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TEORIA E PRÁTICA DA NEUROPSICOPEDAGOGIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autora: Cláudia Regina Pinto Michelli CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profª. Cristiane Lisandra Danna Revisão Gramatical: Profª. Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Carlinho Odorizzi Copyright © Editora UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri – UNIASSELVI – Indaial 616.89 M623t Michelli, Cláudia Regina Pinto Teoria e prática da neuropsicopedagogia / Cláudia Regina Pinto Michelli. Indaial : Uniasselvi, 2012. 98 p. : il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830- 610-6 1. Neuropsicopedagogia. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Cláudia Regina Pinto Michelli Professora Cláudia R. P. Michelli, Licenciada em Normal Superior Séries Iniciais do Ensino Fundamental pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Catarinense de Pós- Graduação (ICPG). Atuou durante cinco anos em atendimentos com crianças com dificuldades na aprendizagem. É Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Atua em prática escolar desde 1996. É tutora da UNIASSELVI-POS, responsável pelos cursos de Psicopedagogia e Neuropsicopedagogia e áreas fins de cursos voltados à educação. Tem como campo de investigação e discussão acadêmica a história de vida do aluno, a prática pedadagógica e o contexto escolar como apoio necessário para entendimento dos processos de aprendizagem e não aprendizagem do sujeito. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Diálogo entre eDucação e SaúDe ............................................... 9 CAPÍTULO 2 o lauDo e Sua contribuição para a eDucação .......................... 31 CAPÍTULO 3 oS encaminhamentoS ................................................................ 57 CAPÍTULO 4 implicaçõeS DoS lauDoS para o contexto eDucacional .............. 77 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Observe a imagem do Pequeno Príncipe de Exupéry. Ele rega sua rosa e cuida dela com carinho e atenção. A água para a rosa é necessária, pois precisa para se manter viva. Porém, o que assegura sua vida é o investimento do Pequeno Príncipe em querer estar ao seu lado, acompanhando seu desenvolvimento. As crianças com quem lidamos diariamente não são rosas, mas precisam de investimento. O que seria essencial para elas? Você já se perguntou sobre isso? Veja como é importante saber sobre ela e sobre o contexto em que vive! A cada dia, mais e mais crianças são diagnosticadas com algum tipo de distúrbio, transtorno ou dificuldade de aprendizagem. Mas, o que será que elas querem dizer com isso? Você já se perguntou? Por que elas não aprendem? O que é aprender para cada uma delas? Qual o significado do laudo médico que estará dizendo sobre a não aprendizagem da criança que convive no contexto escolar do qual você faz parte? Como significar esse documento neste contexto? Acreditamos que muitas respostas para a não aprendizagem de nossas crianças podem ser respondidas a partir do entendimento de sua história e em conjunto com a prática metodológica adequada para cada situação específica. Neste caderno de estudos, você terá acesso a uma discussão que tem como eixo norteador a consideração da criança como sujeito social ativo e participativo no contexto escolar. A partir das neurociências e do entendimento do sujeito biológico, buscamos encontrar esse sujeito social, as raízes de seu processo de aprendizagem ou não aprendizagem escolar. A neuropsicopedagogia tecerá esse entendimento em consonância com os discursos de profissionais da saúde e da educação. Assim, o presente caderno de estudos está dividido em quatro capítulos: no primeiro buscamos um diálogo entre a saúde e a educação e uma breve construção histórica em torno do entendimento dessa relação. 8 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia No segundo capítulo, trataremos de discutir sobre a importância do laudo, do diagnóstico médico em torno desse sujeito que supostamente não aprende na escola ou que está apresentando dificuldades no processo de aprender. O capítulo subsequente discute a prática pedagógica pós laudo, ou seja, após o diagnóstico do profissional da saúde é preciso pensar numa forma de intervir na aprendizagem desse sujeito. Assim, você compreenderá que o laudo é o alicerce, mas que a prática é o caminho. No último capítulo, faremos uma análise da demanda por laudos e sobre o papel da família e da escola frente as questões elencadas e discutir a prática pedagógica pós-laudo. Bons estudos! A autora. CAPÍTULO 1 Diálogo entre eDucação e SaúDe A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Apresentar a correlação entre a saúde e a educação. 3 Conhecer os aspectos da neurologia relacionados ao processo de aprendizagem do sujeito. 3 Compreender a importância das especializações da medicina como uma ferramenta de auxílio para o professor na sala de aula. 10 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia 11 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 contextualização Caro(a) leitor(a), neste primeiro capítulo, pretendemos desenvolver uma compreensão entre a indissociabilidade da educação e da saúde, pois não há como separarmos essas áreas. Precisamos entender o processo educativo e a promoção da saúde como o fio condutor da prática neuropsicopedagógica. Para compreender sobre a crescente demanda de problemas que afetam as crianças em sala de aula e sua aprendizagem, necessitamos manter uma postura vigilante em torno daquilo que, neste momento histórico em que vivemos, remete-nos a reflexões urgentes: as crianças, as dificuldades, transtornos e distúrbios de aprendizagem, bem como as altas habilidades. A saúde e a educação caminham lado a lado no sentido de promover, prevenir e participar da vida social/coletiva e individual dos sujeitos. E é neste contexto que há de se compreender a caminhada desses dois termos e a necessidade da sua inter-relação. a inDiSSociabiliDaDe entre eDucação e SaúDe Prezado(a) leitor(a), para iniciarmos a discussão em torno da indissociabilidade entre os termos educação e saúde, precisamos, inicialmente, compreender a definição de ambos. Podemos iniciar essa reflexão a partir do conceito de saúde apresentado pela Organização Mundial de Saúde, publicado a partir da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde (1978) o qual define o termo como o “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.” (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978). Porém, necessitamos pensar a saúde, esclarecendo que a questão do “bem-estar” precisa ser pensada dentro da legitimação das crenças, valores e subjetividade, além da imersão na cultura em que o sujeito está inserido. O ritmo, estilo de vida e demais situações ou fatores se agregam à compreensão de seu significado. É muito importante que o(a) professor(a) ou profissional que atua com crianças, adolescentes e adultos, conheça o contexto em que estará atuando). 12 Teoria e Práticada Neuropsicopedagogia A educação também aqui precisa ser definida. e então, partimos da ideia de Alvaro Vieira Pinto (2000), argumentando ser a educação um processo, um fato existencial e social e um fenômeno cultural. Além disso, relaciona- se com a economia e a antropologia de uma sociedade. Está sempre dirigida para algo, é um processo exponencial, precisa de movimento. É inacabado e, por essa razão, tem potencial criador. Envoltos nisso, precisamos entendê-la também como contraditória, pois é dessa forma que se recria, retoma, inova. A saúde e a educação refletem-se no âmbito educacional num movimento histórico. Não pretendemos apresentar aqui uma sequenciação de datas e períodos. Entendemos a história de forma não linear, num revisitamento entre diferentes, complexos e contraditórios períodos vividos em nosso país. Visite o site da Organização Mundial de Saúde e acesse a biblioteca. Lá você encontrará muitas informações sobre esse assunto, inclusive às modificações históricas que foram ocorrendo e legislações. Site: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/ area/11/biblioteca.html>. Quando falamos em saúde e em educação, certamente direcionamo-nos a alguém. Nesse caso, a atenção à infância. E para melhor compreendê-la precisamos significá-la: Os significados atribuídos à infância são o resultado de um processo de construção social, dependem de um conjunto de possibilidades que se conjugam em determinado momento da história, são organizados socialmente e sustentados por discursos nem sempre homogêneos e em perene transformação. Tais significados não resultam, como querem alguns, de um processo de evolução, nem estão acima e à parte de divisões sociais, sexuais, raciais, étnicas... São modelados no interior de relações de poder e representam interesses manifestos da Igreja, do Estado, da Sociedade Civil... Implicam intervenções da filantropia, da religião, da medicina, da psicologia, do serviço social, das famílias, da pedagogia, da mídia... Contudo, esses significados não são estáveis, nem únicos e as linguagens que usamos, ao mudar constantemente, são indicativos da fluidez e da mutabilidade a que estão sujeitos. (BUJES, 2003, p. 24-25). Em diferentes momentos da história, houve, também, diferentes preocupações em torno da infância, da criança e de sua educação. Certamente, caro(a) leitor(a), você já tenha ouvido falar em Philippe Ariès 13 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 (1981), que tornou-se pioneiro em discutir a história social da criança e da família. Este autor é uma referência na discussão por construir uma compreensão da infância como um acontecimento caracteristicamente moderno. Ele fala de como vai sendo tecida a compreensão da infância e define isso como o sentimento da infância. Nesse caso, o “[...] sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto.” (ARIÈS, 1981, p. 99). Talvez você esteja se perguntando sobre a relação entre a saúde, a educação e a história da infância e da criança. Saiba que é a partir disso que conseguiremos tecer entendimentos em torno da saúde e da educação. Fazendo um recorte histórico, podemos afirmar, por meio de Kuhlmann Jr. (1998), que, a partir do final do século XVIII, com a influência do médico- higienismo, houve uma preocupação com questões de saúde e educação. O médico-higienismo, por exemplo, foi um movimento que ocorreu tendo em vista a eliminação de doenças na população. Esse trabalho era desenvolvido por médicos que também visitavam escolas com esse intuito definido. Nessa época, iniciavam-se estudos em torno de doenças e micro-organismos. Porém, assuntos como a prevenção de doenças e resultados em torno de descobertas, tornaram-se mais frequentes a partir de Louis Pasteur (século XIX) e demais cientistas, os quais preocuparam-se com o campo da epidemiologia e, como consequência, atribuíram à medicina e à higiene uma autoridade incontestável. Com base nesses estudos e nas crescentes descobertas em torno de doenças e prevenção, os médicos e a medicina foram ganhando espaço e um papel importante, senão decisivo nas discussões em torno da criança. Louis Pasteur era francês. Desenvolveu vacinas importantes e pesquisas na área da saúde pública. Consolidou estudos em torno da fermentação láctea e até hoje se usa o termo “pasteurização”, provindo de seu nome Pasteur. Mais informações podem ser obtidas no site: <http:// www.pasteur.saude.sp.gov.br/historia_02.htm>. A partir do século XX, muitas modificações ocorreram no campo da medicina e refletiram-se no campo da educação. Essas modificações poderão ser acompanhadas de forma mais dinâmica se você assistir, através do link abaixo, um filme clássico chamado: “Políticas de Saúde no Brasil”. (http://www.youtube. com/watch?v=cSwIL_JW8X8&feature=endscreen&NR=1). 14 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Figura 1 – Documentário Políticas de Saúde no Brasil Fonte: Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br>. Acesso em: 02 out. 2012. Sinopse: TAPAJÓS, Renato. Política de Saúde no Brasil. São Paulo: Tapiri Cinematográfica, 2006. Renato Tapajós é considerado um dos maiores nomes do cinema político do país. No documentário Política de Saúde no Brasil, ele coloca recortes históricos e socioeconômicos de todo o século XX. Tapajós disse em entrevista: “Procuro intercalar diálogos e representações: um passo além do simples depoimento”. No início do longa-metragem, percebe-se um entusiasmo do povo em relação ao ano novo de 1900: Mostrando um contingente de pessoas em festa conotando a esperança de um ano próspero e feliz. Há muito regozijo e clima de folia. Paradoxalmente, em tom jornalístico, surge a figura de um menino que traz sempre novas notícias de epidemias ou doenças, as quais acabam de acometer o Brasil – em especial nas grandes capitais- como a febre amarela, cólera, varíola e malária. Em algumas cenas, aborda os operários trabalhando em condições insalubres nas fábricas onde são explorados e maltratados. Nesse contexto, é revelado que até o início do século XX a população pobre só dispunha de atendimento filantrópico, nos hospitais de caridade mantidos pelas igrejas. 15 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 Pelo descaso com a saúde no Brasil e muitas epidemias a assolá-lo, as notícias se espalhavam e estrangeiros ou visitantes não mais queriam entrar no país. Assim, são tomadas, pelo governo, algumas medidas sanitárias de saúde, com o intuito de melhorar a visão do Brasil no exterior. O médico sanitarista Osvaldo Cruz recorreu a técnicas para eliminar o mosquito transmissor da febre amarela, doença em alta, utilizando a dedetização dos lugares mais propícios ao desenvolvimento do mosquito. No ano de 1904, é decretada a vacina obrigatória das massas populares para combater a febre amarela. Mais tarde, o médico Emilio Ribas reside com doentes de febre amarela com o objetivo de provar que a doença não é transmitida pelo contato e convívio humano e, por meio de seu sistema de saneamento básico diminui as epidemias no porto da cidade de Santos. No ano de 1917, ano da Revolução Russa, começa a haver greves dos operários, motivados pelas ideologias marxistas e anarquistas. No próximo ano, existe uma forte gripe espanhola no Brasil, que mata milhares de cidadãos. Na década de 1920, os grevistas fazem acordos com os seus patrões voltam para as indústrias, a sua revolta foi tão extrema que dominaram a cidade, fazendo com que o governador abandonasse o estado de São Paulo. A partir disso é criada a lei que regulariza a aposentadoria, no ano de 1923: o trabalhador teria que contribuir durante30 anos e depois poderia usufruir de uma aposentadoria e assistência médica. Quase no final das décadas de 20 e começo da de 30, a Coluna Prestes percorreu o interior do Brasil e queria implantar uma série de reformas, segundo as ideias positivistas vigente na época. A Coluna não tem sucesso, desfaz-se e Getúlio toma posse da presidência, assumindo uma política que parecia favorecer os pobres e menos favorecidos. É considerado pelo povo o “Pai dos pobres”. Getúlio cria os IAPs, um tipo de assistência médica. Em 1935, é desenvolvido o sistema de saúde chamado de SESP, financiado pelos Estados Unidos, que tinha interesse na borracha presente na Amazônia. Dessa maneira, a assistência médica poderia chegar a diversos lugares carentes e isolados do Brasil, nessa região. A saúde pública foi sucateada durante mais de 50 anos e essa intensificada na Ditadura Militar. Movimentos populares levam à criação do SUS- Sistema Único de Saúde- e sua implantação na 16 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia década de 80, o qual, apesar de sua mazela e ineficiência devido à falta de estrutura e investimento, segundo o IBGE, atende quase 100% da população Brasileira. Os movimentos sociais ainda esperam que haja uma humanização maior e maior atenção e demanda de recursos financeiros para melhorar o seu atendimento. Fonte: Disponível em: <http://pt.scribd.com>. Acesso em: 02 out. 2012. Caro(a) leitor(a), foi precisamente a partir de 1920 que se firmou a convicção “[...] de que medidas de política sanitária seriam ineficazes se não abrangessem a introjeção, nos sujeitos sociais, de hábitos higiênicos, por meio da educação”. (CARVALHO, 2003, p. 305). Além disso, o mesmo autor afirma que foi a partir da compreensão de agentes políticos da época (a partir de 1920) sobre os problemas de saúde pública (certamente havia interesses políticos), que se apresentavam de forma crescente, que se pôde pensar na reforma dos serviços públicos, da participação política. A modernização do país aconteceria dessa forma. Por essa razão, a saúde e a educação se configuravam como questões indissociáveis. Há de se considerar a saúde e a educação nesta relação, pois uma promove a outra. A busca por atendimento à saúde não foi algo conquistado de forma fácil e ainda não é. Todos nós temos essa consciência. Mas, foi a partir de muitos movimentos, interesses e investimentos políticos que a história em torno da saúde foi sendo tecida em nosso país, assim como a associação dela com a educação. Para melhor elucidar esses movimentos, caro(a) leitor(a), faremos um recorte histórico nos preocupando apenas com o movimento entre saúde e educação ou os primeiros indícios dessa relação. Ressaltamos que esse movimento certamente teria relação com outros acontecimentos históricos, pois não há como fazer história numa linearidade e sucessão de datas apenas. Mas, por uma questão didática e para especificar a questão saúde e educação, trataremos agora de utilizar um resumo de um trabalho de Patrícia Carla Silva do Vale Zucoloto (2007), intitulado: “O Médico Higienista na Escola: As origens históricas da medicalização do fracasso escolar”. O referido trabalho é parte da sua dissertação de mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e consta na íntegra no link: <www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rbcdh/v17n1/13.pdf>. 17 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 A presente linha do tempo é um recorte histórico trazendo proximidades nas datas e refere-se às primeiras interferências do Estado Brasileiro em torno da relação entre saúde e educação: 1850 – A partir dessa data houve grande busca pelo controle de epidemias no Rio de Janeiro. 1860 – Movimento médico-higienista começa a tomar força nas escolas como forma de controle e fiscalização da saúde das crianças. 1865 – Estudos, pesquisas e teses começaram a ser feitas por médicos numa área denominada “higiene escolar”. Os estudos ficavam concentrados na Faculdade de Medicina da Bahia e na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Tanto os estudos como as pesquisas e teses tinham como objetivo discutir: higiene pública escolar; o papel do médico na escola; prescrições higiênicas quanto à escola; prescrições higiênicas quanto ao local construído; concepção de educação e trabalho pedagógico. 1870/1880 – A questão da higiene pública é entendida e definida com olhar de prevenção de doenças. 1890 – Por volta dessa década, começa-se a pensar numa higiene escolar com o intuito de elevar a nação brasileira. Entendendo que era preciso zelar pelas crianças e jovens, pois são o futuro de nosso país e a força propulsora para o progresso da nação. 1900 – A importância da higiene escolar era vista como forma de possibilitar a renovação do caráter, o combate a vícios, transformar os interesses individuais em coletivos, incutir deveres para com o trabalho e a nação. 1910 – É criado o serviço de Inspeção Médica Escolar da Cidade do Rio de Janeiro, sob direção de Morcovo Filho, médico do Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Rio de Janeiro. 1920/ 1930- Médicos marcam presença nas escolas públicas e começam a desenvolver a formação dos profissionais da educação. Na Bahia, criam-se centros e clínicas de higiene mental escolar. 18 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia 1939 – É produzido e lançado o primeiro livro sobre problemas na aprendizagem escolar, com o título: “A criança problema”, sob autoria de Arthur Ramos, que tinha como formação de base a medicina e a antropologia. 1940/ 1950- A partir desse período, disseminaram-se, cada vez com mais força, pesquisas, trabalhos e investimentos de pessoas em torno da problemática saúde e educação. Havia um olhar em torno da indisciplina na escola e do mau comportamento do(a) aluno(a). Era entendido esse problema como algo próprio do sujeito (biológico) e visto como uma anomalia. Houve, então, uma crescente busca pela compreensão desse problema. 