornando irreversíveis).</p><p>→ Esse processo é descrito nas seguintes etapas:</p><p>1. Ativação periférica de linfócitos T. Alguns linfócitos T são ativados nos gânglios linfáticos de modo a tornarem-se reativos contra antígenos do próprio sistema nervoso central. As células dendríticas, sobretudo, assumem um desvio de sua função natural, reconhecendo antígenos do próprio sistema nervoso central e levando-os até o linfócito T. É como se fossem responsáveis por treinar soldados para atacar o próprio batalhão.</p><p>2. Expansão clonal dos linfócitos T reativos e passagem pela barreira hematoencefálica. Os linfócitos T, anomalamente ativados, passam por um processo de expansão clonal que é associado à produção de citocinas pró-inflamatórias e diversas moléculas com capacidade de adesão à superfície endotelial, as quimiocinas. O saldo final desse processo é a passagem dos linfócitos T reativos através da barreira hematoencefálica, atingindo o SNC. Essa passagem envolve o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica e, assim, além dos linfócitos T, outras células inflamatórias, sobretudo macrófagos e monócitos, aproveitam-se do processo e atingem o SNC.</p><p>3. Desmielinização. Os linfócitos T, após entrarem no SNC, serão responsáveis por orquestrar a desmielinização por meio dos seguintes processos:</p><p>· Ativação de células residentes do próprio SNC, conhecidas como astrócitos e células da micróglia e, após sua ativação, serão responsáveis pela liberação de mediadores pró-inflamatórios e lesão direta da mielina.</p><p>· Estimulação dos linfócitos B, que se converterão em plasmócitos, produtores de autoanticorpos, sendo outro mecanismo de dano à mielina, mediado principalmente pela deposição de complemento.</p><p>· Ativação</p><p>de macrófagos, que também contribuirão no ataque à mielina.</p><p>1- Ativação periférica dos linfócitos T. 2 - Expansão clonal dos linfócitos T. 3 - Passagem dos linfócitos T para o SNC. 4 - Ativação dos astrócitos e células da micróglia. 5 - Estímulo de linfócitos B e produção de autoanticorpos. 6 - Desmielinização mediada por citocinas. 7 - Lesão por macrófagos. 8 - Lesão por anticorpos e fixação de complemento.</p><p>→ Depois do dano à mielina, existem 3 padrões principais. Os motivos que determinam qual caminho será percorrido não são completamente conhecidos, entretanto, são particulares a cada paciente e serão decisivos na evolução clínica. São eles:</p><p>1. O neurônio pode remielinizar-se e o paciente recuperar-se totalmente;</p><p>2. O neurônio pode, lentamente, perder mielina e, portanto, associar-se a um declínio funcional progressivo;</p><p>3. O neurônio pode, desde uma fase inicial, evoluir com perda axonal, definindo um fenótipo de maior declínio funcional.</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>→ Quando estudamos sobre o quadro clínico da esclerose múltipla, precisamos entender dois conceitos essenciais: surtos e modo de evolução da doença.</p><p>→ O surto de esclerose múltipla pode ser definido como um evento desmielinizante agudo, levando ao aparecimento de sintomas com duração de ao menos 24 horas, na ausência de febre ou infecção, sendo os principais exemplos o fenômeno de Uhthoff e o sinal de Lhermitte.</p><p>→ Em pacientes com EM submetidos a situação de calor, podem ocorrer queixas de cansaço extremo, parestesias e tremor de extremidades, fraqueza, lentificação cognitiva e até mesmo embaçamento visual. Esse é o fenômeno de Uhthoff.</p><p>→ Já o sinal de Lhermitte simboliza a queixa de parestesias dos membros superiores que ocorrem na flexão cervical de pacientes com EM que têm antecedente de lesão em medula cervical.