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GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Textos básicos de Ciências Sociais, selecionados com a supervisão geral do Prof. Florestan Fernandes. Abrangendo seis disciplinas fundamentais da ciência social Sociologia, História, Economia, Psicologia, Política e Antropologia - a coleção apresenta os autores modernos e contemporâneos de maior destaque mundial, focalizados através de introdução crítica e biobibliográfica, assinada por especialistas da universidade brasileira. A essa introdução crítica segue-se uma coletânea dos textos mais representativos de cada autor. Desde que Karl Marx (1818-1883) Mlllf X desenvolveu a sua explicação do IlIFlIl/l modo de produção capitalista, o capitalismo não pode mais ser pensado, defen dido ou questionado sem que se leve em conta essa explicação. Mais do que isso, a obra de Marx passou a fazer parte do universo capita lista, como sua expressão histórica e teórica. Operários e burgueses, intelectuais e burocra tas, civis e militares, leigos e religiosos, homens e mulheres, na cidade e no campo, todos, em todas as sociedades, nos vários continentes, passaram a ter o seu pensamento e a sua prá tica — direta ou indiretamente, em maior ou em menor grau — questionados, reafirmados ou negados pela explicação dialética do capitalis mo. Ao abordar as categorias e leis que consti tuem os movimentos e os antagonismos da formação social capitalista, Marx revelou a historicidade inscrita nas relações, nos proces sos e nas estruturas sociais — fundamental mente econômicos e políticos — que engendram os movimentos e os antagonismos dessa forma ção social. A revolução científica realizada por Marx põe em questão tanto a explicação como a existência do capitalismo. Marx Organizador: Octavio lanni Coordenador: Florestan Fernandes SOCIOLOGIA GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Textos básicos de Ciências Sociais, selecionados com a supervisão geral do Prof. Florestan Fernandes. Abrangendo seis disciplinas fundamentais da ciência social Sociologia, História, Economia, Psicologia, Política e Antropologia - a coleção apresenta os autores modernos e contemporâneos de maior destaque mundial, focalizados através de introdução crítica e biobibliográfica, assinada por especialistas da universidade brasileira. A essa introdução crítica segue-se uma coletânea dos textos mais representativos de cada autor. Desde que Karl Marx (1818-1883) Mlllf X desenvolveu a sua explicação do IlIFlIl/l modo de produção capitalista, o capitalismo não pode mais ser pensado, defen dido ou questionado sem que se leve em conta essa explicação. Mais do que isso, a obra de Marx passou a fazer parte do universo capita lista, como sua expressão histórica e teórica. Operários e burgueses, intelectuais e burocra tas, civis e militares, leigos e religiosos, homens e mulheres, na cidade e no campo, todos, em todas as sociedades, nos vários continentes, passaram a ter o seu pensamento e a sua prá tica — direta ou indiretamente, em maior ou em menor grau — questionados, reafirmados ou negados pela explicação dialética do capitalis mo. Ao abordar as categorias e leis que consti tuem os movimentos e os antagonismos da formação social capitalista, Marx revelou a historicidade inscrita nas relações, nos proces sos e nas estruturas sociais — fundamental mente econômicos e políticos — que engendram os movimentos e os antagonismos dessa forma ção social. A revolução científica realizada por Marx põe em questão tanto a explicação como a existência do capitalismo. Marx Organizador: Octavio lanni Coordenador: Florestan Fernandes SOCIOLOGIA r ■a ' * ■ ■ •':••■■ ■:•” ■■ ■ 'ff ■- '■' * *■• '• ' • # • •- > ■ * ■■-// - * • . d * * ■• ■[ «L. 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Sociologia marxista 335.438301 - ---------------------------------------------------- EDIÇÃO Tradução: Maria Elisa Mascarenhas, Ione de Andrade e Fausto N. Pellegrini Copidesque: Mitsue Morissawa e M. Carolina de A. Boschi Coordenação Editorial: t Paulo S. M. Machado Consultoria Geral: Prof. Florestan Fernandes ARTE Capa: Elifas Andreato Projeto Gráfico'. Virgínia Fujiwara Produção Gráfica: Elaine Regina de Oliveira Edição de Arte: Ademir Carlos Schneider Foto de capa: João Bittar \________________ í_____________ ___ _____________________________ / . .... ................... ....... 1979 ~ Todos os direitos reservados pela Editora Âticà S.A. R. Barão de Iguape, 110 — Tel.: PBX 278-9322 (50 Ramais) C. Postal 8656 •— End. Telegráfico “Bomlivro” — S. Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO (por Octavio Ianni), 7 1. A PRODUÇÃO DA SOCIEDADE 1. Fundamentos da História, 45 2. Condições históricas da reprodução social, 62 3. Características essenciais do sistema capitalista, 74 4. Infra-estrutura e superestrutura, 82 II. CLASSES SOCIAIS E CONTRADIÇÕES DE CLASSES 5. As classes sociais, 99 6. A estrutura de classes na Alemanha, 102 7. Classes sociais e bonapartismo, 110 8. O exército industrial de reserva, 125 9. Questionário sobre a situação operária na França, 133 III. EXISTÊNCIA E CONSCIÊNCIA 10. A produção da consciência, 145 11. Fetichismo e reificação, 159 ClP-Brasil. Catalogação-na-Fonle Câmara Brasileira do Livro, SP M355k Marx, KarI, 1818-1883. KarI Marx : sociologia / organizador [da coletâ nea] Oclavio Ianni ; [tradução de Maria Elisa Mas- carenhas, Ione de Andrade e Fausto N. Pellegrini]. — São Paulo : Ática, 1979. CGrandes cientistas sociais ; 10) Inclui introdução sobre Marx por Octavio Ianni. 1. Classes sociais 2. Comunismo 3. Comunismo e sociedade 4. Marx, KarI, 1818-1883 5. Sociologia I. Ianni, Otávio, 1926- II. Título. 79-0342 CDD—335.438301 —301 —301.44 —320.532 —323.3 índices para catálogo sistemático: 1. Classes sociais : Aspectos políticos 323.3 2. ^ Classes sociais : Sociologia 301.44 3. Classes sociais e Estado : Ciência política 323.3 4. Estado e classes sociais : Ciência política 323.3 5. Marxismo : Ciência política 320.532 6. Marxismo e sociologia 335.438301 7. Sociologia 301 8. Sociologia marxista 335.438301 - ---------------------------------------------------- EDIÇÃO Tradução: Maria Elisa Mascarenhas, Ione de Andrade e Fausto N. Pellegrini Copidesque: Mitsue Morissawa e M. Carolina de A. Boschi Coordenação Editorial: t Paulo S. M. Machado Consultoria Geral: Prof. Florestan Fernandes ARTE Capa: Elifas Andreato Projeto Gráfico'. Virgínia Fujiwara Produção Gráfica: Elaine Regina de Oliveira Edição de Arte: Ademir Carlos Schneider Foto de capa: João Bittar \________________ í_____________ ___ _____________________________ / . .... ................... ....... 1979 ~ Todos os direitos reservados pela Editora Âticà S.A. R. Barão de Iguape, 110valor trabalho, trabalho social (concreto, abstrato, individual, coletivo), trabalho necessário, trabalho excedente, mais-valia absoluta, mais- -valia relativa e outros. O núcleo desse processo explicativo é a categoria mais-valia, que revela uma relação determinada de alienação e antagonismo, na qual se encadeiam e opõem o operá rio e o capitalista. laura . alice alcantara . laura . laura . laura . 20 “Não é o operário quem emprega os meios de produção; são os meios de produção que empregam o operário. Não é o trabalho vivo que se realiza no trabalho materializado, como em seu órgão objètivo; é o trabalho materializado que se conserva e aumenta pela sucção do trabalho vivo, graças ao qual converte-se em um valor que se valoriza, em capital, e funciona como tal. Os meios de produção aparecem, pois, unicamente como sugadores de quantidades crescentes de trabalho vivo. (...) Em realidade, a dominação dos capitalistas sobre os operários e somente o domínio das condições de trabalho sobre estes (entre as quais contam-se, também, além das condições objetivas do processo de produção — isto é, os meios de produção —, as condições objetivas de manutenção e de eficiência da força de trabalho, ou seja, dos meios de subsistência'), condições de traba lho que se tornaram autônomas, e precisamente frente ao ope rário. (...) A dominação do capitalista sobre o operário é, por conseguinte, a da coisa sobre o homem, do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do produto sobre o produtor, pois que, na realidade, as mer cadorias, que se convertem em meios de dominação sobre os operários (mas somente como meios da dominação do capital propriamente), não são nada mais que meros resultados do pro cesso de produção, os produtos do mesmo. Na produção mate rial, no verdadeiro processo da vida social — pois este é o pro cesso da produção ■—• dá-se exatamente a mesma relação que, no terreno ideológico, apresenta-se na religião: a conversão do sujeito no objeto e vice-versa.” 15 * Por intermédio desse movimento analítico, quando as cate gorias vão exprimindo relações necessárias, que se impõem com férrea necessidade, surge progressivamente a verdadeira condição da. classe operária, ao mesmo tempo que surge a condição ver dadeira da classe capitalista, desde o processo produtivo, em sentido estrito, até às suas relações políticas de antagonismo e negação. Entretanto,, a condição crítica da classe operária não é in- dependente da sua perspectiva crítica. A mesma condição alienada da sua existência, como classe, constitui a base da sua posição crítica. Pouco a pouco a classe operária se dá conta da sua. 15 Marx, K. El capital. Buenos Aires, Ediciones Signos, 1971. liv. I, cap. VI (inédito), p. 17, 18 e 19. 21 posição 'histórica privilegiada, quanto às suas condições de luta política contra a burguesia. Desde"os primeiros escritos, iMaix ik esteve interessado no processo • político por meio do qual se dá a metamorfose da classe operária de classe em si a classe para si. Esse é um movimento crucial no processo de desenvolvimento da contradição de classes no capitalismo; “A grande indústria concentra, em um mesmo lugar, uma massa de pessoas que não se conhecem entre si. A concorrência divide os seus interesses. Mas a defesa do salário, esse interesse comum a todas elas perante seu patrão, une-as em uma idéia comum de resistência: a coalizão. Portanto, a coalizão persegue, sem pre, uma dupla finalidade: acabar com a concorrência entre os operários para poder fazer uma concorrência geral aos capita listas. Se o primeiro fim da resistência se reduzia à defesa do salário, depois, à medida que, por sua vez, os capitalistas se as sociam, movidos pela idéia da repressão, as coalizões, inicial mente isoladas, formam grupos, e a defesa pelos operários de suas associações, diante do capital sempre unido, acaba sendo para eles mais necessária que a defesa do salário. (...) Nessa luta — verdadeira guerra civil — vão-se unindo e desenvolvendo todos os elementos para a batalha futura. Ao chegar a esse ponto, a coalizão toma caráter político. As con dições econômicas transformaram primeiro a massa da população do país em trabalhadores. O domínio do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, pois, essa massa já é uma classe relativamente ao capital, mas ainda não é uma classe para si. Na luta, da qual não assinalamos mais que algumas fases, essa massa se une, constituindo-se numa classe para si mesma.” 10 Vimos, pois, que a teoria marxista da luta de classes é o resultado combinado de dois movimentos do pensamento de Marx. Por um lado, ele elabora a sua compreensão das classes Nociais, seus antagonismos e lutas à medida que se desenvolvem UH suas reflexões, desde a crítica das filosofias hegelian. e neo-hegeliana até a crítica do socialismo utópico francês e da economia política clássica inglesa. Note-se que todas essas re flexões foram enriquecidas e desenvolvidas inclusive pela sua participação política direta em lutas operárias do tempo. Em todo 1,1 Marx, K. Misère de la philosophie. p. 134; Miséria da Filosofia, p. 163-64. 20 “Não é o operário quem emprega os meios de produção; são os meios de produção que empregam o operário. Não é o trabalho vivo que se realiza no trabalho materializado, como em seu órgão objètivo; é o trabalho materializado que se conserva e aumenta pela sucção do trabalho vivo, graças ao qual converte-se em um valor que se valoriza, em capital, e funciona como tal. Os meios de produção aparecem, pois, unicamente como sugadores de quantidades crescentes de trabalho vivo. (...) Em realidade, a dominação dos capitalistas sobre os operários e somente o domínio das condições de trabalho sobre estes (entre as quais contam-se, também, além das condições objetivas do processo de produção — isto é, os meios de produção —, as condições objetivas de manutenção e de eficiência da força de trabalho, ou seja, dos meios de subsistência'), condições de traba lho que se tornaram autônomas, e precisamente frente ao ope rário. (...) A dominação do capitalista sobre o operário é, por conseguinte, a da coisa sobre o homem, do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do produto sobre o produtor, pois que, na realidade, as mer cadorias, que se convertem em meios de dominação sobre os operários (mas somente como meios da dominação do capital propriamente), não são nada mais que meros resultados do pro cesso de produção, os produtos do mesmo. Na produção mate rial, no verdadeiro processo da vida social — pois este é o pro cesso da produção ■—• dá-se exatamente a mesma relação que, no terreno ideológico, apresenta-se na religião: a conversão do sujeito no objeto e vice-versa.” 15 * Por intermédio desse movimento analítico, quando as cate gorias vão exprimindo relações necessárias, que se impõem com férrea necessidade, surge progressivamente a verdadeira condição da. classe operária, ao mesmo tempo que surge a condição ver dadeira da classe capitalista, desde o processo produtivo, em sentido estrito, até às suas relações políticas de antagonismo e negação. Entretanto,, a condição crítica da classe operária não é in- dependente da sua perspectiva crítica. A mesma condição alienada da sua existência, como classe, constitui a base da sua posição crítica. Pouco a pouco a classe operária se dá conta da sua. 15 Marx, K. El capital. Buenos Aires, Ediciones Signos, 1971. liv. I, cap. VI (inédito), p. 17, 18 e 19. 21 posição 'histórica privilegiada, quanto às suas condições de luta política contra a burguesia. Desde"os primeiros escritos, iMaix ik esteve interessado no processo • político por meio do qual se dá a metamorfose da classe operária de classe em si a classe para si. Esse é um movimento crucial no processo de desenvolvimento da contradição de classes no capitalismo; “A grande indústria concentra, em um mesmo lugar, uma massa de pessoas que não se conhecem entre si. A concorrênciadivide os seus interesses. Mas a defesa do salário, esse interesse comum a todas elas perante seu patrão, une-as em uma idéia comum de resistência: a coalizão. Portanto, a coalizão persegue, sem pre, uma dupla finalidade: acabar com a concorrência entre os operários para poder fazer uma concorrência geral aos capita listas. Se o primeiro fim da resistência se reduzia à defesa do salário, depois, à medida que, por sua vez, os capitalistas se as sociam, movidos pela idéia da repressão, as coalizões, inicial mente isoladas, formam grupos, e a defesa pelos operários de suas associações, diante do capital sempre unido, acaba sendo para eles mais necessária que a defesa do salário. (...) Nessa luta — verdadeira guerra civil — vão-se unindo e desenvolvendo todos os elementos para a batalha futura. Ao chegar a esse ponto, a coalizão toma caráter político. As con dições econômicas transformaram primeiro a massa da população do país em trabalhadores. O domínio do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, pois, essa massa já é uma classe relativamente ao capital, mas ainda não é uma classe para si. Na luta, da qual não assinalamos mais que algumas fases, essa massa se une, constituindo-se numa classe para si mesma.” 10 Vimos, pois, que a teoria marxista da luta de classes é o resultado combinado de dois movimentos do pensamento de Marx. Por um lado, ele elabora a sua compreensão das classes Nociais, seus antagonismos e lutas à medida que se desenvolvem UH suas reflexões, desde a crítica das filosofias hegelian. e neo-hegeliana até a crítica do socialismo utópico francês e da economia política clássica inglesa. Note-se que todas essas re flexões foram enriquecidas e desenvolvidas inclusive pela sua participação política direta em lutas operárias do tempo. Em todo 1,1 Marx, K. Misère de la philosophie. p. 134; Miséria da Filosofia, p. 163-64. laura . 22 esse trabalho ele vai deparando os mais diferentes aspectos das relações capitalistas, desde o caráter alienante da divisão social do trabalho na fábrica e na sociedade até o problema da superação do regime capitalista por uma sociedade sem classes. Por outro lado — mas ao mesmo tempo ■—- Marx mergulha e demora na análise das relações de produção específicas do capitalismo. Ao realizar esse trabalho, reencontra as classes sociais em suas relações necessárias e antagônicas., Um e outro movimento encadeiam-se no curso da'produção da interpretação crítica do capitalismo. 3. Existência e consciência Para Marx, a consciência social exprime e constitui, ao mesmo tempo, as relações sociais. Por isso, a análise dialética das relações capitalistas exige que a interpretação apanhe sempre a maneira pela qual os homens pensam-se a si mesmos e uns aos outros. A autoconsciência somente é possível no espelho do outro. A condição de operário e de capitalista somente se revela nas relações que um e outro estabelecem entre si. Mas essas relações não se realizam, a não ser que um e outro se pensem no processo de compra e venda de força de trabalho, de produção de merca doria, de intercâmbio entre trabalho necessário (pago) e exce dente (não pago). Não se completa a compreensão da existência do operário e do capitalista, a não ser quando a análise passa pela forma pela qual um e outro se compreendem a si próprios e reciprocamente. Para reconhecer-se como operário* é indispen sável que o operário reconheça o capitalista como tal e vice-versa. Esse reconhecimento é, ao mesmo tempo, uma condição funda mentar da existência e negação recíprocas. Para afirmar-se como capitalista, o capitalista precisa não só apropriar-se do produto do trabalho excedente (não pago), mas também reconhecer o produtor de valor excedente, a mais-valia, que aparece na sua consciência como lucro. Reciprocamente, para afirmar-se como tal, o operário precisa não só afirmar-se como produtor de merca doria ou vendedor de força de trabalho, mas também reconhecer o proprietário dos meios de produção que se apropria do produto do trabalho não pago. Essas são as relações básicas de depen dência, alienação e antagonismo, que fundam a existência e a consciência do operário e do capitalista. 23 Como vemos, é essencial que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam e determinam, reciprocamente, as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência. Não se trata de conferir autonomia a uma ou outra dimensão da realidade social. É evidente que as modalidades de consciência fazem parte das condições de existência social. Por isso é que Marx examina, sempre, os diversos momentos e èxpressões das relações capitalistas. Ele reco nhece que “a anatomia da sociedade deve ser procurada na econo mia política”, isto é, na análise das relações de produção. Mas entende que, para conhecer as relações de produção, é preciso examinar desde o grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção até às relações e estruturas jurídico- -políticas, jamais perdendo de vista as suas especificidades e os seus encadeamentos recíprocos. Inclusive as interpretações prece dentes e contemporâneas são examinadas criticamente, como di mensões ou expressões ideológicas e teóricas desse modo de pro dução. Todo esse trabalho intelectual está orientado pela convic ção de que não se pode compreender a sociedade se não se exami nam os encadeamentos, desdobramentos e determinações recíprocos das forças produtivas, relações de produção, estruturas políticas e modalidades de consciência. “Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a tim grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O con junto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determi nadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de„vid.a. sociaji^p.oiítíca.^e..intelectual. Não é a consciência dqs homens que determina a realídade; ao^com Trário, é a realidade social que determina sua consciência.” 17 \ Ocorre, no entanto, que as modalidades da consciência e as condições de existência social não se exprimem nem se relacionam de modo harmônico. Tanto as pessoas como os grupos e as classes sociais apreendem as suas relações sociais reais de maneira 17 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política, p. 30-31. 22 esse trabalho ele vai deparando os mais diferentes aspectos das relações capitalistas, desde o caráter alienante da divisão social do trabalho na fábrica e na sociedade até o problema da superação do regime capitalista por uma sociedade sem classes. Por outro lado — mas ao mesmo tempo ■—- Marx mergulha e demora na análise das relações de produção específicas do capitalismo. Ao realizar esse trabalho, reencontra as classes sociais em suas relações necessárias e antagônicas., Um e outro movimento encadeiam-se no curso da'produção da interpretação crítica do capitalismo. 3. Existência e consciência Para Marx, a consciência social exprime e constitui, ao mesmo tempo, as relações sociais. Por isso, a análise dialética das relações capitalistas exige que a interpretação apanhe sempre a maneira pela qual os homens pensam-se a si mesmos e uns aos outros. A autoconsciência somente é possível no espelho do outro. A condição de operário e de capitalista somente se revela nas relações que um e outro estabelecem entre si. Mas essas relações não se realizam, a não ser que um e outro se pensem no processo de compra e venda de força de trabalho, de produção de merca doria, de intercâmbio entre trabalho necessário (pago) e exce dente (não pago). Não se completa a compreensão da existência do operário e do capitalista, a não ser quando a análisepassa pela forma pela qual um e outro se compreendem a si próprios e reciprocamente. Para reconhecer-se como operário* é indispen sável que o operário reconheça o capitalista como tal e vice-versa. Esse reconhecimento é, ao mesmo tempo, uma condição funda mentar da existência e negação recíprocas. Para afirmar-se como capitalista, o capitalista precisa não só apropriar-se do produto do trabalho excedente (não pago), mas também reconhecer o produtor de valor excedente, a mais-valia, que aparece na sua consciência como lucro. Reciprocamente, para afirmar-se como tal, o operário precisa não só afirmar-se como produtor de merca doria ou vendedor de força de trabalho, mas também reconhecer o proprietário dos meios de produção que se apropria do produto do trabalho não pago. Essas são as relações básicas de depen dência, alienação e antagonismo, que fundam a existência e a consciência do operário e do capitalista. 23 Como vemos, é essencial que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam e determinam, reciprocamente, as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência. Não se trata de conferir autonomia a uma ou outra dimensão da realidade social. É evidente que as modalidades de consciência fazem parte das condições de existência social. Por isso é que Marx examina, sempre, os diversos momentos e èxpressões das relações capitalistas. Ele reco nhece que “a anatomia da sociedade deve ser procurada na econo mia política”, isto é, na análise das relações de produção. Mas entende que, para conhecer as relações de produção, é preciso examinar desde o grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção até às relações e estruturas jurídico- -políticas, jamais perdendo de vista as suas especificidades e os seus encadeamentos recíprocos. Inclusive as interpretações prece dentes e contemporâneas são examinadas criticamente, como di mensões ou expressões ideológicas e teóricas desse modo de pro dução. Todo esse trabalho intelectual está orientado pela convic ção de que não se pode compreender a sociedade se não se exami nam os encadeamentos, desdobramentos e determinações recíprocos das forças produtivas, relações de produção, estruturas políticas e modalidades de consciência. “Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a tim grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O con junto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determi nadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de„vid.a. sociaji^p.oiítíca.^e..intelectual. Não é a consciência dqs homens que determina a realídade; ao^com Trário, é a realidade social que determina sua consciência.” 17 \ Ocorre, no entanto, que as modalidades da consciência e as condições de existência social não se exprimem nem se relacionam de modo harmônico. Tanto as pessoas como os grupos e as classes sociais apreendem as suas relações sociais reais de maneira 17 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política, p. 30-31. alice alcantara . 24 diversa e antagônica, quando não de forma incompleta, parcial, invertida ou fetichizada. Na sociedade capitalista, as relações __de^ produção tendem a configurar-se em idéias, conceitos, doutrinas ou teorias, que evadem os seus fundamentos reais. Mas não evadem por deliberação. Ao contrário, evadem, em geral, as condições reais de vida sem que essa seja a sua finalidade ou intenção. A finalidade precípua das idéias, conceitos, doutrinas ou teorias é exprimir e constituir as relações sociais. Ocorre que as várias modalidades de consciência (ou ciência), mais ou menos límpidas ou obscurecidas, invertidas ou fetichizadas, constituem-se, segundo as posições relativas das pessoas, grupos e classes sociais, nas relações de dependência, alienação e antagonismo em que se acham inseridas. “E assim como na vida privada se diferencia o que um Homem pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz, nas lutas históricas, deve-se distinguir, mais ainda, as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si, do que são, na realidade”.18 Aqui, novamente, Marx nos coloca o problema dos descom- passos e divórcios entre as aparências e as essências das coisas. O que toma necessária a análise dialética é que as coisas não são transparentes; e muito menos quando elas são as relações capita listas de produção. No capitalismo, as relações de dependência, alienação e antagonismo estão no centro das relações entre o operário e o capitalista. Mas essas relações não surgem claras, ordenadas e transparentes nas ações e na consciência das pessoas. As idéias, conceitos, doutrinas ou teorias exprimem as relações sociais de modo incompleto ou, mesmo, invertido. Elas não podem elidir as posições das pessoas, grupos ou classes nas relações de produção, mas não as refletem, a não ser de maneira incompleta ou evasiva. É sabido que a revolução burguesa proclamou a liberdade de consciência, inclusive a religiosa. Esse princípio, no entanto, não faz senão instaurar mais um compo nente do processo de mercantilização universal das relações, pessoas e ^óisas.T^s"própriãs práticas religiosas, inclusive cerimô nias e imagens, são mercantilizadas/t 18 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. p. 49. 25 “As idéias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais que proclamar o reino da livre concorrência no domínio do conhecimento”.10 Na consciência burguesa, a maior parte dos problemas tende a ser equacionada a partir do 'princípio da mercantilização universal das relações, pessoas e coisas. Por isso, a liberdade religiosa surge de par com a constituição do mercado de trabalho, que supõe o direito de livre circulação das pessoas e mercadorias. A liberdade religiosa é tomada como uma condição moral necessária à livre circulação do trabalhador no mercado nacional e internacional de força de trabalho. Marx nqtou que o protes tantismo havia transformado a maior parte das festas tradicionais em dias de trabalho. Ao mesmo tempo, o protestantismo transfe riu para as pessoas a responsabilidade pelo cumprimento dos princípios da fé. "Lutero venceu efetivamente a servidão pela devoção, porque a substituiu pela servidão da convicção,- Acabou com a fé na autoridade, porque restaurou a autoridade da fé. Converteu sacerdotes em leígòs, porque tinha convertido leigos em sacer dotes. Libertou o Homem da religiosidade externa, porque instituiu a religiosidade no interior do Homem. Emancipou o corpo das cadeias porque carregou de cadeias o coração”. 20 Esse fenômeno ocorreu principalmente na época de formação do capitalismo, quando se verificava a acumulação primitiva na Inglaterra e outros países europeus. Fez parte do processo social mais amplo de metamorfose do produtor autônomo (camponês, artesão ou outro) em trabalhador livre assalariado. Esse fenô meno, repetimos, foi uma das primeiras manifestações da cons ciência burguesa em formação. E acompanhou a ruptura das relações e estruturas feudais, nas quais as pessoas pertenciam fisicamente ao feudo e espiritualmente à Igreja Católica de Roma. n) Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 33; Manifesto do Partido Comunista, p. 43-44. 2(1 Marx, K. “En torno a la crítica de la filosofia dei derecho de Hegel.” In: Marx, K. e Engels, F. La sagrada familia. México, Ed. Grijalbo, 1959. p. 1-15, citação da p. 10; Marxj K. “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.” In: A Questão Judaica. RÍo de Janeiro; Ed. Laemmert, 1969. p. 103-27, citação da p. 118. Trad. por Wladimir Gomide. Consultar também: Marx, K. El capital,t. I, p. 305; O Capital, liv.' 1, p. 313; Marx, K. e Engels, F. On Religion. Moscou, Progress Publishers, 1966. 24 diversa e antagônica, quando não de forma incompleta, parcial, invertida ou fetichizada. Na sociedade capitalista, as relações __de^ produção tendem a configurar-se em idéias, conceitos, doutrinas ou teorias, que evadem os seus fundamentos reais. Mas não evadem por deliberação. Ao contrário, evadem, em geral, as condições reais de vida sem que essa seja a sua finalidade ou intenção. A finalidade precípua das idéias, conceitos, doutrinas ou teorias é exprimir e constituir as relações sociais. Ocorre que as várias modalidades de consciência (ou ciência), mais ou menos límpidas ou obscurecidas, invertidas ou fetichizadas, constituem-se, segundo as posições relativas das pessoas, grupos e classes sociais, nas relações de dependência, alienação e antagonismo em que se acham inseridas. “E assim como na vida privada se diferencia o que um Homem pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz, nas lutas históricas, deve-se distinguir, mais ainda, as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si, do que são, na realidade”.18 Aqui, novamente, Marx nos coloca o problema dos descom- passos e divórcios entre as aparências e as essências das coisas. O que toma necessária a análise dialética é que as coisas não são transparentes; e muito menos quando elas são as relações capita listas de produção. No capitalismo, as relações de dependência, alienação e antagonismo estão no centro das relações entre o operário e o capitalista. Mas essas relações não surgem claras, ordenadas e transparentes nas ações e na consciência das pessoas. As idéias, conceitos, doutrinas ou teorias exprimem as relações sociais de modo incompleto ou, mesmo, invertido. Elas não podem elidir as posições das pessoas, grupos ou classes nas relações de produção, mas não as refletem, a não ser de maneira incompleta ou evasiva. É sabido que a revolução burguesa proclamou a liberdade de consciência, inclusive a religiosa. Esse princípio, no entanto, não faz senão instaurar mais um compo nente do processo de mercantilização universal das relações, pessoas e ^óisas.T^s"própriãs práticas religiosas, inclusive cerimô nias e imagens, são mercantilizadas/t 18 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. p. 49. 25 “As idéias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais que proclamar o reino da livre concorrência no domínio do conhecimento”.10 Na consciência burguesa, a maior parte dos problemas tende a ser equacionada a partir do 'princípio da mercantilização universal das relações, pessoas e coisas. Por isso, a liberdade religiosa surge de par com a constituição do mercado de trabalho, que supõe o direito de livre circulação das pessoas e mercadorias. A liberdade religiosa é tomada como uma condição moral necessária à livre circulação do trabalhador no mercado nacional e internacional de força de trabalho. Marx nqtou que o protes tantismo havia transformado a maior parte das festas tradicionais em dias de trabalho. Ao mesmo tempo, o protestantismo transfe riu para as pessoas a responsabilidade pelo cumprimento dos princípios da fé. "Lutero venceu efetivamente a servidão pela devoção, porque a substituiu pela servidão da convicção,- Acabou com a fé na autoridade, porque restaurou a autoridade da fé. Converteu sacerdotes em leígòs, porque tinha convertido leigos em sacer dotes. Libertou o Homem da religiosidade externa, porque instituiu a religiosidade no interior do Homem. Emancipou o corpo das cadeias porque carregou de cadeias o coração”. 20 Esse fenômeno ocorreu principalmente na época de formação do capitalismo, quando se verificava a acumulação primitiva na Inglaterra e outros países europeus. Fez parte do processo social mais amplo de metamorfose do produtor autônomo (camponês, artesão ou outro) em trabalhador livre assalariado. Esse fenô meno, repetimos, foi uma das primeiras manifestações da cons ciência burguesa em formação. E acompanhou a ruptura das relações e estruturas feudais, nas quais as pessoas pertenciam fisicamente ao feudo e espiritualmente à Igreja Católica de Roma. n) Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 33; Manifesto do Partido Comunista, p. 43-44. 2(1 Marx, K. “En torno a la crítica de la filosofia dei derecho de Hegel.” In: Marx, K. e Engels, F. La sagrada familia. México, Ed. Grijalbo, 1959. p. 1-15, citação da p. 10; Marxj K. “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.” In: A Questão Judaica. RÍo de Janeiro; Ed. Laemmert, 1969. p. 103-27, citação da p. 118. Trad. por Wladimir Gomide. Consultar também: Marx, K. El capital, t. I, p. 305; O Capital, liv.' 1, p. 313; Marx, K. e Engels, F. On Religion. Moscou, Progress Publishers, 1966. 26 A perspectiva de classe não é a única, mas é a determinante, na produção da consciência das pessoas e grupos sociais. O operário não pode elidir a alienação do produto do seu trabalho excedente (não pago), da mesma forma que o capitalista não pode elidir essa alienação. Sob as mais diversas formas, um luta para modificar essa situação, enquanto que o outro luta para mantê-la. [! E claro que as idéias da classe dominante não exprimem sempre e diretamente os seus interesses de classe. Elas aparecem sob os mais variados lineamentos ou cores, conforme se trate de questões econômicas ou políticas, filosóficas ou artísticas. Em geral, no entanto, elas tendem a ser as idéias predominantes na época. Isto significa que são generalizadas às outras classes, inclusive o proletariado, transformando-se, às vezes, em idéias “naturais” ou “definitivas”.]1 I “As idéias da classe dominante são as idéias dominantes em cada época; ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante.^ A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe, com isso, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que se lhe submetam, no devido tempo, a médio prazo, as idéias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritual mente”. 21 Parece, no entanto, que a consciência burguesa tende a organizar-se, principalmente, segundo os problemas e as interpre tações da Economia política. A Ciência e a consciência, nesse caso, tendem a rebater mais ou menos diretamente uma na outra. O liberalismo inglês, na época de Marx, estava profundamente impregnado dos ensinamentos e das fabulações da Economia política inglesa, clássica e vulgar. Como doutrina social, política e econômica — mas impregnada principalmente pelas categorias da Economia política — o liberalismo generalizou-se tanto na sociedade inglesa como entre as classes dominantes nos países coloniais e dependentes do imperialismo inglês. Vejamos, um pouco melhor, como Marx situa a Economia política, quanto às relações capitalistas de produção. 21 Marx, K. e Engejls, F. La ideologia alemana. p. 48-49. 27 Marx salienta que a Economia política clássica (A. Smith, D. Ricardo e alguns outros) estava interessada em pesquisar os nexos causais internos do regime capitalista de produção. Ela descobre, por exemplo, que o trabalho cria valor, mas não extrai dessa descoberta as suas consequências econômicas e políticas, ao passo que a Economia política vulgar (Malthus, J. Mill, Sismondi e muitos outros) contentava-se em sistematizar, tornar pedantes e proclamar, como se fossem verdades eternas, as idéias banais que formulavam sobre o capitalismo. Esta se aferrava muito mais às aparências, em lugar de procurar compreender as leis que regem os fenômenos. Aquela elaborava algumas leis, ainda que não pudesse levá-las às suas conseqüências lógicas. No conjunto, no entanto, as economias clássica e vulgar elidiam o essencial. “A Economia política esconde a alienação contida na própria essência dotrabalho, pelo fato de que não considera a relação direta entre o operário (o trabalho) e a produção”. 22 É possível afirmar-se que a passagem da Economia política clássica à vulgar corresponde, até certo grau, a dois movimentos combinados no desenvolvimento do capitalismo. (Primeiro; A economia clássica constituiu-se como a ciência do capitalismo em formação. Por isso, estava mais diretamente voltada para a compreensão das relações, processos e estruturas que distinguiam o capitalismo de qualquer outro sistema. Ao mesmo tempo, devido ao fato de que se inseria na própria revolução burguesa que acompanhava a formação da sociedade industrial, essa eco nomia era globalizante e, muitas vezes, parecia uma teoria da sociedade capitalista. A economia vulgar surge diretamente na perspectiva da burguesia como forma de pensamento da burguesia no poder. Daí a razão 'por “que ela é muito mais ideológica. Apanha a realidade de maneira fragmentária e tende para a apologia do mundo burguês. Mas esse é apenas um dos movi mentos envolvidos na metamorfose da ciência econômica em ideologia. Segundo: Pode-se afirmar, também e principalmente, que a passagem da Economia política clássica à vulgar corresponde a um passo decisivo no desenvolvimento das contradições de classes, no seio do sistema capitalista inglês. Na medida em que se desenvolvia esse sistema, desenv'olviam-se as suas relações de 22 Marx, K. Manuscrits de 1844. Paris, Éditions Sociales, 1969. p. 59. 26 A perspectiva de classe não é a única, mas é a determinante, na produção da consciência das pessoas e grupos sociais. O operário não pode elidir a alienação do produto do seu trabalho excedente (não pago), da mesma forma que o capitalista não pode elidir essa alienação. Sob as mais diversas formas, um luta para modificar essa situação, enquanto que o outro luta para mantê-la. [! E claro que as idéias da classe dominante não exprimem sempre e diretamente os seus interesses de classe. Elas aparecem sob os mais variados lineamentos ou cores, conforme se trate de questões econômicas ou políticas, filosóficas ou artísticas. Em geral, no entanto, elas tendem a ser as idéias predominantes na época. Isto significa que são generalizadas às outras classes, inclusive o proletariado, transformando-se, às vezes, em idéias “naturais” ou “definitivas”.]1 I “As idéias da classe dominante são as idéias dominantes em cada época; ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante.^ A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe, com isso, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que se lhe submetam, no devido tempo, a médio prazo, as idéias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritual mente”. 21 Parece, no entanto, que a consciência burguesa tende a organizar-se, principalmente, segundo os problemas e as interpre tações da Economia política. A Ciência e a consciência, nesse caso, tendem a rebater mais ou menos diretamente uma na outra. O liberalismo inglês, na época de Marx, estava profundamente impregnado dos ensinamentos e das fabulações da Economia política inglesa, clássica e vulgar. Como doutrina social, política e econômica — mas impregnada principalmente pelas categorias da Economia política — o liberalismo generalizou-se tanto na sociedade inglesa como entre as classes dominantes nos países coloniais e dependentes do imperialismo inglês. Vejamos, um pouco melhor, como Marx situa a Economia política, quanto às relações capitalistas de produção. 21 Marx, K. e Engejls, F. La ideologia alemana. p. 48-49. 27 Marx salienta que a Economia política clássica (A. Smith, D. Ricardo e alguns outros) estava interessada em pesquisar os nexos causais internos do regime capitalista de produção. Ela descobre, por exemplo, que o trabalho cria valor, mas não extrai dessa descoberta as suas consequências econômicas e políticas, ao passo que a Economia política vulgar (Malthus, J. Mill, Sismondi e muitos outros) contentava-se em sistematizar, tornar pedantes e proclamar, como se fossem verdades eternas, as idéias banais que formulavam sobre o capitalismo. Esta se aferrava muito mais às aparências, em lugar de procurar compreender as leis que regem os fenômenos. Aquela elaborava algumas leis, ainda que não pudesse levá-las às suas conseqüências lógicas. No conjunto, no entanto, as economias clássica e vulgar elidiam o essencial. “A Economia política esconde a alienação contida na própria essência do trabalho, pelo fato de que não considera a relação direta entre o operário (o trabalho) e a produção”. 22 É possível afirmar-se que a passagem da Economia política clássica à vulgar corresponde, até certo grau, a dois movimentos combinados no desenvolvimento do capitalismo. (Primeiro; A economia clássica constituiu-se como a ciência do capitalismo em formação. Por isso, estava mais diretamente voltada para a compreensão das relações, processos e estruturas que distinguiam o capitalismo de qualquer outro sistema. Ao mesmo tempo, devido ao fato de que se inseria na própria revolução burguesa que acompanhava a formação da sociedade industrial, essa eco nomia era globalizante e, muitas vezes, parecia uma teoria da sociedade capitalista. A economia vulgar surge diretamente na perspectiva da burguesia como forma de pensamento da burguesia no poder. Daí a razão 'por “que ela é muito mais ideológica. Apanha a realidade de maneira fragmentária e tende para a apologia do mundo burguês. Mas esse é apenas um dos movi mentos envolvidos na metamorfose da ciência econômica em ideologia. Segundo: Pode-se afirmar, também e principalmente, que a passagem da Economia política clássica à vulgar corresponde a um passo decisivo no desenvolvimento das contradições de classes, no seio do sistema capitalista inglês. Na medida em que se desenvolvia esse sistema, desenv'olviam-se as suas relações de 22 Marx, K. Manuscrits de 1844. Paris, Éditions Sociales, 1969. p. 59. 28 alienação e antagonismo. Quanto mais se desenvolvem e apro fundam as contradições de classes — expressas nas agitações, greves, formação de associações, sindicatos e surgimento de correntes políticas operárias — mais intenso é o movimento da consciência burguesa no sentido de adotar fórmulas ilusórias ou simplesmente apologéticas. Os dois movimentos combinados pa recem ter provocado o florescimento da Economia política vulgar. “A Economia política, quando é burguesa, isto é, quando vê no regime capitalista não uma fase historicamente transitória de desenvolvimento, mas a forma absoluta e definitiva da produção social, somente pode manter a sua categoria de Ciência enquanto a luta de classes permanece latente ou aparece apenas em mani festações isoladas”. 23 A verdade é que, desde que começou a formar-se, o prole tariado teve de lutar contra a expropriação inerente às relações capitalistas de produção. No princípio, ele se viu na obrigação de lutar, principalmente, por sua sobrevivência física. Encontrava- -se totalmente dominado pelo capital e sem qualquer experiência de organização e luta. As suas condições de trabalho e vida ainda não lhe permitiam socializar ou coletivizar a experiência comum, organizando associações, coalizões, sindicatos ou partidos, para lutar por seus interesses econômicos e políticos. Essa é a época em que surgem, difundem-se e predominam seitas e doutrinas socialistas, mais ou menos utópicas. 