1940/1950 – Ainda durante esse período e se estendendo até o final da década de 60, muitos trabalhos foram publicados tendo como objetivo central: o ensino e a educação dos anormais e débeis mentais (na época era assim designado aquele que fugia dos padrões de normalidade estipulados no contexto); problemas de adaptação e desajuste social; problemas de má conduta e desvio de caráter; problemas de desajustes no ambiente escolar; desajustamentos de condutas infantis. 1970/1980 - Importante ressaltar que em torno dessas décadas houve programas de vacinação das crianças na escola. Atualmente, ainda são feitas campanhas de vacinação e divulgadas em meios de comunicação para imunizar as pessoas e evitar epidemias. A questão do acompanhamento médico em nosso país varia entre localidades e atualmente cada uma delas têm suas políticas de funcionamento, sempre seguindo as normas e legislações do Ministério da Saúde e demais leis que protegem o cidadão. Inclusive, em determinados locais, há acompanhamento médico das crianças na escola, sendo feitas triagens com o intuito de buscar possíveis problemas que possam ser trabalhados precocemente e, dessa forma, proporcionar uma vida mais saudável para essa criança ou, ao menos, oferecer-lhe tratamento de saúde caso necessite, promovendo, então, qualidade de vida. Oferecer tratamentos ou, até mesmo, desenvolver campanhas de prevenção de doenças sabemos que não é o único meio de promover a saúde. Essa promoção é algo que se conquista com o conhecimento, com esclarecimentos em torno das situações da vida. E a escola é o palco por excelência onde o 19 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 saber institucionalizado se dá. Estar informado, conversar sobre o assunto,buscar conhecimento, questionar, tudo isso faz parte do campo de atuação educacional, pois a educação é uma forma de emancipação humana. Atividade de Estudos: 1) Caro(a) leitor(a), com esse primeiro item discutido e como forma de exercitar a memória dentro dessa construção histórica da saúde e da educação, tente conversar com pessoas de diferentes faixas etárias sobre a saúde, a vacinação, visita de médicos e campanhas dentro do espaço escolar. Veja o que as pessoas têm a dizer e faça suas anotações: _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ a inter-relação entre neurociência e PSicoPeDagogia: interPretanDo o Sujeito aPrenDente Quando pensamos sobre o sujeito em seu processo de aprendizagem ou sobre a forma como ele aprende ou não aprende, partimos da ideia de que há eixos que sustentam a forma como as pessoas constroem a aprendizagem em suas vidas. Poderíamos definir tais eixos como: biológico e social. Certamente eles têm uma carga afetiva, cognitiva e psicológica que assegura e configura cada pessoa, pois somos construídos pelas experiências que tivemos ao longo de nossas vidas. 20 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Sabe-se que mantemos uma carga genética quando nascemos. Chegamos ao mundo com bases inscritas a partir daqueles que são nossos pais. Mantemos uma espécie de “estrutura” a partir do DNA. Essa herança é o que resguarda e fisiologicamente nos faz únicos. Contudo, podemos afirmar que o sujeito não pode ser definido apenas nesse sentido. Precisamos pensar nessa base biológica para ser possível todo o restante do nosso desenvolvimento. Ou seja, é necessário ter pré-condições para desenvolver-se. Nessa direção, o cultural não está dissociado do biológico e pensar sobre o é possível. O cérebro humano é o ponto de partida dessa discussão. Não nos limitaremos a discorrer acerca de sinapses, nem sobre partes específicas de cada região do cérebro. Nossa discussão partirá da neurociência como suporte para compreender os processos de aprendizagem do sujeito e fazer disso o embasamento da prática psicopedagógica. Para aprofundar conhecimentos sobre as partes específicas do cérebro e a sua relação com a aprendizagem, sugerimos ler o livro: O cérebro e o corpo no aprendizado, escrito por Malcon Anderson Tafner e Julianne Fischer e publicado pela editora da Uniasselvi no ano de 2004. Mas, a neurociência, o que seria esse termo? Segundo Ésper Cavalheiro (2011), pesquisador da Universidade Federal de São Paulo e um dos mais importantes neurocientistas do Brasil, o termo neurociência é relativamente recente. Esse termo tentou abarcar todas as divisões das pessoas que estudam o sistema nervoso. A neurociência é um ramo da biologia. É a biologia interessada na compreensão da função cerebral. A partir da neurociência foi possível, com aparelhos específicos, capturar imagens do cérebro em atividade e compreendê-lo em seu funcionamento. Através da neurociência, é possível entender as razões fisiológicas relacionadas ao sujeito e possíveis lesões que causam ou podem causar problemas no seu desenvolvimento e na aprendizagem. É através da neurociência que poderemos compreender como se dá o processo de aprendizagem para qualquer pessoa e, então, através da contextualização, compreender como o sujeito específico aprende. Pois a estrutura cerebral entre os sujeitos pode ser semelhante, mas os caminhos para a aprendizagem consolidar-se é construído de forma singular. 21 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 Relacionado a esse assunto e para aprofundar os conhecimentos, sugerimos que ouça pesquisadores da área e também o professor Ésper Cavalheiro, da Universidade de São Paulo. Convidamos você, caro(a) leitor(a), a assistir a um vídeo sobre o cérebro e a neurociência que apresenta, com imagens e uma discussão bastante didática, esclarecimentos em torno dessa questão. Acesse o link: <http://www.youtube.com/watch?v=h9AJbri NqSw&feature=related>. Jean Piaget (1990) foi um dos pioneiros a discutir sobre a base biológica da aprendizagem do sujeito. Para pensarmos sobre essa questão, precisamos entender que nosso cérebro se desenvolve a partir da organização, reorganização e estabilização (Piaget usava os termos: assimilação, acomodação e equilibração) do conhecimento, considerando as experiências vividas. Nesse caso, para o autor, a assimilação refere-se a um novo conhecimento adquirido, um conhecimento que se consolida através do entendimento da pessoa (subjetivo). A acomodação relaciona-se ao assentamento das experiências que já vivemos e entendemos e que, por meio da assimilação estão estruturadas, mas que, à medida que vivemos outras experiências, acabamos reestruturando-as constantemente. Já a equilibração funciona como um mecanismo autorregulador. (PIAGET, 1984). Por exemplo, digamos que uma criança está vivendo uma determinada experiência (completamente nova ou já vivida noutro momento). Através disso, tenta entender (assimilar) o estímulo que está recebendo. Feito isso, ela acomoda o novo conhecimento e permanece num estado de equilibração dessa experiência. Assim, organiza suas ideias em torno da situação, mantém-se em equilíbrio. Importante lembrar que para haver aprendizagem é preciso haver “desequilíbrio”, pois o que faz com que o sujeito aprenda (assimile) é justamente a busca pelo entendimento através da experiência. Se não houver busca por entendimento não há como organizar o conhecimento. Essa questão do conhecimento independe de a criança ou o sujeito ter alguma dificuldade, transtorno ou distúrbio na aprendizagem ou, até mesmo, alguma deficiência, pois, antes de qualquer “problema” que se possa apresentar, todo e qualquer sujeito, dentro de suas limitações, tem capacidade de aprender, de organizar o conhecimento. O ponto chave do processo de aprendizagem a partir de Jean Piaget (1984) e para o trabalho prático dentro da neuropsicopedagogia é compreender que 22 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia é destituído de sentido o conhecimento que não se relacione com o interesse do educando. Por essa razão, tanto se fala da importância da contextualização para poder promover a materialização de uma prática pedagógica em sala de aula. Também por essa razão não há como desenvolver práticas possíveis de serem aplicadas sem devidos “ajustes” que façam sentido em meios sociais diferentes, pois é preciso primeiro conhecer uma realidade e os sujeitos dela para, então, conseguir compreender como esse sujeito vai aprender. Conhecer a realidade significa conhecer o(a) aluno(a), sua família, sua história, a comunidade em que vive, enfim, tudo aquilo que se relaciona com o sujeito e que é importante de ser considerado no seu processo de aprendizagem. Um passo muito importante para compreender como a criança aprende é considerar a motivação e o interesse dela na aprendizagem. Logo abaixo, apresentamos uma tirinha do personagem Calvin que elucida a situação: Fonte: Disponível em: <http://depositodocalvin.blogspot. com/2010/03/blog-post.html>. Acesso em: 02 out. 2012. Na tirinha acima vemos que, a princípio, não há motivação do personagem “Calvin” para ir à escola. Mas, algo dentrodele o fez levantar e ir a partir do questionamento da mãe. Com essa ilustração, queremos apresentar a você, caro(a) leitor(a), que a motivação e o interesse, embora pareçam ser externos ao sujeito, são um processo que acontece internamente a partir da reestruturação do seu conhecimento quando encontram situações ou experiências que conflitam com as suas previsões e, de alguma forma, despertam sua atenção. Motivação é aquilo que move o sujeito para seguir em busca daquilo que o interessa. (PIAGET, 1984). Além disso, esta questão está relacionada a aspectos da afetividade. 23 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 Nunca há ação puramente intelectual (sentimentos múltiplos intervém, por exemplo: na solução de um problema matemático, interesses, valores, impressão de harmonia, etc.) Assim como também não há atos que sejam puramente afetivos (o amor supõe a compreensão.) Sempre e em todo o lugar, nas condutas relacionadas tanto a objetos como a pessoas, os dois elementos intervém, porque se implicam um ao outro. (PIAGET, 1984, p. 38). A questão do interesse, como vimos, está relacionada também à afetividade para, assim, construir a compreensão das coisas. Isso, de certa forma e para qualquer situação, causa desequilíbrio e o que chamados de “conflitos cognitivos”. São eles que impulsionam hipóteses a partir de quando o raciocínio não é confirmado. Por essa razão, é importante promover situações em que os alunos estejam em conflito, reflitam para transpor suas limitações cognitivas e reorganizar o saber, o conhecimento. Também nesse movimento ocorrem as interações sociais, as amizades, a cooperação entre os sujeitos, o meio que promove também conflitos, desequilíbrio e, consequentemente, aprendizagem. É importante lembrar que em termos de trabalho pedagógico, na construção da aprendizagem escolar todo esse movimento se constrói e se conquista a partir do momento em que se conhece esse sujeito, seu contexto e sua história. É a partir disso que se torna possível a construção da prática educacional porque então saberemos sobre o que motiva esse sujeito, o que gera interesse em sua vida. Lembre-se daquilo que afirmamos inicialmente: o sujeito tem uma carga biológica e outra social. Vimos discutindo sobre a forma de conduzir os processos de aprendizagem e indicamos caminhos para refletir sobre o assunto por meio da neurociência. A não aprendizagem, quando não considerada como assunto relevante, pode atingir o campo emocional da criança, desenvolvendo sentimentos negativos a respeito de si, do conteúdo, da escola e daqueles sujeitos envolvidos na situação. Dessa gama de relações podem surgir as lacunas de aprendizagem, que necessitam ser reconstruídas a partir da intervenção psicopedagógica ou numa abordagem pedagógica relacionada à neurociência. Pois, entendendo como o sujeito aprende e quais os caminhos percorridos para a aprendizagem, é possível intervir de modo eficaz. 24 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Importante lembrar que a psicopedagogia tem como eixo norteador de trabalho a busca pela compreensão dos processos de aprendizagem e não aprendizagem e a construção dos caminhos que levam um sujeito a aprender. Para aprofundar estudos em torno do que é de competência da psicopedagogia trabalhar, informações e legislação sobre o assunto, convidamos você a visitar a página da Associação Brasileira de Psicopedagogia por meio do link: <www.abpp.com.br/>. Atividade de Estudos: 1) Como forma de refletir sobre o que vimos discutindo e exercitar as novas informações adquiridas, tente pensar na sua prática profissional em uma ou mais situações em que você, conduzindo o processo de aprendizagem de crianças ou jovens, conseguiu perceber o conflito e a reorganização do saber desse sujeito. _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ Entender o sujeito tendo em vista suas bases biológicas, sua história e o contexto, ou seja, os aspectos sociais é determinante para a construção da aprendizagem escolar. Além disso, é muito importante poder contar com o suporte de algumas especialidades da área da saúde como auxílio neste processo quando assim for necessário. Sobre esse assunto trataremos de discutir na próxima seção. 25 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 aS eSPecializaçõeS Da MeDicina coMo aPorte Do ProceSSo De enSino e aPrenDizageM. Certamente você deve lembrar, caro(a) leitor(a), sobre a construção histórica em torno da medicina e a relação dela com a educação, a qual discutimos no início deste capítulo. Gostaríamos de reforçar a presença e importância de áreas da medicina na educação diante das dificuldades encontradas em torno dos processos de aprendizagem. Áreas da medicina como: psiquiatria, neurologia (neuropediatria), otorrinolaringologia, ortopedia, nutrologia são os campos indicados como suporte aos processos de aprendizagem. Lembre-se, caro(a) leitor(a), de algumas definições, segundo o dicionário Aurélio (1999): Psiquiatria: Parte da medicina que trata do estudo e do tratamento de doenças mentais. Neurologia: Ramo da medicina que se ocupa das doenças do sistema nervoso em todos os seus aspectos. Neuropediatria: Ramo da medicina que se ocupa das doenças do sistema nervoso em todos os seus aspectos em crianças. Otorrinolaringologia: Parte da medicina consagrada ao estudo e tratamento das doenças do ouvido, do nariz e da garganta. Ortopedia: Ramo da medicina que se ocupa do tratamento e estudo de doenças do esqueleto. Nutrologia: Ramo da medicina que se ocupa da nutrição em todos os seus aspectos: normais, patológicos, clínicos e terapêuticos. Além disso, sabemos que áreas equivalentes, como a psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutricionismo, odontologia, embora não sejam áreas da medicina, estão inseridas no campo da saúde, exercem a práxis no resgate desse sujeito e atuam como suporte da educação. 26 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Lembre-se, caro(a) leitor(a), conforme o dicionário Aurélio (1999): Psicologia: Ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento. (Profissional que atua: psicólogo). Fisioterapia: Tratamento de doença por meio do exercício e de agentes físicos. (Profissional que atua: fisioterapeuta). Fonoaudiologia: Estudo da fonação e da audição das suas perturbações e tratamento delas. (Profissional que atua: fonoaudiólogo). Nutricionismo: Estudo sistemático dos problemas relativos à nutrição. (Profissional que atua: nutricionista, que planeja dieta de acordo com o sujeito e a situação). Odontologia: ciência que se ocupa da higiene, profilaxia e tratamento das doenças dentárias. (Profissional que atua: dentista). Sabe-se que a questão da promoção da saúde também está relacionada a políticas públicas. Nesse caso, salientamos os direitos da criança e do adolescente garantidos em forma de lei pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990): Título II Dos Direitos Fundamentais Capítulo I Do Direito à Vida e à Saúde Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivaçãode políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. § 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. 27 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. § 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós- natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)Vigência § 5º A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)Vigência Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe. Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185, de 2005). § 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado. § 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. 28 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus- tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)Vigência Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Fique atento(a), caro(a) pós-graduando(a): as leis podem sofrer modificações em sua estrutura, mas elas existem para defender o sujeito e também cobrar seus deveres. Mesmo que mude em algum aspecto, elas continuarão exercendo sua função. O ECA (BRASIL, 1990) é um meio de assegurar os direitos a toda e qualquer criança e adolescente que necessite de acompanhamento médico, seja qual for a área da medicina ou saúde. E o papel do(a) professor(a) é muito importante neste caso, pois ele é o agente que intermediará esse atendimento ou fará esta solicitação e/ou encaminhamento junto aos órgãos afins. O(A) professor(a), por atuar diretamente com a criança ou o adolescente que possa apresentar algum problema relacionado à saúde e processos de aprendizagem, tem a obrigação de buscar uma solução junto aos órgãos competentes e esta atuação está assegurada em forma de lei. Certamente é necessário que se tenha a consciência de que há diferenças individuais no desenvolvimento intelectual das crianças. Isso não significa ser “mais” ou “menos” inteligente e também não servirá como mecanismo de comparações. As pessoas aprendem de maneiras distintas e a aprendizagem acontece dentro do tempo de cada sujeito. As áreas da medicina e saúde vêm para auxiliar a educação, na medida em que a educação necessite de aporte para construir, reconstruir e ressignificar a aprendizagem. 29 Diálogo entre eDucação e SaúDe Capítulo 1 alguMaS conSiDeraçõeS Caro(a) leitor(a), neste capítulo você pode conhecer aspectos sobre a correlação entre a saúde e a educação através de momentos históricos importantes, bem como os aspectos das neurociências (e neurologia) que estão relacionados à aprendizagem do sujeito. Compreendeu a importância da medicina como uma ferramenta de auxílio para o(a) professor(a) em sala de aula, bem como aparatos legais que asseguram esse processo. Salientamos que a medicina teve e ainda tem um grande peso nas decisões sobre a aprendizagem e a não aprendizagem das crianças na escola. De um lado, ela pensou e, em algumas circunstâncias, ainda pensa a saúde das crianças e jovens tendo em vista a base biológica de seu desenvolvimento com maior peso. Por vezes, a medicina vê que a saúde é uma questão individual e decorrente do organismo (biológico) do sujeito. Mas não podemos deixar de considerar que a saúde também é um problema de políticas públicas e que a aprendizagem e não aprendizagem escolar está relacionada muito fortemente à qualidade de vida do sujeito, seu meio e sua história. referênciaS ARIÈS, Philippe. A História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13/07/1990. Florianópolis: IOESC, 1990. BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da Educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar. (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. CAVALHEIRO, Ésper. O Cérebro e a Neurociência: Programa produzido pela Univesp TV para o curso de extensão Ética Valores e Saúde na Escola, oferecido pela Universidade de São Paulo. 2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=h9AJbriNqSw&feature=related>. Acesso em: 27 out. 2012. 30 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia FERREIRA, A. B. H. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI. [CD-ROM] versão 3.0. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática; 1999. KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. Infância e Educação Infantil: Uma abordagem histórica. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1998. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração de Alma-Ata. 1978. PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense- Universitária, 1984. ______. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990. PINTO, Alvaro Vieira. Sete Lições sobre Educação de Adultos. São Paulo: Cortez, 2000. ZUCOLOTO, Patrícia Carla Silvado Vale. O médico higienista na escola: as origens históricas da medicalização do fracasso escolar. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 1, n. 17, p.136- 145, 1 fev. 2007. Semestral. CAPÍTULO 2 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Discutir a importância legal do laudo. 3 Compreender o laudo e construir a prática pedagógica a partir disso. 3 Descrever o papel dos profissionais da educação em relação ao sujeito diagnosticado e o seu contexto social. 32 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia 33 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 COntextuaLizaçãO Caro(a) leitor(a), neste segundo capítulo, após discutirmos e nos conscientizarmos da importância de compreender a saúde e a educação como indissociáveis, apresentaremos a você a importância do laudo médico em seus aspectos legais e o apoio dos demais profissionais que podem auxiliar no processo de aprendizagem da criança quando for necessário. Pretendemos abrir uma discussão e uma reflexão crítica em torno da necessidade dos encaminhamentos e possíveis equívocos que podem surgir caso esse documento não seja interpretado adequadamente. Além disso, buscaremos problematizar algumas questões sobre o consumo de medicamentos no momento histórico em que vivemos. Sabe-se que a partir do laudo apresentado pelo médico ou profissional da saúde, é preciso construir uma prática pedagógica que possibilite interação e aprendizagem escolar do sujeito diagnosticado. Em virtude disso, perguntamo- nos: como poderemos pensar sobre isso? Como materializar essa prática? Como criaremos significados em torno do que foi dito ou escrito a partir do diagnóstico, tanto para a vida escolar do(a) aluno(a) quanto para ele(a) como sujeito social? Essas reflexões tecerão este capítulo com o intuito de auxiliá-lo(a), caro(a) leitor(a), em sua caminhada de ensinante e aprendente em diferentes contextos diante da problemática apresentada. apOrtes Legais dO LaudO e sua COntribuiçãO para a prátiCa pedagógiCa Transtornos, distúrbios, dificuldades de aprendizagem, “desajustes comportamentais”, sofrimentos alheios, enfim, muitas vezes, encontramo-nos de mãos atadas diante da dimensão a enfrentar em torno das adversidades da profissão nos mais diferentes contextos a atuar. Certamente, ao pensar na profissão de professor, há que se compreender que o “ensino” e a “aprendizagem” são um processo, em determinados momentos, de difícil compreensão e apreensão, que não se restringe apenas a processos mentais e individuais, mas sociais e intersubjetivos. Para auxiliar o trabalho docente, atualmente há pesquisas, leis e incentivo, auxílio e/ou apoio às crianças que apresentam algumas necessidades especiais ou deficiência e que, de certa forma, necessitem de adequações 34 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia em relação aos conteúdos, ao currículo proposto, às instalações locais e procedimentos atitudinais. Certamente o funcionamento disso, na prática, acontecerá com o apoio de políticas públicas locais. Porém vale ressaltar que tais processos são determinados em lei e que nós, professores, quando percebemos a necessidade de encaminhamento das crianças para o atendimento, precisamos buscar nos órgãos competentes o devido apoio. É muito importante, caro(a) leitor(a), conhecer os caminhos que asseguram o sujeito que está precisando de atendimento educacional especializado. Para isso, indicamos como leitura o portal do Governo Federal. Nele há inúmeras leis, decretos e normatizações relacionadas ao assunto. Vá em busca desse conhecimento acessando o link: <http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_content&view=article&id=16761&Itemid=1123>. Sabe-se que a partir da Constituição Federal (1988), os direitos (e deveres) de todo e qualquer cidadão foram assegurados. Assim, temos leis específicas em cada setor (Ministérios) para a efetivação desses direitos e deveres. Queremos, com isso, afirmar que a Constituição seria o primeiro caminho para buscar a efetivação dos direitos (e deveres), principalmente para o atendimento médico do sujeito que necessite. No caso de este sujeito ser uma criança ou adolescente, se observarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), instituído pela Lei no 8.069, nele consta, em seus direitos fundamentais, orientações de atendimento na área da saúde desde o nascimento, incluindo, se necessário, exames, laudos e/ou diagnósticos, conforme discutimos no capítulo primeiro de nosso caderno de estudos. O Estado e seus Municípios assegurarão o acesso a esses serviços e seu devido funcionamento. Muitas vezes, é a partir do momento em que a criança passa a frequentar Instituições de Educação que são detectados problemas na aprendizagem. Há momentos em que isso ocorre na Educação Infantil e outros apenas no Ensino Fundamental. É papel do professor(a) conversar e orientar os pais quando percebe dificuldades no desenvolvimento das atividades escolares, alterações no comportamento da criança e, então, é dever da família buscar atendimento na área da saúde. Porém, é importante salientar que ao(à) professor(a) não cabe a tarefa de diagnosticar, definir ou nominar o problema que o(a) aluno(a) 35 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 tenha. O(A) professor(a) apenas esclarecerá aos pais sobre a necessidade de a criança ser encaminhada para um profissional da saúde, geralmente um médico clínico geral e este reencaminha aos profissionais específicos para tratar e acompanhar a criança em questão. O laudo médico é o documento necessário que assegura atendimento especializado para a criança que apresentar alguma deficiência e explica em termos médicos o que a criança apresenta como consequência do “não aprender” ou das dificuldades enfrentadas no âmbito escolar, sejam estas de ordem cognitiva/comportamental sejam de ordem social. É muito importante, conforme Montoya (1996) e Ramozzi-Chiarottino (1994), que criança tenha um diagnóstico precoce, para que, então, seja feita uma intervenção adequada conforme suas necessidades. A questão do laudo do diagnóstico é discutida amplamente num documento chamado: “Documento Subsidiário à Política da Inclusão”. É muito importante tomar conhecimento disso, caro(a) pós-graduando(a). É possível obter o documento na íntegra, acessando o link: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/doc subsidiariopoliticadeinclusao.pdf>. Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), Lei no 9.394/96, houve especificações sobre o atendimento à educação e suas diferentes faixas etárias, bem como o direcionamento a posteriores documentos, buscando assegurar à criança seu pleno desenvolvimento no âmbito educacional. Assim, a partir da LDB, foram discutidos e elaborados documentos norteadores para o atendimento educacional em escolas e demais Instituições de Educação. Um documento importante para seu conhecimento, caro(a) leitor(a), é o Decreto no 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Parte dele, destinada à área da Saúde, descreve sobre os diagnósticos (BRASIL, 1999): Seção I Da Saúde Art. 16. Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela saúde devem dispensar aos assuntos objeto deste Decreto tratamento prioritário e adequado, viabilizando, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: 36 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia § 2º A deficiência ou incapacidade deve ser diagnosticada e caracterizada por equipe multidisciplinar de saúde, para fins de concessão de benefícios e serviços. § 2º Para efeito do dispostoneste artigo, toda pessoa que apresente redução funcional devidamente diagnosticada por equipe multiprofissional terá direito a beneficiar- se dos processos de reabilitação necessários para corrigir ou modificar seu estado físico, mental ou sensorial, quando este constitua obstáculo para sua integração educativa, laboral e social. I - a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu diagnóstico, ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência, e à detecção precoce das doenças crônico-degenerativas e a outras potencialmente incapacitantes; § 2º A deficiência ou incapacidade deve ser diagnosticada e caracterizada por equipe multidisciplinar de saúde, para fins de concessão de benefícios e serviços. § 2º Para efeito do disposto neste artigo, toda pessoa que apresente redução funcional devidamente diagnosticada por equipe multiprofissional terá direito a beneficiar-se dos processos de reabilitação necessários para corrigir ou modificar seu estado físico, mental ou sensorial, quando este constitua obstáculo para sua integração educativa, laboral e social. Art. 20. É considerado parte integrante do processo de reabilitação o provimento de medicamentos que favoreçam a estabilidade clínica e funcional e auxiliem na limitação da incapacidade, na reeducação funcional e no controle das lesões que geram incapacidades. Art. 21. O tratamento e a orientação psicológica serão prestados durante as distintas fases do processo reabilitador, destinados a contribuir para que a pessoa portadora de deficiência atinja o mais pleno desenvolvimento de sua personalidade. Parágrafo único. O tratamento e os apoios psicológicos serão simultâneos aos tratamentos funcionais e, em todos os casos, serão concedidos desde a comprovação da deficiência ou do início de um processo patológico que possa originá-la. Art. 22. Durante a reabilitação, será propiciada, se necessária, assistência em saúde mental com a finalidade de permitir que a pessoa submetida a esta prestação desenvolva ao máximo suas capacidades. Art. 23. Será fomentada a realização de estudos epidemiológicos e clínicos, com periodicidade e abrangência adequadas, de modo a produzir informações sobre a ocorrência de deficiências e incapacidades. Diante disso, vemos a importância do amparo da área da saúde, por meio de laudos médicos, para auxiliar na conquista do apoio necessário para o 37 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 atendimento às crianças que apresentem não apenas as deficiências comuns que encontramos nas escolas como: deficiência visual, mental, física, paralisia cerebral, surdez, etc., mas, também, os transtornos globais do desenvolvimento como, por exemplo: transtornos do espectro autista, as psicoses infantis, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Kanner e a Síndrome de Rett, distúrbios e dificuldades que interferem no processo de aprendizagem e atingem muitas crianças em diferentes contextos. Sobre os Transtornos Globais do desenvolvimento, assim como sobre deficiências, dificuldades e distúrbios de aprendizagem, convidamos você, caro(a) leitor(a), a visitar o site da Revista Nova Escola e ler um pouco sobre o assunto. A referida revista traz conteúdos didáticos, de fácil compreensão, e boas indicações de bibliografias para aprofundamento do assunto. O link de acesso é: <http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/ transtornos-globais-desenvolvimento-tgd-624845.shtml>. É importante salientar que muitos problemas que acompanham as crianças e podem interferir ou dificultar o seu desenvolvimento escolar não estão caracterizados como problemas de fato. Por exemplo, muitas vezes a forma como fala, a forma como expressa seus pensamentos por conta de expressões culturais e/ou regionais, o jeito como interage com os demais sujeitos, são vistos a partir de preconceitos que são estabelecidos e normalizados no local. Nesse caso, refletimos fazendo uso do que foi disposto na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Embora muitos acreditem que ela esteja direcionada à Educação Especial, destina-se à Educação para todos, afirmando que compete aos governos atribuírem “[...] a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais.” (UNESCO, 1994, item 2). Afirma-se, ainda, que: • toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas. (UNESCO, 1994, item 2). A Declaração de Salamanca foi um dos documentos que trouxe importantes reflexões em torno da Educação. Foi a partir dela que houve a 38 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia reorganização e a reformulação de documentos, políticas e práticas voltadas ao atendimento especializado às crianças nas escolas e que abarcassem não apenas às crianças com deficiências, mas a todas as crianças considerando suas especificidades. Com a declaração de Salamanca reafirma-se que a escola é o local em que há diversidade e que nenhuma criança é igual à outra. Que todos têm direito de aprender e aprendem em seu tempo. Neste documento é possível de se entender também que as crianças são mais importantes do que suas diferenças e limitações e não deve ser é isso um elemento gerador de impasses e impedimentos, mas acesso ao conhecimento e troca a partir da diversidade, respeito e alteridade mútuos. A partir desse entendimento, caro(a) leitor(a), e como forma de aprofundar seus conhecimentos em torno da discussão sobre as diferenças individuais, convidamos você a fazer a leitura de um trecho de um importante documento intitulado: Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007). V – Alunos atendidos pela Educação Especial [...] Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.” (BRASIL, 2006, p.330). O conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa Declaração, ressalta a interação das características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização de sistemas educacionais inclusivos, que garanta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo. Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais 39 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articuladacom o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. A educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas. Os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação ou categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os alunos. A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Fonte: Documento n° 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria n° 948, de 09 de outubro de 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/seesp/arquivos/txt/revinclusao5.txt>. Acesso em: 14 ago. 2012. 40 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia É importante salientar que o trabalho pedagógico de sala de aula requer, em vários momentos, adequações para o atendimento ao alunado. Não são as crianças que precisam se adequar à Escola, mas a Escola comprometer- se em atender a diversidade. Por essa razão, fala-se no termo “Inclusão” num sentido maior, pois: Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola. (UNESCO,1994). Certamente nós, professores, não iremos atingir a todos os alunos a todo o momento em relação ao processo de aprendizagem, mas é nosso papel refletir sobre o assunto e ter um entendimento de que as classes escolares são heterogêneas e, cada vez mais, faz-se necessário adequar-nos a sistemas de ensino que compreendam e exerçam sua função: construir o conhecimento a partir da diversidade, oferecendo, também, meios diversos de aprender de acordo com a demanda que se apresenta. Para acompanhar os professores frente à demanda existente diante dos problemas de aprendizagem dos alunos, vem a área da saúde atuar como auxiliar, buscando oferecer o diagnóstico e a terapêutica complementar independente do meio utilizado. Mas, precisamos refletir novamente, conforme já questionado no início deste capítulo, sobre como construir uma prática pedagógica que possibilite interação e aprendizagem escolar desse sujeito diagnosticado. Como poderemos pensar sobre isso? Como materializar essa prática? Como criaremos significados em torno do que foi dito ou escrito a partir do diagnóstico, tanto para a vida escolar do(a) aluno(a) quanto para ele(a) como sujeito? É importante salientar, conforme discutido anteriormente, que o diagnóstico médico ou de profissional da saúde assegura atendimento à criança que precise de apoio especializado por apresentar problemas específicos na aprendizagem. Ele é necessário a partir de leis, esclarecedor em torno do que o sujeito apresenta e decisivo na busca de mais esclarecimentos sobre problemas específicos que o sujeito apresentou. Sendo assim, ele possibilita a busca por aprofundamento na pesquisa sobre o assunto e na construção de caminhos pedagógicos que incluam e conduzam o sujeito no processo de aprendizagem. 41 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) A partir dos questionamentos apresentados anteriormente, convidamos você, caro(a) leitor(a), a buscar, na secretaria de sua escola, um laudo médico de um(a) aluno(a). Faça a leitura dele e escreva nas linhas abaixo o que compreendeu desse laudo e como poderia ser possível o trabalho com esse sujeito no contexto da sala de aula. _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ Leitura e prOduçãO de signifiCadOs: O LaudO para O sujeitO e seu COntextO eduCaCiOnaL Até o momento, caro(a) pós-graduando(a), vimos discutindo sobre a importância do laudo para o trabalho pedagógico. Certamente, o laudo em si e isoladamente não resolverá nossos problemas em sala de aula, pois é a partir dele que será materializada a prática pedagógica de resgate desse sujeito em relação ao processo de ensino e aprendizagem. O laudo é importante e necessário para conquistar o atendimento paralelo (por direito), para um segundo professor em sala de aula (quando necessário) e demais procedimentos técnicos que somente um médico poderá prescrever. 42 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Sobre o segundo professor e sobre o apoio legal que assegura atendimento diferenciado neste caso, convidamos você, caro(a) leitor(a), a aprofundar a leitura com a Resolução no 4 de 2 de outubro de 2009. O link de acesso é: <http://peei.mec.gov.br/ arquivos/Resol_4_2009_CNE_CEB.pdf>. Diante disso, é importante saber que, em alguns casos, esse sujeito diagnosticado já perpassou outras instituições. Muitas vezes, diante da própria “dificuldade, distúrbio ou transtorno” que tem, muitas frustrações o acompanham. Por vezes, há grande desmotivação dele e da família. O trabalho pedagógico pós-laudo, nesse caso, tem como eixo norteador uma espécie de reconfiguração do aprender. Para melhor compreender a questão, apresentamos a você, caro(a) leitor(a), o laudo de uma criança que frequentou, no ano de 2008, o 4º ano do ensino fundamental em escola pública no Estado de Santa Catarina. Este aluno frequentou a sala de aula em que eu, professora Cláudia, tive a oportunidade de atuar eaprender a construir a prática. LaudO neurOLógiCO: O menor João dos Santos, 9 anos, apresenta atraso no desenvolvimento neuropsicomotor com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno opositor-desafiador secundários. O mesmo precisa de estimulação global com postura familiar em todos os aspectos, elogiando e recompensando os pontos positivos, com limites claros e objetivos, tendo uma disciplina equilibrada nas situações em que João não as cumpre. A escola se possível deve ter intervenções específicas como sempre ter a mesma arrumação de carteiras; colocar João perto do(a) professor(a), longe de crianças que o provoquem; começar com tarefas simples e gradualmente mudar para mais complexas; comunicar-se com os pais; favorecer oportunidades para movimentos monitorados; recompensar os esforços e o comportamento bem sucedido. A escola e o(a) professor(a) não devem ser mártires e sim reconhecer seus limites e sua tolerância. 