</p><p>→ Os surtos podem envolver, virtualmente, qualquer ponto do neuroeixo e, com isso, determinar uma ampla gama de sintomas, podendo manifestar-se pelo aparecimento agudo de déficit visual, fraqueza, sensibilidade, incoordenação e, no caso das lesões medulares, paraparesia, incontinência urinária, alteração sensitiva, entre outros.</p><p>→ Entre as várias possíveis manifestações de um surto, devemos ressaltar duas, sobretudo por suas peculiaridades e especificidade na esclerose múltipla: Oftalmoplegia Internuclear e a Neurite Óptica.</p><p>→ De forma resumida, fisiologicamente, o olhar horizontal é conjugado, ou seja, ao olharmos para a direita, nosso olho direito abduz simultaneamente à adução do olho esquerdo. Ambos os movimentos são coordenados por músculos e nervos diferentes: a abdução pelo reto lateral, inervado pelo VI nervo craniano e a abdução pelo reto medial, inervado pelo III nervo craniano contralateral. É nesse momento que entra o fascículo longitudinal medial, que tem a função de comunicar o núcleo do nervo abducente de um lado com o núcleo do nervo oculomotor do outro e, dessa forma, garantir a conjugação do movimento ocular horizontal. É assim que ocorre a chamada oftalmoplegia internuclear. O paciente acometido, ao tentar olhar para um dos lados, apresentará a abdução ipsilateral preservada, contudo, a adução do olho contralateral, prejudicada. Essa alteração, especialmente em jovens, é bastante sugestiva de esclerose múltipla.</p><p>→ Na neurite óptica, Perda visual aguda, tipicamente unilateral e dolorosa, sobretudo na movimentação ocular. Na avaliação do reflexo fotomotor, podemos identificar o chamado defeito pupilar aferente ou pupila de Marcus Gunn. É uma situação peculiar em que, ao incidir o estímulo luminoso sobre o olho afetado, não ocorrerá contração (miose) de nenhuma das pupilas, uma vez que há lesão na via aferente (via de entrada) desse reflexo. Já ao incidir o estímulo sobre o olho normal, o examinador perceberá que ambas as pupilas irão contrair, uma vez que, nesse caso, a via aferente está preservada e os reflexos fotomotor direto (com miose da pupila ipsilateral ao estímulo) e fotomotor consensual (com miose da pupila contralateral) poderão ocorrer normalmente. Além disso, outro aspecto importante é a chamada discromatopsia, situação em que, com o olho afetado, o indivíduo percebe objetos vermelhos de forma "dessaturada", como se estivessem desbotados. Assim, ao exame físico, esperamos encontrar:</p><p>· Fundo de olho normal;</p><p>· Defeito pupilar aferente (pupila de Marcus Gunn);</p><p>· Dessaturação para o vermelho ou discromatopsia.</p><p>→ A principal causa de neurite óptica é a esclerose múltipla. Na maioria das vezes, a lesão é retrobulbar, embora possa acometer a papila do nervo óptico em alguns pacientes.</p><p>OUTROS SINTOMAS: Além dos surtos, os pacientes com esclerose múltipla podem apresentar outros sintomas. Tais manifestações podem ser sequelares, diretamente associadas a lesões prévias ou mesmo ocorrer com maior incidência nos pacientes com esclerose múltipla.</p><p>→Sintomas Sequelares:</p><p>→ Sintomas Associados:</p><p>Depressão, Fadiga, Espasticidade, Urgincontinência urinária, Dor neuropática, Déficit motor, Ataxia, Disfagia, Disfunção sexual, Disfunção cognitiva e Insônia.</p><p>→ É necessário entender um conceito fundamental, a apresentação clínica inicial. Isso pode ocorrer de duas formas:</p><p>1. Recorrente-remitente: o paciente abre o quadro com um surto da doença.</p><p>2. Primariamente progressiva: esse modo de apresentação é muito menos comum, correspondendo a cerca de 15% dos casos. O paciente não apresenta um surto da doença. Na verdade, a queixa clássica é de alteração progressiva de marcha associada a sintomas inespecíficos como: fadiga, astenia e declínio cognitivo. O quadro é inespecífico e o exame de neuroimagem será decisivo para considerarmos a doença.