24|O proletariado se encontra sob a influência de políticos e ideólogos de filiação reformista e humanitária, incapazes de se libertarem das categorias da econo mia política burguesa ou dos quadros ideológicos burgueses. | Acresce que, nessa época, a própria burguesia ainda está lutando para impor-se como classe hegemônica; inclusive apela para alian ças com o proletariado. Por isso, ela própria colabora no processo de politização do proletariado,dando-lhe a contragosto elementos para tornar-se uma classe política. “Em geral, os choques que se produzem na velha sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive num. estado de guerra perpétua: primeiro, 23 Marx, K. El capital, t. 1, p. 2; O Capital, liv. 1, p. 10. Em termos mais gerais, a mesma idéia havia sido apresentada em: Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. p. 323. 24 Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 36-46; Mani festo do Partido Comunista, p. 47-59. 29 contra a aristocracia; depois, contra as camadas da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os pro gressos da indústria; e3 sempre, finalmente, contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, usar seu concurso e arrastá-lo no movimento político, de modo que a burguesia fornece aos prole tários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria”. 25 À medida que socializam as suas experiências comuns, no contexto das suas relações de trabalho e das suas experiências de vida cotidianas, os operários compreendem de modo cada vez mais claro o caráter alienado e antagônico da sua condição. Pouco a pouco, tendem a organizar as suas atividades políticas em função dessa compreensão. (No curso da formação de sua cons ciência política, o proletariado pode confundir a máquina com o seu inimigo ou aceitar a aliança com a burguesia nascente, para lutar contra os inimigos do seu inimigoA E também pode ser levado a aceitar seitas e doutrinas do socialismo utópico. Paulati namente, no entanto, a classe operária vai elaborando a sua consciência política. Essa é a ocasião em que começa a com preender a burguesia como a sua classe antagônica. É óbvio que esse processo de tomada de consciência da classe operária desen volve-se ao longo das suas próprias lutas, como classe. Isto é, a classe operária não se constitui apenas porque o regime capitalista se desenvolve; ela se forma na medida em que luta contra as relações de alienação em que se acha inserida. É no curso dessa luta que ela acaba por identificar toda a hierarquia dos seus inimigos, até compreender o Estado burguês como o núcleo do regime em que se funda a sua alienação. “Assim, além dos distintos movimentos econômicos dos operários, surgem em todos os lugares movimentos políticos, isto é, movi mentos de classe, com o objetivo de impor os seus -interesses de forma geral, de uma forma que possui força coercitiva social geral. Se bem que estes movimentos pressupõem certo grau de organização prévia, em compensação eles igualmente significam meios de desenvolver essa organização”. 20 ™Id. p. 23-24; Id. p. 31. 23 Marx, K. “Marx to F. Boite in New York.” (Carta datada de 23 de novembro de 1871.) In: Marx, K. e Engels, F. Selected Correspondence. Moscou, Progress Publishers, 1965. p. 269-71, citação da p. 271. 28 alienação e antagonismo. Quanto mais se desenvolvem e apro fundam as contradições de classes — expressas nas agitações, greves, formação de associações, sindicatos e surgimento de correntes políticas operárias — mais intenso é o movimento da consciência burguesa no sentido de adotar fórmulas ilusórias ou simplesmente apologéticas. Os dois movimentos combinados pa recem ter provocado o florescimento da Economia política vulgar. “A Economia política, quando é burguesa, isto é, quando vê no regime capitalista não uma fase historicamente transitória de desenvolvimento, mas a forma absoluta e definitiva da produção social, somente pode manter a sua categoria de Ciência enquanto a luta de classes permanece latente ou aparece apenas em mani festações isoladas”. 23 A verdade é que, desde que começou a formar-se, o prole tariado teve de lutar contra a expropriação inerente às relações capitalistas de produção. No princípio, ele se viu na obrigação de lutar, principalmente, por sua sobrevivência física. Encontrava- -se totalmente dominado pelo capital e sem qualquer experiência de organização e luta. As suas condições de trabalho e vida ainda não lhe permitiam socializar ou coletivizar a experiência comum, organizando associações, coalizões, sindicatos ou partidos, para lutar por seus interesses econômicos e políticos. Essa é a época em que surgem, difundem-se e predominam seitas e doutrinas socialistas, mais ou menos utópicas. 24|O proletariado se encontra sob a influência de políticos e ideólogos de filiação reformista e humanitária, incapazes de se libertarem das categorias da econo mia política burguesa ou dos quadros ideológicos burgueses. | Acresce que, nessa época, a própria burguesia ainda está lutando para impor-se como classe hegemônica; inclusive apela para alian ças com o proletariado. Por isso, ela própria colabora no processo de politização do proletariado, dando-lhe a contragosto elementos para tornar-se uma classe política. “Em geral, os choques que se produzem na velha sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive num. estado de guerra perpétua: primeiro, 23 Marx, K. El capital, t. 1, p. 2; O Capital, liv. 1, p. 10. Em termos mais gerais, a mesma idéia havia sido apresentada em: Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. p. 323. 24 Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 36-46; Mani festo do Partido Comunista, p. 47-59. 29 contra a aristocracia; depois, contra as camadas da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os pro gressos da indústria; e3 sempre, finalmente, contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, usar seu concurso e arrastá-lo no movimento político, de modo que a burguesia fornece aos prole tários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria”. 25 À medida que socializam as suas experiências comuns, no contexto das suas relações de trabalho e das suas experiências de vida cotidianas, os operários compreendem de modo cada vez mais claro o caráter alienado e antagônico da sua condição. Pouco a pouco, tendem a organizar as suas atividades políticas em função dessa compreensão. (No curso da formação de sua cons ciência política, o proletariado pode confundir a máquina com o seu inimigo ou aceitar a aliança com a burguesia nascente, para lutar contra os inimigos do seu inimigoA E também pode ser levado a aceitar seitas e doutrinas do socialismo utópico. Paulati namente, no entanto, a classe operária vai elaborando a sua consciência política. Essa é a ocasião em que começa a com preender a burguesia como a sua classe antagônica. É óbvio que esse processo de tomada de consciência da classe operária desen volve-se ao longo das suas próprias lutas, como classe. Isto é, a classe operária não se constitui apenas porque o regime capitalista se desenvolve; ela se forma na medida em que luta contra as relações de alienação em que se acha inserida. É no curso dessa luta que ela acaba por identificar toda a hierarquia dos seus inimigos, até compreender o Estado burguês como o núcleo do regime em que se funda a sua alienação. “Assim, além dos distintos movimentos econômicos dos operários, surgem em todos os lugares movimentos políticos, isto é, movi mentos de classe, com o objetivo de impor os seus -interesses de forma geral, de uma forma que possui força coercitiva social geral. Se bem que estes movimentos pressupõem certo grau de organização prévia, em compensação eles igualmente significam meios de desenvolver essa organização”. 20 ™Id. p. 23-24; Id. p. 31. 23 Marx, K. “Marx to F. Boite in New York.” (Carta datada de 23 de novembro de 1871.) In: Marx, K. e Engels, F. Selected Correspondence. Moscou, Progress Publishers, 1965. p. 269-71, citação da p. 271. 30 4. Estado e sociedade Seria equívoco pensar que Márx não elaborou uma interpre tação do Estado capitalista, simplesmente porque não a vemossistematizada em algumas páginas, num ensaio ou livro. A inter pretação do Estado capitalista aparece bastante bem delineada nos vários passos da sua análise do regime capitalista de produção. Naturalmente a sua concepção de Estado vai se explicitando ou desenvolvendo à medida que estuda as imbricações ou os desdo bramentos sociais, políticos e econômicos das forças produtivas e das relações de produção, em seus desenvolvimentos especifica mente capitalistas. O conjunto do processo de produção de mais-valia, de reprodução ampliada do capital ou de mercantili- zação universal das relações, pessoas e coisas, somente pode ser compreendido se a análise apreende também o Estado, como uma dimensão essencial do capitalismo. A teoria da luta de classes seria uma simples abstração, se as relações e os antagonismos de classes não implicassem no Estado capitalista como expressão e condição dessas mesmas relações e antagonismos. Quando se refere às estruturas jurídicas e políticas, que expressam as relações de produção, está se referindo à 4‘superestrutura” da sociedade, ao poder estatal. Todas as contradições fundamentais do capita lismo envolvem o Estado, como expressão nuclear da sociedade civil. Em síntese, a análise marxista do capitalismo seria inin teligível, se Marx não tivesse elaborado, também e necessaria mente, uma compreensão dialética do Estado. sua atividade® a) a crítica da dialética hegeliana, utópico e dcTTconomia política clássica; a Em seus primeiros escritos, Marx discute e procura superar as concepções hegeliana e liberal do Estado. 27 Para ele, o Estado nem paira sobre a “sociedade civil” nem exprime a “vontade geral”. Entende o Estado inserido no jogo das relações entre as pessoas, os grupos e as classes sociais. Com isto não queremos dizer que Marx teve, já no princípio, uma compreensão nova e acabada do Estado. Nada disso. A sua compreensão nova ele a elaborou à medida que desenvolvia os três núcleos principais e combinados da do socialismo 27 Consultar, em especial: Marx, K. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa, Editorial Presença [s. d.]; Marx, K. e Engels, F. La ideo logia alemana, esp. p. 212-23. 31 análise do capitalismo; c) a participação prático-crítica nas lutas políticas do proletariado. Note-se que, aqui, falamos da forma pela qual a interpretação de Marx surge em suas obras. Outra questão é saber qual foi ou quais foram as ocasiões exatas em que ele realizou a sua compreensão dialética do Estado. Este é um problema da sua biografia intelectual, da qual não estamos tratando. Aqui falamos principalmente da exposição e desenvol vimento do seu pensamento. É importante reconhecer, sob qual quer das suas perspectivas, que, desde os seus primeiros escritos, Marx está preocupado com as relações e determinações recípro cas entre o Estado e a sociedade, numa ótic^ diferente daquelas propostas anteriormente, não apenas por Hegel. Nesse processo crítico, formula a chave da sua concepção, quando diz que o Estado ^precisa ser compreendido, simultaneamente, como uma “colossal superestrutura” do regime capitalista e como o “poder organizado de uma classe” social em sua relação com as outras. 28 No início, a discussão realizada por Marx sobre as relações do Estado com a sociedade civil ou com os indivíduos, os grupos e as classes sociais apreende, principalmente, as dimensões polí ticas dessas relações. Afirma que o Estado e a sociedade não são politicamente distintos; que “o Estado é a estrutura da sociedade”; mas o Estado não é a expressão harmônica e abstrata da socie dade. Ao contrário, já se constitui como um produto de contra dições políticas. Esta é a primeira e mais geral contradição na qual se funda o poder estatal: “O Estado se funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral .e o particular”. 29 Para realizar-se, no entanto, o Estado não pode aparecer aos cidadãos e às associações (ou grupos, classes, exército, igreja etc.) dessa forma, simplesmente como um produto de antagonismos, ou como um feixe de contradições. Isto seria muito transparente e, 28 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. Sao Paulo, Ed. Flama, 1946. p. 31. Trad. por Florestan Fernandes. Ver, também: Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 17 e 35; Manifesto do Partido Comunista, p. 21 e 45. 29 Marx, K. “Observações Críticas à Margem do Artigo: CO Rei da Prússia e a Reforma Social’. ” In: Vorwãrts. 7 de agosto de 1844. Texto transcrito parcialmente em Bottomore, T. B. e Rubel, M. Karl Marx. Selected Writings in Sociology and Social Philosophy. Londres, Penguim Books, 1963. p. 221-23 e citações da p. 222. 30 4. Estado e sociedade Seria equívoco pensar que Márx não elaborou uma interpre tação do Estado capitalista, simplesmente porque não a vemos sistematizada em algumas páginas, num ensaio ou livro. A inter pretação do Estado capitalista aparece bastante bem delineada nos vários passos da sua análise do regime capitalista de produção. Naturalmente a sua concepção de Estado vai se explicitando ou desenvolvendo à medida que estuda as imbricações ou os desdo bramentos sociais, políticos e econômicos das forças produtivas e das relações de produção, em seus desenvolvimentos especifica mente capitalistas. O conjunto do processo de produção de mais-valia, de reprodução ampliada do capital ou de mercantili- zação universal das relações, pessoas e coisas, somente pode ser compreendido se a análise apreende também o Estado, como uma dimensão essencial do capitalismo. A teoria da luta de classes seria uma simples abstração, se as relações e os antagonismos de classes não implicassem no Estado capitalista como expressão e condição dessas mesmas relações e antagonismos. Quando se refere às estruturas jurídicas e políticas, que expressam as relações de produção, está se referindo à 4‘superestrutura” da sociedade, ao poder estatal. Todas as contradições fundamentais do capita lismo envolvem o Estado, como expressão nuclear da sociedade civil. Em síntese, a análise marxista do capitalismo seria inin teligível, se Marx não tivesse elaborado, também e necessaria mente, uma compreensão dialética do Estado. sua atividade® a) a crítica da dialética hegeliana, utópico e dcTTconomia política clássica; a Em seus primeiros escritos, Marx discute e procura superar as concepções hegeliana e liberal do Estado. 27 Para ele, o Estado nem paira sobre a “sociedade civil” nem exprime a “vontade geral”. Entende o Estado inserido no jogo das relações entre as pessoas, os grupos e as classes sociais. Com isto não queremos dizer que Marx teve, já no princípio, uma compreensão nova e acabada do Estado. Nada disso. A sua compreensão nova ele a elaborou à medida que desenvolvia os três núcleos principais e combinados da do socialismo 27 Consultar, em especial: Marx, K. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa, Editorial Presença [s. d.]; Marx, K. e Engels, F. La ideo logia alemana, esp. p. 212-23. 31 análise do capitalismo; c) a participação prático-crítica nas lutas políticas do proletariado. Note-se que, aqui, falamos da forma pela qual a interpretação de Marx surge em suas obras. Outra questão é saber qual foi ou quais foram as ocasiões exatas em que ele realizou a sua compreensão dialética do Estado. Este é um problema da sua biografia intelectual, da qual não estamos tratando. Aqui falamos principalmente da exposição e desenvol vimento do seu pensamento. É importante reconhecer, sob qual quer das suas perspectivas, que, desde os seus primeiros escritos, Marx está preocupado com as relações e determinações recípro cas entre o Estado e a sociedade, numa ótic^ diferente daquelas propostas anteriormente, não apenas por Hegel. Nesse processo crítico, formula a chave da sua concepção, quando diz que o Estado ^precisa ser compreendido, simultaneamente, como uma “colossal superestrutura” do regime capitalista e como o “poder organizado deuma classe” social em sua relação com as outras. 28 No início, a discussão realizada por Marx sobre as relações do Estado com a sociedade civil ou com os indivíduos, os grupos e as classes sociais apreende, principalmente, as dimensões polí ticas dessas relações. Afirma que o Estado e a sociedade não são politicamente distintos; que “o Estado é a estrutura da sociedade”; mas o Estado não é a expressão harmônica e abstrata da socie dade. Ao contrário, já se constitui como um produto de contra dições políticas. Esta é a primeira e mais geral contradição na qual se funda o poder estatal: “O Estado se funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral .e o particular”. 29 Para realizar-se, no entanto, o Estado não pode aparecer aos cidadãos e às associações (ou grupos, classes, exército, igreja etc.) dessa forma, simplesmente como um produto de antagonismos, ou como um feixe de contradições. Isto seria muito transparente e, 28 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. Sao Paulo, Ed. Flama, 1946. p. 31. Trad. por Florestan Fernandes. Ver, também: Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 17 e 35; Manifesto do Partido Comunista, p. 21 e 45. 29 Marx, K. “Observações Críticas à Margem do Artigo: CO Rei da Prússia e a Reforma Social’. ” In: Vorwãrts. 7 de agosto de 1844. Texto transcrito parcialmente em Bottomore, T. B. e Rubel, M. Karl Marx. Selected Writings in Sociology and Social Philosophy. Londres, Penguim Books, 1963. p. 221-23 e citações da p. 222. 32 assim, insuportável para os cidadãos e as associações. Implicaria uma guerra aberta e ininterrupta entre uns e outros. Ocorre, no entanto, que, no mesmo processo de sua realização, o Estado já se constitui fetichizado. Na consciência e na prática das pessoas, tende a aparecer sob uma forma abstrata, como um ato de vontade coletiva ou como a forma externa da sociedade civil. “O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de estado social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nasci mento, o estado social, a cultura e a ocupação do homem como diferenças não políticas', ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, participante da soberania popular em base de igualdade', ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo, isto é, como propriedade privada, como cultura e como ocupação, e façam valer a sua natureza especial.” 30 “Como o Estado é a forma sob a qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os seus interesses comuns, na qual se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se disso que todas as instituições comuns têm como mediador o Estado e adquirem, através dele, uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, além disso, na vontade separada de sua base real, na vontade livre. E, da mesma maneira, por sua vez, se reduz o direito à lei.” 31 Em seguida, Marx apanha as dimensões políticas e econô micas do Estado, ao compreender o Estado burguês como uma expressão essencial das relações de produção específicas do capi talismo. Ao aprofundar a análise do regime capitalista, mostra como o Estado é, em última instância, um órgão da classe domi nante. O monopólio do aparelho estatal, diretamente ou por meio de grupos interpostos, é a condição básica do exercício da domi nação. “O governo moderno não é senão um comitê adminis trativo dos negócios da classe burguesa”, o que significa, em 30 Marx, K. “Sobre la cuestión judia.” In: La sagrada família. México, Editorial Grijalbo, 1959. p. 16-44, citação da p. 23. Ver, também: Marx, K. A Questão Judaica. Rio de Janeiro, Ed. Laemmert, 1969. p. 25. Trad; por Wladimir Gomide. 31 Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. p. 69. 33 outros termos, que “o poder político, na verdade, é o poder organizado de uma classe para a opressão de outras”.32 * Ao estudar o golpe de Estado de 1852, na França, Marx se viu obrigado a aprofundar a análise do Estado burguês nesse país. Examinou as relações e estruturas jurídico-políticas e buro cráticas do poder estatal. Inclusive dedicou-sé a uma. análise interna rigorosa da constituição vigente na época, para apanhar a estrutura de poder por ela definida, além das congruências e contradições ‘entre essa estrutura formal e as forças sociais reais na sociedade francesa. Na pesquisa, ele recupera a história do poder estatal burguês, conforme se constitui e aperfeiçoa ao longo das décadas posteriores à Revolução de 1789. As lutas sociais entre grupos e classes sociais, nos anos 1789-1852, são também momentos importantes na formação do Estado, como uma con dição e um produto das relações de dependência, alienação e antagonismo das classes sociais e suas facções. Uma parte dessa análise pode ser sintetizada aqui, nas palavras de Marx. “Esse poder executivo, com sua imensa organização burocrática e militar, com sua engenhosa máquina de Estado, abrangendo amplas camadas com um exército de funcionários totalizando meio milhão, além de mais de meio milhão de tropas regulares, esse tremendo corpo de parasitos, que envolve como uma teia o corpo da sociedade francesa e sufoca todos os seus poros, sur giu ao tempo da monarquia absoluta, com o declínio do sistema feudal, que contribuiu para apressar. Os privilégios senhoriais dos proprietários de terras e das cidades transformaram-se em outros tantos atributos do poder do Estado, os dignitários feu dais em funcionários pagos e o variegado mapa dos poderes absolutos medievais em conflito entre si, no plano regular de um poder estatal cuja tarefa está dividida e centralizada como em uma fábrica. A primeira revolução francesa, em sua tarefa de quebrar todos os poderes independentes locais, territoriais, urbanos e provinciais — a fim de estabelecer a unificação civil da nação, tinha forçosamente que desenvolver o que a monarquia absoluta começara: a centralização, mas, ao mesmo tempo, am pliou o âmbito, os atributos e os agentes do poder governa mental. Napoleão aperfeiçoara essa máquina estatal. A monarquia legitimista e a monarquia de Julho nada mais fizeram do que 32 Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 17 e 35; Manifesto do Partido Comunista, p. 21 e 46. • 32 assim, insuportável para os cidadãos e as associações. Implicaria uma guerra aberta e ininterrupta entre uns e outros. Ocorre, no entanto, que, no mesmo processo de sua realização, o Estado já se constitui fetichizado. Na consciência e na prática das pessoas, tende a aparecer sob uma forma abstrata, como um ato de vontade coletiva ou como a forma externa da sociedade civil. “O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de estado social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nasci mento, o estado social, a cultura e a ocupação do homem como diferenças não políticas', ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, participante da soberania popular em base de igualdade', ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo, isto é, como propriedade privada, como cultura e como ocupação, e façam valer a sua natureza especial.” 30 “Como o Estado é a forma sob a qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os seus interesses comuns, na qual se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se disso que todas as instituições comuns têm como mediador o Estado e adquirem, através dele, uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, além disso, na vontade separada de sua base real, na vontade livre. E, da mesma maneira, por sua vez, se reduz o direito à lei.” 31 Em seguida, Marx apanha as dimensões políticas e econô micas do Estado, ao compreender o Estado burguês como uma expressão essencial das relações de produçãoespecíficas do capi talismo. Ao aprofundar a análise do regime capitalista, mostra como o Estado é, em última instância, um órgão da classe domi nante. O monopólio do aparelho estatal, diretamente ou por meio de grupos interpostos, é a condição básica do exercício da domi nação. “O governo moderno não é senão um comitê adminis trativo dos negócios da classe burguesa”, o que significa, em 30 Marx, K. “Sobre la cuestión judia.” In: La sagrada família. México, Editorial Grijalbo, 1959. p. 16-44, citação da p. 23. Ver, também: Marx, K. A Questão Judaica. Rio de Janeiro, Ed. Laemmert, 1969. p. 25. Trad; por Wladimir Gomide. 31 Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. p. 69. 33 outros termos, que “o poder político, na verdade, é o poder organizado de uma classe para a opressão de outras”.32 * Ao estudar o golpe de Estado de 1852, na França, Marx se viu obrigado a aprofundar a análise do Estado burguês nesse país. Examinou as relações e estruturas jurídico-políticas e buro cráticas do poder estatal. Inclusive dedicou-sé a uma. análise interna rigorosa da constituição vigente na época, para apanhar a estrutura de poder por ela definida, além das congruências e contradições ‘entre essa estrutura formal e as forças sociais reais na sociedade francesa. Na pesquisa, ele recupera a história do poder estatal burguês, conforme se constitui e aperfeiçoa ao longo das décadas posteriores à Revolução de 1789. As lutas sociais entre grupos e classes sociais, nos anos 1789-1852, são também momentos importantes na formação do Estado, como uma con dição e um produto das relações de dependência, alienação e antagonismo das classes sociais e suas facções. Uma parte dessa análise pode ser sintetizada aqui, nas palavras de Marx. “Esse poder executivo, com sua imensa organização burocrática e militar, com sua engenhosa máquina de Estado, abrangendo amplas camadas com um exército de funcionários totalizando meio milhão, além de mais de meio milhão de tropas regulares, esse tremendo corpo de parasitos, que envolve como uma teia o corpo da sociedade francesa e sufoca todos os seus poros, sur giu ao tempo da monarquia absoluta, com o declínio do sistema feudal, que contribuiu para apressar. Os privilégios senhoriais dos proprietários de terras e das cidades transformaram-se em outros tantos atributos do poder do Estado, os dignitários feu dais em funcionários pagos e o variegado mapa dos poderes absolutos medievais em conflito entre si, no plano regular de um poder estatal cuja tarefa está dividida e centralizada como em uma fábrica. A primeira revolução francesa, em sua tarefa de quebrar todos os poderes independentes locais, territoriais, urbanos e provinciais — a fim de estabelecer a unificação civil da nação, tinha forçosamente que desenvolver o que a monarquia absoluta começara: a centralização, mas, ao mesmo tempo, am pliou o âmbito, os atributos e os agentes do poder governa mental. Napoleão aperfeiçoara essa máquina estatal. A monarquia legitimista e a monarquia de Julho nada mais fizeram do que 32 Marx, K. e Engels, F. Manifeste du parti communiste. p. 17 e 35; Manifesto do Partido Comunista, p. 21 e 46. • 34 acrescentar maior divisão do trabalho, que crescia na mesma proporção em que a divisão do trabalho dentro da sociedade burguesa criava novos grupos de interesses e, por conseguinte, novo material para a administração do Estado. Todo interesse comum era imediatamente cortado da sociedade, contraposto a ela como um interesse superior, geral, retirado da atividade dos próprios membros da sociedade e transformado em objeto da atividade do governo, desde a ponte, o edifício da escola e pro priedade comunal de uma aldeia, até as estradas de ferro, a riqueza nacional e as universidades da França. Finalmente, em sua luta contra a revolução, a República parlamentar viu-se for çada a consolidar, juntamente com as medidas repressivas, os recursos e a centralização do poder governamental. Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam a posse dessa imensa estrutura do Estado como o principal espólio do ven cedor.” 33 “Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar- -se completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora (. . .).” 34 “E, não obstante, o poder estatal não está suspenso no ar.” 35 “Bonaparte gostaria de aparecer como benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma classe sem tirar de outra”. 36 A partir de certo momento, o aparelho estatal está de tal forma constituído em sua composição, estrutura e concepção, que o chefe do governo pode ser um aventureiro, preposto ou membro de outra classe. A forma pela qual o poder estatal burguês se constitui o. toma intrínseca e necessariamente um órgão da bur guesia. Tanto assim que, nas ocasiões de crise de hegemonia, quando a própria burguesia ou alguma das suas facções não está em condições de exercer o poder, mesmo nessas ocasiões o Estado não deixa de exprimir-se em conformidade com as determinações 33 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Ed. Escriba, 1968. p. 130-31. ^Ibid. p. 131. 35 Ibid. p. 132. ™Ibid. p. 143. 35 básicas do regime. A crise de hegemonia está na base do golpe de Estado de 1852, por meio do qual se instaura o bonapartismo, como governo que aparentemente paira sobre todas as classes sociais. “A burguesia conservava a França resfolegando de pavor ante os futuros terrores da anarquia vermelha. (...) A burguesia fez a apoteose da espada; a espada a domina. Destruiu a im prensa revolucionária; sua imprensa foi destruída. Colocou as reuniões populares sob a vigilância da polícia; seus.-salões estão sob a vigilância da polícia. (...) Reprimiu todos os movimentos da sociedade mediante o poder do Estado; tqdos os movimentos de sua sociedade são reprimidos pelo poder do Estado.” 87 Note-se que não se trata apenas de crise de hegemonia, mas também do receio de que o poder burguês viesse a ser destroçado pelos trabalhadores. A burguesia francesa se achava atemorizada diante do aparecimento do proletariado como força política. Esse temor era tanto mais forte e real porquanto ela tinha a experiência recentíssima das lutas havidas nos anos 1848-50.37 38 Nem por isso, entretanto, o capitalismo francês deixou de desenvolver-se. Ao contrário, sob o Império de Luís Bonaparte, nos anos 1852-70, cresceu intensamente. “Em realidade, era a única forma de governo possível, em um momento em que a burguesia havia perdido a faculdade de governar o país e a classe operária ainda não a havia adquirido. O Império foi aclamado no mundo inteiro como o salvador da sociedade. Sob a sua égide, a sociedade burguesa, livre de preo cupações políticas, conseguiu um desenvolvimento que nem ela mesma esperava. Sua indústria e seu comércio alcançaram proporções gigantescas; a especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a miséria das massas destacava-se sobre a osten tação desaforada de um luxo suntuoso, falso e abjeto. O poder do Estado, que aparentemente flutuava por sobre a socie dade, era na realidade o maior escândalo, autêntico viveiro de corrupção.” 39 37 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. p. 127. 33 Marx, K. As Lutas de Classes na França (1848 a 1850). Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1956; Les luttes de classes en France (1848-1850). Paris, Êditions Sociales, 1946. 39 Marx, K. La guerre civile en France. Paris, Êditions Sociales, 1953. p. 40-41. 34 acrescentar maior divisão do trabalho, que crescia na mesma proporção em que a divisão do trabalho dentro da sociedade burguesa criava novos grupos de interesses e, por conseguinte, novo material para a administração do Estado. Todo interesse comum era imediatamente cortado da sociedade, contraposto a ela como um interessesuperior, geral, retirado da atividade dos próprios membros da sociedade e transformado em objeto da atividade do governo, desde a ponte, o edifício da escola e pro priedade comunal de uma aldeia, até as estradas de ferro, a riqueza nacional e as universidades da França. Finalmente, em sua luta contra a revolução, a República parlamentar viu-se for çada a consolidar, juntamente com as medidas repressivas, os recursos e a centralização do poder governamental. Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam a posse dessa imensa estrutura do Estado como o principal espólio do ven cedor.” 33 “Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar- -se completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora (. . .).” 34 “E, não obstante, o poder estatal não está suspenso no ar.” 35 “Bonaparte gostaria de aparecer como benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma classe sem tirar de outra”. 36 A partir de certo momento, o aparelho estatal está de tal forma constituído em sua composição, estrutura e concepção, que o chefe do governo pode ser um aventureiro, preposto ou membro de outra classe. A forma pela qual o poder estatal burguês se constitui o. toma intrínseca e necessariamente um órgão da bur guesia. Tanto assim que, nas ocasiões de crise de hegemonia, quando a própria burguesia ou alguma das suas facções não está em condições de exercer o poder, mesmo nessas ocasiões o Estado não deixa de exprimir-se em conformidade com as determinações 33 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Ed. Escriba, 1968. p. 130-31. ^Ibid. p. 131. 35 Ibid. p. 132. ™Ibid. p. 143. 35 básicas do regime. A crise de hegemonia está na base do golpe de Estado de 1852, por meio do qual se instaura o bonapartismo, como governo que aparentemente paira sobre todas as classes sociais. “A burguesia conservava a França resfolegando de pavor ante os futuros terrores da anarquia vermelha. (...) A burguesia fez a apoteose da espada; a espada a domina. Destruiu a im prensa revolucionária; sua imprensa foi destruída. Colocou as reuniões populares sob a vigilância da polícia; seus.-salões estão sob a vigilância da polícia. (...) Reprimiu todos os movimentos da sociedade mediante o poder do Estado; tqdos os movimentos de sua sociedade são reprimidos pelo poder do Estado.” 87 Note-se que não se trata apenas de crise de hegemonia, mas também do receio de que o poder burguês viesse a ser destroçado pelos trabalhadores. A burguesia francesa se achava atemorizada diante do aparecimento do proletariado como força política. Esse temor era tanto mais forte e real porquanto ela tinha a experiência recentíssima das lutas havidas nos anos 1848-50.37 38 Nem por isso, entretanto, o capitalismo francês deixou de desenvolver-se. Ao contrário, sob o Império de Luís Bonaparte, nos anos 1852-70, cresceu intensamente. “Em realidade, era a única forma de governo possível, em um momento em que a burguesia havia perdido a faculdade de governar o país e a classe operária ainda não a havia adquirido. O Império foi aclamado no mundo inteiro como o salvador da sociedade. Sob a sua égide, a sociedade burguesa, livre de preo cupações políticas, conseguiu um desenvolvimento que nem ela mesma esperava. Sua indústria e seu comércio alcançaram proporções gigantescas; a especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a miséria das massas destacava-se sobre a osten tação desaforada de um luxo suntuoso, falso e abjeto. O poder do Estado, que aparentemente flutuava por sobre a socie dade, era na realidade o maior escândalo, autêntico viveiro de corrupção.” 39 37 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. p. 127. 33 Marx, K. As Lutas de Classes na França (1848 a 1850). Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1956; Les luttes de classes en France (1848-1850). Paris, Êditions Sociales, 1946. 39 Marx, K. La guerre civile en France. Paris, Êditions Sociales, 1953. p. 40-41. 36 Como vemos, para Marx, o Estado é, ao mesmo tempo, constituído e constituinte nas relações de dependência, alienação e antagonismo, que estão na essência das relações capitalistas de produção. Por isso, Marx não reduziria o poder estatal a apenas uma das suas expressões, ainda que fundamental. A condição de órgão de classe é uma determinação básica, conferindo-lhe as condições essenciais de desenvolvimento e crise; mas não é a única nem aparece com exclusividade. O Estado é a “colossal superes trutura” da sociedade capitalista, ao mesmo tempo que o “poder organizado de uma classe” social, a burguesia, sobre as outras. Na medida em que as relações de produção são, simulta neamente, relações de dependência, alienação e antagonismo, não podem ser preservadas, a não ser que uma das classes sociais seja hegemônica ou disponha de elementos para definir as estruturas e as atividades do aparelho estatal. Isto não impede, entretanto, que o Estado exprima, simultaneamente, os interesses da burguesia e alguns interesses de outras classes sociais. O que se verifica, em situações concretas, é que as classes são representadas diferencial mente no Estado burguês. Como se forma e aperfeiçoa à medida que se desenvolvem as forças produtivas e as relações de produção, o Estado burguês está constitutivamente organizado e orientado pelas exigências da acumulação capitalista. Não se pode dar a uma classe sem tirar de outra, da mesma forma que não se pode tirar tudo de uma classe, sob pena de extingui-la. É preciso ter em conta que o poder estatal varia conforme a conju gação das forças econômicas e políticas. Há ocasiões em que a burguesia monopoliza totalmente o aparelho estatal, como na ditadura; há ocasiões nas quais esse monopólio não pode exercer- -se de modo exclusivo, como na democracia burguesa. Às vezes a burguesia é obrigada a transigir, fazendo concessões à classe média ou, mesmo, ao proletariado. Além do mais, o movimento interno da sociedade capitalista gera, freqüentemente, descom- passos entre as forças políticas do proletariado, da classe média e da burguesia, na cidade e no campo, em suas relações internas e externas. Já nos primeiros momentos do capitalismo, a burguesia ascendente tende a usar todo o poder do Estado para acelerar a reprodução do capital e, ao mesmo tempo, destruir ou incorporar os remanescentes do feudalismo. Desde a época da acumulação originária, o poder estatal surge vinculado à burguesia. Essa 37 supremacia é facilitada pelo fato de que, na época, os trabalha dores estão sendo surpreendidos pelas transformações sociais que acompanham a expansão da mercantilização geral das relações, pessoas e coisas. Nessa época, está em curso a revolução burguesa. “No transcurso da produção capitalista, desenvolve-se uma classe trabalhadora que, por educação, tradição e costume, aceita as exigências desse modo de produção como leis naturais evi dentes. A organização do processo de produção capitalista, em seu pleno desenvolvimento, quebra toda resistência;' a produção contínua de uma superpopulação relativa mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salárib’ em harmonia com as necessidades de expansão do capital; e a coação surda das relações econômicas consolida o domínio do capitalista sobre o trabalhador. Ainda se empregará a violência direta, à margem das leis econômicas, mas doravante apenas em caráter excepcio nal. Para a marcha natural das coisas, basta deixar o trabalhador ‘ entregue às 'leis naturais da produção’, isto é, à sua dependência do capital, a qual decorre das próprias condições de produção, e é assegurada e perpetuada por essas condições. Mas, as coisas corriam de modo diverso durante a gênese histórica da produção capitalista. A burguesia nascente precisava e empregava a força do Estado,— Tel.: PBX 278-9322 (50 Ramais) C. Postal 8656 •— End. Telegráfico “Bomlivro” — S. Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO (por Octavio Ianni), 7 1. A PRODUÇÃO DA SOCIEDADE 1. Fundamentos da História, 45 2. Condições históricas da reprodução social, 62 3. Características essenciais do sistema capitalista, 74 4. Infra-estrutura e superestrutura, 82 II. CLASSES SOCIAIS E CONTRADIÇÕES DE CLASSES 5. As classes sociais, 99 6. A estrutura de classes na Alemanha, 102 7. Classes sociais e bonapartismo, 110 8. O exército industrial de reserva, 125 9. Questionário sobre a situação operária na França, 133 III. EXISTÊNCIA E CONSCIÊNCIA 10. A produção da consciência, 145 11. Fetichismo e reificação, 159 12. Ideologia e ciência. 173 13. Realidade social e pensamento, 177 IV. ESTADO E SOCIEDADE 14. Estado, sociedade civil e religião, 183 15. 0 cidadão, 195 16. A constituição, 199 17. 0 poder estatal, 203 ÍNDICE ANALÍTICO E ONOMÁSTICO, 211 © Textos para esta edição extraídos de: Marx, K. Contribuição à Critica da Economia Política» São Paulo, Ed. Flama, 1946. Marx, K. El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1946-47. Marx, K. La sagrada familia. México, Editorial Grijalbo, ,1959. Marx, K. Miséria da Filosofia. Rio de Janeiro, Ed. Leitura, 1965. Marx, K. O Capital. Trad. por Reginaldo SanfAnna. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968. Marx, K. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1969. Marx, K. Revolution and Cpunter-Revolution (of Germany in 1848). Londres, George Allen and Unrçv.ín, 1952. Marx, K. Trabalho Assalariado e Capital. 2.a ed. Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1963. Marx, K. e Engels, F. Escritos Econômicos Vários. México, Editorial Gri jalbo, 1962. Marx, K. e Engels, F. Éidéologie allemande. Paris, Éditions Sociales, 1953. Marx, K. e Engels, F. Qbras escogidas* Moscou, Ediciones en Lenguas Ex- tranjeras, 1952. Capa: Greve dos Metalúrgicos em Sao Paulo (1978). INTRODUÇÃO c Octaviolanni Professor de Sociologia no Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais (puc) Membro do cebrap 12. Ideologia e ciência. 173 13. Realidade social e pensamento, 177 IV. ESTADO E SOCIEDADE 14. Estado, sociedade civil e religião, 183 15. 0 cidadão, 195 16. A constituição, 199 17. 0 poder estatal, 203 ÍNDICE ANALÍTICO E ONOMÁSTICO, 211 © Textos para esta edição extraídos de: Marx, K. Contribuição à Critica da Economia Política» São Paulo, Ed. Flama, 1946. Marx, K. El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1946-47. Marx, K. La sagrada familia. México, Editorial Grijalbo, ,1959. Marx, K. Miséria da Filosofia. Rio de Janeiro, Ed. Leitura, 1965. Marx, K. O Capital. Trad. por Reginaldo SanfAnna. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968. Marx, K. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1969. Marx, K. Revolution and Cpunter-Revolution (of Germany in 1848). Londres, George Allen and Unrçv.ín, 1952. Marx, K. Trabalho Assalariado e Capital. 2.a ed. Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1963. Marx, K. e Engels, F. Escritos Econômicos Vários. México, Editorial Gri jalbo, 1962. Marx, K. e Engels, F. Éidéologie allemande. Paris, Éditions Sociales, 1953. Marx, K. e Engels, F. Qbras escogidas* Moscou, Ediciones en Lenguas Ex- tranjeras, 1952. Capa: Greve dos Metalúrgicos em Sao Paulo (1978). INTRODUÇÃO c Octaviolanni Professor de Sociologia no Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais (puc) Membro do cebrap I I i ; 1# A produção da sociedade capitalista C- A análise do regime capitalista de produção não se restringe às relações econômicas, se bem que pareça iniciar-se nesse ponto. Ao analisar o capitalismo, Marx apa nha os fenômenos como fenômenos sociais totais, nos quais sobres saem o econômico e o político, como duas manifestações combi- nadas e mais importantes das re- lações entre pessoas, grupos e clas ses sociais. Por isso é que a sua. análise apanha sempre as estrutu ras de apropriação econômica e dominação política, em que ten dem a cristalizar-se aquelas rela ções e os antagonismos que com elas se engendram. Desde a crítica da dialética hegeliana à análise da dominação inglesa na índia, todos os trabalhos de Marx são, fundamentalmente, de interpretação de como o modo capitalista de produção mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, em âmbito nacional e mundial, ao mesmo tempo que desenvolve as suas contradições. Ao integrar criticamente as contribuições da Filosofia clás sica alemã, do socialismo utópico francês e da economia política clássica inglesa, Marx elaborou, simultaneamente, o método de I I i ; 1# A produção da sociedade capitalista C- A análise do regime capitalista de produção não se restringe às relações econômicas, se bem que pareça iniciar-se nesse ponto. Ao analisar o capitalismo, Marx apa nha os fenômenos como fenômenos sociais totais, nos quais sobres saem o econômico e o político, como duas manifestações combi- nadas e mais importantes das re- lações entre pessoas, grupos e clas ses sociais. Por isso é que a sua. análise apanha sempre as estrutu ras de apropriação econômica e dominação política, em que ten dem a cristalizar-se aquelas rela ções e os antagonismos que com elas se engendram. Desde a crítica da dialética hegeliana à análise da dominação inglesa na índia, todos os trabalhos de Marx são, fundamentalmente, de interpretação de como o modo capitalista de produção mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, em âmbito nacional e mundial, ao mesmo tempo que desenvolve as suas contradições. Ao integrar criticamente as contribuições da Filosofia clás sica alemã, do socialismo utópico francês e da economia política clássica inglesa, Marx elaborou, simultaneamente, o método de alice alcantara . 