43 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Estou à disposição para maiores informações. Doutor Castilho Fernandes CRM 0101 Neuropediatria Observação: O laudo traz pseudônimos, mas o conteúdo é real. O aluno ao qual o laudo se refere passou a frequentar a sala de aula em que atuava a partir da metade do ano. Apresentava baixa tolerância a frustrações, frequentemente batia nos colegas, agredia a todos com palavras e gestos obscenos. Opunha-se a desenvolver os trabalhos apresentados, negava-se a construir sua aprendizagem. Mas, diante da negação, diante do caos, era preciso encontrar um caminho. João era um menino de apenas nove anos que precisava ser aceito, inserido no grupo e trabalhadas suas capacidades, investindo na construção do saber e do fazer. Além disso, precisava saber sobre o seu lugar e o lugar do outro. Entendendo até onde poderia ir e parar, ou seja, precisava aceitar os limites alheios e os seus. Essa reconstrução iniciou com muito diálogo. Foi a partir da palavra que começamos a construir o caminho: Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da relação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. (BAKHTIN, 2004, p. 113). Essa “ponte”, escrita por Bakhtin (2004), deu-se a partir de uma construção em grupo, pois era preciso muita compreensão deste para ser possível o trabalho. As constantes agressões e demais formas de expressão comportamentais precisavam ser compreendidas pelo grupo para, então, juntos – pois vivemos em sociedade – buscarmos um meio de convívio possível. O laudo não pode criar uma barreira de “pena”, “lamento” ou “exclusão”. Era preciso construir um significado. Estar diagnosticado para nós, naquele momento, apresentava partes ditas pelo médico do “estado” do João, naquela circunstância. Havia elementos que o limitavam, precisávamos descobrir quais eram e ele também precisava entender isso, para tentar controlar-se diante dessas situações. Isso significou para todos a transposição de obstáculos. 44 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia A partir de conversas coletivas, representações escritas e desenhadas daquilo que cada um do grupo mais se interessava em fazer, conseguimos elaborar uma proposta de projeto. Trabalhamos um projeto sobre cobras e, com muito empenho e compreensão, o grupo, eu e o Henrique produzimos conhecimento. Esse processo não foi fácil, requereu, acima de tudo, muita paciência, sensibilidade, aceitação e regras. Constantemente precisávamos retomar conversas e “combinados” para resolver conflitos. Mas, como sabíamos das razões deles por ter anteriormente já delimitado e deixado tudo claro, era possível continuar caminhando. O primeiro passo para construir a prática pós-laudo é apresentar ao grupo o que ocorre, explicar de forma simples. Deixar claro os limites de cada um, sem comparações entre si. Pois as notas e os conceitos embora sejam os mesmos não são iguais. Cada um a partir da sua história entenderá isso individualmente. O fazer pedagógico é possível em cada contexto com os sujeitos que dele fazem parte. Quando obtivemos esse laudo, não tínhamos ideia do que poderia ser desenvolvido. Tínhamos conhecimento científico do que isso significava, mas somente isso. Nenhuma prática é construída a partir de receitas. O que é possível de ser feito vem a partir do diálogo com outros professores, com a família e com outros profissionais para traçar objetivos, mobilizando pessoas e caminhando. O que não pode acontecer é usar o laudo como limitador de aprendizagens, deixando o(a) aluno(a) no fundo da sala para não “incomodar” e criar uma atmosfera de “piedade”. Por mais limitador que possa parecer um laudo, mesmo assim é possível aprender e conviver. Nosso cérebro tem a chamada “plasticidade”, que é a capacidade de reorganizar-se diante de possíveis limitações. Além disso, dependendo de como conduzirmos as situações, poderemos limitar mais ou possibilitar mais situações de aprendizagem. Sobre a plasticidade cerebral, é importante aprofundar a leitura. Há um artigo, publicado pelo jornal da Universidade do Estado de Campinas (UNICAMP), que elucida o assunto. O link de acesso é: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornal PDF/ju371pag04.pdf>. 45 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Acreditar no outro seria a palavra de ordem. Depositar tempo neste outro também. Além de possibilitar a “palavra” ao outro, também é preciso permitir- se ouvir. Ouvir o outro e ouvir-se. Para aprender a falar necessitamos ser escutados, para aprender a olhar, necessitamos ser olhados. A capacidade atencional se constrói nessa continuidade e descontinuidade, que abre um espaço entre: espaço atencional. Está aqui o valor do silêncio que nada tem a ver com silenciar-se, mas, muito com escutar e escutar-se. (FERNÁNDEZ, 2012, p. 43.) Figura 2 - Representação através de desenho: Tempo de falar e tempo de ouvir. Momentos especiais construídos em sala durante aquele semestre letivo Fonte: Aluna Carolina de Souza. A construção da prática, parafraseando Alicia Fernández (2012), existirá e se constituirá num espaço e momento únicos, pois lidamos com histórias de vida e circunstâncias próprias de cada local. Esse seria então um ponto importante para transformação e materialização da prática. Não importa o currículo e a quantidade de “saberes” que ele prevê, importa é como será feito para acontecer o processo do “aprender” para todos os alunos e suas diferenças, contemplando o currículo. Para essa experiência, em específico, sempre mantivemos diálogo sobre os saberes adquiridos, sobre nossas vidas. Num desses momentos, registramos as respostas dos alunos. E o aluno João, quando relatou sobre os seus saberes e sua vida, após o convívio de cinco meses na turma do quarto ano de nossa escola, disse o seguinte: 46 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Na escrita do João, fica evidente o quanto para ele foi importante aprender “coisas” na sala de aula. Quando ele diz: “aprendi a ser mais inteligente, mais cabeça e mais honesto”, faz-nos acreditar que o trabalho desenvolvido na sala de aula fez a diferença, principalmente para ele na condição de sujeito, como autor de sua história. A sala de aula possibilitou o espaço de autoria, mas foi ele que se tornou autor da mudança da própria história. Como afirma Fernández (2012, p. 13), “[...] os espaços de autoria iniciam onde há o reconhecimento daquilo que se é e do que se tem sido e construído ao longo da existência.”Acreditar no outro, acreditar que é possível o trabalho pedagógico a partir do laudo médico, como escreveu Alicia Fernández (2012), não tem nenhuma relação com crenças ou ingenuidade. Enquanto acreditamos no outro, permitimos a ele a construção do próprio espaço, da própria história e de sua modificação. Atividade de Estudos: 1) A partir dessas reflexões, caro(a) leitor(a), convidamos você a escrever sobre aquilo de que se lembra da sala de aula de algum ano do ensino fundamental, na qual você conviveu com outras crianças que não “aprendiam” ou que apresentavam comportamentos diferentes. Como se dava a aprendizagem neste grupo? O que era feito com essas crianças? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 47 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Deixamos como sugestão de leitura para você, caro(a) pós- graduando(a), o livro: “O menino do dedo verde”, de Maurice Druon. Ele pode ser lido dia a dia na sala de aula para os alunos pensarem sobre as diferenças que existem entre as pessoas. Além de estimular o hábito de ler você instiga a reflexão do assunto no grupo. O livro fala de um menino, o Tistu, muito feliz e criado com muito cuidado e atenção pelos pais, que eram donos da maior fábrica de canhões do mundo. Eles tinham muito dinheiro. Morava na “Casa-que-Brilha” - e tinha empregados que o adoravam. Ao completar oito anos, seus pais decidem que já é hora do filho conhecer as coisas da vida e se preparar para, no futuro, assumir e dar continuidade aos negócios da família. Matriculam Tistu na escola. No entanto, logo no terceiro dia de aula o menino é expulso do colégio por dormir durante as explicações da matéria pela professora. Com isso, os pais de Tistu decidem que a educação do menino se fará dentro de casa, sem livros, através de suas próprias experiências e observações. No dia de sua primeira aula com o jardineiro Bigode, Tistu descobre um dom excepcional: ele tem o dedo verde - o que significa que basta um toque de seu polegar para que surjam plantas e flores onde quer que ele encoste. Com as aulas do Senhor Trovões, ele entra em contato com a violência urbana cotidiana e conhece a infelicidade e a tristeza. Inconformado, Tistu decide mudar o mundo apenas com o toque de seu dedo verde, começando pela cidade onde mora, Mirapólvora. “O Menino do Dedo Verde”, de Maurice Druon, tornou-se um clássico da literatura para crianças e jovens em todo o mundo e permanece atual há três décadas, sendo adotado em escolas do Ensino Fundamental todos os anos. Esta fábula trata de questões relacionadas com os conceitos de convívio social, ética e cidadania; e foi pioneira ao abordar o tema ecologia. Fonte: Disponível em: <http://omelhorparaseler. blogspot.com>. Acesso em: 02 ago. 2012. Importante ter claro, caro(a) leitor(a), que quando desenvolvemos um trabalho pedagógico que tem como eixo central os sujeitos como pessoas e não como problemas, é possível construir um espaço de autoria da própria história, baseado na capacidade de reinventá-la sempre que for possível e necessário para sua vida. 48 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia O papeL dOs prOfissiOnais que atuam em auxiLiO aO sujeitO diagnOstiCadO. Caro(a) pós-graduando(a), falamos sobre a importância do laudo, sobre sua produção de significados e de como seria possível uma prática em sala de aula do ensino regular com um(a) aluno(a) diagnosticado. Realidade esta vivenciada em muitas salas de aula e, não raros os casos, com mais de um(a) aluno(a) diagnosticado(a) no mesmo grupo. Mesmo a partir do laudo, sabemos que o(a) aluno(a) frequentará o ensino regular como qualquer outro, em virtude de uma política de Educação Inclusiva a qual temos consciência de que prevalece atualmente nas escolas. Em algumas situações, por questões de excesso de debilidade, a família opta por um trabalho em clínicas específicas ou, até mesmo, por locais onde o trabalho é direcionado a demandas específicas. Atualmente, as políticas de educação que permeiam os Estados tentam oferecer equipes multidisciplinares com o intuito de dar continuidade aos laudos médicos. Ou seja, a partir daquilo que o médico afirmou sobre o sujeito, são indicados procedimentos para melhor desenvolver habilidades e reconstruir as possíveis lacunas de aprendizagem. Fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo são as principais especialidades que entram em cena quando a questão é o “resgate” desse sujeito. Além disso, há que se construir uma ponte entre o trabalho desses profissionais e a prática pedagógica na escola para obter um bom desempenho desse sujeito frente aos processos de aprendizagem. Importante lembrar que essa ponte poderá ser feita mediante a disponibilidade de conversas com os profissionais que atendem o(a) aluno(a), pois, a partir do trabalho complementar, vamos percebendo as mudanças que acabam ocorrendo no sujeito e com um trabalho colaborativo constroem-se novas estratégias de atendimento e práticas de intervenção pedagógica. Alguns laudos podem apresentar especificações e nomenclaturas de difícil compreensão. Nesse caso, cabe à escola solicitar mais informações sobre o assunto com pessoas capacitadas, tentando, assim, tornar possíveis as intervenções e a construção da prática. É importante manter contato constantemente com os demais profissionais que atendem a criança. Esse movimento de intercâmbio entre diferentes saberes trará benefícios para a criança/adolescente que está sendo acompanhada(o). 49 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Para todo o trabalho que for desenvolvido em torno da reconstrução da aprendizagem dessa criança, sejam aspectos psicológicos, sejam educacionais, sejam neurológicos, sejam fonoaudiológicos, é importante ter claro que a aprendizagem relaciona-se a duas condições: as externas, ou seja, os estímulos; e as internas, próprias do sujeito. Como afirma Sara Paín (2008, p. 25): Umas e outras podem ser estudadas em seu aspecto dinâmico, como processos, e em seu aspecto estrutural como sistemas. A combinatória de tais condições nos leva a uma definição operacional da aprendizagem, pois determina as variáveis de sua ocorrência. A partir dessa ideia, temos claro que a combinação entre os dois fatores é determinante para o processo de aprender. Não há limites para que isso ocorra, mesmo havendo problemas, transtornos ou dificuldades de aprendizagem, pois o limite do aprender é o que se constrói como limite. Para discutir um pouco sobre esse assunto, convidamos você, caro(a) leitor(a) a fazer a leitura de uma entrevista realizada com Alicia Fernández, escritora e pesquisadora, que há quarenta anos trabalha com a psicopedagogia em Buenos Aires, analisando importantes questões que envolvem as dificuldades de aprendizagem num sentido maior. Entrevista: Alicia Fernández (Por Luiza Oliva) A psicopedagoga argentina Alicia Fernández foi uma das precursoras da psicopedagogia no Brasil e é responsávelpela formação de parte dos profissionais da área em nosso país. É autora de Os idiomas do Aprendente, O Saber em jogo, A Inteligência Aprisionada e A Mulher escondida na professora (todos pela Artmed) e de Psicopedagogia em Psicodrama – morando no Brincar (Editora Vozes). É diretora da Escola Psicopedagógica de Buenos Aires. Alicia concedeu esta entrevista à Direcional Educador, que analisa questões as quais envolvem os problemas de aprendizagem. DIRECIONAL EDUCADOR - Como a senhora pode definir as dificuldades/problemas de aprendizagem? ALICIA FERNÁNDEZ - Antes de falarmos de dificuldades ou problemas, devemos falar de capacidades e possibilidades. Somente assim poderemos realizar duas tarefas: primeiro, tratar 50 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia dos problemas e segundo, o que é mais importante, evitar que apareçam. A aprendizagem não é um meio para se obter outra coisa. É um fim em si mesmo. Nós humanos nascemos carentes. Somos os mais indefesos da espécie animal. O filhote humano se faz humano graças à aprendizagem. Esta “fraqueza” instintiva orgânica é seu grande potencial. Porque, como todo bebê nasce imaturo biologicamente, sem os mínimos recursos próprios para sobreviver, precisa de outro humano que o ensine, que o reconheça como semelhante, que queira e que acredite que pode aprender. Todo aprender é problemático, porque inclui, no mínimo, três sujeitos: “o aprendente”, “o ensinante” e o sujeito social (a sociedade na qual está inserido). Não é o organismo que aprende atividades quase biológicas como o caminhar, o controle dos esfíncteres, o comer sozinho; para serem adquiridas não requerem apenas um organismo sadio, e sim, principalmente, uma aprendizagem. Aprendizagem que ocorrerá de acordo com o ambiente, mais ou menos favorável no qual a criança se desenvolve. Quer dizer, se falamos de dificuldades de aprendizagem, falamos de dificuldades no ou para o meio familiar e/ou educativo/ ensinante. DIRECIONAL EDUCADOR - Como o meio interfere nos problemas de aprendizagem? ALICIA FERNÁNDEZ - A palavra interferir é diferente de intervir. O meio sempre intervém e às vezes pode interferir. Que quero dizer com isto? Inter-vir (vir “entre”). Inter-ferir (ferir “entre”). Maravilha dos nossos idiomas. Nossa tarefa consiste em “intervir” e conseguir que o meio não “interfira”, negativamente. Como estávamos dizendo, não se pode esquecer do diagnóstico do “meio”, do ambiente, quando realizamos um diagnóstico psicopedagógico. A partir desta ideia central, eu escrevi meus dois primeiros livros: A inteligência aprisionada, nele trago fundamentos de como a família pode ser possibilitadora ou produtora de problemas de aprendizagem dos filhos, e desse modo, estruturo um modelo de diagnóstico interdisciplinar familiar, que venho utilizando em diversos países. E no meu segundo livro, traduzido em português, A mulher escondida na professora, explico e fundamento o lugar e a importância dos professores, tanto como agentes de saúde na aprendizagem como às vezes (ainda que sem propor a sê-lo) desencadeadores de problemas de aprendizagem. A escola, e todos os seus atores, têm um papel subjetivante em relação aos alunos. Nós, humanos, aprendemos a partir de identificações com nossos ensinantes e, somente em um ambiente familiar, e, depois, no escolar e social, que nos aceite como seres pensantes. 51 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 Quero dizer, que permita e favoreça nossas perguntas, dê lugar à diferença, em síntese, que favoreça a autoria de pensamento. A inteligência se constrói, a atividade de pensamento se constrói, como também a atenção e a capacidade de se prestar atenção. DIRECIONAL EDUCADOR - Como a senhora entende a abordagem organicista a respeito das dificuldades de aprendizagem? ALICIA FERNÁNDEZ - As tendências à patologização dos avatares da aprendizagem se acrescentam, promovidas pela indústria farmacêutica e pela difusão das notícias pela mídia. Sem dúvida, tal discussão não teria o êxito alarmante que está tendo se não se sustentasse nas formas de subjetivação impostas pela sociedade do mercado globalizado. Preocupa-nos a inquietante proliferação de posturas que não só psicopatologizam e medicalizam os mal estares psíquico-sociais, como também consideram suspeita e até perigosa a própria atividade da alegria e o brincar, desvitalizando a autoria de pensamento. Quanto se trata de crianças e da aprendizagem, tal tendência encontra fáceis adeptos e propulsores em professores e pais aprisionados pelas lógicas da competitividade, pela eficiência (que mata a eficácia) e pelo cumprimento imediato para se chegar a um fim exitoso, sem considerar os meios para se alcançá-lo. A aprendizagem perde, assim, seu caráter subjetivante – fim em si mesmo - para transformar-se em um triste meio para obter um resultado exigido pelo outro. A atividade de pensar é fascinante. Como se produz a maravilhosa e transformadora atividade de pensamento? A “fábrica” de pensamentos não se situa nem dentro, nem fora da pessoa, está localizada entre. “Entre”, em psicopedagogia, não é uma palavra a mais, é um conceito. A atividade do pensar nasce na intersubjetividade promovida pelo desejo de se fazer próprio que nos é desconhecido, mas também nutrida pela necessidade de entendermos e que nos entendam. O pensar, ademais, se alimenta do desejo de que este outro nos aceite como seu semelhante. Desejos, aparentemente contraditórios, mas que juntos vão armando a trama do nosso existir em sociedade. Entendendo assim a atividade do pensar, poderemos encontrar outros caminhos para a construção de regras. A função do pensamento em seu sentido mais radical tem a ver com superar a racionalidade pragmática. A sustentação do pensar se dá naquilo que se quer alcançar e não no que está dado. Definimos a inteligência como a capacidade de desadaptar-se criativamente. Quando o modo de pensar perde a provisioriedade necessária a todo o pensar, as observações 52 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia descritivas e particulares são utilizadas como se fossem explicações gerais. O devastador de tal modo de pensar abrange não somente os sujeitos observados, e assim transformados em “objetos”, como também a quem pretendemos “diagnosticar”. As perturbações na aprendizagem expressam uma mensagem que é sempre singular. O “rótulo” esconde a mensagem que está entrelaçada no drama singular de cada criança ou jovem. DIRECIONAL EDUCADOR - Pode explicar o conceito de aprisionamento da inteligência? ALICIA FERNÁNDEZ - A inteligência se constrói. Não nascemos inteligentes, nascemos com a possibilidade de sermos inteligentes, quer dizer, de podermos eleger nosso destino. A maioria das crianças diagnosticadas como deficientes mentais, não o são. Sua inteligência encontra-se aprisionada. Quando, 20 anos atrás, publiquei o livro A inteligência aprisionada, a indústria farmacêutica não havia penetrado nas escolas do modo que ocorre hoje, e os efeitos devastadores do neoliberalismo não colonizavam as mentes de tantos profissionais como na atualidade, portanto não considerava urgente denunciar a medicalização das crianças. Ademais, o pretendido caráter orgânico e hereditário da inteligência já estava suficientemente questionado pela epistemologia genética, pela psicanálise, pela sociologia da educação e pela psicopedagogia. Apoiando-me nestes saberes, que contextualizam a inteligência humana em um sujeito inserido em um meio familiar e social, pude explicar os possíveis e diferentes aprisionamentos de que padece. A partir destes aportes teóricos e clínicos consegui propor outros modos de “diagnosticar” a capacidade intelectual frente a aqueles que pretendiam fazê-lo através de “cocientes intelectuais” (CI) epercentuais. Em síntese, sobre a atividade intelectual estavam então (e estão agora) suficientemente estudadas uma série de questões: que a inteligência se constrói; que tal construção nasce e cresce na intersubjetividade - pelo que não pode explicar-se do ponto de vista neurológico - e que os meios ensinantes (familiares, educativos e sociais) participam