</p><p>DIAGNÓSTICO</p><p>→ O diagnóstico da EM é estabelecido com base em critérios clínicos, geralmente complementados pelos resultados da RM. O exame do LCR pode ser útil, mas isoladamente nenhum resultado é patognomônico dessa doença.</p><p>→ Um diagnóstico definitivo de EM exige a comprovação de um dos seguintes padrões:</p><p>· Dois ou mais episódios de exacerbação separados por 1 mês ou mais, e com duração de mais de 24 h, com posterior recuperação.</p><p>· Histórico clínico de exacerbações e remissões claramente definidas, com ou sem recuperação completa, seguidas por progressão dos sintomas durante um período de pelo menos 6 meses.</p><p>· Progressão lenta e gradual de sinais e sintomas durante um período de pelo menos 6 meses.</p><p>Exames de Imagem: As placas de EM aparecem, tipicamente, como áreas de sinal alto (branco) nas imagens ponderadas em T2 – recuperação de inversão atenuada de fluido (FLAIR), que permitem a melhor discriminação das lesões supratentoriais suprimindo-se o sinal alto do líquido cefalorraquidiano (LCR) nos ventrículos.</p><p>→ Em geral, as lesões variam em tamanho desde 2 mm a 2 cm; às vezes, placas maiores parecem tumores. Os aspectos de uma lesão na RM sugerindo EM incluem: formato elíptico, bordas discretas, falta de efeito de massa e realce com gadolínio. Os locais típicos incluem a área periventricular (perpendicular a ou encostando nas paredes dos ventrículos, o corpo caloso, os pedúnculos cerebelares, o tronco encefálico, a área justocortical e a medula espinal dorsolateral.</p><p>→ Lesões corticais e profundas da substância cinzenta também ocorrem, mas a visualização é menos nítida na RM convencional. O realce por gadolínio, que sugere permeabilidade da barreira hematencefálica, está relacionado a uma inflamação nova ou ativa nas lesões. Lesões que realçam em uma sequência ponderada em T1 geralmente apresentam uma lesão concomitante no mesmo local em uma imagem ponderada em T2. Entretanto, as lesões ponderadas em T2 podem se formar sem realce evidente. O realce com gadolínio pode ser homogêneo, central ou em padrão de anel; tipicamente ele persiste por 2 a 8 semanas e, por isso, pode passar despercebido em varreduras intermitentes. Áreas persistentes de sinal baixo nas imagens ponderadas em T1 antes do contraste (“buracos negros”) se correlacionam com a evidência patológica de perda axonal e atrofia.</p><p>Líquido Cefalorraquidiano:</p><p>O exame do LCR é útil em muitos casos, mas não obrigatório em pacientes com apresentação clínica típica e evidência por RM de doença disseminada. A avaliação do LCR inclui contagem de células, proteína total, glicose, índice de IgG e eletroforese para avaliar um padrão de bandas oligoclonais com uma amostra sérica pareada.</p><p>→ A presença de proteína básica de mielina não é específica para EM porque ela pode ser elevada após qualquer ruptura de tecido no SNC. Bandas de IgG oligoclonais no LCR ou um índice de IgG elevado fornece evidência para produção intratecal de imunoglobulinas. Entretanto, embora bandas oligoclonais sejam comuns em EM, elas também ocorrem com infecção ou outros processos imunomediados. Como resultado, o teste não tem especificidade para EM e tem sensibilidade de somente 85 a 90% de pacientes com EM clinicamente definitiva.</p><p>→ A avaliação do LCR é geralmente recomendada se um diagnóstico alternativo for considerado, especialmente se houver suspeita de um processo infeccioso ou neoplásico (p. ex., febre, sudorese, história de viagem não rotineira, picada de carrapato ou erupção cutânea). → A análise do LCR também pode ser útil se os critérios clínicos ou da RM estiverem incompletos para fornecer confirmação do diagnóstico.</p><p>CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS:</p><p>→ Existem critérios diagnósticos para cada uma das modalidades de apresentação.