8 análise e a interpretação do capitalismo.1 Este é um aspecto essencial do pensamento de Marx: o materialismo dialético e o niaterialismo histórico são os dois elementos principais e conju gados do mesmo processo teórico-prático de reflexão sobre o capitalismo. Na obra de Marx, o capitalismo é levado a pensar-se a si mesmo, de maneira global e como um modo fundamental mente antagônico de desenvolvimento histórico. Da mesma forma que o modo capitalista de produção, a dialética marxista funda-se nas relações de antagonismo. O princípio da contradição governa o modo de pensar e o modo de ser. Mesmo porque, ambos são manifestações da mesma época histórica. As relações de antago nismo ocorrem em todas as épocas históricas, aparecem em todos os modos de produção. Em cada época, no entanto, adquirem configurações particulares. Em cada época, as determinações econômicas, políticas, religiosas ou outras organizam-se e deter minam-se reciprocamente de modo diverso. No capitalismo, os antagonismos fundados nas relações econômicas adquirem preemi nência sobre todos os outros, enquanto determinação estrutural. Em essência, o capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de produção de mais-váliaT ^Ele^mércantilizá~ás relações, as pessoas ê as coisas. Ao mesmo tempo,^ol^ mercah- tiliza a força de trabalho, a energia humana que produz valor. Por isso mesmo, transforma as próprias pessoas em mercadorias, tornando-as adjetivas de sua força de trabalho. Vejamos o que diz Marx, num dós últimos capítulos de O Capital, ao chamar a atenção para duas categorias básicas do regime. Como categorias dialéticas, elas exprimem determinações essenciais do regime. “Desde o primeiro instante, são duas as características que dis tinguem o modo capitalista de produção. Primeira. Ele produz os seus produtos como mercadorias. O fato de que produz mercadorias não o distingue de outros modos de produção; o que o distingue é a circunstância de que o ser mercadoria constitui o caráter dominante e determinante dos seus produtos. Isto implica, antes de tudo, o fato de que o próprio operário somente aparece como vendedor de mercadorias, ou seja, como trabalhador livre assalariado, de tal maneira quepara 'regular’ ocertas atividades produtivas sejam desempenhadas por crianças ou mulheres. Tomara-se ine vitável que o poder estatal formulasse e pusesse em prática uma legislação fabril, para a “proteção física e espiritual da classe operária”. 42 “A legislação fabril, essa primeira reação consciente e sistemática da sociedade contra a marcha espontânea do processo de pro- Marx, K. El capital, t. I, p. 472; O Capital, liv. 1, p. 490-91. e econômica, na qual a classe dominante ou uma das suas facções mais ativas perde o controle do aparelho estatal e é obrigada a comparti-lo formal mente com outras classes. Ou, então, essa aparente independência se manifesta, quando uma facção da classe dominante já não tem força suficiente para manter o poder, mas não surge outra capaz de substituí-la. Na época de formação do capitalismo industrial, na transição da sociedade feudal à capitalista, também surgem situações que conferem ao poder estatal em formação essa aparência de auto nomia. Isso ocorria na Alemanha contemporânea da Revolução Francesa e da Revolução Industrial inglesa. Nessa época, os burgueses alemães não estavam ainda em condições de se oporem à supremacia dos holandeses, para defenderem os seus interesses econômicos. Faltavam-lhes as condições econômicas para reali zarem a organização política indispensável à defesa e à expansão dos seus interesses de classe. Esse foi o contexto em que o Estado adquiriu a aparência de autonomia. “Como poderia surgir a convergência política num país em que faltavam todas as condições econômicas para isso? A impotência de cada um dos setores da vida (não se pode ainda falar de estamentos nem classes, mas no máximo de estamentos pretéritos e de classes futuras) não permitia a nenhum deles conquistar a hegemonia exclusiva. Disso decorria a conseqüência necessária de que — durante a época da monarquia absoluta, que aqui adquiria a forma mais raquítica, uma forma semipatriarcal — aquele.setor especial, que, na divisão do trabalho, coube à administração dos interesses públicos, adquirisse uma anormal independência, que se tornou ainda maior com a burocracia moderna. O Estado se 41 constituiu, assim, como um poder em aparência independente, posição esta que, em outros países, foi apenas transitória, uma fase de transição.” 44 Enquanto categoria dialética, pois, o Estado adquire os con tornos, a estrutura e os movimentos que se lhe produzem nas relações com as classes constituídas ou em constituição. Ocorre que o poder estatal , é o núcleo de convergência das relações de interdependência, alienação e antagonismo que caracterizam a produção capitalista. Por isso ele se configura .segundo, as determinações das relações capitalistas concretas, isto é, conforme a situação específica deste ou daquele país,civil, em conjunto, como com cada uma das classes sociais. No percurso dessa análise, surgem as relações, os processos e as estruturas, de par em par com as pessoas, os grupos e as classes sociais, uns e outros encadeados no conjunto do regime capitalista de produção, em vigor em dado país e época. A análise dialética do Estado capitalista, portanto, deve revelar, sob uma luz especial, a forma pela qual se organizam as forças produtivas, as relações de produção, ou seja, as classes sociais, em seus movimentos e antagonismos. A verdade é que a mercantilização universal das relações, pessoas e coisas implica, também, na generalização de estruturas burguesas de poder aos vários países. Algumas' dessas estruturas são a expressão indispensável das relações de alienação e antago nismo que caracterizam o processo de produção de mais-valia. Ao comparar uns e outros países, tendo em conta os diversos graus 44 Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. p. 213-14. 42 de desenvolvimento das suas forças produtivas e relações de produção, evidencia-se que o poder estatal burguês guarda algumas significações essenciais comuns, além das peculiaridades de cada país. “A despeito da matizada diversidade de suas formas, os distintos Estados dos distintos países civilizados têm em comum o' fato de que todos se apoiam nas bases da sociedade burguesa moderna, ainda que, em alguns lugares, ela se ache mais desenvolvida do que em outros, no sentido capitalista. Têm, portanto, certos ca racterísticos essenciais comuns.” 40 Mas a análise marxista do Estado capitalista não se completa a não ser quando se delineiam as condições do seu declínio ou crise final. Vimos que o Estado é a expressão mais acabada daS relações que caracterizam o capitalismo. É na esfera do Estado que as relações de alienação e antagonismo das classes sociais adquirem plena concretividade e se resolvem. A crise do Estado burguês é a conseqüência necessária do agravamento das contra dições de classes, contradições essas nas quais o proletariado e a burguesia são as duas classes substantivas. Na luta contra a burguesia, o proletariado lutará para conquistar e destruir o poder estatal, já que este se constitui no núcleo essencial das relações e estruturas de apropriação e dominação do regime. A Comuna de Paris foi a primeira, manifestação do que poderia ser o Estado proletário, em contraposição ao. Estado burguês. Para concretizar- -se, o poder operário começou por suprimir relações e estruturas jurídico-políticas e burocráticas que exprimiam prática e simbo licamente o poder burguês. Para instaurar a “ditadura do prole tariado”, que é a condição básica para a transição à “sociedade sem classes”, torna-se indispensável suprimir as relações e as estruturas preexistentes. Isto significa suprimir a “colossal super estrutura” do edifício do Estado capitalista. 45 46 45 Marx, K. “Gloses marginales au programme du parti ouvrier allemand.” In: Marx, K. e Engels, F. Critique des programmes de Gotha et d*Erfurt. Paris, Éditions Sociales, 1950. p. 33-34. Ainda, sobre a concepção do Estado capitalista, consultar: Marx, K. “La sociedad burguesa y la Revolución Comunista.” In: Marx, K. e Engels, F. La ideologia ale mana. p. 632. 46 Marx, K. “Marx to J. Weydemeyer in New York”; La guerre civile en Francey “Gloses marginales au programme du parti ouvrier allemand”. LA PRODUÇÃO DA SOCIEDÂDE 42 de desenvolvimento das suas forças produtivas e relações de produção, evidencia-se que o poder estatal burguês guarda algumas significações essenciais comuns, além das peculiaridades de cada país. “A despeito da matizada diversidade de suas formas, os distintos Estados dos distintos países civilizados têm em comum o' fato de que todos se apoiam nas bases da sociedade burguesa moderna, ainda que, em alguns lugares, ela se ache mais desenvolvida do que em outros, no sentido capitalista. Têm, portanto, certos ca racterísticos essenciais comuns.” 40 Mas a análise marxista do Estado capitalista não se completa a não ser quando se delineiam as condições do seu declínio ou crise final. Vimos que o Estado é a expressão mais acabada daS relações que caracterizam o capitalismo. É na esfera do Estado que as relações de alienação e antagonismo das classes sociais adquirem plena concretividade e se resolvem. A crise do Estado burguês é a conseqüência necessária do agravamento das contra dições de classes, contradições essas nas quais o proletariado e a burguesia são as duas classes substantivas. Na luta contra a burguesia, o proletariado lutará para conquistar e destruir o poder estatal, já que este se constitui no núcleo essencial das relações e estruturas de apropriação e dominação do regime. A Comuna de Paris foi a primeira, manifestação do que poderia ser o Estado proletário, em contraposição ao. Estado burguês. Para concretizar- -se, o poder operário começou por suprimir relações e estruturas jurídico-políticas e burocráticas que exprimiam prática e simbo licamente o poder burguês. Para instaurar a “ditadura do prole tariado”, que é a condição básica para a transição à “sociedade sem classes”, torna-se indispensável suprimir as relações e as estruturas preexistentes. Isto significa suprimir a “colossal super estrutura” do edifício do Estado capitalista. 45 46 45 Marx, K. “Gloses marginales au programme du parti ouvrier allemand.” In: Marx, K. e Engels, F. Critique des programmes de Gotha et d*Erfurt. Paris, Éditions Sociales, 1950. p. 33-34. Ainda, sobre a concepção do Estado capitalista, consultar: Marx, K. “La sociedad burguesa y la Revolución Comunista.” In: Marx, K. e Engels, F. La ideologia ale mana. p. 632. 46 Marx, K. “Marx to J. Weydemeyer in New York”; La guerre civile en Francey “Gloses marginales au programme du parti ouvrier allemand”. LA PRODUÇÃO DA SOCIEDÂDE 1. FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA * i c As condições prévias das quais partimos não são bases arbitrárias ou dogmas; são bases reais, que só podemos abstrair em imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existên cia, as que encontraram já prontas, como também aquelas que nasceram de sua própria ação. Essas bases são, portanto, verificáveis através de um meio puramente empírico. A condição primeira de toda história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. O primeiro estado real a constatar é3 portanto, o patrimônio corporal desses indivíduos e as relações que esse patrimônio desenvolve com o resto da Natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo aprofundado da própria constituição física do Homem, nem das condições naturais que os homens encon traram já prontas: condições geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda história deve partir dessas bases naturais e de sua modificação, através da ação dos homens, no curso da História. Pode-se distinguir os homens dos animais, pela consciência, pela religião e por tudo o mais que se queira. Eles mesmos começam a se distinguir dos animais desde que principiam a produzir os seus meios de existência, um passo adiante e consequência de sua organização corporal. Ao produzir os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. A maneira pela qual os homens produzem os seus meios de exis tência depende, primeiramente, da natureza dos meios de existência * Reproduzido de Marx, K. e Engels, F. “Feuerbach.” In: L‘idéologie allemande. Paris, Éditions Sociales, 1953. p. 11-28. Àpiid Ianni, O. Teorias de Estratifi cação Social. Trad. por Wilma Kovesí. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1972, p. 67-83. 1. FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA * i c As condições prévias das quais partimos não são bases arbitrárias ou dogmas; são bases reais, que só podemos abstrair em imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existên cia, as que encontraram já prontas, como também aquelas que nasceram de sua própria ação. Essas bases são, portanto,verificáveis através de um meio puramente empírico. A condição primeira de toda história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. O primeiro estado real a constatar é3 portanto, o patrimônio corporal desses indivíduos e as relações que esse patrimônio desenvolve com o resto da Natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo aprofundado da própria constituição física do Homem, nem das condições naturais que os homens encon traram já prontas: condições geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda história deve partir dessas bases naturais e de sua modificação, através da ação dos homens, no curso da História. Pode-se distinguir os homens dos animais, pela consciência, pela religião e por tudo o mais que se queira. Eles mesmos começam a se distinguir dos animais desde que principiam a produzir os seus meios de existência, um passo adiante e consequência de sua organização corporal. Ao produzir os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. A maneira pela qual os homens produzem os seus meios de exis tência depende, primeiramente, da natureza dos meios de existência * Reproduzido de Marx, K. e Engels, F. “Feuerbach.” In: L‘idéologie allemande. Paris, Éditions Sociales, 1953. p. 11-28. Àpiid Ianni, O. Teorias de Estratifi cação Social. Trad. por Wilma Kovesí. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1972, p. 67-83. 46 já dados e que precisam ser reproduzidos. Não_se_deve considerar essa modalidade de produção sob esse único ponto de vista, apenas como a reprodução da existência física dos indivíduos. Em verdade já representa um modo determinado da atividade desses indivíduos, ou maneira determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida deter minado. 5 A maneira pela qual os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente o que são. O que eles são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto com a maneira pela qual o produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.^ Esta produção só aparece com o crescimento da população. Ela mesma pressupõe de sua parte relações dos indivíduos entre si. A forma dessas relações é, por sua vez, condicionada pela produção. As relações entre as diferentes nações dependem do estágio do desenvolvimento em que cada uma delas se encontra, no que se refere às forças produtivas, à divisão do trabalho e às relações internas. Esse princípio é universalmente reconhecido. No entanto, não somente as relações de uma nação com as outras nações, mas também toda a estru tura interna dessa própria nação, dependem do nível de desenvolvimento de sua produção e de suas relações internas e externas. Podemos reco nhecer, de modo bastante claro, o grau de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas de uma nação pelo nível de desenvolvimento atingido pelas suas forças produtivas, pelo nível de desenvolvimento atingido pela divisão do trabalho. Na medida em que esta não é uma simples extensão quantitativa das forças produtivas conhecidas (cultivo de terras virgens, por exemplo), toda nova força de produção provoca, em consequência, um novo aperfeiçoamento da divisão do trabalho. A divisão do trabalho no interior de uma'nação,. acarreta, primei- ramente, a separação do trabalho industrial e comercial, por um lado, e do trabalho agrícola, por outro. Ássim sendo, provoca á separação entre a cidade e o campo, e a oposição dos seus interesses. O seu desenvolvimento ulterior acentua a separação do trabalho comercial e do trabalho industrial. Ao mesmo tempo, devido à divisão do trabalho no interior dos diferentes setores, desenvolvem-se, por sua vez, dife rentes subdivisões, dentre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados. A posição dessas subdivisões particulares, umas em relação às outras, é condicionada pela modalidade de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, escravatura, ordens e classes). As mesmas analogias aparecem quando os inter câmbios são mais desenvolvidos, nas relações entre as diversas nações. 47 Os diversos estágios do desenvolvimento da divisão do trabalho representam igual número de diferentes formas de propriedade. Em outros termos, -cada novo estágio da divisão do trabalho determina, ao mesmo tempo, relações dos indivíduos entre si, no tocante às coisas, instrumentos e produtos do trabalho. A primeira forma da propriedade é a propriedade da tribo. Ela corresponde a esse estágio rudimentar da produção, quando um povo se alimenta da caça e da pesca, da criação de gado ou, a rigor,, da agrP cultura. Neste caso, supõe-se uma grande quantidade de terras incultas. Nesse estágio, a divisão do trabalho é ainda muito pouco desenvolvida" e se limita a maior extensão da divisão natural do trafealho que a ofere cida pela família. A estrutura social se limita, portanto, a uma extensão da família: chefes da tribo patriarcal, tendo abaixo de si os membros da tribo e, finalmente, os escravos. A escravatura latente na família somente se desenvolve aos poucos com o aumento da população e das necessidades e, também, com a ampliação das relações externas, tanto pela guerra como pela troca. A segunda forma da propriedade é a propriedade antiga,.proprie dade comunal e propriedade do Estado, resultante sobretudo da reunião de várias tribos numa só cidade, por contrato ou conquista, onde subsiste a escravatura. Ao lado da propriedade comunal, a propriedade privada, de bens móveis e mais tarde imóveis, já se desenvolve, mas sob uma forma anormal, e subordinada à propriedade comunal. Os cidadãos não têm plenos poderes sobre os seus escravos, que trabalham em sua comunidade, o que já os liga à forma da propriedade comunal. É a propriedade privada e em comum dos cidadãos ativos, os quais, face aos escravos, são obrigados a permanecer nessa forma natural de associação. É por essa razão que toda a estrutura social baseada nessa forma e, juntamente com ela, o poder dó povo, se desagregam à medida que se desenvolve a propriedade privada imobiliária. A divisão do tra balho já está mais adiantada. Já se encontra a oposição entre a cidade e o campo e, mais tarde, a oposição entre os Estados representantes do interesse das cidades e aqueles representantes do interesse do campo. E no interior das próprias cidades, encontra-se a oposição entre o comércio marítimo e a indústria. As relações de classe entre cidadãos e escravos atingem o seu completo desenvolvimento. O fato da conquista parece estar em contradição a toda esta concepção de história. Até o presente, encarou-se a violência, a guerra, a pilhagem, o banditismo, etc., como a força motriz da história. É necessário que nos limitemos aqui aos pontos capitais, razão pela qual 46 já dados e que precisam ser reproduzidos. Não_se_deve considerar essa modalidade de produção sob esse único ponto de vista, apenas como a reprodução da existência física dos indivíduos. Em verdade já representa um modo determinado da atividade desses indivíduos, ou maneira determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida deter minado. 5 A maneira pela qual os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente o que são. O que eles são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto com a maneira pela qual o produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.^ Esta produção só aparece com o crescimento da população. Ela mesma pressupõe de sua parte relações dos indivíduos entre si. A forma dessas relações é, por sua vez, condicionada pela produção. As relações entre as diferentes nações dependem do estágio do desenvolvimento em que cada uma delas se encontra, no que se refere às forças produtivas, à divisão do trabalho e às relações internas. Esse princípio é universalmente reconhecido. No entanto, não somente as relações de uma nação com as outras nações, mas também toda aestru tura interna dessa própria nação, dependem do nível de desenvolvimento de sua produção e de suas relações internas e externas. Podemos reco nhecer, de modo bastante claro, o grau de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas de uma nação pelo nível de desenvolvimento atingido pelas suas forças produtivas, pelo nível de desenvolvimento atingido pela divisão do trabalho. Na medida em que esta não é uma simples extensão quantitativa das forças produtivas conhecidas (cultivo de terras virgens, por exemplo), toda nova força de produção provoca, em consequência, um novo aperfeiçoamento da divisão do trabalho. A divisão do trabalho no interior de uma'nação,. acarreta, primei- ramente, a separação do trabalho industrial e comercial, por um lado, e do trabalho agrícola, por outro. Ássim sendo, provoca á separação entre a cidade e o campo, e a oposição dos seus interesses. O seu desenvolvimento ulterior acentua a separação do trabalho comercial e do trabalho industrial. Ao mesmo tempo, devido à divisão do trabalho no interior dos diferentes setores, desenvolvem-se, por sua vez, dife rentes subdivisões, dentre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados. A posição dessas subdivisões particulares, umas em relação às outras, é condicionada pela modalidade de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, escravatura, ordens e classes). As mesmas analogias aparecem quando os inter câmbios são mais desenvolvidos, nas relações entre as diversas nações. 47 Os diversos estágios do desenvolvimento da divisão do trabalho representam igual número de diferentes formas de propriedade. Em outros termos, -cada novo estágio da divisão do trabalho determina, ao mesmo tempo, relações dos indivíduos entre si, no tocante às coisas, instrumentos e produtos do trabalho. A primeira forma da propriedade é a propriedade da tribo. Ela corresponde a esse estágio rudimentar da produção, quando um povo se alimenta da caça e da pesca, da criação de gado ou, a rigor,, da agrP cultura. Neste caso, supõe-se uma grande quantidade de terras incultas. Nesse estágio, a divisão do trabalho é ainda muito pouco desenvolvida" e se limita a maior extensão da divisão natural do trafealho que a ofere cida pela família. A estrutura social se limita, portanto, a uma extensão da família: chefes da tribo patriarcal, tendo abaixo de si os membros da tribo e, finalmente, os escravos. A escravatura latente na família somente se desenvolve aos poucos com o aumento da população e das necessidades e, também, com a ampliação das relações externas, tanto pela guerra como pela troca. A segunda forma da propriedade é a propriedade antiga,.proprie dade comunal e propriedade do Estado, resultante sobretudo da reunião de várias tribos numa só cidade, por contrato ou conquista, onde subsiste a escravatura. Ao lado da propriedade comunal, a propriedade privada, de bens móveis e mais tarde imóveis, já se desenvolve, mas sob uma forma anormal, e subordinada à propriedade comunal. Os cidadãos não têm plenos poderes sobre os seus escravos, que trabalham em sua comunidade, o que já os liga à forma da propriedade comunal. É a propriedade privada e em comum dos cidadãos ativos, os quais, face aos escravos, são obrigados a permanecer nessa forma natural de associação. É por essa razão que toda a estrutura social baseada nessa forma e, juntamente com ela, o poder dó povo, se desagregam à medida que se desenvolve a propriedade privada imobiliária. A divisão do tra balho já está mais adiantada. Já se encontra a oposição entre a cidade e o campo e, mais tarde, a oposição entre os Estados representantes do interesse das cidades e aqueles representantes do interesse do campo. E no interior das próprias cidades, encontra-se a oposição entre o comércio marítimo e a indústria. As relações de classe entre cidadãos e escravos atingem o seu completo desenvolvimento. O fato da conquista parece estar em contradição a toda esta concepção de história. Até o presente, encarou-se a violência, a guerra, a pilhagem, o banditismo, etc., como a força motriz da história. É necessário que nos limitemos aqui aos pontos capitais, razão pela qual tomamos um único exemplo marcante, que é o da destruição de uma antiga civilização por um povo bárbaro e a formação de uma nova estrutura social que a ela se reúne e principia da estaca zero. (Roma e os bárbaros, o feudalismo e a Gália, o Império Bizantino e os turcos.) Entre os conquistadores bárbaros, a própria guerra já é, como indicamos acima, uma forma normal de relações, explorada com tanto mais zelo porque o crescimento da população cria, de maneira mais imperiosa, a necessidade de novos meios de produção, considerando-se a modali dade de produção tradicional e rudimentar que é para eles a única possível. Por outro lado, na Itália, assiste-se à concentração da pro priedade rural, cuja causa, além do endividamento, foi a herança; pois a extrema dissolução dos costumes e a raridade dos casamentos provo caram a extinção progressiva das antigas famílias, tendo os seus bens caído em mãos de uns poucos. Outrossim, essa propriedade rural foi transformada em. pastagens, transformação provocada (fora das causas econômicas comuns válidas ainda em nossos dias) pela importação de cereais pilhados ou obtidos a título de tributo e, também, pela conse quente carência de consumidores de trigo italiano. Como resultado dessas circunstâncias, a população livre tinha desaparecido quase por completo. E os próprios escravos, em vias de se extinguirem, precisa vam ser constantemente substituídos. A escravatura permaneceu a base de toda a produção. Os plebeus, situados entre os homens livres e os escravos, jamais conseguiram elevar-se acimlFTa condição do Lumpenproletariat. Outrossim, Roma jamais ultrapassou o estágio da cidade e estava ligada às províncias através de laços. quase que unica mente políticos, os quais, como fenômenos, podiam, naturalmente, ser rompidos por sua vez. Com o desenvolvimento da propriedade privada, surgem", pela .primeira vez, as relações que reencontraremos na propriedade privada moderna, embora numa escala mais vasta. Por um lado, a concentração da propriedade privada, iniciada muito cedo em Roma, como o prova a lei agrária de Licínio, progrediu rapidamente depois das guerras civis, sobretudo sob o Império. Por outro lado, ligando-se a tudo isso, a transformação dos pequenos camponeses plebeus num proletariado cuja situação intermediária, entre os cidadãos proprietários e os escravos, impediu para sempre um desenvolvimento independente. A terceira forma é a propriedade feudal ou por ordens. Enquanto a Antigüidade partia da cidade e. do seu pequeno território, a Idade Média partia do campo. A população existente, espalhada e dispersa’ sobre uma vasta superfície, parada qual os conquistadores não foram 49 uma contribuição digna de nota, condicionou* essa mudança do ponto de partida. Em oposição à Grécia e Roma, o desenvolvimento feudal principia, portanto, sobre um campo bem mais extenso, preparado pelas conquistas romanas e pela extensão da agricultura, que delas dependeu no início. Os últimos séculos do Império Romano em decadência e a conquista dos próprios bárbaros anularam a massa de forças produ tivas: a agricultura havia declinado; a indústria, caído em decadência, por falta de escoamento; o comércio, estagnado, ou interrompido pela violência; a população, tanto a rural como a urbana, tinha diminuído. Esse estado de coisas e a modalidade de organização da conquista que disso decorreu, desenvolveram a propriedade feudal, sob a influência da constituição do exército germânico. Como a propriedade da tribo e a, da comuna, a propriedade feudal repousa, por sua vez, sobre uma comunidade na qual não são mais os escravos, como no sistema antigo, mas os pequenos camponeses avassalados que se erguem como classe diretamente produtora. Paralelamente ao desenvolvimento completo do feudalismoapareceu, por outro lado, a oposição às cidades. A estrutura hierárquica da propriedade imobiliária e as escoltas armadas, surgidas de par com ela, conferiram à nobreza a onipotência sobre os servos. Essa estrutura feudal, exatamente como a antiga propriedade comunal, era uma associação contra a classe produtora dominada. Entretanto, a forma de associação e as relações" com os produtores eram diferentes, porque as condições de produção eram, diferentes. A essa estrutura feudal da propriedade imobiliária correspondia, nas cidades, a propriedade corporativa, organização feudal da profissão. Aqui, a propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo. Mas a necessidade da associação contra a nobreza espolia- tiva, a necessidade de mercados cobertos comuns numa época em que o industrial fazia as vezes de comerciante, a crescente concorrência dos servos que se evadiam em massa em direção às cidades prósperas, a estrutura feudal em cada região fizeram nascer as corporações. Assim, os pequenos capitais economizados aos poucos por artesãos isolados, e o invariável número destes numa população incessantemente aumentada, desenvolveram as condições de artesão e de aprendiz, fazendo com que nascesse nas cidades uma hierarquia semelhante à do campo. A propriedade principal consistia, portanto, durante a época feu dal, por um lado, na propriedade imobiliária, à qual está ligado o trabalho dos servos, e por outro, no trabalho pessoal com pequeno capital regendo o trabalho dos artesãos. A estrutura de uma e outra forma era condicionada pelos limitados lucros de produção, pela cultura tomamos um único exemplo marcante, que é o da destruição de uma antiga civilização por um povo bárbaro e a formação de uma nova estrutura social que a ela se reúne e principia da estaca zero. (Roma e os bárbaros, o feudalismo e a Gália, o Império Bizantino e os turcos.) Entre os conquistadores bárbaros, a própria guerra já é, como indicamos acima, uma forma normal de relações, explorada com tanto mais zelo porque o crescimento da população cria, de maneira mais imperiosa, a necessidade de novos meios de produção, considerando-se a modali dade de produção tradicional e rudimentar que é para eles a única possível. Por outro lado, na Itália, assiste-se à concentração da pro priedade rural, cuja causa, além do endividamento, foi a herança; pois a extrema dissolução dos costumes e a raridade dos casamentos provo caram a extinção progressiva das antigas famílias, tendo os seus bens caído em mãos de uns poucos. Outrossim, essa propriedade rural foi transformada em. pastagens, transformação provocada (fora das causas econômicas comuns válidas ainda em nossos dias) pela importação de cereais pilhados ou obtidos a título de tributo e, também, pela conse quente carência de consumidores de trigo italiano. Como resultado dessas circunstâncias, a população livre tinha desaparecido quase por completo. E os próprios escravos, em vias de se extinguirem, precisa vam ser constantemente substituídos. A escravatura permaneceu a base de toda a produção. Os plebeus, situados entre os homens livres e os escravos, jamais conseguiram elevar-se acimlFTa condição do Lumpenproletariat. Outrossim, Roma jamais ultrapassou o estágio da cidade e estava ligada às províncias através de laços. quase que unica mente políticos, os quais, como fenômenos, podiam, naturalmente, ser rompidos por sua vez. Com o desenvolvimento da propriedade privada, surgem", pela .primeira vez, as relações que reencontraremos na propriedade privada moderna, embora numa escala mais vasta. Por um lado, a concentração da propriedade privada, iniciada muito cedo em Roma, como o prova a lei agrária de Licínio, progrediu rapidamente depois das guerras civis, sobretudo sob o Império. Por outro lado, ligando-se a tudo isso, a transformação dos pequenos camponeses plebeus num proletariado cuja situação intermediária, entre os cidadãos proprietários e os escravos, impediu para sempre um desenvolvimento independente. A terceira forma é a propriedade feudal ou por ordens. Enquanto a Antigüidade partia da cidade e. do seu pequeno território, a Idade Média partia do campo. A população existente, espalhada e dispersa’ sobre uma vasta superfície, parada qual os conquistadores não foram 49 uma contribuição digna de nota, condicionou* essa mudança do ponto de partida. Em oposição à Grécia e Roma, o desenvolvimento feudal principia, portanto, sobre um campo bem mais extenso, preparado pelas conquistas romanas e pela extensão da agricultura, que delas dependeu no início. Os últimos séculos do Império Romano em decadência e a conquista dos próprios bárbaros anularam a massa de forças produ tivas: a agricultura havia declinado; a indústria, caído em decadência, por falta de escoamento; o comércio, estagnado, ou interrompido pela violência; a população, tanto a rural como a urbana, tinha diminuído. Esse estado de coisas e a modalidade de organização da conquista que disso decorreu, desenvolveram a propriedade feudal, sob a influência da constituição do exército germânico. Como a propriedade da tribo e a, da comuna, a propriedade feudal repousa, por sua vez, sobre uma comunidade na qual não são mais os escravos, como no sistema antigo, mas os pequenos camponeses avassalados que se erguem como classe diretamente produtora. Paralelamente ao desenvolvimento completo do feudalismo apareceu, por outro lado, a oposição às cidades. A estrutura hierárquica da propriedade imobiliária e as escoltas armadas, surgidas de par com ela, conferiram à nobreza a onipotência sobre os servos. Essa estrutura feudal, exatamente como a antiga propriedade comunal, era uma associação contra a classe produtora dominada. Entretanto, a forma de associação e as relações" com os produtores eram diferentes, porque as condições de produção eram, diferentes. A essa estrutura feudal da propriedade imobiliária correspondia, nas cidades, a propriedade corporativa, organização feudal da profissão. Aqui, a propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo. Mas a necessidade da associação contra a nobreza espolia- tiva, a necessidade de mercados cobertos comuns numa época em que o industrial fazia as vezes de comerciante, a crescente concorrência dos servos que se evadiam em massa em direção às cidades prósperas, a estrutura feudal em cada região fizeram nascer as corporações. Assim, os pequenos capitais economizados aos poucos por artesãos isolados, e o invariável número destes numa população incessantemente aumentada, desenvolveram as condições de artesão e de aprendiz, fazendo com que nascesse nas cidades uma hierarquia semelhante à do campo. A propriedade principal consistia, portanto, durante a época feu dal, por um lado, na propriedade imobiliária, à qual está ligado o trabalho dos servos, e por outro, no trabalho pessoal com pequeno capital regendo o trabalho dos artesãos. A estrutura de uma e outra forma era condicionada pelos limitados lucros de produção, pela cultura 50 rudimentar e restrita do solo e pela indústria artesanal. No apogeu do feudalismo, a divisão do trabalho era muito limitada. Cada região ou conjunto de feudos tinha a sua própria oposição entre cidade e campo. A divisão em ordens era na realidade fortemente marcada; mas, além da separação em príncipes reinantes, nobreza, clero e camponeses (no campo) e a separação em mestres, operários e aprendizes e logo também em plebe dos diaristas (nas cidades), não houve importante divisão do trabalho. Na agricultura, esta tornou-se mais difícil pela exploração em pequenas propriedades, ao lado da qual se desenvolveu a indústria doméstica dos próprios camponeses. Na indústria, o trabalho também não era dividido dentro de cada profissão e muito pouco entre as diferentes profissões. A divisão entre o comércio e a indústria já existia nas antigas cidades, mas só se desenvolveu nas novas cidades, quando estas travaram relações umas comas outras. A reunião de feudos de uma determinada extensão em reinos feudais era pa necessidade, tanto para a nobreza latifundiária como para as cidades. Por isso, a organização da classe dominante, isto é, da nobreza, teve por toda a parte um monarca à sua frente. Portanto, o fato é o seguinte: indivíduos determinados, que têm uma atividade produtiva, segundo um método determinado, entram em relações sociais e políticas determinadas. Em cada caso isolado, a observação empírica deve mostrar, empiricamente e sem nenhuma especulação ou mistificação, o elo entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura social e o Estado resultam, constantemente, do processo vital de indivíduos determinados; mas desses indivíduos, não mais tal como podem aparentar em sua própria representação ou na de outrem, mas tal como são em realidade, isto é, tal como trabalham e produzem materialmente. Portanto, como se agissem sobre bases e em condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade. A produção das idéias, das representações e da consciência está, antes de mais nada, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens apare cem aqui, ainda, como a emanação direta do seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção intelectual, tal como se apresenta na linguagem da política, das Jeis, da moral, da religião, da metafísica etc., de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc., mas os homens reais, atuantes, condicionados que são por desenvolvimento determinado de suas forças 51 produtivas e das relações a elas correspondentes, incluindo-se as mais amplas formas que estas possam tomar. A consciência jamais pode ser outra coisa que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo real de vida. E se, em toda a ideologia, os homens e as suas relações nos parecem colocados de cabeça para baixo, como numa câmara escura, esse fenômeno decorre do seu processo de vida histórico, da mesma forma que a inversão dos objetos sobre a retina decorre do seu processo de vida diretamente físico. Ao contrário da filosofia alemã que desce do céu sobre a terra, é da terra ao céu que subimos aqui. Em outras palavras, aqui não partimos daquilo que qs homens dizem, imaginam/-creem, nem muito menos do que são nas palavras, pensamento, imaginação e representação de outrem, para atingir finalmente os homens em carne e osso. Não, aqui partimos dos homens tomados em sua atividade real, segundo o seu processo real de vida, representando também o desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo vital. E mesmo as fantas magorias no cérebro humano são sublimações, necessariamente resul tantes do seu processo material de vida, as quais se podem constatar empiricamente e que repousam sobre bases materiais. Por isso, a moral, a religião, a metafísica e todo o resto da ideologia, como também as formas de consciência que lhes são correspondentes, perdem logo toda aparência de autonomia. Elas não têm história, não têm desenvolvi mento; sao, ao contrário, os homens que, ao desenvolverem a sua produção material e suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Na primeira maneira de se considerar as coisas, perte-se da Consciência como sendo o Indivíduo vivo; na se gunda, maneira, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a Consciência unicamente como- a sua consciência. Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de bases. Parte de premissas prévias reais e não as abandona um único instante. Suas bases são os homens, não isolados e imobilizados (de alguma maneira, pela imaginação), mas tomados em seu processo de desenvol vimento real, em. condições determinadas, desenvolvimento esse empi ricamente visível. A partir do momento em que se representa esse processo de atividade vital, a história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida, como ocorre com os empiristas, eles mesmos ainda abstratos; 50 rudimentar e restrita do solo e pela indústria artesanal. No apogeu do feudalismo, a divisão do trabalho era muito limitada. Cada região ou conjunto de feudos tinha a sua própria oposição entre cidade e campo. A divisão em ordens era na realidade fortemente marcada; mas, além da separação em príncipes reinantes, nobreza, clero e camponeses (no campo) e a separação em mestres, operários e aprendizes e logo também em plebe dos diaristas (nas cidades), não houve importante divisão do trabalho. Na agricultura, esta tornou-se mais difícil pela exploração em pequenas propriedades, ao lado da qual se desenvolveu a indústria doméstica dos próprios camponeses. Na indústria, o trabalho também não era dividido dentro de cada profissão e muito pouco entre as diferentes profissões. A divisão entre o comércio e a indústria já existia nas antigas cidades, mas só se desenvolveu nas novas cidades, quando estas travaram relações umas com as outras. A reunião de feudos de uma determinada extensão em reinos feudais era pa necessidade, tanto para a nobreza latifundiária como para as cidades. Por isso, a organização da classe dominante, isto é, da nobreza, teve por toda a parte um monarca à sua frente. Portanto, o fato é o seguinte: indivíduos determinados, que têm uma atividade produtiva, segundo um método determinado, entram em relações sociais e políticas determinadas. Em cada caso isolado, a observação empírica deve mostrar, empiricamente e sem nenhuma especulação ou mistificação, o elo entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura social e o Estado resultam, constantemente, do processo vital de indivíduos determinados; mas desses indivíduos, não mais tal como podem aparentar em sua própria representação ou na de outrem, mas tal como são em realidade, isto é, tal como trabalham e produzem materialmente. Portanto, como se agissem sobre bases e em condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade. A produção das idéias, das representações e da consciência está, antes de mais nada, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens apare cem aqui, ainda, como a emanação direta do seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção intelectual, tal como se apresenta na linguagem da política, das Jeis, da moral, da religião, da metafísica etc., de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc., mas os homens reais, atuantes, condicionados que são por desenvolvimento determinado de suas forças 51 produtivas e das relações a elas correspondentes, incluindo-se as mais amplas formas que estas possam tomar. A consciência jamais pode ser outra coisa que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo real de vida. E se, em toda a ideologia, os homens e as suas relações nos parecem colocados de cabeça para baixo, como numa câmara escura, esse fenômeno decorre do seu processo de vida histórico, da mesma forma que a inversão dos objetos sobre a retina decorre do seu processo de vida diretamente físico. Ao contrário da filosofia alemã que desce do céu sobre a terra, é da terra ao céu que subimos aqui. Em outras palavras, aqui não partimos daquilo que qs homens dizem, imaginam/-creem, nem muito menos do que são nas palavras, pensamento, imaginação e representação de outrem, para atingir finalmente os homens em carne e osso. Não, aqui partimos dos homens tomados em sua atividade real, segundo o seu processo real de vida, representando também o desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo vital. E mesmoas fantas magorias no cérebro humano são sublimações, necessariamente resul tantes do seu processo material de vida, as quais se podem constatar empiricamente e que repousam sobre bases materiais. Por isso, a moral, a religião, a metafísica e todo o resto da ideologia, como também as formas de consciência que lhes são correspondentes, perdem logo toda aparência de autonomia. Elas não têm história, não têm desenvolvi mento; sao, ao contrário, os homens que, ao desenvolverem a sua produção material e suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Na primeira maneira de se considerar as coisas, perte-se da Consciência como sendo o Indivíduo vivo; na se gunda, maneira, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a Consciência unicamente como- a sua consciência. Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de bases. Parte de premissas prévias reais e não as abandona um único instante. Suas bases são os homens, não isolados e imobilizados (de alguma maneira, pela imaginação), mas tomados em seu processo de desenvol vimento real, em. condições determinadas, desenvolvimento esse empi ricamente visível. A partir do momento em que se representa esse processo de atividade vital, a história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida, como ocorre com os empiristas, eles mesmos ainda abstratos; 52 ou uma ação imaginária, de assuntos imaginários, como ocorre com os idealistas. É aí que cessa a especulação. É, portanto, na vida real que começa a ciência real, positiva, a representação da atividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos homens. Cessam as frases vazias sobre a consciência, devendo uma sabedoria verdadeira substituí-las. A filo? sofia independente perde o seu meio de existência, como representação da realidade. Em seu lugar, poder-se-á, no máximo, colocar uma síntese dos resultados mais gerais, os quais é possível abstrair do estudo de desenvolvimento histórico dos homens. Essas abstrações, tomadas em si, separadas da história real, não têm o menor valor. Podem, no máximo, servir para classificar com maior facilidade o material histórico, para indicar a sucessão de suas estratificações peculiares. Mas não proporcionam, de maneira alguma, como a filosofia, uma receita, um esquema segundo o qual se podem acomodar as épocas históricas. A dificuldade começa, ao contrário, somente quando nos pomos a estudar e classificar esse material, seja em se tratando de uma época passada ou do tempo presente, e a interpretá-lo realmente. A eliminação dessas dificuldades depende dos dados prévios, impossíveis de serem aqui desenvolvidos, pois resultam do estudo do processo real de vida e da ação dos indivíduos de cada época. Tomaremos aqui algumas dessas abstrações, que empregamos a' propósito da ideologia, explicando-as através de exemplos históricos. 2 Como os alemães, desprovidos de qualquer dado prévio, é forçoso que iniciemos pela constatação do primeiro dado prévio de toda exis tência humana, e comecemos pela história; pois os homens devem poder viver para poder “fazer a história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo, beber, comer, morar, vestir-se, além de outras coisas, i O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, o que já constituí um fato histórico, uma condição fundamental de toda história; necessidades essas que se_devemr ainda hoje como há. milhares de anos atrás, satisfazer dia a dia, hora a hora, simplesmente para manter os homens com vida. Mesmo quando a materialidade está reduzida a 1À altura dessa frase, Marx anotou na coluna da direita: Hegel. Condições geológicas, hidrográficas etc. Os corpos humanos. Necessidade, trabalho. 53 um bastão, o estrito mínimo, como ocorreu com São Bruno,2 esta pressupõe a atividade que produz esse bastão. A primeira coisa, em toda concepção histórica, é, portanto, a observação desse fato funda mental, em toda a sua importância e toda a sua extensão; e fazer-lhe justiça. Todos sabem que os alemães jamais o fizeram; nunca tiveram, portanto, base terrestre para a história e, conseqüentemente, jamais tiveram um único historiador. Embora só tenham percebido a ligação desse fato com o que se denomina história sob o ângulo mais limitado, sobretudo enquanto permaneceram encerrados na ideologia política, os franceses e os ingleses fizeram, não obstante, as primeiras tentativas para dar à história uma base materialista, ao escrgver primeiranjente as histórias da sociedade burguesa, do comércio e da indústria. O segundo ponto é que, uma vez satisfeita a primeira necessidade em si, a ação de satisfazê-la e o instrumento dessa satisfação impelem a novas necessidades, e essa produção de novas necessidades é o pri meiro fato histórico. É através desse fato que logo se reconhece qpal o espírito que a grande sabedoria histórica dos alemães tem por pai. Onde .há carência de material positivo e onde não se debatem asneiras teológicas nem estupidez nossos alemães vêem, não mais a história, mas os “tempos pré-históricos”. Da mesma forma, não. nos explicam como se passa desse absurdo da “pré-história” à história propriamente dita. Assim, a sua especulação histórica se lança, de maneira toda especial, sobre esta “pré-história”, porque ela se considera ao abrigo das invasões do “fato brutal” e, também, porque pode aí dar vazão ao seu instinto especulativo e engendrar e derrubar hipóteses a.os milhares. O terceiro ponto, que intervém repentinamente no desenvolvi mento histórico, é que os'homens, que renovam a cada dia a sua própria vida, se põem a criar outros homens, a se reproduzirem: é a ligação entre homem e mulher, pais e filhos, é a família. Esta família, que é no início a única relação social, torna-se, em seguida, uma relação subalterna (exceto na Alemanha), quando as necessidades acrescidas geram novas relações sociais e o aumento da população gera novas necessidades. Conseqüentemente, deve-se tratar e desenvolver esse tema da família segundo os fatos empíricos existentes e não segundo o “con ceito de família”, como é hábito fazer na Alemanha.3 Outrossim, não 2 Alusão a uma teoria de Bruno Bauer. 3 Construção de casas. Entre os selvagens, é natural que cada família tenha a sua gruta ou cabana própria, como também é normal que os nômades tenham uma tenda particular para cada família. Esta economia doméstica separada tor- 52 ou uma ação imaginária, de assuntos imaginários, como ocorre com os idealistas. É aí que cessa a especulação. É, portanto, na vida real que começa a ciência real, positiva, a representação da atividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos homens. Cessam as frases vazias sobre a consciência, devendo uma sabedoria verdadeira substituí-las. A filo? sofia independente perde o seu meio de existência, como representação da realidade. Em seu lugar, poder-se-á, no máximo, colocar uma síntese dos resultados mais gerais, os quais é possível abstrair do estudo de desenvolvimento histórico dos homens. Essas abstrações, tomadas em si, separadas da história real, não têm o menor valor. Podem, no máximo, servir para classificar com maior facilidade o material histórico, para indicar a sucessão de suas estratificações peculiares. Mas não proporcionam, de maneira alguma, como a filosofia, uma receita, um esquema segundo o qual se podem acomodar as épocas históricas. A dificuldade começa, ao contrário, somente quando nos pomos a estudar e classificar esse material, seja em se tratando de uma época passada ou do tempo presente, e a interpretá-lo realmente. A eliminação dessas dificuldades depende dos dados prévios, impossíveis de serem aqui desenvolvidos, pois resultam do estudo do processo real de vida e da açãodos indivíduos de cada época. Tomaremos aqui algumas dessas abstrações, que empregamos a' propósito da ideologia, explicando-as através de exemplos históricos. 2 Como os alemães, desprovidos de qualquer dado prévio, é forçoso que iniciemos pela constatação do primeiro dado prévio de toda exis tência humana, e comecemos pela história; pois os homens devem poder viver para poder “fazer a história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo, beber, comer, morar, vestir-se, além de outras coisas, i O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, o que já constituí um fato histórico, uma condição fundamental de toda história; necessidades essas que se_devemr ainda hoje como há. milhares de anos atrás, satisfazer dia a dia, hora a hora, simplesmente para manter os homens com vida. Mesmo quando a materialidade está reduzida a 1À altura dessa frase, Marx anotou na coluna da direita: Hegel. Condições geológicas, hidrográficas etc. Os corpos humanos. Necessidade, trabalho. 53 um bastão, o estrito mínimo, como ocorreu com São Bruno,2 esta pressupõe a atividade que produz esse bastão. A primeira coisa, em toda concepção histórica, é, portanto, a observação desse fato funda mental, em toda a sua importância e toda a sua extensão; e fazer-lhe justiça. Todos sabem que os alemães jamais o fizeram; nunca tiveram, portanto, base terrestre para a história e, conseqüentemente, jamais tiveram um único historiador. Embora só tenham percebido a ligação desse fato com o que se denomina história sob o ângulo mais limitado, sobretudo enquanto permaneceram encerrados na ideologia política, os franceses e os ingleses fizeram, não obstante, as primeiras tentativas para dar à história uma base materialista, ao escrgver primeiranjente as histórias da sociedade burguesa, do comércio e da indústria. O segundo ponto é que, uma vez satisfeita a primeira necessidade em si, a ação de satisfazê-la e o instrumento dessa satisfação impelem a novas necessidades, e essa produção de novas necessidades é o pri meiro fato histórico. É através desse fato que logo se reconhece qpal o espírito que a grande sabedoria histórica dos alemães tem por pai. Onde .há carência de material positivo e onde não se debatem asneiras teológicas nem estupidez nossos alemães vêem, não mais a história, mas os “tempos pré-históricos”. Da mesma forma, não. nos explicam como se passa desse absurdo da “pré-história” à história propriamente dita. Assim, a sua especulação histórica se lança, de maneira toda especial, sobre esta “pré-história”, porque ela se considera ao abrigo das invasões do “fato brutal” e, também, porque pode aí dar vazão ao seu instinto especulativo e engendrar e derrubar hipóteses a.os milhares. O terceiro ponto, que intervém repentinamente no desenvolvi mento histórico, é que os'homens, que renovam a cada dia a sua própria vida, se põem a criar outros homens, a se reproduzirem: é a ligação entre homem e mulher, pais e filhos, é a família. Esta família, que é no início a única relação social, torna-se, em seguida, uma relação subalterna (exceto na Alemanha), quando as necessidades acrescidas geram novas relações sociais e o aumento da população gera novas necessidades. Conseqüentemente, deve-se tratar e desenvolver esse tema da família segundo os fatos empíricos existentes e não segundo o “con ceito de família”, como é hábito fazer na Alemanha.3 Outrossim, não 2 Alusão a uma teoria de Bruno Bauer. 3 Construção de casas. Entre os selvagens, é natural que cada família tenha a sua gruta ou cabana própria, como também é normal que os nômades tenham uma tenda particular para cada família. Esta economia doméstica separada tor- 54 se devem compreender esses três aspectos da atividade social como três estágios- diferentes, mas precisamente como três aspectos, simplesmente; ou, para empregar uma linguagem clara para os alemães, três “mo mentos”, que coexistiram desde o início da história e desde os primeiros homens, e que se afirmam ainda hoje na história. Produzir a vida, tanto a sua própria, através 9o trabalho, como a vida de outrem, pela pro criação, nos parece, portanto, desde já, uma relação dupla: de um lado, uma relação natural e, do outro, uma relação social — social no sentido que se entende pela ação conjugada de vários indivíduos, pouco importando em que condições, de que maneira e com que finalidade. Conseqüentemente, uma modalidade de produção ou um estágio indus trial são constantemente ligados a uma modalidade de cooperação ou a um estágio social determinado; e essa modalidade de cooperação é por si uma “força produtiva”. Segue-se, igualmente, que a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social, devendo-se, como consequência, estudar e elaborar incessantemente a “história dos homens”, em conexão com a história da indústria e da troca. Mas é tão claro quanto impossível escrever semelhante história na Alemanha, pois falta aos alemães, para fazê-la, não somente a faculdade de conce bê-la e os materiais, mas também a “certeza sensível”, não se podendo fazer experiências nesse campo do outro lado do Reno, pois lá não acontece mais história. Portanto, repentinamente, manifesta-se um elo materialista entre os homens, que é condicionado pelas necessidades e modalidade de produção e que é tão velho quanto os próprios homens — elo que toma incessantemente novas formas, apresentando, portanto, na-se ainda mais indispensável quando ocorre o desenvolvimento da propriedade privada. Entre os povos agricultores, a economia doméstica comum é tão impos sível quanto a cultura comum do solo. A construção das cidades foi um grande progresso. No entanto, èm todos os períodos anteriores, supressão da economia separada, inseparável da supressão da propriedade privada, era impossível pela carência das condições materiais. O estabelecimento de uma economia domés tica comum tem por condições prévias o desenvolvimento do maquinismo, com a utilização de forças naturais e de numerosas outras forças produtivas — por exemplo, canalização de água, iluminação a gás, aquecimento a vapor, etc., a supressão da cidade e do campo. Sem essas condições, a economia comum não constituiria em si, por sua vez, uma força produtiva, pois esta careceria de toda base material, repousando somente sobre uma base teórica, sendo, em outras -palavras, um simples capricho, conduzindo apenas à economia monacal. O que era possível, verificou-se com o agrupamento das pessoas em cidades e com as construções de edifícios comuns, para finalidades singulares determinadas (prisões, casernas, etc.). A supressão da economia separada é inseparável da abolição da família, é evidente. 55 uma “história” mesmo quando não existe um não-senso político ou religioso qualquer que reúna ainda mais os homens. E é somente agora, após já ter examinado quatro momentos, qua tro aspectos das relações históricas originais, que achamos que o homem também tem “consciência”. 4 Mas não se trata de uma consciência que seja, de início, consciência “pura”. Desde o início, uma maldição pesa sobre o “espírito”, a de ser “maculado” pela matéria que se apresenta sob a forma de camadas agitadas de sons; em suma, pela linguagem. A linguagem é tão velha quanto a consciência. A linguagem é a cons ciência real, prática, existindo também para outros homens, existindo, portanto, igualmente para mim mesmo pela primeira vez e, exatamente como a consciência, a linguagem só aparece com a carência, a necessi dade de comércio com outros homens. Onde existir uma relação,, esta existe para mim. O animal “não está em relação” a nada, não conhece, no final das contas, relação alguma. Para o animal, as suas relações com os outros não existem como relações. A consciência é, portanto, de início, um produto social, assim permanecendo tanto tempo, quanto existirem os homens em geral. Evidentemente, a consciênciao trabalho aparece, em geral, como trabalho assalariado. (...) Os 1 Lenine, V. “Karl Marx.” In: Oeuvres choisies. Moscou, Éditions du Pro- grès, 1971. v. 1, p. 19-49; “Les trois parties constitutives du marxisme.” Op. cit. p. 58-62. 9 principais agentes deste modo de produção, o capitalista e o operário assalariado, não são, como tais, senão encarnações do capital e do trabalho assalariado, determinados característicos sociais que o processo social de produção imprime nas pessoas, produtos destas relações determinadas de produção. (...) O segundo característico do modo capitalista de produção é a produção de mais-valia, como a finalidade direta e o móvel de terminante da produção. O capital produz essencialmente capital e isto somente na medida em que ele produz mais-valia.” 2 A mais-valia e a mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do operário e do capitalista, um em face do outro. A forma mercadoria cristaliza tanto o produto do trabalho necessário à reprodução do produtor (trabalho pago), como o produto do .trabalho exce dente (não pago) e apropriado pelo capitalista, no processo de compra e venda de força de trabalho. A mais-valia e a mer cadoria, pois, não podem ser compreendidas em si, mas como produtos das relações de produção que produzem o capitalismo. Na análise dialética, elas surgem como realmente são, isto é, como sistemas de relações antagônicas. Nisto se funda o caráter essencial do regime: os seus componentes mais característicos, seja a mais-valia e a mercadoria, seja o operário e o capitalista, ^produzem-se, desde o princípio, antagonicamente. A descoberta desse antagonismo, pois, não é alheia à cons tituição interna do capitalismo. As relações antagônicas não podem resolver-se a não ser que o próprio capitalismo seja também pensado. Ê necessário que o capitalismo se transforme em concreto pensado, pleno de suas determinações, para resolver- -se. Ele precisa transformar-se em componente da consciência de classeTío proletariado, que e o póío^^^fivo dqT^goni^o, "para que o "próprio antagonismo se desenvolva e resolva. O processo de troca, sem o qual a mercantilização universal não se realiza, é, simultaneamente, o processo por intermédio do qual as pessoas, os grupos e as classes sociais realizam-se e pensam-se como categorias sociais reciprocamente referidas e antagônicas. Não é por acaso que todo processo de reflexão de Marx, sobre as relações, os processos e as estruturas capitalistas, é, também, 2 Marx, K. “Relaciones de distribución y relaciones de producción.” In: El capital. México,'Fondo de Cultura Económica, 1946-47. t. III, cap. LI, p. 1015-17. alice alcantara . laura . laura . 8 análise e a interpretação do capitalismo.1 Este é um aspecto essencial do pensamento de Marx: o materialismo dialético e o niaterialismo histórico são os dois elementos principais e conju gados do mesmo processo teórico-prático de reflexão sobre o capitalismo. Na obra de Marx, o capitalismo é levado a pensar-se a si mesmo, de maneira global e como um modo fundamental mente antagônico de desenvolvimento histórico. Da mesma forma que o modo capitalista de produção, a dialética marxista funda-se nas relações de antagonismo. O princípio da contradição governa o modo de pensar e o modo de ser. Mesmo porque, ambos são manifestações da mesma época histórica. As relações de antago nismo ocorrem em todas as épocas históricas, aparecem em todos os modos de produção. Em cada época, no entanto, adquirem configurações particulares. Em cada época, as determinações econômicas, políticas, religiosas ou outras organizam-se e deter minam-se reciprocamente de modo diverso. No capitalismo, os antagonismos fundados nas relações econômicas adquirem preemi nência sobre todos os outros, enquanto determinação estrutural. Em essência, o capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de produção de mais-váliaT ^Ele^mércantilizá~ás relações, as pessoas ê as coisas. Ao mesmo tempo,^ol^ mercah- tiliza a força de trabalho, a energia humana que produz valor. Por isso mesmo, transforma as próprias pessoas em mercadorias, tornando-as adjetivas de sua força de trabalho. Vejamos o que diz Marx, num dós últimos capítulos de O Capital, ao chamar a atenção para duas categorias básicas do regime. Como categorias dialéticas, elas exprimem determinações essenciais do regime. “Desde o primeiro instante, são duas as características que dis tinguem o modo capitalista de produção. Primeira. Ele produz os seus produtos como mercadorias. O fato de que produz mercadorias não o distingue de outros modos de produção; o que o distingue é a circunstância de que o ser mercadoria constitui o caráter dominante e determinante dos seus produtos. Isto implica, antes de tudo, o fato de que o próprio operário somente aparece como vendedor de mercadorias, ou seja, como trabalhador livre assalariado, de tal maneira que o trabalho aparece, em geral, como trabalho assalariado. (...) Os 1 Lenine, V. “Karl Marx.” In: Oeuvres choisies. Moscou, Éditions du Pro- grès, 1971. v. 1, p. 19-49; “Les trois parties constitutives du marxisme.” Op. cit. p. 58-62. 9 principais agentes deste modo de produção, o capitalista e o operário assalariado, não são, como tais, senão encarnações do capital e do trabalho assalariado, determinados característicos sociais que o processo social de produção imprime nas pessoas, produtos destas relações determinadas de produção. (...) O segundo característico do modo capitalista de produção é a produção de mais-valia, como a finalidade direta e o móvel de terminante da produção. O capital produz essencialmente capital e isto somente na medida em que ele produz mais-valia.” 2 A mais-valia e a mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do operário e do capitalista, um em face do outro. A forma mercadoria cristaliza tanto o produto do trabalho necessário à reprodução do produtor (trabalho pago), como o produto do .trabalho exce dente (não pago) e apropriado pelo capitalista, no processo de compra e venda de força de trabalho. A mais-valia e a mer cadoria, pois, não podem ser compreendidas em si, mas como produtos das relações de produção que produzem o capitalismo. Na análise dialética, elas surgem como realmente são, isto é, como sistemas de relações antagônicas. Nisto se funda o caráter essencial do regime: os seus componentes mais característicos, seja a mais-valia e a mercadoria, seja o operário e o capitalista, ^produzem-se, desde o princípio, antagonicamente. A descoberta desse antagonismo, pois, não é alheia à cons tituição interna do capitalismo. As relações antagônicas não podem resolver-se a não ser que o próprio capitalismo seja também pensado. Ê necessário que o capitalismo se transforme em concreto pensado, pleno de suas determinações, para resolver- -se. Ele precisa transformar-se em componente da consciência de classeTío proletariado, que e o póío^^^fivo dqT^goni^o, "para que o "próprio antagonismo se desenvolva e resolva. O processo de troca, sem o qual a mercantilização universal não se realiza, é, simultaneamente, o processo por intermédio do qual as pessoas, os grupos e as classes sociais realizam-se e pensam-se como categorias sociais reciprocamente referidas e antagônicas. Não é por acaso que todo processo de reflexão de Marx, sobre as relações, os processos e as estruturas capitalistas, é, também, 2 Marx, K. “Relaciones de distribución y relaciones de producción.” In: El capital. México,'Fondo de Cultura Económica, 1946-47. t. III, cap. LI, p. 1015-17. alice alcantara . alice alcantara . 10 uma sistemática, profunda e contundente crítica de todas as interpretações, doutrinas, idéias ou conceitos preexistentes sobre os mesmos fenômenos. É que as representações sobre o real são parte necessária do real; são “sombras”, “reflexos”, “formas invertidas” das relações, processos enada mais é em primeiro lugar, que a consciência do meio sensível mais próximo e aquela do elo limitado com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivíduo que toma consciência. Ao mesmo tempo, é a cons ciência da natureza que se ergue em primeiro lugar face aos homens, como uma potência essencialmente estranha, todo-poderosa e inatacável, frente à qual os homens se comportam de uma maneira puramente animal e que se lhes impõe tanto quanto ao gado; conseqüentemente, uma consciência da natureza puramente animal (religião da natureza). Vê-se imediatamente que esta religião da natureza ou essas relações determinadas face à natureza são condicionadas pela forma da sociedade e vice-versa. Aqui, como em todos os outros lugares, a identidade do homem e da natureza apareceu também sob essa forma. O comporta mento determinado dos homens, em face da natureza, condiciona o comportamento entre eles, e o comportamento determinado entre eles condiciona, por sua vez, as suas relações determinadas com a natureza, precisamente porque a natureza está muito pouco modificada pela história. Por outro lado, a consciência da necessidade de entrar em 4 A essa altura, Marx escreveu na coluna da direita: “Os homens têm uma história, porque devem produzir sua vida, devendo fazê-lo realmente, de uma maneira determinada', sendo esse dever dado por sua organização física; da mesma maneira que a sua consciência”. 54 se devem compreender esses três aspectos da atividade social como três estágios- diferentes, mas precisamente como três aspectos, simplesmente; ou, para empregar uma linguagem clara para os alemães, três “mo mentos”, que coexistiram desde o início da história e desde os primeiros homens, e que se afirmam ainda hoje na história. Produzir a vida, tanto a sua própria, através 9o trabalho, como a vida de outrem, pela pro criação, nos parece, portanto, desde já, uma relação dupla: de um lado, uma relação natural e, do outro, uma relação social — social no sentido que se entende pela ação conjugada de vários indivíduos, pouco importando em que condições, de que maneira e com que finalidade. Conseqüentemente, uma modalidade de produção ou um estágio indus trial são constantemente ligados a uma modalidade de cooperação ou a um estágio social determinado; e essa modalidade de cooperação é por si uma “força produtiva”. Segue-se, igualmente, que a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social, devendo-se, como consequência, estudar e elaborar incessantemente a “história dos homens”, em conexão com a história da indústria e da troca. Mas é tão claro quanto impossível escrever semelhante história na Alemanha, pois falta aos alemães, para fazê-la, não somente a faculdade de conce bê-la e os materiais, mas também a “certeza sensível”, não se podendo fazer experiências nesse campo do outro lado do Reno, pois lá não acontece mais história. Portanto, repentinamente, manifesta-se um elo materialista entre os homens, que é condicionado pelas necessidades e modalidade de produção e que é tão velho quanto os próprios homens — elo que toma incessantemente novas formas, apresentando, portanto, na-se ainda mais indispensável quando ocorre o desenvolvimento da propriedade privada. Entre os povos agricultores, a economia doméstica comum é tão impos sível quanto a cultura comum do solo. A construção das cidades foi um grande progresso. No entanto, èm todos os períodos anteriores, supressão da economia separada, inseparável da supressão da propriedade privada, era impossível pela carência das condições materiais. O estabelecimento de uma economia domés tica comum tem por condições prévias o desenvolvimento do maquinismo, com a utilização de forças naturais e de numerosas outras forças produtivas — por exemplo, canalização de água, iluminação a gás, aquecimento a vapor, etc., a supressão da cidade e do campo. Sem essas condições, a economia comum não constituiria em si, por sua vez, uma força produtiva, pois esta careceria de toda base material, repousando somente sobre uma base teórica, sendo, em outras -palavras, um simples capricho, conduzindo apenas à economia monacal. O que era possível, verificou-se com o agrupamento das pessoas em cidades e com as construções de edifícios comuns, para finalidades singulares determinadas (prisões, casernas, etc.). A supressão da economia separada é inseparável da abolição da família, é evidente. 55 uma “história” mesmo quando não existe um não-senso político ou religioso qualquer que reúna ainda mais os homens. E é somente agora, após já ter examinado quatro momentos, qua tro aspectos das relações históricas originais, que achamos que o homem também tem “consciência”. 4 Mas não se trata de uma consciência que seja, de início, consciência “pura”. Desde o início, uma maldição pesa sobre o “espírito”, a de ser “maculado” pela matéria que se apresenta sob a forma de camadas agitadas de sons; em suma, pela linguagem. A linguagem é tão velha quanto a consciência. A linguagem é a cons ciência real, prática, existindo também para outros homens, existindo, portanto, igualmente para mim mesmo pela primeira vez e, exatamente como a consciência, a linguagem só aparece com a carência, a necessi dade de comércio com outros homens. Onde existir uma relação,, esta existe para mim. O animal “não está em relação” a nada, não conhece, no final das contas, relação alguma. Para o animal, as suas relações com os outros não existem como relações. A consciência é, portanto, de início, um produto social, assim permanecendo tanto tempo, quanto existirem os homens em geral. Evidentemente, a consciência nada mais é em primeiro lugar, que a consciência do meio sensível mais próximo e aquela do elo limitado com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivíduo que toma consciência. Ao mesmo tempo, é a cons ciência da natureza que se ergue em primeiro lugar face aos homens, como uma potência essencialmente estranha, todo-poderosa e inatacável, frente à qual os homens se comportam de uma maneira puramente animal e que se lhes impõe tanto quanto ao gado; conseqüentemente, uma consciência da natureza puramente animal (religião da natureza). Vê-se imediatamente que esta religião da natureza ou essas relações determinadas face à natureza são condicionadas pela forma da sociedade e vice-versa. Aqui, como em todos os outros lugares, a identidade do homem e da natureza apareceu também sob essa forma. O comporta mento determinado dos homens, em face da natureza, condiciona o comportamento entre eles, e o comportamento determinado entre eles condiciona, por sua vez, as suas relações determinadas com a natureza, precisamente porque a natureza está muito pouco modificada pela história. Por outro lado, a consciência da necessidade de entrar em 4 A essa altura, Marx escreveu na coluna da direita: “Os homens têm uma história, porque devem produzir sua vida, devendo fazê-lo realmente, de uma maneira determinada', sendo esse dever dado por sua organização física; da mesma maneira que a sua consciência”. 56 relação com os indivíduos que o cercam marca, para o homem, o início da consciência do fato de que, apesar de tudo, ele vive em sociedade. Esse início é tão animal quanto a própria vida social desse estágio; ele é uma simples consciência gregária e o homem se distingue aqui do carneiro através do fato único de que a sua consciência pode tomar nele o lugar do instinto ou de o seu instinto ser um instinto consciente. Esta consciência de carneiro, tribal, recebe seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento ulteriores com o aumento da produtividade, o aumento das necessidades e o aumento da população que está na base dos dois precedentes. Assim se desenvolve a divisão do trabalho, que, primitivamente, nada mais era que a divisão do trabalho no ato sexual, tornando-se, em seguida, a divisão dcT trãBSho que ~se faz por si ou 1 ^aturalmente^" em virtüde~~dãs~ disposições naturais (vigor corporal^ por exemploJ, das necessidades, do acaso etc. A divisão do trabalho so"_seTórnaTeJetivamente divisão do trabalho a partir do momento em que se opera uma divisão>~de Irabalho material e intelectual.5 A partir desse momento, a consciência pode realmente crer que seja algo dife rente da consciência da prática existente^ que representa realmente qualquer coisa sem representar algo de real. A partir desse momento, a consciência está em condições de se emancipar do mundo, passando à formação da teoria “pura”, teologia, filosofia, moral etc. Mas mesmo quando esta teoria, esta teologia, esta filosofia, esta moral etc. entram em contradição com as relações existentes, isso só pode ocorrer pelo fato de terem as relações sociais existentes entrado em contradição com a força produtiva existente. Assim, num determinado círculo nacional de relações, isso pode ocorrer também porque a contradição se produz, não no interior dessa esfera nacional, mas entre esta consciência nacio nal e a prática das outras nações, isto é, entre a consciência nacional de uma nação e sua consciência universal. Outrossim, pouco importa o que a consciência empreende isoladamente; toda essa podridão só nos dá o seguinte resultado: que estes três momentos, a força produtiva, o estado social e a consciência, podem e devem entrar em conflito entre si, pois, através da divisão do trabalho, torna-se possível, ou melhor, torna-se efetivo que as atividades intelectual e material, que o gozo e o trabalho, a produção e a consumação caibam em partilha a indivíduos diferentes. Então a possibilidade desses momentos não entrarem em conflito reside unicamente no fato de se ter novamente abolido a divisão 5 A essa altura, Marx anotou na coluna da direita: “Coincide a primeira forma dos ideólogos, padres'1. 57 do trabalho. Também, é por si explicativo que “fantasmas”, “ralé”, “essência superior”, “conceito”, “dúvidas”, nada mais são que a expres são mental idealista, a representação aparentemente do indivíduo isolado, a representação de cadeias e de limites muito empíricos, no interior dos quais se movimentam a modalidade de produção da vida e a forma de relações que está a ela ligada. Esta divisão de trabalho, que implica em todas essas contradições e repousa, por sua vez, sobre a divisão natural do trabalho na família, e sobre a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas às outras, — esta divisão do trabalho implica, ao. mesmo tempo, na repartição do trabalho e de seus produtos, na distribuição desigual tanto em. quantidade como em qualidade. Implica, portanto, na propriedade, cuja forma primeira, o germe, reside na família, onde a mulher e as crianças são os escravos do homem. A escravatura, naturalmente muito rudimentar e latente na família, é a primeira propriedade, que, aliás, já corresponde perfeitamente à definição dos economistas modernos, se gundo a qual ela é a livre disposição da força de trabalho de outrem. Igualmente, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas: enuncia-se, na primeira, em relação à atividade, aquilo que se enuncia e, na segunda, em relação ao produto da atividade. Além disso, a divisão do trabaího implica, ao mesmo tempo, na contradição entre o interesse do indivíduo singular, ou. da família sin gular, e o interesse coletivo de todos os indivíduos que mantêm relações entre si. E, o que é mais, esse interesse coletivo não existe somente, digamos, na representação, na qualidade de “universal”, mas antes como dependência recíproca dos indivíduos entre os quais o trabalho é divi dido. Finalmente, a divisão do trabalho nos oferece imediatamente o primeiro exemplo do seguinte fato: enquanto os homens se encontra rem na sociedade natural, portanto, enquanto existir cisão entre o interesse particular e o interesse comum, enquanto a atividade não for voluntária mas naturalmente dividida, o próprio ato do homem se trans forma em potência estrangeira que a ele se opõe e o avassala, ao invés de ser por ele dominado. Realmente, desde o instante em que o trabalho começa a ser repartido, cada um tem uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair. Seja ele caçador, pescador ou pastor ou crítico fazendo crítica, deverá perma necer como tal, se não desejar perder os seus meios de existência; enquanto na sociedade comunista, onde o indivíduo não tem uma esfera de atividade exclusiva, podendo se aperfeiçoar no ramo de sua prefe rência, a sociedade regulamenta a produção- geral, possibilitando assim 56 relação com os indivíduos que o cercam marca, para o homem, o início da consciência do fato de que, apesar de tudo, ele vive em sociedade. Esse início é tão animal quanto a própria vida social desse estágio; ele é uma simples consciência gregária e o homem se distingue aqui do carneiro através do fato único de que a sua consciência pode tomar nele o lugar do instinto ou de o seu instinto ser um instinto consciente. Esta consciência de carneiro, tribal, recebe seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento ulteriores com o aumento da produtividade, o aumento das necessidades e o aumento da população que está na base dos dois precedentes. Assim se desenvolve a divisão do trabalho, que, primitivamente, nada mais era que a divisão do trabalho no ato sexual, tornando-se, em seguida, a divisão dcT trãBSho que ~se faz por si ou 1 ^aturalmente^" em virtüde~~dãs~ disposições naturais (vigor corpor al^ por exemploJ, das necessidades, do acaso etc. A divisão do trabalho so"_seTórnaTeJetivamente divisão do trabalho a partir do momento em que se opera uma divisão>~de Irabalho material e intelectual.5 A partir desse momento, a consciência pode realmente crer que seja algo dife rente da consciência da prática existente^ que representa realmente qualquer coisa sem representar algo de real. A partir desse momento, a consciência está em condições de se emancipar do mundo, passando à formação da teoria “pura”, teologia, filosofia, moral etc. Mas mesmo quando esta teoria, esta teologia, esta filosofia, esta moral etc. entram em contradição com as relações existentes, isso só pode ocorrer pelo fato de terem as relações sociais existentes entrado em contradição com a força produtiva existente. Assim, num determinado círculo nacional de relações, isso pode ocorrer também porque a contradição se produz, não no interior dessa esfera nacional, mas entre esta consciência nacio nal e a prática das outras nações, isto é, entre a consciência nacional de uma nação e sua consciência universal. Outrossim, pouco importa o que a consciência empreende isoladamente; toda essa podridão só nos dá o seguinte resultado: que estes três momentos, a força produtiva, o estado social e a consciência, podem e devem entrar em conflito entre si, pois, através da divisão do trabalho, torna-se possível, ou melhor, torna-se efetivo que as atividades intelectual e material, que o gozo e o trabalho, a produção e a consumação caibam em partilha a indivíduos diferentes. Então a possibilidade desses momentos não entrarem em conflito reside unicamente no fato de se ter novamente abolido a divisão 5 A essa altura, Marx anotou na coluna da direita: “Coincide a primeira forma dos ideólogos, padres'1. 57 do trabalho. Também, é por si explicativo que “fantasmas”, “ralé”, “essência superior”, “conceito”, “dúvidas”, nada mais são que a expres são mental idealista, a representação aparentemente do indivíduo isolado, a representação de cadeias e de limites muito empíricos, no interior dos quais se movimentam a modalidade de produção da vida e a forma de relações que está a ela ligada. Esta divisão de trabalho, que implica em todas essas contradições e repousa, por sua vez, sobre a divisão natural do trabalho na família, e sobre a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas às outras, — esta divisão do trabalho implica, ao. mesmo tempo, na repartição do trabalho e de seus produtos, na distribuiçãodesigual tanto em. quantidade como em qualidade. Implica, portanto, na propriedade, cuja forma primeira, o germe, reside na família, onde a mulher e as crianças são os escravos do homem. A escravatura, naturalmente muito rudimentar e latente na família, é a primeira propriedade, que, aliás, já corresponde perfeitamente à definição dos economistas modernos, se gundo a qual ela é a livre disposição da força de trabalho de outrem. Igualmente, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas: enuncia-se, na primeira, em relação à atividade, aquilo que se enuncia e, na segunda, em relação ao produto da atividade. Além disso, a divisão do trabaího implica, ao mesmo tempo, na contradição entre o interesse do indivíduo singular, ou. da família sin gular, e o interesse coletivo de todos os indivíduos que mantêm relações entre si. E, o que é mais, esse interesse coletivo não existe somente, digamos, na representação, na qualidade de “universal”, mas antes como dependência recíproca dos indivíduos entre os quais o trabalho é divi dido. Finalmente, a divisão do trabalho nos oferece imediatamente o primeiro exemplo do seguinte fato: enquanto os homens se encontra rem na sociedade natural, portanto, enquanto existir cisão entre o interesse particular e o interesse comum, enquanto a atividade não for voluntária mas naturalmente dividida, o próprio ato do homem se trans forma em potência estrangeira que a ele se opõe e o avassala, ao invés de ser por ele dominado. Realmente, desde o instante em que o trabalho começa a ser repartido, cada um tem uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair. Seja ele caçador, pescador ou pastor ou crítico fazendo crítica, deverá perma necer como tal, se não desejar perder os seus meios de existência; enquanto na sociedade comunista, onde o indivíduo não tem uma esfera de atividade exclusiva, podendo se aperfeiçoar no ramo de sua prefe rência, a sociedade regulamenta a produção- geral, possibilitando assim 58 ao indivíduo que faça algo de diferente a cada dia, caçando pela manhã, pescando à tarde, criando gado à noite e fazendo crítica após as refei ções, segundo a sua própria vontade sem nunca se tornar caçador, pescador ou crítico. Esta fixação da atividade social, esta consolidação de nosso próprio produto numa potência objetiva que nos domina, fugindo ao. nosso controle, contrariando nossas expectativas, reduzindo a zero os nossos cálculos, é um dos momentos capitais no desenvolvimento histórico, até os nossos dias. É justamente esta contradição entre o interesse particular e o coletivo que conduz o interesse coletivo a tomar, na condição de Estado, uma forma independente, separada dos interesses reais do indi víduo e do conjunto e a fazer, ao mesmo tempo, figura de comunidade ilusória, embora sempre sobre a base concreta dos elos existentes em cada conglomerado de família e de tribo, como os laços de sangue, linguagem, divisão do trabalho em vasta escala e outros interesses. E dentre esses interesses encontramos, em particular, como desenvolvere mos mais tarde, os interesses de classes já determinadas pela divisão do trabalho, as quais se diferenciam em todo agrupamento desse gênero e das quais uma domina as outras. Conseqüentemente, todas as lutas no interior do Estado, a luta entre a democracia, a aristocracia e a monar quia, a luta pelo direito de voto etc., etc., nada mais são do que formas ilusórias, sob as quais são conduzidas as lutas efetivas das diferentes classes entre si (do que os teóricos alemães nem suspeitam, embora nesse sentido se lhes tenha amplamente mostrado o caminho nos Anais Franco-alemães e ri A Sagrada Família'). Por isso, ocorre, também, que toda classe que aspire ao domínio (ainda que esse domínio determine a abolição de toda a antiga forma social e domínio em geral, como no caso do proletariado), deve, portanto, esta classe conquistar antes o poder político, para representar, por sua vez, o seu próprio interesse como sendo o Universal, ao qual ela está restrita nos primeiros tempos. Precisamente porque os indivíduos só procuram o seu interesse parti cular (que para eles não coincide com o intéresse coletivo, não sendo o Universal, senão uma forma ilusória da coletividade), esse interesse é representado como um interesse que lhes é “estranho”, que é “inde pendente” deles, sendo ele próprio, por sua vez, um interesse “geral”, especial e particular ou, então, devem se defrontar eles mesmos nesse desacordo, como na democracia. Por outro lado, o combate prático desses interesses particulares, que constantemente se chocam realmente, em relação aos interesses coletivos e ilusoriamente coletivos, torna necessária a intervenção prática e o refreamento pelo interesse “geral” ilusório sob forma de Estado. 59 O poderio social, isto é, a força produtiva décupla, nascida da cooperação dos diversos, indivíduos, condicionada pela divisão do tra balho, não aparece a esses indivíduos como a sua própria força na união, porque essa própria cooperação não é voluntária, mas natural. Ela lhes parece, ao contrário, como uma força estranha, situada fora deles,- da qual não sabem nem de onde vem nem para onde vai, a qual, portanto, não podem mais dominar e que, inversamente, percorre agora uma sequência particular de fases e de estágios de desenvolvimento tão independente da vontade e da marcha da humanidade que na verdade dirige esta vontade e esta marcha da humanidade. Para que esta “alie nação” seja inteligível aos filósofos, ela precis^ naturalmente, ser abolida sob duas condições práticas, Para que se torne uma força “insuportável”, isto é, uma força contra a qual se faz a revolução, é necessário que tenha feito da massa da humanidade uma massa total mente “privada de propriedade”, que se acha simultaneamente em contradição a um mundo existente da riqueza e da cultura, coisas que supõem um grande aumento da força produtiva, isto é, um estágio elevado do seu desenvolvimento. Por outro lado, esse desenvolvimento das forças produtivas (que já implica em que a existência empírica atual dos homens se desenrole sobre o platio da história mundial, ao invés de se desenrolar sobre aquele da vida local), esse desenvolvimento das for ças produtivas é uma condição prática prévia absolutamente indispensá vel, pois sem ele haveria a penúria geral, a carência, e a luta pelo neces sário que recomeçaria, recaindo-se fatalmente na mesma velha imundície. É igualmente uma condição prática sine qua non, porque as relações universais do gênero humano podem ser estabelecidas unicamente atra vés desse desenvolvimento universal das forças produtivas e porque este gera o fenômeno da massa “privada de propriedade”, simultaneamente em todos os países (concorrência universal) tornando cada um deles dependente dos transtornos dos outros e colocando, finalmente, homens empiricamente universais, históricos, no lugar dos indivíduos vivendo num plano local. Sem isso: l.