favorecendo ou perturbando a capacidade de pensar. Quer dizer, para questionarmos os modos instituídos de pensar a inteligência, contávamos então com teorias que desde o século XX vinham rebatendo as ideias de épocas anteriores que a consideravam uma função orgânica. A situação varia quando se trata de pensar a atividade atencional. Os diagnósticos de “déficit de atenção” se realizam sobre supostos (não explícitos) que desconhecem os avanços produzidos no século XX em relação aos estudos 53 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 da subjetividade humana e da inteligência. Assim, atualmente se definem tipos de atenção de modo semelhante ao determinado pela psicologia experimental do século XIX. Necessitamos analisar a atenção aprisionada, para diferenciá-la da desatenção reativa (e a ambas dos poucos casos de dano neurológico que comprometem a atenção). Hoje é urgente trabalhar e estudar a capacidade atencional como aquilo que é: uma capacidade. Partindo desta postura, a psicopedagogia pode fazer importantes aportes. DIRECIONAL EDUCADOR - Há quantos anos trabalha com a psicopedagogia? Pode fazer um breve histórico de como iniciou na área? E como vê a evolução da psicopedagogia nesse período? ALICIA FERNÁNDEZ - Neste ano (2008), completam-se 40 anos que desenvolvo a maravilhosa atividade da psicopedagogia. Fazer psicopedagogia é uma atividade que não somente nos permite, como também exige, fazermos por nós mesmos, o que podemos fazer pelos outros. A exigência de fazer por nós mesmos se refere a ir ressignificando nossas próprias modalidades de aprendizagem/ensinagem, e ir nutrindo as fontes propiciadoras de nossa própria autoria de pensamento. Uma destas fontes é a “alegria” que vem de mãos dadas com a capacidade de surpreender-se. Você me pergunta como iniciei minha carreira. Na Argentina, a psicopedagogia é uma formação que ocorre na graduação. Eu comecei trabalhando como orientadora educacional em escolas de regiões carentes, as quais me serviram como uma grande aprendizagem, já que ao mesmo tempo em que estudava na faculdade, podia receber as perguntas que aquela realidade educativa colocava a professores e alunos. DIRECIONAL EDUCADOR - Como vê o futuro da psicopedagogia? Há exageros na questão do encaminhamento psicopedagógico? ALICIA FERNÁNDEZ - Um dos aspectos da subjetividade – mais atacado pela sociedade neoliberal – é a possibilidade de pensar. Este ataque é lento, persistente e perigoso. Vai se dando imperceptivelmente. Jovens e adultos o sofremos. Na escola se evidenciam os efeitos de tal bombardeio. Nos alunos se manifesta como um aborrecimento-tédio e pode expressar-se como “desatenção”. Nos docentes pode aparecer como desânimo e “queixa-lamento”. Portanto o futuro da psicopedagogia depende da postura que cada psicopedagogo pode ir construindo, quer 54 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia dizer, priorizando a saúde da aprendizagem tanto nas escolas, nas famílias e nos meios de comunicação. Esta é a tarefa principal. Encaminhar uma criança ou jovem a um tratamento é só uma última instância. A psicopedagogia tem muito que contribuir se conseguir ser fiel à proposta psicopedagógica da saúde. Em síntese, frente à nossa inteligência aprisionada, a tarefa de cada um de nós, como ensinantes e aprendentes, passa por: o autorizar-se a pensar; o permitir-se perguntar, o perguntar, o deixar espaço à imaginação e ao prazer de aprender; e, em consequência, ao prazer de ensinar. Fonte: Matéria publicada na Revista Direcional Educador - edição 43 de agosto/2008. Disponível em: <http://www.direcionaleducador.com. br/artigos/entrevista-alicia-fernandez>. Acesso em: 02 ago. 2012. Fica como dica para você, caro(a) leitor(a), a leitura de importantes materiais e trabalhos da autora Alicia Fernández. Visite a página da autora, em que exerce a função de Diretora da Escola Psicopedagógica de Buenos Aires, em: <www.epsiba.com/ index.htm>. Atividade de Estudos: Como atividade complementar, busque refletir sobre sua prática pedagógica, tentando responder à seguinte pergunta: 1) Qual a ferramenta imprescindível para o trabalho de resgate dos processos de aprendizagem do(a) aluno(a) diagnosticado(a)? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 55 O LaudO e sua COntribuiçãO para a eduCaçãO Capítulo 2 _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ aLgumas COnsiderações Caro(a) leitor(a), neste capítulo discutimos sobre a importância legal do laudo e buscamos compreender, por meio de um exemplo, a importância de construir um caminho possível de intervenção pedagógica. Além disso, reafirmamos a importância dos profissionais da educação agirem em relação ao sujeito diagnosticado e ao seu contexto social, tendo como eixo norteador de trabalho o sujeito e não a sua dificuldade apenas. Assim, fechamos este capítulo com um pensamento escrito por Alicia Fernández (2012) e apresentado na epígrafe de um de seus livros, referindo- se ao atendimento pedagógico e às dificuldades que nós professores encontramos em chão de sala diariamente: Um moinho ainda que somente um, colocado na terra, ainda que árida, com a energia dos diversos ventos e ainda que com tempestades distantes, encontra atua, ainda que a mais escondida, fazendo brotar as sementes, ainda que as mais imprevistas. Alicia Fernández. 56 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia referênCias BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13/07/1990. Florianópolis: IOESC, 1990. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. 14. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000. ______. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012. ______. Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012. ______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. Disponívelem: <http://portal. mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/revinclusao5.txt>. Acesso em: 14 ago. 2012. FERNÁNDEZ. Alicia. A atenção aprisionada: Psicopedagogia da capacidade atencional. Porto Alegre: Penso, 2012. MONTOYA, A.O.D. Piaget e a criança favelada: epistemologia genética, diagnóstico e soluções. Petrópolis: Vozes, 1996. PAÍN. Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008. RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Prisonniers du présent: le développement cognitif et Ia socialisation de I’enfant défavorisé. Psychoscope, v.18, p. 8-10, 1994. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação: Sobre necessidades educativas especiais. Conferência Mundial sobre Educação para Necessidades Especiais: Acesso e Qualidade. Salamanca, 7-10 de junho, 1994. CAPÍTULO 3 Os EncaminhamEntOs A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Refletir sobre o perfil da turma e a individualidade dos sujeitos. 3 Exemplificar questões relacionadas aos problemas de aprendizagem. 3 Refletir sobre a prática pedagógica a partir do laudo. 3 Possibilitar o resgate do sujeito e das suas relações sociais no contexto educacional. 58 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia 59 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 cOntExtualizaçãO Aquilo do qual as crianças precisam não é de resignação, mas de paixão. Elas sonham com um mundo onde os atores possam falar em nome próprio escapando da obrigação de parecerem conformes. (MAUD MANNONI) Prezado(a) leitor(a), com este capítulo temos a intenção de fazer com que você reflita sobre o sujeito “aprendiz” e as suas particularidades, além de compreender que o espaço escolar e de aprendizagem deverá ser um local de confiança que lhe cause segurança e vontade de ficar e retornar. No entanto, cabe ao(à) professor(a) saber quais são os indivíduos que compõem o grupo em que atua, pois isso possibilita o reagrupamento por saberes e a possibilidade de desenvolvimento social e individual. Fazendo uma analogia com a epígrafe de Mannoni, a educação carece de profissionais preocupados com o outro e de práticas de reconstrução da aprendizagem do outro. As dificuldades, distúrbios ou transtornos de aprendizagem devem ser transcendidos, para que as crianças estejam e sejam vistas e compreendidas além da sua limitação. Que possam construir seu espaço, seu caminho, dentro de suas possibilidades e, talvez, sigam além delas. Pois não somos todos iguais e precisamos aprender a respeitar, aceitar e conviver com esta condição de diferença, tanto no âmbito do ser como do aprender. Com base nisso, refletiremos sobre a aprendizagem, o encontro com certas limitações e o saber/fazer pedagógico. Compreenderemos o sujeito dentro do seu contexto social, fazendo-o interagir no meio em que vive e, a partir disso, construir suas bases para a aprendizagem. O Olhar dO PrOfEssOr: a PErcEPçãO dOs PrOblEmas E O cOmPrOmissO cOm O sujEitO De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), é direito das crianças frequentarem uma escola, mas você já parou para pensar se as crianças querem e gostam de estar na escola? Essa é a primeira indagação que deve surgir quando se deparar com um grupo de aprendizes. 60 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Como professor(a) o seu primeiro objetivo em sala de aula é conhecer os sujeitos e compreender em que espaços sociais eles estão inseridos. Depois de realizada essa sondagem, ficam mais visíveis possíveis diferenças que possam surgir no grande grupo. Lembrando sempre que antes de construir um rótulo ou um estigma, ele é uma pessoa com desejos, anseios, verdades, valores, crenças. Queremos dizer com isso que os problemas enfrentados na sala de aula são pequenos segmentos desse sujeito como um todo. São crescentes os casos de problemas de aprendizagem e queixas relacionadas ao assunto. A demanda por diagnósticos e atendimentos cresce diariamente e o encontro com diferentes tipos de problemas no âmbito educacional também. Para refletirmos sobre o assunto, queremos convidar você, caro(a) leitor(a), para assistir a um vídeo intitulado: “Medicalização da Vida Escolar”. O Vídeo foi produzido por Helena Rego Monteiro para apresentação da dissertação de Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2006. O vídeo a que nos referimos é apresentado por uma suposta professora que encontra em todos os alunos de sua sala algum problema, dificuldade, distúrbio ou transtorno na aprendizagem. Ele é um convite para refletirmos sobre quem de fato teria problemas de aprendizagem numa sala de aula? Como pensar sobre o assunto sem estigmatizar ou negligenciar o(a) aluno(a)? Confira no link: <https://www. youtube.com/watch?v=fbUfrZzIYRI>. Agora que você assistiu ao vídeo e para dar continuidade a essa ideia, convidamos você a fazer a leitura do poema de Chico Buarque: Ciranda da Bailarina. Ciranda da Bailarina Chico Buarque Procurando bem Todo mundo tem pereba Marca de bexiga ou vacina E tem piriri, tem lombriga, tem ameba Só a bailarina que não tem E não tem coceira Verruga nem frieira Nem falta de maneira Ela não tem 61 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 Futucando bem Todo mundo tem piolho Ou tem cheiro de creolina Todo mundo tem um irmão meio zarolho Só a bailarina que não tem Nem unha encardida Nem dente com comida Nem casca de ferida Ela não tem Não livra ninguém Todo mundo tem remela Quando acorda às seis da matina Teve escarlatina Ou tem febre amarela Só a bailarina que não tem Medo de subir, gente Medo de cair, gente Medo de vertigem Quem não tem Confessando bem Todo mundo faz pecado Logo assim que a missa termina Todo mundo tem um primeiro namorado Só a bailarina que não tem Sujo atrás da orelha Bigode de groselha Calcinha um pouco velha Ela não tem O padre também Pode até ficar vermelho Se o vento levanta a batina Reparando bem, todo mundo tem pentelho Só a bailarina que não tem Sala sem mobília Goteira na vasilha Problema na família Quem não tem Procurando bem Todo mundo tem... 62 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Tanto no vídeo como no poema de Chico Buarque, de fato se nos prendermos a cada sujeito e sua vida como um todo, certamente encontraremos muitos problemas. Problemas, dificuldades, todos nós temos ou algum dia teremos diante de algo que, num primeiro momento, não encontramos uma solução ou de imediato não compreendemos suas razões. É preciso tomar cuidado com a generalização dos problemas e a banalização dos sintomas. Diante dessa questão e conforme já mencionamos no primeiro capítulo, precisamos refletir sobre como se dá o processo de aprender. Já anteriormente dissemos que a aprendizagem tem as dimensões: biológica, cognitiva e social. Na dimensão biológica e a partir dos ensinamentos de Piaget (1984), o sujeito necessita da presença de duas funções: a conservação da informação e a antecipação. Recebemos uma herança genética, porém ela por si só não garante a aprendizagem. Ao longo de sua vida, o sujeito, a partir do ponto de vista biológico e em função das experiências e da forma como ele esquematizará e estruturará essas experiências, irá assimilando e acomodando aprendizagens. A dimensão cognitiva refere-se à forma como o saber se estruturará neste sujeito. Essa forma é individual, pois o caminho é do sujeito. Quando ele vive uma nova experiência ou uma experiência diferente daquela já conhecida, vivenciará a dinâmica do ensaio e do erro ou êxito. Esse processo é necessário para a construção de novos esquemas de aprendizagem, pondo em cheque os saberes anteriores e reorganizando os novos.Quando surge uma nova experiência, esta desequilibrará aquilo que ele já conhece, desorganizando seu saber. É a partir disso que ele reconstruirá o saber, incorporando esse novo contato com a nova experiência. A dimensão social envolve, segundo Paín (2008), o processo de transmissão da cultura. Nesse caso, refere-se tanto à escola quanto à família. A sua dimensão social caracteriza um sujeito histórico que incorpora uma linguagem e manejos específicos de vida, são particularidades de um grupo de pertencimento. Assim, o sujeito aprende e garante a continuidade da sua história e do processo histórico da sociedade e do seu grupo como tal. “A transmissão da cultura é sempre ideológica na medida em que é seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de operar, e, portanto serve à manutenção de estruturas definidas de poder.” (PAÍN, 2008, p.18). Certamente a relação entre o ensino e a aprendizagem no contexto escolar envolve trocas ideológicas e de saberes entre professores e alunos e alunos entre seus pares. Assim, vão sendo inseridos e reinscritos novos saberes e novas verdades na cultura. 63 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 As dimensões apresentadas referem-se a condições internas e externas de aprendizagem. Desde que nasce, o bebê vai aprendendo e apreendendo o mundo em que vive. Parafraseando Paín (2008), as condições externas de aprendizagem referem-se ao meio em que a criança ou o sujeito vive. A forma como se conduzem ou se possibilitam as experiências, a velocidade, o ritmo, a riqueza ou pobreza – não se referindo à condição social e financeira, mas aos experimentos de vida – estão diretamente ligados à aprendizagem. Ou seja, aquilo que o sujeito vive e interage com outras pessoas e seu meio vai se configurando como experiências, como aprendizagem. Independente da condição social ou da própria história, é sempre possível obter novas experiências e melhorar as antigas. A mesma autora ainda remete-nos a pensar sobre as condições internas do aprender, ou seja, inicialmente questões neurofisiológicas garantem a conservação daquilo que foi aprendido, assim como a disponibilidade e as condições para o aprender. É isso exatamente o que nos difere uns dos outros, sem sermos melhores ou piores, mas sendo diferentes dentro de suas limitações. Lembrando que isso também está relacionado à necessidade que o sujeito tem, a motivação que ele encontra para o ato de aprender que inicialmente é interna e, dependendo da situação em que se encontra, pode ter sua relevância externa. Em relação a isso, convidamos você, caro(a) leitor(a), a assistir a um vídeo do Charlie Brown e a Turma do Snoopy, disponível no link: <https://www.youtube.com/ watch?v=P5LRa8P6-Qk&feature=related>. O vídeo apresenta comentários importantes de alunos enquanto resolvem as atividades propostas pelos professores em situações cotidianas na escola, como: apresentação de trabalhos, provas, entregas de boletins, entre outros. A partir deles é possível refletir, de forma bastante descontraída, sobre questões relacionadas à motivação e àquilo que é oferecido em sala de aula aos alunos. Diante desse vídeo, permitimo-nos levantar algumas questões: Quantos alunos daquela classe teriam problemas de aprendizagem? Será que os problemas de aprendizagem estão nos alunos ou caracteriza-se como a forma como o(a) professor(a) os reconhece e legitima? Será que esses problemas relacionam-se aos alunos ou à forma como é conduzido o processo de construção de novos saberes? 64 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Essas questões referem-se ao olhar do(a) professor(a) frente aos alunos e seu processo de aprendizagem, suas dificuldades, facilidades e a forma como eles se apresentam no âmbito escolar, mais especificamente em sala de aula. Se tivermos uma sala de aula com vinte alunos, certamente os vinte alunos terão especificidades que os configuram como sujeitos únicos no mundo. Isso se refere ao aprender e ao não aprender também. Como havíamos dito anteriormente, é preciso tomar cuidado com a generalização dos problemas e a banalização dos sintomas. Podemos considerar, como afirma Paín (2008), que o problema de aprendizagem é um sintoma, entendendo que o não aprender não se configura como um quadro permanente, mas como um estado particular de comportamentos e situações específicas que cumprem alguma função para esse sujeito. Por essa razão é tão importante e necessário o olhar do(a) professor(a) para compreender até que ponto essa dificuldade ou problema de aprendizagem é algo próprio do sujeito e que precisa de intervenção e até que ponto ela é o reflexo de algo que não está em consonância com a caminhada deste aprendente, referindo-se ao próprio trabalho escolar e pedagógico. É sempre importante ao(à) professor(a) refletir sobre o(a) aluno(a) que não aprende e pontuar quais foram as alternativas utilizadas para a construção da aprendizagem deste(a). Lembrando, como afirma Fernández (1991, p. 32): Sabemos que para aprender é necessário um ensinante e um aprendente que entrem em relação. Isto é algo indiscutível quando se fala de métodos de ensino e de processos de aprendizagem normal; não obstante, costuma- se esquecê-lo quando se trata de fracasso de aprendizagem. Aqui, pareceria então, que só entra em jogo o aprendente que fracassa. Como se não se pudesse falar de ensinantes ou de vínculos que fracassam e produzem sintomas. Por ensinantes entendo tanto o docente e a instituição educativa, como o pai, a mãe, o amigo ou quem seja investido pelo aprendente e/ou pela cultura para ensinar. Atividade de Estudos: 1) A partir desses dizeres, podemos fazer um exercício de reflexão sobre a própria caminhada de aprendente. Como você se sentia quando não entendia algo que o(a) professor(a) explicava e acabava por tirar uma nota baixa numa prova? De que modelo de aprendizagem você lembra como aprendiz em sala de aula? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 65 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ Em relação ao compromisso do(a) professor(a) com o(a) aluno(a) e sua forma particular de aprender ou com suas dificuldades em aprender, seguimos a mesma ideia de Tardif (2005, p. 129): A primeira característica do objeto do trabalho docente é que se trata de indivíduos. Embora ensinem a grupos, os professores não podem deixar de levar em conta as diferenças individuais, pois, são os indivíduos que aprendem, e não os grupos. Esse componente individual significa que as situações de trabalho não levam à solução de problemas gerais, universais, globais, mas se referem a situações muitas vezes complexas, marcadas pela instabilidade, pela unicidade, pela particularidade dos alunos, que são obstáculos inerentes a toda generalização, às receitase às técnicas definidas de forma definitiva. A atuação do(a) professor(a) é um grande compromisso, marcado pela busca de ações pensadas para os sujeitos e suas especificidades, na medida em que ele(a) ocupa, através do trabalho com os alunos, a posição de ator/ atriz e mediador(a) da cultura e dos saberes escolares. (TARDIF, 2005). Para finalizar esse item e abrir o próximo, vale refletir a partir da frase de Fernando Pessoa: “Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.” 