</p><p>Critérios para a forma recorrente-remitente</p><p>→ Os critérios mais utilizados e recentes, são os de McDonald 2017.</p><p>→ O conceito básico é conseguir definir que o paciente apresentou ao menos 2 surtos da doença, em locais diferentes e em momentos diferentes. Dizemos que a doença apresenta disseminação no espaço (multifocalidade) e disseminação no tempo (cronicidade).</p><p>→ Imagine um paciente que se queixa de ter apresentado um déficit motor há 6 meses e um sensitivo agora. Ao realizar a RM de encéfalo, você percebe que o paciente tem uma lesão prévia, sequelar, compatível com o quadro motor prévio, além de uma lesão nova, com realce pós-contraste, que explica o déficit sensitivo atual. Essa é a forma mais fácil e fidedigna de chegarmos à conclusão de que houve disseminação no espaço e disseminação no tempo. Ou seja, detectar um quadro clínico sugestivo de 2 surtos da doença, com sintomas diferentes (sugerindo locais de acometimento diferentes) e em momentos diferentes (afastando que se trata de uma doença monofásica) com o suporte da RM de neuroeixo.</p><p>→ Quando não há uma história clara de 2 surtos com suporte na imagem, precisamos buscar os conceitos de disseminação no espaço e de disseminação no tempo de outra forma.</p><p>→ Na verdade, para a sua definição, o paciente precisa apresentar lesão em ao menos 2 de 4 topografias definidas como "clássicas". São elas:</p><p>· Periventricular</p><p>· Justacortical</p><p>· Infratentorial</p><p>· Medula espinhal</p><p>→ Ou seja, a disseminação no espaço é um critério que conseguiremos identificar apenas por meio da RM. Já para a disseminação no tempo, conseguiremos chegar a essa conclusão sem o paciente referir que apresentou um surto no passado da seguinte forma:</p><p>Critérios para a forma primariamente progressiva</p><p>→ Nessa modalidade, o paciente não apresenta um surto propriamente dito, ou seja, não há relato de um déficit neurológico súbito. Entretanto, o paciente queixa-se de sintomas inespecíficos, como declínio cognitivo, fadiga e, principalmente, dificuldade de marcha. A esclerose múltipla primariamente progressiva é um importante diagnóstico diferencial de paraparesia espástica. Para diagnosticar essa condição, o paciente precisa apresentar um quadro de deterioração neurológica progressiva de, ao menos, 1 ano e que esteja associado a, ao menos, 2 dos 3 sintomas a seguir:</p><p>· Disseminação no espaço. Ou seja, ao menos 2 lesões em 4 topografias clássicas;</p><p>· Ao menos 2 lesões na medula espinhal;</p><p>· Presença de bandas oligoclonais no LCR.</p><p>TRATAMENTO</p><p>→ Indivíduos que são minimamente afetados pela doença não necessitam de tratamento específico. A pessoa deve ser estimulada a manter um estilo de vida tão saudável quanto possível, incluindo uma boa alimentação, repouso e relaxamento adequado. A fisioterapia pode ajudar a manter o tônus muscular.</p><p>→ Devem ser feitos todos os esforços para evitar fadiga excessiva, deterioração física, estresse emocional, infecções virais e extremos de temperatura ambiental, condições que podem precipitar uma exacerbação da doença.</p><p>→ O tratamento na fase aguda tem o objetivo de reduzir o processo inflamatório no SNC e visa ao controle dos déficits neurológicos desenvolvidos durante o surto da doença; já o tratamento crônico tem por objetivo reduzir o número de surtos e a progressão da incapacidade neurológica.</p><p>→ Os agentes farmacológicos utilizados na gestão de EM se dividem em três categorias:</p><p>1. Aqueles usados para tratar crises agudas ou episódios iniciais desmielinizantes</p><p>2. Aqueles usados para modificar o curso da doença</p><p>3. Aqueles usados para tratar os sintomas do distúrbio.