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Sumário: 1. Origem e finalidade do Direito-2. Conceito de Direito-3. Direito objetivo e Direito subjetivo-4. Direito e moral. 1. ORIGEM E FINALIDADE DO DIREITO O Direito nasceu junto com a civilização, sob a forma de costumes que se tornaram obrigatórios. Sua história é a história da própria vida. Por mais que mergulhemos no passado sempre vamos encontrar o Direito, ainda que em estágio rudimentar, a regular as relações humanas. É que os homens, obrigados ao convívio1, labutando uns ao lado dos outros, carecem de certas regras de conduta, de um mínimo de ordem e direção. A história de Robinson Crusoé, vivendo só na ilha deserta, é alegoria que não infirma esta verdade. Daí a atualidade do velho apotegma: ubi homo, ibi jus (onde está o homem está o Direito). Essas regras de procedimento, disciplinadoras da vida em sociedade, recebem o nome de Direito. Portanto, a finalidade do direito se resume em regular as relações humanas, a fim de que haja paz e prosperidade no seio social, impedindo a desordem ou o crime. Sem o Direito estaria a sociedade em constante processo de contestação, onde a lei do mais forte imperaria sempre, num verdadeiro caos. 2. CONCEITO DE DIREITO Vulgarmente, costuma-se dizer que o Direito não passa de um “sentimento”, algo assim como o amor, que nasce no coração dos homens. “Não é exagero mesmo afirmar-se que todos sentem o Direito e que, de certo modo, todos sabem o que o Direito é. Vocábulo corrente, empregado a todo instante nas relações da vida diária para exprimir sentimento que todos já experimentamos, está gravado na mente de cada um, representando ideia esboçada em traços mais ou menos vagos e obscuros. ‘Isto é direito’, ‘o meu direito foi violado’, ‘o juiz reconheceu o nosso direito’, são expressões cotidianas ouvidas, que envolvem a noção vulgar a respeito do fenômeno jurídico”.2 Os especialistas, entretanto, dada a precariedade dessa noção vulgar, buscam, incessantemente, um conceito mais aprofundado do que seja o Direito. Na verdade, para não adentrarmos ao estudo da filosofia jurídica, à qual pertence a questão, diremos que o Direito é um complexo de normas reguladoras da conduta humana, com força coativa.3 Sim, a vida em sociedade seria impossível sem a existência de um certo número de normas reguladoras do procedimento dos homens, por estes mesmos criadas, julgadas obrigatórias, e acompanhadas de punições para os seus transgressores. A punição é que torna a norma respeitada. De nada adiantaria a lei dizer, por exemplo, que matar é crime, se, paralelamente, não impusesse uma sanção àquele que mata. A coação, ou possibilidade de constranger o indivíduo à observância da norma, torna-se inseparável do Direito. Por isso, como mostra conhecida imagem, “a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do Direito”.4 3. DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO A palavra Direito tem diferentes sentidos ou acepções, tornando-se praticamente impossível reuni-las numa única fórmula significativa. As mais importantes são as traduzidas pelas expressões direito objetivo edireito subjetivo. O Direito objetivo designa o Direito enquanto regra de ação (norma agendi), isto é, o conjunto de regras vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, e que são impostas, coativamente, à obediência de todos. Assim, quando eu me reporto ao Código Penal, ao Código Civil, à Lei do Inquilinato, ao Estatuto da Cidade etc., bem como a qualquer uma de suas regras, estou me referindo ao direito objetivo. O Direito subjetivo, a seu turno, encerra o poder de ação derivado da norma (facultas agendi), isto é, a faculdade ou prerrogativa de o indivíduo invocar a lei na defesa de seu interesse. Assim, ao direito subjetivo de uma pessoa corresponde sempre o dever de outra, que, se não o cumprir, poderá ser compelida a observá-lo através de medidas judiciais. Melhor explicitando: a Constituição Federal garante o direito de propriedade, ao dispor no art. 5.º, XXII, que “é garantido o direito de propriedade”. Essa regra é um preceito de direito objetivo. Agora, se alguém violar a minha propriedade, poderei acionar o Poder Judiciário para que a irregularidade seja sanada. Essa faculdade que tenho de movimentar a máquina judiciária para o reconhecimento de um direito que a lei me garante é que constitui o direito subjetivo. Disso resulta que o direito objetivo é o conjunto de leis dirigidas a todos, ao passo que o direito subjetivo é a faculdade que tem cada um de invocar essas leis a seu favor sempre que houver violação de um direito por elas resguardado. 4. DIREITO E MORAL A vida social só é possível uma vez presentes regras determinadas para o procedimento dos homens. Essas regras, de cunho ético, emanam da moral e do Direito, que procuram ditar como deve ser o comportamento de cada um. Sendo ambos – moral e Direito – repositórios de normas de conduta, evidentemente apresentam um campo comum. Assim, aquele que estupra uma mulher viola, a um tempo, normas de cunho jurídico (art. 213 do CP) e moral (neminem laedere= não prejudicar a ninguém). Assim sendo, poder-se-ia representar o Direito e a moral por um único círculo, já que comum o campo de ação de ambos. Sustenta-se, por outro lado, que o Direito, embora não sendo algo diverso da moral, é uma parte desta, armada de certas garantias. MIGUEL REALE, ao expor essa ideia, elucida que “o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. A moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensáveis à paz social”.5 Essa teoria, chamada do “mínimo ético”, pode ser reproduzida por dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior o da moral, e o círculo menor o do Direito. Haveria, portanto, um campo de ação comum, sendo mais amplo o da moral. De acordo com essa imagem, poderíamos dizer que “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”. Mas, seria certo dizer que todas as normas jurídicas estão contidas no plano moral? Evidentemente que não. Ações existem, de fato, que interessam apenas ao Direito, como ocorre, por exemplo, com as formalidades de um título de crédito. Finalmente, outras existem que ao Direito são indiferentes, mas que a moral procura disciplinar. É o que acontece, por exemplo, com a prostituição. A mulher que se dedica à prostituição, que mercadeja seu corpo, não sofre qualquer sanção legal, por isso que a prostituição em si não encerra conduta reprovada pelo Direito. Contudo, é considerada como chaga social e a mulher que a pratica, por um motivo de ordem ética, fica marginalizada, sujeitando-se a repulsa de muitos. Destarte, conquanto tenham um fundamento ético comum, também possuem caracteres próprios que os distinguem, embora as normas morais exerçam, em sua maior parte, enorme influência sobre as normas jurídicas. Daí a elucidativa figura, onde o Direito e a moral, embora com um campo em comum, se situam em círculos excêntricos, possuindo o da moral diâmetro maior que o do Direito. Esses caracteres distintivos podem ser sistematizados sob tríplice aspecto: em razão do campo de ação, da intensidade da sanção que acompanha a norma ou nos efeitos desta. (a) Sob o aspecto do campo de ação, tem-se que a moral atua, predominantemente,no foro íntimo do indivíduo, enquanto o Direito se interessa apenas pela ação exteriorizada do homem, ou seja, aquilo que ele fez ou deixou de fazer no mundo social. Assim, a maquinação de um crime, conquanto indiferente ao Direito, é repudiada pela moral, encontrando reprovação na própria consciência. Já a exteriorização desse pensamento, com a efetiva prática do crime, importa em conduta relevante para o Direito, que mobiliza o aparelho repressivo do Estado para recompor o equilíbrio social. (b) Quanto à intensidade da sanção, a moral estabelece sanções individuais e internas (remorso, arrependimento, desgosto íntimo) ou de reprovação social (ex.: a prostituta é colocada à margem da sociedade). O Direito estabelece sanções mais enérgicas, consubstanciadas em punições legais (ex.: aquele que comete um homicídio simples fica sujeito a uma pena que varia de 6 a 20 anos de reclusão; o que polui deve recompor o ambiente agredido ou pagar indenização pelo dano perpetrado). Como às regras da moral não se submetem os indivíduos sem consciência, costuma-se assinalar que o Direito tem a coação, a moral é incoercível.6 (c) Quanto aos efeitos, observa-se que da norma jurídica decorrem relações com um alcance bilateral,entre duas ou mais pessoas, ao passo que da regra moral derivam consequências unilaterais, isto é, ninguém está obrigado ao seu cumprimento. Assim, “quando a Moral diz a um que ame o seu próximo, pronuncia-o unilateralmente, sem que ninguém possa reclamar aquele amor; quando o Direito determina ao devedor que pague, proclama- o bilateralmente, assegurando ao credor a faculdade de receber”.7 Nessas condições, “embora não se confundindo, ao contrário, separando- se nitidamente, os campos da moral e do direito entrelaçam-se e interpenetram-se de mil maneiras. Aliás, as normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas”,8 como oportunamente exemplifica SILVIO RODRIGUES: “No passado era ato altamente meritório o fato de o patrão socorrer seu empregado acidentado. Mas a desobediência a essa regra de moral não provocava qualquer sanção por parte do Estado. Este, entretanto, observando a conveniência de se impor ao patrão a obrigação de socorrer seu serviçal infortunado, criou a norma de Direito, impondo como obrigação jurídica aquilo que não passava de mero dever moral”.9 Sumário: 1. Quadro geral do Direito-2. Direito positivo e Direito natural-3. Direito internacional e Direito nacional-4. Direito público e Direito privado – 5. Abrangência do Direito público e do Direito privado. 1. QUADRO GERAL DO DIREITO 2. DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL O Direito positivo compreende o conjunto de regras estabelecidas pelo poder político em vigor num país determinado e numa determinada época. É o Direito histórico e objetivamente estabelecido, encontrado em leis, códigos, tratados internacionais, costumes, decretos, regulamentos etc. É o Direito cuja existência não é contestada por ninguém.10 É com esse significado que nos referimos ao Direito romano, ao Direito alemão, ao Direito português, ao Direito brasileiro. O Direito natural, para os que aceitam a sua existência, é aquele que fixa regras de validade universal, não consubstanciadas em regras impostas ao indivíduo pelo Estado. Ele se impõe a todos os povos pela própria força dos princípios supremos dos quais resulta, constituídos pela própria natureza e não pela criação dos homens, como, por exemplo, o direito de reproduzir, o direito de viver etc. Numa palavra: o Direito positivo é o direito que depende da vontade humana, enquanto o Direito natural é o que independe de ato de vontade, por refletir exigências sociais da natureza humana, comuns a todos os homens. 3. DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO NACIONAL Direito internacional vem a ser o complexo de normas aplicáveis nas relações entre países (Direito internacional público), e aos particulares que tenham interesse em mais de um país (Direito internacional privado). Exemplificando: se o Brasil e o Paraguai, na exploração da Usina Hidrelétrica de Itaipu, construída por ambos, tiverem alguma divergência, a questão será resolvida por meio de aplicação de normas de Direito internacional público. Já o inventário de um falecido que tenha deixado bens em vários países cria problemas de Direito internacional privado, por isso que em jogo estão interesses de particulares em mais de um país. Direito nacional é o que existe dentro das fronteiras de um país. 4. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO O Direito nacional, assim como o Direito internacional, se desdobra em dois grandes ramos: o Direito público e oDireito privado. O Direito público disciplina os interesses gerais da coletividade, e se caracteriza pela imperatividade de suas normas, que não podem nunca ser afastadas por convenção dos particulares. Já o Direito privado versa sobre as relações dos indivíduos entre si, tendo na supletividade de seus preceitos a nota característica, isto é, vigora apenas enquanto a vontade dos interessados não disponha de modo diferente que o previsto pelo legislador. Para melhor compreensão, tomemos dois exemplos: (a) Empregado e patrão celebram um contrato de trabalho, convencionando que o primeiro ganhará 2/3 (dois terços) do salário mínimo, visto que não tem mulher nem filhos. É válido o acordo? Obviamente, não. O patrão terá que pagar de qualquer forma o salário mínimo, por se tratar de uma norma de ordem pública, de proteção ao trabalhador. (b) Peço emprestadas 20 (vinte) sacas de arroz. O art. 586 do CC diz que sou obrigado a restituir coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. No entanto, quem me emprestou aceita que eu faça a devolução com sacas de milho. É válido o acordo? Sim, porque aqui estamos no terreno do Direito privado, onde o particular pode exigir ou deixar de exigir o cumprimento da lei. A lei lhe dá a faculdade de agir, ou o Direito subjetivo de agir, deixando-lhe, porém, a iniciativa da ação. Vale observar, no entanto, que essa divisão do Direito em público e privado, embora milenar, não é aceita pacificamente entre os autores. Daí falar-se num Direito misto, já que no mundo atual, entre os dois grandes e tradicionais campos do Direito se encontram regras que tutelam tanto o interesse público quanto o privado, como, por exemplo, no caso do Direito de família, do trabalho etc. Com efeito, observa-se, presentemente, acentuada tendência publicística no Direito privado, como acontece com a legislação protetora do inquilinato e da família. Aliás, todo o Direito de família caminha para o Direito público. Por igual, a doutrina mais moderna vem se referindo a uma nova categoria de direitos — chamados de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, e que não se afeiçoam à dicotomia (público ou privado) do Direito tradicional, como são exemplos o Direito do ambiente e o Direito do consumidor. Para fins didáticos, entretanto, continuamos com a bipartição do Direito em público e privado. 5. ABRANGÊNCIA DO DIREITO PÚBLICO E DO DIREITO PRIVADO Ao Direito público interno pertencem o Direito constitucional (fixa a estrutura do Estado e estabelece os direitos fundamentais da pessoa humana), o Direito administrativo (estabelece os preceitos relativos à administração da coisa pública, tendo em vista os fins sociais, políticos e financeiros perseguidos pelo Estado), o Direito penal (define as condutas criminosas, visando preveni-las e reprimi-las), o Direito financeiro (regula a atividade desenvolvida pelo Governo para obter e aplicar os meios econômicos necessários à realização de seus fins), o Direito tributário (orderna a forma de arrecadação de tributos e o relacionamento entre o poder público fiscal e o contribuinte), o Direito processual,subdividido em civil e penal (trata da distribuição da Justiça, regulando o processamento das ações perante o Poder Judiciário), Direito trabalhista (tem por objeto reger as relações de trabalho subordinado) e Direito do Consumidor (regula as relações de consumo).11 O Direito privado, por seu turno, compreende o Direito civil (regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações) e o Direito comercial ou empresarial (regula o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços).12 Sumário: 1. Significado-2. Classificação: 2.1 Fontes diretas: a lei e o costume; 2.2 Fontes indiretas: a doutrina e a jurisprudência. 1. SIGNIFICADO A palavra fonte deriva do latim fons, fontis, que significa nascente, designando tudo o que origina ou produz algo. A expressão fontes do Direito, portanto, encerra uma metáfora para indicar a própria gênese do Direito, ou seja, os meios pelos quais se formam as regras jurídicas.13 2. CLASSIFICAÇÃO Segundo WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, dentre as várias classificações das fontes do Direito, a mais importante divide-as em fontes diretas ou imediatas e fontes indiretas ou mediatas: “Fontes diretas ou imediatas são aquelas que, por si sós, pela sua própria força, são suficientes para gerar a regra jurídica. São a lei e o costume. Fontes indiretas ou mediatas são as que não têm tal virtude, porém encaminham os espíritos, mais cedo ou mais tarde, à elaboração da norma. São a doutrina e a jurisprudência.”14 Vejamos, resumidamente, cada uma. 2.1 Fontes diretas: a lei e o costume Lei. Em países como o nosso, em que o Direito é escrito, a lei assume papel de suma importância, figurando como a principal fonte do Direito. Dela trataremos, mais detidamente, no próximo Capítulo. Anote-se por ora: “Lei é uma regra geral, que, emanando de autoridade competente, é imposta, coativamente, à obediência de todos.”15 Com efeito, caracteriza-se por ser uma norma geral, dirigindo-se a todos os membros da coletividade, sem exclusão de ninguém. O poder competente para editá-la é o Legislativo, conquanto, entre nós, em casos excepcionais, ditados pela urgência e relevância da matéria, possa também o Presidente da República editar medidas provisórias, com força de lei (CF, art. 62). Por fim, é ela provida de coação, visando a tornar o preceito inviolável. Regra jurídica sem coação, disse IHERING, é uma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz que não alumia. Costume. As leis escritas não compreendem todo o Direito. Há normas costumeiras, também chamadasconsuetudinárias, que obrigam, igualmente, ainda que não constem de preceitos aprovados por órgãos competentes. O costume pode ser entendido como “a norma jurídica que resulta de uma prática geral constante e prolongada, observada com a convicção de que é juridicamente obrigatória”.16 Era ele muito importante antes do Direito escrito. Hoje perdeu a maior parte de sua importância, sendo aplicado somente por exceção, em caso de omissão da lei (v. art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Realmente, havendo lacuna na lei, não se segue que lacunosa seja a ordem jurídica, e então a questão será resolvida mediante recurso aos costumes, segunda fonte imediata do Direito. A obediência a uma conduta por parte de uma coletividade configura um uso. A reiteração desse uso forma o costume, que, na lição de VICENTE RÁO, vem a ser “a regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por modo constante e uniforme, e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica”.17 Ou, como observa JOÃO FRANZEN DE LIMA, é o produto de uma elaboração entre os homens. O emprego de uma determinada regra para regular determinada situação, desde que se repita reiteradamente, quando igual situação se apresente de novo, constitui uma prática, um uso, cuja generalização através do tempo leva a todos os espíritos a convicção de que se trata de uma regra de Direito. Esse hábito que adquirem os homens de empregar a mesma regra sempre que se repete a mesma situação, e de segui-la como legítima e obrigatória, é que constitui o costume.18 Nestas condições, pondera RICARDO TEIXEIRA BRANCATO “algumas normas há em nossa sociedade que, embora não escritas, são obrigatórias. Tais normas são ditadas pelos usos e costumes e não podem deixar de ser cumpridas, muito embora não estejam gravadas numa lei escrita. Aliás, mais cedo ou mais tarde determinados costumes acabam por ser cristalizados em uma lei, passando, pois, a integrar a legislação do País. Exemplo de norma costumeira que, não obstante não estar consagrada em lei escrita nem por isso deixa de ser obrigatória, é a chamada ‘fila’, seja de ônibus, seja para ingresso em qualquer lugar. Assim, no caso exemplificado, preserva-se, com caráter obrigatório, o direito de precedência dos que chegam primeiro, de acordo com os costumes tradicionais. Outro exemplo de Direito costumeiro em nosso País são as normas das Juntas Comerciais que, baseadas nos usos e costumes da praça mercantil, tornam obrigatória a sua observância”. E aduz: “Para que um costume seja reconhecido como tal é preciso: (a) que seja contínuo; fatos esporádicos, que se verificam vez por outra não são considerados costumes; (b) que seja constante, vale dizer: a repetição dos fatos deve ser diuturna, sem dúvidas, sem alteração; (c) que seja moral;quer dizer: o costume não pode contrariar a moral ou os bons hábitos, não pode ser imoral; (d) que seja obrigatório,isto é, que não seja facultativo, sujeito à vontade das partes interessadas”.19 Enquanto o costume é espontâneo e se expressa oralmente, a lei dimana de um órgão do Estado (o Legislativo), através de um processo próprio de elaboração, e se expressa por fórmula escrita. Essas as principais diferenças entre eles. 2.2 Fontes indiretas: a doutrina e a jurisprudência Doutrina. Do latim doctrina, de docere (ensinar, instruir, mostrar), como obra científica dos cultores do Direito, pode ser compreendida como o conjunto de investigações e reflexões teóricas e princípios metodicamente expostos, analisados e sustentados pelos autores, tratadistas, jurisconsultos, no estudo das leis. Por seu intermédio, “depura-se e cristaliza-se o melhor critério interpretativo, a servir de guia para o julgador e de boa orientação para o legislador”.20 Com efeito, de grande valor o trabalho dos doutrinadores na elaboração do direito positivo, já que, apontando as falhas, os inconvenientes e defeitos da lei vigente, acaba encaminhando o legislador para a feitura de lei mais perfeita. Jurisprudência. Do latim jurisprudentia, de jus (Direito) e prudentia (sabedoria), entende-se literalmente como o Direito aplicado com sabedoria. São regras gerais que se extraem das reiteradas decisões dos tribunais num mesmo sentido, numa mesma direção interpretativa. Sempre que uma questão é decidida reiteradamente no mesmo modo surge a jurisprudência. Em regra não vincula o juiz, mas costuma dar-lhe importantes subsídios na solução de cada caso. A Emenda Constitucional 45, de 2004, criou a súmula vinculante, em que entendimento do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, passa a ser de observância obrigatória pelos demais tribunais (CF, art. 103-A). Salvo esta hipótese, a jurisprudência não vincula o juiz. Sumário: “1. Definição de lei-2. O processo legislativo: 2.1 Emendas à Constituição; 2.2 Leis complementares à Constituição; 2.3 Leis ordinárias; 2.4 Leis delegadas; 2.5 Medidas provisórias; 2.6 Decretos legislativos; 2.7 Resoluções – 3. Classificação das leis: 3.1 Normas cogentes e dispositivas; 3.2 Normas federais, estaduais e municipais – 4.Hierarquia das leis – 5. Vigência da lei – 6. Cessação da obrigatoriedade da lei – 7. Retroatividade e irretroatividade da lei – 8. Interpretação das leis: 8.1 Interpretação em sentido estrito; 8.2 Interpretação integrativa. 1. DEFINIÇÃO DE LEI A lei, juridicamente falando, consiste numa regra de conduta, geral e obrigatória, emanada de poder competente, e provida de coação. Efetivamente, traça regras de conduta que se dirigem à toda coletividade, sem exceção. Emana de um poder especialmente instituído para tal fim. Entre nós, esse poder é o legislativo, conquanto, excepcionalmente, também o poder executivo exerça funções legislativas, como se dá, v.g., nos casos de elaboração de medidas provisórias, com força de lei, e leis delegadas (CF, arts. 62 e 68). Por fim, a coação, que atua como condição de eficácia da lei, é a característica que mais colorido lhe dá, pois se não houvesse coação aberta estaria a porta para a resistência ao cumprimento de seus preceitos. A lei, já vimos, é a principal fonte do direito, por via da qual o Estado politicamente organizado dita as regras de comportamento, a que os cidadãos devem obediência. 2. O PROCESSO LEGISLATIVO Processo legislativo vem a ser o conjunto de regras que informa a elaboração da lei. O processo legislativo é contemplado na Constituição da República, nos arts. 59 a 69, cujas disposições se aplicam a todas as unidades da Federação. O primeiro deles, o art. 59, estabelece que o processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; e VII – resoluções. Observe-se, ao de logo, que a Constituição Federal não integra o processo legislativo porque, como Lei Fundamental, o antecede. 2.1 Emendas à Constituição São leis constitucionais que modificam parcialmente a Constituição. “Assumem as emendas à Constituição o vértice da pirâmide do processo legislativo, demonstrando não somente a superioridade hierárquica, mas também a necessidade premente da adequação das normas jurídicas à evolução social. Não há leis eternas, perenes ou universais, mas, apenas, leis dotadas de eficácia social”.21 As propostas de emendas à Constituição devem partir: (i) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; (ii) do Presidente da República; (iii) de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; (iv) os direitos e garantias individuais. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. Independe, portanto, de sanção do chefe do Poder Executivo. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. 2.2 Leis complementares à Constituição As leis complementares, como a própria denominação faz ver, complementam a Constituição, regulamentando assunto nela contido. Não se pode atribuir a qualquer espécie normativa o caráter de lei complementar. Deve acolher matéria constitucionalmente reservada à sua especificidade. A própria Constituição, portanto, estabelece os casos em que deve haver a complementação. Por exemplo, o assunto referente à elaboração, redação, alteração e consolidação das leis foi objeto da Lei Complementar 95/1998 por determinação do art. 59, parágrafo único, da CF.A Lei Complementar 75/1993 estabeleceu o Estatuto do Ministério Público da União, em obediência ao preceituado no art. 128, § 5.º, da CF. A proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa também é matéria reservada à Lei complementar (CF, art. 7.º, I) etc. Vê-se, assim, que as leis complementares regulam preceitos constitucionais que não sejam autoaplicáveis. Tais leis somente serão aprovadas se obtiverem maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional (CF, art. 69), observados os demais termos da votação das leis ordinárias. 2.3 Leis ordinárias Na multiplicidade dos atos que compõem o processo legislativo, a lei ordinária é o mais frequente. São assim denominadas apenas para distingui- las das leis complementares ou delegadas, certo que, na prática, recebem a denominação pura e simples de lei. Segundo disserta GOFFREDO TELLES JÚNIOR, “as leis ordinárias são as leis reguladoras das relações comuns entre os homens, em sua vida quotidiana, isto é, as leis sobre a aquisição, o resguardo, a transferência, a modificação ou a extinção dos direitos das pessoas. São as leis sobre os direitos e obrigações da vida comum, ou seja, as leis que determinam o que é permitido e o que é proibido, em atenção às conjunturas de cada tempo, de cada lugar, de cada grupo social. Estas leis, sendo conjunturais, podem ser revogadas e substituídas por outras leis ordinárias, de acordo com as mutáveis exigências da vida”.22 As leis ordinárias distanciam-se das complementares no tocante ao quorum de sua aprovação. Estas carecem da maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional, enquanto aquelas, de acordo com o texto constitucional, estão sujeitas a aprovação por maioria simples, presente a maioria absoluta dos membros daquelas casas (CF, art. 47). Para ser elaborada passa a lei ordinária pelas seguintes fases: iniciativa, aprovação, sanção, promulgação e publicação. Suponhamos carecer a sociedade de uma nova lei sobre inquilinato. O que fazer? Primeiramente, cria-se um projeto de lei. Surge, então, a primeira fase da elaboração da lei, que é a da iniciativa da apresentação do projeto. Entre nós a iniciativa das leis ordinárias23 cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, através da iniciativa popular, que pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2.º). A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados (CF, art. 64). Apresentado o projeto, a fase seguinte é a aprovação, que consiste no estudo, nas deliberações, nas redações, nas emendas, nos debates e na votação, até chegar-se à sua aprovação ou rejeição. A aprovação da lei ordinária, como já se disse, em regra, dá-se por maioria simples ou relativa (metade mais um do quorum). Geralmente, não há prazo determinado para a aprovação ou rejeição do projeto. Todavia, pode o Presidente da República solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa, que, então, deverá ocorrer dentro de 45 dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal. A solicitação desse prazo poderá ser feita depois da remessa do projeto e em qualquer fase de seu andamento. Se a Câmarados Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, sucessivamente, em até 45 dias, sobrestar- se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias. Esses prazos, convém assinalar, não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de codificação (CF, art. 64, §§ 1.º a 4.º). Se o projeto não for aprovado, será arquivado. Uma vez aprovado é encaminhado à sanção do Poder Executivo. A sanção, portanto, terceira fase da elaboração da lei ordinária, é o ato pelo qual o chefe do Executivo manifesta sua concordância com o projeto de lei elaborado pelo Legislativo. A sanção será expressa,quando o chefe do Executivo declarar o seu assentimento, ou tácita, quando deixar transcorrer 15 (quinze) dias úteis, contados do dia em que receber o projeto, sem qualquer manifestação expressa. Não concordando com o projeto de lei aprovado pelo Legislativo pode o chefe do Executivo, dentro de 15 (quinze) dias úteis, contados daquele em que o receber, vetá-lo total ou parcialmente, comunicando, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto (CF, art. 66, § 1.º). Comunicado o veto ao Presidente do Senado Federal, este convocará as duas Casas para, em sessão conjunta, dele conhecer e sobre ele deliberar, considerando-se aprovado o projeto que, dentro de 30 (trinta) dias, em votação secreta, obtiver o voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República. Se no prazo de 30 (trinta) dias nada for deliberado, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. Se a lei não for promulgada dentro de 48 (quarenta e oito) horas pelo Presidente da República, nos casos de sanção tácita e rejeição de veto, o Presidente do Senado Federal a promulgará e, se este não o fizer em igual prazo, fá-lo-á o Vice-Presidente do Senado Federal (CF, art. 66, §§ 4.º a 7.º). Nos casos do art. 49 da CF, em que os projetos de lei são da competência exclusiva do Congresso Nacional, após a aprovação final, a lei será promulgada pelo Presidente do Senado Federal. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional (CF, art. 67). A promulgação é o ato pelo qual o chefe do Estado atesta a existência da lei perante o povo e ordena o seu cumprimento. A promulgação é a consequência necessária da sanção. Uma vez sancionada a lei, o chefe do Poder Executivo não se poderá furtar à sua promulgação, pois é por meio desta que se confere força executória à lei. A sanção, assim, é facultativa, a promulgação é obrigatória. A sanção e a promulgação se dão ao mesmo tempo, com a assinatura do chefe do Poder Executivo, salvo nas hipóteses de sanção tácita e rejeição de veto, antes referidas, em que a promulgação poderá ser ato do Presidente ou Vice-Presidente do Senado Federal. Finalmente, para que a lei seja cumprida, é preciso que seja conhecida em todos os seus termos. Surge, então, a última fase da elaboração da lei ordinária, que é a publicação. A publicação serve para tornar a lei conhecida de todos. É de nosso Direito que a ninguém é lícito deixar de cumprir a lei alegando que não a conhece. Se fosse possível escusar-se o indivíduo de cumprir a lei com a simples alegação de ignorância, a norma deixaria de ter força e, pois, perderia sua finalidade, o que, evidentemente, iria contrariar a ordem pública. A publicação da lei, para obrigar a todos, deve ocorrer no Diário Oficial, consoante dispõe o art. 1.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942). No tocante à lei municipal, não havendo imprensa oficial, a publicação poderá ser efetuada em órgão da imprensa local ou regional, ou por afixação de seu texto integral na sede da Prefeitura ou Câmara, conforme o caso. Nesta última hipótese, a lei será obrigatoriamente arquivada no Cartório de Registro do distrito da sede, permitida a consulta gratuita a qualquer interessado. 2.4 Leis delegadas Constituem uma inovação da anterior Constituição, sendo uma forma moderna do processo legislativo. Refletem, sem dúvida, a contemporânea tendência do Direito público quanto à admissibilidade de o Legislativo delegar, ao Presidente da República, poderes para elaboração de leis em casos expressos. “Delegar” significa encarregar alguém de fazer alguma coisa. Na lei delegada, o Congresso Nacional, em certos casos, encarrega o Presidente da República (delegação externa, dada através de uma resolução) de elaborar determinada lei. Nesse caso, o Presidente da República redigirá e promulgará a lei diretamente, ou a submeterá ao exame do Congresso Nacional, para confirmação – se assim foi determinado na Resolução –, o que será feito em votação única, vedada qualquer emenda. Há matérias insuscetíveis de delegação legislativa. São as enumeradas no § 1.º do art. 68 da CF, assim redigido: “Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: (i) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (ii) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; (iii) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos”. As leis delegadas são equiparadas às leis ordinárias, pelas quais podem ser alteradas ou revogadas. 2.5 Medidas provisórias Inspirado nas Constituições da Itália e da Espanha, o instituto das “medidas provisórias” nada mais é que um diploma emanado do Poder Executivo para a disciplina de casos urgentes e relevantes. Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 62, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional 32/2001, estatui: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (…)”. As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados (art. 62, § 8.º). As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”. Não editado o decreto legislativo até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas ou decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto (CF, art. 62, §§ 3.º, 11 e 12). As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação da Emenda Constitucional 32/2001 continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Por isso, “quando a matéria não é verdadeiramente relevante e urgente – isto é, quando a matéria, sendo relevante, pode aguardar alguns dias, e ser solucionada por lei – a medida provisória, em lugar da lei, é expediente impróprio, descabido, irregular. É inconstitucional”.”24 Como se vê, as características do instituto – relevância e urgência – são subjetivase se tornam de difícil avaliação, a recomendar parcimônia na sua edição, sob pena de se abrir uma brecha para o Executivo substituir-se ao Congresso e instaurar a democracia da medida provisória. 2.6 Decretos legislativos Traduzem os atos normativos administrativos de competência exclusiva do Poder Legislativo, destinados a regular matérias que tenham efeitos externos. Por não terem caráter de lei, os decretos legislativos prescindem da sanção do chefe do Executivo. O art. 49 da CF enumera as matérias que são objeto dos decretos legislativos, ao definir os atos da competência exclusiva do Congresso Nacional. Nestes casos, o Poder Executivo envia mensagem solicitando manifestação do Poder Legislativo. A mensagem, porém, não vale como uma peça introdutória do processo legislativo, pois caberá à Comissão do Legislativo, incumbida de dar parecer sobre a mensagem, propor, se for o caso, o projeto de decreto legislativo. 2.7 Resoluções São atos normativos administrativos por meio dos quais o Legislativo dispõe sobre matéria que não se insere nem no âmbito da lei, nem do decreto legislativo. As resoluções, a exemplo dos decretos legislativos, destinam-se a regular matéria de competência do Congresso, tendo caráter administrativo ou político. As resoluções cuidam, geralmente, de assuntos de interesse interno do Legislativo, e distinguem-se dos decretos legislativos no aspecto formal, pois, enquanto o decreto legislativo é elaborado segundo o procedimento prescrito para as leis, a resolução é norteada por uma elaboração mais simples. Como regra, destinam-se as resoluções a regular matérias de caráter político, administrativo ou processual, sobre o que deve o órgão legislativo pronunciar-se em casos concretos, tais como a perda de mandato, concessão de licença a parlamentar para desempenhar missão diplomática ou cultural, criação de Comissão Especial de Inquérito etc. 3. CLASSIFICAÇÃO DAS LEIS Dentre as maneiras de se classificar a lei, duas merecem ser ressaltadas nesta oportunidade. Uma, assentada em sua força obrigatória, estabelece que as normas podem ser cogentes (ou de ordem pública) e dispositivas (ou supletivas). Outra, relacionada ao domínio geográfico em que ela impera, diz que as leis são federais, estaduais e municipais. 