66 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia indicativOs dOs PrOblEmas dE aPrEndizagEm A criança que dele padece (problemas de aprendizagem) sofre pela subestimação que sente ao não poder responder às expectativas dos pais e dos professores. Por sua vez, a identidade não é algo que se adquire de uma vez e para sempre, mas é o produto de construções identificatórias para as quais cumpre um papel importante os modos como os demais nos definem. (Alicia Fernández) Para a autora Alicia Fernández (2001a), os problemas de aprendizagem são uma realidade imobilizadora que pode apresentar-se individual ou coletivamente. “Em sua produção, intervém fatores que dizem respeito ao socioeconômico, ao educacional, ao emocional, ao intelectual, ao orgânico e ao corporal”. (FERNÁNDEZ, 2001a, p. 26). Portanto, é através do olhar e da percepção do(a) professor(a), da prática diária de interações e, muitas vezes, sendo o(a) primeiro(a) a detectar isso no(a) aluno(a) que será, então, necessária a intervenção terapêutica especializada através da: psicologia, psicopedagogia, assistência social, pediatria, neurologia, fonoaudiologia, entre outras áreas. É importante ressaltar que muitos dos problemas de aprendizagem são fabricados ou reproduzidos ideologicamente. Vale ter clara esta questão, pois todos nós precisamos de um tempo para aprender e apreender, para apropriarmo-nos de um saber e dele fazer uso. Importante refletir, também, diante da questão dos saberes, sobre quantos e quais dos saberes escolares fazemos uso? Qual a relação do saber com o sujeito que aprende? Muito dos problemas escolares que são apresentados em consultórios, tecnicamente, nada têm a ver com problemas de aprendizagem em si, mas com a forma como esse saber se deu na sala de aula e que, no caso, para determinados alunos, acabou perdendo-se no caminho. Em relação ao grande número de crianças encaminhadas para consultórios e que tecnicamente não teriam problemas de aprendizagem, sugerimos a leitura da tese de livre docência em pediatria social na Unicamp, da autora Maria Aparecida Affonso Moysés. Ela desenvolveu um trabalho com setenta e cinco crianças ditas com ”problemas de aprendizagem”, que acabaram incorporando um suposto fracasso escolar que não existia, mas que lhes foi imputado. O trabalho virou livro e tem como título: A 67 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola, da editora Mercado de Letras. Mas, se você preferir inicialmente fazer a leitura de uma resenha dele, segue o link: <http://www. google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd =1&sqi=2&ved=0CCEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.seer.ufu. br%2Findex.php%2Femrevista%2Farticle%2Fdownload%2F7920 %2F5026&ei=jL6OUK7MJO3p0QGfqYGQBg&usg=AFQjCNEjaID MOGIgiDKOyJlgX5wPMMozNA>. Como dissemos anteriormente e a partir de Paín (2008), o problema de aprendizagem aparece com um sintoma: o não aprender. O(A) professor(a), a partir da sua dinâmica de prática pedagógica e por conviver diariamente com esse(a) aluno(a) e esse sintoma, juntamente à equipe pedagógica, poderá refletir sobre a necessidade do encaminhamento ao profissional de saúde. A partir disso, a família precisará agir, sempre tentando ponderar decisões, buscando mais de uma opinião quando houver algum problema diagnosticado na criança. Em relação à aprendizagem, como dissemos anteriormente, há fatores internos e externos para o ato de aprender se concretizar. Para tanto, o(a) professor(a) poderá perceber algumas dificuldades que os alunos podem enfrentar em relação ao processo de aprendizagem, observando os fatores: orgânicos, específicos, psicógenos e ambientais, segundo Paín (2008). Neste momento, convidamos você, caro(a) pós-graduando(a), a fazer a leitura de um resumo que explica sobre esses fatores, a partir de Sara Paín (2008, p. 27-33). OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E SEUS FATORES: Em relação aos fatores orgânicos, é fundamental a integridade anatômica e de funcionamento dos órgãos [...] bem como dos dispositivos que garantem sua coordenação no sistema nervoso central. [...] O sistema nervoso sadio, se caracteriza, no âmbito de comportamento, por seu ritmo, sua plasticidade, seu equilíbrio. Isso lhe garante harmonia nas mudanças e consequência na conservação. O contrário acontece quando há lesões ou desordens corticais (primárias, genéticas, neonatais, ou pós-encefalíticas, traumáticas, etc.), encontramos uma conduta rígida, estereotipada, confusa, patente na educação perceptivo-motora ou na compreensão. Há também especificação do funcionamento glandular que podem causar hipomnésia, falta de concentração, sonolência. Estas especificações podem causar 68 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia problemas mais ou menos graves, porém mesmo assim, não impedem por si só do sujeito aprender. Elas devem ser sanadas, acompanhadas por profissionais como, por exemplo, um neurologista juntamente com o pediatra ou endocrinologista, mas isoladamente não são fatores e muito menos justificativa para a não aprendizagem. Os fatores específicos referem-se a aspectos de nível da linguagem e sua articulação. Aspectos da grafia, lateralidade (direito/esquerdo), compreensão espaço/temporal. Estas questões em alguns momentos confundem-se a aspectos orgânicos, mas na maioria das vezes não se relaciona com dano cerebral e em muitos casos é sanado com acompanhamento psicopedagógico adequado ao sujeito. Fatores psicógenos relacionam-se a questões da inibição ao aprender. Muitas crianças ou adolescentes apresentam uma sintomatologia em torno disso enquanto elaboram o luto, no caso não apenas a morte de alguém querido, mas à elaboração de alguma morte simbólica, ou repressão. Aos fatores ambientais referimo-nos às possibilidades reais oferecidas a esse sujeito, como quantidade, qualidade, freqüência, abundância de estímulos e também o acesso ao lazer, ao esporte, às tecnologias. Porém salientamos que também é necessário certo grau de consciência, participação e motivação do sujeito para com esse acesso. Certamente existem inúmeros problemas de aprendizagem que são apresentados no âmbito da sala de aula. Apresentamos a você, caro(a) leitor(a), indicativos discutidos a partir de Paín (2008) para investigar certos problemas com os quais nos deparamos em sala de aula e assim refletir sobre eles, caracterizá-los para uma maior compreensão e, então, fazer os encaminhamentos necessários. É urgente refletir sobre isso e, conforme a própria autora salientou anteriormente, entendermos que é importante fazer a verificação do que leva o(a) aluno(a) a não conseguir aprender e tentar adequar o problema dele(a) aos meios necessários, a partir de metodologias apropriadas para resgatar e inseri-lo(a) no processo de aprendizagem, aceitando e convivendo com as diferentes formas como os(as) alunos(as) aprendem; aceitando, principalmente, a condição de uma sala de aula heterogênea em torno dos aspectos sociais, econômicos, culturais, cognitivos e subjetivos. Também é preciso compreender que estas condições interferem diretamente na forma e no manejo dos processos de aprender e, consequentemente, de ensinar; ter consciência de que, muitasvezes, o sintoma do(a) aluno(a) é o reflexo da dinâmica usada para ensinar pelo(a) professor(a). 69 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 Outro grande problema que acompanha e assombra as práticas de sala de aula, desorganizando a dinâmica do trabalho pedagógico de muitos professores atualmente e que, por vezes, tornou-se modismo, é a desatenção e a hiperatividade. Lembrando que a desatenção e a hiperatividade são transtornos que merecem atenção. Muito embora tenham virado modismos, precisam ser levados a sério e investigados por profissional da medicina ou saúde. O(A) aluno(a) desatento(a) e hiperativo(a) não consegue manter-se concentrado(a) por muito tempo em atividades e, por vezes, demonstra-se desmotivado(a) para aprender, mas não é somente isso que caracteriza a desatenção e a hiperatividade. Por essa razão e como forma de aprofundamento no assunto, indicamos que você visite a página da Associação Brasileira do Déficit de Atenção e explore novos saberes sobre o assunto. O link de acesso é: <http://www.abda.org.br/>. Para Fernández (2012), tanto a desatenção como a hiperatividade seriam sintomas sociais contemporâneos. Inúmeros diagnósticos são feitos por profissionais seguindo essa nomenclatura. Muitas vezes sequer são diagnósticos, mas terminologias emprestadas da área da saúde para designar a não aprendizagem ou encobrir o fracasso do processo de ensinar. Faz- se urgente perceber esses sintomas e, a partir dessa percepção, adequar as condições sociais e de aprendizagem para reconstruir a metodologia do aprender em grupo no contexto de sala de aula. Pois mesmo que o sujeito de fato seja desatento e hiperativo, é preciso encontrar uma forma de fazê-lo aprender no contexto escolar e, mais especificamente, na sala de aula. Para o(a) professor(a), não ter a atenção dos alunos é algo que afeta diretamente o seu trabalho. Pois ele(a) tem como primeira instância ser ouvido pelo grupo para, supostamente, acreditar que eles estejam atentos e aprendendo. É importante que o(a) professor(a) possa perceber em seu grupo de alunos algumas questões importantes que indiquem ou não problemas de aprendizagem e, a partir disso, inicie uma busca em torno da construção da prática. Pontuaremos a seguir, a partir da autora Alicia Fernández (2012), alguns aspectos importantes, que devem ser percebidos no âmbito de sala de aula, sobre a atenção, a vida e o aprender dos nossos alunos. São eles: Compreender o que é a desatenção necessária, saudável e criativa daquela que aprisiona num mundo à parte. 70 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia A atividade atencional refere-se àquilo que habitualmente fazemos. Lembremos que as crianças estão inseridas num momento histórico em que o foco de atenção não é apenas num aspecto, e sim em alguns aspectos ao mesmo tempo. As crianças são “bombardeadas” por informações simultâneas no contexto em que vivem. • Precisamos compreender o novo cenário que se configura em torno da atenção das crianças. Não precisamos sofrer com isso e sim tentar, a partir disso, encontrar um caminho para conduzir o processo de aprender. • Ouvir as crianças, seus pais e seus argumentos. Para poder entender o que acontece com eles é necessário ouvi-los. Muitas vezes, são ditos e outros não ditos, ou seja, silêncios. • Fazer da sala de aula um espaço de autoria de pensamento, onde o(a) aluno(a) sinta-se à vontade para perguntar e construir suas respostas, construir seu processo de aprendizagem entre pares, sentindo alegria e prazer em estar diariamente envolvido(a) com a dinâmica do saber e do fazer. • Transformar o espaço da sala de aula num local onde cada um possa aprender. Que seus limites não sejam barreiras e sim diferenças que os tornam pessoas, únicas num universo coletivo. Atividade de Estudos: 1) Caro(a) leitor(a), agora é com você. Tente pensar e escrever, a partir das pontuações da autora Alicia Fernández sobre aspectos importantes a serem considerados no espaço da sala de aula e que auxiliem na construção de uma prática pedagógica dinâmica de atuação. Tente pensar numa proposta prática, que leve em consideração os alunos como sujeitos ativos neste processo e que seja possível de ser aplicada em seu contexto. _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 71 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ rEtOmandO a Prática PEdagógica Pós-laudO: POssibilidadEs dE rEsgatE dO sujEitO E a rEcOnstruçãO dO PrOcEssO dE Ensinar E aPrEndEr Aprender é quase tão lindo quanto brincar (Lucia, 3 anos) A partir da epígrafe, temos, então, o primeiro passo para tecer a prática de reconstrução do processo de aprender e ensinar. O sujeito que é diagnosticado, muitas vezes passou por situações difíceis até que alguém fizesse um encaminhamento para que um profissional o ouvisse, o assistisse e apresentasse de forma escrita, as razões para o “não aprender”. O pós-laudo para a instituição e para o contexto da sala de aula funciona como um documento capaz de “cobrar” os devidos direitos desse(a) aluno(a), caso necessite de acompanhamento de outros profissionais da área da saúde ou da educação, conforme você já pode ter acesso no capítulo dois deste caderno de estudos. Porém existe o outro lado do laudo, talvez o mais importante: acreditar no sujeito. Acreditar aqui não tem tom de crença em alguma entidade à parte que fará com que os conhecimentos sejam apropriados pelo sujeito através de algo sobrenatural. Acreditar aqui relaciona-se à capacidade de compreender que o outro é capaz. Conforme afirma Fernández (2001a, p. 104), quando discute sobre a importância de acreditar e possibilitar espaço ao(à) aluno(a) tornar-se autor(a), construtor(a) e reconstrutor(a) da própria 72 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia história: “para que a criança possa aprender devemos deixá-la ensinar.” Com isso, a autora quer dizer que a criança precisa ter voz neste contexto e o(a) professor(a) saber auscultar os indicativos dessa tentativa de apresentar-se. A auscultação está além do ato de ouvir, ela sugere uma escuta que percebe sons que foram silenciados para, então, na interação entre ouvinte e falante ser possível reafirmar-se como pessoa. Convidamos você, caro(a) leitor(a), a ler a seguinte conversa entre duas meninas, uma de três anos e uma de seis, sem a interferência de um adulto falando sobre o que é aprender: Aprender é quase tão lindo quanto brincar. • Vou aprender a nadar – diz Silvina com alegria dos seus seis anos recém- feitos. • Vai nadar? – intervém a irmã, três anos mais jovem. • Não, vou aprender a nadar. • Eu também vou brincar na piscina. • Não é o mesmo. Eu vou aprender a nadar, diz Silvina. • O que é aprender? • Aprender é... como quando papai me ensinou a andar de bicicleta.Eu queria muito andar de bicicleta. Então ...papai me deu uma bici ... menor do que a dele. Me ajudou a subir. A bici sozinha cai, tem que segurar andando... • Eu fico com medo de andar sem rodinhas. • Dá um pouco de medo, mas papai segura a bici. Ele não subiu na sua bicicleta grande e disse “ assim se anda de bici” ... não, ele ficou correndo ao meu lado sempre segurando a bici ... muitos dias e, de repente, sem que eu me desse conta disso, soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: - Ah! Aprendi! Uma mulher que escutava a conversa de longe não pode deixar de ver a alegria com que foi pronunciado “aprender”, que se transfere para o corpo da mais moça e surge no brilho de seus olhos. • Ah! Aprender é quase tão lindo quanto brincar – respondeu. • Sabe, papai não fez como na escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar direito. Segunda lição: andar rápido. Terceira lição: dobrar. Não tinha um boletim onde anotar: muito bem, excelente, regular... porque se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus pulmões, no meu estômago, no coração não me deixaria aprender. 73 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 A mulher, uma psicopedagoga que presenciava a cena, nunca havia escutado, nem lido, nem conseguido escrever uma explicação tão acertada do ato de ensinar e aprender. (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 28). Atividade de Estudos: 1) A partir dessa reflexão, caro(a) leitor(a), o que você conseguiu compreender do ato de ensinar e do ato de aprender? Como você conseguiria transferir esse pequeno diálogo para o ato de ensinar e de aprender no contexto do “chão de sala”? Tente escrever nas linhas abaixo: _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ É importante entender que o ensinante apresenta e “entrega algo, mas, para poder apropriar-se daquilo, o aprendente necessita inventá-lo de novo.” (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 29). Neste caso, andar de bicicleta, como qualquer outro saber, não é algo possível de ser transmitido e absorvido mecanicamente. O saber, para ser assimilado e acomodado, perpassa nossos sentidos e, então, vamos dando significado e reorganizando da forma como melhor se adéqua às nossas condições subjetivas. Se pedir para uma pessoa explicar como aprendeu a andar de bicicleta, mesmo que todas tenham tido o pai ao seu lado, oferecendo as mesmas condições que o relato anterior apresentou, a compreensão, a apropriação e a materialização é própria do sujeito e do ato que se fez. Pois cada qual aprendeu a andar de bicicleta em um dado momento, dentro de um contexto, a partir de uma história particular. 74 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia É importante salientar, também, que em torno do processo de ensino e aprendizagem pós-laudo, é necessário tomar cuidado quanto à supervalorização dos dizeres contidos nele e, a partir disso, torná-lo uma “desculpa” para o não aprender, tanto por parte de profissionais e familiares quanto por parte do próprio sujeito. É importante deixar claras as razões do laudo e sua função e, a partir disso, retomar a prática. Por exemplo, digamos que você tenha recebido o laudo de um(a) aluno(a) diagnosticado(a) com dislexia. Há inúmeros trabalhos e livros que tratam do assunto, mas não há nenhum que dirá para você como o seu(sua) aluno(a) irá aprender a ler e escrever. Pesquisar sobre o assunto é importante, mas o caminho para aprender é o(a) professor(a), com o psicopedagogo, o fonoaudiólogo ou a equipe multidisciplinar, disponível para o atendimento que construirão. Na medida em que houver investimento nessa criança também haverá possibilidades de aprendizagem efetivada. Também temos outra questão a frisar. Por vezes, quando se tem o laudo, muito da autoestima da criança já se desgastou. Nesse caso, “[...] mais importante do que o conteúdo ensinado é certo molde relacional que se vai imprimindo na subjetividade do aprendente.” (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 29). Ou seja, a forma como se conduz a dinâmica do ato de relacionar-se com esse sujeito e com a aprendizagem poderá ser determinante na reconstrução do processo de aprender. Romero (1995, p. 79) nos explica sobre a importância do relacionamento com o outro, no âmbito social/ escolar em torno da autoestima: “[...] sentimentos de fazer parte do grupo, reconhecimento do valor pessoal por parte dos demais e conhecimento das próprias habilidades e competências.” É preciso que o sujeito sinta-se aceito pelo que é e pelo que pode contribuir, assim como saber sobre si e aquilo que é capaz de desenvolver. Certamente, caro(a) leitor(a), sabemos que todo(a) professor(a), no exercício de sua profissão, encontrará dificuldades quando tiver em sua frente alunos com problemas de aprendizagem específicos, com laudos descritos que, muitas vezes, induzem a acreditar que são sentenças. É preciso ter a ousadia necessária para seguir, acreditando que o embasamento da prática partirá do contexto, da história individual, da plasticidade neural (lembre-se de que o conceito de plasticidade neural foi discutido no capítulo dois), dos fatores biológicos, da disponibilidade, do estímulo, da aceitação e da intervenção da família, da escola e da prática pedagógica elaborada a partir do estudo desse sujeito. 75 Os EncaminhamEntOs Capítulo 3 Para auxiliar e exemplificar formas de intervir em contextos diferentes a partir de laudos, sugerimos como leitura o livro: Caminhos Pedagógicos da inclusão: como estamos implantando a educação de qualidade para todos nas escolas brasileiras, da autora Maria Teresa Eglér Mantoan (Org.). Também indicamos a você, caro(a) leitor(a), que navegue no Portal do Ministério da Educação, buscando no item “publicações” relatos de trabalhos desenvolvidos por professores com crianças que apresentam problemas na aprendizagem ou deficiências. algumas cOnsidEraçõEs Caro(a) pós-graduando(a), neste capítulo você pode conhecer um pouco mais sobre a questão da individualidade dos sujeitos e sua forma de aprender. Também foi possível refletir sobre a prática pedagógica a ser construída a partir do laudo feito por profissional da área da medicina ou saúde, bem como a importância de acreditar no sujeito como eixo central para possibilitar a reconstrução do processo de aprender. Finalizamos o capítulo com a seguinte reflexão: “Diferentemente de respirar ou de outra função orgânica que vem programada de modo instintivo, andar de bicicleta, assim como caminhar, escrever e os demais conhecimentos requerem uma aprendizagem. É precisamente por isso que os processos de aprendizagem são construtores de autoria. O essencial do aprender é que ao mesmo tempo se constrói o próprio sujeito.” (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 31). rEfErEncias BRASIL. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012. FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas,1991. 76 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia ______. Os idiomas do Aprendente: Análise de modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001a. ______. O saber em Jogo: A psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001b. ______. A atenção aprisionada. Psicopedagogia da capacidade atencional. Porto Alegre: Penso, 2012. PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008. PIAGET. Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense- Universitária, 1984. ROMERO, Juan F. As relações sociais das crianças com dificuldades de aprendizagem. In: COLL, César; MARCHESI, Alvaro; PALACIOS, Jesús (Org.). Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. TARDIF. Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. CAPÍTULO 4 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Compreender a crescente demanda dos laudos e dos medicamentos dentro da escola. 3 Descrever o papel da instituição “escola” frente aos laudos. 3 Descrever o papel da família frente aos laudos. 3 Discutir sobre a necessidade dos laços entre a família e a escola para o desenvolvimento do sujeito diagnosticado. 78 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia 79 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 contextualIzação Ultimamente venho sendo consumidor forçado de drágeas, comprimidos, cápsulas e pomadas que me levaram a meditar na misteriosa relação entre a doença e o remédio. ... Ninguém sai de uma farmácia sem ter comprado, no mínimo, cinco medicamentos prescritos pelo médico, pelo vizinho ou por ele mesmo, cliente. Ir à farmácia substitui hoje o saudoso hábito de ir ao cinema ou ao Jardim Botânico. Antes do trabalho, você tem de passar obrigatoriamente numa farmácia, e depois do trabalho não se esqueça de voltar lá. Pode faltar-lhe justamente a droga para fazê-lo dormir, que é a mais preciosa de todas. A consequente noite de insônia será consumida no pensamento de que o uso incessante de remédios vai produzindo o esquecimento de comprá-los, de modo que a solução seria talvez montar o nosso próprio laboratório doméstico, para ter à mão, a tempo e a hora, todos os recursos farmacêuticos de que pode necessitar o homem, doente ou sadio, pouco importa, pois todo o sadio é um doente em potencial, ou melhor, todo ser humano é carente de remédio. Principalmente, de remédio novo, com embalagem nova, propriedades novas e novíssima eficácia, ou seja, que se não curar este mal, conhecido, irá curar outro, de que somos portadores sem sabê-lo. ... Estou confuso e difuso, e não sei se jogo pela janela os remédios que médicos, balconistas de farmácia e amigos dedicados me receitaram, ou se aumento o sortimento deles com a aquisição de outras fórmulas que forem aparecendo, enquanto o Ministério da Saúde não as desaconselhar. E não sei, já agora, se se deve proibir os remédios ou o homem. Este planeta anda meio inviável. Carlos Drummond de Andrade A epígrafe acima foi escrita no ano de mil novecentos e oitenta, por Carlos Drummond de Andrade. Intitulada: “O homem e o remédio: Qual o problema?” e publicada no Jornal do Brasil. O texto abre alguns questionamentos que temos como meta discutir com você, caro(a) leitor(a). Dos laudos e prescrições de uso de medicamentos que recebemos constantemente nas escolas, quantos de fato são determinantes em seu uso e quantos poderiam ser problematizados por reflexões e práticas contextualizadas e diferenciadas, conforme a demanda? Até quando a doença da “não aprendizagem”, demonstrada por comportamentos desatentos, hiperativos e desobedientes serão medicadas? Quantos dos encaminhamentos feitos por parte das instituições de educação para profissionais da área da psiquiatria, neuropediatria e outras em busca de respostas normatizadoras, reguladoras e medicamentosas são de fato necessárias? E o(a) professor(a), como está 80 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia desempenhando o seu papel e se posicionando frente a essa questão? Será que ele(a) tornar-se-á identificador(a) de anormalidades? O que é ser normal afinal? Qual o parâmetro de aprendizagem que se busca para definir metas de normalidade ou anormalidade em educação? Qual o papel da família diante dessa problemática? Como a escola e a família se comunicam e intervém frente a essa discussão? Estas são algumas questões para as quais construiremos respostas, contando com sua colaboração e tentando construir na caminhada, indagações que possibilitem a reflexão por parte de cada um em seu contexto. Ser capaz de identificar em sua história e nas histórias de seus alunos as respostas que procuramos para construir o processo de ensino e aprendizagem possível e palpável dentro dos limites de cada um e além deles, quando se têm o desejo da busca por resultados possíveis. a crescente demanda por laudos e medIcamentos O medo, a ansiedade, a desconfiança, a timidez, o desassossego, o biótipo são características muitas vezes vistas como patológicas com indicativos para tratamento. A forma como cada um se relaciona, age, reage e aprende tornou- se um problema a ser resolvido por laudos médicos e uso de medicamentos. O que noutros períodos da história era resolvido pelo poder de autoridade dos pais e professores, hoje é exercido por vias medicamentosas, conforme afirma Luísa Alcalde (1997). Não precisamos fazer muito esforço para pensar esta questão na prática. Apenas refletiremos sobre nossa sala de aula e os alunos que a compõem. Se tivermos uma turma de vinte alunos, serão vinte personalidades que agem, reagem, aprendem e se relacionam de formas distintas. Seria isso um problema? Ou isso faria parte do caráter da pessoa? Muitas vezes, essas reflexões são feitas no período de entrega de avaliações ou notas de alunos, com o fechamento dos bimestres ou semestres. Então, acabamos por fazer comparações entre a aprendizagem deles, tentamos padronizar subjetividades. Logicamente, precisamos de parâmetros para avaliar a aprendizagem de nossos alunos, para compreender como está acontecendo esse processo. Esses parâmetros devem estar claros na Proposta Pedagógica da Escola e devem, constantemente, ser revisitados e reformulados, criando, assim, uma atmosfera reflexiva no ambiente, ou seja, a proposta pedagógica precisa apresentar a forma como se pensa a avaliação dos alunos como sujeitos diferentes, sujeitos singulares. 81 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 De que forma ou a partir de que caminho será possível possibilitar ao(à) aluno(a) a compreensão e a consequente aprendizagem de algum conteúdo? O que impossibilita alguém de aprender? Será que há impossibilidades ou diferentes caminhos? Embora possamos buscar em diferentes teorias, por meio de estudos aprofundados, localizando áreas específicas do cérebro, a fim de compreender questões físicas de como aprendemos, de como pensamos, mesmo assim, a forma como será construído o caminho para a apreensão do conhecimento será feita no chão de sala entre professores e alunos, numa relação de reciprocidade, respeito, alteridade e empatia. Para refletirmos um pouco sobre o assunto, pedimos a você, caro(a) pós-graduando(a), para assistir novamente ao vídeo sobre a Medicalização da Vida Escolar, aquele que você assistiu no terceiro capítulo deste caderno e que se encontra no link: <http:// www.youtube.com/watch?v=fbUfrZzIYRI>. Lembrandoque o vídeo foi desenvolvido por Helena Rego Monteiro e é apresentado por uma professora, refletindo sobre os problemas de cada aluno(a) que compõe a sua turma durante o fechamento das médias e consequente aprovação e reprovação para o ano subsequente. Maria Helena do Rego Monteiro de Abreu, produziu esse vídeo para a apresentação e defesa de sua dissertação, intitulada: “Medicalização da Vida Escolar” – Rio de Janeiro, 2006. Atividade de Estudos: 1) Após assistir ao vídeo, pedimos que escreva nas linhas abaixo de que forma seria possível resgatar esses alunos que a professora diz apresentar problemas. Liste os alunos e sugira caminhos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 82 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Durante a escrita da atividade anterior, talvez você tenha lembrado situações que viveu ou vive em seu contexto. Pensamos que seja necessário entender por qual razão há essa tendência em consumir remédios e buscar problemas em nossos alunos. Primeiramente, é importante entender que não foi apenas um fator que desencadeou essa visão, mas um entrecruzamento de fatores. Eles relacionam-se com a história do nosso país, influências de outros países sobre ele, tentando construir uma atmosfera de desenvolvimento e progresso da nação. Certamente será preciso fazer um recorte histórico para que não tornemos nossa leitura uma sucessão de datas e acontecimentos que desencadearão o entendimento da problemática, justamente por acreditarmos que a história não é apenas isso e não há uma linearidade para essa compreensão. Vamos pensar a prática educativa a partir do movimento da Escola Nova (primeira metade do século XX), que foi uma corrente inserida no Brasil, tendo como eixo matricial as ideias do filósofo e pedagogo norte americano John Dewey (1859- 1952). A princípio, a perspectiva teria como norte a compreensão de que a educação é uma necessidade social e que as pessoas deveriam obter conhecimentos que fossem aperfeiçoados e que, como consequência, pudessem trazer progresso social. Esse movimento acontecia no Brasil, concomitantemente a um rápido processo de urbanização, progresso industrial, econômico e que também começou a apresentar problemas sociais e políticos. Em sua essência, o ideário escolanovista era de que a educação é o único elemento eficaz para a construção de uma sociedade democrática. (KUHLMANN JÚNIOR, 1998). Uma sociedade seguindo os parâmetros escolanovistas e também com ideias liberais constrói aos poucos o “[...] homem moderno, este novo homem, exigido pela nova ordem urbano industrial, deveria ser disciplinado, hígido, saudável, ativo e amante da pátria.” (ABREU, 2006, p. 29). Partindo dessa premissa, logicamente o que foge a esses padrões de sujeito, fugiria também dos padrões instituídos como forma de produção social, de progresso, crescimento e desenvolvimento. Portanto, a Escola seria um dos locais onde o “olhar” do(a) professor(a) em busca dos “desvios” 83 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 comportamentais e cognitivos detectaria problemas para serem resolvidos. E quem os resolveria? Certamente a medicina. A medicina é um saber que incide sobre o corpo, sobre o organismo, tendo e mantendo efeitos disciplinares e regulamentadores. (FOUCAULT, 1976). Seguindo essa lógica, podemos pensar que a medicina tem o poder de “normalizar” a vida. O normal, neste caso, seria aquele que se enquadra sem resistências aos padrões, regras, normas e demais atributos para uma vida harmônica e produtiva socialmente. Quem fugiria dos padrões? Loucos, deficientes, criminosos, enfim. Atividade de Estudos: 1) Certamente você deve estar pensando: Será que isso acontece na prática mesmo? O olhar “clínico” do(a) professor(a), o que busca? O que vê? Quantas vezes o olhar dirigido ao(à) aluno(a) vê o que sobressai: desatenção, inquietação, distração, impulsividade, desobediência? Quantas vezes esses atributos são vistos antes dos demais no comportamento e nas atividades diárias de alguns de nossos alunos? Tente fazer uma reflexão sobre um(a) aluno(a) que “incomoda” ou “foge dos padrões” instituídos em sala de aula. Quais atributos negativos ele(a) apresenta? Quais atributos positivos ele(a) apresenta? O que sobressai? ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ 84 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia A ideia da reflexão é a de tentar mostrar a você, caro(a) pós-graduando(a), que muitos dos encaminhamentos feitos para consultórios médicos com a queixa de que o aluno não aprende ou a dita “doença do não aprender” se encaixa no olhar do(a) professor(a) diante disso, e não necessariamente num problema a ser resolvido. Para refletir sobre isso, convidamos você para ler um trecho da dissertação de Maria Helena do Rego Monteiro de Abreu que fala sobre a questão do olhar do(a) professor(a) frente ao processo de aprendizagem e não aprendizagem do(a) aluno(a): André Luiz não mais resiste, já se submeteu e é refém de uma incapacidade que não tem, mas introjetou. Está preso em uma doença que não existe. Está confinado em uma instituição invisível, sem paredes, virtual. André Luiz está institucionalizado. André Luiz não é um personagem de um tempo que passou, nem foi encontrado em uma estante com referência catalográfica, André Luiz é criança do nosso tempo – anda bem de bicicleta, faz pipas bonitas, mas teme ser internado. André Luiz foi atendido por uma médica neurologista quando tinha nove anos e cinco meses, a partir de uma queixa da professora que, em poucas palavras, proferiu a sua sentença: André Luiz é desinteressado, apático, concentração mínima. Acho que tem problema neurológico, ele só tem um assunto: cavalo. No ano passado, apanhava muito da professora, ela puxava as orelhas. Em casa faz todos os serviços. Ao entrar no consultório da médica, André Luiz teve que ser arrastado pela mãe e, com medo, perguntou à médica: • Eu vou ficar internado? • Internado por quê? – respondeu a médica. • Por causa que eu não sei ler nem escrever? Eu não aprendia porque ela me batia. Eu não sou inteligente, não. Só um pouquinho. Porque eu não sei ler. Eu adoro cavalo! Sei montar desde pequeno, monto muito bem em pelo! Eu tenho um cavalo só meu! No encontro com André Luiz, o olho da médica não viu a apatia descrita pela professora. O olho da médica viu em André Luiz uma criança inteligente e desenvolta que tem um cavalo e o adora. André Luiz considera-se doente porque não aprende na escola. A história de André Luiz e de tantosoutros que não aprendem na 85 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 escola e são sistematicamente encaminhados aos serviços de saúde para terem suas sentenças proferidas do alto de um saber que se quer sempre poder, nos fazem problematizar a demanda que vem superlotando os consultórios, sejam eles públicos ou privados. (ABREU, 2006, p. 16-17). Quantas vezes avaliamos e determinamos a vida de nossos alunos através do olhar e daquilo que dizemos sem ao menos considerar todo histórico vivido por eles além das quatro paredes da sala de aula? É importante que tenhamos esse olhar reflexivo, pois a demanda por encaminhamentos da educação para a saúde é muito grande, como se os diagnósticos por si só resolvessem um problema a partir do que foi dito e associado ao uso de um medicamento complementar: pílulas para aprender. Será que elas existem e resolvem nossos problemas de sala de aula em longo prazo? Convidamos você, caro(a) acadêmico(a), para assistir a um vídeo e refletir um pouco sobre esse assunto. Acesse o link: <http://www.youtube.com/watch?v=SVtZwUEdFgA>. Neste link você assistirá a um episódio dos Simpsons em que o Barth Simpson é diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e começa a fazer uso de um novo medicamento para ajudar a se concentrar na escola e tornar-se um “bom aluno”. É uma sátira do consumo de psicotrópicos como regulador de comportamentos. Atividade de Estudos: 1) Após assistir a este episódio dos Simpsons, gostaríamos que você escrevesse nas linhas abaixo sobre um momento importante do vídeo. Em que momento acreditou-se no menino como sujeito capaz de vencer seus obstáculos sem o uso de medicamentos? Você imagina que é possível viver na realidade uma situação assim? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 86 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Com a discussão em torno dos laudos e medicamentos, quisemos problematizar uma demanda que, em alguns casos, não existe, e sim que é criada por estar em busca de uma homogeneização do aprender ou por uma homogeneização de comportamentos escolares. É importante pensarmos que, em sala de aula, lidamos com personalidades distintas entre si e que essas distinções, como já discutimos no capítulo anterior, são parte da subjetividade de cada um, é o que nos legitima como únicos. Ressaltamos que o saber médico e o diagnóstico têm papel determinante para auxiliar no entendimento do que pode estar acontecendo com o desenvolvimento de um suposto aluno que não aprende. Descobertas da área da medicina são importantes para oferecer qualidade de vida às pessoas, porém é preciso que não façamos desse saber algo em torno da divulgação e invenção desenfreada de doenças ou um estímulo ao consumo inconsciente e inconsequente de pílulas para solucionar problemas de ordens psíquicas variadas. Sobre esse assunto existe um documentário muito interessante, dividido em dezoito partes, disponível na internet. Acesse o link: <http://www.youtube.com/watch?v=6X3Khv2ura4>. Lá, você terá acesso ao primeiro deles e depois é só continuar acessando as demais partes. É muito importante assisti-lo, nele é possível problematizar e refletir sobre a questão do consumo de medicamentos atualmente. 