</p><p>→ Os corticosteroides são a base do tratamento para crises agudas de EM. Acredita-se que esses agentes reduzam a inflamação, melhorem a condução do nervo e tenham efeitos imunológicos importantes. A administração a longo prazo, no entanto, não parece alterar o curso da doença e pode ter efeitos secundários prejudiciais. A plasmaférese e a administração intravenosa de imunoglobulina também se revelaram benéficas em alguns casos.</p><p>→ Os agentes usados para modificar o curso da doença incluem interferona-β, acetato de glatirâmero e mitoxantrona. Esses agentes têm demonstrado algum benefício na redução de exacerbações em pessoas com EM reincidente-remitente. A interferona-β é uma citocina que atua como um potencializador imunológico. A interferona é administrada por injeção e, em geral, é bastante tolerada. Os efeitos colaterais mais comuns são sintomas semelhantes aos da gripe por 24 a 48 h após cada injeção, que geralmente desaparecem depois de 2 a 3 meses de tratamento. O acetato de glatirâmero é um polipeptídio sintético que simula partes da proteína básica da mielina. Embora o mecanismo de ação preciso seja desconhecido, a substância parece bloquear as células T que danificam a mielina, agindo como uma isca de mielina. A substância deve ser administrada diariamente por injeção subcutânea.</p><p>→ A mitoxantrona é um agente antineoplásico que impede a ligação das cadeias de DNA e, desse modo, retarda a progressão do ciclo celular e tem propriedades imunomoduladoras. Os efeitos colaterais agudos dos medicamentos incluem náuseas e alopecia. Recentemente, um anticorpo monoclonal humanizado, o natalizumabe, também foi aprovado para o tratamento de EM reincidente-remitente. Sua ação é a supressão da entrada de leucócitos no SNC.</p><p>Neurite Óptica e Mielite Transversa</p><p>→ A neurite óptica e a mielite transversa são processos inflamatórios que podem ocorrer como doenças distintas da EM ou como parte dela. Além disso, a neurite óptica e a mielite transversa podem ocorrer juntas na síndrome chamada de neuromielite óptica (doença de Devic).</p><p>NEURITE ÓPTICA</p><p>→ Trata-se de uma doença inflamatória que geralmente envolve a porção retrobulbar do nervo óptico e, às vezes, partes do quiasma óptico. Embora a neurite óptica esteja mais frequentemente associada à EM (50 a 75%), ela também é vista como um transtorno idiopático isolado (25 a 50%) como parte da neuromielite óptica, ou associado a outras doenças inflamatórias e infecciosas, como a neuropatia óptica inflamatória crônica recorrente, o lúpus eritematoso sistêmico, a síndrome de Sjögren, a sarcoidose, a doença de Lyme, a sífilis e a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana.</p><p>→ Acredita-se que os aspectos biopatológicos sejam similares àqueles da EM e caracterizados por desmielinização inflamatória idiopática seguida de lesão axonal secundária. As neuropatias ópticas hereditárias podem se tornar aparentes durante períodos de estresse e manifestarem-se como perda visual monocular aguda.</p><p>Manifestações clínicas e diagnóstico: A apresentação clínica, que é tipicamente a perda visual monocular com dor periorbitária que piora</p><p>com o movimento lateral do olho, é similar, independentemente de se manifestar como parte da EM (discussão anterior sobre os efeitos visuais da EM) ou não.</p><p>→ O dano axonal e neuronal da retina se desenvolve rapidamente, após o início da neurite óptica aguda. Quando envolve a cabeça do nervo óptico, ela é chamada de papilite e, em casos bilaterais, pode ser impossível diferenciá-la do papiledema.</p><p>→ A neurite óptica também pode ser mimetizada por doenças do segmento anterior, coroidais ou da retina. Ela é diferenciada da neuropatia óptica, que é um quadro crônico, geralmente não inflamatório do nervo óptico causado por tabagismo ou ambliopia nutricional, isquemia, doença de Leber. A neuropatia óptica subclínica, na ausência de perda visual monocular dolorosa, pode resultar em afinamento, com o tempo, da camada de fibras nervosas da retina.