3.1 Normas cogentes e dispositivas Norma cogente é aquela que por atender mais diretamente ao interesse geral não pode ser alterada, prevalecendo de modo absoluto sobre a liberdade de contratar das partes. Exemplo: o art. 1.521, VI, do Código Civil, proíbe o casamento de pessoas já casadas. Como se percebe, trata-se de regra que interessa à própria estrutura da sociedade, de modo que, mesmo de acordo os nubentes, nulo será seu casamento, se um deles estiver ligado a matrimônio anterior. Norma dispositiva é a que se limita a prescrever uma conduta ou estabelecer um direito, sem tirar do seu destinatário a faculdade de alterá-la. Exemplo: o art. 327 do CC determina que o pagamento se efetuará no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente. Ora, tratando-se de regra supletiva, nada impede que os contratantes convencionem diferentemente e, se o fizerem, o preceito deixa de vigorar em relação àquele negócio jurídico.25 3.2 Normas federais, estaduais e municipais Numa federação, como o nosso País, o domínio geográfico ou a extensão espacial das leis compreende: o domínio nacional ou domínio da União, que abrange todo o território do País; o domínio estadual, que compreende o território de cada Estado e o do Distrito Federal; e, finalmente, o domínio municipal, que compreende o território de cada Município. Em razão de seus respectivos domínios geográficos, três são, portanto, as categorias de leis: a das leis federais, a das leis estaduais e a das leis municipais. As leis federais têm domínio geográfico nacional. Todas elas imperam em todo o território do País. A lei estadual tem domínio geográfico circunscrito ao Estado em que foi elaborada. As leis elaboradas no Distrito Federal têm domínio geográfico circunscrito a esse Distrito. A lei municipal tem domínio geográfico circunscrito ao Município que a elaborou.26 4. HIERARQUIA DAS LEIS Como visto, num Estado federal os campos ou domínios geográficos das leis acham-se sobrepostos uns aos outros, implicando verdadeira hierarquia. Segundo a sempre precisa lição de GOFFREDO TELLESJÚNIOR, “as leis federais, com domínio nacional, são, por assim dizer, superiores às leis estaduais. Por sua vez, as leis estaduais, com domínio geográfico circunscrito a seus Estados, são, por assim dizer, superiores às leis municipais. Isso significa, apenas, que, havendo leis superiores e inferiores, não pode uma lei inferior contrariar disposição competente de lei superior a ela: uma lei municipal não pode contrariar disposição competente de lei estadual, e uma lei estadual não pode contrariar disposição competente de lei federal. Convém lembrar que, no alto da hierarquia legislativa, predomina, soberana, a Lei Magna, a Constituição do Brasil, com domínio geográfico e domínio de competência sobrepostos aos domínios de todas as demais leis. Contra a Constituição Federal, nenhuma lei prevalece, nenhuma impera. Em cada Estado, existe, também, uma Lei Magna, a Constituição do Estado, com domínio geográfico e domínio de competência restritos ao Estado a que ela pertence. Estes domínios das Constituições Estaduais se sobrepõem aos domínios das demais leis estaduais e aos domínios das leis municipais”.27 Mas, a hierarquia das leis precisa ser bem entendida para se evitar confusões muito comuns. É que ela não depende somente do seu maior ou menor alcance territorial, mas também do domínio de competência de cada lei. De fato, na Constituição Federal vamos encontrar a competência para legislar das pessoas jurídicas de Direito público interno. Assim, no seu art. 22, estabelece a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria que discrimina em seus incisos I a XXIX. No seu art. 24 e incisos, estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre as matérias lá discriminadas. No art. 30 e incisos, estabelece a competência exclusiva dos Municípios para legislar sobre as matérias também lá elencadas. Isso demonstra que a competência para legislar é distribuída ratione materiae, isto é, cada uma das pessoas jurídicas de Direito público interno é competente e tem legitimidade para legislar sobre determinadas matérias. Daí dizerem muitos não existir qualquer hierarquia entre tais normas jurídicas, ressalvadas, é claro, as constitucionais. Assim, as leis municipais, que são as de menor domínio geográfico, prevalecem contra as leis federais e estaduais, nas matérias de seu domínio de competência privativa. Da mesma forma, as leis estaduais, cujo domínio geográfico é inferior ao domínio geográfico das leis federais, prevalecem contra as leis federais, nas matérias de seu domínio privativo de competência.28É o que ocorre, por exemplo, com a questão dos transportes coletivos urbanos, reservada à competência dos Municípios pela Constituição Federal (art. 30, V), que não pode sofrer interferência de qualquer outra lei, seja federal ou estadual. 5. VIGÊNCIA DA LEI A lei é levada ao conhecimento de todos por meio de sua publicação no Diário Oficial. Publicada, ninguém se escusa de cumpri-la, alegando que não a conhece (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 3.º). Sua força obrigatória, todavia, está condicionada à sua vigência, ou seja, o dia em que começa a vigorar. As próprias leis costumam indicar a data em que entrarão em vigor. Por exemplo, a Lei 6.015, de 31.12.1973, que dispõe sobre os Registros Públicos, foi publicada no Diário Oficial de 31.12.1973, mas somenteentrou em vigor no dia 01.01.1976, porque seu art. 298 enunciava: “Esta lei entrará em vigor no dia 1.º de janeiro de 1976”. Outro exemplo: a Lei 6.515, de 26.12.1977, que regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, foi publicada no Diário Oficial de 27.12.1977, e entrou em vigor no mesmo dia, porque seu art. 53 assim dispôs: “A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação”. Agora, se nada dispuserem as leis a respeito, entrarão em vigor 45 dias depois de oficialmente publicadas (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 1.º, caput). Fora do País, o prazo é de três meses (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 1.º, § 1.º). O espaço de tempo compreendido entre a publicação da lei e sua entrada em vigor denomina-sevacatio legis. Serve para que todos se adaptem à nova lei, sendo que esse período varia de acordo com a complexidade do diploma legal. Foi o que aconteceu com a Lei de Registros Públicos, já citada, que teve dois anos de vacatio legis. Para a entrada em vigor de nosso Código Civil, entendeu-se necessário o prazo de um ano. Se, antes de entrar em vigor a lei, ocorrer nova publicação de seu texto, para correções, o prazo da obrigatoriedade começará a correr da nova publicação. De outra parte, as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 1.º, §§ 3.º e 4.º). 6. CESSAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DA LEI Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 2.º). Não há revogação pelo desuso. Revogar uma lei significa torná-la sem efeito. A revogação pode ser expressa ou tácita. É expressa quando a lei nova taxativamente declara revogada a lei anterior (“Fica revogada tal lei ou revogam-se os dispositivos de tal lei…”). É tácita quando a nova lei é incompatível com a anterior ou regula inteiramente a matéria de que a outra tratava. Frise-se, todavia, que a revogação de uma lei só é possível através de outra lei de igual ou superior hierarquia. Assim, uma lei ordinária só se revoga por outra lei ordinária, ou de hierarquia superior. De se ter presente que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Ainda, salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 2.º, §§ 2.º e 3.º). REVOGAÇÃO: 1. Pelo decurso do tempo estabelecido na própria lei. 2. Por outra lei: a) Expressa: quando a lei nova declara revogada e lei anterior; b) Tácita: – quando a nova lei é incompatível com a anterior; – quando a nova lei regula inteiramente a matéria tratada pela anterior. 7. RETROATIVIDADE E IRRETROATIVIDADE DA LEI Em princípio, a lei é editada para regular situações futuras, que irão ocorrer durante o seu período de vigência. O passado escapa ao seu comando. É a regra de que a lei nova não pode atingir situações já consolidadas sob o império da lei antiga. É o princípio da irretroatividade da lei, expressamente agasalhado pela nossa Constituição Federal (art. 5.º, XXXVI), sem o qual não haveria estabilidade jurídica. Fazer retroagir as leis é evidentemente um ato contrário ao fim do direito, que é a realização da harmonia e do progresso social. E não há harmonia sem estabilidade. Contudo, em casos especialíssimos, pode a lei retroagir, desde que haja disposição legislativa expressa, exceto no Direito penal, onde constitui princípio a retroação da lei mais benigna. Em outro modo de dizer, é o da irretroatividade das leis. A retroatividade é exceção e não se presume, decorrendo de determinação legal expressa. Portanto, não havendo declaração em contrário, a lei respeita o direito adquirido (situação definitivamente constituída), o ato jurídico perfeito (já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou) e a coisa julgada (decisão judicial de que já não caiba recurso). 8. INTERPRETAÇÃO DAS LEIS O que significa interpretar um texto legal? Interpretar vem a ser o processo lógico pelo qual se determina o sentido da lei. Interpretar é procurar o pensamento, o alcance do texto, a vontade da lei. Numa palavra, “interpretar a lei será, pois, reconstruir amens legis, seja para entender corretamente seu sentido, seja para suprir-lhe as lacunas”.29 8.1 Interpretação em sentido estrito É evidente que o legislador, por mais cauteloso e previdente, jamais poderá prever todos os futuros e possíveis casos que o juiz será chamado a resolver. E o juiz, ainda que a lei seja omissa, lacunosa ou obscura, terá que decidir a questão que lhe é submetida a julgamento. A propósito, FRANCO MONTORO ensinou que “podem existir lacunas na lei, mas não no sistema jurídico, porque esse possui outras fontes, além dos textos legais, e, por isso, fornece ao aplicador do Direito elementos para solucionar todos os casos. Na omissão da lei, cabe-lhe encontrar ou mesmo criar uma norma especial para o caso concreto. Trata-se, então, não apenas, propriamente da interpretação de uma norma pré-existente, mas de integração de uma norma no ordenamento jurídico. Em síntese, podemos dizer que há interpretação, em sentido estrito, quando existe uma norma, prevendo o caso; recorre-se à integração, quando não existe essa norma explícita”.30 Segundo preleciona WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, existem vários modos de interpretação: (a) quanto às fontes; (b) quanto aos meios; (c) quanto aos resultados. Quanto às fontes, a interpretação pode ser: autêntica (se emanada do próprio poder que elaborou a norma), doutrinária (a que provém dos doutrinadores), e jurisprudencial (ministrada pelos tribunais, mercê da reiteração uniforme de seus julgamentos). Quanto aos meios, a interpretação pode ser: gramatical (se funda nas regras da linguística, procurando analisar o sentido das palavras e das frases pela aplicação das regras da linguagem), lógica (visa a reconstruir o pensamento e a vontade do legislador, mediante exame da lei em seu conjunto orgânico, no sistema jurídico em geral, de molde a resultar perfeita harmonia e coerência), histórica (se atém às necessidades jurídicas emergentes no instante da elaboração da lei, às circunstâncias eventuais e contingentes que provocaram a expedição da norma), e sistemática (o intérprete compara a lei com a anterior que regulava a mesma matéria, confronta-a com outros textos, de sorte a harmonizá-la com o sistema jurídico). Quanto aos resultados, a interpretação pode ser declarativa (quando a letra da lei corresponde precisamente ao pensamento do legislador), extensiva (quanto se afirma que a fórmula legislativa é menos ampla que a vontade do legislador – lex minus dixit quam voluit), e restritiva (quando se afirma que a fórmula legislativa é mais ampla que o pensamento do legislador-lex plus dixit quam voluit).31 Além dessas regras, não poderá o intérprete desprezar os fatores sociais, pois segundo o art. 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Procura-se, com isso, a harmonização da lei com as necessidades e tendências da sociedade. Vários e preciosos critérios interpretativos são subministrados pela doutrina e jurisprudência: (a) deve-se preferir uma interpretação que faz sentido à que não faz; (b) deve-se procurar a interpretação que esteja em consonância com a tradição jurídica; (c) as leis penais e as leis fiscais devem ser interpretadas de forma restritiva e não ampliativa; (d) na aplicação da lei deve ser considerada a sua finalidade social; (e) deve-se entender sempre quea lei não possui palavras inúteis; (f) onde a lei não distingue o intérprete não deve distinguir; (g) deve ser afastada a exegese que conduza ao vago, ao inexplicável, ao contraditório e ao absurdo etc.32 8.2 Interpretação integrativa Como se disse, o legislador não consegue, por mais cauteloso que seja, prever toda a prodigiosa diversidade dos fatos que podem ocorrer na vida real. Esta, em sua manifestação infinita, cria a todo instante situações que ele não lograra fixar em fórmulas legislativas. Pode ocorrer que ao julgar determinada questão o juiz não encontre no ordenamento jurídico a solução legislativa adequada. Houve época em que, na falta de disposição legal aplicável ao caso concreto, o juiz abstinha-se de julgar. Hodiernamente, tal solução não mais se admite, sob pena de remanescerem questões sem pronunciamento definitivo. Daí prescrever o Código de Processo Civil: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei (…)” (cf. art. 126). Aparece, então, o problema da integração da norma, que vem a ser, no dizer de RUY REBELLO PINHO e AMAURI MASCARO NASCIMENTO, “o processo com o qual o magistrado recorre a critério de típica criação do Direito para o caso concreto, à falta de norma jurídica regulando a espécie”.33 São meios de integração da norma jurídica: a analogia, a equidade e os princípios gerais do Direito. (a) Analogia. Do grego analogia, diz respeito aos pontos de semelhança entre coisas distintas, e consiste em aplicar a um caso não previsto a norma que rege caso análogo, pois fatos semelhantes exigem regras disciplinadoras semelhantes. Assim, por exemplo, a regra do art. 13 da Lei 6.515, de 26.12.1977 (Lei do Divórcio), que autoriza o juiz, em casos graves, a alterar as disposições legais sobre guarda de filhos menores, quando dissolvida a sociedade conjugal, se aplica analogicamente à tutela, podendo o juiz modificar a ordem de precedência estabelecida pela lei civil para nomeação de tutor. Mas cumpre notar, segundo adverte GOFFREDO TELLESJÚNIOR, que a decisão por analogia nem sempre é permitida. “Assim, em matéria criminal, não pode alguém ser condenado pela prática de atoanálogo ao ato qualificado como crime. Não há crime por analogia. Somente são crimes os atos que a lei assim os considera. Reza o art. 1.º do Código Penal: ‘Não há crime sem lei anterior que o defina’. Logo, não pode o juiz fundar-se na analogia para condenar réu acusado da prática de ato não expressamente incluído pela lei no rol dos crimes. Aliás, não pode o juiz aplicar penas por analogia, porque as únicas penas comináveis são as penas estabelecidas pela lei, para cada tipo de crime. O mesmo art. 1.º do Código Penal estabelece: ‘Não há pena sem prévia cominação legal’. Igualmente, não é permitida a decisão por analogia para a cobrança de impostos e taxas não exigidos por lei. Dispõe o art. 108, § 1.º, do Código Tributário Nacional: ‘O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei’”.34 (b) Equidade. Do latim aequitate, vem a ser a justiça do caso concreto. Por vezes o juiz se encontra face a um caso em que a lei lhe impõe determinada decisão, quando a consciência lhe dita uma solução contrária. A máxima do Direito romano Summum jus, summa injuria (Suma justiça, suma injustiça) já trazia a advertência de que a aplicação rigorosa da formalidade da norma poderia conduzir a um julgamento injusto. Entretanto, o julgador deve subordinar-se à lei, e só excepcionalmente, quando expressamente autorizado pelo legislador, poderá socorrer-se da equidade (v. art. 127 do CPC). De fato, a nossa lei processual, em matéria de equidade, é de um anacronismo alarmante, bastando lembrar que, enquanto o Código de 1939 corajosamente declarava que, em havendo lacunas na lei, o juiz poderia decidir “como se fosse legislador” (art. 114), o atual somente admite decisões por equidade nos casos nele previstos. Nesse ponto, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23.09.1996) enseja com mais amplitude julgamentos por equidade, desde que autorizados previamente, sendo de esperar que o princípio da equidade passe a se tornar realidade, apesar de já constante da legislação anterior como simples esperança.35 A bem ver, “situa-se a equidade em um campo intermediário entre a moral e o Direito, elevando-se a instrumento superior de justiça. O problema transcende do Direito positivo para significar um aperfeiçoamento da ação de julgar dentro de um ideal de justiça concretamente aplicado”.36 (c) Princípios gerais do Direito. Os princípios gerais do Direito têm grande importância no preenchimento das lacunas da lei, face o seu caráter normativo. Para MIGUEL REALE, “princípios gerais do Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.37 Esses princípios não vêm especificados pelo legislador, constituindo seu enunciado manifestação do espírito de uma legislação. Assim, examinando-se o nosso Direito de família, vamos verificar que seus princípios gerais visam ao reforço do núcleo familiar. No Direito do trabalho o princípio dominante é a proteção ao empregado. “A invocação dos princípios gerais de direito faz apelo às inspirações mais altas da humanidade civilizada, e joga com aquelas regras incorporadas ao patrimônio cultural e jurídico da nação, permitindo ao juiz suprir a deficiência legislativa com a adoção de um cânon que o legislador não chegou a ditar sob a forma de preceito, mas que se contém imanente no espírito do sistema jurídico.”38 Afinal, quais são esses princípios gerais? Nosso legislador não os especificou, já que seus enunciados são manifestações do próprio espírito de uma legislação. A título de exemplo, podem ser mencionados os seguintes princípios gerais de direito: (a) ninguém pode transferir mais direitos do que tem; (b) ninguém deve ser condenado sem ser ouvido; (c) ninguém pode invocar a própria malícia para tirar proveito disso; (d) os contratos devem ser cumpridos(pacta sunt servanda) etc. PARTE II - DIREITO PÚBLICO Seção I Sumário: 1. Conceito de Direito Constitucional – 2. Conceito de Constituição – 3. Espécies de Constituição – 4. O Poder Constituinte – 5. O controle da constitucionalidade das leis. 1. CONCEITO DE DIREITO CONSTITUCIONAL Ao tratarmos dos ramos do Direito, vimos que, metodologicamente, ele se divide em público e privado. O Direito Público disciplina os interesses gerais da coletividade e se caracteriza pela imperatividade de suas normas, que não podem nunca ser afastadas por convenção dos particulares. O Direito Privado, ao revés, versa sobre as relações dos indivíduos entre si, tendo na supletividade de seus preceitos a nota característica, isto é, vigoram apenas enquanto a vontade dos interessados não disponha de modo diferente que o previsto pelo legislador. O Direito Constitucional pertence ao Direito Público, sendo considerado um superdireito, porque, estabelecendo, como estabelece, através da Constituição, os princípios e as normas gerais que informam os demais Direitos, domina-os, indubitavelmente. Tem, assim, em relação aos outros ramos do Direito, uma posição de superioridade. O saudoso Prof. VICENTE RÁO assim o conceituou: “É o ramo do direito público interno que disciplina a organização do Estado, define e limita a competência de seus poderes, suas atividades e suas relações com os indivíduos, aos quais atribui e assegura direitos fundamentais de ordem pessoal e social”.1 Do conceito, inferem-se suas metas: (a) estabelecer a estrutura básica, a organização do Estado (forma do Estado e do Governo, o regime governamental, os poderes do estado etc.); (b) resguardaros direitos fundamentais da pessoa humana (não só os individuais, mas também os direitos sociais). 2. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO Assim como uma sociedade empresarial, um clube ou uma associação carecem de um estatuto que discipline suas atividades, com maior razão um país necessita de uma lei que o organize, o estruture e discipline. Essa lei, ordinariamente, chama-se Constituição. Chamam-na também de Carta Magna, Lei Fundamental, Lei Maior, Código Supremo, Estatuto Básico. É conceituada como sendo um conjunto de normas, escritas ou costumeiras, que regem a organização política de um país. 3. ESPÉCIES DE CONSTITUIÇÃO Podem as Constituições ser classificadas quanto: (i) à forma (escritas ou costumeiras), (ii) àconsistência (rígidas ou flexíveis) ou (iii) à origem (promulgadas ou outorgadas). Escritas são aquelas cujos dispositivos estão reunidos num instrumento. Exemplo: a Constituição brasileira. Costumeiras aquelas que vão se formando aos poucos, pela reiterada prática de certos atos. Exemplo: a Constituição da Inglaterra. Rígidas aquelas que só se alteram mediante processos especiais, caracterizando-se pela prevalência de seus preceitos aos das leis ordinárias. Exemplo: a atual Constituição brasileira. Flexíveis aquelas que se alteram mais facilmente, através do processo legislativo ordinário, e que se caracterizam pela inexistência de qualquer hierarquia entre a Constituição e a lei ordinária. Exemplo: o estatuto Albertino, Constituição do reino da Itália. Promulgadas são as elaboradas por uma Assembleia Constituinte, eleita pelo povo especialmente para esse fim. Exemplo: a Constituição brasileira de 1946. Outorgadas são as impostas à coletividade por determinada pessoa ou determinado grupo de pessoas. Exemplo: a Constituição do Império, de 1824. 4. O PODER CONSTITUINTE Em significação comum, podemos dizer que Poder Constituinte é aquele que tem por missão traçar as regras jurídicas fundamentais da Nação, que se consubstanciam num documento chamado Constituição. Compete a esse Poder, deixando de lado os preceitos até então vigentes, dar um novo ordenamento jurídico-institucional ao País. É formado por representantes do povo, especialmente eleitos para editar uma nova Constituição, ou através da investidura de Poder Constituinte pleno nos deputados federais e senadores escolhidos pelo sufrágio do povo. Daí se dizer, em última análise, que o titular do Poder Constituinte é o povo, pois os seus representantes, em reunião especial, com a finalidade de votar e promulgar uma nova Constituição, nada mais fazem do que auscultar sua vontade e transmiti-la com fidelidade. Votada a Constituição, extingue-se o Poder Constituinte, ficando como seu remanescente o Poder Legislativo ordinário, que pode propor emendas à Constituição, segundo condições nela previstas. Destarte, o Poder Constituinte será originário (quando edita Constituição nova em substituição à Constituição anterior) ou derivado (quando se destina à revisão da Constituição, modificando parcialmente o seu texto). O primeiro é original, na medida em que pertence ao povo e à Assembleia Constituinte; o segundo é derivado, porque constituído por determinação do primeiro e pertencente ao Congresso Nacional. 5. OCONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS O princípio da constitucionalidade das leis é, em síntese, o de que, sendo a Constituição a lei básica e fundamental, todas as outras leis devem ser conformes aos seus preceitos e ao seu espírito. Toda lei que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz- se inconstitucional, tem um vício que a anula e deve ser declarada como tal pelo poder competente, que é o Judiciário. O efeito da inconstitucionalidade é, portanto, a não aplicação da lei ao caso concreto. O controle da constitucionalidade é realizado de forma rotineira pelo Poder Judiciário. O juiz, ao examinar um caso, deve atender à hierarquia das leis, afastando naturalmente a norma que estiver em desacordo com a Constituição. Como ensina o Prof. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,2 “cabendo ao Judiciário dizer o que é o Direito, é a ele que compete indagar da constitucionalidade de uma lei. De fato, se duas leis entrarem em conflito, deve o Juiz decidir qual aplicará. Ora, se uma lei entrar em conflito com a Constituição, é ao juiz que cabe decidir se aplicará a lei, violando a Constituição, ou, como lógico, se aplicará a Constituição, recusando a lei”. Contudo, observe-se que a sentença do juiz não revoga a lei inconstitucional. Ele apenas deixa de aplicá-la ao caso concreto. Por isso, a lei inconstitucional continua plenamente em vigor, apesar de seu vício, até ser revogada por outra lei. A suspensão da execução de leis, declaradas inconstitucionais pelo Judiciário, é de competência privativa do Senado Federal (CF, art. 52, X). Sumário: 1. Origem – 2. Conceito – 3. Elementos essenciais – 4. Finalidades – 5. Formas de Estado. 1. ORIGEM Sob o ponto de vista jurídico, o Estado deve sua existência ao fato de possuir uma Constituição. “Pouco importa o modo como o poder se formou, como as pessoas que o exercem foram designadas. Desde o momento em que a coletividade estatal se organiza e possui órgãos que querem e agem por ela, o Estado existe. Nem influem sobre a sua existência as transformações posteriores da Constituição e forma de governo: o Estado nasceu e permanece através de todas as mudanças”.3 Intencionalmente, dadas as limitações do nosso Manual, ficaremos com essa lição, aceitável sob o aspecto formal, posto que determina, com precisão, o momento legal em que o Estado começa a existir como organização de Direito. 2. CONCEITO Numa síntese do pensamento dos doutos da matéria, podemos conceituar o Estado como a pessoa jurídica formada por uma sociedade que vive num determinado território e subordinada a uma autoridade soberana. 3. ELEMENTOS ESSENCIAIS Do conceito retroenunciado se dessume a existência de três elementos básicos do Estado: povo, território e poder soberano. (a) Povo – É o conjunto dos nacionais. Não se confunde com população, que exprime um conceito aritmético, de caráter quantitativo, compreendendo tanto os nacionais como ainda os estrangeiros e apátridas. (b) Território – É a parte delimitada da superfície terrestre, sobre a qual vigora a ordem jurídica do Estado. Compreende, também, o subsolo e o espaço aéreo correspondente à superfície, e o mar territorial que, no caso do Brasil, se estende a 12 (doze) milhas marítimas da nossa costa (Lei 8.617, de 04.01.1993).4 O alto-mar é de uso comum, pois Estado algum tem jurisdição sobre ele. Por ficção jurídica, ainda se consideram território nacional os navios e os aviões de guerra das Forças Armadas brasileiras, os navios e os aviões de passageiros ou carga, sede das embaixadas e de repartições diplomáticas do Brasil em outros países. (c) Poder soberano – É o poder que tem o Governo de efetivar a sua ordem jurídica, sem qualquer subordinação a outra ordem. 4. FINALIDADES Juridicamente falando, visa o Estado, no plano externo, defender sua independência e o território nacional, e, no âmbito interno, manter a ordem pública, dizer o direito e distribuir justiça. Tem também uma finalidade social, que é a de promover o bem público, cabendo-lhe usar de todos os meios para favorecer ao indivíduo uma vida melhor. 5. FORMAS DE ESTADO O exame das formas de Estado, na lição de ANACLETO DE OLIVEIRA FARIA, implica a pesquisa da maneira pela qual o mesmo se estrutura. Assim, enquanto alguns Estados se apresentam como um todo homogêneo, com uma soberania absolutamente indivisa, outros, à primeira vista pelo menos, surgem como formados de um conjunto de outros Estados, fracionando-se, de certo modo, a soberania.Temos, assim, a divisão tradicional de formas de Estado: a forma unitária e a forma composta.5 (a) Estado simples ou unitário: é o formado por um todo indivisível e soberano perante o povo e também em relação aos outros Estados (no sentido de País ou Nação), diante dos quais mantém a sua independência.6 Nele, o governo nacional assume a direção exclusiva de todos os negócios públicos. Não é divisível internamente em partes que mereçam o nome de Estado. Somente existe um Poder Executivo, um Poder Legislativo e um Poder Judiciário, todos centrais, com sede na capital. Todas as autoridades executivas ou judiciárias que existem no território são delegações do Poder Central, tiram dele sua força. É ele que as nomeia e lhes fixa as atribuições. O Poder Legislativo de um Estado Simples é único, nenhum outro órgão existindo com atribuições de fazer leis nesta ou naquela parte do território. Exemplos: França, Espanha, Itália e Portugal. (b) Estado composto: os Estados compostos, como a própria expressão indica, são aqueles formados por dois ou mais Estados que se unem por motivos diversos. Conhecem-se duas espécies de Estados compostos: a Federação e a Confederação. Federação – é formada pela união de várias unidades territoriais (Estados- membros), que perdem a soberania em favor da União Federal. Exemplos: Brasil, EUA, Canadá, Índia, Argentina, México etc. Confederação – é formada por Estados soberanos, com base em tratados internacionais, tendo por objetivo defender o território e assegurar a paz interior, além de outras finalidades que podem ser pactuadas. Por resultar de tratados internacionais, têm as confederações vida passageira, já que cada Estado dela pode retirar-se a qualquer momento. Concluindo: na federação os Estados-membros estão unidos não por um tratado, mas por umaConstituição, de modo que o Estado Federal é regulado pelo Direito Constitucional. Na confederação os Estados estão ligados por um tratado internacional, do domínio do Direito Internacional. Sumário: 1. Formas de governo – 2. Democracia. Conceito – 3. Os valores fundamentais da democracia – 4. Pressupostos e condições da democracia – 5. As formas de democracia – 6. Regimes governamentais. 1. FORMAS DE GOVERNO O governo, já vimos, representa um dos elementos essenciais do Estado. Vem a ser o conjunto de funções por meio das quais o Estado realiza os seus objetivos. Trata-se de questão que sempre exigiu a atenção dos estudiosos. ARISTÓTELES, em sua Política, alinhava três formas legítimas de governo: (a) monarquia, governo de um só; (b) aristocracia, governo de uma classe; (c) democracia, governo de todos, do povo. Legítimas porque tinham o bem geral como meta a ser alcançada. A elas correspondiam as formas ilegítimas: (a) tirania, governo sem lei; (b) oligarquia, governo de uma minoria poderosa; (c) demagogia, governo com predomínio de facções populares. Para essas formas de governo o bem da coletividade figurava em plano secundário. Hoje, podemos dizer que duas são as formas de governo: monarquia, onde o rei reina e o povo governa por meio do Parlamento, e república, onde o povo reina e governa por intermédio de seus representantes (Presidente, Diretório ou Gabinete).7 Na monarquia o governo cabe a uma única pessoa (rei, monarca, soberano, imperador), sucessível por herança e cujo cargo é exercido em caráter vitalício. Na república, a chefia do governo é de livre escolha do povo e exercida em caráter temporário. A monarquia será absoluta ou limitada, conforme tenham limite ou não os poderes do rei. A primeira é condenada pelos povos civilizados. A segunda é plenamente aceita, porque o poder do soberano é delimitado pela Constituição. É o caso da Inglaterra e da Bélgica. Por seu turno, a república será parlamentar, presidencial ou colegiada. Na república parlamentar o governo é exercido por um Conselho de Ministros chefiado pelo Primeiro-Ministro. Na república presidencial o governo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros, escolhidos livremente por ele. Na república colegiada o governo é exercido por um grupo de pessoas. 2. DEMOCRACIA. CONCEITO Democracia (do grego demos = povo e kratos = governo) é o governo de todos, ou na expressão de ABRAHAM LINCOLN, “é o governo do povo, pelo povo, e para o povo” (discurso de Gettysburg, em 19.11.1863). É a forma de governo em que se reconhece que o poder emana do povo e em seu nome é exercido, repelindo-se o predomínio de classes ou grupos. 3. OS VALORES FUNDAMENTAIS DA DEMOCRACIA Dois os valores fundamentais que inspiram a democracia: liberdade e igualdade. A liberdade que a democracia supõe, como fundamento e finalidade, é fruto de uma longa elaboração histórica e está expressa em documentos públicos, cuja letra e espírito formam o ideal político da nossa civilização: são os direitos individuais, também chamados liberdades individuais, proclamadas solenemente nos EUA e na França em 1789, e incorporadas a todas as Constituições democráticas. Essa liberdade, que tanto pode ser encarada sob o aspecto político (direito de escolher os governantes) como sob o aspecto civil (direito à vida, à propriedade, à associação, à comunicação do pensamento, à religião, à locomoção etc.), não é absoluta. O indivíduo não poderá fazer tudo e só o que bem entenda. Nem isso seria liberdade, mas anarquia. O que a democracia pretende dar é a liberdade social, isto é, o direito de cada um fazer tudo o que não prejudique a liberdade dos outros.8 Por outro lado, a igualdade, de que se fala, como valor fundamental da democracia, é a igualdade perante a lei, magistralmente definida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789: “A lei deve ser a mesma para todos, quer quando protege, quer quando pune. Todos os cidadãos são iguais perante ela e são igualmente admissíveis a todas as dignidades, cargos e funções públicas, conforme a sua capacidade, e sem outras distinções senão as de suas virtudes e talentos”. 4. PRESSUPOSTOS E CONDIÇÕES DA DEMOCRACIA A democracia só se configura com a presença de dois pressupostos: o social e o econômico. Sob o prisma social, a democracia consiste na difusão da cultura, a fim de poder o ser humano por si mesmo julgar o que lhe pareça melhor, sem o risco de ser doutrinado por propaganda deturpada. O pressuposto econômico diz respeito à participação do povo nos bens materiais, pois a democracia seria uma farsa se tivesse o homem que pensar apenas no pão de cada dia, sem qualquer tempo para o lazer e a instrução. Indispensável, ainda, para a configuração da democracia, que certas condições estejam presentes: (a)informação abundante, para se evitar a doutrinação; (b) amplas liberdades públicas, para que haja livre participação nos assuntos de interesse do povo; (c) sistema de partidos, a fim de que o povo seja orientado no que diz respeito à solução dos problemas do Estado, e tenha um mecanismo que receba e transmita sua vontade. 5. AS FORMAS DE DEMOCRACIA Distinguem-se três formas de democracia: direta, indireta e semidireta. (a) Direta: é aquela em que as decisões são tomadas diretamente pelos cidadãos em assembleias. Trata-se de reminiscência histórica, já que nenhum Estado pode adotá-la, pela impossibilidade de se reunir milhões de cidadãos, diuturnamente, para que resolvam os problemas comuns. (b) Indireta: é aquela onde o povo governa por intermédio de representantes; daí ser ela conhecida como democracia representativa. A democracia representativa é o sistema comum de governo nos Estados modernos. (c) Semidireta: trata-se de uma aproximação da democracia direta, porque o povo, embora não se governando diretamente, tem o poder de intervir, às vezes, em certas decisões. Em geral, essa participação se dá pelainiciativa popular (quando determinado número de eleitores se manifesta pela necessidade de uma certa lei, o Parlamento fica juridicamente obrigado a discuti-la e votá-la), peloreferendum (consiste em que a lei, depois de elaborada, somente se torna obrigatória quando o corpo eleitoral, expressamente convocado, a aprova) e pelo veto popular (pressupõe uma lei já feita, e que é repudiada por certo número de cidadãos). 6. REGIMES GOVERNAMENTAIS Os regimes governamentais podem ser divididos em três ramos – regime presidencial, parlamentar e de assembleia – conforme a natureza e o grau das relações entre o Poder Executivo e o Legislativo. (a) Presidencialismo – Juridicamente, o presidencialismo se caracteriza, em primeiro lugar, por ser um regime de separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), harmônicos e independentes. Em segundo lugar, por conferir a chefia do Estado e do governo a um órgão unipessoal, a Presidência da República, uma vez que os chefes dos grandes departamentos da administração são meros auxiliares do Presidente, que os escolhe e demite quando bem entende. Exemplo: Brasil, EUA etc. (b) Parlamentarismo – Também é um regime de divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), mas o Executivo e Legislativo são interdependentes, pois o governo depende, para manter-se no poder, do apoio da maioria parlamentar. Em segundo lugar, o Executivo tem estrutura dualista. O rei, ou o Presidente da República, é o chefe de Estado, com funções de representação e de cerimoniais, enquanto o governo é exercido por um órgão coletivo, o conselho de ministros ou gabinete, à testa do qual está um chefe, o primeiro-ministro, verdadeiro chefe de governo. O Parlamento tem poderes de aprovar o Conselho ou Gabinete, ou de o desfazer se obtiver voto de desconfiança. Exemplo: Inglaterra, Itália, França etc. Características: (c) Governo de assembleia – Caracteriza-se pela inseparabilidade dos poderes, com exceção do Judiciário. Este é independente e especializado. Todavia, as decisões sobre a elaboração das leis e sua aplicação estão concentradas nas mãos do mesmo órgão, no caso, a Assembleia. O único exemplo conhecido é o da Suíça. Sumário: 1. Princípios fundamentais – 2. A organização governamental. A divisão dos Poderes – 3. O Poder Executivo: 3.1 Área federal; 3.2 Área estadual e Distrito Federal; 3.3 Área municipal – 4. O Poder Legislativo: 4.1 Área federal; 4.2 Área estadual e Distrito Federal; 4.3 Área municipal – 5. O Poder Judiciário: 5.1 Justiça Federal comum; 5.2 Justiça Federal especializada; 5.3 Justiça Estadual comum; 5.4 Justiça Estadual especializada – 6. Funções essenciais à Justiça: 6.1 O Ministério Público; 6.2 A Advocacia Pública; 6.3 A Advocacia; 6.4 A Defensoria Pública. 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS A estrutura do Estado brasileiro, segundo se vê do art. 1.º da Constituição Federal, está assentada nos seguintes princípios básicos: República, Federação e Estado Democrático de Direito. (a) O Brasil é uma República: o País é dirigido por um Presidente, eleito por período certo (4 anos), com possibilidade de apenas uma reeleição. O Poder é exercido por três órgãos distintos, com funções especificadas: o Legislativo, que é incumbido de fazer as leis; o Executivo, a quem cabe a administração do País; e o Judiciário, encarregado de aplicar as leis aos casos concretos. (b) O Brasil é uma Federação: sim, porque o governo é repartido em três esferas territoriais. Temos, assim, a União, que abrange todo o território nacional, os Estados-membros, que são circunscrições regionais e os Municípios, que constituem divisões dos Estados-Membros. Devemos considerar, ainda, oDistrito Federal, que é a capital da União, e que, como as demais entidades estatais, desfruta de autonomia em sentido amplo. A competência de cada uma dessas esferas de governo é fixada pela Constituição Federal, que atribuiu à União e aos Municípios competências expressas ou enumeradas, e aos Estados competências residuais ou remanescentes (v. arts. 21, 22, 23, 24, 25, § 1.