87 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 o papel da InstItuIção Frente às respostas encontradas com o laudo [...] A educação se conduz como se se enviara A uma expedição polar às pessoas vestidas com Roupa de verão e equipadas com mapas dos lagos italianos. (FREUD, 2010). Escolhemos a epígrafe acima para apresentar uma das angústias com a qual nos deparamos com certa frequência em sala de aula. Essas angústias giram em torno da prática de “chão de sala”. O que fazer com um(a) aluno(a) que apresenta um laudo de algum transtorno, distúrbio, deficiência ou dificuldade de aprendizagem? Quais “equipamentos” precisamos para construir o caminho possibilitador de aprendizagens para esse(a) aluno(a)? O que a escola poderá fazer nesse caso? Convidamos você, caro(a) pós-graduando(a), a fazer a leitura do desfecho do caso de um menino autista, diagnosticado aos sete anos, a partir do encaminhamento da professora e da angústia encontrada por ela no trabalho com o grupo em uma sala de aula do 1º ano do ensino fundamental. Este texto servirá de base para responder aos questionamentos anteriores. O trabalho com o primeiro ano sempre foi um grande desafio. Aliás todo novo ano letivo sempre trará novos desafios. Que bom, afinal é com eles que crescemos e nos desenvolvemos como profissionais e pessoas. Como forma de preparar esse caminho, eu, professora Georgete, sempre busquei a ficha de matrículas dos alunos e, alguns dias antes de iniciar as atividades letivas, fazer através de um levantamento, a construção do perfil da turma. O primeiro passo é saber de onde vêm os alunos que foram matriculados no primeiro ano na escola. A partir disso, agendava uma visita à Instituição de Educação Infantil que a maioria dos alunos havia frequentado no ano anterior. Além da visita para compreender questões do trabalho local, sempre busquei conversar com as professoras que atenderam esses alunos e ouvir delas como foi o desenvolvimento deles naquele ano. Certamente para saber sobre alguns desses alunos não era possível ir até a Instituição que haviam estudado no ano anterior, então, no início das atividades letivas, buscava solicitar aos pais a ficha de avaliação dos anos anteriores e entregava para eles também uma ficha com a seguinte questão: “Escreva nas linhas abaixo como foi o desenvolvimento de seu filho (a) do nascimento até a presente data. Sua escrita deve contemplar: O 88 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia desenvolvimento inicial dele: condições de gestação e parto, alimentação, sono, desenvolvimento motor, linguagem, controle de esfíncteres, responsabilidades, personalidade, socialização. Pontue o que acha importante sobre as coisas que ele(a) aprendeu, sobre a vida familiar e social. Fale sobre a vida de seu(sua) filho(a)!” Com as fichas, o depoimento da professora do ano anterior e o depoimento dos pais, construía o perfil da turma. Cruzava dados, informações que me faziam nortear a prática e compreender a vida de meus alunos. Além disso, podia tirar as minhas conclusões sobre cada um dos depoimentos e analisar cada um de meus alunos. Saber sobre essas questões possibilita: compreender as condições de desenvolvimento dessas crianças, sobre o investimento dos pais na vida dos filhos e o que a professora do ano anterior poderia me dizer sobre a aprendizagem dessa criança. Certamente leva tempo ler, analisar e compreender esses dados, mas eles são importantes para elaborar a prática no referido ano. Apenas ressalto que mesmo havendo todas essas informações, é importante o(a) professor(a) se posicionar frente a isso e construir a sua história com seus alunos. No ano de 2009 recebi uma turma com trinta alunos, todos muitoativos: crianças, apenas isso. Dentre eles o Rafael. A mãe de Rafael o trouxe até a sala de aula e me disse: professora, fica de olho porque ele faz cocô e xixi na calça. Também ele é muito nervoso, apronta direto, bate nos outros, não me obedece, mente. Ele não sabe fazer letras e nem o nome. Ele não consegue aprender as coisas muito rápido. Não sei como vai ser aqui na escola. Todo professor que no primeiro dia letivo recebe um aluno com essa fala proferida pela mãe fica assustado. Eu fiquei assustada. Rafael tinha seis anos na época. Na ficha desse menino a mãe havia escrito que teve uma boa gestação, mas que enfrentara problemas conjugais. Porém não se queixou de nada especificamente em termos pré-natais. Após o nascimento de Rafael começou a perceber que ele sempre chorava muito, demorou além do comum para sentar, engatinhar, andar. Falou tardiamente. O menino dormia com a mãe e ela dizia que não conseguia ser de fato a mãe, quem comandava as coisas na casa era a avó. A mãe sempre mantinha uma postura secundária na educação da criança. O pai não era uma pessoa presente, mas quando estava com o menino, demonstrava amor por ele. 89 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 No decorrer do ano eu tive muitas dificuldades com o Rafael, ele não conseguia entender os sentimentos dos outros, criava situações de conflito e as crianças tinham medo dele. Parecia que ele não gostava de ficar sozinho, mas quando se aproximava dos outros, na maioria das vezes, os machucava. Rafael fazia desenhos aleatoriamente, quando percebia, ao invés do desenvolvimento dos trabalhos, ele preenchia folhas do caderno com riscos sequenciais. Mas o que me chamava a atenção era que quando eu sentava do lado dele, este conseguia fazer o traçado de letras. Rafael tinha comportamentos estranhos em sala. Usava a tesoura não para cortar o papel e montar o exercício, mas para cortar o livro, a roupa e os cabelos tanto seus quanto de outros. A cola era usada para lambuzar-se e para comer. Tinha momentos que emitia gritos ensurdecedores, assustava todos com os gritos e as gargalhadas. Batia nos colegas, sacaneava-os e mentia. Tinha pouca capacidade atencional. Toda vez que era chamado para cobrar o comportamento, olhava com piedade, negava o que fizera e chorava compulsivamente. De tudo isso que Rafael fazia, havia um caminho. Rafael era apaixonado por Trens. Consegui desenvolver algumas de suas potencialidades com um trem de brinquedo, com histórias de trens, textos de diversos gêneros que tratavam desse assunto, trabalhos na área da matemática com essa temática e, assim, o tempo foi seguindo com situações de conflitos extremos, mas também de aprendizagem para todos. Sentia que com o Rafael sua aprendizagem não aconteceria da forma convencional: quadro, caderno, lápis, professor, aluno. Rafael levou para casa muitos bilhetes em sua agenda, solicitando a presença da mãe na escola, a fim de cobrar da família uma postura frente à questão. Todas as vezes que a família foi chamada à escola era solicitado encaminhamento a um neurologista. Inicialmente a família apresentava disposição a levar Rafael ao médico, mas sempre havia uma “desculpa” para o ato não se consumar. Cada quinze dias a família era chamada na escola. Teve uma vez que eu fiz um documento, cobrando da Direção da Escola uma postura. Foi uma forma de registrar a angústia e cobrar das políticas públicas o desfecho para esta história. O referido documento foi entregue à Secretaria da Educação e, então, foi conseguido encaminhamento para neurologista, mas apenas para o início do ano seguinte. 90 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Segue o laudo: Após o laudo, o Rafael já não era mais o meu aluno. Mesmo assim, o laudo foi uma conquista para conseguir o segundo professor na turma e, assim, facilitar o trabalho pedagógico em sala tanto para o professor como para o próprio aluno. Mas, havia outra questão que implicava o trabalho com Rafael. Não havia uma prática pronta e aplicável. Era preciso construir uma prática para que ele se desenvolvesse. A partir do laudo, tanto a professora quando a auxiliar da turma começaram a aprofundar leituras sobre a síndrome de Asperger e construíram a prática pós-laudo: Quadro de rotina, horários pré-estabelecidos, previsibilidade nos trabalhos, sequenciação deles. Regras estabelecidas, fixadas na sala e cobradas dele e de todos. Reforçar o comportamento positivo com elogios e estímulos pedagógicos. Também foi importante construir com os alunos o entendimento de que Rafael era diferente em alguns aspectos (como todos nós somos), mas com todos os direitos de criança e deveres também, como qualquer outro aluno. 91 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 A Secretaria da Educação no decorrer daquele ano construiu um programa de atendimento de equipe multidisciplinar na escola. Havia acompanhamento psicológico e psicopedagógico, encaminhamentos à neuropediatra, sendo possível a intervenção de outros profissionais e o consequente auxílio para o desenvolvimento do trabalho pedagógico escolar. Certamente cada contexto retratará uma realidade. Embora haja equipes multidisciplinares para atender aos alunos que apresentem distúrbios, transtornos ou dificuldades de aprendizagem, será sempre o professor em sala de aula que construirá o caminho. Através das pontuações da professora Georgete, é importante refletirmos sobre o posicionamento da escola frente aos laudos. Na verdade, pensamos que não seria a escola frente aos laudos, mas frente à diversidade do contexto. Por essa razão, é tão importante que sejam feitas adequações curriculares e que o Projeto Político Pedagógico da Escola seja revisitado anualmente. Isso implica que as decisões, tanto curriculares como de definição e de funcionamento da escola devem ser tomadas por aqueles que vão implementá-las, em função da sua realidade, adequando às suas características concretas as propostas que os gestores estabeleçam. (ROSA, 2004, p. 291). Embora cada profissional da equipe multidisciplinar contribua para melhorias no desenvolvimento de uma criança que apresente algum problema na escola, é a escola, com os gestores, professores e demais profissionais que precisa promover os encontros com a aprendizagem. Através de formação continuada de professores, de reuniões e grupos de estudos, de reuniões pedagógicas e também direcionadas à discussão do Projeto Político Pedagógico será possível construir uma resposta a partir do laudo que recebeu de um(a) aluno(a). A resposta certamente afeta a escola e implicará o questionamento da prática, a introdução das mudanças e adequações necessárias. Seguramente, em alguns momentos, essa resposta frente às adequações e às mudanças poderá causar certo mal estar por parte de docentes. Mas o que se sabe definitivamente é que somente haverá construção de aprendizagem nessas situações, na medida em que houver uma equipe funcionando integradamente. Uma escola funciona com um grupo, com um contexto, com a construção e reconstrução de histórias e não com o trabalho apenas dos professores isoladamente. (ROSA, 2004). Ressaltamos que buscar aprofundar conhecimentos sobre o problema que o(a) aluno(a) apresenta trará condições de tecer intervenções adequadas para a situação a que se encontra e, neste caso, em se tratando de chão de sala, é papel do(a) professor(a) construir esse conhecimento, pois é ele(a) que estará diariamente com o(a) aluno(a). 92 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia É importante lembrar que o(a) aluno(a) que apresenta o referido laudo não é apenas o(a) aluno(a) da professora Georgete ou da professora Maria. Ele(a) é o(a) aluno(a) da Escola “X,Y,Z”, pertencente a umadeterminada comunidade e inserido(a) em determinado grupo social. Portanto, é um sujeito de responsabilidade de muitos e não apenas de alguém. Atividade de Estudos: 1) Diante dessas questões, convidamos você, caro(a) leitor(a), a refletir sobre o trabalho multidisciplinar e sobre o trabalho do grupo escolar frente aos alunos que apresentam laudos e diagnósticos médicos. Se fosse representar em um desenho como deve funcionar o atendimento em equipe de um(a) aluno(a) diagnosticado(a), que desenho você faria? Faça esse desenho no retângulo abaixo e nas linhas posteriores escreva por qual razão o fez. _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ o papel da FamílIa Frente às respostas encontradas com o laudo e sua Inter- relação com a escola. A partir da promulgação da Constituição de 1988 muitas conquistas através de leis foram possíveis. Foi também ela que trouxe os princípios da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. (BRASIL, 1990). Em ambos os documentos fala-se dos direitos, mas também dos deveres da família frente ao acompanhamento e desenvolvimento de seus filhos. 93 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 Muitas vezes, a família não tem conhecimento necessário para buscar seus direitos quando seus filhos apresentam problemas na escola, e também não tem conhecimento sobre os seus deveres em torno dessas questões. É importante haver esses esclarecimentos para que cada um exerça o seu papel da melhor forma, pensando no desenvolvimento da criança, que é o foco da discussão. Você pode sugerir em sua escola grupos de estudos e/ou encontros com depoimentos de pais de alunos que tenham algum laudo médico e que apresentem problemas reais de seu contexto. Também rodas de conversa com profissionais da saúde e/ou da medicina. Promovendo discussões, aprofundando estudos, interagindo com demais sujeitos, o conhecimento se constrói e caminhos se abrirão e poderão auxiliar a prática do(a) professor(a) e a aprendizagem do(a) aluno(a). Em algumas situações, também, a família não aceita o fato de o filho apresentar problemas e acaba por desconsiderar essa possibilidade sem ao menos ter alguma confirmação médica sobre o assunto. Sabe-se que “um filho é sempre fonte de ilusões ou medos. A fantasia e as vivências que se produzem em torno dele são muito profundas e refletem não só a projeção de si mesmo, como também expectativas idealizadas.” (PANIAGUA, 2004, p. 330). Cabe ao(à) professor(a), em parceria com a escola e a equipe pedagógica, conversar com a família sobre o assunto e quando não conseguir através desse contato, tentar buscar auxílio com o Conselho Tutelar da cidade ou com órgãos do Serviço Social. Lembramos também que há situações em que as famílias determinam o problema do filho como uma enfermidade genética, conforme afirma Fernández (1991). Sobre esse assunto, convidamos você, caro(a) leitor(a), a fazer a leitura de um artigo muito interessante que fala da relação da família com o processo de aprendizagem das crianças. Você consegue buscar a leitura no link: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0103- 84862011000200011&script=sci_arttext> ou também através de uma Busca na Revista de Psicopedagogia , vol. 28, no.86 – SP. – ISSN 01038486. O referido artigo tem como título: “Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do sujeito”, a autora é Ana Paula Decnop de Almeida. O artigo fala do vínculo normal do patológico nas relações familiares e busca compreender até que ponto é possível atribuir a essa dinâmica familiar a influência na modalidade de aprendizagem do sujeito, causando como sintoma o não aprender. 94 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Atividade de Estudos: 1) Após a leitura desse artigo, escreva nas linhas abaixo qual a sua visão em torno do que leu. Você concorda com a posição da autora? Posicione-se. ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ Sabe-se que quando se consegue encaminhar um(a) aluno(a) para a investigação médica em torno dos problemas de aprendizagem e este(a) adquire um laudo, para muitos ele pode retratar uma sentença com um tom negativo. É preciso que o(a) professor(a) e demais sujeitos do contexto escolar demonstrem à família o significado desse documento e as conquistas que ele pode trazer. O laudo é positivo na medida em que apresentar, de forma escrita, problemas relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem desse sujeito para, com isso, equipes multidisciplinares possam atuar de maneira eficaz na retomada do processo de aprendizagem desse sujeito. Ele jamais poderá significar perdas, culpa, incapacidades e rotulagem. Desde o momento em que os pais saibam da existência de algum problema de aprendizagem nos filhos, a preocupação com a sua vida e seu futuro aumentará e causará o aparecimento de muitos sentimentos diferentes, como medo, insegurança, sensação de impotência frente à situação. Esses sentimentos, essa preocupação certamente acompanhará a família por 95 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 muito tempo e talvez por toda a vida. Mas a forma como cada um enfrentará essa situação, perpassará a subjetividade e relacionar-se-á com a forma como enfrenta os problemas da vida. (PANIAGUA, 2004). Além disso, eles também terão de decidir sobre tratamentos, uso de medicamentos (quando necessário), acompanhamento por outros profissionais como forma de investimento educativo, sem contar toda a dedicação e tempo destinado à criança, independente de ela ser atendida por programas públicos específicos. É importante que à família fique claro que quanto maior a participação e envolvimento com a aprendizagem de seu filho e quanto maior for sua interação com a escola, melhores serão os resultados. Assim como também é importante que a escola proporcione meios para que essa inter-relação aconteça de fato. Conforme afirma Rosa (2004, p. 304): É importante informar os pais sobre as decisões adotadas para orientá-los sobre o tipo de ajudas que podem proporcionar a seu filho e promover sua participação com relação à aprendizagem de determinados conteúdos. A colaboração da família é de vital importância para favorecer a contextualização e a generalização de determinadas aprendizagens e conseguir que estas sejam mais significativas para a criança, já que pode relacionar o que faz em casa e o que faz na escola. Da mesma forma como aos pais é delegada a incumbência de estar atentos, incentivar e participar ativamente da vida do filho na escola, também é importante que eles busquem participar das reuniões e da elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola, pois é a partir disso que eles poderão opinar, discutir, propor, intervir diretamentena proposta que a escola tem como forma interventiva de trabalho pedagógico/educativo. A esta questão relaciona- se uma Gestão Democrática que visa a um envolvimento maior entre pais, comunidade e escola. Certamente você, caro(a) leitor(a), já se deparou com situações em que era necessário muito envolvimento e empenho dos pais para o sucesso e avanço na aprendizagem da criança na escola. Cada escola, a partir de seu contexto, a partir da história local e através do perfil da comunidade precisará encontrar uma forma de construir essa ponte. Como forma de elucidar o assunto, convidamos você, caro(a) leitor(a) a assistir um projeto de trabalho feito em Taboão da Serra, SP, no qual buscaram-se parcerias entre família e escola visando a um maior desenvolvimento e aprendizado das crianças, não apenas aquelas que apresentavam problemas, mas as crianças de modo geral.Os professores buscam fazer visitas à casa dos alunos, conhecendo a relação da família com a criança, interessando-se por saber sobre essa relação e sobre a história de cada família. O link de acesso é: <http://www. youtube.com/watch?v=WP8DshqeFJc&feature=related>. 96 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia Atividade de Estudos: 1) A partir dessa reportagem, tente refletir, caro(a) pós-graduando(a), de que forma você, ao longo de sua prática, consegue promover a interação entre a família de seus alunos e a escola no qual atua. Ou de que forma é possível promover essa interação com um(a) aluno(a) que apresente algum problema em seu desenvolvimento escolar. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Gostaríamos de deixar como dica que muitos textos interessantes são disponibilizados em sites do Ministério da Educação, dentre eles, alguns oferecem dicas práticas aos pais, encaminhamentos aos professores e orientações para discutir sobre essa importante relação entre família, comunidade e escola. O endereço é: <http://educarparacrescer.abril.com.br/ guias-da-educacao/>. Lá, você encontra alguns encaminhamentos importantes que poderão auxiliá-lo(a) a aprofundar leituras sobre o assunto. algumas consIderações Chegamos ao final de nosso caderno de estudos e certamente não somos os mesmos após as leituras e discussões diante de assuntos tão importantes que vivenciamos nele. Neste capítulo, especificamente, foi possível compreender sobre a crescente demanda por laudos e medicamentos, discutimos sobre o papel da escola e da família frente aos laudos e sobre a importância da relação entre a família e a escola para o desenvolvimento do sujeito diagnosticado. Para fechar nosso caderno de estudos, queremos deixar como mensagem uma última reflexão sobre a importância do olhar e do incentivo na vida de nossos alunos, independente do problema que enfrentem ou da sua dificuldade diagnosticada: 97 ImplIcações dos laudos para o contexto educacIonal Capítulo 4 O silêncio da sala de espera é interrompido pela alegria contagiante de médicos e enfermeiras, despedindo-se de um homem de seus 80 anos, que está recebendo alta hospitalar após 40 dias de UTI entre a vida e a morte. A comovedora situação incita-me a aproximar-me do ancião quando ia caminhando – já sozinho – pelo corredor. __Quero fazer-lhe uma pergunta – digo. __Você tem tempo de me escutar? Responde, oferecendo-me de entrada, a primeira reflexão que me faz pensar quantas vezes perguntamos sem oferecer tempo para escutar. E, ao olhá-lo, surge a pergunta: __De onde o senhor tirou forças para se curar? __Essa é uma longa história. Se quiser, eu conto. Tenho 83 anos, tive um acidente na rua e me trouxeram inconsciente. Escutava tudo o que os médicos falavam, mas eu não podia falar. Dava-me conta que eles diziam que eu ia morrer. Eu pensava que queria dizer-lhes: quero viver. E não me saíam as palavras. Então, comecei a pensar em alguém que tivesse acreditado em mim e assim, depois de tanto tempo, recordei-me da professora Teresa, minha terceira professora. Quer que siga contando? __Sim, me interessa. O que recordou? __O modo como me olhava, me escutava... Desde que comecei a escola, os professores diziam a minha mãe que eu não ia aprender a ler e a escrever. Por um tempo, deixei de ir a escola, “não vai aprender tudo”. No ano em que retornei, porque tinha muita vontade de aprender, e tive outra professora, repetiu a mesma história, voltaram a me tirar da escola. No ano seguinte, insisti pela terceira vez e, então, conheci a professora Teresa. Lembrei-me dela 70 anos mais tarde, estando em terapia intensiva, quando eu queria tirar forças para me curar... __E o que foi que o senhor recordou sobre ela? – perguntei. __Me lembrei que ela me olhava como que dizendo: VOCÊ PODE... Fonte: Testemunho vivido por Acilia Fernández num hospital público em Buenos Aires, 2012, p. 215. Que possamos ser a professora Teresa na vida de muitos alunos. Que possamos olhar nos olhos deles com a certeza de que é possível construir um caminho que sobrepõe suas limitações. Sabemos que isso significa um grande desafio e que, por vezes, podemos nos sentir sós. Mas as mudanças dependem a priori, da nossa capacidade de acreditar. Com ela, pequenas brechas se abrem, mas podem significar grandes transformações. 98 Teoria e Prática da Neuropsicopedagogia reFerencIas BIBlIograFIcas ABREU, Maria Helena do Rego Monteiro de. A medicalização da vida escolar. 2006. 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