</p><p>Tratamento:</p><p>→ Entre os pacientes com neurite óptica, o risco de 15 anos para desenvolvimento da EM é de 25% em pacientes sem lesões na RM basal do cérebro, mas 72% em pacientes com uma ou mais lesões na RM de base.</p><p>→ O tratamento com metilprednisolona intravenosa como na EM ou com doses bioequivalentes de corticosteroides orais pode encurtar a duração e a intensidade do surto, mas não há evidência definitiva de que isso altere o desfecho a longo prazo. Existem dados que apoiam o uso de medicamentos IFN-beta e acetato de glatirâmer em pacientes cuja neurite óptica tenha alto risco de conversão para EM (uma ou mais lesões cerebrais típicas na RM).</p><p>MIELITE TRANSVERSA</p><p>→ A mielite transversa é um processo inflamatório monofásico raro (cerca de 1 em 100 mil pessoas) da medula espinal em geral distinta da EM, porque envolve toda a área transversal ou é longitudinalmente extensa ao longo de três segmentos de corpo vertebral em sentido rostrocaudal.</p><p>→ A mielite transversa ou mielopatia pode ser idiopática ou associada a doenças inflamatórias (neuromielite óptica, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, vasculite ou EM), doenças infecciosas ou doenças vasculares (síndrome de anticorpos antifosfolipídes ou fístula venosa dural).</p><p>Manifestações clínicas e diagnóstico: Em sua forma fulminante, a mielite transversa causa perda completa das funções motora e sensitivas abaixo do nível afetado da medula e causa disfunção concomitante do intestino, da bexiga e sexual. O envolvimento autonômico pode ser visualizado em casos de medula cervical e torácica alta.</p><p>→ A mielite transversa também pode se manifestar de maneira incompleta ou parcial, que é mais em geral associada à EM. Em pacientes mais velhos, naqueles com fatores de risco vascular ou pacientes com padrão de edema da medula central na RM, a angiografia espinal deverá ser considerada para excluir isquemia ou infarto de medula espinal.</p><p>Tratamento e prognóstico</p><p>→ O tratamento do processo inflamatório é, geralmente, a metilprednisolona (1.000 mg IV por 3 a 5 dias), seguida de tratamento específico de qualquer processo de doença subjacente identificável. O prognóstico é pior que na EM pois recuperação significativa é vista em menos de 50% dos pacientes, e muitos deles permanecem completamente paralisados após o surto inicial. A plasmaférese ou a ciclofosfamida pode ser considerada em casos refratários aos esteroides.</p><p>NEUROMIELITE ÓPTICA</p><p>→ Trata-se de uma doença hoje reconhecida como distinta da EM e que se caracteriza por um quadro de neurite óptica, geralmente bilateral e temporariamente associada a um quadro fulminante de mielite transversa de multiníveis.</p><p>EPIDEMIOLOGIA: A NMO é mais frequente na população asiática e em afrodescendentes, além de apresentar predileção pelo sexo feminino, assim como a esclerose múltipla. É uma doença menos prevalente e os fatores de risco genéticos e ambientais são muito menos conhecidos. Outras duas peculiaridades dessa doença são: a faixa etária de início dos sintomas mais tardia se comparada à EM, com a média de idade dos pacientes entre 35 e 40 anos, além da alta associação com outras doenças autoimunes ou ao menos com a presença de marcadores laboratoriais.</p><p>→ A IgG sérica específica (NMO-IgG) direcionada contra a aquaporina 4 prediz esse processo. Lesões cerebrais podem ser visualizadas na RM e têm predileção pelo tronco encefálico.