°) o comunismo só poderia existir como fenôme no local; 2.°) as forças das próprias relações humanas não teriam podido se desenvolver como forças universais e, portanto, inexoráveis, e teriam permanecido como “circunstâncias” decorrentes das superstições locais; e 3.°) qualquer extensão das relações humanas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível como o ato “repenti no” e simultâneo dos povos dominantes, o que supõe, por sua vez, o desenvolvimento universal da força produtiva e as relações universais estreitamente ligadas ao comunismo. De outra forma, por exemplo, de que maneira .poderia a propriedade, no final das contas, .ter uma história, 58 ao indivíduo que faça algo de diferente a cada dia, caçando pela manhã, pescando à tarde, criando gado à noite e fazendo crítica após as refei ções, segundo a sua própria vontade sem nunca se tornar caçador, pescador ou crítico. Esta fixação da atividade social, esta consolidação denosso próprio produto numa potência objetiva que nos domina, fugindo ao. nosso controle, contrariando nossas expectativas, reduzindo a zero os nossos cálculos, é um dos momentos capitais no desenvolvimento histórico, até os nossos dias. É justamente esta contradição entre o interesse particular e o coletivo que conduz o interesse coletivo a tomar, na condição de Estado, uma forma independente, separada dos interesses reais do indi víduo e do conjunto e a fazer, ao mesmo tempo, figura de comunidade ilusória, embora sempre sobre a base concreta dos elos existentes em cada conglomerado de família e de tribo, como os laços de sangue, linguagem, divisão do trabalho em vasta escala e outros interesses. E dentre esses interesses encontramos, em particular, como desenvolvere mos mais tarde, os interesses de classes já determinadas pela divisão do trabalho, as quais se diferenciam em todo agrupamento desse gênero e das quais uma domina as outras. Conseqüentemente, todas as lutas no interior do Estado, a luta entre a democracia, a aristocracia e a monar quia, a luta pelo direito de voto etc., etc., nada mais são do que formas ilusórias, sob as quais são conduzidas as lutas efetivas das diferentes classes entre si (do que os teóricos alemães nem suspeitam, embora nesse sentido se lhes tenha amplamente mostrado o caminho nos Anais Franco-alemães e ri A Sagrada Família'). Por isso, ocorre, também, que toda classe que aspire ao domínio (ainda que esse domínio determine a abolição de toda a antiga forma social e domínio em geral, como no caso do proletariado), deve, portanto, esta classe conquistar antes o poder político, para representar, por sua vez, o seu próprio interesse como sendo o Universal, ao qual ela está restrita nos primeiros tempos. Precisamente porque os indivíduos só procuram o seu interesse parti cular (que para eles não coincide com o intéresse coletivo, não sendo o Universal, senão uma forma ilusória da coletividade), esse interesse é representado como um interesse que lhes é “estranho”, que é “inde pendente” deles, sendo ele próprio, por sua vez, um interesse “geral”, especial e particular ou, então, devem se defrontar eles mesmos nesse desacordo, como na democracia. Por outro lado, o combate prático desses interesses particulares, que constantemente se chocam realmente, em relação aos interesses coletivos e ilusoriamente coletivos, torna necessária a intervenção prática e o refreamento pelo interesse “geral” ilusório sob forma de Estado. 59 O poderio social, isto é, a força produtiva décupla, nascida da cooperação dos diversos, indivíduos, condicionada pela divisão do tra balho, não aparece a esses indivíduos como a sua própria força na união, porque essa própria cooperação não é voluntária, mas natural. Ela lhes parece, ao contrário, como uma força estranha, situada fora deles,- da qual não sabem nem de onde vem nem para onde vai, a qual, portanto, não podem mais dominar e que, inversamente, percorre agora uma sequência particular de fases e de estágios de desenvolvimento tão independente da vontade e da marcha da humanidade que na verdade dirige esta vontade e esta marcha da humanidade. Para que esta “alie nação” seja inteligível aos filósofos, ela precis^ naturalmente, ser abolida sob duas condições práticas, Para que se torne uma força “insuportável”, isto é, uma força contra a qual se faz a revolução, é necessário que tenha feito da massa da humanidade uma massa total mente “privada de propriedade”, que se acha simultaneamente em contradição a um mundo existente da riqueza e da cultura, coisas que supõem um grande aumento da força produtiva, isto é, um estágio elevado do seu desenvolvimento. Por outro lado, esse desenvolvimento das forças produtivas (que já implica em que a existência empírica atual dos homens se desenrole sobre o platio da história mundial, ao invés de se desenrolar sobre aquele da vida local), esse desenvolvimento das for ças produtivas é uma condição prática prévia absolutamente indispensá vel, pois sem ele haveria a penúria geral, a carência, e a luta pelo neces sário que recomeçaria, recaindo-se fatalmente na mesma velha imundície. É igualmente uma condição prática sine qua non, porque as relações universais do gênero humano podem ser estabelecidas unicamente atra vés desse desenvolvimento universal das forças produtivas e porque este gera o fenômeno da massa “privada de propriedade”, simultaneamente em todos os países (concorrência universal) tornando cada um deles dependente dos transtornos dos outros e colocando, finalmente, homens empiricamente universais, históricos, no lugar dos indivíduos vivendo num plano local. Sem isso: l.°) o comunismo só poderia existir como fenôme no local; 2.°) as forças das próprias relações humanas não teriam podido se desenvolver como forças universais e, portanto, inexoráveis, e teriam permanecido como “circunstâncias” decorrentes das superstições locais; e 3.°) qualquer extensão das relações humanas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível como o ato “repenti no” e simultâneo dos povos dominantes, o que supõe, por sua vez, o desenvolvimento universal da força produtiva e as relações universais estreitamente ligadas ao comunismo. De outra forma, por exemplo, de que maneira .poderia a propriedade, no final das contas, .ter uma história, 60 tomar diferentes formas? Como, digamos, teria a propriedade rural podido, nas condições adversas que se apresentaram, passar na França, do desmembramento à centralização, nas mãos de uns poucos; e, na Inglaterra, da centralização nas mãos de uns poucos ao desmembra mento, como é hoje efetivamente o caso? Ou então, como se explica o fato de o comércio, que no entanto representa a troca dos produtos dos indivíduos e de nações diferentes e nada além disso, dominar o mundo inteiro através da relação da oferta e procura (relação que, segundo um economista inglês, paira sobre a terra como a antiga fatalidade e distribui através de mão invisível a felicidade e a infelicidade entre os homens, funda impérios, destrói impérios, faz povos nascerem e desaparecerem). Uma vez abolida a base, a propriedade privada, e instaurada a regulamentação comunista da produção, que abole no homem o sentimento de estar diante do seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da relação da oferta e da procura é reduzida a zero e os homens retomam o seu poder, o intercâmbio, a produção, a sua modalidade de comportamento uns face aos outros. O comunismo não é para nós um estado que deve ser criado, um ideal segundo o qual a realidade deve se regular. Nós chamamos comunismo o movimento real que abole o estado atual. As condições desse movimento resultam de bases atualmente existentes. Outrossim, a massa de simples trabalhadores (força de trabalho separada em massa do capital ou de toda espécie de satisfação limitada) e também a perda de trabalho, através da concorrência, e não mais a título temporário, tem como base prévia o mercado mundial, O proletariado só pode, portanto, existir na escala da história universal, da mesma forma que o comunismo, que é a ação, não pode absolutamente existir de outra forma que a de “existência histórica universal”. Existência histórica universal dos indivíduos, em outras palavras, existência diretamente ligada à história universal. A forma das relações humanas, condicionada pelas forças de pro dução existentes em todos os estágios históricos que precedem o nosso, e condicionando-os por sua vez, é a sociedade burguesa que, como ele, já resulta daquilo que o precede, tem como condição prévia e base fundamental a família simples e a família composta, o que se denomina tribo, cujas definições mais precisas já foram dadas acima. Já é, portanto, evidente que esta sociedade burguesa é o verdadeiro lar, verdadeiro teatro de toda história e vê-se a que ponto a concepção passada da história era um não-senso,'negligenciando as relações reaise limitando-se aos grandes e estrondosos acontecimentos históricos 'e 61 políticos. A sociedade burguesa reúne o conjunto das relações materiais dos indivíduos, em um estágio de desenvolvimento determinado das forças produtivas.. Ela abrange o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e ultrapassa por esse mesmo meio o Estado e a nação, embora deva, por outro lado, afirmar-se exteriormente como nacionali dade e organizar-se internamente como Estado. O termo sociedade burguesa apareceu no século XVIII, a partir do momento em que as relações de propriedade foram desligadas da comunidade antiga e medieval. A sociedade burguesa como tal só se desenvolve com a burguesia. Todavia, a organização social nascida diretamente da pro dução e do comércio, e que forma em todos os temços a base do Estado e do resto da superestrutura idealista, continua a ser designada sob o mesmo nome. 60 tomar diferentes formas? Como, digamos, teria a propriedade rural podido, nas condições adversas que se apresentaram, passar na França, do desmembramento à centralização, nas mãos de uns poucos; e, na Inglaterra, da centralização nas mãos de uns poucos ao desmembra mento, como é hoje efetivamente o caso? Ou então, como se explica o fato de o comércio, que no entanto representa a troca dos produtos dos indivíduos e de nações diferentes e nada além disso, dominar o mundo inteiro através da relação da oferta e procura (relação que, segundo um economista inglês, paira sobre a terra como a antiga fatalidade e distribui através de mão invisível a felicidade e a infelicidade entre os homens, funda impérios, destrói impérios, faz povos nascerem e desaparecerem). Uma vez abolida a base, a propriedade privada, e instaurada a regulamentação comunista da produção, que abole no homem o sentimento de estar diante do seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da relação da oferta e da procura é reduzida a zero e os homens retomam o seu poder, o intercâmbio, a produção, a sua modalidade de comportamento uns face aos outros. O comunismo não é para nós um estado que deve ser criado, um ideal segundo o qual a realidade deve se regular. Nós chamamos comunismo o movimento real que abole o estado atual. As condições desse movimento resultam de bases atualmente existentes. Outrossim, a massa de simples trabalhadores (força de trabalho separada em massa do capital ou de toda espécie de satisfação limitada) e também a perda de trabalho, através da concorrência, e não mais a título temporário, tem como base prévia o mercado mundial, O proletariado só pode, portanto, existir na escala da história universal, da mesma forma que o comunismo, que é a ação, não pode absolutamente existir de outra forma que a de “existência histórica universal”. Existência histórica universal dos indivíduos, em outras palavras, existência diretamente ligada à história universal. A forma das relações humanas, condicionada pelas forças de pro dução existentes em todos os estágios históricos que precedem o nosso, e condicionando-os por sua vez, é a sociedade burguesa que, como ele, já resulta daquilo que o precede, tem como condição prévia e base fundamental a família simples e a família composta, o que se denomina tribo, cujas definições mais precisas já foram dadas acima. Já é, portanto, evidente que esta sociedade burguesa é o verdadeiro lar, verdadeiro teatro de toda história e vê-se a que ponto a concepção passada da história era um não-senso,'negligenciando as relações reais e limitando-se aos grandes e estrondosos acontecimentos históricos 'e 61 políticos. A sociedade burguesa reúne o conjunto das relações materiais dos indivíduos, em um estágio de desenvolvimento determinado das forças produtivas.. Ela abrange o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e ultrapassa por esse mesmo meio o Estado e a nação, embora deva, por outro lado, afirmar-se exteriormente como nacionali dade e organizar-se internamente como Estado. O termo sociedade burguesa apareceu no século XVIII, a partir do momento em que as relações de propriedade foram desligadas da comunidade antiga e medieval. A sociedade burguesa como tal só se desenvolve com a burguesia. Todavia, a organização social nascida diretamente da pro dução e do comércio, e que forma em todos os temços a base do Estado e do resto da superestrutura idealista, continua a ser designada sob o mesmo nome. 2. CONDIÇÕES HISTÓRICAS DA REPRODUÇÃO SOCIAL * Quando estudamos um país determinado, do ponto de vista da economia política, começamos por sua população, a divisão desta em classes, seu estabelecimento nas cidades, nos campos, na orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a pro dução e o consumo anuais, os preços das mercadorias etc. Parece mais correto começar pelo que há de concreto e real nos dados; assim, pois, na economia, pela população, que é a base e sujeito de todo o ato social da produção. Todavia, bem analisado, este método seria falso. A população é uma abstração se deixo de lado as classes que a compõem. Estas classes são, por sua vez, uma palavra sem sentido se ignoro os elementos sobre os quais repousam, por exemplo: o trabalho assalaria do, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por exemplo, não é nada sem trabalho assalariado, sem valor, dinheiro, preços etc. Se começasse, portanto, pela população, elaboraria uma representação caótica do todo e, por meio de uma determinação mais estrita, chegaria analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples; do concreto representado chegaria a abstrações cada vez mais tênues, até alcançar as determinações mais simples. Che gado a este ponto, teria que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma re presentação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia política. Os econo mistas do século XVII, por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc., mas terminam sempre por descobrir, por meio da análise, certo número de relações * Reproduzido de Marx,. K. “Posfácio.” In: Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. por Florestan Fernandes, São Pavio, Ed. Flama, 1946. p. 219-31. 63 gerais abstratas que são determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Estes elementos isolados, uma vez que são mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do simples, tal como Trabalho, Divisão do Trabalho, Necessidade, Valor de Troca, até o Estado, a Troca entre as Nações e o Mercado Universal. O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida também da percepção e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se na determina ção abstrata; no segundo, as determinações abstratas conduzem à repro dução do concreto por meio do pensamento. Assim, é que Hegel chegou à ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se absorve em sl, procede de si, move-se por si; enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato' aó~ concreto 'não e' senão "a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo mentalmente como coisa concreta. Porém isto não é, de nenhum modo, o processo da gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população que produz em determinadas condições e também certo tipo de famílias, de comunidadesou Estados. Tal valor nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral- -abstrata de um todo concreto e vivo já determinado. Como categoria, ao contrário, o valor de troca leva consigo uma existência antediluviana. Para a consciência — e a consciência filosó fica é determinada de tal modo que, para ela, o pensamento que concebe é o homem real, e o mundo concebido é, como tal, o único mundo real — para a consciência, pois, o movimento das categorias aparece como o verdadeiro ato de produção — que apenas recebe um impulso do exterior -—■ cujo resultado é o mundo, e isto é exato porque (aqui temos de novo uma tautologia) a totalidade concreta, como totalidade de pensamento, como uma concreção de pensamento, é, na realidade, um produto do pensar, do conceber; não é de nenhum modo o produto do conceito que se engendra a si mesmo e que concebe separadamente e acima da percepção e da representação, mas é elaboração da percep ção e da representação em conceitos. O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo mental, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo da única maneira em que o pode fazer, maneira que difere do modo artístico, religioso e prático de se apropriar dele. O 2. CONDIÇÕES HISTÓRICAS DA REPRODUÇÃO SOCIAL * Quando estudamos um país determinado, do ponto de vista da economia política, começamos por sua população, a divisão desta em classes, seu estabelecimento nas cidades, nos campos, na orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a pro dução e o consumo anuais, os preços das mercadorias etc. Parece mais correto começar pelo que há de concreto e real nos dados; assim, pois, na economia, pela população, que é a base e sujeito de todo o ato social da produção. Todavia, bem analisado, este método seria falso. A população é uma abstração se deixo de lado as classes que a compõem. Estas classes são, por sua vez, uma palavra sem sentido se ignoro os elementos sobre os quais repousam, por exemplo: o trabalho assalaria do, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por exemplo, não é nada sem trabalho assalariado, sem valor, dinheiro, preços etc. Se começasse, portanto, pela população, elaboraria uma representação caótica do todo e, por meio de uma determinação mais estrita, chegaria analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples; do concreto representado chegaria a abstrações cada vez mais tênues, até alcançar as determinações mais simples. Che gado a este ponto, teria que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma re presentação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia política. Os econo mistas do século XVII, por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc., mas terminam sempre por descobrir, por meio da análise, certo número de relações * Reproduzido de Marx,. K. “Posfácio.” In: Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. por Florestan Fernandes, São Pavio, Ed. Flama, 1946. p. 219-31. 63 gerais abstratas que são determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Estes elementos isolados, uma vez que são mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do simples, tal como Trabalho, Divisão do Trabalho, Necessidade, Valor de Troca, até o Estado, a Troca entre as Nações e o Mercado Universal. O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida também da percepção e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se na determina ção abstrata; no segundo, as determinações abstratas conduzem à repro dução do concreto por meio do pensamento. Assim, é que Hegel chegou à ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se absorve em sl, procede de si, move-se por si; enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato' aó~ concreto 'não e' senão "a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo mentalmente como coisa concreta. Porém isto não é, de nenhum modo, o processo da gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população que produz em determinadas condições e também certo tipo de famílias, de comunidades ou Estados. Tal valor nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral- -abstrata de um todo concreto e vivo já determinado. Como categoria, ao contrário, o valor de troca leva consigo uma existência antediluviana. Para a consciência — e a consciência filosó fica é determinada de tal modo que, para ela, o pensamento que concebe é o homem real, e o mundo concebido é, como tal, o único mundo real — para a consciência, pois, o movimento das categorias aparece como o verdadeiro ato de produção — que apenas recebe um impulso do exterior -—■ cujo resultado é o mundo, e isto é exato porque (aqui temos de novo uma tautologia) a totalidade concreta, como totalidade de pensamento, como uma concreção de pensamento, é, na realidade, um produto do pensar, do conceber; não é de nenhum modo o produto do conceito que se engendra a si mesmo e que concebe separadamente e acima da percepção e da representação, mas é elaboração da percep ção e da representação em conceitos. O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo mental, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo da única maneira em que o pode fazer, maneira que difere do modo artístico, religioso e prático de se apropriar dele. O 64 objeto concreto permanece em pé antes e depois, em sua independência e fora do cérebro ao mesmo tempo, isto é, o cérebro não se comporta senão especulativamente, teoricamente. No método também teórico [da economia política], o objeto — a sociedade — deve, pois, achar-se sempre presente ao espírito, como pressuposição. Porém, estas categorias simples não têm também uma existência independente, histórica ou natural, anterior às categorias mais concre tas? Ça depend. 1 Hegel, por exemplo, começa corretamente sua Rechtsphilosophie pela posse, como a mais simples relação jurídica do sujeito. Todavia, não existe posse anterior à família e às relações entre senhores e escravos, que são relações muito mais concretas ainda. Como compensação, seria justo dizer que existem famílias, tribos, que se limitam a possuir, mas não têm propriedade. A categoria mais sim ples aparece, pois, como relação de comunidades de famílias ou de tribos com a propriedade. Na sociedade primitiva aparece como a relação mais simples de um organismo desenvolvido, mas subentende-se sempre o substrato mais concreto, cuja relação é a posse. Pode-se imaginar um selvagem isolado que possua coisas. Mas neste caso a posse não é uma relação jurídica. Não é exato que‘ a posse evolua historicamente até a família. A posse sempre pressupõe esta “categoria jurídica mais concreta”. Entre tanto, restaria sempre o seguinte: as categorias simples são a expressão de relações nas quais o concreto menos desenvolvido tem podido se realizar sem haver estabelecido ainda a relação mais complexa, que se acha expressa mentalmente na categoria concreta, enquanto o concreto mais desenvolvido conserva a mesma categoria • como uma relação subordinada. O dinheiro pode existir, e existiu historicamente, antes que exis tisse o capital, antes que existissem os Bancos, antes que existisse o trabalho assalariado. Deste ponto de vista pode-se dizer que a categoria simplespode exprimir relações dominantes de um todo pouco desenvol vido ainda, relações que já existiam antes que o todo tivesse se desenvolvido na direção que é expressa em uma categoria mais completa. Neste sentido, as leis do pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo, correspondem ao processo histórico real. De outro lado, pode-se dizer que há formas de sociedade muito desenvolvidas, embora historicamente não tenham atingido ainda sua 1 Em francês, no original. 65 maturidade, nas quais se encontram as formas mais elevadas da econo mia, tais como a cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida, sem que exista nelas o dinheiro; o Peru, por exemplo. Também nas comunidades eslavas o dinheiro e a troca que o condiciona desempenham um papel insignificante ou nulo, mas apare cem em suas fronteiras, nas suas relações com as outras comunidades. Além disso, é um erro situar a troca no interior das comunidades como elemento que as constitui originariamente. A princípio surge antes nas relações recíprocas entre as distintas comunidades do que nas relações entre os membros de uma mesma e única comunidade. Além disso, embora o dinheiro tenha desempenhado oportunamen te, e por toda parte, desde os antigos, um papel como elemento domi nante, não aparece na Antiguidade senão em nações desenvolvidas unilateralmente em determinado sentido, e ainda na Antiguidade mais culta, entre os gregos e os romanos, não atinge seu completo desenvol vimento, supondo completo o da moderna sociedade burguesa, senão no período de dissolução. Esta simplíssima categoria alcança historica mente, portanto, seu ponto culminante somente nas condições mais desenvolvidas da sociedade. E o dinheiro não entrava (?)> de nenhum modo, em todas as relações econômicas; assim, no Império Romano, na época de seu perfeito desenvolvimento, permaneceram como funda mentais o imposto e o empréstimo em frutos naturais. O sistema do dinheiro, propriamente falando, encontrava-se ali completamente desen volvido unicamente no exército, e não tinha participação na totalidade do trabalho. De modo que, embora a categoria mais simples tenha podido existir historicamente antes que a mais concreta, não pode precisamente pertencer em seu. pleno desenvolvimento, interno e externo, senão a formações sociais compostas (?), enquanto que a categoria mais con creta se achava plenamente desenvolvida em. uma forma de sociedade menos avançada. O trabalho é uma categoria inteiramente simples. E também, a concepção do trabalho neste sentido geral — como trabalho em geral __ é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente sob esta simplicidade, o trabalho é uma categoria tão moderna como o são as condições que engendram, esta abstração. Por exemplo, o sistema mo netário coloc.a a riqueza sem exceção objetivamente ainda no - Há duas palavras indecifráveis. 64 objeto concreto permanece em pé antes e depois, em sua independência e fora do cérebro ao mesmo tempo, isto é, o cérebro não se comporta senão especulativamente, teoricamente. No método também teórico [da economia política], o objeto — a sociedade — deve, pois, achar-se sempre presente ao espírito, como pressuposição. Porém, estas categorias simples não têm também uma existência independente, histórica ou natural, anterior às categorias mais concre tas? Ça depend. 1 Hegel, por exemplo, começa corretamente sua Rechtsphilosophie pela posse, como a mais simples relação jurídica do sujeito. Todavia, não existe posse anterior à família e às relações entre senhores e escravos, que são relações muito mais concretas ainda. Como compensação, seria justo dizer que existem famílias, tribos, que se limitam a possuir, mas não têm propriedade. A categoria mais sim ples aparece, pois, como relação de comunidades de famílias ou de tribos com a propriedade. Na sociedade primitiva aparece como a relação mais simples de um organismo desenvolvido, mas subentende-se sempre o substrato mais concreto, cuja relação é a posse. Pode-se imaginar um selvagem isolado que possua coisas. Mas neste caso a posse não é uma relação jurídica. Não é exato que‘ a posse evolua historicamente até a família. A posse sempre pressupõe esta “categoria jurídica mais concreta”. Entre tanto, restaria sempre o seguinte: as categorias simples são a expressão de relações nas quais o concreto menos desenvolvido tem podido se realizar sem haver estabelecido ainda a relação mais complexa, que se acha expressa mentalmente na categoria concreta, enquanto o concreto mais desenvolvido conserva a mesma categoria • como uma relação subordinada. O dinheiro pode existir, e existiu historicamente, antes que exis tisse o capital, antes que existissem os Bancos, antes que existisse o trabalho assalariado. Deste ponto de vista pode-se dizer que a categoria simples pode exprimir relações dominantes de um todo pouco desenvol vido ainda, relações que já existiam antes que o todo tivesse se desenvolvido na direção que é expressa em uma categoria mais completa. Neste sentido, as leis do pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo, correspondem ao processo histórico real. De outro lado, pode-se dizer que há formas de sociedade muito desenvolvidas, embora historicamente não tenham atingido ainda sua 1 Em francês, no original. 65 maturidade, nas quais se encontram as formas mais elevadas da econo mia, tais como a cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida, sem que exista nelas o dinheiro; o Peru, por exemplo. Também nas comunidades eslavas o dinheiro e a troca que o condiciona desempenham um papel insignificante ou nulo, mas apare cem em suas fronteiras, nas suas relações com as outras comunidades. Além disso, é um erro situar a troca no interior das comunidades como elemento que as constitui originariamente. A princípio surge antes nas relações recíprocas entre as distintas comunidades do que nas relações entre os membros de uma mesma e única comunidade. Além disso, embora o dinheiro tenha desempenhado oportunamen te, e por toda parte, desde os antigos, um papel como elemento domi nante, não aparece na Antiguidade senão em nações desenvolvidas unilateralmente em determinado sentido, e ainda na Antiguidade mais culta, entre os gregos e os romanos, não atinge seu completo desenvol vimento, supondo completo o da moderna sociedade burguesa, senão no período de dissolução. Esta simplíssima categoria alcança historica mente, portanto, seu ponto culminante somente nas condições mais desenvolvidas da sociedade. E o dinheiro não entrava (?)> de nenhum modo, em todas as relações econômicas; assim, no Império Romano, na época de seu perfeito desenvolvimento, permaneceram como funda mentais o imposto e o empréstimo em frutos naturais. O sistema do dinheiro, propriamente falando, encontrava-se ali completamente desen volvido unicamente no exército, e não tinha participação na totalidade do trabalho. De modo que, embora a categoria mais simples tenha podido existir historicamente antes que a mais concreta, não pode precisamente pertencer em seu. pleno desenvolvimento, interno e externo, senão a formações sociais compostas (?), enquanto que a categoria mais con creta se achava plenamente desenvolvida em. uma forma de sociedade menos avançada. O trabalho é uma categoria inteiramente simples. E também, a concepção do trabalho neste sentido geral — como trabalho em geral __ é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente sob esta simplicidade, o trabalho é uma categoria tão moderna como o são as condições que engendram, esta abstração. Por exemplo, o sistema mo netário coloc.a a riqueza sem exceção objetivamente ainda no - Há duas palavras indecifráveis. 66 dinheiro. Deste ponto de vista, houve um grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou, o manancial da riqueza não no objeto, mas na atividade subjetiva ■— o trabalho comercial e manufatureiro. Contudo, concebia-a ainda no sentido restrito de uma atividadeprodutora de dinheiro. Em relação com este sistema, o dos fisiocratas (um novo progresso) é assim: estabelece uma forma determi nada de trabalho — a agricultura —- como criadora de riqueza, e o próprio objeto não aparece já sob o disfarce do dinheiro, mas como produto em geral, como resultado geral do trabalho. Mas este produto, de conformidade com. as limitações da atividade, é sempre um produto natural. A agricultura produz a terra, produz par excellence. 8 Pro grediu-se imensamente quando Adam Smith repeliu todo caráter deter minado da atividade-que^cqa a riqueza, quando [estabeleceu] o trabalho simplesmente;' não o trabalho manufatureiro, não o comercial, não o agrícola, mas tanto uns quanto os outros. Com a generalidade abstrata da atividade qúe cria a riqueza, temos agora a generalidade do objeto determinado como riqueza, o produto em geral ou, uma vez mais, o trabalho em geral, mas como trabalho passado realizado. A dificuldade e importância desta transição prova-o o fato de que o próprio Adam Smith torna a cair, de quando em quando, no sistema fisiocrático. Poderia parecer agora que, deste modo, se teria encontrado unicamente a expressão abstrata da relação mais simples e mais antiga em que entram os homens — em qualquer forma de sociedade — enquanto são produtores. Isto é certo em um sentido. Mas não em outro. A indiferença em relação a um gênero determinado de trabalho pressupõe uma totalidade muito desenvolvida de gêneros de trabalhos reais, nenhum, dos quais domina os demais. Tampouco se produzem as abstrações mais gerais senão onde existe o desenvolvimento concreto mais rico, onde uma coisa aparece como comum a muitos indivíduos, comum a todos. Então já não pode ser imaginada somente sob uma forma particular. De outro lado, esta abstração do trabalho em geral não é mais que o resultado de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos podem passar com facilidade de um trabalho a outro e na qual o gênero determinado de trabalho é fortuito, e, portanto, é-lhes indiferente. Neste caso o trabalho se tem convertido, não só categoricamente, mas realmente em um meio de produzir riqueza em geral, deixando de se confundir com o indivíduo « Em francês, no original. 67 como um objetivo especial. Este estado de coisas é o mais desenvolvido na forma de existência mais moderna da sociedade burguesa — nos Estados Unidos. Assim, pois, neste caso, a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho sans phrase, •' ponto de par tida da economia moderna, torna-se, pela primeira vez, praticamente certa. De modo que a abstração mais simples, que coloca em primeiro lugar a economia moderna e que expressa uma relação antiga e válida para todas as formas de sociedade, não aparece, entretanto, como prati camente certa nesta abstração senão como categoria da mais moderna sociedade. Poder-se-ia dizer que tudo o que surge nos Estados Unidos como um produto histórico ocorre entre os russos, por exemplo — trata-se desta indiferença em relação ao trabalho determinado — como uma disposição natural. Em primeiro lugar, há uma diferença enorme entre os bárbaros aptos para serem empregados em qualquer coisa e civilizados que se dedicam eles próprios a tudo. E, além disso, praticamente, a esta indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde, nos russos, o fato de que se encontram submetidos tradi cionalmente a um trabalho bem determinado, do qual só as influências exteriores podem arrancá-los. Este exemplo mostra, de uma maneira clara, como até as categorias mais abstratas, apesar de sua validade — precisamente por causa de sua natureza abstrata — para todas as épocas, são, contudo, no que há de determinado nesta abstração, do mesmo modo, o produto de condições históricas, e não possuem plena validez senão para estas condições e dentro dos limites destas mesmas condições. A sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais desenvolvida, mais diferenciada. As categorias que exprimem suas condições, a compreensão de sua própria organização, a tornam apta para abarcar a organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva arras tando, enquanto que tudo o que fora antes apenas indicado se desen volveu, tomando toda sua significação etc. A anatomia do homem é a chave da anatomia do mono. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior, não pode, ao contrário, ser compreendida senão quando se conhece a forma superior. A economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc. Porém, não conforme o método dos economistas, que fazem- desaparecer todas as diferenças 4 Em francês, no original. 66 dinheiro. Deste ponto de vista, houve um grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou, o manancial da riqueza não no objeto, mas na atividade subjetiva ■— o trabalho comercial e manufatureiro. Contudo, concebia-a ainda no sentido restrito de uma atividade produtora de dinheiro. Em relação com este sistema, o dos fisiocratas (um novo progresso) é assim: estabelece uma forma determi nada de trabalho — a agricultura —- como criadora de riqueza, e o próprio objeto não aparece já sob o disfarce do dinheiro, mas como produto em geral, como resultado geral do trabalho. Mas este produto, de conformidade com. as limitações da atividade, é sempre um produto natural. A agricultura produz a terra, produz par excellence. 8 Pro grediu-se imensamente quando Adam Smith repeliu todo caráter deter minado da atividade-que^cqa a riqueza, quando [estabeleceu] o trabalho simplesmente;' não o trabalho manufatureiro, não o comercial, não o agrícola, mas tanto uns quanto os outros. Com a generalidade abstrata da atividade qúe cria a riqueza, temos agora a generalidade do objeto determinado como riqueza, o produto em geral ou, uma vez mais, o trabalho em geral, mas como trabalho passado realizado. A dificuldade e importância desta transição prova-o o fato de que o próprio Adam Smith torna a cair, de quando em quando, no sistema fisiocrático. Poderia parecer agora que, deste modo, se teria encontrado unicamente a expressão abstrata da relação mais simples e mais antiga em que entram os homens — em qualquer forma de sociedade — enquanto são produtores. Isto é certo em um sentido. Mas não em outro. A indiferença em relação a um gênero determinado de trabalho pressupõe uma totalidade muito desenvolvida de gêneros de trabalhos reais, nenhum, dos quais domina os demais. Tampouco se produzem as abstrações mais gerais senão onde existe o desenvolvimento concreto mais rico, onde uma coisa aparece como comum a muitos indivíduos, comum a todos. Então já não pode ser imaginada somente sob uma forma particular. De outro lado, esta abstração do trabalho em geral não é mais que o resultado de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos podem passar com facilidade de um trabalho a outro e na qual o gênero determinado de trabalho é fortuito, e, portanto, é-lhes indiferente. Neste caso o trabalho se tem convertido, não só categoricamente, mas realmente em um meio de produzir riqueza em geral, deixando de se confundir com o indivíduo « Em francês, no original. 67 como um objetivo especial. Este estado de coisas é o mais desenvolvido na forma de existência mais moderna da sociedade burguesa — nos Estados Unidos. Assim, pois, neste caso, a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho sans phrase, •' ponto de par tida da economia moderna, torna-se, pela primeira vez, praticamente certa. De modo que a abstração mais simples, que coloca em primeiro lugar a economia moderna e que expressa uma relação antiga e válida para todas as formas desociedade, não aparece, entretanto, como prati camente certa nesta abstração senão como categoria da mais moderna sociedade. Poder-se-ia dizer que tudo o que surge nos Estados Unidos como um produto histórico ocorre entre os russos, por exemplo — trata-se desta indiferença em relação ao trabalho determinado — como uma disposição natural. Em primeiro lugar, há uma diferença enorme entre os bárbaros aptos para serem empregados em qualquer coisa e civilizados que se dedicam eles próprios a tudo. E, além disso, praticamente, a esta indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde, nos russos, o fato de que se encontram submetidos tradi cionalmente a um trabalho bem determinado, do qual só as influências exteriores podem arrancá-los. Este exemplo mostra, de uma maneira clara, como até as categorias mais abstratas, apesar de sua validade — precisamente por causa de sua natureza abstrata — para todas as épocas, são, contudo, no que há de determinado nesta abstração, do mesmo modo, o produto de condições históricas, e não possuem plena validez senão para estas condições e dentro dos limites destas mesmas condições. A sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais desenvolvida, mais diferenciada. As categorias que exprimem suas condições, a compreensão de sua própria organização, a tornam apta para abarcar a organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva arras tando, enquanto que tudo o que fora antes apenas indicado se desen volveu, tomando toda sua significação etc. A anatomia do homem é a chave da anatomia do mono. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior, não pode, ao contrário, ser compreendida senão quando se conhece a forma superior. A economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc. Porém, não conforme o método dos economistas, que fazem- desaparecer todas as diferenças 4 Em francês, no original. 