º, e 30). Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios (v. art. 32, § 1.º). (c) O Brasil é um Estado Democrático de Direito: vale dizer, admite o pressuposto de que o poder emana do povo e em seu nome é exercido (CF, art. 1.º, parágrafo único), refletindo as propostas democráticas de exercício do poder, no regime democrático da representatividade popular, mediante a eletividade dos governantes, e, em alguns casos, através da participação direta.9 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3.º). Nas suas relações internacionais rege-se pelos seguintes princípios: (i) independência nacional; (ii) prevalência dos direitos humanos; (iii) autodeterminação dos povos; (iv) não intervenção; (v) igualdade entre os Estados; (vi) defesa da paz; (vii) solução pacífica dos conflitos; (viii) repúdio ao terrorismo e ao racismo; (ix) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; (x) concessão de asilo político (CF, art. 4.º). 2. A ORGANIZAÇÃO GOVERNAMENTAL. A DIVISÃO DOS PODERES A base da organização do governo está assentada na divisão dos Poderes, nos termos do estatuído no art. 2.º da Constituição Federal, verbis: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Os Poderes vêm a ser os órgãos que realizam as diversas funções atribuídas ao Estado, quais sejam, as funções legislativas, administrativas e jurisdicionais. Essa clássica tripartição dos Poderes surgiu com MONTESQUIEU, na sua famosa obra L’Esprit des Lois, em meados do século XVIII, que alcançou repercussão universal e passou a constituir um dos pontos básicos sustentados pelos pensadores daquele século. Nessa obra procurou-se demonstrar a necessidade de se separarem as várias atribuições do Estado, a fim de que pudessem ser melhormente cumpridas, já que não existe liberdade quando todas as funções do Estado estão enfeixadas nas mãos de uma só pessoa, que as pode exercer tiranicamente. Assim, aquele que faz as leis não deve ser encarregado de julgá-las, nem de executá-las; aquele que as executa não deve ser encarregado de fazê-las e nem de julgá-las; aquele que julga não deve ser encarregado de fazê-las e nem de executá-las. A fórmula ideal, portanto, é que as operações fundamentais do Estado sejam repartidas entre vários órgãos autônomos, vale dizer, que atuam dentro de suas esferas de atribuições. Apesar desse princípio constitucional, deve ser posto em destaque que há sempre uma pequena invasão de um Poder no outro. Isso ocorre, por exemplo, quando o Executivo elabora as chamadas leis delegadas (CF, art. 68), ou, em caso de relevância e urgência, adota medidas provisórias, com força de lei (CF, art. 62); ou quando o Legislativo susta atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (CF, art. 49, V); ou, na esfera do Judiciário, quando o chefe do Executivo concede indulto e comuta penas (CF, art. 84, XII). Como regra, não faz mal repetir, cada Poder é independente, não podendo subtrair funções atribuídas a outro. 3. O PODER EXECUTIVO O Poder Executivo é o órgão incumbido de executar as leis e administrar o País. 3.1 Área federal É exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Os Ministros são pessoas da confiança direta do Presidente, demissíveis a qualquer momento,e que têm por função executar a política por ele fixada no campo que lhe for confiado. Condições de elegibilidade: ser brasileiro, no pleno exercício dos direitos políticos, alistado, com domicílio eleitoral na circunscrição, filiado a um partido político e maior de 35 anos de idade (CF, art. 14, § 3.º). Eleição do Presidente da República: a eleição do Presidente da República se faz por sufrágio universal e voto direto e secreto, em todo o País, no primeiro domingo do mês de outubro, para a realização do primeiro turno, e o último domingo do mês de outubro, para a realização do segundo turno, no último ano do mandato presidencial. A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado. Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos. Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far- se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação. E se remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso (CF, art. 77). Mandato do Presidente da República: o mandato do Presidente da República é de quatro anos, com possibilidade de reeleição para o período imediato. Posse do Presidente: O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago (CF, art. 78). Impedimentos ou vacância do cargo: Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício do cargo o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores. O Presidente e o Vice- Presidente da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo (CF, arts. 80, 81 e 83). 3.2 Área estadual e Distrito Federal O Poder Executivo Estadual é exercido pelo Governador do Estado- membro, auxiliado pelos Secretários de Estado, para mandato de 4 anos. Para o Poder Executivo distrital valem as mesmas regras, havendo apenas distinção na nomenclatura: o Poder Executivo é exercido pelo Governador do Distrito Federal. A eleição do Governador se faz por sufrágio universal e voto direto e secreto. O Governador deve ter, no mínimo, 30 anos de idade e estar em pleno gozo dos direitos políticos. O Governador de Estado-membro toma posse perante a respectiva Assembleia Legislativa. O Governador do Distrito Federal toma posse perante a Câmara Legislativa, que é o órgão de representação do Poder Legislativo no Distrito Federal. O Governador é substituído, em caso de impedimento ou vacância, pelo Vice-Governador, e, na falta ou impedimento deste, sucessivamente pelo Presidente da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça. No Distrito Federal, o Vice-Governador é substituído pelo Presidente da Câmara Legislativa e este pelo Presidente do Tribunal de Justiça. Se a falta do Governador e do Vice-Governador ocorrer nos três primeiros anos do período governamental, far-se-á eleição de ambos para o restante do período. Se a falta ocorrer no último ano, o restante do período de governo será completado pelas autoridades retromencionadas. De acordo com o art. 28, § 1.º, da CF, “perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V”, que trata das regras para o afastamento do servidor público. 3.3 Área municipal O Poder Executivo Municipal é exercido pelo Prefeito Municipal, mediante pleito direto, para mandato de 4 anos. Deve o Prefeito ter, no mínimo, 21 anos de idade e se encontrar no gozo dos direitos políticos. O Prefeito toma posse perante a Câmara Municipal. É substituído, em caso de impedimento ou vacância, pelo Vice-Prefeito e, na falta ou impedimento deste, pelo Presidente da Câmara. 4. O PODER LEGISLATIVO O Poder Legislativo é o órgão incumbido de fazer as leis, pelas quais deve reger-se o País. 4.1 Área federal O Poder Legislativo é exercido, no âmbito federal, pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Adotou-se, portanto, no Brasil o sistema bicameral, visto que o Poder Legislativo se desdobrou em duas casas: Câmara dos Deputados e Senado Federal. A distinção entre elas está em que a Câmara dos Deputados representa o povo (daí ser proporcional à população de cada entidade estatal o número de seus representantes), enquanto o Senado Federalrepresenta os Estados- membros e o Distrito Federal (daí ser igual a representação deles, ou seja, 3 senadores para cada um). A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos dentre cidadãos maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos, por voto direto e secreto, em cada Estado e no Distrito Federal. O art. 45 da Constituição Federal faz menção ao sistema eleitoral proporcional, que consiste na distribuição de cadeiras na Câmara na mesma proporção das obtidas pelos partidos políticos. O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. Atenta a essa determinação, a LC 78, de 30.12.1993, fixou em 513 o número de deputados federais. São Paulo, o Estado mais populoso da Federação, conta com a representação máxima de 70 deputados. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos dentre cidadãos maiores de 35 anos e no exercício dos direitos políticos, por voto direto e secreto, segundo o princípio majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal elegerão 3 senadores, com mandato de 8 anos, renovando-se a representação de 4 em 4 anos, alternadamente, por um e dois terços. Câmara e Senado trabalham em estreita colaboração. O Projeto examinado por uma das Casas é revisto depois pela outra, e vice-versa. Em certas ocasiões dá-se a sessão conjunta do Congresso Nacional, reunindo ambas as Casas, como no caso previsto pelo art. 57, § 3.º, da Constituição Federal (inauguração de sessão legislativa, elaboração de regimento comum, conhecimento do veto e deliberação sobre ele etc.). Cada uma das Casas é dirigida por uma Mesa, composta de um Presidente e vários participantes. A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do Senado Federal, e os demais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantes de cargos equivalentes na Câmarados Deputados e no Senado Federal. 4.2 Área estadual e Distrito Federal Nesse âmbito, o Poder Legislativo é exercido pela Assembleia Legislativa, constituída de Deputados, eleitos dentre cidadãos maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos, por voto direto e secreto, para uma legislatura de 4 anos. No âmbito distrital o Poder Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, constituída por 24 deputados distritais, eleitos nas mesmas condições dos deputados que exercem o Poder Legislativo nos Estados-membros. 4.3 Área municipal O Poder Legislativo, aqui, é exercido por uma Câmara, constituída de Vereadores, eleitos dentre cidadãos maiores de 18 anos e no exercício dos direitos políticos, por voto direto e secreto, para uma legislatura de 4 anos. Ao contrário do que ocorre com os chefes do Poder Executivo, todos os representantes do Poder Legislativo podem ser reeleitos para períodos subsequentes. 5. O PODER JUDICIÁRIO “A sociedade é um caldeirão de conflitos. Cada pessoa é fonte geradora de opiniões e estas, obviamente, se chocam com posicionamentos de outros figurantes. É o inevitável. Esta realidade, contudo, precisa ser intermediada, pois, caso contrário, se instalaria o caos e este rompe a possibilidade da convivência social. Ora, a convivência social exige, por sua vez, que determinadas regras mereçam atendimento. Ou seja, o acatamento às leis, costumes e hábitos de determinada sociedade é elemento indispensável para um convívio social de razoável qualidade. Quando as leis, os costumes e os hábitos são agredidos por determinado parceiro, só resta à parte molestada três saídas. O desforço pessoal, de perfil primitivo, a aceitação da ofensa, como ato de abnegação moral ou então a busca do intermediário para resolver a situação criada pela lesão produzida. O intermediário qualificado para resolver conflitos, em uma sociedade organizada, é o Poder Judiciário. Uma democracia só se consolida e se mantém sólida quando o Judiciário, como instituição imparcial, é acionado e oferece soluções aos casos concretos levados a seu conhecimento pelas partes.”10 O Poder Judiciário é, assim, o órgão incumbido de aplicar o Direito, dirimindo litígios e controvérsias trazidos à sua apreciação. O ingresso na carreira da Magistratura se dá através de concurso público de provas e títulos, salvo na hipótese disciplinada no art. 94 da atual Constituição, que, ao tratar do chamado “quinto constitucional”, estabelece que “um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”. Objetivando impedir ingerência externa e assegurar o desempenho soberano da justiça, a Constituição estabelece certas garantias à Magistratura. Com efeito, são predicamentos inerentes a ela: (a) Vitaliciedade: garante ao juiz a permanência em seu cargo, ainda que suas decisões venham contrariar interesses dos outros Poderes de Estado. Adquirida a vitaliciedade, após 2 anos de exercício do cargo, o juiz só a perderá por sentença judicial transitada em julgado. (b) Inamovibilidade: garantia de permanência no cargo, salvo por motivo de interesse público e através de decisão fundada no voto de 2/3 do tribunal a que estiver vinculado. (c) Irredutibilidade de vencimentos: traço garantidor da independência do juiz na difícil missão de julgar, o que não o libera da sujeição aos impostos gerais, inclusive o de renda e extraordinário. Como consequência do princípio que norteia o sistema federativo, temos, no Brasil, duas esferas judiciárias: a Justiça Federal e a Justiça Estadual. Ambas, por sua vez, se subdividem em duas espécies: a Justiça Comum e a Justiça Especializada. Igualmente, ambas possuem órgãos de primeira instância (ou primeiro grau de jurisdição) e de segunda instância (ou segundo grau de jurisdição). A Justiça Federal somente aplica a lei de origem federal. A Justiça Estadual tanto aplica a lei federal quanto a estadual, cuja jurisdição, entretanto, se circunscreve ao território de cada Estado-membro. A Justiça Comum (Federal ou Estadual) tem competência para conhecer e julgar toda matéria que não houver sido reservada, em razão de sua natureza, à Justiça Especializada (Federal ou Estadual). O art. 92 da CF arrola os órgãos do Poder Judiciário: (i) o Supremo Tribunal Federal; (ii) o Conselho Nacional de Justiça; (iii) o Superior Tribunal de Justiça, (iv) os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; (v) os Tribunais e Juízes do Trabalho; (vi) os Tribunais e Juízes Eleitorais; (vii) os Tribunais e Juízes Militares; (viii) os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. 5.1 Justiça Federal comum (a) Supremo Tribunal Federal: é o órgão máximo do Poder Judiciário, com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional. Compõe-se de 11 Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Sua competência vem regulada no art. 102 da Constituição, sob tríplice aspecto: originária, em grau de recurso ordinário e em grau de recurso extraordinário. A sua principal missão, no entanto, consiste na guarda da Constituição. O art. 103-A da CF, incluído pela EC 45/2004, prevê que “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. As súmulas vinculantes instituídas por esse artigo foram regulamentadas pela Lei Federal 11.417/2006, que, dentre outros aspectos, disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Até o momento foram editadas 32 súmulas vinculantes. (b) Conselho Nacional de Justiça: corresponde ao denominado Controle Externo do Judiciário, incumbido do controle administrativo e financeiro e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-B da CF). É integrado por 15 membros, com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: I – o Presidente do Supremo Tribunal Federal; II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal; III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal; IV – um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; V – um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; VI – um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; VII – um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; VIII – um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; IX – um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; X – um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador- Geral da República; XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador- Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual; XII – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordemdos Advogados do Brasil; XIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. (c) Superior Tribunal de Justiça: ao enumerar os órgãos jurisdicionais, o legislador constituinte inovou a estrutura do Poder Judiciário em relação à anterior Constituição, extinguindo o Tribunal Federal de Recursos e criando o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais. O Superior Tribunal de Justiça tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional. Compõe-se de, no mínimo, 33 Ministros, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal. É dotado de competências privativas, enumeradas de forma exaustiva no art. 105 da Constituição Federal, algumas retiradas do Supremo Tribunal Federal e outras do extinto Tribunal Federal de Recursos. (d) Tribunais Regionais Federais: funcionam como instância recursal às decisões proferidas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, 7 juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de 30 e menos de 65 anos. (e) Juízes federais: funcionam como juízo de primeira instância da Justiça Federal comum. Têm por competência o processo e o julgamento das causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, além das demais matérias enunciadas no art. 109 da Constituição Federal. 5.2 Justiça Federal especializada (a) Justiça do Trabalho: é o primeiro dos ramos especializados da Justiça Federal, formado pelo Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Varas do Trabalho. Junto ao Tribunal Superior do Trabalho funciona o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao qual incumbe a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante.11 Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas (CF, art. 114). (b) Justiça Eleitoral: é outro dos ramos da Justiça Federal especializada, composta dos seguintes órgãos: Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Juízes Eleitorais e Juntas Eleitorais. A competência da Justiça Eleitoral gira em torno das eleições, que prepara, realiza e apura. Os pormenores sobre a organização e competência dos Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais serão objeto de disciplina por meio de lei complementar (CF, art. 121, caput). (c) Justiça Militar: é um foro especial, constituído para processar e julgar os crimes militares. A Lei 8.457, de 04.09.1982, organizou a Justiça Militar da União e regulamentou o funcionamento de seus serviços auxiliares. Seus órgãos decisórios são o Superior Tribunal Militar, os Tribunais e Juízes Militares. 5.3 Justiça Estadual comum Ao lado da Justiça Federal, reconheceu-se, como consequência da forma de Estado federativo, a Justiça Estadual, que julga as questões suscitadas dentro do Estado-membro. São órgãos da Justiça Estadual comum o Tribunal de Justiça, os Tribunais do Júri e os Juízes de Direito.12 São de sua competência todos os casos que, por força da Constituição Federal, não tiverem sido atribuídos a outros órgãos do Poder Judiciário, bem como aqueles que, porventura, a Constituição ou as leis estaduais não hajam deferido à Justiça Militar estadual. 5.4 Justiça Estadual especializada Como ramo especializado, na esfera estadual, a lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação dos praças. Conforme estabelecido nos §§ 4.º e 5.º do art. 125 da CF: “§ 4.º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. § 5.º. Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares”. 6. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA Como funções essenciais à justiça, arrolou o legislador constituinte o Ministério Público, a Advocacia Pública da União, a Advocacia e a Defensoria Pública. 6.1 O Ministério Público Trata-se de uma instituição que atua junto ao Poder Judiciário, para promover a execução das leis e velar pelo seu exato cumprimento. A Constituição Federal de 1988 deu ao Ministério Público plena autonomia em relação aos demais Poderes do Estado, editando constituir-se ele em “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput). Sua atuação verifica-se não só na área criminal, como na civil, onde representa e defende os interesses da sociedade. É o agente ativo da Justiça, no exercício de um mister que mais destaca sua característica de promotor dos interesses globais da sociedade. Portanto, é para a defesa da própria sociedade que nos casos criminais o Promotor de Justiça tem a função de acusar todos os que praticam crimes, já que todo crime é um atentado contra um dos valores fundamentais protegidos pela Lei. Não se imagine, contudo, que o Promotor de Justiça é obrigado a acusar mesmo contra o seu convencimento. Se ele entender, ao apurar os fatos, que a pessoa apontada como autor de um crime é inocente, pode e deve pedir a sua absolvição. E isto tanto num processo perante o Juiz de Direito como num julgamento perante o Tribunal do Júri. Nestes momentos em que se fala tanto da violência, como um dos fatores mais importantes na intranquilidade da vida moderna, relevante papel cabe ao Ministério Público nessa sua luta pela punição dos criminosos. Condenado o réu, o Ministério Público não o abandona à sua própria sorte. Tem ele o dever de fiscalizar as condições do ambiente carcerário e o exato cumprimento da pena imposta. Mas a defesa de valores protegidos pelas leis penais não esgota a atribuição do Ministério Público. Na área extrapenal, o representante do Ministério Público age também na proteção de valores igualmente importantes. Assim, é o Ministério Público quem defende o crédito – instituição importantíssima no nosso sistema econômico-financeiro – nos processos de falênciae recuperação judicial. Defende ainda a exata aplicação da Lei em todos os processos referentes ao casamento – sobre o qual se assenta a nossa organização social – desde a sua realização até os casos de nulidade, anulabilidade, separação e desfazimento através do divórcio. Não há processo envolvendo interesse de menor ou incapaz em que lá não esteja o Ministério Público, velando por eles, protegendo-os da ganância e cupidez dos maiores e capazes. O trabalhador – quer para reivindicar judicialmente seus direitos decorrentes de um contrato de trabalho, quer para haver o que lhe é devido por acidente do trabalho – tem no Ministério Público o seu advogado gratuito e dedicado. Com efeito, o Ministério Público do Trabalho atua na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis dos trabalhadores, pugnando pela erradicação do trabalho infantil e pela regularização do trabalho do adolescente, assim como o do indígena, combatendo o trabalho escravo e todas as formas de discriminação no trabalho, buscando sempre preservar a saúde e a segurança do trabalhador. As matérias jurídicas relevantíssimas discutidas nos mandados de segurança – que cabe para a proteção de direito líquido e certo violado pelo Poder Público –, nos habeas corpus – onde se discute o cerceamento da liberdade de locomoção – e nas ações populares – utilizadas pelos particulares contra o mau uso do dinheiro público, contra os atos lesivos à moralidade administrativa, ao meio ambiente, e ao patrimônio histórico e cultural –, recebem sempre o parecer do Ministério Público, que vela pela estrita observância da Lei. Recentes leis ampliaram, ainda mais, as funções do Ministério Público. Assim, ao prestar assistência judiciária aos necessitados, no atendimento ao público, que, rotineiramente, é feito no Fórum, o Promotor procura conciliar as partes, propondo um acordo. Se este for aceito, faz-se o “termo”, ou seja, o acordo vai para o papel e será assinado pelas partes e pelo Promotor, sem ônus algum. Este termo terá o valor de um título executivo extrajudicial, conforme consta do art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099, de 26.09.1995, e do inc. II do art. 585 do CPC. Isso quer dizer que se ele não for cumprido, a pessoa lesada poderá executá-lo judicialmente. Vale ressaltar que a assistência judiciária é, em regra, prestada pela Defensoria Pública, conforme disposto no art. 134 da CF. A atuação do Ministério Público, nesses casos, se dá por exceção, em hipóteses previstas em legislação específica. Como exemplo dessas hipóteses, vale citar: art. 68 do CPP (execução de sentença penal condenatória ou promoção de ação civil ex delicto em favor de vítima pobre); no art. 201, V, da Lei 8.069/1990 (promoção de ação civil pública para a proteção de interesses individuais relativos à infância e adolescência); e art. 74 da Lei 10.741/2003 (representação do idoso para proteção de direitos individuais indisponíveis). Além desse atendimento a casos individuais, cabe também ao Ministério Público, consoante expresso na Lei 7.347, de 24.07.1985, a propositura de ações em favor de um número indeterminado de pessoas, como aquelas tendentes à defesa do meio ambiente, dos interesses dos consumidores, do patrimônio histórico e cultural etc. Foi reconhecendo essa vocação do Ministério Público para a defesa do interesse público que a nova Constituição estabeleceu como funções institucionais suas: (i) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (ii) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; (iii) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (iv) promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição; (v) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; (vi) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; (vii) exercer o controle externo da atividade policial; (viii) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; (ix) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (CF, art. 129). Esse Ministério Público de que se fala, o Ministério Público brasileiro, não deve ser comparado com os modelos estrangeiros, não raro caracterizados como o acusador implacável ou vítima ingênua da astúcia de um advogado no Tribunal do Júri, divulgados pela televisão e pelo cinema. Nem deve ser confundido com a Magistratura, eis que são carreiras distintas: o Ministério Público congregando os Promotores de Justiça, aquela congregando os Juízes de Direito. Em todas as duas se ingressa mediante concurso público de títulos e provas, mas elas são autônomas. Quem ingressa no Ministério Público percorrerá todos os degraus dessa carreira e deverá se aposentar dentro dela, caso não seja levado a um dos Tribunais, cujo quinto dos cargos, por dispositivo constitucional, é preenchido por membros do Ministério Público e advogados.13 Todas as atribuições do Ministério Público acima recordadas, dentre inúmeras outras que exerce, dão-lhe legitimidade para representar a sociedade, velando sempre pelo exato cumprimento da Lei e defendendo os seus valores fundamentais.14 6.2 A Advocacia Pública A União é representada, judicial e extrajudicialmente, pela Advocacia Geral da União, à qual cabem, nos termos da LC 73, de 10.02.1993, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, art. 131). O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.15 No âmbito estadual e distrital, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.16 6.3 A Advocacia O texto constitucional de 1988, de forma inovadora, institucionalizou o exercício da advocacia como função essencial à administração da justiça, ao estabelecer, no art. 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.17 Como se disse alhures, o fato de ser indispensável na atuação descrita reforça a doutrina, que confere à função do advogado, enquanto atuando no processo, nítido caráter de múnus público, enfraquecendo a teoria de que a atividade por ele desempenhada é privada e liberal. Aliás, particularmente nos processos criminais, a presença do advogado é imprescindível, sob pena de não haver julgamento do réu, nomeando-se, na hipótese, um advogado dativo. Em verdade, essa condição confere o adequado realce à função desempenhada pelo profissional em causa. O artigo citado, além da indispensabilidade do advogado, prescreve, também, sua inviolabilidade por atos e manifestações na prática profissional. Tal prerrogativa é deveras salutar, pois confere independência e segurança à atuação do advogado, afastando eventuais receios e hesitações para o livre cumprimento de suas tarefase deveres. 6.4 A Defensoria Pública À Defensoria Pública, corporação preordenada e eleita pela Constituição Federal para a defesa integral e gratuita das multidões de necessitados (cf. arts. 5.º, LXXIV e 134, caput),18 foi conferido o status de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inc. LXXIV do art. 5.º da Constituição Federal” (art. 1.º da LC 80/1994, com redação determinada pela LC 132/2009). Como adverte José Augusto Garcia de Sousa, ilustre Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, “nunca foi irrelevante, à evidência, o papel da Defensoria Pública dentro do Estado brasileiro. Em um solo tão desigual, a instituição destinada a materializar a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (Constituição, art. 5º, LXXIV, c/c o art. 134, caput) deve ser considerada autêntica cláusula pétrea constitucional, eis que essencial à concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição, art. 3º). Em especial, a Defensoria serve à tutela dos direitos fundamentais, pois trabalha para quem mais carece – e se vê injustamente esbulhado – desses direitos. A Defensoria, enfim, existe para viabilizar, antes de mais nada, o importantíssimo direito de ter direitos, dando voz a quem possui uma cidadania apenas formal.”19 A par disso, e seguindo irrefreável tendência mundial da ampliação possível do acesso à justiça, principalmente em tema de conflitos transindividuais, a Lei 11.448/2007 incluiu a Defensoria Pública entre os atores coletivos do rol previsto no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Sumário: 1. Os direitos e deveres individuais e coletivos – 2. Os direitos sociais – 3. Nacionalidade e cidadania – 4. Os direitos políticos. 1. OS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Hodiernamente, todas as Constituições dos países livres consignam capí tulo especial aos direitos e garantias fundamentais, como condição essencial da manutenção da vida em sociedade. Trata-se, sem dúvida, de uma das maiores conquistas da civilização, em prol da valorização da pessoa humana. A atual Constituição brasileira, como as anteriores, ao elencar os direitos e garantias fundamentais, não pretendeu esgotar o seu rol nos 78 incisos do art. 5.º, pois admite existirem outros “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (§ 2.º). Os §§ 1.º e 3.º do art. 5.º da CF asseguram que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, assim como a equivalência à emenda constitucional dos tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos, desde que “aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”. Lembrando que as garantias são os meios que o ordenamento constitucional adota para a proteção dos direitos – a liberdade de locomoção, por exemplo, tem como garantia de proteção o habeas corpus -, vamos analisá-los, sucintamente, seguindo a ordem da Constituição: Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: • I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; A Constituição abre o capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos insculpindo o princípio da igualdade, entre homens e mulheres, consagrando preceito universal da proibição de toda e qualquer discriminação. A igualdade preconizada pela Constituição é a de natureza jurídica, denominada isonomia, que visa a conferir a todos os mesmos direitos, desde que se encontrem em situações idênticas. Não se trata, bem de ver, da igualdade real. • II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Cuida-se do princípio da legalidade, pedra de toque do Estado de Direito, que procura tutelar a liberdade de ação, de sorte que só por determinação legal alguém pode ser obrigado a agir de determinado modo ou deixar de fazer alguma coisa. O princípio da legalidade pode ser enxergado sob um duplo prisma, quer seja o mesmo encarado do aspecto de conduta do administrado, quer seja compreendido quanto à atuação da Administração. De fato, como diz CLÓVIS BEZNOS, “não se podendo exigir do administrado, ou impedir-lhe conduta, senão segundo a previsão legal, evidencia-se que o mesmo pode fazer tudo aquilo que não seja proibido. Está- se, pois, diante da regulação negativa disposta pelo ordenamento jurídico, via da qual se exige do administrado tão somente uma conduta lícita. Sob o aspecto da conduta da Administração, entretanto, o princípio da legalidade informa que a mesma somente pode agir quando a lei lhe deferir a conduta. Exige-se, pois, da Administração, uma conduta não somente lícita, mas também legal”.20 • III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Trata-se de uma inovação em nível da legislação constitucional, traduzindo o preceito fundamental da Declaração Universal dos Direitos do Homem quanto à dignidade da pessoa, proibindo expressamente práticas atentatórias à condição humana. O inciso XLIII enfatiza que a tortura será considerada crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Sobre a matéria, convém ter presente a Lei 9.455/1997, que define os crimes de tortura, o Dec. 40/1991, que ratifica Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes e o Dec. 678/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica. • IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; Assegura-se a liberdade de expressão do pensamento, seja pela palavra falada ou escrita, com a proibição do anonimato. A propósito, a Constituição, em seu art. 220, dispõe que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”, sendo “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (§ 2.º). Eventuais abusos no exercício da manifestação do pensamento são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores. • V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Cuida o legislador de garantir o direito de resposta, proporcional ao agravo, a todo aquele que se sentir injustamente agredido, sem prejuízo dos efeitos indenizatórios por danos materiais, morais e à imagem. Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, “o exercício do direito de resposta tem como pressuposto a divulgação, por qualquer meio de comunicação, de fato inverídico ou errôneo referido a alguém (…) Para o nascimento concreto do direito de resposta não se exige a culpa do emitente do pensamento. Basta sua existência objetiva. Consiste, pois, o direito de resposta na faculdade de ver divulgada, da mesma maneira, pronta e gratuitamente, a contestação ou a retificação de afirmativas inverídicas ou errôneas atribuídas ao seu titular por qualquer meio de divulgação do pensamento”.21 O texto constitucional se preocupou não só com os danos materiais, mas também com os morais, os quais, quando oriundosdo mesmo fato, podem ser cumulados (Súmula 37 do STJ). O direito à imagem, no dizer de KILDARE GONÇALVES CARVALHO, “envolve duas vertentes: a imagem-retrato e a imagem-atributo. No primeiro sentido significa o direito relativo à reprodução gráfica (retrato, desenho, fotografia, filmagem, dentre outros) da figura humana, podendo envolver até mesmo partes do corpo da pessoa, como a voz, a boca, o nariz, as pernas etc. No segundo sentido, é entendido com a imagem dentro de um determinado contexto, é dizer, o conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo meio social”.22 • VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Assegura-se a liberdade de consciência e de crença. Não só sob o prisma do foro íntimo, já que ninguém pode ser obrigado a pensar deste ou daquele modo, mas também nas suas manifestações, mediante a prática, por exemplo, dos cultos religiosos. Relega-se à lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias. • VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; Nos termos do dispositivo, não pode ser negada a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (asilos, orfanatos, presídios etc.). A propósito, a Lei 9.982/2000 dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares. Entende-se que esta assistência não poderá ser imposta sem anuência do interessado, sob pena de ferir-se o direito individual. Não é possível, também, a distinção entre as religiões, uma vez que há liberdade de crença. • VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; Em consonância com o regime jurídico-constitucional das liberdades do pensamento, assegura-se a liberdade de consciência (de crença e de opinião política ou filosófica). A liberdade de exteriorização do pensamento, porém, por envolver manifestação de ideias e de crença religiosa, política ou filosófica, submete-se ao poder de polícia do Estado, não podendo ser invocada com o objetivo de obter exoneração de obrigação legal a todos imposta. Nessa hipótese a lei poderá fixar uma prestação alternativa. Assim, por exemplo, aquele que se recusa à prestação do serviço militar por convicção religiosa pode ser obrigado ao trabalho de assistência social, conforme dispuser a lei ordinária. Cuidou do assunto a Lei 8.239/1991, que trata da prestação de serviço alternativo ao serviço militar obrigatório. • IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Consagra o inciso a liberdade de expressão da personalidade, proscrevendo-se a censura e a licença. Assegura-se, no caso, a liberdade de exteriorização da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, as quais são formas de difusão e manifestação do pensamento, “tomado esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos”.23 • X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Esse inciso, conforme adverte JOSÉ AFONSO DA SILVA, contempla um conjunto de direitos não referidos de forma expressa no caput do art. 5.