</p><p>ENCEFALOMIELITE DISSEMINADA AGUDA</p><p>→ A encefalomielite disseminada aguda (ADEM) é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central, mais comum em crianças, comumente pós-infecciosa (75% dos casos) e, classicamente, monofásica. Em geral, apresenta-se com déficit neurológico multifocal associado à encefalopatia.</p><p>→ Acredita-se que a encefalomielite disseminada aguda e sua forma hiperaguda, a encefalopatia hemorrágica necrosante, sejam formas de desmielinização inflamatória monofásica imunomediada.</p><p>Elas diferem da EM pois são tipicamente monofásicas, enquanto a EM é, por definição, multifásica ou cronicamente progressiva. Entretanto, não há critérios clínicos ou patológicos confiáveis disponíveis para diferenciar os dois processos, que pode representar um continuum.</p><p>→ Várias infecções já foram associadas ao quadro, sendo as mais comuns: vírus Epstein-Barr, influenza, varicela-zóster, Herpes simplex, HIV, rubéola, citomegalovírus, entre outros. Alguns estudos sugerem que, além do antecedente de infecção, a exposição a algumas vacinas pode ser o "desafio" imunológico que inicia o processo. O início dos sintomas ocorre, em média, de 4 a 13 dias após a exposição ao gatilho.</p><p>→ Os pacientes podem apresentar febre, cefaleia, sinais meníngeos e alteração do nível de consciência, o que é excessivamente raro em EM.</p><p>→ Não existe tratamento efetivo conhecido. Muitos pacientes, especialmente crianças, recuperam-se de maneira notável, mas a forma necrosante pode ser gravemente incapacitante ou fatal. As formas recorrentes da doença nas crianças têm mais probabilidade de se tornar EM.</p><p>LEUCODISTROFIAS</p><p>→ Trata-se de várias doenças caracterizadas por degeneração da substância branca do SNC, hereditárias e progressivas, que se acredita estarem relacionadas à produção ou à manutenção anormal de mielina. Atualmente, muitas dessas doenças apresentam uma base bioquímica e genética definida, são causadas por doença primária em outros componentes do SNC (incluindo astrócitos, micróglia, axônios e vasos sanguíneos), e não são mais consideradas exclusivamente como sendo transtornos primários de mielina.</p><p>ADRENOLEUCODISTROFIA E ADRENOMIELONEUROPATIA</p><p>→ Essas duas entidades, causadas por comprometimento da capacidade dos peroxissomos em metabolizar ácidos graxos de cadeia muito longa, representam fenótipos diferentes que resultam do mesmo defeito genético incompletamente recessivo e ligado ao X. A oxidação prejudicada desses ácidos graxos de cadeia muito longa resulta da função deficiente da enzima lignoceroil-coenzima A ligase. O gene defeituoso localiza-se no Xq28 e codifica uma proteína de membrana peroxissomal (ALDP), que é membro de uma grande família de proteínas referidas como transportadores de cassetes de ligação da adenosina trifosfato (ABC), especificamente ABCD1.</p><p>→A adrenoleucodistrofia cerebral da infância, que é a forma mais comum do distúrbio, representa 45% de todos os casos e é observada somente em pacientes do sexo masculino, com início entre 4 e 11 anos. As formas cerebrais adolescente (5%) e adulta (3%) progridem em índices similares ou mais lentamente que a forma infantil.</p><p>Referências:</p><p>PAULO, C. O. et al. Neurologia Essencial. Curitiba: PUCPRESS, 2021.</p><p>Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ª Edição. Rio de Janeiro: ELSEVIER, 2005.</p><p>KASPER, Dennis L.. Medicina interna de Harrison. 19 ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2017.</p><p>image2.png</p><p>image3.png</p><p>image4.png</p><p>image5.png</p><p>image6.png</p><p>image7.png</p><p>image8.png</p><p>image9.png</p><p>image10.png</p><p>image11.png</p><p>image12.png</p><p>image13.png</p><p>image14.png</p><p>image15.png</p><p>image16.png</p><p>image17.png</p><p>image18.png</p><p>image19.png</p><p>image20.png</p><p>image21.png</p><p>image22.png</p><p>image1.png</p>