68 históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda territorial. Mas, não se deve identificá-los. Como, além disso, a sociedade burguesa não é, em si, mais do que uma forma antagônica do desenvolvimento, certas relações perten centes a formas anteriores nela só poderão ser novamente encontradas completamente esmaecidas ou mesmo disfarçadas; por exemplo, a pro priedade comunal. Se é certo, portanto, que as categorias da economia burguesa ocorrem em todas as demais formas de sociedade não se deve tomar isto senão cum grano salis. Podem ser contidas, desenvolvidas, esmaecidas, caricaturadas, mas sempre essencialmente distintas. A chamada evolução histórica descansa em geral no fato de que a última forma considera as formas ultrapassadas como graus que conduzem a ela, sendo capaz de criticar-se a si mesma alguma vez, e somente em condições muito determinadas ■— aqui não se trata, é óbvio, desses períodos históricos que se descobrem a si próprios — inclusive como tempos de decadência. A religião cristã não pôde ajudar a tomar compreensível, de uma maneira objetiva, as mitologias anteriores senão quando sua crítica de si mesma esteve, até certo ponto, dynameii isto é, acabada. Deste modo, a economia burguesa só chegou a compreender a sociedade feudal, antiga, oriental, quando a sociedade burguesa come çou a criticar-se a si mesma. Precisamente porque a economia burguesa não prestou atenção à mitologia e não se identificou simplesmente com o passado, sua crítica da [sociedade] anterior, especialmente da feudal, com a qual ainda tinha que lutar diretamente, se assemelhou à crítica que o cristianismo fez do paganismo ou o protestantismo do catolicismo. Quando se estuda a marcha das categorias econômicas e, em geral, qualquer ciência social histórica, sempre convém recordar que o sujeito — a sociedade burguesa moderna, neste caso — se encontra determinado na mentalidade tanto quanto na realidade, e que as categorias, portanto, exprimem « formas de vida, determinações de existência, e amiúde so mente aspectos isolados desta sociedade determinada, deste sujeito, e que, por isso, a [economia política] não aparece também como ciência senão unicamente a partir do momento em que trata dela como tal. Deve-se recordar este fato, porque - dá imediatamente uma direção decisiva para a divisão que se precisa fazer. Parece muito natural, por exemplo, que se comece pela renda territorial, a propriedade rural, porque se encontra ligada à terra, fonte de toda produção e vida, e à agricultura, primeira forma de produção em todas as sociedades, por pouco solidificadas que se achem. E, 69 contudo, nada mais falso do que isto. Em todas as formas de sociedade se encontra uma produção determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta sua posição e sua influência sobre as outras. É uma iluminação universal em que atuam todas as cores, e às quais modifica em sua particularidade. É um éter especial, que determina o peso específico de todas as coisas às quais põe em relevo. Consideremos, por exemplo, os povos pastores (os simples povos caçadores ou pescadores não chegaram ao ponto em que começa o verdadeiro desenvolvimento). Neles existe certa forma esporádica de agricultura. A propriedade rural encontra-se determinada por ela. Esta propriedade é comum, e conserva mais ou menos festa forma, conforme aqueles povos se aferrem mais ou menos às suas tradições; por exemplo, a propriedade rural entre os eslavos. Onde predomina a agricultura, praticada por povos estabelecidos — e este estabelecimento já constitui um grande progress'o — como na sociedade antiga e feudal, a indústria,, com sua organização e as formas da propriedade que lhe correspondem, mantém também maiores ou menores traços característicos da proprie dade rural; [a sociedade] ou bem depende inteiramente da agricultura, como entre os antigos romanos, ou imita, como na Idade Média, a organização do campo nas relações da cidade. O próprio capital — enquanto não seja simples capital dinheiro •—- possui, na Idade Média, como utensílio (?) tradicional, este caráter de propriedade rural. Na sociedade burguesa acontece o contrário. A agricultura trans- forma-se mais e mais em simples ramo da indústria e é dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda territorial. Em todas as formas em que domina a propriedade rural, a relação com a natureza é preponderante. Naquelas em que reina o capital, o que prevalece é o elemento social produzido historicamente. Não se compreende a renda territorial sem o capital; entretanto, com preende-se o capital sem a renda rural. O capital é a potência econô mica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade rural. Depois de ter considerado separadamente um e outro, deve-se estudar sua relação recíproca. Seria, pois, impraticável e errôneo colocar as categorias econômicas na ordem segundo a qual tiveram historicamente uma ação determinante. A ordem em que se sucedem se acha determi nada, ao contrário, pela relação que têm umas com as outras na sociedade burguesa moderna, e que é precisamente o inverso do que parece ser uma relação natural ou do que corresponde à série da evo lução histórica. Não se trata do lugar que as relações econômicas 68 históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda territorial. Mas, não se deve identificá-los. Como, além disso, a sociedade burguesa não é, em si, mais do que uma forma antagônica do desenvolvimento, certas relações perten centes a formas anteriores nela só poderão ser novamente encontradas completamente esmaecidas ou mesmo disfarçadas; por exemplo, a pro priedade comunal. Se é certo, portanto, que as categoriasda economia burguesa ocorrem em todas as demais formas de sociedade não se deve tomar isto senão cum grano salis. Podem ser contidas, desenvolvidas, esmaecidas, caricaturadas, mas sempre essencialmente distintas. A chamada evolução histórica descansa em geral no fato de que a última forma considera as formas ultrapassadas como graus que conduzem a ela, sendo capaz de criticar-se a si mesma alguma vez, e somente em condições muito determinadas ■— aqui não se trata, é óbvio, desses períodos históricos que se descobrem a si próprios — inclusive como tempos de decadência. A religião cristã não pôde ajudar a tomar compreensível, de uma maneira objetiva, as mitologias anteriores senão quando sua crítica de si mesma esteve, até certo ponto, dynameii isto é, acabada. Deste modo, a economia burguesa só chegou a compreender a sociedade feudal, antiga, oriental, quando a sociedade burguesa come çou a criticar-se a si mesma. Precisamente porque a economia burguesa não prestou atenção à mitologia e não se identificou simplesmente com o passado, sua crítica da [sociedade] anterior, especialmente da feudal, com a qual ainda tinha que lutar diretamente, se assemelhou à crítica que o cristianismo fez do paganismo ou o protestantismo do catolicismo. Quando se estuda a marcha das categorias econômicas e, em geral, qualquer ciência social histórica, sempre convém recordar que o sujeito — a sociedade burguesa moderna, neste caso — se encontra determinado na mentalidade tanto quanto na realidade, e que as categorias, portanto, exprimem « formas de vida, determinações de existência, e amiúde so mente aspectos isolados desta sociedade determinada, deste sujeito, e que, por isso, a [economia política] não aparece também como ciência senão unicamente a partir do momento em que trata dela como tal. Deve-se recordar este fato, porque - dá imediatamente uma direção decisiva para a divisão que se precisa fazer. Parece muito natural, por exemplo, que se comece pela renda territorial, a propriedade rural, porque se encontra ligada à terra, fonte de toda produção e vida, e à agricultura, primeira forma de produção em todas as sociedades, por pouco solidificadas que se achem. E, 69 contudo, nada mais falso do que isto. Em todas as formas de sociedade se encontra uma produção determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta sua posição e sua influência sobre as outras. É uma iluminação universal em que atuam todas as cores, e às quais modifica em sua particularidade. É um éter especial, que determina o peso específico de todas as coisas às quais põe em relevo. Consideremos, por exemplo, os povos pastores (os simples povos caçadores ou pescadores não chegaram ao ponto em que começa o verdadeiro desenvolvimento). Neles existe certa forma esporádica de agricultura. A propriedade rural encontra-se determinada por ela. Esta propriedade é comum, e conserva mais ou menos festa forma, conforme aqueles povos se aferrem mais ou menos às suas tradições; por exemplo, a propriedade rural entre os eslavos. Onde predomina a agricultura, praticada por povos estabelecidos — e este estabelecimento já constitui um grande progress'o — como na sociedade antiga e feudal, a indústria,, com sua organização e as formas da propriedade que lhe correspondem, mantém também maiores ou menores traços característicos da proprie dade rural; [a sociedade] ou bem depende inteiramente da agricultura, como entre os antigos romanos, ou imita, como na Idade Média, a organização do campo nas relações da cidade. O próprio capital — enquanto não seja simples capital dinheiro •—- possui, na Idade Média, como utensílio (?) tradicional, este caráter de propriedade rural. Na sociedade burguesa acontece o contrário. A agricultura trans- forma-se mais e mais em simples ramo da indústria e é dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda territorial. Em todas as formas em que domina a propriedade rural, a relação com a natureza é preponderante. Naquelas em que reina o capital, o que prevalece é o elemento social produzido historicamente. Não se compreende a renda territorial sem o capital; entretanto, com preende-se o capital sem a renda rural. O capital é a potência econô mica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade rural. Depois de ter considerado separadamente um e outro, deve-se estudar sua relação recíproca. Seria, pois, impraticável e errôneo colocar as categorias econômicas na ordem segundo a qual tiveram historicamente uma ação determinante. A ordem em que se sucedem se acha determi nada, ao contrário, pela relação que têm umas com as outras na sociedade burguesa moderna, e que é precisamente o inverso do que parece ser uma relação natural ou do que corresponde à série da evo lução histórica. Não se trata do lugar que as relações econômicas 70 ocupem, historicamente, na sucessão das diferentes formas da sociedade, Menos ainda de sua série “na idéia” (Proudhon), que não passa de uma representação falaz (?) do movimento histórico. Trata-se de sua conexão orgânica no interior da sociedade burguesa moderna. A nitidez (caráter determinado abstrato) com que os povos comer ciantes — fenícios, cartagineses — apareceram no mundo antigo, pro vém, precisamente, da própria supremacia dos povos agricultores. O capital, como capital comercial ou capital dinheiro, aparece nesta abstração justamente onde o capital não é ainda um elemento prepon derante das sociedades. Os lombardos, os judeus, ocupam a mesma posição em. relação às sociedades medievais que praticam a agricultura. Ainda pode servir de exemplo do papel distinto que as mesmas categorias desempenham em diferentes graus da sociedade, o seguinte: as sociedades por ações, uma das últimas formas da sociedade burguesa, aparecem também, em seus começos, nas grandes companhias comer ciais privilegiadas, desfrutadoras dos monopólios. O conceito da riqueza nacional em si insinua-se no espírito dos economistas do século XVII sob a forma — e esta representação persiste em parte nos do século XVIII — de que a riqueza não se cria senão para o Estado, e que a potência do Estado é proporcional a esta riqueza. Também esta era uma forma inconscientemente hipócrita sob a qual a riqueza e a produção da mesma se expressavam como finalidade dos Estados modernos, e não se lhes considerava senão como meios para chegar a este fim. A divisão deve, do começo, ser feita de maneira que [se de senvolvam], em primeiro lugar, as determinações gerais abstratas, que pertencem mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas no sentido exposto anteriormente. Em. segundo lugar, as categorias que constituem a organização interior da sociedade burguesa, sobre as quais repousam as classes fundamentais. Capital. Trabalho assalariado. Pro priedade rural. Suas relações recíprocas. Cidade e campo. As três grandes classes sociais. A troca entre estas. Circulação. Crédito (privado). Em. terceiro lugar, a sociedade burguesa compreendida sob a forma de Estado. O Estado em si. As classes “improdutivas”. Im postos. Dívidas do Estado. O crédito público. A população. As colônias. Emigração. Em quarto lugar, relações internacionais da produção. Divisão internacional do trabalho. Troca internacional. Exportação e importação. Curso do câmbio. Em quinto lugar, o mercado mundial e as crises. 71 Produção. — Meios de produção e relações de produção. — Relações de produção e de distribuição. — Formas do Estado e da propriedade em sua relação com a produção e a distribuição. — Relações jurídicas. -—• Relações familiares. Nota Bene — relação dos pontos que precisam ser mencionados aqui e que não devem ser esquecidos: 1) A guerra é desenvolvida antes que a paz. [Deveria expor] como pela guerra e nos exércitos etc., certos fenômenos econômicos, tais como o trabalho assalariado, o maquinismo etc., são desenvolvidos antes que no interiorestruturas do capitalismo. Marx estava consciente da relação de necessidade entre o mate rialismo dialético e o materialismo histórico, na interpretação do capitalismo. . “O descobrimento tardio de que os produtos do trabalho, consi derados como valores, não são mais que expressões materiais do trabalho humano investido na sua produção, é um descobrimento que marca época na história do progresso humano 8 Seria enganoso pensar que a crítica da dialética hegeliana, do materialismo feuerbachiano, do socialismo utópico francês e da economia. política inglesa foi realizada segundo uma separação entre questões de método e problemas específicos do capitalismo ou ao acaso das oportunidades. Com isto não queremos sugerir que Marx prefigurou e programou todo o seu trabalho. É evidente que foi desenvolvendo, passo a passo, uma compreensão cada vez mais clara de problemas que tinha pela frente. Houve, inclusive, desenvolvimentos ou saltos revolucionários no interior da revolução científica realizada por Marx. Toda a sua obra é um documento vivo sobre a maneira pela qual foi percebendo, deli mitando, eliminando, enfrentando e resolvendo as questões. Nesse processo, a atividade política de Marx desempenhou, às vezes, um papel decisivo. O que interessa aqui, no entanto, é que, ao longo da sua obra, produz, simultaneamente, o método e a inter pretação do capitalismo. Não é por mero acaso que, em todas as suas análises, aborda, sempre e conjuntamente, os problemas do capitalismo e os do método de análise. Para mencionar três exemplos, no “Prefácio” e “Posfácio” da Contribuição à Crítica da Economia Política 3 4 — posfácio esse publicado depois como introdução de Elementos Fundamentais para a Crítica da Econo mia Política (Grundrisse) — e no posfácio da segunda edição do primeiro tomo de O Capital, Marx preocupou-se em explicitar alguns aspectos da dialética materialista. Compreendia que o 3 Marx, K. El capitai t. I, p. 82-83; O Capital. Rio de Janeiro, Ed. Civi lização Brasileira, 1968. liv. 1, p. 83. Trad. por Reginaldo SanfAnna. 4 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. São. Paulo, Ed. Flama, 1946. p. 30-31. Trad. por Florestan Fernandes. 11 objeto e o método de seu trabalho eram elementos necessários e encadeados do mesmo processo de conhecimento. Enquanto que, para Hegel, o processo do pensamento é o “demiurgo do real”, para Marx “o ideal não é senão o material traduzido e transposto na mente do homem”. 5 Marx havia descoberto os encadeamentos e as determinações recíprocas entre as condições de existência social e as idéias que expressam essafc condições na mente do Homem. Isso era crucial para o entendimento e a transformação do regime capitalista, já que este possui, desenvol vido em grau excepcional, a faculdade de divorciar as dimensões e as figurações que compõem os movimentos do real. Essa é a razão por que a análise marxista da mercadoria passa pela análise do seu fetichismo. “Toda ciência seria supérflua, se a aparência exterior e a essência das coisas coincidissem diretamente.” 6 Nessas condições, a análise dialética torna transparentes as relações, os processos e as estruturas capitalistas. Opera como uma técnica de desmascaramento, pois que exige a crítica das idéias, conceitos ou representações, sob os quais as pessoas, as classes sociais e as coisas aparecem na consciência e na Ciência. Não seria possível explicar a mercadoria, como um sistema de relações (dos homens com a natureza e entre si, na produção e reprodução de si mesmos) sem desvendar o seu “caráter místico”. Depois de mostrar como o valor-de-uso esconde o valor-de-troca e ambos escondem o valor-trabalho, de mostrar, portanto, que a mercadoria é trabalho social cristalizado e alienado, Marx se dedica a examinar o seu fetichismo. Isto é, depois de ver a mercadoria na perspectiva do seu produtor, o operário, ele se dedica a examinar como a mercadoria é vista e apresentada pelo capitalista, ou a sua Ciência, a Economia política. Na consciência e na ciência da burguesia, a mercadoria aparece como ela não é; apresenta-se coisificada, como se tivesse propriedades exclusivas, independentes do produtor e das relações de produção. A classe dominante tende a projetar e impor essa maneira de ver a todas as outras classes, inclusive e principalmente ao proletariado. “O caráter misterioso da mercadoria assenta, pura e simples mente, em que proteja ante os homens o caráter social dos seus 5 Marx, K. El capital, t. I, p. 17; O Capital, liv. 1, p. 16. 6 Marx, K. El capital, t. III, p. 948. 10 uma sistemática, profunda e contundente crítica de todas as interpretações, doutrinas, idéias ou conceitos preexistentes sobre os mesmos fenômenos. É que as representações sobre o real são parte necessária do real; são “sombras”, “reflexos”, “formas invertidas” das relações, processos e estruturas do capitalismo. Marx estava consciente da relação de necessidade entre o mate rialismo dialético e o materialismo histórico, na interpretação do capitalismo. . “O descobrimento tardio de que os produtos do trabalho, consi derados como valores, não são mais que expressões materiais do trabalho humano investido na sua produção, é um descobrimento que marca época na história do progresso humano 8 Seria enganoso pensar que a crítica da dialética hegeliana, do materialismo feuerbachiano, do socialismo utópico francês e da economia. política inglesa foi realizada segundo uma separação entre questões de método e problemas específicos do capitalismo ou ao acaso das oportunidades. Com isto não queremos sugerir que Marx prefigurou e programou todo o seu trabalho. É evidente que foi desenvolvendo, passo a passo, uma compreensão cada vez mais clara de problemas que tinha pela frente. Houve, inclusive, desenvolvimentos ou saltos revolucionários no interior da revolução científica realizada por Marx. Toda a sua obra é um documento vivo sobre a maneira pela qual foi percebendo, deli mitando, eliminando, enfrentando e resolvendo as questões. Nesse processo, a atividade política de Marx desempenhou, às vezes, um papel decisivo. O que interessa aqui, no entanto, é que, ao longo da sua obra, produz, simultaneamente, o método e a inter pretação do capitalismo. Não é por mero acaso que, em todas as suas análises, aborda, sempre e conjuntamente, os problemas do capitalismo e os do método de análise. Para mencionar três exemplos, no “Prefácio” e “Posfácio” da Contribuição à Crítica da Economia Política 3 4 — posfácio esse publicado depois como introdução de Elementos Fundamentais para a Crítica da Econo mia Política (Grundrisse) — e no posfácio da segunda edição do primeiro tomo de O Capital, Marx preocupou-se em explicitar alguns aspectos da dialética materialista. Compreendia que o 3 Marx, K. El capitai t. I, p. 82-83; O Capital. Rio de Janeiro, Ed. Civi lização Brasileira, 1968. liv. 1, p. 83. Trad. por Reginaldo SanfAnna. 4 Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. São. Paulo, Ed. Flama, 1946. p. 30-31. Trad. por Florestan Fernandes. 11 objeto e o método de seu trabalho eram elementos necessários e encadeados do mesmo processo de conhecimento. Enquanto que, para Hegel, o processo do pensamento é o “demiurgo do real”, para Marx “o ideal não é senão o material traduzido e transposto na mente do homem”. 5 Marx havia descoberto os encadeamentos e as determinações recíprocas entre as condições de existência social e as idéias que expressam essafc condições na mente do Homem. Isso era crucial para o entendimento e a transformação do regime capitalista, já que este possui, desenvol vido em grau excepcional, a faculdade de divorciar as dimensões e as figurações que compõem os movimentos do real. Essa é a razão por que a análise marxista da mercadoria passa pela análise do seu fetichismo. “Toda ciência seria supérflua, se a aparência exterior e a essência das coisas coincidissem diretamente.” 6 Nessas condições, a análise dialética torna transparentesda sociedade burguesa. Nó* exército é especial mente visível a relação da força produtiva e dos meios de comunicação. 2) Relação do método idealista de escrever a História tal como se tem feito até agora e o método realista. Particularmente a chamada História da Civilização, que é a História da religião e dos Estados. A esta altura, poder-se-á dizer alguma coisa sobre as diferentes maneiras de se escrever a história até agora. O modo chamado objetivo. O subjetivo (moral e outros). O modo filosófico. ■ 3) Fatos secundários e terciários. Em geral, relações de produção, derivadas, transmitidas, não originais. Aqui entram em jogo as relações internacionais. 4) Sobre o materialismo desta concepção. Relação com 'o mate rialismo naturalista. 5) Dialética dos conceitos, força produtiva (meios de produção) e relações de produção, dialética; cujos limites se deve determinar e que não elimina a diferença real. 6) A relação desigual entre o desenvolvimento da produção ma terial e a produção antiga, por exemplo. Em geral, o progresso não deve ser concebido da maneira abstrata habitual. Em relação à arte, esta desproporção não é ainda tão importante nem tão difícil de apreen der como nas relações prático-sociais; por exemplo, a relação da cultura dos Estados Unidos com a da Europa. O ponto realmente difícil que precisa ser discutido é o de saber como evoluirão de uma maneira de sigual (?) as relações de produção e as relações jurídicas que delas derivam. Assim, por exemplo, a relação entre o direito privado romano (quanto ao direito criminal e público não parece tão certo) e a produção moderna. 70 ocupem, historicamente, na sucessão das diferentes formas da sociedade, Menos ainda de sua série “na idéia” (Proudhon), que não passa de uma representação falaz (?) do movimento histórico. Trata-se de sua conexão orgânica no interior da sociedade burguesa moderna. A nitidez (caráter determinado abstrato) com que os povos comer ciantes — fenícios, cartagineses — apareceram no mundo antigo, pro vém, precisamente, da própria supremacia dos povos agricultores. O capital, como capital comercial ou capital dinheiro, aparece nesta abstração justamente onde o capital não é ainda um elemento prepon derante das sociedades. Os lombardos, os judeus, ocupam a mesma posição em. relação às sociedades medievais que praticam a agricultura. Ainda pode servir de exemplo do papel distinto que as mesmas categorias desempenham em diferentes graus da sociedade, o seguinte: as sociedades por ações, uma das últimas formas da sociedade burguesa, aparecem também, em seus começos, nas grandes companhias comer ciais privilegiadas, desfrutadoras dos monopólios. O conceito da riqueza nacional em si insinua-se no espírito dos economistas do século XVII sob a forma — e esta representação persiste em parte nos do século XVIII — de que a riqueza não se cria senão para o Estado, e que a potência do Estado é proporcional a esta riqueza. Também esta era uma forma inconscientemente hipócrita sob a qual a riqueza e a produção da mesma se expressavam como finalidade dos Estados modernos, e não se lhes considerava senão como meios para chegar a este fim. A divisão deve, do começo, ser feita de maneira que [se de senvolvam], em primeiro lugar, as determinações gerais abstratas, que pertencem mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas no sentido exposto anteriormente. Em. segundo lugar, as categorias que constituem a organização interior da sociedade burguesa, sobre as quais repousam as classes fundamentais. Capital. Trabalho assalariado. Pro priedade rural. Suas relações recíprocas. Cidade e campo. As três grandes classes sociais. A troca entre estas. Circulação. Crédito (privado). Em. terceiro lugar, a sociedade burguesa compreendida sob a forma de Estado. O Estado em si. As classes “improdutivas”. Im postos. Dívidas do Estado. O crédito público. A população. As colônias. Emigração. Em quarto lugar, relações internacionais da produção. Divisão internacional do trabalho. Troca internacional. Exportação e importação. Curso do câmbio. Em quinto lugar, o mercado mundial e as crises. 71 Produção. — Meios de produção e relações de produção. — Relações de produção e de distribuição. — Formas do Estado e da propriedade em sua relação com a produção e a distribuição. — Relações jurídicas. -—• Relações familiares. Nota Bene — relação dos pontos que precisam ser mencionados aqui e que não devem ser esquecidos: 1) A guerra é desenvolvida antes que a paz. [Deveria expor] como pela guerra e nos exércitos etc., certos fenômenos econômicos, tais como o trabalho assalariado, o maquinismo etc., são desenvolvidos antes que no interior da sociedade burguesa. Nó* exército é especial mente visível a relação da força produtiva e dos meios de comunicação. 2) Relação do método idealista de escrever a História tal como se tem feito até agora e o método realista. Particularmente a chamada História da Civilização, que é a História da religião e dos Estados. A esta altura, poder-se-á dizer alguma coisa sobre as diferentes maneiras de se escrever a história até agora. O modo chamado objetivo. O subjetivo (moral e outros). O modo filosófico. ■ 3) Fatos secundários e terciários. Em geral, relações de produção, derivadas, transmitidas, não originais. Aqui entram em jogo as relações internacionais. 4) Sobre o materialismo desta concepção. Relação com 'o mate rialismo naturalista. 5) Dialética dos conceitos, força produtiva (meios de produção) e relações de produção, dialética; cujos limites se deve determinar e que não elimina a diferença real. 6) A relação desigual entre o desenvolvimento da produção ma terial e a produção antiga, por exemplo. Em geral, o progresso não deve ser concebido da maneira abstrata habitual. Em relação à arte, esta desproporção não é ainda tão importante nem tão difícil de apreen der como nas relações prático-sociais; por exemplo, a relação da cultura dos Estados Unidos com a da Europa. O ponto realmente difícil que precisa ser discutido é o de saber como evoluirão de uma maneira de sigual (?) as relações de produção e as relações jurídicas que delas derivam. Assim, por exemplo, a relação entre o direito privado romano (quanto ao direito criminal e público não parece tão certo) e a produção moderna. 72 7) Esta concepção aparece como a de uma evolução necessária. Mas justificação do acaso. Varia5 (A liberdade, e também outras coisas). (Influência dos meios de comunicação). Falando com pro priedade, a História Universal nem sempre aparece na História como resultado da História Universal. 8) As determinações naturais subjetivas e objetivas, tribos, raças etc., devem constituir, como é justo, o ponto de partida. Quanto à arte, já se sabe que os períodos de florescimento deter minados não estão, absolutamente, em relação com. o desenvolvimento geral da sociedade nem, portanto, com a base material, o esqueleto, de certo modo, de sua organização. Por exemplo, os gregos, comparados com os modernos, ou, ainda, Shakespeare. Em relação a certos gêneros de arte, a epopéia, por exemplo, admite-se que jamais podem produzir-se em sua forma clássica, fazendo época no mundo, desde o momento em que a produção artística aparece como tal; isto é, no interior do domínio da própria arte, algumas manifestações importantes não são possíveis senão em um grau inferior da evolução da arte. Se isto é certo, referindo-se à relação dos diferentes gêneros de arte no interior do domínio da própria arte, não se pode estranhar que também o seja a respeito da relação do domínio todo da arte com o desenvolvimento geral da sociedade. A dificuldade consiste somente na formulação geral destas contradições. Assim que se especificam, explicam-se. Consideremos, por exemplo, a relação da arte grega e depois a de Shakespeare com os tempos atuais. A mitologia grega, como se sabe, não somente era o arsenal da arte grega, mas sua terra alimentadora também. A concepção danatureza e das relações sociais, que se acham no fundo da imaginação grega e, portanto, da arte grega, é por acaso compatível com as má quinas automáticas, as estradas de ferro, as locomotivas e o telégrafo elétrico? Que representa Vulcano ao lado de Roberts & C.1”, Júpiter dos pára-raios e Hermes do crédito mobiliário? Toda a mitologia submete e domina e modela as forças da natureza, na imaginação e para a imaginação, e desaparece, portanto, quando se chega a dominá-las realmente. Que representa a Fama em relação à Printing House Square.d A arte grega pressupõe a mitologia grega, isto é, a natureza e a própria sociedade modelada já de uma maneira inconscientemente artística pela fantasia popular. Esses são. seus materiais. Não uma mitologia qualquer, não qualquer transformação inconscientemente artística da natureza 5 Assim está escrito no original. Tipografia do jornal Times. 73 (compreendendo esta última tudo que é objeto, logo, também, a socie dade) . A mitologia egípcia jamais pôde ceder o solo ou o seio materno para criar a arte grega. Mas, em todo caso, era necessária uma mitolo gia. A arte grega não podia surgir, em nenhum caso, em uma sociedade que exclui toda relação mitológica com a natureza, que exige do artista uma imaginação que não se apoie na mitologia. De outro ponto de vista, é possível a existência de Aquiles ao aparecer a pólvora e o chumbo? A ilíada inteira é compatível com a máquina impressora? Não desaparecem, necessariamente, os cantos, as lendas, e a Musa diante da regreta do tipógrafo? Não se desvanecem as condições necessárias da poesia épica? C O difícil não é compreender que a arte grega e a epopéia se achem ligadas a certas formas do desenvolvimento social, mas que ainda possam proporcionar gozos estéticos e sejam consideradas, em certos casos, como norma e modelo inacessíveis. Um homem não pode voltar a ser criança sem retornar à infância. Mas não se satisfaz com a ingenuidade da criança e não deve aspirar a. reproduzir, em um nível mais elevado, a sinceridade da criança? Não revive, na natureza infantil, o caráter próprio de cada época em sua verdade natural? Por que a infância social da humanidade, no mais belo de seu florescimento, não deveria exercer uma eterna atração, como uma fase desaparecida para sempre? Há meninos mal-educados e meninos envelhecidos. Muitas nações antigas pertencem a esta cate goria. Os gregos eram meninos normais. O encanto que encontramos em sua arte não está em contradição com o caráter primitivo da socie dade em que essa arte se desenvolveu. É, ao contrário, sua produção; poder-se-ia dizer melhor que se acha indissoluvelmente ligada ao fato de que as condições sociais imperfeitas em que nasceu, e nas quais forçosamente tinha que nascer, não poderiam retornar nunca mais. 72 7) Esta concepção aparece como a de uma evolução necessária. Mas justificação do acaso. Varia5 (A liberdade, e também outras coisas). (Influência dos meios de comunicação). Falando com pro priedade, a História Universal nem sempre aparece na História como resultado da História Universal. 8) As determinações naturais subjetivas e objetivas, tribos, raças etc., devem constituir, como é justo, o ponto de partida. Quanto à arte, já se sabe que os períodos de florescimento deter minados não estão, absolutamente, em relação com. o desenvolvimento geral da sociedade nem, portanto, com a base material, o esqueleto, de certo modo, de sua organização. Por exemplo, os gregos, comparados com os modernos, ou, ainda, Shakespeare. Em relação a certos gêneros de arte, a epopéia, por exemplo, admite-se que jamais podem produzir-se em sua forma clássica, fazendo época no mundo, desde o momento em que a produção artística aparece como tal; isto é, no interior do domínio da própria arte, algumas manifestações importantes não são possíveis senão em um grau inferior da evolução da arte. Se isto é certo, referindo-se à relação dos diferentes gêneros de arte no interior do domínio da própria arte, não se pode estranhar que também o seja a respeito da relação do domínio todo da arte com o desenvolvimento geral da sociedade. A dificuldade consiste somente na formulação geral destas contradições. Assim que se especificam, explicam-se. Consideremos, por exemplo, a relação da arte grega e depois a de Shakespeare com os tempos atuais. A mitologia grega, como se sabe, não somente era o arsenal da arte grega, mas sua terra alimentadora também. A concepção da natureza e das relações sociais, que se acham no fundo da imaginação grega e, portanto, da arte grega, é por acaso compatível com as má quinas automáticas, as estradas de ferro, as locomotivas e o telégrafo elétrico? Que representa Vulcano ao lado de Roberts & C.1”, Júpiter dos pára-raios e Hermes do crédito mobiliário? Toda a mitologia submete e domina e modela as forças da natureza, na imaginação e para a imaginação, e desaparece, portanto, quando se chega a dominá-las realmente. Que representa a Fama em relação à Printing House Square.d A arte grega pressupõe a mitologia grega, isto é, a natureza e a própria sociedade modelada já de uma maneira inconscientemente artística pela fantasia popular. Esses são. seus materiais. Não uma mitologia qualquer, não qualquer transformação inconscientemente artística da natureza 5 Assim está escrito no original. Tipografia do jornal Times. 73 (compreendendo esta última tudo que é objeto, logo, também, a socie dade) . A mitologia egípcia jamais pôde ceder o solo ou o seio materno para criar a arte grega. Mas, em todo caso, era necessária uma mitolo gia. A arte grega não podia surgir, em nenhum caso, em uma sociedade que exclui toda relação mitológica com a natureza, que exige do artista uma imaginação que não se apoie na mitologia. De outro ponto de vista, é possível a existência de Aquiles ao aparecer a pólvora e o chumbo? A ilíada inteira é compatível com a máquina impressora? Não desaparecem, necessariamente, os cantos, as lendas, e a Musa diante da regreta do tipógrafo? Não se desvanecem as condições necessárias da poesia épica? C O difícil não é compreender que a arte grega e a epopéia se achem ligadas a certas formas do desenvolvimento social, mas que ainda possam proporcionar gozos estéticos e sejam consideradas, em certos casos, como norma e modelo inacessíveis. Um homem não pode voltar a ser criança sem retornar à infância. Mas não se satisfaz com a ingenuidade da criança e não deve aspirar a. reproduzir, em um nível mais elevado, a sinceridade da criança? Não revive, na natureza infantil, o caráter próprio de cada época em sua verdade natural? Por que a infância social da humanidade, no mais belo de seu florescimento, não deveria exercer uma eterna atração, como uma fase desaparecida para sempre? Há meninos mal-educados e meninos envelhecidos. Muitas nações antigas pertencem a esta cate goria. Os gregos eram meninos normais. O encanto que encontramos em sua arte não está em contradição com o caráter primitivo da socie dade em que essa arte se desenvolveu. É, ao contrário, sua produção; poder-se-ia dizer melhor que se acha indissoluvelmente ligada ao fato de que as condições sociais imperfeitas em que nasceu, e nas quais forçosamente tinha que nascer, não poderiam retornar nunca mais. 3. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DO SISTEMA CAPITALISTA * O valor novo acrescentado pelo trabalho novo que se incorpora durante o ano — e também, portanto, a parte dó produto anual em que se traduz esse valor, e que pode ser separado do rendimento total — divide-se, pois, em três partes, que revestem três formas diferentes de rendas, formas que expressam uma parte desse valor como perten cente ao possuidor da força de trabalho, outra parte como pertencente ao possuidor do capital e outra ao proprietário da terra. Trata-se, portanto, de relações em que o valor total novamente criado se distribui entre os possuidores dos diversos agentes da produção. A concepção corrente considera essas relaçõesde distribuição como relações naturais, como relações que respondem, simplesmente, à natureza de qualquer produção social, às leis da produção humana pura e simples. Ainda que não se possa negar que as sociedades pré- -capitalistas apresentavam outros tipos de distribuição, estes se apresen tam como formas primitivas, rudimentares e disfarçadas, não reduzidas à sua expressão mais pura e à sua modalidade mais alta, como formas matizadas de modo distinto das relações naturais de distribuição. A única coisa exata nessa concepção é o seguinte: partindo de uma produção social, de qualquer caráter que seja (por exemplo, a das comunidades índias mais rudimentares ou a do comunismo dos peruanos, já mais desenvolvido e artificial), podemos distinguir, sempre, entre a parte do trabalho, cujo produto é consumido diretamente pelos produ tores e suas famílias, com caráter individual, e — prescindindo da parte destinada aò consumo produtivo ■— outra parte do trabalho, que é sem pre trabalho excedente, cujo produto se destina sempre à satisfação das * Reproduzido de Marx, K. “Características esenciales dei sistema capitalista” In: El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1946-47. t. III, cap. II, p. 1013-20. Trad. por Maria Elisa Mascarenhas. 75 necessidades gerais da sociedade, qualquer que seja o modo pelo qual se distribua esse produto excedente, e seja quem for aquele que atue como representante dessas necessidades sociais. A identidade entre os diversos tipos de distribuição se reduz, portanto, ao fato de que são idênticos, se deixarmos de lado suas distinções e formas específicas, para nos fixarmos somente no que há de comum em todos eles, omitindo o que os separa e diferencia. A medida em que a consciência do Homem vai se desenvolvendo e se fazendo mais crítica, leva em conta, entretanto, o caráter historica mente mais desenvolvido das relações de distribuição,1 embora se aferrando mais fortemente ainda ao caráter permanente das relações de produção, que se considera como obra da natureza humana e indepen dentes, portanto, de qualquer evolução histórica. A análise científica do regime capitalista de produção demonstra, pelo contrário, que este regime constitui um regime de produção de tipo especial, e que corresponde a uma condicionalidade histórica específica; que, como qualquer outro regime de produção concreto, pressupõe, como condição histórica, uma determinada fase das forças sociais produtivas e de suas formas de desenvolvimento, condição que é, por sua vez, resultado e produto histórico de um processo anterior, e do qual parte o novo tipo de produção como de sua base dada; que as relações de produção que correspondem a este regime de produção específico, • historicamente determinado •—• relações que os homens contraem em seu processo social de vida, na criação de sua vida so cial —, apresentam um caráter específico, histórico e transitório; e, finalmente, que as relações de distribuição são essencialmente idênticas a estas relações de produção, o seu reverso, pois ambas apresentam o mesmo caráter histórico transitório. Quando se examipam as relações de distribuição, parte-se, antes de mais nada, do pretenso fato de que o produto anual se distribui como salário, lucro e renda do solo. Mas o fato, assim exposto, é falso. O produto se distribui, de uma parte, em capital, e, de outra parte, em rendas. Uma dessas rendas, o salário, reveste sempre a forma de renda, renda do trabalhador depois de já haver enfrentado o operário em forma de capital. O fato de que as condições de trabalho produzidas e os produtos do trabalho se enfrentem como capital para o produtor direto, já implica, de antemão, um determinado caráter social das con- 1 Stuart Mill, J. Some Unsetled Questions of Political Economy. Londres, 1844. 3. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DO SISTEMA CAPITALISTA * O valor novo acrescentado pelo trabalho novo que se incorpora durante o ano — e também, portanto, a parte dó produto anual em que se traduz esse valor, e que pode ser separado do rendimento total — divide-se, pois, em três partes, que revestem três formas diferentes de rendas, formas que expressam uma parte desse valor como perten cente ao possuidor da força de trabalho, outra parte como pertencente ao possuidor do capital e outra ao proprietário da terra. Trata-se, portanto, de relações em que o valor total novamente criado se distribui entre os possuidores dos diversos agentes da produção. A concepção corrente considera essas relações de distribuição como relações naturais, como relações que respondem, simplesmente, à natureza de qualquer produção social, às leis da produção humana pura e simples. Ainda que não se possa negar que as sociedades pré- -capitalistas apresentavam outros tipos de distribuição, estes se apresen tam como formas primitivas, rudimentares e disfarçadas, não reduzidas à sua expressão mais pura e à sua modalidade mais alta, como formas matizadas de modo distinto das relações naturais de distribuição. A única coisa exata nessa concepção é o seguinte: partindo de uma produção social, de qualquer caráter que seja (por exemplo, a das comunidades índias mais rudimentares ou a do comunismo dos peruanos, já mais desenvolvido e artificial), podemos distinguir, sempre, entre a parte do trabalho, cujo produto é consumido diretamente pelos produ tores e suas famílias, com caráter individual, e — prescindindo da parte destinada aò consumo produtivo ■— outra parte do trabalho, que é sem pre trabalho excedente, cujo produto se destina sempre à satisfação das * Reproduzido de Marx, K. “Características esenciales dei sistema capitalista” In: El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1946-47. t. III, cap. II, p. 1013-20. Trad. por Maria Elisa Mascarenhas. 75 necessidades gerais da sociedade, qualquer que seja o modo pelo qual se distribua esse produto excedente, e seja quem for aquele que atue como representante dessas necessidades sociais. A identidade entre os diversos tipos de distribuição se reduz, portanto, ao fato de que são idênticos, se deixarmos de lado suas distinções e formas específicas, para nos fixarmos somente no que há de comum em todos eles, omitindo o que os separa e diferencia. A medida em que a consciência do Homem vai se desenvolvendo e se fazendo mais crítica, leva em conta, entretanto, o caráter historica mente mais desenvolvido das relações de distribuição,1 embora se aferrando mais fortemente ainda ao caráter permanente das relações de produção, que se considera como obra da natureza humana e indepen dentes, portanto, de qualquer evolução histórica. A análise científica do regime capitalista de produção demonstra, pelo contrário, que este regime constitui um regime de produção de tipo especial, e que corresponde a uma condicionalidade histórica específica; que, como qualquer outro regime de produção concreto, pressupõe, como condição histórica, uma determinada fase das forças sociais produtivas e de suas formas de desenvolvimento, condição que é, por sua vez, resultado e produto histórico de um processo anterior, e do qual parte o novo tipo de produção como de sua base dada; que as relações de produção que correspondem a este regime de produção específico, • historicamente determinado •—• relações que os homens contraem em seu processo social de vida, na criação de sua vida so cial —, apresentam um caráter específico, histórico e transitório; e, finalmente, que as relações de distribuição são essencialmente idênticas a estas relações de produção, o seu reverso, pois ambas apresentam o mesmo caráter histórico transitório. Quando se examipam as relações de distribuição, parte-se, antes de mais nada, do pretenso fato de que o produto anual se distribui como salário, lucro e renda do solo. Mas o fato, assim exposto, é falso. O produto se distribui, de uma parte, em capital, e, de outra parte, em rendas. Uma dessas rendas, o salário, reveste sempre a forma de renda, renda do trabalhadordepois de já haver enfrentado o operário em forma de capital. O fato de que as condições de trabalho produzidas e os produtos do trabalho se enfrentem como capital para o produtor direto, já implica, de antemão, um determinado caráter social das con- 1 Stuart Mill, J. Some Unsetled Questions of Political Economy. Londres, 1844. 76 dições materiais do trabalho diante dos operários; e, portanto, numa determinada relação, em que estes se acham, dentro da própria produ ção, como possuidores das condições de trabalho, e vice-versa. A transformação dessas condições de trabalho em capital implica, por sua vez, a expropriação do solo dos produtores diretos, e, portanto, numa determinada forma de propriedade territorial. Se uma parte do produto não se convertesse em capital, não revestiria a outra as formas de salário, lucro e renda do solo. Por outro lado, se o regime capitalista de produção pressupõe esta forma social determinada das condições de produção, também a repro duz constantemente. Não produz apenas os produtos materiais, mas reproduz, também, continuamente, as relações de produção nas quais aqueles são produzidos, e, com elas, as correspondentes relações de distribuição. Podemos dizer, certamente, que o capital (e a propriedade territo rial, que o engloba como sua antítese), já pressupõe por si uma distri buição; a expropriação dos operários das condições de trabalho, a concentração dessas condições de trabalho em mãos de uma minoria de indivíduos, a propriedade exclusiva sobre o solo em favor de outros indivíduos, em suma, todas aquelas relações que foram estudadas no capítulo sobre a acumulação primitiva (liv. I, cap. XXIV). Mas essa distribuição difere totalmente do que se entende por relações de dis tribuição, quando se reivindica para estas um caráter histórico, por oposição às relações de produção. Por relações de distribuição se enten de aqui os diversos títulos que autorizam a receber a parte do produto destinada ao consumo individual. Aquelas outras relações de distribui ção são, por sua vez, as bases das especiais funções sociais que, dentro do próprio regime de produção, correspondem a determinados agentes do mesmo, por oposição ao produtor direto. Dão às mesmas condições de produção e a seus representantes uma qualidade social específica. Determinam todo o caráter e todo o movimento da produção. Duas são as características que distinguem, desde o primeiro ins tante, o regime capitalista de produção. Primeira. Esse regime cria seus produtos com o caráter de merca dorias. Mas o fato de produzir mercadorias não o distingue de outros sistemas de produção; o que o distingue é a circunstância de que, nele, o fato de seus produtos serem mercadorias constitui seu caráter predo minante e determinante. Implica, logo de início o fato de que, nele, o próprio trabalhador aparece como vendedor de mercadorias e, portanto, 77 como trabalhador livre assalariado e, por conseguinte, o trabalho aparece como trabalho assalariado com caráter geral. Devemos voltar a expor novamente, depois de todo o desenvolvimento anterior desta obra, como a relação entre o capital e o trabalho assalariado informa todo o caráter deste regime de produção. Os agentes principais deste sistema de produção, o capitalista e o trabalhador assalariado, não são, como tais, mais que encarnações, personificações do capital e do tra balho assalariado, aspectos sociais determinados que o processo social de produção imprime aos indivíduos, produtos dessas determinadas relações sociais de produção. A característica 1 do produto como mercadoria e a característica 2 da mercadoria como produto do capital acarretam, já, todas as relações de circulação, isto é, um determinado processo social que os produtos devem percorrer, e no qual assumem determinadas caracterís ticas sociais; e acarreta, também, certas relações entre os agentes da produção, que determinam a valorização de seu produto e sua reversão, seja em forma de meios de vida ou de meios de produção. Mas, ainda que se prescinda disso, das duas características anteriores do produto como mercadoria ou da mercadoria como mercadoria produzida capita- listicamente, já se deduz toda a determinação valorativa e a regulação da produção total pelo valor. Nesta forma totalmente específica do valor, o trabalho rege, de um lado, como trabalho social; de outro lado, a distribuição desse trabalho social e a mútua complementação, o intercâmbio de matérias de seus produtos, a sujeição e a dependência dentro da trama social, ficam entregues à ação fortuita dos diversos produtores capitalistas, ação na qual as tendências de uns destroem as de outros e vice-versa. Como esses produtores só se enfrentam enquanto possuidores de mercadorias, e cada um deles procura vender sua mer cadoria pelo mais alto preço possível (e, além disso, aparentemente, só é governado por seu arbítrio na regulação da própria produção), daí resulta que a lei interna só se impõe por meio de sua concorrência, da pressão mútua exercida por uns sobre os outros, o que faz com que as divergências sejam reciprocamente compensadas. A lei do valor só atua aqui como lei interna, que os agentes individuais consideram como uma cega lei natural; e é esta lei, deste modo, que impõe o equilíbrio social da produção em meio às suas flutuações fortuitas. Na mercadoria, e principalmente na mercadoria como produto do capital, já vai implícita, ademais, a materialização das determinações sociais da produção e a personificação de seus fundamentos materiais, que caracterizam todo o regime de produção capitalista. 