º, embora se possa tê-los como direitos conexos ao da vida.24 Trata-se de novidade na ordem dos direitos individuais, tutelando o legislador a vida privada e a intimidade das pessoas, assim como a honra e a imagem. A violação desses valores tem como consectário o direito indenizatório pelo eventual dano material ou moral. Aplica-se, também aqui, o enunciado da Súmula 37 do STJ, segundo a qual “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. • XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; Como ensina PONTES DE MIRANDA, casa (ou domicílio) é a porção espacial, delimitada, autônoma, que alguém ocupa, só ou em companhia de outrem, com exclusão das outras pessoas. É onde se habita e onde se ocupa espaço, próprio, para uso pessoal, ou para negócios, oficina, escritório, e abrange o pátio, o quintal, as estrebarias, a garagem, os quartos de empregados etc.: o total da habitação ou do prédio ocupado para uso exclusivo dos ocupantes.25 A expressão “casa” compreende, portanto, qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva, ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Ninguém pode penetrar nela sem o consentimento do morador, salvo em caso de desastre ou quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Durante o dia as autoridades ou seus agentes, observadas as formalidades legais, poderão entrar em casa alheia para efetuar prisão ou outra diligência. As exceções para a penetração podem ter os mais variados fundamentos (medidas profiláticas, de polícia sanitária ou fiscal, de investigação criminal, de recenseamento etc.), e valem desde que constem de lei. A violação de domicílio constitui crime, nos termos do art. 150 do CP. • XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; A regra procura tornar intocável todos os meios de que dispõe a pessoa para corresponder-se e comunicar-se. O dispositivo inova em relação à anterior Constituição no que se refere a dados (âmbito da informatização) e excepciona as ligações telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual, mediante ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, nos termos da Lei 9.296, de 24.07.1996. Atento a tal regra, o Código Penal disciplinou, nos arts. 151 e 152, os crimes contra a inviolabilidade de correspondência, de comunicação telegráfica, radioelétrica e telefônica. • XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Proclama-se, aqui, a liberdade profissional, limitada, apenas, pelos requisitos que a lei comum entender necessários para aferição de capacidade. Absurdo, aliás, que se permitisse a prática de qualquer profissão, sem nenhuma limitação, quando, v.g., um leigo poderia exercer o mister de médico. Daí o grande número de atividades regulamentadas nos dias correntes, a representar fator de segurança e equilíbrio social. Constitui ilícito penal “qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”, punível com as penas de multa, detenção de 10 dias a 6 meses, perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3 (três) anos (art. 3.º, j, e 6.º, § 3.º, da Lei 4.898, de 09.12.1965). • XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; Outra significativa conquista da atual Constituição é a garantia do acesso de todos à informação. Os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade,de articular mais eficazmente desejos e ideias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente. Resguarda-se o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, conforme também consta dos Códigos Civil e Processual Civil, segundo os quais ninguém pode ser obrigado a depor de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo (arts. 229, I, e 406, II, respectivamente). Quem se encontra na condição de dever guardar segredo da fonte de onde emanou determinada informação estará, moral e juridicamente, na situação de respeitá-lo. É que, como salienta MOACYR AMARAL SANTOS, “o dever de não revelar o segredo se justifica como princípio de ordem pública, tendo em vista o interesse da sociedade, qual o da necessidade de os indivíduos depositarem confiança nos que os aconselham, os guiam, os servem em dados setores da vida social”.26 O dispositivo ora em exame se completa com as regras insertas no art. 5.º, XXXIII, regulamentado pela Lei 12.527/2011, e no art. 220 do texto constitucional, que conferem a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo e geral, sem qualquer restrição que não as estabelecidas na própria Lei Maior. • XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; Trata-se da liberdade de locomoção, que a todos se garante, em tempo de paz, respeitadas as condições estabelecidas em lei. A liberdade de locomoção constitui, no preciso dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA, “o cerne da liberdade da pessoa física no sistema jurídico, abolida que foi a escravidão”. No dispositivo, explicitam-se duas situações: “uma é a liberdade de locomoção no território nacional; a outra é a liberdade de a pessoa entrar no território nacional, nele permanecer e dele sair com seus bens. A liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz contém o direito de ir e vir (viajar e migrar) e de ficar e de permanecer, sem necessidade de autorização”.27 A Lei 7.685/1988, regulamentada pelo Dec. 96.998/1988, disciplinou o registro provisório para o estrangeiro em situação ilegal no território nacional. • XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; Mira-se, no caso, a liberdade de reunião, para um fim determinado. A reunião é livre desde que seus participantes estejam desarmados e não vise a frustrar outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local. A autoridade só intervirá em caso de desordem, para recomposição do equilíbrio rompido. Haverá, sempre, simples comunicação e nunca pedido de autorização. Como consequência da liberdade de reunião, garantiu-se também a liberdade de associação de toda natureza, sejam literárias, artísticas, científicas, recreativas etc., desde que seus fins sejam lícitos. A diferença entre a liberdade de reunião e a de associação é que esta tem caráter permanente e aquela transitório. Veda-se, apenas, a criação de associações de caráter paramilitar, ou seja, de corporações particulares de cidadãos, armados, fardados e adestrados, que não fazem parte das forças armadas ou da polícia do País. O direito de reunião e o direito de associação, até 1965, não encontravam proteção no âmbito do Direito Penal, porquanto nenhuma norma penal existia, até então, disciplinando o assunto. Como as violações desses dois direitos, em sua maioria, decorrem de ações emanadas da própria Administração Pública, porque regula os casos de “abuso de autoridade”, a Lei 4.898/1965 expressamente estendeu a tutela penal a esses direitos, dispondo em seu art. 3.º: “Art. 3.º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: (…) f) à liberdade de associação; (…) h) ao direito de reunião.” Tais violações são puníveis com as penas de multa, detenção de 10 dias a 6 meses, a perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3 (três) anos (art. 6.º, § 3.º, da lei referida). • XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; • XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; O texto constitucional, além de inscrever regra de vedação de interferência estatal em seu funcionamento em razão do princípio da liberdade individual, também incorpora regra civilista que proíbe a tutela do Estado às associações civis. Referiu-se o inciso à “forma da lei” em relação à criação de cooperativas, para indicar que elas se regem por normas diversas das civis ou comerciais que regulam a criação das associações em geral, pois, do contrário, as associações passariam a depender também de nova forma estabelecida na lei prevista no texto, e não mais da legislação.28 • XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; As associações que distorcerem suas finalidades poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial. A dissolução só se efetivará com decisão judicial transitada em julgado, ou seja, decisão definitiva, sem qualquer possibilidade de recurso. • XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; É defeso impor-se limitações preventivas à livre formação das associações e, consequentemente, como o princípio é a liberdade total do indivíduo, não se pode compeli-lo a associar-se ou a permanecer associado contra a sua vontade. • XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; Inovou, também, a Constituição, ao conferir às associações legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele, desde que expressamente autorizadas por seus estatutos.29 Essa legitimidade, é também reconhecida aos sindicatos, conforme se vê do art. 8.º, III, da CF: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. • XXII – é garantido o direito de propriedade; • XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; • XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; • XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; • XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; Consagra a Constituição o direito de propriedade, cujo uso deverá ser condicionado ao bem-estar social e ao cumprimento de sua função socioambiental. Dada a relevância de sua função social, prevê-se a possibilidade de desapropriação, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, pela sua perda. Em caso de perigo público iminente, em que o interesse coletivo exige que o Estado lance mão da propriedade particular, será assegurada ao proprietário indenização posterior, se houver danos. A inovação, aqui, ficou por conta do inc. XXVI, que instituiu a impenhorabilidade pró-labore da pequena propriedade familiar, visandoà fixação do pequeno proprietário à terra. É também uma forma não expressa de assegurar o princípio da função social da propriedade. Ao garantir a propriedade, propicia também a estabilidade e o fortalecimento da família mediante sua fixação em caráter definitivo à terra, concorrendo, assim, para a diminuição do êxodo rural. São hipóteses ensejadoras de desapropriação aquelas previstas nos arts. 182, § 2.º, 184 c/c 186, e 243, todos da CF. • XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; • XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; Consagra-se o direito do autor sobre a própria obra. Trata-se de um direito mais amplo que o outorgado aos autores de inventos industriais, por isso que vitalício, e transmissível por herança. Os herdeiros, porém, só desfrutarão o direito autoral pelo tempo fixado em lei, ou seja, durante 70 anos, contados de 1.º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, caindo no domínio público, em não havendo herdeiro, ou após o decurso desse prazo (cf. Lei 9.610/1998, arts. 41 e 45, I). O texto anotado – em confronto com a anterior Constituição – apresenta- se ampliado em relação à participação individual em obras coletivas e à reprodução da imagem e da voz humana, bem como no tocante ao direito da fiscalização quanto ao aproveitamento econômico da obra produzida, ou participada. • XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Os autores de inventos industriais terão o privilégio temporário de explorá- los. Nos termos do art. 40 do Código de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), o prazo de privilégio de utilização da patente de invenção é de 20 (vinte) anos e a do modelo de utilidade de 15 (quinze) anos, contados da data do depósito do pedido. Consagra-se, também, proteção à propriedade das marcas, do nome comercial e outros signos distintivos, com a inovação de que estarão voltados para o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. • XXX – é garantido o direito de herança; O direito das sucessões está diretamente ligado à organização social e às instituições políticas de cada Nação. Instituto dos mais polêmicos, a herança tem suscitado intensos debates: para alguns, gera desigualdade entre as pessoas, contrariando princípios de justiça e o interesse social; para outros, constitui verdadeiro estímulo ao trabalho e à economia, bem como à organização familiar. Na verdade, a herança é o corolário do direito de propriedade, que, sem ela, não se completaria, configurando-se, ainda, como meio de subsistência familiar. O direito das sucessões seria inapreensível se não tivesse por supedâneo a instituição da família. Fica assim o instituto das sucessões garantido constitucionalmente, cabendo à lei civil dar-lhe os parâmetros de aplicabilidade. O Código Civil brasileiro de 2002 tratou da matéria em seu Livro V da Parte Especial. • XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do “de cujus”; Visando a proteção dos brasileiros, consagra o inciso a aplicação da lei pátria para regular a sucessão de bens de estrangeiros. É preciso, porém, que o alienígena esteja vinculado a brasileiros, por relações jurídicas regidas pelo direito de família e sucessões. Só não prevalecerá a regra quando mais favorável for a lei pessoal do estrangeiro falecido, que, então, incidirá na hipótese. • XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; A promoção da defesa do consumidor, em boa hora, adquiriu status constitucional. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990) considera consumidor toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, ou a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, ligada às relações de consumo. • XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; A par do direito de petição aos Poderes Públicos, bem como do direito constitucional de haver certidões das repartições públicas, para defesa de direito e esclarecimento de situações (CF, art. 5.º, XXXIV, a e b), a Constituição introduz a novidade conferida aos cidadãos de receber dos órgãos públicos, de qualquer esfera, informações de interesse particular, coletivo ou geral, portanto de muito maior abrangência, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Atribui, assim, ao administrado amplo poder de acompanhar a atividade pública, conferindo-lhe maior transparência e facilitando a fiscalização, o que, além de ser atribuição específica do Legislativo e dos órgãos de contas, passa a contar com o auxílio popular. O referido dispositivo constitucional acrescenta que essas informações, sob pena de responsabilidade, deverão ser prestadas pela autoridade competente, no prazo que a lei ordinária vier a fixar. A Lei 12.527/2011 regula o acesso a informações previsto neste inciso. • XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; Cuida o referido dispositivo constitucional do asseguramento, a todo cidadão, do direito de petição ao Poder Público, bem como do de requerer certidões para defesa dos direitos individuais, no sentido de estrita proteção em face dos atos praticados pelos Poderes do Estado, que repercutem na esfera individual ou coletiva. As certidões devem ser expedidas no prazo de 15 dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor (cf. Lei 9.051/1995). • XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Trata-se de uma garantia que todos têm de ver seus direitos tutelados pelo Poder Judiciário, do qual nenhuma questão pode ser subtraída. Na Constituição anterior, garantia-se o acesso à Justiça apenas para a defesa de direitos individuais, o que não ocorre com a atual, que se refere a “lesão ou ameaça a direito”. Com isso, procurou-se garantir o acesso ao Judiciário também para apreciação das violações a interesses transindividuais, como são, por exemplo, os ligados à proteção do meio ambiente, do patrimônio histórico-cultural etc. Nem se omitiu, como anteriormente, de garantir a faculdade de pedir a tutela do Judiciário para a ameaça de lesão. Assim, com base no dispositivo enfocado, exclui-se a possibilidade de implantação de um contencioso exclusivamente administrativo, na medida em que nenhum litígio pode ser subtraído da apreciação judicial. • XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; Com essa regra assegura a Constituição o princípioda irretroatividade da lei. A lei nova, portanto, não pode atingir situações já consolidadas sob o império da lei antiga, resguardando-se o direito adquirido (faculdade já integrada no patrimônio do titular), o ato jurídico perfeito (situação jurídica definitivamente constituída) e a coisa julgada (decisão judicial de que já não caiba recurso). • XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; Estabelece o dispositivo a igualdade perante a justiça, não admitindo foros privilegiados ou tribunais de exceção. Todos têm que ser julgados segundo as mesmas regras de competência. Consagra-se, assim, o princípio do chamado juiz natural ou juiz competente, inscrito no inciso LIII (infra). Segundo ALEXANDRE DE MORAES, “as justiças especializadas no Brasil não podem ser consideradas justiças de exceção, pois são devidamente constituídas e organizadas pela própria Constituição Federal e demais leis de organização judiciária. Portanto, a proibição de existência de tribunais de exceção não abrange a justiça especializada, que é atribuição e divisão da atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos do Poder Judiciário”.30 • XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; O Tribunal do Júri é um órgão de primeira instância, ou primeiro grau, da Justiça estadual comum. Compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de 25 juízes de fato, ou jurados, que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada julgamento. Nos termos do texto constitucional, sua competência se restringe ao julgamento dos crimes dolosos (propositais) contra a vida (homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio e aborto). Assegura- se, ademais, a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. Assim, não pode o Tribunal de Justiça, em caso de recurso, reformar, quanto ao mérito, as decisões do Júri. Há, contudo, no art. 593, § 1.º, do CPP hipótese em que o tribunal poderá reformar a decisão proferida pelo Tribunal do Júri: “Se a sentença do juiz presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação”. O júri é uma instituição quase milenar, grandiosa e complexa, cujos defeitos e virtudes foram acaloradamente discutidos através dos tempos, sem que ninguém tenha chegado até agora a uma conclusão definitiva. O fato é que, boa ou má, a instituição perdura e sobrevive a todas as críticas, exercendo sempre um grande fascínio popular. Deve conter alguma qualidade de valor essencial. • XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; Trata-se do princípio da legalidade penal, consubstanciado na máxima nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, formulada por Anselm Feuerbach e previsto no art. 1.º do Código Penal. Destarte, não há crime sem que, antes de sua prática, haja uma lei descrevendo-o como fato punível. Por outro lado, a pena não pode ser aplicada sem lei anterior que a contenha. É lícita, pois, qualquer conduta que não se encontre definida em lei penal incriminadora. • XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Essa regra decorre do princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, sem o qual não haveria nem segurança nem liberdade na sociedade. Se não há crime sem lei anterior, claro é que não pode retroagir para alcançar condutas que, antes de sua vigência, eram fatos lícitos. O princípio da irretroatividade vigora, entretanto, somente em relação à lei mais severa, já que se admite a retroação da lei mais benigna. • XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; O dispositivo reforça o tratamento isonômico do Capítulo, repudiando discriminações odiosas e atentatórias às liberdades públicas, máxime com relação ao racismo ou preconceito de cor, religião, etnia ou procedência nacional. Pelo enunciado abrangente da cláusula constitucional, “entende-se que haverá discriminação toda vez que a norma contrariar o princípio da dignidade da pessoa humana, negando ao indivíduo a condição de humano, ou se fundando em preconceito que faz da pessoa humana ser inferior ou a exclua da sociedade”.31 A matéria foi regulamentada pelas Leis 7.716, de 05.01.1989 e 8.081, de 21.09.1990. • XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Eleva-se, a teor do estatuído no inciso anterior, à condição de crime inafiançável e imprescritível o racismo. Para dar vida ao dispositivo já se promulgou a Lei 7.716, de 05.01.1989, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. • XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; Trata-se de uma inovação em nível da legislação constitucional, traduzindo o preceito fundamental da Declaração Universal dos Direitos do Homem quanto à dignidade da pessoa, proibindo expressamente práticas atentatórias à condição humana. Segundo a Lei 8.072, de 25.07.1990, são considerados hediondos os crimes de homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2.º, I, II, III, IV e V), latrocínio (art. 157, § 3.º, in fine), extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2.º), extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput e §§ 1.º, 2.º e 3.º), estupro (art. 213, caput e §§ 1.º e 2.º), estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1.º, 2.º, 3.º e 4.º), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1.º), falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1.º, § 1.º-A e § 1.º-B, com a redação dada pela Lei 9.677, de 02.07.1998), todos do Código Penal (Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940), e de genocídio (arts. 1.º, 2.º e 3.º da Lei 2.889, de 01.10.1956), tentados ou consumados (art. 1.º). Pelo art. 2.º da Lei 8.072/1990, de 25.07.1990, os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II – fiança. Sobre o assunto, vale atentar para as disposições da Lei 9.455, de 07.04.1997, que define os crimes de tortura, bem como às da Lei 11.343, de 23.08.2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei Antidrogas). Por fim, vale mencionar a Lei 11.464/2007 que introduziu as seguintes alterações na Lei 8.072/1990: (i) pode ser concedida liberdade provisória ao acusado de crime hediondo; (ii) a pena não poderá mais ser cumprida em regime integralmente fechado, deverá haver progressão; (iii) a progressão se dará após o cumprimento de 2/5 da pena, para os primários, e 3/5, para os reincidentes; (iv) o juiz decidirá sobre a possibilidade do réu apelar em liberdade; (v) a prisão temporária terá prazo de 30 dias, prorrogáveis por igual período. • XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; Cuida-se de obstaculizar o crime organizado, de natureza civil ou militar, que atente contra a ordem institucional e o Estado Democrático, impedindo-se seja o mesmo alcançado pela prescrição ou beneficiado com afiança os responsáveis por sua execução. Em nível infraconstitucional, a matéria foi objeto de disciplina pela Lei 9.034, de 03.05.1995. • XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; A pena deve incidir unicamente sobre a pessoa do delinquente, não podendo, v.g., estender-se aos seus descendentes ou ascendentes. Continuam vigendo também a obrigatoriedade da reparação do dano pelo ilícito praticado e o perdimento de bens auferidos ilicitamente. Nessas hipóteses, de reparação civil, possibilita-se a propositura ou prosseguimento da ação ou execução contra os sucessores do autor do ilícito. A responsabilidade destes, porém, não ultrapassa o patrimônio adquirido com a sucessão. A lei ordinária deverá regular o dispositivo. • XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; A individualização é uma das chamadas garantias do caráter repressivo próprio de cada pena, constituindo postulado básico de justiça. Pode ser ela determinada no (i) plano legislativo, quando se estabelecem e se disciplinam as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas (individualização in abstracto); no (ii) plano judicial, no emprego do prudente arbítrio do juiz; e (iii) no momento executório, no período de cumprimento da pena. São dispositivos legais fundados na individualização os arts. 59 (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade), 61, I (reincidência), 67 e ss., do CP; art. 5.º e ss. da Lei de Execução Penal etc. Preveem-se espécies de penas admissíveis: privação de liberdade (por exemplo, reclusão, detenção, prisão simples); perda de bens, multa, prestação social alternativa (já existentes no Código Penal com o nome de prestação de serviços à comunidade); suspensão e interdição de direitos (também previstas no Código Penal: proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença, ou autorização do Poder Público). Não se impede a instituição ou execução de outras penas além das enumeradas, desde que, evidentemente, não ofendam os termos constitucionais. • XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; A pena de morte, proibida pela Constituição Federal de 1988, somente será possível na hipótese dos chamados crimes de guerra, sendo executada por fuzilamento, nos termos dos arts. 55, a, e 355 e ss., do Código Penal Militar. O Brasil, desde 25.09.1992, é parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o chamado “Pacto de San José da Costa Rica”, de 1969, obrigando-se ao não estabelecimento da pena de morte no País. Isso o sujeita, em caso de violação da obrigação, a responsabilidade internacional. Continuam vedadas, também, as penas de caráter perpétuo (sem termo fixado em lei), de trabalhos forçados, de banimento (que se traduz no exílio, degredo ou desterro) e cruéis (atentatórias à integridade física e moral do condenado). A prisão perpétua tem sua razão de ser, na medida em que contraria um dos princípios da pena, que é a ressocialização e reeducação do delinquente, para que possa voltar ao convívio social, estimulando-lhe ainda a revolta, pela ausência de perspectiva de oportunidade.32 O trabalho forçado, a seu turno, não é trabalho, pois que não reeduca, mas constitui ocupação vazia de significado laborativo, contrariando o disposto no art. 5.º, XIII, da Constituição, que assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.33 O dispositivo não impede, porém, as medidas de extradição, expulsão e deportação de estrangeiro conforme disponha a lei ordinária. • XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; De acordo com estudos referentes à execução da pena, conclui-se que não pode ser ela igual para todos os presos, justamente porque nem todos são iguais, mas tão diferentes e a tal ponto que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de cumprimento. Determina-se, assim, a existência de estabelecimentos penitenciários distintos, levando-se em conta a natureza do delito, bem como circunstâncias pessoais, como a idade e o sexo do apenado. • XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Mantém-se a proteção aos direitos humanos fundamentais do homem (vida, saúde, integridade corporal e dignidade humana): aqueles sem os quais os demais não existiriam. Estão proibidos, assim, os maus-tratos e castigos que, por sua crueldade ou conteúdo desumano, degradante, vexatório e humilhante, atentam contra a dignidade da pessoa, sua integridade física e moral, e contra sua vida. • L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; No interesse da família eleva-se à categoria de norma constitucional, em favor da criança, o direito da presidiária para permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. A execução da pena atinge, indiretamente, os filhos dos condenados e se torna indispensável que sejam eles assistidos, ao menos enquanto estiverem na idade de dependência estreita com a mãe presidiária, como na hipótese de amamentação. Atualmente, prevê-se, em penitenciária de mulheres, a existência de uma seção para gestantes e parturientes, além de creche para assistência ao menor desamparado cuja responsável esteja presa (LEP, art. 89). • LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; Extradição é o ato pelo qual se efetua a entrega, a um Estado estrangeiro, de pessoa acusada de crime, a fim de que esta seja processada e julgada perante seus tribunais. A extradição de brasileiro nato é totalmente vedada e fixa a Constituição um limite específico para os naturalizados, possibilitando-a em caso de crime comum e tráfico ilícito de drogas e entorpecentes. Esta parte final é uma inovação do texto constitucional. Embora exista uma cooperação entre os países no combate ao crime, as Constituições, no geral, repudiam a figura da extradição de criminoso ao país aonde ocorreu o delito. Na ordem jurídica internacional o direito e o dever da extradição só se efetivarão se houver um tratado internacional. Não existe uma obrigação internacional sem o tratado, uma vez que as leis dos Estados podem ser modificadas a qualquer tempo, unilateralmente. Regras infraconstitucionais sobre a matéria podem ser encontradas na Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), no Dec. 98.961/1990, que trata da expulsão de estrangeiro condenado por tráfico de entorpecentes, e na Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas). • LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; Texto redigido à semelhança do art. 153, § 19, da Carta de 1969, ficando claro que poderá ser deferida a extradição de estrangeiro desde que não seja motivada por crime político ou de opinião. A grande dificuldade para a aplicabilidade desta garantia é a caracterização dos crimes políticos, que normalmente não são definidos pelo Estado. Na doutrina, encontramos dois critérios de aplicação: (a) o objetivista – define crime político como sendo aquele perpetrado contra a ordem políticaestatal; o importante é que o bem jurídico atingido seja de natureza política; (b) o subjetivista – que considera crime político o que foi cometido com finalidade política. O crime de opinião é uma espécie de delito político e não pode subsistir em uma Constituição que inscreve o princípio da liberdade de pensamento e de expressão. • LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; Estatui o inciso, como forma de garantia do cidadão, o princípio do juiz natural. Esse princípio consiste na garantia de que determinado caso concreto seja apreciado pelo juiz competente, disciplinado pela própria Constituição ou pela lei. Exemplo: há uma regra legal dizendo que o juiz do local onde ocorre a consumação do crime é o competente para julgá-lo. Se o homicídio se consumou em Santos, o juiz de Santos é o juiz natural ou autoridade competente para julgar esse delito. O princípio do juiz natural se destina a impedir “que, após acontecido o caso concreto, seja editada uma lei atribuindo a apreciação desse caso a outro órgão jurisdicional diferente daquele que era seu juiz natural”.34 Juiz natural, ou juiz legal, ou juiz competente se contrapõe, assim, a juízo ou tribunal de exceçãoinstituídos para contingências particulares, consoante regra constitucional expressa (art. 5.º, XXXVII). • LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; A Declaração Universal dos Direitos do Homem garante que “todo homem acusado de um ato delituoso tem direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Assim, a privação da liberdade, em consequência de ilícito penal, assim como a privação de alguém de seus bens, em consequência de ilícito civil, somente serão legítimas quando precedidas de regular procedimento onde a defesa plena não seja comprometida. Se isto não ocorrer, os direitos de liberdade e propriedade estarão sendo atingidos sem o “devido processo legal”, o que torna írrita e contra o direito a ação do Estado. Dessa forma, o direito de pedir a intervenção do Judiciário em caso de lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5.º, XXXV), consiste em direito ao devido processo legal, com suas diversas implicações essenciais: a garantia do direito de ação de par com a garantia do direito de defesa; a adoção do contraditório processual, a equidistância do juiz no tocante aos interesses em conflito, como órgão estatal desinteressado, justo e imparcial. • LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Tanto no processo judicial quanto na instância administrativa assegura-se aos litigantes e aos acusados em geral o direito de produzir, o mais amplamente possível, a sua defesa, com os meios e recursos que lhe são peculiares, sob pena de nulidade do processo. Como consequência do princípio da ampla defesa, consagra-se o princípio do contraditório, ou seja, da audiência bilateral, expresso no brocardo romano auditur et altera pars. Com efeito, por ampla defesa “entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar- se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa feita pelo autor”.35 A Lei 9.784/1999 regulamentou a matéria referente ao processo administrativo no âmbito federal. O art. 2.º dessa Lei menciona como princípios da administração pública a ampla defesa e o contraditório, dentre outros, bem como garante, no inciso X do seu parágrafo único, que “nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio”. A Súmula Vinculante 3 do STF consagra os princípios da ampla defesa e do contraditório ao dispor que “nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. • LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; Consagra-se a inadmissibilidade da utilização de provas ilícitas, na esteira do sistema probatório do processo brasileiro, que admite apenas os meios idôneos relativamente à instrução processual. Prova ilícita, segundo o art. 157, caput, do CPP, com a redação determinada pela Lei 11.690/2008, vem a ser a obtida em violação a normas constitucionais ou legais. No ponto, segundo ensinamento do Min. Celso de Mello, “a cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado”.36 • LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; A norma constitucional consagra a presunção de inocência, assegurando o direito de ninguém ser considerado culpado, a não ser após transitar em julgado a sentença penal condenatória, como de resto já ocorre no sistema penal brasileiro. • LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; Trata-se de inovação que preserva a pessoa do constrangimento da identificação criminal datiloscópica, desde que já esteja identificada para os efeitos da vida civil, salvo hipóteses excepcionais a serem definidas pelo legislador ordinário. A Lei 9.034/1995 traz uma hipótese de identificação criminal obrigatória: “Art. 5.º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”. A Lei 12.037/2009, regulamentando o inciso em comento, estabeleceu que a identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos: (i) carteira de identidade; (ii) carteira de trabalho; (iii) carteira profissional; (iv) passaporte; (v) carteira de identificação funcional; (vi) outro documento público que permita a identificação do indiciado. • LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal; A Constituição encampou norma inserida no Código de Processo Penal, constante do art. 29, que dispõe: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”. Em adição, vale mencionar que a Lei 11.101/2005, ao dispor sobre a recuperaçãojudicial, a extrajudicial e a falência da sociedade empresária, estabelece em seu art. 184, caput, que os crimes nela previstos são de ação penal pública incondicionada, porém, decorrido o prazo do art. 187, § 1.º, da mesma Lei, “sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses”, conforme disposto no parágrafo único do citado art. 184. A admissibilidade da ação penal privada subsidiária da pública pressupõe, nos termos do inciso ora em exame, a inércia do Ministério Público em adotar, no prazo legal (CPP, art. 46), uma das seguintes providências: oferecer denúncia, requerer arquivamento do inquérito policial ou requisitar novas diligências. • LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; O sigilo processual somente será admitido quando a defesa da intimidade ou o interesse social assim o exigirem. Trata-se de disposição constitucional nova, que estabelece as exceções à publicidade dos atos processuais como regra geral. O Código de Processo Civil de 1973 já houvera tratado da matéria no que tange aos processos que correm em segredo de justiça, como, por exemplo, o processo de investigação de paternidade. • LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; Visando a resguardar a liberdade do indivíduo, a Constituição estatui que, em regra, ninguém poderá ser preso. Para que a prisão (preventiva ou temporária) venha a efetivar-se, deverá existir ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, ou, então, flagrante delito. Flagrante vem de flagrans,ardente, queimando, e significa, assim, a plena posse da evidência, o momento em que o crime é praticado ou os instantes que se lhe seguem com a perseguição do criminoso. Referindo-se especificamente à autoridade judiciária, o novo dispositivo impede a chamada prisão administrativa, determinada, por exemplo, por Ministro de Estado em caso de peculato. • LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; Havendo qualquer restrição à liberdade de locomoção, mediante prisão ou detenção, seja qual for a pessoa presa ou detida, o fato terá que ser, pela gravidade da violação àquela liberdade, comunicado ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada, sob pena de crime de abuso de autoridade. O juiz, se as restrições não forem legais, relaxará a prisão ou a detenção, devolvendo, pois, a liberdade ao indivíduo. Recentemente, a Lei 12.403/2011 alterou o art. 306 do CPP, determinando o encaminhamento, em até 24 horas após a realização da prisão, do auto de prisão em flagrante e à Defensoria Pública, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, com vistas a melhor salvaguarda dos direitos do indivíduo preso ou detido. • LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; A necessidade de ser o preso informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, o de ter a assistência da família e de advogado visam a garantir-lhe não só o controle jurisdicional como a possibilitar-lhe ampla defesa em matéria criminal, em especial na prisão provisória (flagrante, prisão preventiva etc.) e ainda na execução da pena. • LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; Como corolário do disposto no inciso LXI, dispõe-se a respeito da identificação dos responsáveis pela prisão ou interrogatório policial de qualquer pessoa. A prisão e autuação em flagrante, determinadas por autoridade competente (principalmente policial), e a prisão por mandado (de autoridade judiciária) podem constituir-se em abuso de poder. No interrogatório pode haver coação, também abusiva. Assim, permite-se ao preso ou àquele que for interrogado a possibilidade de defender seus interesses e providenciar a responsabilidade daqueles que cometerem abusos e arbitrariedades. A respeito destes já dispõe, principalmente, a Lei 4.898, de 09.12.1965 (Lei de Abuso de Autoridade). • LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; Como já se disse, qualquer cerceamento à liberdade de locomoção fica sob controle jurisdicional, devendo o juiz, comprovada a ilegalidade do ato, relaxar incontinenti a prisão. • LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; Manteve-se o instituto da fiança criminal, previsto na anterior Constituição (art. 153, § 12, segunda parte). Assegura-se, na conformidade da lei ordinária, que o preso em flagrante ou condenado por sentença recorrível possa aguardar em liberdade o julgamento definitivo do feito. Elevou-se ao nível constitucional a liberdade provisória sem fiança, já admitida, por exemplo, no Código de Processo Penal (arts. 309 e 310). • LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; Mantém-se como regra a proibição da prisão por dívida civil com apenas uma exceção (devedor de alimentos), conforme já se assinalava na EC 1, de 1969, art. 153, § 17. Ressalta-se, contudo, como se tem feito na doutrina e jurisprudência, que não poderá ser decretada a prisão civil, nessa hipótese, quando se tratar de inadimplemento involuntário ou escusável. Havendo, portanto, uma justa causa para o inadimplemento, não é possível a prisão civil. A prisão civil por alimentos definitivos não pode, por lei, exceder a sessenta dias (Lei 5.478/1968, art. 19), e a referente a alimentos provisionais varia de um a três meses (CPC, art. 733, § 1.º). • LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; É garantida ao cidadão a liberdade pessoal de ir e vir ou ficar, isto é, de locomover-se sem impedimentos além daqueles determinados em lei. Sem dúvida, a liberdade de locomoção é uma das mais importantes liberdades da pessoa. Protege-a, especificamente, a garantia constitucional do habeas corpus, que é o remédio a ser usado por quem esteja preso ou ameaçado de sê-lo, em razão de algum ato ilegal ou praticado com abuso de poder. Cabe, em regra, contra ato de autoridade, embora surjam, às vezes, decisões isoladas expedindo a ordem contra coatores particulares, como, por exemplo, no caso de uma paciente colocada em cárcere privado, em casa de tratamento de doenças nervosas (cf. RT 371/138). Apesar do nome latino, o habeas corpus é de origem inglesa, tendo surgido com a Magna Carta, em 1215. Significa “tenhas o corpo” ou “tomes o corpo”. A fórmula dos juízes ingleses dizia: “Tomes o corpo do detido e venhas submeter ao tribunal o homem e o caso”. O habeas corpus pode ser preventivo, quando o paciente estiver sob ameaça de violência ou coação ilegal, e liberativo, quando a violência ou coação ilegal já foi praticada. A ação de habeas corpus é gratuita (v. inciso LXXVII, infra). • LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; Como vimos, o habeas corpus protege direitos que tenham como pressuposto a liberdade de locomoção do indivíduo, ou seja, a liberdade pessoal corpórea. O habeas data, veremos, é o instrumento hábil a propiciar o conhecimento de informações e para a retificação de dados constantes de registros de entidades governamentais ou de caráter público. O mandado de segurança, por sua vez, completa essas garantias, amparando todos os demais direitos fundamentais do cidadão, contra atos ilegais das autoridades. É remédio específico contra a violação pela autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público de direito líquido e certo. O seu campo de ação é definido por exclusão: onde não cabe habeas corpus, nem habeas data, cabe mandado de segurança. Na lição de HELY LOPES MEIRELLES, direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração.37 Neste campo, a inovação mais relevante e de grande sentido prático parece ser o mandamus coletivo, do inciso LXX, impetrável por diversas pessoas que se encontram na mesma situação jurídica ensejadora da impetração. Confere-se, aqui, legitimidade aos partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados ou no Senado, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano – em defesa dos interesses de seus membros ou associados.38 Isto amplia sobremodo o instituto, tornando-o mais flexível no âmbito da defesa das comunidades, por via das organizações partidárias, das entidades sindicais e associações legalmente instituídas, abrindo, ainda, perspectivas de dinamização da Justiça e de desafogo das atividades forenses, normalmente congestionada por pedidos redundantes, versantes sobre o tema da proteção requerida. • LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; Embora já existente no direito comparado, cuidou o legislador constitucional de introduzir no sistema brasileiro um novo e importante instrumento de proteção aos superiores direitos e liberdades consagrados pela ordem constitucional. Ressalte-se, neste primeiro passo, a excelência deste remédio constitucional relativamente à preservação de direitos não amparados por mandado de segurança, na hipótese de ausência de norma regulamentadora que inviabilize, nos termos do dispositivo, o exercício pleno “dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. É medida destinada a pôr em prática direitos fundamentais retoricamente concedidos pelo legislador constitucional. Imagine-se, por exemplo, uma criança de 10 anos que pretenda ter acesso a alguma escola pública e que, por falta de vagas, o Estado se recuse a admiti- la. Como fica a situação diante dos termos do art. 208, § 1.º, da Constituição Federal, que reza ser o acesso ao ensino obrigatório e gratuito um direito público subjetivo? • LXXII – conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; Trata-se de uma das mais importantes inovações do legislador constitucional de 1988, no tocante à defesa dos direitos do cidadão quanto à divulgação de informações pessoais, de qualquer natureza, por entidades públicas ou privadas. Tais divulgações vêm-se constituindo, nos últimos anos, numa agressão à privacidade das pessoas, trazendo-lhes graves consequências, na maioria das vezes irreparáveis, pelos efeitos funestos e deletérios que se imprimem à personalidade e ao caráter do indivíduo, maculados por informações e assentamentos, em geral imprecisos, deformados e insidiosamente “plantados”, principalmente por autoridades de organismos policiais. Doravante, com o advento do habeas data, assegura-se o direito ao conhecimento de informações relativas à pessoa – constantes de registros ou de bancos de dados de entidades governamentais, ou de caráter público, bem como a retificação de dados, mediante formulação de pedido ao Judiciário. A Lei 9.507, de 12.11.1997, regulou o direito de acesso a informações e disciplinou o rito processual do habeas data. A ação de habeas data é gratuita (v. inc. LXXVII, infra). • LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; A ação popular é um remédio constitucional nascido da necessidade de se melhorar a defesa do interesse público e da moral administrativa. Inspira-se na intenção de fazer de todo cidadão um fiscal do bem comum. Consiste ela no poder de reclamar o cidadão um provimento judiciário – uma sentença – que declare nulos ou torne nulos atos do poder público lesivos ao patrimônio público, seja do patrimônio das entidades estatais, seja das entidades de que o Estado participe. Este importante instrumento de defesa dos interesses da coletividade vem com nova roupagem no texto comentado, ampliando consideravelmente o campo de sua incidência protetiva, alcançando, agora, e em nível constitucional, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural do povo brasileiro. Evidentemente, o referido dispositivo ampliado deverá sofrer meticuloso tratamento infraconstitucional, com sensíveis modificações na Lei 4.717/1965, que ainda rege o instituto, visando a adaptar a ação popular ao seu novo modelo constitucional. Registre-se, como importante incentivo, a isenção de custas judiciais e do ônus da sucumbência, ao autor da ação, a não ser nos casos de comprovada má-fé. O direito de propor ação popular é deferido apenas àquele que ostente a condição de cidadão, ou seja, aos eleitores, que participam dos destinos políticos da Nação. • LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; Trata-se de regra essencial, para que haja igualdade na distribuição da justiça. Em verdade, embora inexistam foros privilegiados e todos possam bater às portas do Judiciário na defesa de seus direitos (incisos XXXV e XXXVII), na prática, os desprovidos de recursos materiais estariam impedidos de gozar tais regalias se o Estado não lhes concedesse a assistência judiciária, consistente não só na isenção de custas como no patrocínio de advogado, por aquele indicado e custeado. Certamente o texto refere-se à assistência judiciária aos necessitados em razão de demandas judiciais. Sobre a matéria, vide LC 80/1994, com nova redação determinada pela LC 132/2009, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados. • LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença; Inovação do legislador constitucional é a obrigatoriedade de indenização ao condenado por errojudiciário ou pelo excesso do tempo de prisão fixado na sentença. De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, essa indenização tem sido determinada apenas na hipótese de dolo (má-fé) ou culpa da autoridade competente. O dispositivo, porém, é abrangente e será determinada a indenização quer no caso de erro judiciário, comprovado em juízo, quer quando o condenado ficar recolhido à prisão além do tempo fixado em sentença penal irrecorrível, presumindo-se, evidentemente, a culpa das autoridades responsáveis pelo excesso. • LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito; Aos necessitados, reconhecidamente pobres, a Constituição de 1988 assegura a gratuidade do registro civil (nascimento e óbito) na forma do art. 30 da Lei 6.015, de 31.12.1973, com a redação determinada pela Lei 9.534, de 10.12.1997. • LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. No afã de garantir o acesso ao Judiciário da forma mais ampla possível, cuidou-se de estabelecer a gratuidade das ações de habeas corpus, habeas data e de todos os atos necessários ao exercício da cidadania, como o mandado de injunção e a ação popular, por exemplo. Esse inciso foi regulamentado pela Lei 9.265, de 12.02.1996, considerando como necessários ao exercício da cidadania os atos: (i) que capacitam o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da Constituição Federal; (ii) aqueles referentes ao alistamento militar; (iii) os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública; (iv) as ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude; (v) quaisquer requerimentos ou petições que visem às garantias individuais e à defesa do interesse público; (vi) o registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. • LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Este inciso foi acrescentado pela EC 45/2004, e visa a garantir aos brasileiros e residentes no país o direito à razoável duração do processo, judicial ou administrativo. Razoável duração do processo, no dizer de NELSON e ROSA NERY, “é conceito legal indeterminado que deve ser preenchido pelo juiz, no caso concreto, quando a garantia for invocada (…) Cabe ao Poder Executivo dar os meios materiais e logísticos suficientes à administração pública e aos Poderes Legislativo e Judiciário, para que se consiga terminar o processo judicial e/ou administrativo em prazo razoável”.39 2. OS DIREITOS SOCIAIS Analisados, ainda que perfunctoriamente, os direitos e deveres individuais e coletivos, vejamos agora os chamados direitos sociais. Sendo a Constituição a norma jurídica fundamental que contém os valores considerados, pela Nação, aptos à realização dos seus fins primeiros, os direitos sociais devem ser nela incluídos, pelo significado de que se revestem na vida contemporânea. São os direitos ligados à atividade social do Estado, constituindo-se numa obrigação de fazer da parte deste último e, por esse motivo, tais direitos são também qualificados “positivos”, ao invés dos individuais, denominados “negativos”.40 No Brasil, os direitos sociais só foram proclamados com a Constituição de 1934. Na Carta emendada de 1969 apresentavam-se esparsos em diferentes contextos. Agora, foram eles ampliados e disciplinados em todo um capítulo que lhes empresta substância e sistematização. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CF, art. 6.º, com redação determinada pela Emenda Constitucional 64/2010), manifestando-se, dentre outros, por meio de: (a) regras concernentes à proteção do trabalho, estatuídas no art. 7.º (dentre outras: proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro-desemprego; fundo de garantia do tempo de serviço; salário mínimo nacionalmente unificado; décimo terceiro salário; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; participação nos lucros e na gestão da empresa; salário-família; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; repouso semanal remunerado; férias anuais remuneradas; aviso-prévio; licença à gestante; licença- paternidade; aposentadoria; proteção em face da automação; seguro contra acidentes do trabalho; proibição de discriminação ao trabalhador portador de deficiência; proteção ao trabalho da mulher e do menor etc.); (b) reconhecimento da associação profissional ou sindical (CF, art. 8.º); (c) garantia do direito de greve (CF, art. 9.º) nos termos estatuídos na Lei 7.783, de 28.06.1989; (d) participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (CF, art. 10); (e) eleição de representante dos empregados, nas empresas com mais de duzentos, para entendimento direto com os empregadores (CF, art. 11). 3. NACIONALIDADE E CIDADANIA Em face do Estado, todo indivíduo ou é nacional ou estrangeiro. Nacional é o sujeito natural do Estado. Ao conjunto de nacionais dá-se o nome de povo, sem o qual não pode haver Estado, pois que é um de seus elementos essenciais como já vimos. Estrangeiro, por exclusão, é o sujeito natural de outro Estado. Portanto, nacionalidade é o vínculo que liga o indivíduo a um Estado. É entendida sob dois aspectos: deorigem, baseada no lugar onde se nasce (jus soli), e secundária, decorrente dos laços de sangue (jus sanguinis). O Brasil adotou, como regra, o critério do jus soli, consoante se verifica do art. 12, I, a, da Constituição Federal, pois que considera brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país. Aceitou, entretanto, paralelamente, o critério do jus sanguinis, como se vê do mesmo art. 12, I, b e c. Forma secundária de aquisição da nacionalidade, por excelência, é a derivada da naturalização, situação em que se encontram todos aqueles que se enquadrarem nas hipóteses constantes do art. 12, II, a e b, da Constituição Federal. A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos na Constituição, como se vê do § 3.º do referido art. 12, que diz serem privativos de brasileiro nato os cargos: (i) de Presidente e Vice-Presidente da República; (ii) de Presidente da Câmara dos Deputados; (iii) de Presidente do Senado Federal; (iv) de Ministro do Supremo Tribunal Federal; (v) da carreira diplomática; (vi) de oficial das Forças Armadas; (vii) de Ministro de Estado da Defesa. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: (i) tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; (ii) adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (CF, art. 12, § 4.º, II, com redação determinada pela Emenda Constitucional de Revisão 3/1994). Não se confunde nacionalidade com cidadania. A cidadania é inerente apenas à parcela dos nacionais admitida a participar da formaçãodo governo. Trata-se, bem de ver, de um status ligado ao regime político. Assim, por exemplo, os menores, os loucos, os condenados durante os efeitos da condenação etc., apesar de nacionais, não são considerados cidadãos, pois não podem participar do processo político. 4. OS DIREITOS POLÍTICOS Reza a Constituição Federal, em seu art. 14, caput: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”. Com o dispositivo fortalece-se a democracia, na medida em que, através do sufrágio universal, do exercício do voto, do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, procura-se fundar a soberania popular. O sufrágio universal supõe que o direito de voto é atribuído a todos os cidadãos, ou seja, praticamente a todos os habitantes que preencham as condições de idade e de nacionalidade. É através do voto que o poder emana do povo, seja elegendo representantes, seja manifestando-se diretamente. A igualdade dos cidadãos, a garantia de que cada um, independentemente de sua situação social, disponha da mesma parcela de soberania, fica realçada pelo mandamento de que o voto terá igual valor para todos. Institui-se, também, os mecanismos da democracia direta, isto é, de emanação direta do poder popular a que se refere o art. 1.º, parágrafo único, da Constituição Federal, e que são: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Esses mecanismos foram regulamentados pela Lei 9.709, de 18.11.1988. O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os menores a partir de 16 anos. Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos, isto é, os recrutados. São condições de elegibilidade: (i) a nacionalidade brasileira; (ii) o pleno exercício dos direitos políticos; (iii) o alistamento eleitoral; (iv) o domicílio eleitoral na circunscrição; (v) a filiação partidária; (vi) a idade mínima de: a) 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice- Prefeito e juiz de paz; d) 18 anos para Vereador (art. 14, § 3.º, CF). O atual ordenamento constitucional proíbe a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (i) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; (ii) incapacidade civil absoluta; (iii) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; (iv) recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5.º, VIII, da CF; (v) improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.º, também da CF (art. 15). Sumário: 1. Definição – 2. Características do ato administrativo – 3. Os poderes administrativos – 4. O poder de polícia: 4.1 Jurisprudência – 5. As entidades estatais – 6. As entidades paraestatais – 7. Administração direta e indireta – 8. Serviços públicos – 9. Delegação de serviços públicos: a concessão, a permissão e a autorização: 9.1 Parceria público-privada – 10. Os contratos administrativos – 11. A licitação: 11.1 Espécies de licitação; 11.2 Critérios para a avaliação das propostas; 11.3 Sanções administrativas e criminais; 11.4 Efeitos da adjudicação – 12. Bens públicos – 13. Servidores públicos. 1. DEFINIÇÃO Direito Administrativo é o conjunto de normas que regem a Administração Pública. As normas de ordem pública, ao contrário das normas de direito privado, não podem ser afastadas nem por acordo dos interessados. O ato administrativo pode ser unilateral ou bilateral. O ato administrativo unilateral é a atividade da Administração Pública, que cria, modifica ou extingue direitos em relação aos administrados, aos seus servidores, ou a ela própria. O ato administrativo bilateral refere-se aos contratos realizados pela Administração, tendo por fim a satisfação de algum interesse público. 2. CARACTERÍSTICAS DO ATO ADMINISTRATIVO O ato administrativo possui várias características próprias, algumas referentes ao ato em si e outras à pessoa do administrador, conforme vemos a seguir. 3. OS PODERES ADMINISTRATIVOS Para que a Administração Pública possa funcionar e atingir os seus fins, atribui-lhe a lei poderes adequados. Tais poderes são vinculados, quando o modo de se praticar o ato já vem descrito na lei. E sãodiscricionários, quando o administrador tem certa liberdade de escolher a oportunidade ou a forma de se realizar o ato. Em geral, todos os atos administrativos são parcialmente vinculados e parcialmente discricionários. O que não se admite é o ato arbitrário, ou seja, o ato alheio à lei e ao interesse público, em que se percebe não a vontade da Administração, mas a vontade pessoal e exorbitante de um determinado agente. Entre os poderes da Administração está o chamado poder de polícia, que veremos em separado, no ponto seguinte. 4. O PODER DE POLÍCIA O poder de polícia consiste na faculdade de a Administração Pública coibir atos individuais que contrariem a lei e os interesses públicos. Como ensina THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, o poder de polícia “inclui todas as restrições impostas pelo poder público aos indivíduos, em benefício do interesse coletivo, saúde, ordem pública, segurança, e, ainda mais, os interesses econômicos e sociais”.41 O poder de polícia deve ser exercido com cautela, para que não sejam feridos direitos individuais assegurados pela Constituição Federal. “As condições de validade do ato de polícia são as mesmas do ato administrativo comum, ou seja, a competência, a finalidade e a forma, acrescidas da proporcionalidade da sanção e da legalidade dos meios empregados pela Administração”.42 Se o ato da autoridade extravasa os limites da lei, pode o prejudicado recorrer ao Poder Judiciário, apelando especialmente para os remédios constitucionais do habeas corpus ou do “mandado de segurança”. “Polícia”, bem como “política”, derivam de polis (cidade), significando “administração da cidade”. Divide-se em polícia judiciária e polícia administrativa. 4.1 Jurisprudência Caso 1 – Poder de polícia. Estabelecimento comercial Drive- in. Fechamento por ordem de autoridade municipal, sob a alegação de desvirtuamento das respectivas finalidades. Inexistência, contudo, de prova nesse sentido, ao menos da instauração de sindicância. Ato ilegal. Segurança concedida (RT 445/186). Caso 2 – Poder de polícia. Cartazes, faixas e painéis. Colocação proibida por prefeito municipal. Proteção de belezas naturais. Ato legal. Segurança denegada (RT 426/109). Caso 3 – Estabelecimento industrial em zona residencial. Intimação para fechar. Ato legal. Inexistência de violação de direito líquido e certo. Segurança cassada (RT 426/103). Caso 4 – Toldos sobre passeios. Colocação com infração de lei municipal. Autuação do fabricante. Segurança concedida (RT 407/185). Caso 5 – Fábrica. Ruídos. Poluição. Licença cassada. Ilegalidade. Falta de notificação para eliminá-los. Segurança concedida (RT 456/1999). Caso 6 – Lonas de pneumático e aparas de borracha utilizadas por indústria como combustível. Poluição do ar. Apreensão por autoridade sanitária. Segurança impetrada. Denegação (RT 394/176). Caso 7 – Autoridade policial que ameaça instaurar inquérito contra o paciente, se não se mudar da cidade. Inadmissibilidade. Excesso do poder de polícia. Concessão de habeas corpus (RT 363/64). 5. AS ENTIDADES ESTATAIS As entidades estatais são a União, os Estados e os Municípios com as suas diversas e variadas repartiçõesadministrativas, bem como as suas autarquias. As autarquias são entes públicos autônomos, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, detentoras de uma parcela do poder estatal, destacadas da administração direta, com a finalidade de descentralizar os serviços públicos. Exemplo de autarquia: INSS. As autarquias gozam dos mesmos privilégios que a entidade estatal que as criou. 6. AS ENTIDADES PARAESTATAIS Também com a finalidade de descentralização dos serviços públicos, existem entidades, como as abaixo indicadas, que assumem forma civil, embora sejam públicas na essência. Empresas Públicas – são pessoas jurídicas de direito privado, mas com capital inteiramente público, como o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos etc. Sociedades de Economia Mista – são pessoas jurídicas de direito privado, formadas com capital público e particular, com predominância de direção estatal. Regem-se pelas regras das sociedades comerciais, mas não estão sujeitas à falência. Exemplo: Petrobras. Fundações Públicas – constituem uma universalidade de bens, com personalidade jurídica própria, destacada do patrimônio da entidade estatal instituidora, com finalidades predeterminadas, administrada por curadores nomeados na forma do estatuto. Exemplos: Fundação Nacional do Índio, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística etc.43 Entes de colaboração – são organizações que auxiliam o Estado, mas não se enquadram na administração direta, nem na indireta. Exemplo são os serviços sociais autônomos, como o SENAI ou o SESI. 7. ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA A Administração Pública é denominada direta quando exercida pelos próprios órgãos estatais. E é denominada indireta quando exercida através das autarquias ou das entidades paraestatais. 8. SERVIÇOS PÚBLICOS Como ensina MÁRIO MASAGÃO, serviço público administrativo é toda atividade que o Estado exerce para cumprir seus fins, exceto a judiciária.44 Varia bastante, porém, o conceito dos fins do Estado, e de quais seriam os serviços que o mesmo deveria assumir, dependendo da filosofia política de cada época e das características de cada país. De qualquer forma, todos concordam que o serviço público deve ser geral, uniforme, regular e contínuo, e que deve tutelar o direito e o bem-estar geral. 9. DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: A CONCESSÃO, A PERMISSÃO E A AUTORIZAÇÃO O Poder Público pode delegar a particulares a execução de tarefas de interesse público, através da concessão, da permissão ou da autorização. Concessão – A concessão pode ser de serviços, de obras ou de uso de bem público. Na concessão de serviços o particular firma um contrato com a Administração Pública, obrigando-se a fazer funcionar certo serviço público, como uma balsa, por exemplo, por sua própria conta e risco, mediante a percepção de uma tarifa, paga pelos usuários. Na concessão de obra pública o particular se compromete a construir uma determinada obra, como uma estrada ou uma ponte, explorando-a por certo tempo, e devolvendo-a depois sem ônus à Administração. Na concessão de uso de bem público o particular fica com o direito de se instalar em determinado bem da Administração, como um box do mercado, explorando ali uma atividade lucrativa. A concessão é um contrato administrativo bilateral, oneroso, comutativo, sucessivo, formal, principal, e consensual. O contrato de concessão pode ser alterado ou extinto unilateralmente pelo Poder Público concedente, a qualquer momento, garantida porém a indenização ao concessionário pelos danos emergentes e lucros cessantes que tiver. Entre os favores concedidos ao concessionário podem estar o privilégio de exclusividade, isenções fiscais, utilização de bens públicos, faculdade de promover desapropriações etc. Permissão – Através da permissão o Poder Público delega a um particular, a título precário, a execução de determinado serviço, por sua própria conta e risco, mediante a percepção de uma tarifa, paga pelo usuário. Dá-se por ato unilateral e discricionário do Poder Público, por meio de contrato de adesão (Lei 8.987/1995, art. 40). Salvo estipulação em contrário, a permissão não implica em exclusividade e pode ser revogada a qualquer momento. Tem aplicação em vários serviços públicos transitórios ou permanentes. No transporte coletivo, por exemplo, as Administrações têm preferido a permissão ao invés da concessão. Autorização – A autorização é um instituto semelhante à permissão, caracterizando-se porém em ser ainda mais precária do que esta, e por ter uma regulamentação menos rígida. Entre os serviços autorizados, contam-se os serviços de táxi, de guarda particular etc. 9.1 Parceria público-privada A parceria público-privada, criada pela Lei 11.079/2004, é uma modalidade especial de concessão de serviços públicos. O contrato depende de concorrência pública, consulta pública e criação de uma sociedade chamada “sociedade de propósito específico”, formada especialmente para gerir o objeto da parceria. O parceiro privado pode cobrar tarifa dos usuários e receber subsídio do parceiro público (concessão patrocinada). Ou ser pago integralmente pelo parceiro público (concessão administrativa). 10. OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Contrato é a convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. A validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei. O contrato administrativo caracteriza-se pela participação do Poder Público, como parte predominante, e pela finalidade de atender a interesses públicos. Tem ainda o contrato administrativo as seguintes características especiais: Intransferibilidade – em regra, o particular não pode ceder seus direitos contratuais, e o cumprimento das obrigações assumidas perante a Administração não pode ser delegado a outrem. Alterabilidade – a qualquer tempo, pode a Administração alterar o contrato, cabendo porém indenização. Revogabilidade – a qualquer tempo, pode a Administração revogar o contrato, cabendo porém indenização. Prorrogabilidade – pode a Administração, no interesse público, prorrogar um contrato, sem nova concorrência pública, mediante termo aditivo.45 Execução inafastável – o particular não pode interromper a obra ou o serviço contratado, sob a alegação de que o Poder Público não está cumprindo a sua parte; cabe-lhe continuar o trabalho, podendo porém obter a indenização dos prejuízos e a rescisão do contrato.46 Publicidade – salvo determinação expressa em contrário, a validade do contrato administrativo, exige a sua publicação no órgão oficial. Licitação prévia – em regra, o contrato administrativo é obrigatoriamente precedido de licitação, sob pena de nulidade. Podem ser objeto do contrato administrativo a execução de serviços e de obras, bem como o fornecimento de coisas e a concessão de serviços, de obras e de uso. 11. A LICITAÇÃO A licitação corresponde a um procedimento prévio de escolha do contratante pela Administração, sendo obrigatória para todas as entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público. As licitações regulam- se pela Lei 8.666, de 21.06.1993. A licitação é dispensável em certos casos, como na ocorrência de guerra ou grave perturbação da ordem. E é inexigível quando não houver possibilidade de competição, como na contratação de artista consagrado ou de serviço técnico especializado. O procedimento da licitação é sempre público, proibidos quaisquer critérios sigilosos, secretos ou subjetivos. O objeto da licitação será adjudicado ao apresentador da melhor proposta, dentro dos critérios fixados.Após o julgamento de eventuais recursos, a adjudicação feita pela Comissão de Licitação será homologada pela autoridade administrativa superior, tornando-se então definitiva. 11.1 Espécies de licitação Licitação é o termo genérico, que engloba a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso, o leilão e o pregão. É proibida a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação destas. A concorrência é usada para contratos de vulto, de acordo com os valores estabelecidos na lei, corrigidos periodicamente. A tomada de preços é usada para contratos de valor médio, com a participação de interessados já cadastrados. Convite é a licitação adequada para valores mais reduzidos, estabelecidos na lei e corrigidos periodicamente, com a participação de três interessados, no mínimo, escolhidos pela unidade administrativa. Nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência. Concurso é a licitação adequada para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores. O leilão é usado na venda de bens móveis inservíveis ou de produtos apreendidos, por lance igual ou superior ao da avaliação. O pregão é um sistema misto, com o recebimento prévio de propostas, seguido de um leilão restrito aos que oferecerem as melhores propostas (Lei 10.520/2002). 11.2 Critérios para a avaliação das propostas Em regra, o critério para a avaliação da melhor proposta é o do menor preço. Mas no caso de serviço predominantemente intelectual podem ser usados os critérios de “melhor técnica” ou de “técnica e preço”. Havendo empate, faz-se o desempate por sorteio (Lei 8.666/1993, art. 45, § 2.º). 11.3 Sanções administrativas e criminais Na área administrativa, havendo atraso no cumprimento, ou descumprimento do contrato, pode ser imposta multa, advertência, suspensão temporária de participação em licitações, ou declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração. Na área criminal, a lei estabeleceu várias figuras penais, como, por exemplo, fraudar a licitação, dispensar a licitação fora das hipóteses previstas na lei, impedir ou perturbar qualquer ato de licitação, devassar o sigilo de proposta, contratar com empresa declarada inidônea etc. As penas variam, conforme o caso, de 6 meses a 6 anos de detenção, e multa. 11.4 Efeitos da adjudicação Como vimos, a adjudicação atribui a obra ou o serviço ao vencedor da licitação. A adjudicação homologada confere ao vencedor o direito ao contrato, com preferência sobre qualquer terceiro. Mas o momento e a oportunidade da assinatura do contrato fica ainda na dependência da vontade discricionária da Administração. Havendo motivo justo e fundamentado, de interesse público, pode o contrato não se concretizar. A licitação pode ser revogada a qualquer tempo pela Administração, se surgir motivo ponderável, de interesse público, que passe a desaconselhar a realização da obra ou do serviço. Se houver irregularidade ou ilegalidade no decorrer da licitação, o caso não será de revogação, mas de anulação, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. 12. BENS PÚBLICOS Bens públicos de uso comum são os que estão fora do comércio e podem ser utilizados por todos, como os mares, os rios, as estradas, as ruas e as praças, tendo o Poder Público a administração dos mesmos. Bens públicos dominicais são os de propriedade da União, dos Estados ou dos Municípios que não possuem destinação pública e podem ser alienados. Bens públicos de uso especial são também de propriedade da União, dos Estados ou dos Municípios, mas com uma destinação específica, como os prédios onde funcionam as repartições públicas. Enquanto perdurar esta destinação especial, são absolutamente inalienáveis. Os bens públicos são impenhoráveis e não estão sujeitos ao usucapião (CF, arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único; STF, Súmula 340; CPC, art. 649, I). 13. SERVIDORES PÚBLICOS Regime jurídico. O regime jurídico é o estatutário para os servidores públicos e o celetista para os chamados empregados públicos, ambas as classes só admitidas, em regra, mediante concurso. Remuneração. Os servidores públicos recebem vencimentos, formados pelo vencimento padrão, mais vantagens, como adicionais e gratificação. Os membros de Poder, porém, recebem subsídio, fixado em parcela única (CF, art. 39, § 4.º). Estabilidade. A estabilidade é adquirida pelo servidor concursado, após três anos no exercício de cargo efetivo e aprovação em avaliação de desempenho. O estável só pode ser demitido mediante processo administrativo, com ampla defesa, sentença judicial transitada em julgado, ou desempenho insuficiente, demonstrado em avaliação periódica. Pode também ser exonerado em consequência de excesso de despesa com pessoal, de acordo com critérios a serem fixados em lei complementar (CF, arts. 41 e 169). A demissão tem caráter de penalidade. A exoneração, ao contrário, é uma dispensa sem nenhuma conotação de penalidade. Vitaliciedade. Na vitaliciedade a demissão só pode dar-se em virtude de sentença judicial transitada em julgado. São vitalícios os juízes de direito e membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. O prazo para a aquisição da vitaliciedade é de dois anos. Acumulação de cargos. Em princípio, não cabe acumulação de cargos no serviço público, salvo algumas exceções, previstas no art. 37, XVI, da CF, como a acumulação de dois cargos de professor. Penalidades. Entre as penalidades estão a advertência, a suspensão por até 90 dias, a demissão (nos casos graves) e a cassação de aposentadoria (por falta cometida quando ainda na ativa). Seção III Sumário: 1., O fato típico: 1.1 Conceito de crime; 1.2 O fato típico; 1.3 O tipo; 1.4 A tipicidade; 1.5 A conduta; 1.6 Formas de conduta. Ação e omissão; 1.7 O dolo; 1.7.1 Espécies de dolo; 1.8 A culpa; 1.8.1 Espécies de culpa; 1.9 O preterdolo; 1.10 A teoria tradicional ou causalista da ação; 1.11 A teoria finalista da ação; 1.12 O resultado; 1.13 A relação de causalidade; 1.14 Crimes materiais, formais e de mera conduta; 1.15 Erro de tipo – 2. A antijuridicidade: 2.1 Conceito de antijuridicidade; 2.2 Causas justificativas ou de exclusão da antijuridicidade; 2.3 O estado de necessidade; 2.4 A legítima defesa; 2.5 O estrito cumprimento de dever legal; 2.6 Exercício regular de direito – 3. A culpabilidade: 3.1 Conceito e elementos da culpabilidade; 3.2 A imputabilidade; 3.3 A consciência potencial da ilicitude; 3.4 A exigibilidade de conduta diversa; 3.5 A emoção, a paixão e a embriaguez; 3.6 Erro de proibição (ou sobre a ilicitude do fato); 3.7 Diferença entre erro de tipo e erro de proibição – 4. Crimes ou delitos. Contravenções – 5. Autoria e participação – 6. A tentativa – 7. O crime impossível – 8. Concurso de crimes: 8.1 Concurso material de crimes; 8.2 Concurso formal de crimes; 8.3 Crime continuado – 9. Reincidência – 10. As penas – 11. Sistemática da substituição das penas privativas de liberdade – 12. Regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade – 13. Medidas de segurança – 14. O sursis – Suspensão condicional da pena – 15. O livramento condicional – 16. Ação penal: 16.1 Extinção da punibilidade – 17. Prescrição – 18. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. 1. O FATO TÍPICO 1.1 Conceito de crime A doutrina define o crime como sendo o “fato típico e antijurídico” (DAMÁSIO DE JESUS, MIRABETE). Considera-se fato típico o que corresponde à descrição do crime, feita pela lei. Considera-se antijurídico o fato que, além de típico, não tem a seu favor nenhuma justificativa como a legítima defesa ou o estado de necessidade.47 O fato, portanto, àsvezes é típico, ou seja, corresponde a uma descrição penal, como, por exemplo, o fato de matar alguém, mas, ainda assim, não é crime, por estar autorizado ou justificado pela legítima defesa ou outra excludente legal. Crime é o fato típico e antijurídico 1.2 O fato típico O fato típico compõe-se de vários elementos, desdobrando-se em tipicidade, conduta, resultado e relação de causalidade. 1.3 O tipo Denomina-se tipo a descrição do fato criminoso feita pela lei. O tipo é um esquema, ou uma fórmula, que serve de modelo para avaliar se determinada conduta está incriminada ou não. O que não se ajusta ao tipo não é crime. O direito penal não aceita o ajuste por mera analogia ou semelhança. Cada um dos artigos incriminadores do Código Penal é um tipo. O tipo básico do crime de homicídio está assim redigido: “Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”. E o tipo do crime de quadrilha ou bando vem assim moldado: “Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”. 1.4 A tipicidade A tipicidade consiste no ajuste perfeito do fato ao tipo, ou seja, na exata correspondência do fato praticado com a descrição legal existente. Quando não há tipicidade não há crime. No crime de quadrilha ou bando, acima citado, por exemplo, não haverá tipicidade se a associação reunir apenas duas ou três pessoas, vez que o tipo exige um mínimo de quatro (mais de três). Assim também se a finalidade se voltar apenas para a prática de contravenções ou irregularidades administrativas, pois o tipo exige a deliberação específica de cometer crimes. 1.5 A conduta A conduta ou ação é o comportamento humano, avaliado pelo direito. É necessário que a ação seja voluntária e consciente, não se considerando ação o ato meramente reflexo ou inconsciente. 