76 dições materiais do trabalho diante dos operários; e, portanto, numa determinada relação, em que estes se acham, dentro da própria produ ção, como possuidores das condições de trabalho, e vice-versa. A transformação dessas condições de trabalho em capital implica, por sua vez, a expropriação do solo dos produtores diretos, e, portanto, numa determinada forma de propriedade territorial. Se uma parte do produto não se convertesse em capital, não revestiria a outra as formas de salário, lucro e renda do solo. Por outro lado, se o regime capitalista de produção pressupõe esta forma social determinada das condições de produção, também a repro duz constantemente. Não produz apenas os produtos materiais, mas reproduz, também, continuamente, as relações de produção nas quais aqueles são produzidos, e, com elas, as correspondentes relações de distribuição. Podemos dizer, certamente, que o capital (e a propriedade territo rial, que o engloba como sua antítese), já pressupõe por si uma distri buição; a expropriação dos operários das condições de trabalho, a concentração dessas condições de trabalho em mãos de uma minoria de indivíduos, a propriedade exclusiva sobre o solo em favor de outros indivíduos, em suma, todas aquelas relações que foram estudadas no capítulo sobre a acumulação primitiva (liv. I, cap. XXIV). Mas essa distribuição difere totalmente do que se entende por relações de dis tribuição, quando se reivindica para estas um caráter histórico, por oposição às relações de produção. Por relações de distribuição se enten de aqui os diversos títulos que autorizam a receber a parte do produto destinada ao consumo individual. Aquelas outras relações de distribui ção são, por sua vez, as bases das especiais funções sociais que, dentro do próprio regime de produção, correspondem a determinados agentes do mesmo, por oposição ao produtor direto. Dão às mesmas condições de produção e a seus representantes uma qualidade social específica. Determinam todo o caráter e todo o movimento da produção. Duas são as características que distinguem, desde o primeiro ins tante, o regime capitalista de produção. Primeira. Esse regime cria seus produtos com o caráter de merca dorias. Mas o fato de produzir mercadorias não o distingue de outros sistemas de produção; o que o distingue é a circunstância de que, nele, o fato de seus produtosserem mercadorias constitui seu caráter predo minante e determinante. Implica, logo de início o fato de que, nele, o próprio trabalhador aparece como vendedor de mercadorias e, portanto, 77 como trabalhador livre assalariado e, por conseguinte, o trabalho aparece como trabalho assalariado com caráter geral. Devemos voltar a expor novamente, depois de todo o desenvolvimento anterior desta obra, como a relação entre o capital e o trabalho assalariado informa todo o caráter deste regime de produção. Os agentes principais deste sistema de produção, o capitalista e o trabalhador assalariado, não são, como tais, mais que encarnações, personificações do capital e do tra balho assalariado, aspectos sociais determinados que o processo social de produção imprime aos indivíduos, produtos dessas determinadas relações sociais de produção. A característica 1 do produto como mercadoria e a característica 2 da mercadoria como produto do capital acarretam, já, todas as relações de circulação, isto é, um determinado processo social que os produtos devem percorrer, e no qual assumem determinadas caracterís ticas sociais; e acarreta, também, certas relações entre os agentes da produção, que determinam a valorização de seu produto e sua reversão, seja em forma de meios de vida ou de meios de produção. Mas, ainda que se prescinda disso, das duas características anteriores do produto como mercadoria ou da mercadoria como mercadoria produzida capita- listicamente, já se deduz toda a determinação valorativa e a regulação da produção total pelo valor. Nesta forma totalmente específica do valor, o trabalho rege, de um lado, como trabalho social; de outro lado, a distribuição desse trabalho social e a mútua complementação, o intercâmbio de matérias de seus produtos, a sujeição e a dependência dentro da trama social, ficam entregues à ação fortuita dos diversos produtores capitalistas, ação na qual as tendências de uns destroem as de outros e vice-versa. Como esses produtores só se enfrentam enquanto possuidores de mercadorias, e cada um deles procura vender sua mer cadoria pelo mais alto preço possível (e, além disso, aparentemente, só é governado por seu arbítrio na regulação da própria produção), daí resulta que a lei interna só se impõe por meio de sua concorrência, da pressão mútua exercida por uns sobre os outros, o que faz com que as divergências sejam reciprocamente compensadas. A lei do valor só atua aqui como lei interna, que os agentes individuais consideram como uma cega lei natural; e é esta lei, deste modo, que impõe o equilíbrio social da produção em meio às suas flutuações fortuitas. Na mercadoria, e principalmente na mercadoria como produto do capital, já vai implícita, ademais, a materialização das determinações sociais da produção e a personificação de seus fundamentos materiais, que caracterizam todo o regime de produção capitalista. 78 A segunda característica específica do regime capitalista de pro dução é a produção da mais-valia como finalidade direta e móvel deter minante da produção. O capital produz essencialmente capital, e, para poder fazê-lo, não tem outro caminho a não ser produzir mais-valia. Ao examinar a mais-valia relativa e, mais tarde, ao estudar a transfor mação da mais-valia em lucro, vimos que este é um dos fundamentos sobre os quais repousa o regime de produção característico da época capitalista, esta forma específica de desenvolvimento das forças produti vas sociais do trabalho, consideradas como forças do capital substan tivadas frente ao trabalhador, e, portanto, em contraposição direta com o próprio desenvolvimento deste. A produção decorrente do valor e da mais-valia tem implícita, como já observamos no decorrer da exposição, a tendência constante a reduzir o tempo de trabalho neces sário para a produção de uma mercadoria, isto é, seu valor, a um limite inferior à média social vigente em cada momento. A tendência a reduzir o preço de custo a seu mínimo se converte na mais poderosa alavanca para a intensificação da força produtiva social do trabalho, que, sob esse regime, só aparece como intensificação constante da força produtiva do capital, A autoridade que o capitalista assume, no processo direto da produção, como personificação do capital, a função social de que se reveste, como dirigente e governante da produção, difere essencial mente da autoridade daqueles que dirigiam a produção baseada em escravos, servos etc. Enquanto no regime capitalista de produção a massa dos produto res diretos percebem o caráter social de sua produção, sob a forma de uma autoridade estritamente reguladora e de um mecanismo do processo de trabalho organizado como uma hierarquia completa — autoridade que, entretanto, só compete a quem a ostenta, como personificação das condições de trabalho frente a este, e não, como em formas anteriores de produção, enquanto titulares do poder político ou teocrático — entre os representantes desta autoridade, ou seja, entre os próprios capitalistas, que se defrontam, simplesmente, como possuidores de mercadorias, reina a anarquia mais completa, dentro da qual a coesão social da produção só se impõe à arbitrariedade individual como uma lei natural onipotente. Somente considerando o trabalho, sob a forma de trabalho assala riado, e os meios de produção, sob a forma de capital assalariado, e os meios de produção, sob a forma de capital — isto é, só partindo da existência da forma social específica desses dois agentes essenciais da 79 produção — aparece uma parte do valor (produto) como mais-valia, e esta mais-valia como lucro (renda do solo), como lucro do capitalista, como riqueza adicional disponível, pertencente a ele. E só porque assim se apresenta — como seu lucro —aparecem os meios adicionais de produção destinados a ampliar a reprodução, e que formam parte do lucro, como novo capital adicional, e a ampliação do processo de reprodução como um processo de acumulação capitalista. Ainda que a forma do trabalho, enquanto trabalho assalariado, seja decisiva para a forma de todo o processo e para a modalidade específica da própria produção, o trabalho assalariado não é o que determina o valor. Na determinação do valor, tratã-se do tempo social de trabalho, em geral, da quantidade de trabalho de que, em geral, pode dispor a sociedade, e cuja absorção relativa pelos diversos pro dutos determina, de certo modo, seu respectivo peso social. A forma concreta em que o tempo de trabalho social se impõe, como fator determinante, no valor das mercadorias mantém, indubitavelmente, relação com a forma do trabalho, enquanto trabalho assalariado, e com a forma correspondente dos meios de produção, como capital, no sentido de que, só sobre esta base, se converte a produção de merca dorias na forma geral da produção. Fixemo-nos, por outro lado, nas chamadas relações de distribuição. O salário pressupõe o trabalho assalariado, o lucro, o capital. Estas formas concretas de distribuição pressupõem, portanto, determinados caracteres sociais, qu‘anto às condições de produção, e determinadas relações sociais dos agentes de produção.. As relações concretas de produção são, pois, simplesmente, a expressão das relações de produção historicamente determinadas. Tomemos, por exemplo, o lucro. Esta forma concreta da mais- -valia constitui a premissa para o reagrupamento dos meios de produção, sob a forma da produção capitalista; é, portanto, uma relação que impera sobre a reprodução, ainda que o capitalista individual pense que poderia, realmente, consumir todo o lucro como renda. Fazendo isso, tropeçaria com uma série de impedimentos que se interpõem diante dele sob a forma de fundos de seguros e de reserva, lei da concorrência etc., e que lhe demonstram, praticamente, que o lucro não é, de modo algum, uma simples categoria de distribuição do produto entregue ao consumo individual. Além disso, todo o processo de produção capita lista está regulado pelos preços dos produtos.E os preços reguladores da produção estão regulados, por sua vez, pelo nivelamento da quota de lucro e pela correspondente distribuição do capital entre os diversos 78 A segunda característica específica do regime capitalista de pro dução é a produção da mais-valia como finalidade direta e móvel deter minante da produção. O capital produz essencialmente capital, e, para poder fazê-lo, não tem outro caminho a não ser produzir mais-valia. Ao examinar a mais-valia relativa e, mais tarde, ao estudar a transfor mação da mais-valia em lucro, vimos que este é um dos fundamentos sobre os quais repousa o regime de produção característico da época capitalista, esta forma específica de desenvolvimento das forças produti vas sociais do trabalho, consideradas como forças do capital substan tivadas frente ao trabalhador, e, portanto, em contraposição direta com o próprio desenvolvimento deste. A produção decorrente do valor e da mais-valia tem implícita, como já observamos no decorrer da exposição, a tendência constante a reduzir o tempo de trabalho neces sário para a produção de uma mercadoria, isto é, seu valor, a um limite inferior à média social vigente em cada momento. A tendência a reduzir o preço de custo a seu mínimo se converte na mais poderosa alavanca para a intensificação da força produtiva social do trabalho, que, sob esse regime, só aparece como intensificação constante da força produtiva do capital, A autoridade que o capitalista assume, no processo direto da produção, como personificação do capital, a função social de que se reveste, como dirigente e governante da produção, difere essencial mente da autoridade daqueles que dirigiam a produção baseada em escravos, servos etc. Enquanto no regime capitalista de produção a massa dos produto res diretos percebem o caráter social de sua produção, sob a forma de uma autoridade estritamente reguladora e de um mecanismo do processo de trabalho organizado como uma hierarquia completa — autoridade que, entretanto, só compete a quem a ostenta, como personificação das condições de trabalho frente a este, e não, como em formas anteriores de produção, enquanto titulares do poder político ou teocrático — entre os representantes desta autoridade, ou seja, entre os próprios capitalistas, que se defrontam, simplesmente, como possuidores de mercadorias, reina a anarquia mais completa, dentro da qual a coesão social da produção só se impõe à arbitrariedade individual como uma lei natural onipotente. Somente considerando o trabalho, sob a forma de trabalho assala riado, e os meios de produção, sob a forma de capital assalariado, e os meios de produção, sob a forma de capital — isto é, só partindo da existência da forma social específica desses dois agentes essenciais da 79 produção — aparece uma parte do valor (produto) como mais-valia, e esta mais-valia como lucro (renda do solo), como lucro do capitalista, como riqueza adicional disponível, pertencente a ele. E só porque assim se apresenta — como seu lucro —aparecem os meios adicionais de produção destinados a ampliar a reprodução, e que formam parte do lucro, como novo capital adicional, e a ampliação do processo de reprodução como um processo de acumulação capitalista. Ainda que a forma do trabalho, enquanto trabalho assalariado, seja decisiva para a forma de todo o processo e para a modalidade específica da própria produção, o trabalho assalariado não é o que determina o valor. Na determinação do valor, tratã-se do tempo social de trabalho, em geral, da quantidade de trabalho de que, em geral, pode dispor a sociedade, e cuja absorção relativa pelos diversos pro dutos determina, de certo modo, seu respectivo peso social. A forma concreta em que o tempo de trabalho social se impõe, como fator determinante, no valor das mercadorias mantém, indubitavelmente, relação com a forma do trabalho, enquanto trabalho assalariado, e com a forma correspondente dos meios de produção, como capital, no sentido de que, só sobre esta base, se converte a produção de merca dorias na forma geral da produção. Fixemo-nos, por outro lado, nas chamadas relações de distribuição. O salário pressupõe o trabalho assalariado, o lucro, o capital. Estas formas concretas de distribuição pressupõem, portanto, determinados caracteres sociais, qu‘anto às condições de produção, e determinadas relações sociais dos agentes de produção.. As relações concretas de produção são, pois, simplesmente, a expressão das relações de produção historicamente determinadas. Tomemos, por exemplo, o lucro. Esta forma concreta da mais- -valia constitui a premissa para o reagrupamento dos meios de produção, sob a forma da produção capitalista; é, portanto, uma relação que impera sobre a reprodução, ainda que o capitalista individual pense que poderia, realmente, consumir todo o lucro como renda. Fazendo isso, tropeçaria com uma série de impedimentos que se interpõem diante dele sob a forma de fundos de seguros e de reserva, lei da concorrência etc., e que lhe demonstram, praticamente, que o lucro não é, de modo algum, uma simples categoria de distribuição do produto entregue ao consumo individual. Além disso, todo o processo de produção capita lista está regulado pelos preços dos produtos. E os preços reguladores da produção estão regulados, por sua vez, pelo nivelamento da quota de lucro e pela correspondente distribuição do capital entre os diversos 80 ramos sociais de produção. Por conseguinte, o lucro aparece, aqui, como fator fundamental, já não da distribuição dos produtos, mas sim de sua própria produção, como parte da distribuição dos capitais e do próprio trabalho entre diversos ramos de produção. O desdobramento do lucro em benefício do empresário e do juro aparece como distribui ção da própria renda. Mas, na verdade, surge do desenvolvimento do capital como valor que valoriza a si mesmo, que engendra mais-valia; surge desta forma social concreta do proceâso de produção imperante. Aí nascem o crédito e as instituições de crédito e, com isso, a forma da produção. No juro etc., as supostas formas de distribuição entram no preço como fatores determinantes da produção. Quanto à renda do solo, poder-se-ia pensar que é uma simples forma de distribuição, porque a propriedade imobiliária como tal não exerce nenhuma função ou, pelo menos, não exerce nenhuma função normal, no próprio processo da produção. Mas o fato de que: l.°) a renda do solo se limite ao remanescente sobre o lucro médio, e 2.°) o proprietário se veja rebaixado pelo dirigente e governante do processo de produção e de todo o processo da vida social ao papel de simples arrendatário da terra, de usurário desta e de mero perceptor de rendas, constitui um resultado histórico específico da produção capitalista. Uma premissa histórica deste regime de produção é o fato de que a terra tenha adotado a forma de propriedade imobiliária. O fato de que a propriedade territorial se apresente sob formas que permitam o regime capitalista de exploração da agricultura constitui um produto do caráter específico desse tipo de produção. Pode ocorrer que o que o proprietá rio receba, em outros tipos de sociedade, se chame também renda. Mas difere substancialmente da renda característica desse sistema de pro dução. As chamadas relações de distribuição correspondem, pois, a formas historicamente determinadas e especificamente sociais do processo de produção, das quais surgem, e às relações que os homens contraem entre si no processo de reprodução de sua vida humana. O caráter histórico dessas relações de distribuição é o caráter histórico das relações de produção, das quais aquelas só expressam um aspecto. A distribui ção capitalista difere das formas de distribuição que correspondem a outros tipos de produção, e cada forma de distribuição desaparece ao desaparecer a forma determinada de produção da qual nasce e à qual corresponde. O ponto de vista que só considera como históricas as relações dedistribuição, mas não as de produção, é, de um lado, o ponto de vista 81 da crítica já iniciada, mas ainda rudimentar, da economia burguesa. De outro lado, tem a sua base na confusão e identificação do processo social da produção com o processo simples de trabalho, tal como poderia ser executado por um indivíduo anormalmente isolado, sem qualquer ajuda da sociedade. Quando o processo de trabalho não é mais que um simples processo entre o Homem e a Natureza, seus elementos simples são comuns a todas as formas sociais de desenvol vimento do mesmo. Mas cada forma histórica concreta desse processo continua desenvolvendo suas bases materiais e suas formas históricas. Ao alcançar uma certa forma de amadurecimento, a forma histórica concreta é abandonada e deixa o posto para outra mais alta. A chegada do momento da crise se anuncia ao se apresentar e ganhar extensão e profundidade a contradição e o antagonismo entre as relações de distri buição e, portanto, a forma histórica concreta das relações de produção correspondentes a elas, por um lado, e, por outro lado, as forças produtivas, a capacidade de produção e o desenvolvimento de seus agentes. Surge, então, um conflito entre o desenvolvimento material da produção e sua forma social. 2 2 Veja-se a obra sobre Competition and Co-operation (1832?). 80 ramos sociais de produção. Por conseguinte, o lucro aparece, aqui, como fator fundamental, já não da distribuição dos produtos, mas sim de sua própria produção, como parte da distribuição dos capitais e do próprio trabalho entre diversos ramos de produção. O desdobramento do lucro em benefício do empresário e do juro aparece como distribui ção da própria renda. Mas, na verdade, surge do desenvolvimento do capital como valor que valoriza a si mesmo, que engendra mais-valia; surge desta forma social concreta do proceâso de produção imperante. Aí nascem o crédito e as instituições de crédito e, com isso, a forma da produção. No juro etc., as supostas formas de distribuição entram no preço como fatores determinantes da produção. Quanto à renda do solo, poder-se-ia pensar que é uma simples forma de distribuição, porque a propriedade imobiliária como tal não exerce nenhuma função ou, pelo menos, não exerce nenhuma função normal, no próprio processo da produção. Mas o fato de que: l.°) a renda do solo se limite ao remanescente sobre o lucro médio, e 2.°) o proprietário se veja rebaixado pelo dirigente e governante do processo de produção e de todo o processo da vida social ao papel de simples arrendatário da terra, de usurário desta e de mero perceptor de rendas, constitui um resultado histórico específico da produção capitalista. Uma premissa histórica deste regime de produção é o fato de que a terra tenha adotado a forma de propriedade imobiliária. O fato de que a propriedade territorial se apresente sob formas que permitam o regime capitalista de exploração da agricultura constitui um produto do caráter específico desse tipo de produção. Pode ocorrer que o que o proprietá rio receba, em outros tipos de sociedade, se chame também renda. Mas difere substancialmente da renda característica desse sistema de pro dução. As chamadas relações de distribuição correspondem, pois, a formas historicamente determinadas e especificamente sociais do processo de produção, das quais surgem, e às relações que os homens contraem entre si no processo de reprodução de sua vida humana. O caráter histórico dessas relações de distribuição é o caráter histórico das relações de produção, das quais aquelas só expressam um aspecto. A distribui ção capitalista difere das formas de distribuição que correspondem a outros tipos de produção, e cada forma de distribuição desaparece ao desaparecer a forma determinada de produção da qual nasce e à qual corresponde. O ponto de vista que só considera como históricas as relações de distribuição, mas não as de produção, é, de um lado, o ponto de vista 81 da crítica já iniciada, mas ainda rudimentar, da economia burguesa. De outro lado, tem a sua base na confusão e identificação do processo social da produção com o processo simples de trabalho, tal como poderia ser executado por um indivíduo anormalmente isolado, sem qualquer ajuda da sociedade. Quando o processo de trabalho não é mais que um simples processo entre o Homem e a Natureza, seus elementos simples são comuns a todas as formas sociais de desenvol vimento do mesmo. Mas cada forma histórica concreta desse processo continua desenvolvendo suas bases materiais e suas formas históricas. Ao alcançar uma certa forma de amadurecimento, a forma histórica concreta é abandonada e deixa o posto para outra mais alta. A chegada do momento da crise se anuncia ao se apresentar e ganhar extensão e profundidade a contradição e o antagonismo entre as relações de distri buição e, portanto, a forma histórica concreta das relações de produção correspondentes a elas, por um lado, e, por outro lado, as forças produtivas, a capacidade de produção e o desenvolvimento de seus agentes. Surge, então, um conflito entre o desenvolvimento material da produção e sua forma social. 2 2 Veja-se a obra sobre Competition and Co-operation (1832?). 4. INFRA-ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA 4.1. O “prefácio” da Contribuição à Crítica da Economia Política * O primeiro trabalho que empreendi, para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito, de Hegel, trabalho cuja introdução apareceu nos Anais Franco-alemães, publica dos em Paris, em 1844. Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em seu conjunto, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei, também, à conclusão de que a anatomia da sociedade deve ser procurada na Economia política. Eu havia começado o estudo desta última em Paris e o continuara em Bruxelas, bnde eu me havia estabelecido, em conse quência de uma sentença dé expulsão ditada pelo Sr. Guizot contra mim. O resultado geral a qpe cheguei e que, uma vez obtido, serviu de guia para meus estudos, jpode formular-se, (resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a; estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual corres pondem formas; sociais determinadas de consciência. O modo de * Reproduzido de Marx, K. “Prefácio.” In: Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. por Florestan Fernandes. São Paulo, Ed. .Flama, 1946. p. 30-32. 83 produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua cons ciência. Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade, no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas, que eram, essas relações convertem-se em seus entraves. Abre-se, então, uma era de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transtorna mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém^ distinguir, sempre, a transformação material das condições econômicas de produção — que podem ser verificadas, fielmente, coma ajuda das ciências físicas e naturais — e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas, sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até ao fim. Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela idéia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de abalos pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações de produção novas e supe riores não tomam jamais seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha sociedade. Eis por que a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á, sempre, que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir. Esboçados, em largos traços, os modos de produção asiáticos, antigos, feudais e burgueses modernos, podem ser designados como outras tantas épocas progressivas da formação social econômica. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social, antagônica não no sentido de um antagonismo indivi dual, mas de um antagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver este antagonismo. Com esta formação social termina, pois, a pré-história da sociedade humana. 4. INFRA-ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA 4.1. O “prefácio” da Contribuição à Crítica da Economia Política * O primeiro trabalho que empreendi, para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito, de Hegel, trabalho cuja introdução apareceu nos Anais Franco-alemães, publica dos em Paris, em 1844. Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em seu conjunto, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei, também, à conclusão de que a anatomia da sociedade deve ser procurada na Economia política. Eu havia começado o estudo desta última em Paris e o continuara em Bruxelas, bnde eu me havia estabelecido, em conse quência de uma sentença dé expulsão ditada pelo Sr. Guizot contra mim. O resultado geral a qpe cheguei e que, uma vez obtido, serviu de guia para meus estudos, jpode formular-se, (resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a; estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual corres pondem formas; sociais determinadas de consciência. O modo de * Reproduzido de Marx, K. “Prefácio.” In: Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. por Florestan Fernandes. São Paulo, Ed. .Flama, 1946. p. 30-32. 83 produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua cons ciência. Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade, no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas, que eram, essas relações convertem-se em seus entraves. Abre-se, então, uma era de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transtorna mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém^ distinguir, sempre, a transformação material das condições econômicas de produção — que podem ser verificadas, fielmente, com a ajuda das ciências físicas e naturais — e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas, sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até ao fim. Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela idéia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de abalos pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações de produção novas e supe riores não tomam jamais seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha sociedade. Eis por que a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á, sempre, que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir. Esboçados, em largos traços, os modos de produção asiáticos, antigos, feudais e burgueses modernos, podem ser designados como outras tantas épocas progressivas da formação social econômica. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social, antagônica não no sentido de um antagonismo indivi dual, mas de um antagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver este antagonismo. Com esta formação social termina, pois, a pré-história da sociedade humana. 84 4.2. Carta de Marx a P. V. Aiuienkov * [Bruxelas], 28 de dezembro [de 1846]. O senhor teria recebido minha resposta à sua carta de l.° de ' novembro, já há muito tempo, se meu livreiro não me tivesse mandado somente na semana passada a obra do senhor Proudhon A Filosofia da Miséria. Li-a rapidamente, em dois dias apenas, a fim de trans mitir-lhe, sem perda de tempo, minha opinião. Por tê-la lido apressa-à verdade? Por que o senhor Proudhon recorre, em suas especulações, a um hegelianismo superficial para pare cer um esprit fortl Ê o mesmo senhor Proudhon quem nos dá a chave do enigma. Para ele, a História é uma série determinada de desenvolvimentos sociais. Vê na História a realização do progresso. Julga, finalmente, que os homens, tomados como indivíduos, não sabiam o que faziam e imagi navam de modo errôneo seu próprio movimento, isto é, que seu desen- \ volvimento social parece, à primeira vista, algo diferente, separado, j independente de seu desenvolvimento individual. O senhor Proudhon * Reproduzido de Marx, K. e Engels, F. Obras escogidas. Moscou, Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1952. t. II, p. 414-24. Trad. por Maria Elisa Mascarenhas. 85 não pode explicar esses fatos e recorre, então, à sua hipótese — verdadeiro achado — da razão universal que se revela a si mesma. Nada mais fácil que inventar causas místicas, isto é, frases, quando se carece de bom-senso. Mas, uma vez que o senhor Proudhon reconhece que não com preende, de modo algum, o desenvolvimento histórico da humanidade — como faz ao apelar para palavras sonoras: razão universal, Deus etc. — não estaria ele, por acaso, reconhecendo, também, implicita mente, que é incapaz de compreender o desenvolvimento econômico! Que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação recíproca dos homens. Podem os homens eleger livremente esta ou aquela forma social? Nada disso. A um determinado nível do desenvolvimento das forças produtivas dos homens corresponde uma determinada forma de comércio e de consumo. A determinadas fases de desenvolvimento da produção, do comércio, do consumo correspon dem determinadas formas de organização social, uma determinada organização da família, das camadas sociais ou das classes; em síntese: uma determinada sociedade civil. A uma determinada sociedade civil corresponde um determinado Estado político, que não é mais que a expressão oficial daquela. Isto é o que o senhor Proudhon jamais chegará a compreender, pois acredita que concebe grandiosidade, quando fala da sociedade civil como decorrência do Estado, isto é, da síntese oficial da sociedade como fruto da sociedade oficial. Falta acrescentar que os homens não arbitram livremente sobre suas forças produtivas — base de toda a sua História, pois toda força produtiva é uma força já adquirida, produto de uma atividade anterior. Portanto, as forças produtivas são o resultado da energia posta em prática pelos homens; mas essa energia é determinada, ela mesma, pelas con dições em que os homens se encontram, pelas forças produtivas já adquiridas, pela forma social que lhes é anterior, que eles não criaram e que é produto da geração prévia. O simples fato de que toda geração nova se defronta com forças produtivas adquiridas pela geração prece dente e que servem de matéria-prima para a nova produção, dá à História um encadeamento, forjando uma História da Humanidade, que é tanto mais a História da Humanidade quanto maior for o desenvol vimento de suas forças produtivas e, por conseguinte, de suas relações sociais. Conseqüência obrigatória: a história social dos homens nada mais é que a história de seu desenvolvimento individual, tenham, ou não eles próprios consciência disso. Suas relações materiais formam a base de todas as demais relações. Essas relações materiais não são mais que 84 4.2. Carta de Marx a P. V. Aiuienkov * [Bruxelas], 28 de dezembro [de 1846]. O senhor teria recebido minha resposta à sua carta de l.° de ' novembro, já há muito tempo, se meu livreiro não me tivesse mandado somente na semana passada a obra do senhor Proudhon A Filosofia da Miséria. Li-a rapidamente, em dois dias apenas, a fim de trans mitir-lhe, sem perda de tempo, minha opinião. Por tê-la lido apressa-forjando uma História da Humanidade, que é tanto mais a História da Humanidade quanto maior for o desenvol vimento de suas forças produtivas e, por conseguinte, de suas relações sociais. Conseqüência obrigatória: a história social dos homens nada mais é que a história de seu desenvolvimento individual, tenham, ou não eles próprios consciência disso. Suas relações materiais formam a base de todas as demais relações. Essas relações materiais não são mais que 86 as formas necessárias sob as quais se realiza sua atividade material e individual. O senhor Proudhon confunde as idéias com as coisas. Os homens nunca renunciam ao que já conquistaram; mas isso não quer dizer que nunca renunciem às formas sociais sob as quais adquiriram determina das forças produtivas. Muito pelo contrário: para não se verem privados dos resultados adquiridos, para não perderem os frutos da civilização, os homens se vêem constrangidos, a partir do momento em que a forma de seu comércio já não corresponde às forças produtivas alcançadas, a modificar todas as suas formas sociais tradicionais. Emprego, aqui, a palavra “comércio”, em seu sentido mais amplo, para designar o que em alemão denominamos FerA:e/zr. Assim3 por exemplo, os privilégios, a instituição de grêmios e corporações, as numerosas relações estabe lecidas entre os homens, na Idade Média, eram relações sociais que correspondiam tão-somente às forças produtivas adquiridas e ao estado social anterior, do qual essas instituições haviam brotado. Sob a tutela do regime das corporações e das ordenanças, foram acumulados capitais, desenvolveu-se um comércio marítimo, foram fundadas colônias; e os homens teriam perdido esses frutos de sua atividade, se tivessem se empenhado em conservar as formas à sombra das quais estes haviam amadurecido. Em razão disso, duas revoluções ocorreram: a de 1640 e a de 1688. Na Inglaterra, foram abolidas todas as antigas formas econômicas, as relações sociais a elas correspondentes e a situação política, que era a expressão oficial da velha sociedade civil. Assim, as formas econômicas, sob as quais os homens produzem, consomem e permutam, são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças pro dutivas, os homens mudam seu modo de produção e, com este, também, todas as relações econômicas, que nada mais eram que as relações necessárias àquele modo concreto de produção. • Isto é o que o senhor Proudhon não soube compreender, e, menos ainda, demonstrar. Incapaz de seguir o movimento real da História, ele nos oferece divagações supostamente dialéticas. Não sente a neces sidade de abordar os séculos XVII, XVIII e XIX, porque sua história se passa nos nebulosos ambientes da imaginação, e paira, muito alto, acima do tempo e do espaço. Em resumo, isso não é a História; todas essas idéias são velhas tolices hegelianas; não é uma história profana, mas sim uma história sagrada ■—■ a história das idéias. Em seu modo de ver, o homem é apenas um instrumento do qual se vale a idéia ou a razão eterna, para se desenvolver. ' As evoluções de que nos fala o senhor Proudhon são concebidas como evoluções que se efetivam no 87 seio místico da idéia absoluta. Se alguém arranca o véu dessa linguagem mística, o que se revela é a ordem em que as categorias econômicas estão alinhadas na cabeça do senhor Proudhon. Não me esforçarei muito para lhe provar que esta é a ordem de um cérebro muito desor denado. O senhor Proudhon inicia o seu livro com uma dissertação sobre o valor, que é seu tema predileto. Não entrarei, aqui, na análise dessa dissertação. A série de evoluções econômicas da razão eterna começa com a divisão do trabalho. Para o senhor Proudhon, a divisão do trabalho é uma coisa bem simples. Mas não foi o regime das castas uma determi nada divisão do trabalho? Não foi o regime das corporações outra divisão do trabalho? E a divisão do trabalho do regime da manufatura, que começou em meados do século XVII e terminou em fins do século XVIII, na Inglaterra, não foi, por sua vez, totalmente diferente daquela da grande indústria, da indústria moderna? O senhor Proudhon está tão longe da verdade, que omite, inclusive, o que os economistas profanos já tomam em consideração. Quando fala da divisão do trabalho, esquiva-se, por achar desnecessário, de falar do mercado mundial. Então, acaso a divisão do trabalho nos séculos XIV e XV, quando ainda não havia colônias, quando a América não existia ainda para a Europa, e só se podia chegar à Ásia Oriental através de Constantinopla, não era diferente, em essência, da que se verificou no século XVII, quando as colônias já se encontravam desen volvidas? Mas isso não é tudo. Toda organização interna dos povos, todas as suas relações internacionais são, porventura, outra coisa além da expressão de certa divisão do trabalho? Não devem, pois, alterar-se com as modificações da divisão do trabalho? O senhor Proudhon compreendeu tão pouco o problema da divisão do trabalho, que nem sequer fala da separação entre cidade e campo, que na Alemanha, por exemplo, se operou entre os séculos IX e XII. Assim, portanto, essa separação deve ser uma lei eterna para o senhor Proudhon, já que ele não conhece nem sua origem nem seu desenvol vimento. Em. todo o seu livro ele fala como se essa criação de um modo de produção determinado devesse existir até ao fim do mundo. Tudo o que o senhor Proudhon diz sobre a divisão do trabalho é apenas um resumo, certamente muito superficial e incompleto, do que foi dito anteriormente por Adam Smith e milhares de outros autores. 86 as formas necessárias sob as quais se realiza sua atividade material e individual. O senhor Proudhon confunde as idéias com as coisas. Os homens nunca renunciam ao que já conquistaram; mas isso não quer dizer que nunca renunciem às formas sociais sob as quais adquiriram determina das forças produtivas. Muito pelo contrário: para não se verem privados dos resultados adquiridos, para não perderem os frutos da civilização, os homens se vêem constrangidos, a partir do momento em que a forma de seu comércio já não corresponde às forças produtivas alcançadas, a modificar todas as suas formas sociais tradicionais. Emprego, aqui, a palavra “comércio”, em seu sentido mais amplo, para designar o que em alemão denominamos FerA:e/zr. Assim3 por exemplo, os privilégios, a instituição de grêmios e corporações, as numerosas relações estabe lecidas entre os homens, na Idade Média, eram relações sociais que correspondiam tão-somente às forças produtivas adquiridas e ao estado social anterior, do qual essas instituições haviam brotado. Sob a tutela do regime das corporações e das ordenanças, foram acumulados capitais, desenvolveu-se um comércio marítimo, foram fundadas colônias; e os homens teriam perdido esses frutos de sua atividade, se tivessem se empenhado em conservar as formas à sombra das quais estes haviam amadurecido. Em razão disso, duas revoluções ocorreram: a de 1640 e a de 1688. Na Inglaterra, foram abolidas todas as antigas formas econômicas, as relações sociais a elas correspondentes e a situação política, que era a expressão oficial da velha sociedade civil. Assim, as formas econômicas, sob as quais os homens produzem, consomem e permutam, são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças pro dutivas, os homens mudam seu modo de produção e, com este, também, todas as relações econômicas, que nada mais eram que as relações necessárias àquele modo concreto de produção. • Isto é o que o senhor Proudhon não soube compreender, e, menos ainda, demonstrar. Incapaz de seguir o movimento real da História, ele nos oferece divagações supostamente dialéticas. Não sente a neces sidade de abordar os séculos XVII, XVIII e XIX, porque sua história se passa nos nebulosos ambientes da imaginação, e paira, muito alto, acima do tempo e do espaço. Em resumo, isso não é a História; todas essas idéias são velhas tolices hegelianas; não é uma história profana, mas sim uma históriaas relações, os processos e as estruturas capitalistas. Opera como uma técnica de desmascaramento, pois que exige a crítica das idéias, conceitos ou representações, sob os quais as pessoas, as classes sociais e as coisas aparecem na consciência e na Ciência. Não seria possível explicar a mercadoria, como um sistema de relações (dos homens com a natureza e entre si, na produção e reprodução de si mesmos) sem desvendar o seu “caráter místico”. Depois de mostrar como o valor-de-uso esconde o valor-de-troca e ambos escondem o valor-trabalho, de mostrar, portanto, que a mercadoria é trabalho social cristalizado e alienado, Marx se dedica a examinar o seu fetichismo. Isto é, depois de ver a mercadoria na perspectiva do seu produtor, o operário, ele se dedica a examinar como a mercadoria é vista e apresentada pelo capitalista, ou a sua Ciência, a Economia política. Na consciência e na ciência da burguesia, a mercadoria aparece como ela não é; apresenta-se coisificada, como se tivesse propriedades exclusivas, independentes do produtor e das relações de produção. A classe dominante tende a projetar e impor essa maneira de ver a todas as outras classes, inclusive e principalmente ao proletariado. “O caráter misterioso da mercadoria assenta, pura e simples mente, em que proteja ante os homens o caráter social dos seus 5 Marx, K. El capital, t. I, p. 17; O Capital, liv. 1, p. 16. 6 Marx, K. El capital, t. III, p. 948. laura . alice alcantara . 12 trabalhos como se fosse um cárater’material dos próprios pro dutos do trabalho, um dom social natural desses objetos; e como se, portanto, a relação social, que media os produtores e o tra balho coletivo da sociedade, fosse uma relação social estabelecida entre os próprios objetos, à margem dos seus produtores. Este quid pro quo é que converte os produtos de trabalho em mer cadoria, em objetos fisicamente metafísicos ou em objetos so ciais. (...) Ocorre que a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho, em que essa forma toma corpo, não têm absolutamente nada que ver com seu caráter físico, nem com as relações materiais que derivam desse caráter. O que aqui toma, aos olhos dos homens, a forma fantasmagórica de uma relação entre objetos materiais não é mais do que uma relação social concreta estabelecida entre os próprios homens. Assim, se que remos encontrar uma analogia com esse fenômeno, precisamos elevar-nos às regiões nebulosas do mundo da religião, onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria, de existência independente, mantendo tanto relações entre si como com os homens. Isto é o que ocorre no mundo das mercadorias, com os produtos da mão do Homem. E isto é o que eu chamo o fetichismo que adere aos produtos do tra balho, tão logo são criados sob a forma de mercadorias, e que é inseparável, por conseguinte, deste sistema de produção.” 7 É óbvio que os fetichismos de todo o tipo são indispensáveis à existência e à persistência das relações alienadas que as pessoas, os grupos e as classes sociais desenvolvem entre si e com os produtos das suas atividades. Entretanto, na ocasião em que se realiza a descoberta científica do verdadeiro caráter dessas rela ções, quando se desvendam e desmascaram as suas significações, nessa ocasião os fetichismos começam a perder eficácia. A nova interpretação adere às relações sociais como algo que também lhe é intrínseco, e tende a desvendar os reflexos, as formas invertidas, os fetichismos que encobrem ou sombreiam as determinações essenciais, particularmente as contradições, que governam essas relações. É na análise de Marx que todo capitalismo se toma transparente, desde as figurações da mercadoria até às figurações das relações entre as pessoas, desde os encadeamentos entre a sociedade e o Estado até às contradições de classes. “Ao Homem, de certa forma, ocorre o mesmo que às mercado rias. Como não vem ao mundo provido de um espelho, nem pro- 7 Marx, K. El capital, t. I, p. 80-81; O Capital, liv. 1, p. 81. \13 clamando filosoficamente, como Fichte, “eu sou eu”, o Homem se vê e reconhece primeiramente em seu semelhante. Para referir-se a si mesmo como Homem, o homem Pedro tem que começar por referir-se ao homem Paulo como seu igual. Assim fazendo, o tal Paulo é, para ele, com os seus cabelos e sinais, e toda sua corporeidade paulina, a forma ou a manifestação sob a qual se reveste o gênero homem.” 8 “Quando se examina mais de perto a situação e os partidos, desa parece essa aparência superficial que dissimula a lufa de classes e a fisionomia peculiar da época.” 9 A análise dialética ao mesmo tempo constitui e transforma o objeto. Adere destrutivamente ao objeto, na medida em que desvenda e desmascara os seus fetichismos, as suas contradições e os seus movimentos. Desde o instante em que se formula, a interpretação marxista do capitalismo torna-se imprescindível à existência histórica deste. Ao tomar transparente o encadeamento dos homens e dos produtos da sua atividade, entre si e recipro camente, a análise desvenda o caráter e as tendências dos antago nismos que governam o andamento revolucionário e histórico do capitalismo. Na essência do capitalismo estão, ao mesmo tempo, a mais-valia, que funda a acumulação de capital, e o proletariado, que produz a mais-valia. Desde o momento em que descobre que é ele quem produz o capital, ao produzir mais-valia, o proletariado começa a libertar-se da dominação burguesa. Esse é o primeiro momento no processo de realização da sua hegemonia. 2. Classes sociais e contradições de classes Marx realizou várias descobertas revolucionárias, envolvendo a História, a Economia política, a Lógica, bem como outros campos das Ciências Sociais e da Filosofia. O que singulariza essas descobertas, no entanto, é o fato de que todas são relaciona das entre si, todas estão reciprocamente_en.cadeadas. Aind-a—que se po§sa_disaitir^|^juventud?^)e a (maturidade^) ou av‘ruptura> e a ycontinuidadejXa obra de Marx, as suas descobertas exigem, onde quer que as tomemos, que as vejamos sempre em seus des dobramentos e detenpinações mútuos. E isso nos parece evidente, 8 Marx, K. El capital, t. I, p. 59; O Capital. Üv. 1, p. 60. 9 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Ed. Escriba, 1968. p. 48. alice alcantara . 12 trabalhos como se fosse um cárater’material dos próprios pro dutos do trabalho, um dom social natural desses objetos; e como se, portanto, a relação social, que media os produtores e o tra balho coletivo da sociedade, fosse uma relação social estabelecida entre os próprios objetos, à margem dos seus produtores. Este quid pro quo é que converte os produtos de trabalho em mer cadoria, em objetos fisicamente metafísicos ou em objetos so ciais. (...) Ocorre que a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho, em que essa forma toma corpo, não têm absolutamente nada que ver com seu caráter físico, nem com as relações materiais que derivam desse caráter. O que aqui toma, aos olhos dos homens, a forma fantasmagórica de uma relação entre objetos materiais não é mais do que uma relação social concreta estabelecida entre os próprios homens. Assim, se que remos encontrar uma analogia com esse fenômeno, precisamos elevar-nos às regiões nebulosas do mundo da religião, onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria, de existência independente, mantendo tanto relações entre si como com os homens. Isto é o que ocorre no mundo das mercadorias, com os produtos da mão do Homem. E isto é o que eu chamo o fetichismo que adere aos produtos do tra balho, tão logo são criados sob a forma de mercadorias, e que é inseparável, por conseguinte, deste sistema de produção.” 7 É óbvio que os fetichismos de todo o tipo são indispensáveis à existência e à persistência das relações alienadas que as pessoas, os grupos e as classes sociais desenvolvem entre si e com os produtos das suas atividades.sagrada ■—■ a história das idéias. Em seu modo de ver, o homem é apenas um instrumento do qual se vale a idéia ou a razão eterna, para se desenvolver. ' As evoluções de que nos fala o senhor Proudhon são concebidas como evoluções que se efetivam no 87 seio místico da idéia absoluta. Se alguém arranca o véu dessa linguagem mística, o que se revela é a ordem em que as categorias econômicas estão alinhadas na cabeça do senhor Proudhon. Não me esforçarei muito para lhe provar que esta é a ordem de um cérebro muito desor denado. O senhor Proudhon inicia o seu livro com uma dissertação sobre o valor, que é seu tema predileto. Não entrarei, aqui, na análise dessa dissertação. A série de evoluções econômicas da razão eterna começa com a divisão do trabalho. Para o senhor Proudhon, a divisão do trabalho é uma coisa bem simples. Mas não foi o regime das castas uma determi nada divisão do trabalho? Não foi o regime das corporações outra divisão do trabalho? E a divisão do trabalho do regime da manufatura, que começou em meados do século XVII e terminou em fins do século XVIII, na Inglaterra, não foi, por sua vez, totalmente diferente daquela da grande indústria, da indústria moderna? O senhor Proudhon está tão longe da verdade, que omite, inclusive, o que os economistas profanos já tomam em consideração. Quando fala da divisão do trabalho, esquiva-se, por achar desnecessário, de falar do mercado mundial. Então, acaso a divisão do trabalho nos séculos XIV e XV, quando ainda não havia colônias, quando a América não existia ainda para a Europa, e só se podia chegar à Ásia Oriental através de Constantinopla, não era diferente, em essência, da que se verificou no século XVII, quando as colônias já se encontravam desen volvidas? Mas isso não é tudo. Toda organização interna dos povos, todas as suas relações internacionais são, porventura, outra coisa além da expressão de certa divisão do trabalho? Não devem, pois, alterar-se com as modificações da divisão do trabalho? O senhor Proudhon compreendeu tão pouco o problema da divisão do trabalho, que nem sequer fala da separação entre cidade e campo, que na Alemanha, por exemplo, se operou entre os séculos IX e XII. Assim, portanto, essa separação deve ser uma lei eterna para o senhor Proudhon, já que ele não conhece nem sua origem nem seu desenvol vimento. Em. todo o seu livro ele fala como se essa criação de um modo de produção determinado devesse existir até ao fim do mundo. Tudo o que o senhor Proudhon diz sobre a divisão do trabalho é apenas um resumo, certamente muito superficial e incompleto, do que foi dito anteriormente por Adam Smith e milhares de outros autores. 88 A segunda evolução refere-se às máquinas. Para o senhor Proudhon, a conexão existente entre a divisão do trabalho e as má quinas é inteiramente mística. Cada uma das formas de divisão do trabalho tem seus instrumentos de produção específicos. Desde o meado do século XVII até o do XVIII, por exemplo, os homens já não faziam tudo apenas manualmente. Possuíam instrumentos, e instru mentos bastante complexos, como teares, navios, alavancas etc., etc. Assim, portanto, nada mais ridículo que derivar as máquinas da divisão do trabalho em geral. Assinalo, também, rapidamente, que se o senhor Proudhon não logrou compreender a origem histórica das máquinas, menos ainda compreendeu o seu desenvolvimento. Podemos dizer que, até 1825, data da primeira crise mundial, as necessidades do consumo cresciam, em geral, mais rapidamente que a produção, e o desenvolvimento das máquinas foi, desse modo, conseqüência forçada das necessidades do mercado. A partir de 1825, a invenção e a aplicação de novas máquinas foram apenas um resultado da guerra entre operários e patrões. Mas isto só é válido quando dito em relação à Inglaterra. Quanto às nações da Europa continental, estas se viram obrigadas a empregar as máquinas por causa da concorrência' que lhes faziam os ingleses, tanto em seus próprios mercados quanto no mercado mundial. Finalmente, na América do Norte, a introdução da maquinaria foi devida tanto à concorrência com outros países como à escassez de mão-de-obra, isto é, à desproporção entre a povoação do país e as suas necessidades industriais. Por tais fatos pode o senhor ver a saga cidade apresentada pelo senhor Proudhon, quando conjura o fan tasma da concorrência como a terceira evolução, como a antítese das máquinas! Finalmente, é, em geral, um verdadeiro absurdo fazer das máquinas uma categoria econômica, ao lado da divisão do trabalho, da concor rência, do crédito etc. A máquina tem tanto de categoria econômica quanto o boi que puxa o arado. A utilização atual das máquinas é uma das relações de nosso regime econômico presente; mas uma coisa são as máquinas e outra coisa é o modo de utilizá-las. A pólvora continua sendo pólvora, indiferentemente, quer seja utilizada para ferir quer para curar. O senhor Proudhon supera a si mesmo, quando permite que a concorrência, o monopólio, os impostos ou a polícia, a balança comercial, o crédito e a propriedade se desenvolvam, no interior de 89 seu cérebro, precisamente na ordem em que aqui indico. Quase todas as instituições de crédito já se haviam desenvolvido, na Inglaterra, no começo do século XVIII, antes da invenção das máquinas. O crédito público não era mais que uma nova maneira de se elevar os impostos e de se satisfazer as novas demandas originadas pela chegada da bur guesia ao Poder. Finalmente, a propriedade constitui a última categoria no sistema do senhor Proudhon. No mundo real, pelo contrário, a divisão do trabalho e todas as demais categorias do senhor Proudhon são relações sociais, cujo conjunto forma o que atualmente se denomina propriedade} fora dessas relações, a propriedade burguesa é apenas uma ilusão metafísica ou jurídica. A propriedade de çutra época, a proprie dade feudal, se desenvolve em uma série de relações sociais completa mente distintas. Quando estabelece a propriedade como uma relação independente, o senhor Proudhon comete algo mais que um mero erro de método: prova, claramente, que não compreendeu o vínculo que liga todas as formas da produção burguesa} que não compreendeu o caráter histórico e transitório das formas da produção, numa época determinada. O senhor Proudhon só pode fazer uma crítica dogmática às nossas instituições, pois não as considera como produtos históricos, e não com preende nem sua origem nem sua evolução. Assim, o senhor Proudhon se vê constragido a recorrer a uma ficção para explicar o desenvolvimento. Pensa que a divisão do tra balho, o crédito, as máquinas etc. foram inventadas para servirem à sua idéia fixa, à idéia da igualdade. Sua explicação é de uma ingenui dade sublime. Essas coisas foram inventadas para a igualdade, mas, infelizmente, voltaram-se contra ela. Este é todo o seu argumento. Em outras palavras, faz uma suposição gratuita, e, como o desenvolvimento real e sua ficção se contradizem, a cada passo, conclui, inevitavelmente, que há uma contradição. Oculta o fato de que a contradição existe unicamente entre suas obsessões e o movimento real. Assim, portanto, o senhor Proudhon, devido, principalmente, à sua falta de conhecimentos históricos, não viu que os homens, ao desenvol verem suas forças produtivas, isto é, ao viverem, desenvolvem entre si certas relações, e que o caráter dessas relações se altera, necessariamente, com a modificação e o desenvolvimento dessas forças produtivas. Não viu que as categorias econômicas não são mais que abstrações dessas relações reais, e que somente são verdades enquanto estas últimas subsistem. Por conseguinte, incorre no erro dos economistas burgueses, que vêem, nessas categorias econômicas, leis eternas e não leis histó ricas, válidas apenas para certo desenvolvimento histórico, para um 88 A segunda evolução refere-se às máquinas. Para o senhor Proudhon, a conexão existente entre a divisão do trabalho e as má quinas é inteiramenteEntretanto, na ocasião em que se realiza a descoberta científica do verdadeiro caráter dessas rela ções, quando se desvendam e desmascaram as suas significações, nessa ocasião os fetichismos começam a perder eficácia. A nova interpretação adere às relações sociais como algo que também lhe é intrínseco, e tende a desvendar os reflexos, as formas invertidas, os fetichismos que encobrem ou sombreiam as determinações essenciais, particularmente as contradições, que governam essas relações. É na análise de Marx que todo capitalismo se toma transparente, desde as figurações da mercadoria até às figurações das relações entre as pessoas, desde os encadeamentos entre a sociedade e o Estado até às contradições de classes. “Ao Homem, de certa forma, ocorre o mesmo que às mercado rias. Como não vem ao mundo provido de um espelho, nem pro- 7 Marx, K. El capital, t. I, p. 80-81; O Capital, liv. 1, p. 81. \13 clamando filosoficamente, como Fichte, “eu sou eu”, o Homem se vê e reconhece primeiramente em seu semelhante. Para referir-se a si mesmo como Homem, o homem Pedro tem que começar por referir-se ao homem Paulo como seu igual. Assim fazendo, o tal Paulo é, para ele, com os seus cabelos e sinais, e toda sua corporeidade paulina, a forma ou a manifestação sob a qual se reveste o gênero homem.” 8 “Quando se examina mais de perto a situação e os partidos, desa parece essa aparência superficial que dissimula a lufa de classes e a fisionomia peculiar da época.” 9 A análise dialética ao mesmo tempo constitui e transforma o objeto. Adere destrutivamente ao objeto, na medida em que desvenda e desmascara os seus fetichismos, as suas contradições e os seus movimentos. Desde o instante em que se formula, a interpretação marxista do capitalismo torna-se imprescindível à existência histórica deste. Ao tomar transparente o encadeamento dos homens e dos produtos da sua atividade, entre si e recipro camente, a análise desvenda o caráter e as tendências dos antago nismos que governam o andamento revolucionário e histórico do capitalismo. Na essência do capitalismo estão, ao mesmo tempo, a mais-valia, que funda a acumulação de capital, e o proletariado, que produz a mais-valia. Desde o momento em que descobre que é ele quem produz o capital, ao produzir mais-valia, o proletariado começa a libertar-se da dominação burguesa. Esse é o primeiro momento no processo de realização da sua hegemonia. 2. Classes sociais e contradições de classes Marx realizou várias descobertas revolucionárias, envolvendo a História, a Economia política, a Lógica, bem como outros campos das Ciências Sociais e da Filosofia. O que singulariza essas descobertas, no entanto, é o fato de que todas são relaciona das entre si, todas estão reciprocamente_en.cadeadas. Aind-a—que se po§sa_disaitir^|^juventud?^)e a (maturidade^) ou av‘ruptura> e a ycontinuidadejXa obra de Marx, as suas descobertas exigem, onde quer que as tomemos, que as vejamos sempre em seus des dobramentos e detenpinações mútuos. E isso nos parece evidente, 8 Marx, K. El capital, t. I, p. 59; O Capital. Üv. 1, p. 60. 9 Marx, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Ed. Escriba, 1968. p. 48. laura . 14 seja quando examinamos a sua obra ao longo do processo da sua produção, seja quando a tomamos em termos do seu encadea mento lógico interno. Para concretizar um pouco a discussão das duas perspectivas sugeridas, vejamos como se revelam na formu lação da teoria da luta de classes. Em quase todas as obras de Marx há uma preocupação persistente e preponderante com. o caráter das classes sociais, isto é, as condições e conseqüências dos seus antagonismos è lutas na sociedade capitalista. Para Marx, em última instância, a historicidade, ou seja, a transitoriedade do capitalismo, depende do desenvolvimento desses antagonismos e lutas. Fundamental mente, o confronto por meio do qual o capitalismo entra em colapso final é o confronto entre o proletariado e a burguesia, pois que, para ele, essas são as duas classes substantivas do regime. Uma, a burguesia, é a classe revolucionária que constrói o capitalismo, depois de ter surgido com o desenvolvimento e a desagregação das relações de produção do feudalismo. A outra, o proletariado, é a classe revolucionária que nega o capitalismo e luta para criar a sociedade sem classes, no socialismo. A preo cupação com essa problemática surge e ressurge em muitas ocasiões e sob os seus diferentes aspectos. Ê inegável, no entanto, que a teoria da luta de classes formulada por Marx é uma contri buição Revolucionária, tanto no contexto da sua obra como relativamente a tudo o que se estava pensando na sua época ou se havia dito anteriormente. Ele próprio situa essa contribuição com clareza. “No que me diz respeito, nenhum crédito me cabe pela desco berta da existência de classes na sociedade moderna ou da luta entre elas. Muito antes de mim, historiadores burgueses haviam descrito o desenvolvimento histórico da luta de classes, e econo- ■ mistas burgueses, a anatomia econômica das classes. O que fiz de novo foi provar: 1) que a existência de classes somente tem lugar em determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção', 2) que a luta de classes necessariamente conduz à ditadura do proletariado, 3) que esta mesma ditadura não consti tui senão a transição no sentido da abolição de todas as classes e da sociedade sem classes.” 10 10 Marx, K. “Marx to I. Weydemeyer in New York.” (Carta datada de 5 de março de 1852.) In: Marx, K. e Engels, F. Selected Correspondence. Moscou, Progress Publishers, 1955. p. 69. 15 Aqui devemos recolocar o problema inicial: em que medida a teoria da luta de classes de Marx vai se produzindo ao longo da sua obra e em que medida ela responde ao desenvolvimento lógico da sua interpretação do capitalismo., Vejamos, agora, o primeiro movimento da reflexão de Marx sobre o tema. Já nos seus primeiros escritos, Marx revela uma preocupação constante e preponderante com as questões sociais geradas com a formação e a expansão do capitalismo. Desde o início, ele aborda' a alienação das gentes na óptica da divisão sociaí do trabalho. Encara esse processo social como uma coqdição da alienação que marca a existência social no regime capitalista. Em A Ideologia Alemã, onde os problemas são postos frequentemente em termos de primeiros princípios, encontramos uma reflexão como esta: “A partir do momento em que começa a dividir-se o trabalho, cada um se move num círculo determinado e exclusivo de ativi dades, que lhe é imposto e do qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor, ou crítico crítico, e não há remédio senão continuar a sê-lo, se não quiser ver-se privado dos meios de vida”. 11 Nessa época, conforme ele próprio o indica, ao referir-se ironicamente ao “crítico crítico”, Marx está polemizando com os neo-hegelianos de direita. Sob certo aspecto, ele está levando a crítica do pensamento hegeliano, na medida em que reaparece na linguagem e nos temas dos seus discípulos, às últimas conse qüências. Ao mesmo tempo, no entanto, Marx já está retirando as conseqüências sociais da concepção otimista da economia política clássica inglesa sobre a divisão social do trabalho. En quanto Adam Smith via na divisão social do trabalho o processo por meio do qual as forças produtivas podiam desenvolver-se e generalizar os benefícios do capitalismo, inclusive em âmbito Á?rRci°£aÁMa£A JÁ 0 ÁÇaÃLzava com° uma^_ das_ f quais se concretizam as relações de alienação ~e antagonismo que estão na base do capitalismo. Tanto assim que retoma as impli cações econômicas e sociais da divisão social do trabalho em O Capital, na mesma busca das relações alienação do produtor no sistema capitalista. que fundamentam a Para Marx, a força 11 Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. Montevidéu, Ediciones Pueblos Unidos, 1958. p. 33. alice alcantara . laura . 14 seja quando examinamos a sua obra ao longo do processo da sua produção,seja quando a tomamos em termos do seu encadea mento lógico interno. Para concretizar um pouco a discussão das duas perspectivas sugeridas, vejamos como se revelam na formu lação da teoria da luta de classes. Em quase todas as obras de Marx há uma preocupação persistente e preponderante com. o caráter das classes sociais, isto é, as condições e conseqüências dos seus antagonismos è lutas na sociedade capitalista. Para Marx, em última instância, a historicidade, ou seja, a transitoriedade do capitalismo, depende do desenvolvimento desses antagonismos e lutas. Fundamental mente, o confronto por meio do qual o capitalismo entra em colapso final é o confronto entre o proletariado e a burguesia, pois que, para ele, essas são as duas classes substantivas do regime. Uma, a burguesia, é a classe revolucionária que constrói o capitalismo, depois de ter surgido com o desenvolvimento e a desagregação das relações de produção do feudalismo. A outra, o proletariado, é a classe revolucionária que nega o capitalismo e luta para criar a sociedade sem classes, no socialismo. A preo cupação com essa problemática surge e ressurge em muitas ocasiões e sob os seus diferentes aspectos. Ê inegável, no entanto, que a teoria da luta de classes formulada por Marx é uma contri buição Revolucionária, tanto no contexto da sua obra como relativamente a tudo o que se estava pensando na sua época ou se havia dito anteriormente. Ele próprio situa essa contribuição com clareza. “No que me diz respeito, nenhum crédito me cabe pela desco berta da existência de classes na sociedade moderna ou da luta entre elas. Muito antes de mim, historiadores burgueses haviam descrito o desenvolvimento histórico da luta de classes, e econo- ■ mistas burgueses, a anatomia econômica das classes. O que fiz de novo foi provar: 1) que a existência de classes somente tem lugar em determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção', 2) que a luta de classes necessariamente conduz à ditadura do proletariado, 3) que esta mesma ditadura não consti tui senão a transição no sentido da abolição de todas as classes e da sociedade sem classes.” 10 10 Marx, K. “Marx to I. Weydemeyer in New York.” (Carta datada de 5 de março de 1852.) In: Marx, K. e Engels, F. Selected Correspondence. Moscou, Progress Publishers, 1955. p. 69. 15 Aqui devemos recolocar o problema inicial: em que medida a teoria da luta de classes de Marx vai se produzindo ao longo da sua obra e em que medida ela responde ao desenvolvimento lógico da sua interpretação do capitalismo., Vejamos, agora, o primeiro movimento da reflexão de Marx sobre o tema. Já nos seus primeiros escritos, Marx revela uma preocupação constante e preponderante com as questões sociais geradas com a formação e a expansão do capitalismo. Desde o início, ele aborda' a alienação das gentes na óptica da divisão sociaí do trabalho. Encara esse processo social como uma coqdição da alienação que marca a existência social no regime capitalista. Em A Ideologia Alemã, onde os problemas são postos frequentemente em termos de primeiros princípios, encontramos uma reflexão como esta: “A partir do momento em que começa a dividir-se o trabalho, cada um se move num círculo determinado e exclusivo de ativi dades, que lhe é imposto e do qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor, ou crítico crítico, e não há remédio senão continuar a sê-lo, se não quiser ver-se privado dos meios de vida”. 11 Nessa época, conforme ele próprio o indica, ao referir-se ironicamente ao “crítico crítico”, Marx está polemizando com os neo-hegelianos de direita. Sob certo aspecto, ele está levando a crítica do pensamento hegeliano, na medida em que reaparece na linguagem e nos temas dos seus discípulos, às últimas conse qüências. Ao mesmo tempo, no entanto, Marx já está retirando as conseqüências sociais da concepção otimista da economia política clássica inglesa sobre a divisão social do trabalho. En quanto Adam Smith via na divisão social do trabalho o processo por meio do qual as forças produtivas podiam desenvolver-se e generalizar os benefícios do capitalismo, inclusive em âmbito Á?rRci°£aÁMa£A JÁ 0 ÁÇaÃLzava com° uma^_ das_ f quais se concretizam as relações de alienação ~e antagonismo que estão na base do capitalismo. Tanto assim que retoma as impli cações econômicas e sociais da divisão social do trabalho em O Capital, na mesma busca das relações alienação do produtor no sistema capitalista. que fundamentam a Para Marx, a força 11 Marx, K. e Engels, F. La ideologia alemana. Montevidéu, Ediciones Pueblos Unidos, 1958. p. 33. laura . laura . 16 individual de trabalho permanece inativa, estéril, se não se vende ao capital. Ela somente pode funcionar, criar valor, quando se articula, depois de vendida, às outras forças produtivas, nos quadros da divisão social do trabalho, organizada também como força produtiva, segundo as exigências da produção de mais-valia. Isto é, a força individual de trabalho somente pode funcionar em benefício do trabalhador se funcionar também, em benefício do capitalista. Na divisão social do trabalho, que impera na indústriaA o processo de dissociação entre o produtor e a propriedade dos meios de pródução alcança os seus maiores desenvolvimentos. Esse é o contexto em que o operário se transforma em operário parcial, em peça adjetiva da máquina. Devido à fragmentação' do processo produtivo, no desenvolvimento da divisão social do trabalho, o operário é levado a utilizar apenas uma parte das suas faculdades criativas. Toda a sua energia tende a esgotar-se na sucção de trabalho vivo pelo trabalho morto, isto é, na cristaliza ção de trabalho vivo segundo as determinações do capital. Muitas vezes, pois, a divisão social do trabalho traz consigo distorções no desenvolvimento e na expressividadg_física e espiritual dq operário. Nesses sentidos ê que a_ máquina aparece metafórica^ mente digerindo o operário. Esse grau de alienação, que passa pela divisão social do trabalho na fábrica" em cada setor eco nômico e na sociedade, é uma determinação da produção de mais-valia relativa. “Decompondo o ofício manual, especializando as ferramentas, formando os trabalhadores parciais, grupando-os e combinando-os num mecanismo único, a divisão manufatureira do trabalho cria a subdivisão qualitativa e a proporcionalidade quantitativa dos processos sociais de produção; cria, assim, determinada organiza ção do trabalho social e, com isso, desenvolve ao mesmo tempo nova força produtiva social do trabalho. A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históricas dadas, só poderia surgir sob forma especificamente capitalista. Como forma capitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir mais-valia relativa, ou de expandir os ganhos de capital, o que se chaipa de riqueza social, “Wealth of Nations” etc., as custas do trabalhador. Ela desenvolve a força produtiva do tra balho coletivo para o capitalista e não para o trabalhador e, além disso,,deforma o trabalhador individual. Produz novas condições de domínio do capital sobre o trabalho. Revela-se, de um lado, l 17 progresso histórico e fator necessário do desenvolvimento econô mico da sociedade, e, de outro, meio civilizado e refinado de exploração.” 12 / Pouco a pouco, Marx delineia a sua visão do capitalismo como uma sociedade na qual a burguesia e o proletariado são classes sociais revolucionárias e antagônicas^ Revolucionárias é antagônicas porque enquanto uma instaura o capitalismo, a outra começa a lutar pela destruição do regime no próprio, instante em que aparece. Porque aparece alienado no produto do seu trabalho, ao produzir mais-valia, o proletariado lutará para suplantar essa situação; Porque aparece, desde o princípiér, como a classe que se apropria da mais-valia, a burguesia começa a deixar de ser revolucionária na ocasião em que se constitui. Nesse instante, passa a preocupar-se principalmente com a preservaçãoe o aper feiçoamento do (stalus Por dentro da revolução burguesa começa a formar-se a revolução proletária. “Há algumas décadas, a história da indústria e do comércio não é mais que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as relações de produção e de propriedade, que condicio nam a existência da burguesia e sua dominação. (...) As forças produtivas de que dispõe (a sociedade) não favorecem mais o desenvolvimento das condições da propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se poderosas demais para essas condições, que se transformam em entraves; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da proprie dade burguesa. (...) As armas de que a burguesia se serviu para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia. Mas a burguesia não forjou somente as armas que lhe darão a morte; criou também os homens que manejarão essas armas — os operários modernos, os 'proletários'. (...) Ora, a indústria, desenvolvendo-se, não somente engrossa o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; os proletários aumentam em força e adqui rem mais clara consciência de sua força. (...) Os choques in dividuais entre ó operário e o burguês tomam cada vez mais o caráter de choques entre duas classes. Os operários começam 12 Marx, K. El capital, t. I, p. 404; O Capital. Jiv. 1, p. 417-18. alice alcantara . alice alcantara . laura . 16 individual de trabalho permanece inativa, estéril, se não se vende ao capital. Ela somente pode funcionar, criar valor, quando se articula, depois de vendida, às outras forças produtivas, nos quadros da divisão social do trabalho, organizada também como força produtiva, segundo as exigências da produção de mais-valia. Isto é, a força individual de trabalho somente pode funcionar em benefício do trabalhador se funcionar também, em benefício do capitalista. Na divisão social do trabalho, que impera na indústriaA o processo de dissociação entre o produtor e a propriedade dos meios de pródução alcança os seus maiores desenvolvimentos. Esse é o contexto em que o operário se transforma em operário parcial, em peça adjetiva da máquina. Devido à fragmentação' do processo produtivo, no desenvolvimento da divisão social do trabalho, o operário é levado a utilizar apenas uma parte das suas faculdades criativas. Toda a sua energia tende a esgotar-se na sucção de trabalho vivo pelo trabalho morto, isto é, na cristaliza ção de trabalho vivo segundo as determinações do capital. Muitas vezes, pois, a divisão social do trabalho traz consigo distorções no desenvolvimento e na expressividadg_física e espiritual dq operário. Nesses sentidos ê que a_ máquina aparece metafórica^ mente digerindo o operário. Esse grau de alienação, que passa pela divisão social do trabalho na fábrica" em cada setor eco nômico e na sociedade, é uma determinação da produção de mais-valia relativa. “Decompondo o ofício manual, especializando as ferramentas, formando os trabalhadores parciais, grupando-os e combinando-os num mecanismo único, a divisão manufatureira do trabalho cria a subdivisão qualitativa e a proporcionalidade quantitativa dos processos sociais de produção; cria, assim, determinada organiza ção do trabalho social e, com isso, desenvolve ao mesmo tempo nova força produtiva social do trabalho. A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históricas dadas, só poderia surgir sob forma especificamente capitalista. Como forma capitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir mais-valia relativa, ou de expandir os ganhos de capital, o que se chaipa de riqueza social, “Wealth of Nations” etc., as custas do trabalhador. Ela desenvolve a força produtiva do tra balho coletivo para o capitalista e não para o trabalhador e, além disso,,deforma o trabalhador individual. Produz novas condições de domínio do capital sobre o trabalho. Revela-se, de um lado, l 17 progresso histórico e fator necessário do desenvolvimento econô mico da sociedade, e, de outro, meio civilizado e refinado de exploração.” 12 / Pouco a pouco, Marx delineia a sua visão do capitalismo como uma sociedade na qual a burguesia e o proletariado são classes sociais revolucionárias e antagônicas^ Revolucionárias é antagônicas porque enquanto uma instaura o capitalismo, a outra começa a lutar pela destruição do regime no próprio, instante em que aparece. Porque aparece alienado no produto do seu trabalho, ao produzir mais-valia, o proletariado lutará para suplantar essa situação; Porque aparece, desde o princípiér, como a classe que se apropria da mais-valia, a burguesia começa a deixar de ser revolucionária na ocasião em que se constitui. Nesse instante, passa a preocupar-se principalmente com a preservação e o aper feiçoamento do (stalus Por dentro da revolução burguesa começa a formar-se a revolução proletária. “Há algumas décadas, a história da indústria e do comércio não é mais que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as relações de produção e de propriedade, que condicio nam a existência da burguesia e sua dominação. (...) As forças produtivas de que dispõe (a sociedade) não favorecem mais o desenvolvimento das condições da propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se poderosas demais para essas condições, que se transformam em entraves; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da proprie dade burguesa. (...) As armas de que a burguesia se serviu para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia. Mas a burguesia não forjou somente as armas que lhe darão a morte; criou também os homens que manejarão essas armas — os operários modernos, os 'proletários'. (...) Ora, a indústria, desenvolvendo-se, não somente engrossa o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; os proletários aumentam em força e adqui rem mais clara consciência de sua força. (...) Os choques in dividuais entre ó operário e o burguês tomam cada vez mais o caráter de choques entre duas classes. Os operários começam 12 Marx, K. El capital, t. I, p. 404; O Capital. Jiv. 1, p. 417-18. laura . 18 por unir-se contra os burgueses para manter seus salários. Vão até formar associações permanentes, na previsão de lutas even tuais. Por vezes a resistência transforma-se em revolta.” 13 Ao mesmo tempo que se desenvolve o capitalismo industrial, os trabalhadores assalariados da indústria vão se organizando em associações, coalizões, sindicatos e, por fim, em partido político. Pouco a pouco eles compreendem as suas condições semelhantes de vida, as suas relações sociais imediatas de trabalho, as suas relações entre si, com as outras classes sociais e, em especial, com a burguesia. Nesse processo, os trabalhadores individuais trans formam-se no proletariado; a classe econômica na classe política ou a classe em si numa classe para si. Essa é a ocasião em que o proletariado se transforma numa classe social hegemônica (para si ou política), passando a lutar politicamente pela destruição do Estado burguês e instauração da “ditadura revolucionária do proletariado”, como fase de transição para a sociedade sem classes. Há uma determinação recíproca entre alienação, antagonismo e revolução. Dentre todas as forças produtivas, a maior é a pró pria classe operária; portanto, a única que pode transformar o sistema.14 Vejamos, agora, o segundo movimento do pensamento de Marx, isto é, como a sua teoria da luta de classes corresponde a uma decorrência lógica da sua análise do capitalismo. Note-se, aliás, que alguns aspectos dessa congruência lógica interna já aparecém, implícitos, na análise do movimento anterior. Agora vamos explicitá-la melhor. ^Sabemos que Marx elaborou a interpretação do capitalismo realizandouma integração crítica e desenvolvida das contribuições da filosofia hegeliana, do socialismo utópico e da economia política clássica.^] Note-se, entretanto, que ele se aproveitou desse trabalho crítico" tanto para desenvolver e integrar o seu pen samento como para apreender, isolar e aprofundar a análise de questões que aquelas correntes de pensamento não foram capazes de resolver ou resolveram em direções que ele considerou 13 Marx, K. e Engels, F- Manifeste du parti communiste. Paris, Éditions Sociales, 1960. p. 20-23; Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1948. p. 28-30. 34 Marx, K. Misère de la philosophie. Paris, Éditions Sociales, 1947. p. 135; Miséria da Filosofia. Rio de Janeiro, Ed. Leitura, 1965. p. 164-65. 19 incompletas ou falaciosas. Nesse processo, essencialmente prático- -crítico, Marx produz a sua interpretação do capitalismo; interpre tação essa que parece corresponder ao momento mais desenvolvido da existência do regime e, ao mesmo tempo, à condição da sua superação por outro regime produtivo. No curso desse trabalho intelectual, Marx descobre que a mercadoria se singulariza por exprimir, em última instância, umã relação determmãda~de~alienação entre o operário e,q capitalista. Inicialmente, a mercadoria aparece como valor de-uso. Mas essa é a expressão, por assim dizer, subjetiva da mercadoria, enquanto uma relação entre o produtor e o produto çdo seu trabalho. À medida que a análise progride, no entanto, fica evidente que por sob o valor de uso está o valor de troca, e de que por sob este está o valor trabalho, isto é, o trabalho social nela cristalizado. Assim, a troca de mercadorias esconde a troca de trabalhos sociais nelas cristalizados. Na medida em que somente a força de tra balho cria valor, pois que o valor é energia humana socialmente cristalizada em objeto social, a acumulação de capital pelo capi talista só é possível pela expropriação. Ou seja, o capitalista compra certa quantidade de força de trabalho do operário, mas faz com que ele produza maior quantidade de valor do que o que lhe é restituído sob a forma de salário. O segredo da acumu lação capitalista, pois, é a diferença entre o trabalho necessário à reprodução da vida do operário (o que é pago) e o trabalho excedente, que o trabalhador é obrigado a realizar (não pago). É o trabalho excedente que produz mais-valia; quando resulta da extensão da jornada de trabalho, produz a mais-valia absoluta, ao passo que produz mais-valia relativa quando resulta da poten ciação da produtividade da força de trabalho, pela tecnologia, divisão social do trabalho ou outras forças produtivas combinadas. O operário não pode viver a não ser pela venda da sua força produtiva ao proprietário dos outros meios de produção, tais como capital^ tecnologiá7~õrgãnizãçãõ~emprêsãriai etc. No curso dessa análise, à medida que ela se toma cada vez mais concreta, Marx vai elaborando os conceitos de valor de uso, valor de troca, valor trabalho, trabalho social (concreto, abstrato, individual, coletivo), trabalho necessário, trabalho excedente, mais-valia absoluta, mais- -valia relativa e outros. O núcleo desse processo explicativo é a categoria mais-valia, que revela uma relação determinada de alienação e antagonismo, na qual se encadeiam e opõem o operá rio e o capitalista. laura . 18 por unir-se contra os burgueses para manter seus salários. Vão até formar associações permanentes, na previsão de lutas even tuais. Por vezes a resistência transforma-se em revolta.” 13 Ao mesmo tempo que se desenvolve o capitalismo industrial, os trabalhadores assalariados da indústria vão se organizando em associações, coalizões, sindicatos e, por fim, em partido político. Pouco a pouco eles compreendem as suas condições semelhantes de vida, as suas relações sociais imediatas de trabalho, as suas relações entre si, com as outras classes sociais e, em especial, com a burguesia. Nesse processo, os trabalhadores individuais trans formam-se no proletariado; a classe econômica na classe política ou a classe em si numa classe para si. Essa é a ocasião em que o proletariado se transforma numa classe social hegemônica (para si ou política), passando a lutar politicamente pela destruição do Estado burguês e instauração da “ditadura revolucionária do proletariado”, como fase de transição para a sociedade sem classes. Há uma determinação recíproca entre alienação, antagonismo e revolução. Dentre todas as forças produtivas, a maior é a pró pria classe operária; portanto, a única que pode transformar o sistema.14 Vejamos, agora, o segundo movimento do pensamento de Marx, isto é, como a sua teoria da luta de classes corresponde a uma decorrência lógica da sua análise do capitalismo. Note-se, aliás, que alguns aspectos dessa congruência lógica interna já aparecém, implícitos, na análise do movimento anterior. Agora vamos explicitá-la melhor. ^Sabemos que Marx elaborou a interpretação do capitalismo realizando uma integração crítica e desenvolvida das contribuições da filosofia hegeliana, do socialismo utópico e da economia política clássica.^] Note-se, entretanto, que ele se aproveitou desse trabalho crítico" tanto para desenvolver e integrar o seu pen samento como para apreender, isolar e aprofundar a análise de questões que aquelas correntes de pensamento não foram capazes de resolver ou resolveram em direções que ele considerou 13 Marx, K. e Engels, F- Manifeste du parti communiste. Paris, Éditions Sociales, 1960. p. 20-23; Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1948. p. 28-30. 34 Marx, K. Misère de la philosophie. Paris, Éditions Sociales, 1947. p. 135; Miséria da Filosofia. Rio de Janeiro, Ed. Leitura, 1965. p. 164-65. 19 incompletas ou falaciosas. Nesse processo, essencialmente prático- -crítico, Marx produz a sua interpretação do capitalismo; interpre tação essa que parece corresponder ao momento mais desenvolvido da existência do regime e, ao mesmo tempo, à condição da sua superação por outro regime produtivo. No curso desse trabalho intelectual, Marx descobre que a mercadoria se singulariza por exprimir, em última instância, umã relação determmãda~de~alienação entre o operário e,q capitalista. Inicialmente, a mercadoria aparece como valor de-uso. Mas essa é a expressão, por assim dizer, subjetiva da mercadoria, enquanto uma relação entre o produtor e o produto çdo seu trabalho. À medida que a análise progride, no entanto, fica evidente que por sob o valor de uso está o valor de troca, e de que por sob este está o valor trabalho, isto é, o trabalho social nela cristalizado. Assim, a troca de mercadorias esconde a troca de trabalhos sociais nelas cristalizados. Na medida em que somente a força de tra balho cria valor, pois que o valor é energia humana socialmente cristalizada em objeto social, a acumulação de capital pelo capi talista só é possível pela expropriação. Ou seja, o capitalista compra certa quantidade de força de trabalho do operário, mas faz com que ele produza maior quantidade de valor do que o que lhe é restituído sob a forma de salário. O segredo da acumu lação capitalista, pois, é a diferença entre o trabalho necessário à reprodução da vida do operário (o que é pago) e o trabalho excedente, que o trabalhador é obrigado a realizar (não pago). É o trabalho excedente que produz mais-valia; quando resulta da extensão da jornada de trabalho, produz a mais-valia absoluta, ao passo que produz mais-valia relativa quando resulta da poten ciação da produtividade da força de trabalho, pela tecnologia, divisão social do trabalho ou outras forças produtivas combinadas. O operário não pode viver a não ser pela venda da sua força produtiva ao proprietário dos outros meios de produção, tais como capital^ tecnologiá7~õrgãnizãçãõ~emprêsãriai etc. No curso dessa análise, à medida que ela se toma cada vez mais concreta, Marx vai elaborando os conceitos de valor de uso, valor de troca,