1.6 Formas de conduta. Ação e omissão As infrações penais podem ser praticadas por ação (crimes comissivos) ou por omissão (crimes omissivos). Os crimes comissivos consistem num fazer, numa ação positiva. Os crimes omissivosconsistem na abstenção da ação devida (não fazer o que a lei mandava que fosse feito), como no crime de omissão de socorro. Há também a classe dos crimes comissivos por omissão. Estes só podem ser praticados por certas pessoas, chamadas “garantes”, que por lei têm o dever de impedir o resultado, e a obrigação de proteção e vigilância, como parentes próximos entre si, ou o guia de uma caravana de alpinistas.48 Exemplo clássico de crime comissivo por omissão é o da mãe que deixa de alimentar seu bebê, causando-lhe a morte. Característica dos crimes comissivos por omissão é a de terem a descrição, ou o tipo, de crimes de ação, sendo perpetrados, porém, excepcionalmente, através de uma omissão. 1.7 O dolo O dolo consiste no propósito de praticar o fato descrito na lei penal. Crimes dolosos são os crimes intencionais. Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Na teoria clássica o dolo faz parte da culpabilidade, como uma de suas formas. Na teoria finalista da ação, porém, o dolo faz parte da conduta e, em consequência, do tipo, pois a conduta é o primeiro elemento do tipo. 1.7.1 Espécies de dolo Dolo direto é aquele em que o agente quer o resultado. Dolo eventual é aquele em que o agente não visa diretamente o resultado, cuja possibilidade de ocorrência, porém, não o afasta da conduta, assumindo ele assim o risco deliberado de produzir o resultado. Exemplo: terrorista que faz explodir uma bomba na rua, pouco se lhe dando se irá ferir alguém ou não. Dolo específico é o referente a um fim especial buscado pelo agente, mencionado na lei, como o fim libidinoso ou o fim de lucro. Tem também a denominação de “elemento subjetivo do injusto”. Dolo de dano é aquele em que o agente quer ou assume o risco de causar dano efetivo. Dolo de perigo é o voltado apenas para a criação de um perigo (o próprio perigo constitui o resultado previsto na lei), como o crime de perigo de contágio venéreo (CP, art. 130). Diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado (dolo direto), ou assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual). 1.8 A culpa A culpa consiste na prática não intencional do fato delituoso, faltando, porém, o agente a um dever de atenção e cuidado. As modalidades da culpa são: a negligência, a imprudência e a imperícia. Diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II, do CP). A negligência é a displicência, o relaxamento, a falta de atenção devida, como não observar a rua ao dirigir. Imprudência é a conduta precipitada ou afoita, a criação desnecessária de um perigo, como dirigir veículo em excesso de velocidade. A imperícia é a falta de habilidade técnica para certas atividades, como não saber manobrar direito um veículo. A essência da culpa está na previsibilidade. Se o agente não podia prever as consequências de sua ação, não há culpa. A forma culposa só é punida se houver disposição expressa da lei nesse sentido. 1.8.1 Espécies de culpa Culpa inconsciente é a culpa comum. Fato previsível, mas não previsto pelo agente. Culpa consciente é uma forma excepcional de culpa, em que o agente prevê o resultado, mas acredita que não acontecerá nada, por confiar erradamente na sua perícia ou nas circunstâncias. Exemplo: um motorista tira uma “fina” de um transeunte. Prevê a possibilidade de ferir a vítima, mas confia imprudentemente na sua perícia e vem a causar o dano. Culpa imprópria (ou culpa por extensão) é uma forma excepcional de culpa em que o agente quer o resultado, mas só o deseja por engano ou precipitação, como no caso daquele que atira numa pessoa na sala, pensando defender-se de um ladrão, quando se tratava de um visitante (precipitação injustificada). 1.9 O preterdolo O crime é preterdoloso quando o resultado, por imprudência do agente, vai além da intenção inicial. Pedro, por exemplo, quer ferir Paulo apenas de modo leve, mas acaba causando lesões graves ou a morte da vítima. João dá um soco no rosto de Albino; este cai com a cabeça numa pedra e morre. Dolo na agressão inicial; culpa na consequência mais grave, previsível, mas não prevista. 1.10 A teoria tradicional ou causalista da ação Para a teoria tradicional, a ação era um movimento corporal voluntário (LIZT, BELING). O exame da ação era dividido em duas fases. Numa primeira fase, verificava-se apenas se a conduta era voluntária ou não e se a mesma tinha causado o resultado (daí o nome de teoria causalista). O dolo e a culpa ficavam para ser examinados numa fase posterior, em separado, por ocasião da verificação da culpabilidade. Dolo e culpa figuravam então como as duas espécies de culpabilidade. 1.11 A teoria finalista da ação A teoria finalista da ação (de WELZEL) considerou que a ação não é apenas um movimento corporal voluntário, mas uma atividade psiquicamente dirigida para a prática de um determinado fato (ação finalista). Por isso, o dolo, ou o propósito da ação, passou a ser examinado desde logo, com a conduta, para verificar se a ação tinha ou não como fim a realização do fato típico. A culpa também passou a ser examinada sob o critério da finalidade da ação, só que, neste caso, o fim visado pelo agente é geralmente lícito e indiferente ao direito, ocorrendo, porém, o dano pela falha da cautela devida. Dolo e culpa foram então retirados da culpabilidade e inseridos na conduta, passando em consequência a fazer parte do tipo, vez que a conduta é o primeiro elemento do tipo. 1.12 O resultado Existem crimes de resultado e crimes de mera conduta. Nos crimes de resultado, o tipo descreve um determinadoresultado que o agente alcança ou tenta alcançar. Nos crimes de mera conduta, o tipo não descreve nenhum resultado, pelo qual a lei se desinteressa, como no crime de omissão de notificação de doença (CP, art. 269). 1.13 A relação de causalidade Entre a ação e o resultado deve existir uma relação de causa e efeito, considerando-se causa toda a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (CP, art. 13, segunda parte). Mas a responsabilidade é excluída se sobrevier outra causa, relativamente independente, que por si só produza o resultado, como a morte da vítima no hospital, em virtude de desabamento. 1.14 Crimes materiais, formais e de mera conduta Crimes materiais são aqueles em que o tipo descreve uma ação e um resultado destacado da ação, sem o qual a infração não se consuma. Constituem a maioria dos tipos penais dispostos na legislação vigente. Crimes formais são aqueles cujo resultado surge ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta, como no crime de ameaça ou de injúria verbal.49 Crimes de mera conduta, como já vimos, são aqueles em que o tipo não descreve resultado, consumando-se a infração com a simples conduta, como no crime de violação de domicílio ou no de omissão de socorro. 1.15 Erro de tipo Denomina-se erro de tipo o engano do agente sobre alguma circunstância da descrição legal. O engano pode referir-se a uma situação de fato (elemento objetivo do tipo), como atirar numa pessoa, pensando tratar-se de uma figura de cera. O engano do agente pode versar também sobre o significado de uma expressão da lei (elemento normativo do tipo), como, por exemplo, a expressão “ato obsceno” ou “sem justa causa”. O erro de tipo exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se o fato for punível a título de culpa. 2. A ANTIJURIDICIDADE 2.1 Conceito de antijuridicidade Para que exista crime não basta ser o fato típico. É necessário também que seja antijurídico, pois crime é o fato típico e antijurídico. Age de modo antijurídico quem pratica um fato típico, sem que para isso tenha uma justificativa legal, como a legítima defesa ou o estado de necessidade. A antijuridicidade consiste, portanto, em dois elementos: (a) prática de um fato típico; (b) ausência de uma causa de justificação. 2.2 Causas justificativas ou de exclusão da antijuridicidade A antijuridicidade ou ilicitude do fato típico é excluída por certas justificativas, tornando-se o fato lícito, embora típico. As principais justificativas são o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito (CP, art. 23). As justificativas, na lei penal, reconhecem-se pela expressão “não há crime”. Não há crime, por exemplo, se o fato é praticado em legítima defesa. 2.3 O estado de necessidade Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual (ou iminente), que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se (CP, art. 24). Exemplo de estado de necessidade é a disputa de náufragos pela posse de uma tábua de salvação. O bem sacrificado deve ter valoração igual ou inferior ao bem preservado. Caso contrário não haverá exclusão do crime, mas apenas a possibilidade de redução de pena (CP, art. 24, § 2.º). Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo, como o bombeiro ou o policial no exercício das funções. 2.4 A legítima defesa Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (CP, art. 25). A defesa deve ser contra ser humano. Contra animais ou coisas poderá haver estado de necessidade, mas não legítima defesa. A agressão a ser repelida deve ser injusta. Não é injusta, por exemplo, a detenção dentro dos requisitos da lei. A agressão deve ser atual ou iminente (acontecendo ou em vias de acontecer), não se estendendo a justificativa a agressões passadas ou futuras. O bem defendido pode ser próprio ou alheio, pessoal ou patrimonial. A reação deve ser moderada, proporcional, dentro do possível, à agressão. Os meios devem ser necessários. Exemplo clássico de imoderação e de meios não necessários é o de matar a tiros um menor, para impedir a subtração de frutos de uma árvore. O excesso da reação pode ser punido a título de dolo ou de culpa, se for o caso (CP, art. 23, parágrafo único). 2.5 O estrito cumprimento de dever legal Não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento de dever legal, como no caso do policial que efetua uma prisão em flagrante (CP, art. 23, III, primeira parte). 2.6 Exercício regular de direito Não há crime quando o agente pratica o fato no exercício regular de direito, como na intervenção cirúrgica ou na violência esportiva, desde que respeitadas as regras da atividade (art. 23, III, segunda parte, CP). 3. A CULPABILIDADE 3.1 Conceito e elementos da culpabilidade O crime existe desde que haja tipicidade e antijuridicidade. Mas a imposição da pena fica ainda na dependência de mais um elemento: a culpabilidade. Na teoria tradicional ou causalista, a culpabilidade compunha-se do dolo e da culpa em sentido estrito (negligência). Dolo e culpa eram as duas espécies da culpabilidade. Pertencia também à culpabilidade o fator da imputabilidade do agente, como pressuposto da culpa, e, para alguns autores também a inexigibilidade de outra conduta. A teoria finalista da ação, porém, tirou o dolo e a culpa da culpabilidade, inserindo-os na ação, e, em consequência, no tipo, vez que a ação é o primeiro elemento do tipo. Esvaziou-se assim a culpabilidade do dolo e da culpa. Em compensação, passou-se a entender que a culpabilidade é um juízo de reprovação (de censurabilidade), cujos elementos ou requisitos são a imputabilidade, a consciência potencial da ilicitudee a exigibilidade de conduta diversa. 3.2 A imputabilidade A imputabilidade refere-se à capacidade do agente de ser responsabilizado penalmente. Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos apenas às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os doentes mentais, conforme o grau da doença que os aflige, têm responsabilidade criminal excluída ou reduzida, podendo ficar sujeitos não a uma pena, mas apenas a uma medida de segurança. 3.3 A consciência potencial da ilicitude A consciência potencial da ilicitude é o segundo requisito da culpabilidade. Diz-se também consciência potencial da antijuridicidade, expressão sinônima. A consciência da ilicitude, por parte do agente, não precisa ser efetiva. Basta a demonstração de que ele poderia saber que o fato é ilícito, se se esforçasse nesse sentido ou observasse melhor as circunstâncias. 3.4 A exigibilidade de conduta diversa O terceiro requisito da culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa. Refere-se ao fato de se saber se, nas circunstâncias, seria exigível que o acusado agisse de modo diverso. Não haverá pena se, nas circunstâncias, for impossível para o acusado agir de outra forma. A avaliação deve ser feita em função de um acusado real, diante das circunstâncias concretas, com base nos padrões sociais vigentes. Na prática esse requisito tem tido pouca ou nenhuma aplicação. A não ser nos casos expressamente referidos na lei, como a coação moral irresistível ou a obediência hierárquica, a ordem não manifestamente ilegal (CP, art. 22). Mas aí a teoria da inexigibilidade não tem função autônoma, figurando mais como fundamento ou pressuposto de uma justificativa legal. 3.5 A emoção, a paixão e a embriaguez Não excluem nem diminuem a responsabilidade penala emoção, a paixão e a embriaguez (CP, art. 28). Se a embriaguez for proveniente de causa alheia à vontade do agente, poderá haver isenção ou diminuição de pena, conforme o grau de comprometimento das faculdades mentais. 3.6 Erro de proibição (ou sobre a ilicitude do fato) A princípio, não exime de pena o desconhecimento da lei. Mas se o agente, por erro inevitável, julgar lícita uma conduta proibida, estará isento de pena. Se o erro for evitável, a pena poderá ser diminuída de um sexto a um terço. Exemplo de erro de proibição é o do turista, vindo de país que admite a poligamia, que se casa duas vezes, ignorando incorrer em crime de bigamia. Como ensina WESSELS, no erro de proibição o agente sabe o que faz, mas supõe erroneamente que o fato é permitido. 3.7 Diferença entre erro de tipo e erro de proibição O erro de proibição é diferente do erro de tipo. No erro de tipo, o agente se engana sobre o fato; pensa estar fazendo uma coisa, quando na verdade está fazendo outra, como, por exemplo, subtrair coisa alheia, julgando-a própria (ver “Erro de tipo”, n. 1.15 deste capítulo). No erro de proibição, o agente não se engana sobre o fato que pratica, mas pensa erroneamente que o mesmo é lícito (por exemplo, subtrair algo de um devedor, para cobrir uma dívida). O erro de tipo pode excluir o crime, ao passo que o erro de proibição pode excluir a culpabilidade e, em consequência, a pena. 4. CRIMES OU DELITOS. CONTRAVENÇÕES As infrações penais dividem-se em crimes ou delitos e contravenções. Não há diferença entre crimes e delitos, palavras equivalentes, que podem ser usadas indistintamente. O crime difere da contravenção. Mas a diferença não é essencial, sendo apenas uma diferença de gravidade, a critério do legislador. Os crimes estão no Código Penal e em outras leis especiais. As contravenções estão relacionadas principalmente na Lei das Contravenções Penais. 5. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Consideram-se autores do crime (ou coautores) aqueles que realizam a ação descrita no tipo. Consideram-se partícipes os que realizam ação acessória, não descrita no tipo, mas que contribui moral ou materialmente para o resultado. Em princípio, tanto autores como partícipes respondem da mesma forma, pois “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (CP, art. 29). Há, porém, um tratamento mais benevolente para aquele cuja participação foi de menor importância (redução de pena), ou do que quis participar de crime menos grave (aplicação da pena deste).50 6. A TENTATIVA Diz-se o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços (CP, art. 14, II, e parágrafo único). Não há tentativa no crime culposo. 7. O CRIME IMPOSSÍVEL Ligado ao assunto da tentativa, encontra-se a teoria do crime impossível. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime (CP, art. 17). Dar açúcar à vítima, pensando que é arsênico, é uma ineficácia absoluta de meio. Atirar num cadáver, pensando tratar-se de pessoa viva, é uma impropriedade absoluta de objeto. 8. CONCURSO DE CRIMES 8.1 Concurso material de crimes Se o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade, até o limite de 30 anos (concurso material – CP, art. 69). Exemplo de concurso material: A mata B e fere C. 8.2 Concurso formal de crimes No concurso formal o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. A pena aplicável será a mais grave, ou se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade (CP, art. 70). Exemplo de concurso formal: A agride B, mas atinge também a C, ferindo ambos. Mas se houve a intenção de atingir a ambos, as penas serão somadas, como no concurso material. 8.3 Crime continuado Existe o crime continuado real e o crime continuado fictício. No crime continuado real o agente pratica uma série de ações com uma só finalidade, como, por exemplo, tirar todo dia um pedaço de lã, para no fim ficar com um novelo (ligação subjetiva e objetiva entre as várias ações). No crime continuado fictício o agente, na verdade, pratica vários crimes distintos, mas a lei finge que há uma continuidade entre eles, para aplicar uma pena só (ligação puramente objetiva entre as várias ações). Esta é a teoria adotada pelo Código Penal. “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços” (CP, art. 71).51 9. REINCIDÊNCIA Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (CP, art. 63). Fica sem efeito a reincidência após 5 anos, contados do cumprimento ou da extinção da pena (CP, art. 64, I). 10. AS PENAS As penas podem ser restritivas de liberdade, restritivas de direitos e multa. As restritivas de liberdade são: a reclusão e a detenção. Não existe mais diferença essencial entre reclusão e detenção. A lei usa esses termos mais como índices ou critérios para a determinação dos regimes de cumprimento da pena. A reclusão é cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A detenção é cumprida só nos regimes semiaberto ou aberto (salvo posterior transferência para regime fechado, por incidente da execução). As penas restritivas de direitos são as seguintes: (a) prestação pecuniária, inserida no CP pela Lei 9.714/1998; (b) perda de bens e valores; (c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com tarefas gratuitas junto a hospitais, escolas ou orfanatos; (d) interdição temporária de direitos, com a proibição do exercício de profissão ou atividade, ou suspensão da licença para dirigir veículo; (e) limitação de fim de semana, com a obrigação de permanecer o condenado, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. A pena de multa varia de 10 a 360 dias-multa, sendo que um dia-multa corresponde, no mínimo, a 1/30 do salário mínimo, e, no máximo, a 5 salários mínimos, conforme a situação econômica do réu. 11. SISTEMÁTICA DA SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE Sistematicamente deve o juiz, na sentença, procurar substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos ou pela multa (CP, art. 59, IV). A pena corporal, no caso, servirá de índice para a aplicação da pena substitutiva. Por exemplo, se não houver reincidência e a pena privativa de liberdade for inferior a um ano, deverá o juiz substituí-la por uma pena restritiva de direitos. O objetivo da lei é o de diminuir, tanto quanto possível, a aplicação das penas privativas de liberdade. 12. REGIMES DE CUMPRIMENTO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE Existem três regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade: (a) o regime fechado, a ser cumprido na penitenciária, para as penas de reclusão; (b) o regime semiaberto, a ser cumprido em colônia agrícola, industrial ou similar, nas penas de reclusão e detenção; (c) o regime aberto, cumprido em casa de albergado, para a reclusão e a detenção.52 Os que cumprem pena em regime aberto ficam nacasa de albergado durante a noite e nos dias de folga, trabalhando normalmente, no emprego ou atividade própria, durante os dias úteis. A determinação do regime inicial depende de vários fatores, como reincidência ou não, tipo da pena (reclusão ou detenção), duração da pena (número de meses ou anos), e tipo de crime. Se a pena for maior que 8 anos de reclusão, por exemplo, o regime inicial terá de ser o fechado (CP, art. 33, § 2.º, a). Será semiaberto, com menos de 8 anos e mais de 4 anos de reclusão (CP, art. 33, § 2.º,b). E poderá ser aberto se a pena for inferior a 4 anos de reclusão (CP, art. 33, § 2.º, c). Nos crimes hediondos o regime será inicialmente o fechado. Na detenção (sem reincidência) o regime inicial será o semiaberto (pena superior a 4 anos) ou o aberto (menos de 4 anos de detenção), salvo casos excepcionais em que haja necessidade de transferência para o regime fechado.53 13. MEDIDAS DE SEGURANÇA De acordo com a doutrina, as medidas de segurança não são penas, mas tão somente meios defensivos da sociedade. A pena refere-se mais à gravidade do delito, ao passo que a medida de segurança preocupa-se com a periculosidade do agente. As penas encaram o passado. As medidas de segurança voltam-se para o futuro. As medidas de segurança são aplicáveis aos inimputáveis. E também, em caráter substitutivo da pena, aos semi-imputáveis. No direito atual não há mais cumulação de pena e medida de segurança, ou se aplica uma ou outra. As medidas de segurança consistem na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou na sujeição a tratamento ambulatorial, por tempo indeterminado, no mínimo de 1 a 3 anos, até a cessação da periculosidade, verificada em perícia médica. A desinternação ou liberação será sempre condicional (à cessação da periculosidade). 14. OSURSIS – SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA54 Se o condenado não for reincidente em crime doloso, pode a pena, se não for grave, ser suspensa, mediante certas condições e durante certo prazo, cumprindo ele a pena solto. Os requisitos para a concessão do benefício do sursis são os seguintes: (a) detenção ou reclusão não superior a dois anos; (b) antecedentes favoráveis; (c) não reincidência em crime doloso; (d) não cabimento da substituição por uma pena restritiva de direitos (CP, arts. 77 a 82). Além do sursis simples ou comum, acima mencionado, existem três outros tipos de sursis, com requisitos e condições um pouco diferentes. Temos assim, em acréscimo, o sursis etário, para maiores de 70 anos, o sursis por razões de saúde, para doentes graves, e ainda o sursis especial, para condenados com antecedentes inteiramente favoráveis e que, podendo, repararam o dano. 15. O LIVRAMENTO CONDICIONAL O condenado que cumprir certa parte da pena privativa de liberdade poderá cumprir solto o período restante, no caso de detenção ou reclusão superior a dois anos. Os requisitos para o livramento condicional são os seguintes: cumprimento de mais de 1/3 (um terço) da pena; ou mais da 1/2 (metade) se houver reincidência em crime doloso;55 comportamento satisfatório; bom desempenho no trabalho carcerário, se houver; aptidão para manter-se fora da prisão, com trabalho honesto; a reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo (CP, arts. 83 a 90). 16. AÇÃO PENAL Em regra, a ação penal é pública, devendo a autoridade agir de ofício (ação pública incondicionada). Em certos casos, porém, como no crime de ameaça, a autoridade não pode agir sem que assim o queira a vítima ou seu representante legal (ação pública condicionada).56 Em outros casos o próprio interessado – vítima ou algum dos colegitimados para tanto (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) – deve propor e conduzir a ação penal, como nos crimes de concorrência desleal (ação privada exclusiva), ou nos crimes contra a honra. A ação privada subsidiária é a que pode ser intentada pelo particular, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal (arts. 100 a 106, CP). O interessado assim age para evitar a extinção da punibilidade por prescrição. 16.1 Extinção da punibilidade A punibilidade, ou seja, a possibilidade de o sujeito ativo do delito ser responsabilizado penalmente pela prática da infração, extingue-se nas seguintes hipóteses: pela morte do agente; anistia, graça ou indulto; retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; pela prescrição, decadência ou perempção; renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; pela retratação do agente e perdão judicial nos casos em que a lei a admite. 17. PRESCRIÇÃO A prescrição extingue a punibilidade e se baseia na fluência do tempo. Se a aplicação da pena é por demais demorada, torna-se inútil e até injusta. Por isso as leis penais estabelecem tabelas de prescrição, extinguindo a punibilidade dos crimes que não foram punidos em tempo hábil. O crime de violação de domicílio, por exemplo, prescreve em três anos, e o de homicídio prescreve em vinte anos. Há, porém, crimes imprescritíveis, como, exemplo, os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (art. 5.º, XLII, da Constituição Federal, e Lei 7.716, de 05.01.1989). 18. A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA A Lei 9.605, de 12.02.1998, que definiu crimes contra o meio ambiente, passou a responsabilizar penalmente também as pessoas jurídicas, juntamente com os seus dirigentes (art. 3.º). Quanto ao fator psíquico, a lei citada considera que o dolo ou a culpa da pessoa jurídica será o dolo ou a culpa demonstrados por seus dirigentes (elemento subjetivo transferido ou deslocado). A matéria restringe-se exclusivamente aos crimes contra o meio ambiente previstos na Lei 9.605/1998. Entre os crimes contra o meio ambiente estão: os crimes contra a fauna e a flora, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, o crime de poluição e outros crimes ambientais. As penas aplicáveis às pessoas jurídicas são: multa, restrição de direitos e prestação de serviços à comunidade. Tratando-se de pessoa jurídica, as penas restritivas de direitos são a suspensão parcial ou total de atividade, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doação (Lei 9.605/1998, art. 22). A prestação de serviços, no caso das pessoas jurídicas, é uma pena autônoma, podendo consistir em custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos ou contribuição a entidades ambientais ou culturais públicas (Lei 9.605/1998, art. 23). A restrição de direitos pode consistir em suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. Seção IV Sumário: 1. Conceito – 2. Divisões do Direito do Trabalho – 3. Irrenunciabilidade dos direitos e fraude à lei. INTRODUÇÃO 1. CONCEITO O Direito do Trabalho rege as relações do trabalho subordinado e não eventual. Não abrange, portanto, o trabalho autônomo, como o dos profissionais liberais ou empreiteiros, nem o trabalho eventual, esporádico ou ocasional. Não abrange também as relações estatutárias dos servidores públicos. Abrange, em parte, o empregado doméstico, por se aplicarem a este apenas certas regras trabalhistas, e não todas. O trabalho rural foi equiparado ao urbano (CF, art. 7.º) e se regula pela Lei 5.889/1973. A disciplina tem recebido também a denominação de Direito Industrial, Direito Operário ou Legislação Social, sendo que, esta última, Legislação Social, merecia a preferência do mestre CESARINO JÚNIOR, que pontificava navelha e sempre nova academia do Largo de São Francisco. Em 1939 foi instituída a Justiça do Trabalho. Em 1943 editou-se a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. 2. DIVISÕES DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho divide-se em quatro ramos: (a) Direito individual do trabalho, que se refere às relações entre o empregado, individualmente considerado, e o empregador; (b) o Direito coletivo do trabalho, que contempla as relações entre grupos ou associações de trabalhadores e de patrões, seus contratos e suas lutas; (c) o Direito judiciário do trabalho, que abrange o processo trabalhista e a Justiça do Trabalho; (d) o Direito previdenciário, que compreende o amparo ao trabalhador em várias contingências, como doença, invalidez, acidentes, morte, velhice etc. É um ramo que está se destacando do Direito do Trabalho para se tornar um ramo autônomo do Direito. 3. IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS E FRAUDE À LEI Em princípio, as regras do Direito do Trabalho são de ordem pública, não podendo ser afastadas ou alteradas por convenção das partes, especialmente no que se refere às garantias mínimas do trabalhador. São nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas (CLT, art. 9.º). Sumário: 1. Conceito – 2. Requisitos de validade – 3. Contratos por prazo indeterminado e por prazo determinado – 4. Períodos descontínuos de trabalho para o mesmo empregador. 1. CONCEITO Contrato individual de trabalho é o acordo expresso ou tácito pelo qual uma pessoa física se obriga a prestar serviços não eventuais sob a dependência do empregador e mediante salário (CLT, arts. 2.º, 3.º e 442). A subordinação jurídica caracteriza-se como o direito do empregador de dar ordens e fiscalizar a atividade do empregado. Considera-se empregador a pessoa física ou jurídica que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. No caso de grupo de sociedades, constituído por uma controladora e suas controladas, são solidariamente responsáveis, para efeitos trabalhistas, tanto a empresa principal, ou de comando de grupo, como cada uma de suas subordinadas (CLT, art. 2.º, § 2.º). Havendo sucessão de empregadores, o sucessor responde pelas obrigações trabalhistas do sucedido. Alterações na estrutura jurídica da empresa não afetam os direitos dos empregados (CLT, art. 10). 2. REQUISITOS DE VALIDADE O contrato de trabalho, como todo ato jurídico, requer acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida por lei (CC, art. 104). Os menores entre dezesseis e dezoito anos de idade são considerados relativamente incapazes, devendo ser assistidos por seus responsáveis ao firmarem o contrato de trabalho, presumindo-se a assistência se já houver Carteira de Trabalho e Previdência Social. O contrato de trabalho não exige formalidades especiais. Pode ser feito por escrito, pode ser oral. Pode até ser tácito ou implícito, sem ajuste prévio de condições, desde que se possa deduzir o acordo das partes, embora não declarado. Neste caso, as condições serão aquelas estabelecidas para os demais empregados, ou aquelas de uso e costume do lugar. A prova do contrato individual de trabalho é feita pelas anotações da Carteira de Trabalho e Previdência Social, por documento escrito, por testemunhas, ou por qualquer outro meio de prova. 3. CONTRATOS POR PRAZO INDETERMINADO E POR PRAZO DETERMINADO Os contratos de trabalho firmam-se geralmente por prazo indeterminado, valendo enquanto não houver rescisão por uma ou por ambas as partes. Os contratos por prazo determinado são os que têm estipulada uma data ou uma ocasião pré-fixada para o seu término. A ocasião pode referir-se à conclusão dos serviços tratados, como a construção de uma máquina, ou a ocorrência de um fato, como a colheita de uma safra agrícola (CLT, art. 443, § 1.º). Mas o contrato por prazo determinado não pode ser estabelecido por mais de dois anos (CLT, art. 445). Só pode ser prorrogado uma única vez (art. 451). Não pode ser renovado antes de decorridos seis meses de contrato determinado anterior, salvo se este se referir à conclusão de serviços tratados ou a ocorrência de fato futuro (art. 452). O contrato de experiência é um tipo de contrato por prazo determinado, mas com duração máxima permitida de noventa dias, incluídos eventuais períodos fracionados. Depois de noventa dias, persistindo a prestação de serviços, o contrato de experiência transforma-se em contrato por prazo indeterminado (art. 445, parágrafo único). 4. PERÍODOS DESCONTÍNUOS DE TRABALHO PARA O MESMO EMPREGADOR No tempo de serviço do empregado, quando readmitido, serão computados os períodos, ainda que não contínuos, em que tiver trabalhado anteriormente para o mesmo empregador. Em havendo consórcio empresarial, ao empregado readmitido numa empresa consorciada igualmente é assegurado o direito de somar o tempo anterior de serviço prestado à outra coligada. A essa regra, o art. 453 da CLT estabelece três exceções: (a) o período anterior não será computado no tempo de serviço quando o empregado foi despedido por falta grave; (b) quando foi legalmente indenizado; ou (c) quando se aposentou espontaneamente. Sumário: 1. Conceito – 2. Jornada prorrogada – 3. Horário noturno – 4. Períodos de descanso. 1. CONCEITO Entende-se como jornada a duração do trabalho diário, ou o período em que o empregado, no dia, tem a obrigação de prestar serviços e ficar à disposição do empregador. A jornada máxima é de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários (CF, art. 7.º, XIII). O excedente é considerado hora extra, com remuneração superior, no mínimo, em 50% à da hora normal (CF, art. 7.º, XVI). A Lei 9.601/1998 criou o banco de horas, possibilitando o não pagamento de adicional de hora extra, se for prevista compensação em acordo ou convenção coletiva (CLT, art. 59). A jornada pode ser menor, em certos casos, como a de seis horas para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (CF, art. 7.º, XIV), a dos bancários, também de seis horas (CLT, art. 224), ou a dos médicos, de quatro horas (Lei 3.999/1961). 2. JORNADA PRORROGADA A jornada de trabalho pode ser prorrogada por acordo das partes, até o limite de mais duas horas extras (CLT, art. 59). E também por necessidade imperiosa, independentemente de acordo ou contrato coletivo e sem limite de horas adicionais, quando houver motivo de força maior ou para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis, ou cuja inexecução possa acarretar prejuízos (CLT, art. 61). 3. HORÁRIO NOTURNO Considera-se horário noturno o período entre as 22 horas de um dia até as 5 horas do dia seguinte. O art. 73, § 1.º, da CLT manda computar a hora de trabalho noturno como de 52 minutos e 30 segundos, enquanto o art. 73, caput, reza que a remuneração do trabalho noturno terá um acréscimo de 20%, pelo menos, sobre a hora diurna. “É devido o adicional de serviço noturno, ainda que sujeito o empregado ao regime de revezamento” (STF, Súmula 213). 4. PERÍODOS DE DESCANSO Além das férias anuais e do descanso semanal remunerado, que serão estudados adiante, prevê a lei intervalos para descanso entre duas jornadas de trabalho e também dentro de uma mesma jornada. Entre duas jornadas de trabalho deverá haver um intervalo mínimo de onze horas (CLT, art. 66). Dentro de uma mesma jornada de trabalho não há intervalo se a jornada for inferior ou igual a quatro horas. Na jornada superior a quatro horas e inferior ou igual a seis horas, deverá haver um intervalo de quinze minutos. Sendo a jornada superior a seis horas, haverá um intervalo, para repouso e alimentação, não inferior a uma horae, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, nunca superior a duas horas (CLT, art. 71). A Lei 8.923, de 27.07.1994, determinou que a não concessão do intervalo para repouso e alimentação obriga o empregador a remunerar o período correspondente com o acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (CLT, art. 71, § 4.º). Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, digitação, escrituração ou cálculo), a cada período de noventa minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de dez minutos não deduzidos da duração normal de trabalho (CLT, art. 72). O empregado tem direito a um dia de repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (CF, art. 7.º, XV; Lei 605/1949). No caso de empregado que trabalhe normalmente também aos domingos, o repouso semanal remunerado deverá coincidir com um domingo, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas (Lei 10.101, de 19.12.2000 – anterior MP 1.698 – ver também CLT, art. 67, parágrafo único). Excetuam-se os elencos teatrais. A remuneração do dia de descanso está condicionada à frequência integral na semana correspondente, salvo exceções previstas no art. 473 da CLT, como falta ao trabalho por motivo de luto, ou de casamento, ou de doação de sangue. No dia de repouso o empregado deverá ganhar o que costuma ganhar quando em serviço, computadas no cálculo as horas extras habitualmente prestadas (Lei 605/1949, art. 7.º). É devida a remuneração do repouso semanal e dos dias feriados ao empregado que trabalha por comissão (TST, Súmula 27). Pela Resolução TST 129/2005, os Enunciados passaram a ser denominados como “súmulas”. Feriados – O repouso remunerado abrange também os feriados. Quando o empregado trabalhar em feriado e o empregador não lhe conceder outro dia de folga em compensação, terá direito ao pagamento em dobro do salário correspondente ao dia do repouso trabalhado. Não serão acumuladas a remuneração do repouso semanal e a do feriado que recaírem no mesmo dia. Sumário: 1. Período aquisitivo – 2. Da concessão e da época de férias – 3. Remuneração das férias – 4. Férias vencidas e férias proporcionais – 5. Férias coletivas – 6. Férias do empregado doméstico – 7. Férias dos professores – 8. Prescrição. 1. PERÍODO AQUISITIVO O direito a férias é adquirido após cada período de doze meses de vigência do contrato de trabalho, na proporção dada pelo art. 130 da CLT, variando de doze a trinta dias, conforme o número de faltas injustificadas dadas no período aquisitivo. Mais de 32 faltas injustificadas cancelam as férias. Não se consideram falta ao serviço, para o efeito de férias, os casos previstos nos arts. 131 e 473 da CLT, como, por exemplo, até três dias em virtude de casamento, ou um dia, em caso de nascimento de filho, no decorrer da primeira semana. O período de aviso-prévio integra o tempo de serviço (CLT, art. 487, § 1.º). 2. DA CONCESSÃO E DA ÉPOCA DE FÉRIAS As férias devem ser concedidas dentro dos doze meses seguintes ao término do período aquisitivo, sob pena de pagamento em dobro (CLT, arts. 134 e 137). A concessão das férias será num só período, salvo casos excepcionais, quando poderão ser divididas em dois períodos, nenhum inferior a dez dias corridos (CLT, art. 134, § 1.º). Aos menores de dezoito anos e aos maiores de cinquenta anos de idade, as férias serão sempre concedidas de uma só vez (CLT, art. 134, § 2.º). Um terço das férias pode ser convertido em dinheiro (CLT, art. 143). A época da concessão das férias cabe à empresa fixar. O empregado estudante, menor de dezoito anos, terá direito a fazer coincidir suas férias com as férias escolares (CLT, art. 136, § 2.º). 3. REMUNERAÇÃO DAS FÉRIAS A remuneração das férias é igual à dos dias de trabalho, com o acréscimo, porém, de um terço a mais do que a remuneração normal (o chamado terço constitucional – CF, art. 7.º, XVII). Observe, porém, que o terço constitucional incide apenas sobre os 30 dias de férias, mas também sobre o pagamento dos dias eventualmente não gozados e trabalhados, pagos pela empresa (Súmula 328 do TST). No caso de remuneração variável, por produção, por tarefa, ou por comissão, deve-se calcular a média mensal da remuneração no período, atualizada até a data da concessão (CLT, art. 142). 4. FÉRIAS VENCIDAS E FÉRIAS PROPORCIONAIS Se o empregado tinha mais de um ano de casa, são devidas férias vencidas sempre, e mais férias proporcionais para períodos incompletos, na extinção do contrato de trabalho, se não tiver havido despedida por justa causa ou pedido de demissão (CLT, art. 146). As férias proporcionais correspondem a 1/12 por mês de serviço ou fração superior a catorze dias. Os empregados com menos de um ano de serviço e os contratados por prazo determinado têm também direito a férias proporcionais na cessação do trabalho, desde que, no primeiro caso, não tenha ocorrido despedida por justa causa ou pedido de demissão (CLT, art. 147). 5. FÉRIAS COLETIVAS Poderão ser concedidas férias coletivas a todos os empregados ou a setores da empresa, em período único, ou em dois períodos, nenhum inferior a dez dias corridos. Os empregados com menos de um ano de casa gozarão na oportunidade férias proporcionais, iniciando-se então novo período aquisitivo (CLT, art. 139). 6. FÉRIAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO O empregado doméstico tem também férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias (Lei 5.859/1972, art. 3.º – com redação dada pela Lei 11.324/2006), com o acréscimo de pelo menos 1/3 (um terço) do salário normal (CF, art. 7.º, XVII), a cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família. 7. FÉRIAS DOS PROFESSORES “É assegurado aos professores o pagamento dos salários no período de férias escolares. Se despedido sem justa causa, ao terminar o ano letivo ou no curso dessas férias, faz jus aos referidos salários” (TST, Súmula 10). 8. PRESCRIÇÃO A ação para reclamar as férias começa a prescrever a partir do término do período concessivo, ou a partir da cessação do contrato de trabalho (CLT, art. 149). O prazo é de cinco anos, na constância do contrato de trabalho, e de dois anos, após a extinção do contrato (CF, art. 7.º, XXIX, na redação da EC 28, de 25.05.2000). Sumário: 1. Remuneração e salário. Distinção – 2. Composição do salário – 3. Salário fixo – 4. Comissões – 5. Gratificações – 6. Décimo terceiro salário – 7. Diárias para viagem – 8. Ajudas de custo – 9. Abonos – 10. Equiparação salarial – 11. Proteção do salário. 1. REMUNERAÇÃO E SALÁRIO. DISTINÇÃO Na linguagem corrente, remuneração e salário são vocábulos usados com o mesmo sentido. Distingue-os, contudo, a CLT, consoante se observa da redação do art. 457, que caracteriza o salário como uma espécie do gênero remuneração. DÉLIO MARANHÃO, com a habitual acuidade, assim disserta: entende-se por remuneração o total dos proventos obtidos pelo empregado em função do contrato e pela prestação do trabalho, inclusive aqueles a cargo de outros sujeitos, que não o empregador. Salário é a retribuição pelo trabalho prestado, paga diretamente pelo empregador.57 A distinção não é despida de importância prática, tanto que a CLT impõe que, em caso de indenização, o pagamento seja feito com base na maior remuneração percebida (cf. art. 477), enquanto o aviso-prévio, por exemplo, é pago na base dos salários correspondentes ao prazo do aviso (cf. art. 487, §§ 1.º e 2.º). Assim, um garçom que perceba salário mínimo e gorjetas, em caso de despedida injusta terá sua indenização calculada com base na soma das duas parcelas. O aviso-prévio, porém, corresponderá apenas ao salário mínimo. 2. COMPOSIÇÃO DO SALÁRIO Integram o salário, dispõe o art. 457, § 1.º, da CLT, não só a importânciafixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagem (salvo exceção que será apresentada logo abaixo) e abonos pagos pelo empregador. Não só as quantias em dinheiro (salário em espécie) compreendem-se no salário, mas também as utilidades (salário in natura) fornecidas por força do contrato ou de costume, como alimentação, habitação, transporte e vestuário. Frise-se, porém, que essas utilidades só se compreenderão no salário quando concedidas a título oneroso, isto é, quando tiverem efeito retributivo.58 Não se incluem no conceito de salário in natura os vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local de trabalho, para a prestação dos seus serviços. É que, no caso, se cuida de utilidades funcionais, necessárias ao normal desenvolvimento do serviço. Também não integrarão o salário as ajudas de custos e as diárias para viagem que não excederem de 50% do salário percebido pelo empregado (cf. CLT, art. 457, § 2.º). Isso porque se referem a simples quantias pagas como custeio de despesas necessárias à execução do trabalho, e não como retribuição do próprio trabalho prestado. 3. SALÁRIO FIXO “Salário fixo é a quantia invariável percebida pelo empregado, constituindo a principal e, na maioria dos casos, a única prestação salarial”.59 4. COMISSÕES A comissão corresponde a uma participação do empregado sobre o valor de venda realizada, ou de negócio concluído por seu intermédio, tomando o seu pagamento a forma de percentagem. O comissionista tanto pode trabalhar no estabelecimento do empregador (quando terá direito ao recebimento de um salário fixo), como em serviço externo (quando então se pode admitir o sistema puro de pagamento por comissões). O pagamento de comissões e percentagens só é exigível se o pedido não foi recusado por escrito, dentro de dez dias, ou noventa dias para vendas em outros Estados ou no estrangeiro, e se não foi estornado por insolvência do cliente. A Lei 3.207, de 18.07.1957, regulamenta as atividades dos empregados vendedores, viajantes ou pracistas. 5. GRATIFICAÇÕES As gratificações, em princípio, traduzem liberalidade do empregador, não integrando o salário. Mas perdem esse caráter quando ajustadas, isto é, quando as partes contratantes combinaram determinada gratificação (CLT, art. 457, § 1.º), ou, de acordo com a jurisprudência, quando a gratificação se repete periodicamente, vindo a tornar-se habitual. 6. DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO O 13.º salário tem duas parcelas: a primeira (adiantamento) deve ser paga entre os meses de fevereiro e novembro, e a segunda até o dia 20 de dezembro. Corresponde a 1/12 do valor da remuneração de dezembro, multiplicado pelos meses de serviço prestados no ano, deduzindo-se o adiantamento, isto é, o valor da primeira parcela, já paga. No cálculo, frações iguais ou superiores a quinze dias equivalem a um mês. O prazo do aviso- prévio conta-se também para efeito do 13.º salário. Se o empregado assim requerer, logo em janeiro, a primeira parcela deverá ser paga juntamente com as férias. Não é devido o 13.º ao empregado despedido por justa causa. Não perde o direito ao 13.º o empregado que pede demissão. O 13.º também é devido nos contratos por prazo determinado e na aposentadoria (Lei 4.090/1962, art. 1.º, § 3.º). 7. DIÁRIAS PARA VIAGEM As diárias destinam-se a suprir as despesas de viagem e manutenção do empregado viajante. Não têm caráter salarial quando inferiores a 50% do salário percebido pelo empregado (CLT, art. 457, § 2.º). 8. AJUDAS DE CUSTO Assim como as diárias para viagem, têm as ajudas de custo sentido indenizatório, porque visam antecipar despesas decorrentes de transferência do empregado para local diverso daquele em que está domiciliado. Correspondem, em geral, a um único pagamento, enquanto as diárias para viagem são pagas continuadamente, durante a viagem. Não integram o salário, salvo se ultrapassarem 50% do salário percebido pelo empregado (CLT, art. 457, § 2.º). 9. ABONOS Os abonos não incorporáveis ao salário foram banidos de nosso Direito. A menos que, sob tal color, se atribua ao empregado alguma prestação econômica que, por sua finalidade, não tenha caráter retributivo. Exemplo: um Banco paga ao recebedor quebra de caixa para cobertura de desvios não culposos de dinheiro, e rotula tal prestação de “abono”. É evidente que, nesse caso, referida prestação não integrará o salário, em virtude de seu caráter indenizatório. Fora daí, os abonos não passam de salário. 10. EQUIPARAÇÃO SALARIAL A todo trabalho de igual valor deve corresponder salário igual, sem distinção de sexo (CF, art. 7.º, XXX; CLT, arts. 5.º e 461). Entende-se por trabalho de igual valor o que for feito com igual produtividade, e com a mesma qualidade técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo no exercício da função não seja superior a dois anos. Não cabe a equiparação quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento, alternadamente, dentro de cada categoria profissional (CLT, art. 461, §§ 2.º e 3.º). 11. PROTEÇÃO DO SALÁRIO Tendo em conta sua natureza alimentar e seu caráter de meio de subsistência para o trabalhador, o salário é objeto de forte proteção legal. É o princípio da integralidade dos salários. O salário não pode sofrer descontos, salvo os provenientes de adiantamento, os previstos em lei (contribuição sindical, contribuição para o INSS etc.) e os decorrentes de convenções coletivas. Lícito, ainda, o desconto no caso de danos causados pelo empregado, desde que tenha havido acordo nesse sentido, ou dolo de sua parte. Por outro lado, o salário é intangível, isto é, não pode ser penhorado (art. 649, IV, do CPC), salvo para pagamento de prestação alimentícia (CPC, art. 649, § 2.º). Pode, todavia, ser objeto de retenção pelo empregador ao qual o empregado deixou de dar aviso-prévio (CLT, art. 487, § 2.º). Em caso de falência do empregador, o salário constitui crédito privilegiado (CLT, art. 449). Rescindido o contrato de trabalho, se houver controvérsia sobre parte da importância dos salários, fica o empregador obrigado, na primeira vez que comparecer ao Tribunal do Trabalho, a pagar ao empregado a parte incontroversa, sob pena de ser condenado a pagá-la em dobro (CLT, art. 467). A Constituição considera crime a retenção dolosa de salários (CF, art. 7.º, X). O empregador e seus empregados podem negociar a participação destes nos lucros ou resultados da empresa (Lei 10.101, de 19.12.2000 – anterior MP 1.698). A participação pode resultar de convenção ou acordo coletivo, ou do trabalho de comissões bilaterais, de empregados e de empregadores, devendo integrar cada comissão um representante sindical da categoria. Se houver algum impasse nas negociações, podem as partes, de comum acordo, utilizar-se de mediadores ou de árbitros. O mediador auxiliará as partes a chegarem a um consenso. No caso de arbitragem, o árbitro escolhido se limitará a optar simplesmente por uma das propostas definitivas apresentadas pelas partes. Esse sistema tem o nome de “arbitragem de ofertas finais”. O laudo arbitral tem força normativa, independentemente de homologação judicial. A participação nos lucros ou resultados não integra a remuneração (CF, art. 7.º, XI), nem sofre a incidência de qualquer encargo trabalhista. Mas pode ser deduzida pelo empregador como despesa operacional. As disposições da lei de participação nos lucros não se aplicam a empregadores pessoas físicas, nem a certas entidades sem fins lucrativos, indicadas no seu texto. Em princípio, o contrato de trabalho é inalterável. Por exceção, porém,pode o contrato de trabalho ser alterado em alguns casos, como, por exemplo, os seguintes: (a) Alteração de cláusulas por mútuo consentimento, desde que não haja prejuízo para o empregado (CLT, art. 468). (b) Alteração de remuneração por convenção ou acordo coletivo (CF, art. 7.º, VI), ou por motivo de força maior – neste caso, com redução de até 25% dos salários (CLT, art. 503). (c) Alteração de funções, em decorrência de promoção, de retomo à função anterior (nos casos de comissionamento ou interinidade – CLT, art. 450), ou de extinção do cargo, com transferência para outro compatível. (d) Alteração de horário, sem aumento da jornada. Permite-se a transferência do período noturno para o diurno com perda do adicional noturno (TST, Súmula 265). (e) Alteração de local de trabalho, para os empregados que exerçam cargos de confiança, e aqueles cujos contratos tenham como condição, mesmo que implícita, a transferência decorrente de real necessidade do serviço (CLT, art. 469, § 1.º), ou no caso de extinção do estabelecimento (CLT, art. 469, § 2.º). A suspensão e a interrupção do contrato de trabalho são institutos semelhantes, apresentando, porém, diferenças, especialmente nos seus efeitos. Na suspensão, o empregado se afasta sem direito à percepção de salário e, em regra, não se conta o período de afastamento como tempo de serviço. Exemplos de suspensão: aposentadoria por invalidez, enquanto durar a causa da invalidez (CLT, art. 475),60 participação em curso de qualificação profissional (CLT, art. 476-A). Na interrupção, o empregado, embora afastado do serviço, continua ganhando os seus salários e, em regra, conta-se o período de afastamento como tempo de serviço efetivo. Exemplos de interrupção: férias anuais remuneradas, aviso-prévio em dinheiro (CLT, art. 487, § 1.º), afastamento para funcionar como jurado (CPP, art. 441), os quinze primeiros dias na ocorrência de acidente do trabalho (art. 60, § 3.º, e art. 61 da Lei de Benefícios da Previdência Social, Lei 8.213/1991). Como se trata de uma vantagem para o trabalhador, a empresa poderá conceder a interrupção por outras razões que considerar convenientes, fixadas em regulamento interno. O empregado, quando retornar ao serviço depois da suspensão e da interrupção, terá asseguradas as vantagens gerais atribuídas durante seu afastamento, como, por exemplo, aumento salarial da categoria a que pertencia na empresa (CLT, art. 471). Sumário: 1. A rescisão do contrato – 2. Indenizações – 3. Aviso-prévio – 4. As justas causas – 5. Culpa recíproca – 6. Morte do empregador – 7. Factum principis e força maior. 1. A RESCISÃO DO CONTRATO Rescisão é a ruptura do vínculo jurídico trabalhista por iniciativa das partes. Advém sempre da manifestação de vontade das partes, unilateral ou bilateral. Se bilateral, configura-se o distrato. Seunilateral, teremos o despedimento (rescisão partida do empregador) ou a demissão (rescisão partida do empregado). 2. INDENIZAÇÕES Violado o contrato, a parte que der causa à sua rescisão fica sujeita ao ônus de pagar ou conceder à outra parte aviso-prévio. Se culpado for o empregador, terá que pagar também indenização compensatória, além de outros direitos, nos termos de lei complementar a ser editada (CF, art. 7.º, I). Enquanto não vigorar a referida lei, deverá o empregador, na despedida arbitrária, pagar ao empregado a percentagem de 40% calculada sobre todos os depósitos de FGTS feitos pelo empregador, mais 10% a título de contribuição social (LC 110/2001). 3. AVISO-PRÉVIO O aviso-prévio é uma comunicação (escrita ou oral) que uma das partes do contrato (empregado ou empregador) faz à outra de que, decorrido certo prazo, o contrato se extinguirá. Nos termos da Constituição Federal, o prazo do aviso-prévio é de, no mínimo, de trinta dias (CF, art. 7.º, XXI).61 Acrescenta-se mais 3 dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o limite de vinte acréscimos (60 dias) (Lei 12.506/2011). Desta maneira, o aviso-prévio máximo concedido ao empregado é de 90 dias. O empregado com mais de um ano de serviço ininterrupto (um ano e um dia, por exemplo) já faz jus ao acréscimo de 3 dias referente ao primeiro ano. Note-se, porém, que o aviso-prévio devido ao empregador é sempre de 30 dias. A obrigação de dar aviso-prévio só surge com a rescisão sem justa causa, pois, havendo justa causa, é desnecessário. O aviso-prévio obriga o pagamento dos salários do período de sua duração, conferindo ao empregado todos os direitos advindos durante esse período. Reduz de duas horas a duração da jornada de trabalho, sem prejuízo do salário integral (CLT, art. 488). É contado como tempo de serviço para todos os fins (art. 487, § 1.º). Estabelece o termo final do contrato (art. 489). Pode-se desistir do aviso-prévio e da extinção do contrato, havendo concordância da outra parte (art. 489). Se o empregado continua trabalhando normalmente após o aviso, a presunção é de que o mesmo ficou sem efeito, continuando o contrato a vigorar como se o aviso não tivesse sido dado. 4. AS JUSTAS CAUSAS Justa causa é todo ato doloso (intencional) ou culposo (não intencional, mas negligente ou imprudente), expressamente previsto em lei ou disposição normativa, que torna insustentável a continuidade da relação de emprego. O art. 482 da CLT arrola as causas que autorizam o empregador a despedir o empregado sem ônus; e o art. 483, aquelas que rendem ensejo à rescisão por parte do empregado, com ônus para o empregador. Examinemos as justas causas previstas no art. 482: (a) Ato de improbidade: é o ato desonesto, que importa em lesão ao patrimônio do empregador ou de terceiro no local de trabalho, como furto, roubo ou apropriação indébita. (b) Incontinência de conduta ou mau procedimento: é o comportamento irregular do empregado, em serviço ou fora dele, incompatível com a moral e os bons costumes, como, por exemplo, utilização de tóxicos. (c) Negociação habitual: vem a ser a prática reiterada de atos de comércio, prejudicial ao serviço ou que importe em concorrência para o empregador. (d) Condenação criminal: no caso de não ter havido suspensão da execução da pena. (e) Desídia: é o desinteresse pelo trabalho. Ocorre, na maioria das vezes, por uma repetição de faltas leves (indolência, desmazelo, atrasos etc.), mas pode, todavia, ser configurada num único ato isolado (caso do mecânico, por exemplo, que inutiliza máquina de uma indústria por imprudência ou negligência no desempenho da função). A comprovação, na primeira hipótese, poderá ser feita por meio de sindicância, acompanhada de advertência e suspensões, fichas de controle de ponto etc. No segundo caso, por perícia e testemunhas. (f) Embriaguez habitual ou em serviço: habitual é a embriaguez repetida. Na embriaguez em serviço, basta uma vez, apresentando-se o empregado no local de trabalho nesse estado. A embriaguez pode ser alcoólica ou decorrente de tóxicos. (g) Violação de segredo da empresa: refere-se à divulgação não autorizada de patentes de invenção, métodos de execução, fórmulas ou escrita comercial, ou de qualquer assunto particular da empresa, que não deve ser divulgado, como o fato de fornecer a um concorrente o projeto de um novo modelo de automóvel. (h) Indisciplina e insubordinação: o não cumprimento de regras gerais da empresa caracteriza a indisciplina. O desrespeito a ordens pessoais caracteriza a insubordinação. (i) Abandono de emprego: configura-se o abandono de emprego quando o empregado, imotivadamente, dele se afasta por mais de trinta dias, ou passa a trabalhar para outro empregador, dentro do período de sua jornada de trabalho. A prova do abandono se faz por meio de notificação para que o empregado, querendo, volte ao emprego. Sendoconhecido seu paradeiro, a notificação será feita por via postal, mediante carta registrada, com aviso de recebimento (AR), ou por intermédio de cartório de registro de títulos e documentos. Estando ele em local desconhecido, será notificado por editais publicados pela imprensa. (j) Ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas, no serviço, contra qualquer pessoa. (k) Ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos. (l) Prática constante de jogos de azar: a norma refere-se aos jogos proibidos por lei, como o jogo do bicho e rifas não autorizadas. (m) Atos atentatórios à segurança nacional. O art. 482 não esgota a lista das justas causas para o despedimento do empregado, havendo outras, em pontos diversos da CLT. No reverso da medalha estão os atos praticados pelo empregador e considerados justas causas, que dão ao empregado o direito de dar o contrato por rescindido, por culpa do empregador, sem prejuízo das indenizações cabíveis (CLT, art. 483).62 5. CULPA RECÍPROCA Diz-se que há culpa recíproca quando empregado e empregador contribuem concomitantemente para a rescisão do contrato de trabalho. Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão, a indenização será pela metade. O FGTS, na hipótese, limita-se a 20%, em vez de 40% (Lei 8.036/1990, art. 18, §§ 1.º e 2.º). Exemplo típico de culpa recíproca temos no caso de empregado e patrão se agredirem mutuamente. Nos termos da Súmula 14 do TST, reconhecida a culpa recíproca, o empregado fará jus a 50% dos valores do aviso-prévio, das férias proporcionais e da gratificação natalina (13.º salário) do ano respectivo. 6. MORTE DO EMPREGADOR O art. 483, § 2.º, da CLT concede ao empregado a faculdade de rescindir seu contrato de trabalho quando morre o empregador constituído em empresa individual. Trata-se de faculdade que não gera direito à indenização, já que a rescisão parte de iniciativa do empregado, que pode não querer ou não ter condições de trabalhar com o sucessor. Em contrapartida, fica desobrigado de dar aviso-prévio ao empregador. Em ocorrendo a morte do empregador, com extinção da empresa, o empregado terá assegurado todos os seus direitos trabalhistas (CLT, art. 485), inclusive aviso-prévio, nos termos da Súmula 44 do TST. 7.FACTUM PRINCIPIS E FORÇA MAIOR Factum principis vem a ser o ato de autoridade pública (municipal, estadual ou federal) que torna impossível a continuidade da relação de emprego, como ocorre, por exemplo, nas desapropriações. Neste caso prevalecerá o pagamento de indenização, que ficará a cargo do governo responsável (CLT, art. 486). Por força maior entende-se todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente (CLT, art. 501). A imprevidência do empregador exclui a razão da força maior. A força maior não libera o empregador de suas obrigações, apenas lhe atenuando as responsabilidades. Daí dispor a lei que, ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização paga por metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa (CLT, art. 502). Se o estabelecimento não se extingue, poderá o empregador, havendo convenção coletiva nesse sentido, proceder à redução de salários até 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo. Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos. Sumário: 1. Noção – 2. Depósitos – 3. Movimentação da conta vinculada. 1. NOÇÃO O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – regula-se pela Lei 8.036/1990, e veio substituir o antigo sistema de indenização baseado no número de anos de tempo de serviço. 2. DEPÓSITOS O FGTS é formado por depósitos das empresas sobre a remuneração paga no mês anterior aos seus empregados, em conta vinculada, incluídas as parcelas mencionadas nos arts. 457 e 458 da CLT e o 13.º salário. Assim, incluem-se no cálculo: (a) o salário pago diretamente pelo empregador; (b) gorjetas; (c) comissões; (d) percentagens; (e) gratificações ajustadas; (f) 13.º salário; (g) diárias para viagem e ajudas de custo, excedentes de 50% do salário percebido pelo empregado; (h) abonos pagos pelo empregador; (i) prestações in natura; (j) horas extras habituais ou não; (k) adicionais de insalubridade, periculosidade e noturno. O depósito do FGTS é de 8%. Para as empresas não participantes do sistema Supersimples, há ainda o acréscimo de 0,5%, a título de contribuição social (LC 110/2001). Na dispensa sem justa causa deverão ser depositados 40%, calculados sobre todos os depósitos feitos pelo empregador, mais 10% a título de contribuição social (LC 110/2001). O depósito é também exigível nos seguintes casos de afastamento do serviço: (a) para prestação de serviço militar; (b) por motivo de doença, até quinze dias; (c) por acidente do trabalho; (d) por motivo de gravidez e parto; (e) por outros motivos considerados de interrupção do contrato de trabalho (ver Capítulo 9). Obs.: Na prestação de serviço militar, não há pagamento de salário, havendo, porém, contagem de tempo de serviço e recolhimento de FGTS. 3. MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA A conta vinculada do FGTS pode ser movimentada em várias hipóteses, dependendo de autorização prevista em Lei, como, por exemplo, despedida sem justa causa, extinção da empresa, aposentadoria, falecimento do trabalhador, aquisição de moradia etc. Havendo discordância entre empregado e empregador sobre o FGTS, a competência será da Justiça do Trabalho. Sumário: 1. Trabalho proibido à mulher – 2. Períodos de descanso – 3. Proteção à maternidade. 1. TRABALHO PROIBIDO À MULHER Não são mais proibidos para a mulher a prorrogação de jornada e o trabalho insalubre, perigoso, noturno, em subterrâneos, minerações, subsolos, pedreiras e obras de construção, em virtude do princípio da igualdade (CF, art. 5.º, I, e art. 7.º, XXX) e da revogação de vários dispositivos da CLT pela Lei 7.855/1989. Em relação à mulher, resta a proibição de serviços que demandem força muscular superior a vinte quilos, para o trabalho contínuo, e vinte e cinco quilos para trabalho ocasional, salvo se houver auxílio de aparelhos mecânicos, como o carrinho de mão (CLT, art. 390 e seu parágrafo único). 2. PERÍODOS DE DESCANSO Durante a jornada de trabalho será concedido à empregada um intervalo de duas horas, no máximo, e de uma hora, no mínimo, para repouso e alimentação. Entre duas jornadas haverá um intervalo mínimo de onze horas consecutivas para repouso. 3. PROTEÇÃO À MATERNIDADE Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez (CLT, art. 391). Ao reverso, a mulher grávida pode romper o contrato quando o trabalho for prejudicial à gestação, sem obrigação de conceder aviso-prévio (CLT, art. 394). Constitui crime a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a atestado de gravidez (Lei 9.029/1995, art. 2.º). Nos termos do art. 7.º, XVIII, da CF, a mulher faz jus à licença- maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias. A remuneração, durante o afastamento, é paga pelo empregador, que será reembolsado pelo Instituto Previdenciário, já que tal encargo, por força da Lei 6.136, de 07.11.1974, é da alçada da Previdência Social. O reembolso se opera mediante o desconto nos recolhimentos previdenciários devidos. A empregada doméstica, porém, recebe diretamente do INSS.Para amamentar o filho, até que complete seis meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos especiais, de meia hora cada um, sem redução de salário (CLT, art. 396). O período de seis meses pode ser dilatado, quando o exigir a saúde do filho, a juízo da autoridade competente. Sumário: 1. Maioridade para fins trabalhistas – 2. Trabalho proibido ao menor – 3. Recibos e quitações. A prescrição – 4. O aprendiz. 1. MAIORIDADE PARA FINS TRABALHISTAS A maioridade trabalhista, assim como a civil, ocorre aos 18 anos, sendo que a idade mínima para trabalhar é de 16 anos. O menor com 14 anos, porém, pode ser admitido como aprendiz. 2. TRABALHO PROIBIDO AO MENOR O menor não pode participar de trabalho noturno, perigoso, insalubre, ou em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade (CF, art. 7.º, XXXIII; CLT, art. 405). 3. RECIBOS E QUITAÇÕES. A PRESCRIÇÃO O menor tem capacidade para firmar recibos de pagamentos dos salários. Não a tem, porém, para dar quitação de rescisão do contrato de trabalho, caso em que se torna necessária a assistência do seu responsável legal (CLT, art. 439). Contra os menores de dezoito anos não corre nenhum prazo de prescrição (CLT, art. 440). 4. O APRENDIZ Aprendiz é o maior de quatorze anos e menor de vinte e quatro anos que celebra contrato de aprendizagem, ficando sujeito a formação profissional metódica do ofício em que exerça o trabalho, nos termos do art. 428 da CLT. Deve o aprendiz frequentar escola, se não tiver concluído o ensino fundamental, e ser inscrito em programa de aprendizagem nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem ou, na falta, nos cursos de outras entidades qualificadas (Dec. 5.598/2005, art. 8.º). O contrato de aprendizagem deve ser anotado na Carteira de Trabalho. A remuneração mínima será o salário mínimo hora (Dec. 5.598/2005, art. 17). A jornada não excederá de seis horas diárias, vedadas prorrogações e compensações (CLT, art. 432, na redação da Lei 10.097, de 19.12.2000 – disposição confirmada pelo art. 18 e ss. do Dec. 5.598/2005). Sumário: 1. Trabalhador eventual – 2. Trabalhador avulso – 3. Empregado rural – 4. Empregado doméstico – 5. Aprendiz – 6. Trabalhador autônomo – 7. Trabalhador temporário – 8. Estagiário – 9. Servidor público – 10. Empregado público. 1. TRABALHADOR EVENTUAL É o prestador ocasional de serviços, como o jardineiro volante ou aquele que conserta telhados ou calhas. Não há relação trabalhista. 2. TRABALHADOR AVULSO É o colocado à disposição do tomador de serviços, por intermédio de um órgão de classe, como ocorre nos trabalhos portuários. A Constituição Federal equiparou o avulso ao empregado (art. 7.º, XXXIV). A Lei 12.022/2009 dispõe sobre o trabalhador avulso. 3. EMPREGADO RURAL Empregado rural é toda pessoa física que, sob a dependência do empregador rural e mediante salário, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a: (a) pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos; (b) quem realize exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na CLT ou, ainda; (c) aquele que, habitualmente, em caráter profissional e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem. Regula-se pela Lei 5.889/1973. A Constituição Federal equiparou o trabalhador rural ao urbano (art. 7.º, caput). 4. EMPREGADO DOMÉSTICO É o que presta serviços contínuos no âmbito residencial de pessoa física ou família, ou em extensões da residência, como sítios e chácaras de recreio, sem atividade econômica. A Constituição Federal atribuiu ao empregado doméstico quase todos os direitos trabalhistas, mas não todos. Assim, nos termos do art. 7.º, parágrafo único, da CF, a proteção por despedida arbitrária, o seguro desemprego, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a remuneração maior pelo trabalho noturno, o salário família, a assistência gratuita aos filhos de até 5 anos em creches e pré-escolas e a proteção contra a automação dependem de regulamentação legal. O feriado trabalhado deve ser pago em dobro. As férias anuais são de trinta dias corridos, com acréscimo de 1/3 do salário normal (Art. 3º da L.5859/1972). 5. APRENDIZ É o maior de quatorze anos e menor de vinte e quatro anos de idade, sujeito à formação profissional metódica de ofício (ver acima, Capítulo 13, item 4). 6. TRABALHADOR AUTÔNOMO É o que trabalha por conta própria, sem vínculo empregatício, não se colocando sob a subordinação de outrem, como, por exemplo, o empreiteiro. 7. TRABALHADOR TEMPORÁRIO É a pessoa física que presta serviços a uma empresa urbana para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário em sua demanda. Regula-se pela Lei 6.019/1974. 8. ESTAGIÁRIO É o aluno regularmente matriculado e que esteja frequentando curso superior, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou alguma escola de educação especial, e que vem a trabalhar sob a supervisão de pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da Administração Pública ou instituições de ensino com a finalidade de complementar seus estudos e adquirir uma visão prática da carreira, por meio de atividades desempenhadas com planejamento, execução, acompanhamento e avaliação conforme os currículos, programas e calendários escolares. Intervém obrigatoriamente, no contrato, a instituição de ensino. O estágio não cria qualquer vínculo empregatício, salvo se desatendido requisito previsto na Lei 11.788/2008, que regulamentou o estágio. 9. SERVIDOR PÚBLICO Nos termos da Lei 8.112/1990, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público que é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. É o trabalhador contratado por órgão público, em regime estatutário. 10. EMPREGADO PÚBLICO É o trabalhador contratado por órgão público, em regime da CLT e legislação trabalhista correlata, com as modificações dadas por leis administrativas específicas (Lei 9.962/2000). A contratação do empregado público depende de concurso. A despedida só pode dar-se em quatro hipóteses: (a) falta grave; (b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; (c) excesso de despesa com pessoal, cabendo neste caso indenização de um mês de remuneração por ano de serviço (CF, art. 169, § 5.º); (d) insuficiência de desempenho (Lei 9.962/2000, art. 3.º, IV). Órgãos com autonomia gerencial (CF, art. 37, § 8.º), como as fundações, não estão sujeitas às limitações acima, podendo demitir também por outros motivos. Sumário: 1. Introdução – 2. Dissídios individuais – 3. Procedimento sumaríssimo – 4. Comissões de Conciliação Prévia – CCP – 5. Dissídios coletivos – 6. Recursos – 7. Gráficos. 1. INTRODUÇÃO A Justiça do Trabalho julga: (a) ações oriundas da relação de trabalho (sejam dissídios individuais, sejam dissídios coletivos); (b) ações que envolvam exercício de direito de greve; (c) ações que versem sobre representação sindical; (d) mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, referentes a matéria sujeita à sua jurisdição; (e) conflitos de competência dentro da jurisdição trabalhista, salvo exceção constitucional; (f) ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (g) ações sobre penalidades administrativas, de cunho trabalhista, impostas aos empregadores por órgãos de fiscalização; (h) execução, de ofício, das contribuições sociais, decorrentes das sentenças que proferir; (i) na forma da lei, de quaisquer outras controvérsiasdecorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114). É composta pelos juízes do Trabalho, que atuam singularmente junto às Varas do Trabalho, pelos Tribunais Regionais do Trabalho – TRT (ao menos um em cada Estado), e, na cúpula, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Onde não houver Vara do Trabalho, poderá funcionar, em competência trabalhista, o juízo de direito da comarca. A EC 24, de 09.12.1999, extinguiu as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento, bem como os cargos dos juízes classistas, resguardando, porém, os seus mandatos, até os respectivos términos. Órgãos da Justiça do Trabalho: • Juízes do Trabalho (ou juízes de direito, onde não houver Vara do Trabalho); • Tribunais Regionais do Trabalho (TRT); • Tribunal Superior do Trabalho (TST).63 2. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS Os dissídios individuais envolvem interesses de pessoas singularmente consideradas. Assim, por exemplo, o empregado A reclama contra o empregador B, pleiteando o pagamento de indenização por dispensa sem justa causa. Tais controvérsias são conhecidas e julgadas pelas Varas do Trabalho, ou, onde não as houver, pelos juízes de direito locais. Podem iniciar-se através de petição inicial, redigida por advogado, ou por termo de reclamação, redigido por funcionário da Justiça do Trabalho, que formaliza a reclamação dada oralmente pelo trabalhador. O reclamado é notificado para comparecer à audiência, que será a primeira desimpedida depois de cinco dias (CLT, art. 841). Na audiência, presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes, realiza-se, como primeiro passo, a tentativa de conciliação, empregando o juiz seus esforços no sentido de uma solução amigável. Havendo acordo, será redigido termo de conciliação, com valor de sentença. Não havendo acordo, pode o reclamado apresentar a sua defesa, por escrito ou oralmente (em 20 minutos, após leitura da reclamação – CLT, art. 847), vindo em seguida a fase probatória, com apresentação de documentos, oitiva das partes e testemunhas, esclarecimentos de peritos etc. Encerrada a instrução, poderão as partes apresentar razões finais, em até dez minutos cada uma. Em seguida, renova-se a proposta de conciliação. Aceita, lavra-se o termo de conciliação. Não se obtendo acordo, profere-se a sentença, encerrando-se o litígio. Os trâmites de instrução e julgamento serão resumidos em ata, da qual constará, na integra, a decisão. Havendo recurso, a questão será reexaminada na instância superior. 3. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO Nos dissídios individuais de valor não superior a quarenta salários mínimos há um procedimento simplificado, devendo-se decidir a causa em quinze dias, numa única audiência, ou, no máximo, em trinta dias (Lei 9.957/2000). São admitidas apenas duas testemunhas para cada parte. As atas serão resumidas. A sentença dispensa o relatório. Os recursos têm andamento simplificado. 4. COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA – CCP Os sindicatos e as empresas, ou grupos de empresas, podem criar Comissões de Conciliação Prévia – CCP, destinadas à solução amigável de divergências entre patrões e empregados (CLT, art. 625-A e ss., acrescidos pela Lei 9.958, de 12.01.2000). A composição da CCP deve ser paritária, com número igual de representantes dos empregados e dos empregadores, num total de dois a dez membros, metade indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados. Não são de criação obrigatória. Mas, uma vez criadas, tornam-se de acesso obrigatório, como condição prévia para o ingresso na Justiça. As iniciais das reclamações trabalhistas devem vir acompanhadas de declaração da CCP (onde houver), atestando que não se conseguiu o acordo, ou que a sessão para a tentativa de acordo não se realizou no prazo legal de dez dias a contar da apresentação do caso. Havendo acordo perante a CCP, esse será reduzido a termo e configura título executivo extrajudicial, equivalendo, praticamente, a uma sentença.64 5. DISSÍDIOS COLETIVOS Denominam-se dissídios coletivos as ações judiciais entre empregados e empregadores, envolvendo reivindicações de uma classe ou categoria profissional.65 Os dissídios coletivos iniciam-se geralmente por representação escrita de sindicato ou órgão de classe interessado. Mas podem ter início também de ofício, por iniciativa do TRT, se tiver havido suspensão do trabalho. Ou, no mesmo caso, por iniciativa da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho, nos dissídios que excedam a jurisdição territorial do Tribunal Regional do Trabalho. A empresa também pode propor dissídio coletivo, diretamente, quando não houver entidade sindical no âmbito de sua atividade. Os dissídios coletivos devem ser precedidos de negociações coletivas e eventual escolha conjunta de árbitros. Havendo recusa para tanto, de uma das partes, pode ser ajuizado o dissídio coletivo. O art. 114, § 2.º, da Constituição Federal (na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004) parece exigir que as partes entrem em comum acordo para o ajuizamento do dissídio. A exigência de “comum acordo”, porém, deve ser desconsiderada, pois nenhuma lesão de direito pode ser subtraída à apreciação do Judiciário, conforme cláusula pétrea do art. 5.º, XXXV, da CF e não seria razoável exigir-se o beneplácito da parte contrária para se requerer algo em juízo. Houve ampliação da legitimidade das partes para promover dissídios coletivos (antes adstritos aos sindicatos). Além dessa ampliação, as partes envolvidas nas negociações podem, havendo divergência, propor o dissídio: (a) isoladamente, diante do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional; (b) em conjunto, quando entenderem mutuamente que o Judiciário deverá ser responsável por resolver o conflito coletivo. Instaurado o dissídio, procede-se à notificação da parte contrária, com a designação de audiência. O procedimento é conduzido de início pelo juiz instrutor, que será o Presidente do Tribunal ou juiz por ele designado. Na audiência, o juiz instrutor procede à tentativa de conciliação, propondo, se necessário, uma solução que lhe pareça capaz de acabar com a divergência. Se sair acordo, encerra-se o dissídio. Não tendo havido acordo, realizam-se as diligências pertinentes, apresentando as partes as suas razões finais. Encerrada a instrução do processo, o juiz instrutor remete os autos ao órgão colegiado competente, que proferirá a sentença. No dissídio coletivo, a sentença denomina-se sentença normativa, porque vale como norma ou lei entre as partes. As decisões normativas podem ser estendidas a todos os empregados de uma mesma empresa (CLT, art. 868), ou de uma mesma categoria profissional, dentro da jurisdição do Tribunal (CLT, art. 869). Poderão também sofrer revisão, decorrido mais de um ano de sua vigência (CLT, art. 873). 6. RECURSOS A parte que não se conformar com alguma decisão pode interpor recurso, visando à sua modificação, em regra perante a instância superior. Na CLT são previstos os recursos adiante relacionados, todos com prazo de oito dias. (a) Recurso ordinário (CLT, art. 895): é o remédio próprio para impugnar as decisões finais das Varas do Trabalho ou Juízos de Direito. Equivale à apelação no cível, abrangendo toda a matéria de fato e de direito. Cabe também nas decisões definitivas dos TRT, em processo de sua competência originária (dissídios coletivos, mandados de segurança, ação rescisória etc.). (b) Recurso de revista (CLT, art. 896): é o recurso interponível das decisões de última instância, quando houver divergência jurisprudencial ou violação de literal disposição de lei ou de sentença normativa. Tem por finalidade dar interpretação uniforme a dispositivo legal (uniformização da jurisprudência), ou restaurar a soberaniade literal disposição de lei ou sentença normativa. É julgado pelo TST. (c) Embargos: visam ao reexame da questão pelo próprio Tribunal que efetuou o julgamento. Do acórdão proferido por uma das Turmas do TST cabem embargos para uma divisão especial do próprio TST, que é a SDI – Seção Especializada em Dissídios Individuais (Lei 7.701/1988), quando houver divergência jurisprudencial ou violação de lei federal ou da Constituição Federal. Antigamente os embargos eram julgados pelo Pleno do TST, como ainda consta no art. 894 da CLT. (d) Agravo de petição (CLT, art. 897, a): é o recurso trabalhista cabível em incidentes ocorridos nas execuções de sentença. Só nas execuções de sentença. Não confundir com o recurso de agravo do processo civil, de estrutura inteiramente diversa. O agravo de petição trabalhista é conhecido pelo próprio juiz da execução, subindo, porém, à instância superior, se ele mantiver a sua decisão. (e) Agravo de instrumento (CLT, art. 897, b): é um recurso adicional, ou suplementar, que cabe dos despachos que denegarem a interposição de recursos. Também não deve ser confundido com o agravo de instrumento do processo civil. Como bem observou WAGNER D. GIGLIO, o agravo de instrumento trabalhista e o agravo de instrumento cível são, a toda evidência, recursos diferentes, que coincidem apenas no nome.66 Além dos recursos previstos na CLT, cabem também no processo trabalhista vários recursos que constam do Código de Processo Civil, como o recurso adesivo, os embargos declaratórios ou o recurso extraordinário. E ainda recursos que constam de leis esparsas, como a revisão do valor da causa, o recurso de ofício, a correição parcial e os agravos regimentais. 7. GRÁFICOS Esquemas dos dissídios individuais e dos dissídios coletivos. Seção V 1. GERAL O Código de Processo Civil dispõe sobre as partes e seus procuradores, sobre a forma dos atos processuais, bem como sobre a atuação do juiz cível e o modo pelo qual ele dará a sua prestação jurisdicional. O processo civil é um actum trium personarum, ou seja, uma relação entre três pessoas, em que um litigante (autor) pede ao juiz que lhe reconheça ou faça valer um direito contra uma outra pessoa (que será o réu). Primeiro o autor terá de pedir ao juiz que este lhe reconheça seu direito. Teremos então o processo de conhecimento, em que o juiz entrará no mérito da questão, e tomará conhecimento das razões de ambas as partes. O processo de conhecimento termina com a sentença do juiz, acolhendo ou não a pretensão do autor, condenando ou não o réu a uma determinada prestação. Após a sentença, poderá o vencido recorrer para o 2.º grau, no prazo de 15 (quinze) dias, onde a sentença será confirmada ou modificada. Quando não houver mais possibilidade de recurso, diz-se que a sentença transitou em julgado. Sobrevindo o trânsito em julgado, deve o réu cumprir o que foi determinado pela sentença. Para a compreensão do assunto é necessário esclarecer a diferença entre “processo” e “procedimento”. O processo é o conjunto das normas estabelecidas para a solução dos litígios. E procedimento é apenas um aspecto do processo, ou seja, é o modo ou o rito pelo qual o processo anda. O processo se divide em processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar. No processo de conhecimento o autor pede ao juiz que este lhe reconheça seu direito. No processo de execução o autor pede ao juiz que este faça valer um direito já reconhecido num título judicial ou extrajudicial. E no processo cautelar o autor pede ao juiz que este determine certas providências urgentes e inadiáveis, mesmo antes do processo principal, que será proposto logo após. Além dessas formas básicas, existem ainda inúmeros procedimentos especiais, regulados pelo Código de Processo Civil ou por leis avulsas, em que temos às vezes uma mistura de processo de conhecimento e processo de execução. 2. OS PARTICIPANTES DO PROCESSO De forma esquemática, o processo é uma relação jurídica triangular, figurando o juiz no vértice e as duas partes, autor e réu, em oposição, na base. Várias outras pessoas, porém, participam do processo, algumas necessariamente e outras de modo facultativo. Em primeiro lugar, teremos ao lado de cada parte o seu respectivo advogado, pois ninguém pode estar em Juízo sem procurador legalmente habilitado (salvo no Juizado Especial Cível). Temos depois os auxiliares da Justiça, sem os quais não seria possível o andamento do processo, como o escrivão, os escreventes, o oficial de justiça, os peritos, os depositários, os administradores e os intérpretes. Em muitos processos intervém também o órgão do Ministério Público, como fiscal da lei ou como defensor, quando estão envolvidos interesses de menores, incapazes, ou nas causas referentes ao estado da pessoa, família, poder familiar, tutela, curatela, interdição, casamento, testamento, e em todos os casos em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. Também nos processos de violência doméstica contra a mulher (Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha). Além disso, podem ainda surgir outros participantes, como, por exemplo, nos seguintes casos: Litisconsórcio – quando há mais de um autor ou mais de um réu, litigando no mesmo processo. Assistência – alguém que tenha interesse jurídico na vitória de um dos litigantes pode entrar no processo como assistente, colocando-se ao lado do autor ou do réu, para auxiliá-lo. Oposição – pode também surgir um terceiro, que entra no processo para lutar tanto contra o autor como contra o réu, alegando que a coisa ou o direito pertence a ele, opoente, e não a qualquer um deles. Nomeação à autoria - A está usando um automóvel de B, a título de empréstimo, quando recebe uma citação judicial de C, que requereu a apreensão do veículo. A então deve comparecer ao processo e nomear o verdadeiro réu, que é B. 3. DAS PROVAS Quem entra em Juízo deve provar o que alega, pois alegar e não provar é o mesmo que não alegar nada. Todos os meios de prova são válidos, desde que não sejam ilícitos ou imorais. Os meios de prova usuais são os documentos, as testemunhas, as declarações das partes, as vistorias e perícias, a inspeção judicial etc. Cada parte pode trazer até 10 testemunhas, mas se forem mais de 3 para a prova de cada fato, o juiz poderá dispensar as restantes. Se a testemunha intimada deixar de comparecer, sem motivo justificado, poderá ser conduzida, ou seja, trazida à força, por ordem do juiz, respondendo ainda pelas despesas causadas. O juiz ouve as testemunhas separada e sucessivamente, de modo que uma não ouça o depoimento das outras. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes (doentes mentais, menores de 16 anos, os cegos e os surdos, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam), os impedidos (os parentes, salvo algumas exceções) e os suspeitos (condenados por falso testemunho, pessoa de maus costumes, amigos ou inimigos das partes, e os que tiverem interesse no litígio). Antes de iniciar seu depoimento, a testemunha presta o compromisso de dizer a verdade, e é advertida pelo juiz de que poderá ser processada criminalmente se fizer afirmação falsa, ou calar ou ocultar a verdade. O art. 342 do CP impõe a pena de reclusão, de 1 a 3 anos, além de multa, para o crime de falso testemunho. Todavia, algumas pessoas podem escusar-se de depor. A testemunha não é obrigada a depor de fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral, em segundo grau (art. 406, I, do CPC). Também não são obrigadas a depor as pessoas que por estado ou profissão devam guardar sigilo. O advogado e o médico, por exemplo, têm odever de manter segredo do que souberam no exercício da profissão em relação ao cliente. 4. O PROCESSO DE CONHECIMENTO O processo de conhecimento principia com a petição inicial, subscrita por advogado, em que o autor indicará a sua pretensão e os fundamentos jurídicos do pedido. O juiz poderá indeferir a petição inicial se entender que não está formulada de modo adequado. Poderá ordenar, também, que o autor a corrija ou complete. Se a petição estiver em ordem, o juiz determinará, então, a citação do réu. Como diz o art. 213 do CPC, a citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender. Em regra, a citação é feita pelo correio, exceto nos casos indicados no art. 222 do CPC. Mas, conforme o caso, pode também ser feita por oficial de justiça ou por edital. Citado, terá o réu 15 (quinze) dias para apresentar a sua resposta. Decorrido o prazo de resposta, o juiz tomará providências para consertar eventuais irregularidades (providências preliminares). Em seguida fará uma avaliação geral, chamada julgamento conforme o estado do processo. No julgamento conforme o estado do processo abrem-se três caminhos para o juiz: (a) Extinção do processo. O juiz extinguirá o processo, por sentença, se não houver condições de prosseguimento regular, como na falta de pressupostos processuais ou de condições da ação, ou se ocorrerem certos fatos, como o acordo entre as partes. (b) Julgamento antecipado da lide. O juiz decidirá desde logo a questão, por sentença, se entender que os elementos existentes nos autos já são suficientes, especialmente no caso de revelia do réu. (c) Designação de audiência preliminar ou de conciliação. Se não for caso de extinção do processo, nem de julgamento antecipado, o juiz designará uma audiência de conciliação. Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença, encerrando-se o processo. Caso contrário, o juiz confere a regularidade do processo e determina o seu prosseguimento, autorizando provas e designando audiência de instrução e julgamento, se necessário (decisão de saneamento). Realizam-se então diligências e perícias, e todos os atos necessários ao esclarecimento da causa. Na audiência de instrução e julgamento ouvem-se as partes (se for o caso) e as testemunhas, e se realizam os debates. Terminados os debates, profere o juiz a sentença, na própria audiência, ou no prazo de 10 (dez) dias, acolhendo ou rejeitando, total ou parcialmente, o que foi pedido pelo autor, condenando, ou não o réu a uma determinada prestação. ESQUEMA DO PROCESSO DE CONHECIMENTO (procedimento comum ordinário) 5. OS RECURSOS No primeiro grau de jurisdição, os recursos mais usuais são a apelação, o agravo e os embargos de declaração. Apelação é o recurso que se pode interpor das sentenças proferidas pelos juízes. Entende-se como sentença o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. O prazo da apelação é de 15 dias. Agravo é o recurso que se pode interpor de certas decisões que resolvem apenas incidentes isolados do processo, sem encerrá-lo definitivamente. O prazo é de 10 dias. Na primeira instância, divide-se em agravo retido (regra) e agravo de instrumento (exceção). Embargos de declaração são um tipo de recurso dirigido ao próprio juiz da causa, e por ele decidido, em que se pede o esclarecimento de obscuridade, lacuna ou contradição da sentença. O prazo é de 5 dias. Além dos recursos citados, há ainda outros, cabíveis apenas em 2.ª instância, contra acórdãos, como os embargos infringentes, o recurso extraordinário ou o recurso especial, agravos regimentais e agravo contra despacho denegatório. A correição parcial não figura entre os recursos, mas constitui uma medida administrativa cabível contra atos do juiz que tumultuem o processo, em prejuízo da parte, quando no caso não houver um recurso específico. 6. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Transitada em julgado a sentença deve o réu cumpri-la. Na condenação em quantia certa ou já fixada em liquidação o pagamento deve ser efetuado em 15 dias, a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa de 10% revertida a favor do credor (CPC, art. 475-J, na redação dada pela Lei 11.232/2005). Não tendo havido cumprimento passa-se para a execução, a requerimento do credor, com a expedição de mandado de penhora e avaliação, a cargo de oficial de justiça. Podem ser requisitadas informações ao sistema bancário sobre depósitos em dinheiro, com ordem de retenção (penhora on line). Pode ser determinada penhora de percentual de faturamento de empresa. Após a penhora o devedor poderá oferecer impugnação, no prazo de 15 dias, caso entenda haver elementos a seu favor. Não oferecida impugnação, ou rejeitada esta, passa-se para a fase expropriação dos bens penhorados, para solução da dívida, na seguinte ordem de precedência: I) adjudicação, com a transferência de propriedade dos bens penhorados para o credor; II) venda por iniciativa particular; III) alienação em hasta pública; IV) usufruto do móvel ou imóvel penhorado, a favor do credor, pelo tempo julgado necessário à quitação da dívida. Nas obrigações de fazer ou não fazer, ou de entregar coisa, o cumprimento da sentença se fará por determinações do juiz (provimentos mandamentais), com aplicação de multa ou outras sanções. O desrespeito às determinações podem constituir ato atentatório à jurisdição com sanções civis e criminais (CPC, art. 14, parágrafo único). A execução pode ser definitiva ou provisória. A provisória cabe no caso de existir ainda recurso em andamento. 7. EXECUÇÃO DE TÍTULOS JUDICIAIS Além da sentença há outros títulos judiciais, como o acordo judicial homologado, a sentença estrangeira homologada, o formal e a certidão de partilha etc. (CPC, art. 475-N). Em princípio, a execução desses outros títulos judiciais segue o mesmo procedimento da execução de sentença, com as adaptações devidas. 8. EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS Títulos extrajudiciais são títulos com força executiva própria, como por exemplo o cheque, a nota promissória ou a duplicata. A execução de títulos extrajudiciais tem procedimento autônomo, diverso da execução de sentença. Esta corre nos mesmos autos do processo de conhecimento, sem solução de continuidade, ao passo que nos títulos extrajudiciais trata-se de processo novo e independente. Na execução de título extrajudicial haverá sempre citação do réu, o que em regra não ocorre na execução de título judicial (salvo no caso de sentença penal nos seus efeitos civis, sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo STJ). A defesa na execução extrajudicial faz-se por embargos e não por impugnação. 9. O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL A Lei 9.099, de 26.09.1995, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, devendo os Estados e o Distrito Federal providenciar a instalação dos mesmos. O art. 97 da Lei 9.099/1995 revogou a Lei 7.244/1984, que dispunha acerca do Juizado Especial de Pequenas Causas.67 O Juizado Especial Cível julga uma série de causas menos complexas, assim consideradas, por exemplo, as que tenham valor até 40 salários mínimos, a ação de despejo para uso próprio, todas as ações relacionadas no art. 275, II, do CPC, como as ações de reparação de dano causado em acidente de veículo de via terrestre etc., e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 salários mínimos. O Juizado trata também da execução de seus julgados, bem como da execução de títulos executivos extrajudiciais até 40 salários mínimos. O Juizado é opcional, não revogando os outros procedimentos. Figuram no Juizado Cível o juiz de direito, os conciliadores, os juízes leigos, os árbitros e a Secretaria. Os conciliadores auxiliam o juiz na tentativa de seobter um acordo entre as partes. Os juízes leigos podem substituir o juiz de direito em várias funções, até na prolação da sentença (nos casos em que tiverem dirigido o processo). Mas a sentença do juiz leigo tem de ser confirmada pelo juiz de direito, por homologação. O juiz de direito pode rejeitar a sentença do juiz leigo, proferindo outra em substituição. Os conciliadores devem ser bacharéis em direito e os juízes leigos devem ser advogados com mais de cinco anos de prática. A denominação “juízes leigos” não parece adequada, pois advogados não são leigos, ainda mais com cinco anos de experiência. O árbitro é um integrante do quadro de juízes leigos, que pode ser escolhido pelas partes, de comum acordo, para decidir a questão. O momento para a escolha do árbitro é na sessão de conciliação, depois de verificada a impossibilidade de acordo. A solução do árbitro chama-se laudo arbitral, devendo o mesmo ser confirmado pelo juiz de direito, por homologação. O laudo arbitral homologado é irrecorrível, não parecendo, por isso, a arbitragem, uma solução muito interessante para as partes, vez que das sentenças do juiz de direito ou do juiz leigo sempre cabe recurso. Não aceito o arbitramento, segue o processo normalmente, sob a direção do juiz, até final sentença. Só pessoas físicas podem demandar perante o Juizado, ficando excluídas, portanto, as pessoas jurídicas, que só podem figurar como rés. O processo é gratuito e se inicia pela reclamação do demandante perante a Secretaria do Juizado, de forma escrita ou oral. O processamento divide-se em duas fases. Primeiro o réu é citado para comparecer à sessão de conciliação e depois, se não houver acordo, e não for instituído o juízo arbitral, é ele intimado para comparecer à audiência de instrução e julgamento, caso possa resultar prejuízo à defesa a sua imediata realização, logo em seguida à tentativa de conciliação. O réu não pode faltar em nenhuma dessas duas ocasiões. A sua ausência, em qualquer delas, implica na aceitação da palavra do autor como verdadeira (em princípio) e julgamento imediato da lide. O réu, se for pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado. Nas causas de valor até 20 salários mínimos as partes podem comparecer com ou sem advogado, nas de valor superior, porém, é obrigatória a presença de advogado. As partes podem trazer testemunhas à audiência (até 3 para cada parte), ou requerer a intimação das mesmas, com cinco dias de antecedência. Da sentença cabe recurso, no prazo de 10 dias, para uma turma composta por três juízes de direito, do próprio Juizado. Para recorrer é necessário contratar advogado e pagar as custas. Não cabe recurso da homologação de acordo ou do laudo arbitral. A execução do julgado processa-se no próprio Juizado, sem nova citação. O devedor poderá oferecer embargos alegando falta ou nulidade de citação, excesso de execução erro de cálculo e existência de causa modificativa, impeditiva ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença. Improcedentes os embargos, será o executado condenado ao pagamento de custas. 10. A ARBITRAGEM A lei permite que as pessoas estabeleçam num contrato que eventuais divergências futuras, referentes ao contrato, sejam decididas por um ou mais árbitros previamente indicados pelos contratantes, ao invés de recorrerem ao Judiciário (Lei 9.307, de 23.09.1996). A arbitragem abrange somente direitos patrimoniais disponíveis. Questões de família, ou de ordem pública, por exemplo, não podem ser decididas por este meio. Árbitros podem ser particulares, órgãos arbitrais institucionais ou entidades especializadas. Pode ser indicado umárbitro só, ou três, ou vários árbitros, mas sempre em número ímpar. O tribunal arbitral é composto pela reunião dos árbitros indicados, um deles como presidente, por eles eleito. A opção pela arbitragem é feita no contrato, ou em documento avulso, por uma cláusula, chamadacláusula compromissória, com a indicação desde logo, ou não, do árbitro ou dos árbitros. Nos contratos de adesão, em série, ou de massa, a cláusula compromissória deve ser feita em documento anexo, ou em negrito, com assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Se mais tarde surgir uma divergência, referente ao contrato, devem as partes reduzir a escrito o teor da controvérsia, indicando o árbitro ou os árbitros, se não o fizerem antes, comprometendo-se outrossim a acatar a decisão arbitral. Este segundo documento tem o nome de compromisso arbitral. A convenção de arbitragem envolve, portanto, dois compromissos, primeiro a cláusula compromissória, por ocasião do contrato ou em documento avulso, e depois o compromisso arbitral, quando surgir uma divergência referente ao contrato, a ser solucionada. Se uma das partes se esquivar ou se recusar a firmar o compromisso arbitral, pode a outra parte notificá-la pelo correio, ou por outro meio, mediante comprovação de recebimento, para comparecer e assinar o compromisso, em dia, hora e local indicados. Não comparecendo a parte convocada, deve o interessado dirigir-se ao Judiciário, onde o compromisso arbitral, se for o caso, poderá até ser imposto por sentença, em cumprimento à cláusula compromissória estabelecida no contrato. Investidos finalmente os árbitros nas suas funções, cabe-lhes decidir a controvérsia existente, respeitando os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade. As partes podem postular por intermédio de advogado e designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral, se assim desejarem. O que o árbitro decidir é definitivo. “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário” (Lei 9.307/1996, art. 18). Cabe, porém, pedido de esclarecimento aos árbitros, em 5 dias, no caso de obscuridade, dúvida, contradição ou omissão da sentença arbitral. A sentença do árbitro pode ser anulada, por ação judicial ordinária, proposta em 90 dias, no caso de nulidade do compromisso ou impedimento do árbitro, ou de algum outro vício arrolado no art. 32 da Lei 9.307/1996. As nulidades da sentença arbitral podem também ser arguidas nas execuções judiciais, por meio de embargos do devedor. Cabe salientar ainda que a arbitragem pode também ser pactuada pela partes na ocorrência de uma divergência sobre determinada questão patrimonial disponível, independentemente de convenção antecipada em contrato. Finalmente, é preciso destacar bem que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) taxa de abusiva e nula de pleno direito a cláusula contratual relativa ao fornecimento de produtos e serviços que determine a utilização compulsória de arbitragem (art. 51, VII). Seção VI 1. O INQUÉRITO POLICIAL Em regra, o processo penal é precedido por um inquérito policial, em que se investigam o crime e as circunstâncias envolvidas. Os elementos colhidos no inquérito servem de base para a posterior ação penal, a ser proposta em Juízo. O inquérito não é indispensável, podendo a ação penal iniciar-se sem o mesmo, desde que se disponha de outros elementos, que contenham indícios sobre a materialidade e a autoria do delito. O inquérito policial é instaurado pela autoridade policial, mediante a simples notícia do crime, ou a requerimento do ofendido, ou por requisição do juiz ou do promotor de justiça. 2. A DENÚNCIA E A QUEIXA O processo penal inicia-se com o oferecimento da denúncia, que é um requerimento padrão elaborado pelo representante do Ministério Público. Deve a denúncia conter a descrição dos fatos, a imputação da autoria e a classificação do crime. Nos crimes de ação penal privada, a ação inicia-se com o oferecimento da queixa, que é uma peça técnicaidêntica à denúncia, só que subscrita pelo advogado, com poderes especiais, do ofendido. A denúncia e a queixa são apresentadas ao juiz, que poderá recebê-las ou não. A denúncia ou a queixa será rejeitada nas hipóteses arroladas nos incisos do art. 395 do CPP. 3. CRIMES DE AÇÃO PÚBLICA E CRIMES DE AÇÃO PRIVADA A ação penal pública, ou seja, o processo é instaurado, desenvolvido e concluído de ofício, pelas autoridades competentes, independentemente da vontade ou da iniciativa das partes. Às vezes a ação penal pública é condicionada, dependendo o seu início de representação do ofendido ou de seu representante legal, ou da requisição de certas autoridades, como, por exemplo, no crime contra a honra cometido contra o Presidente das República (art. 141, I c/c art. 145, parágrafo único, do CP). Em outros casos, porém, a ação penal é privada, ficando o seu exercício a critério do ofendido, como no crime de exercício arbitrário das próprias razões. Nos crimes de ação penal privada, portanto, o ofendido deve contratar advogado para propor a queixa- crime e conduzir o processo penal até o fim, se quiser. Ação penal privada subsidiária da pública é a que se admite nos casos de ação penal pública, se esta não for iniciada pelo representante do Ministério Público dentro do prazo legal. Na ação penal privada subsidiária da pública o Ministério Público pode aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo retomar a ação como parte principal, se o querelante for negligente. 4. AS FORMAS PROCESSUAIS O processo penal pode desenvolver-se de várias formas. Temos o procedimento comum e os procedimentos especiais, sendo que o procedimento comum divide-se em ordinário, sumário e sumaríssimo. O procedimento comum ordinário aplica-se nos crimes com pena privativa de liberdade igual ou superior a 4 anos. O sumário com pena inferior a 4 anos. E o sumaríssimo com pena máxima cominada não superior a 2 anos (infrações penais de menor potencial ofensivo), cujo julgamento é atribuído ao Juizado Especial Criminal (CPP, art. 394; Lei 9.099/1995). Procedimentos especiais são os que no todo ou em parte se afastam do andamento comum, como o procedimento do Júri ou o referente a crimes contra a propriedade imaterial. 5. PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO Com base no inquérito policial, ou com apoio em outros elementos, o representante do Ministério Público oferece a denúncia. Em certos casos, como vimos, a denúncia é substituída pela queixa (ou queixa-crime), oferecida pelo advogado do ofendido. Tanto a denúncia como a queixa podem ser rejeitadas pelo juiz, cabendo recurso dessa decisão. Em vez de oferecer a denúncia, poderá o representante do Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, se entender que não há indícios de crime. Se o juiz não concordar com o arquivamento, remeterá os autos ao Procurador-Geral de Justiça, para que este ofereça a denúncia, designe outro promotor para oferecê-la ou insista no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. Ao receber a denúncia ou a queixa, o juiz manda citar o acusado, que terá 10 dias para apresentar defesa. O juiz o absolverá desde logo (absolvição sumária) se verificar ausência de ilicitude ou culpabilidade, inexistência de crime ou punibilidade já extinta. Não sendo caso de absolvição sumária é designada audiência, ouvindo-se o ofendido e as testemunhas de acusação e de defesa, com as diligências necessárias, como perícias, acareações, reconhecimento de pessoas etc., seguindo-se por último o interrogatório do réu. Após o interrogatório, e não havendo necessidade de outras diligências, acusação e defesa terão 20 minutos cada para alegações finais orais, seguindo-se a sentença. Nos casos mais complexos poderão ser permitidas alegações finais por escrito, em 5 dias.68 6. FUNCIONAMENTO DO JÚRI O júri julga os crimes dolosos contra a vida, que são os seguintes: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto (CP, arts. 121 a 128). O Tribunal do Júri compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de vinte e cinco (25) jurados (ou juízes de fato), sorteados entre os alistados, sete (7) dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento. O serviço do júri é obrigatório e os jurados, dentro de suas funções, têm as mesmas responsabilidades do juiz de direito. O exercício efetivo da função de jurado constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral e assegura preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas, concursos públicos e promoções funcionais (CPP, arts. 439 e 440). Todo ano o juiz-presidente elabora uma lista de 80 a 1.500 pessoas, conforme a comarca, registrando os nomes em cédulas, colocadas numa urna geral. Na época apropriada, antes de um julgamento ou de uma série de julgamentos, tiram-se da urna geral os nomes dos vinte e cinco (25) jurados, que serão chamados para servirem na sessão periódica. Esses 25 nomes serão colocados numa urna menor chamada urna de sorteio. No dia de cada julgamento tiram-se da urna de sorteio as cédulas correspondentes a sete jurados (sorteados dentre os 25) para comporem o conselho de sentença. Perante o juiz-presidente e os sete jurados, bem como os representantes da acusação e da defesa, ouvem-se a vítima e as testemunhas, procede-se à inquirição do réu, examinam-se as provas e se realizam os debates. Terminados os trabalhos os sete jurados são convidados para irem à sala especial (sala secreta). Nesta sala deverão eles dar a decisão sobre o caso, votando quesitos formulados e explicados pelo juiz-presidente. Conforme a votação dada aos quesitos, os jurados estarão condenando ou absolvendo o réu. Segue-se a sentença elaborada pelo juiz-presidente, de acordo com a votação dos jurados. 7. O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL A Lei 9.099, de 26.09.1995, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, devendo os Estados e o Distrito Federal providenciar a instalação dos mesmos.69 Compete ao Juizado Especial Criminal a conciliação, processo, julgamento e execução dascontravenções penais e dos crimes apenados com pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (Lei 11.313/2006). Figuram no Juizado Especial Criminal o juiz (juiz togado), os conciliadores, os juízes leigos e a Secretaria (equivalente ao Cartório). A lei federal, no caso, deixou a definição das funções dos juízes leigos para as leis locais, de organização judiciária. Nas infrações penais abrangidas pelo Juizado, a autoridade policial, ao tomar conhecimento do fato, lavra um termo circunstanciado (TC), requisita os exames necessários, e encaminha as partes imediatamente para o Juizado Especial Criminal, sem abertura de inquérito policial.70 Em juízo há uma fase preliminar, em que se tenta um acordo entre as partes sobre a indenização dos danos, e o representante do Ministério Público propõe a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta, nos casos em que o agente possa merecer este tipo de tratamento (Lei 9.099/1995, art. 76, § 2.º). Havendo acordo sobre a indenização dos danos é o mesmo homologado, passando a valer como título executivo. Se o agente aceitar a proposta feita pelo representante do Ministério Público, pode o juiz aplicá-la por sentença, se entender estar a mesma dentro dos requisitos legais. Não aceita a proposta de pena, ou ausente o autor do fato, prossegue-se com imediata denúncia oral, formulada pelo representante do Ministério Público, se não houver necessidade de diligência. A denúncia é reduzidaa termo e se procede à citação do autor do fato, com a designação de audiência de instrução e julgamento. Se o agente estiver presente, a citação dá-se com a mera entrega a ele de cópia da denúncia. Se o agente não for encontrado para ser citado, cessa a função do Juizado Especial Criminal e se encaminha o caso para o Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei. Na data marcada para a audiência, repete-se a fase preliminar, antes da audiência, se não houve possibilidade de concretizá-la na ocasião própria, por não ter sido possível a intimação do agente. Sendo infrutífera a repetição da fase preliminar, passa-se para a audiência. Aberta a audiência de instrução e julgamento, fala primeiro a defesa, para responder à acusação; segue-se o recebimento da denúncia, a ouvida da vítima e das testemunhas, o interrogatório, os debates e a sentença. Da sentença cabe apelação, no prazo de dez dias, para uma turma de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição. 8. SUSPENSÃO DO PROCESSO Em todos os crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano, pode o representante do Ministério Público, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão condicional do processo, por dois a quatro anos, mediante certas condições, como, por exemplo, comparecer mensalmente a juízo. Se o acusado aceitar a proposta, e o prazo terminar sem revogação do benefício, fica extinta a punibilidade. Se a proposta não for aceita, segue o processo normalmente. Outro caso de suspensão do processo ocorre na suspensão em decorrência de citação por edital. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado nos autos, no prazo de defesa prévia, suspende-se o processo e o curso do prazo prescricional, até o seu comparecimento. Comparecendo o acusado, passa o processo a andar normalmente. O juiz pode determinar a produção antecipada de provas, podendo também decretar a prisão preventiva, se for o caso (CPP, art. 366, caput). PARTE III - DIREITO PRIVADO Seção I INTRODUÇÃO O Direito civil é um conjunto de normas que regulamentam as relações jurídicas das pessoas entre si. A parte geral do Código Civil, de 2002, trata das pessoas naturais e jurídicas, dos bens e dos fatos jurídicos, dispondo sobre a criação, a modificação e a extinção de direitos. A parte especial trata das obrigações, do direito de empresa, do direito das coisas, do direito de família e do direito das sucessões. O direito das obrigações trata do vínculo pessoal que liga credores e devedores, tendo por objeto uma prestação patrimonial. O direito de empresa refere-se ao exercício profissional de atividade econômica organizada, para a produção ou circulação de bens ou de serviços. O direito das coisas versa sobre o vínculo que se estabelece entre as pessoas e os bens, como a propriedade, a posse ou a hipoteca. Odireito de família disciplina as relações pessoais e patrimoniais da família, como casamento, filiação, parentesco, poder familiar etc. E o direito das sucessões regula a transmissão dos bens das pessoas falecidas. 1. PESSOA NATURAL OU FÍSICA Pessoa natural ou física é o ser humano, ou seja, a criatura que provenha de mulher. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A existência da pessoa natural termina com a morte.1 Para efeitos civis, presume-se a morte em dois casos: (a) abertura de sucessão definitiva em processo de ausência; (b) indícios veementes (declarados por sentença), como morte provável de quem estava em perigo de vida (CC, art. 7.º). A morte presumida abre a sucessão definitiva (CC, art. 37) e dissolve o vínculo conjugal (CC, art. 1.571, § 1.º, e art. 6.º). 2. CAPACIDADE CIVIL Capacidade civil é a aptidão da pessoa física para exercer direitos e assumir obrigações. Nem todos têm capacidade plena, pois há fatos que reduzem ou anulam essa capacidade. A maioridade civil ocorre aos 18 (dezoito) anos de idade. Poderá a maioridade ser declarada antes, nos seguintes casos: (a) emancipação, por concessão dos responsáveis; (b) casamento; (c) emprego público; (d) colação de grau em curso superior; (e) aquisição de economia própria, resultante de emprego ou estabelecimento civil ou comercial. Relativamente incapazes (que devem ser assistidos pelos pais ou responsáveis nos atos da vida civil) são os menores entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, os ébrios habituais, os toxicômanos, os deficientes mentais, os excepcionais e os pródigos. Pródigo é quem esbanja desmedidamente os seus bens. Absolutamente incapazes (que devem ser representados pelos pais ou responsáveis nos atos da vida civil) são os menores de 16 (dezesseis) anos, os sem discernimento suficiente, por enfermidade ou deficiência mental, e os que não puderem exprimir a sua vontade. A capacidade civil dos índios regula-se por lei especial. A emancipação é dada em Cartório, por instrumento público, independentemente de homologação judicial. 3. DIREITOS DA PERSONALIDADE O Código Civil protege os direitos da personalidade, assim entendidos os referentes ao nome, à divulgação não autorizada de escritos ou da própria imagem, bem como à disposição de órgãos para transplante (CC, arts. 11 a 21). 4. AUSÊNCIA Considera-se ausente a pessoa que desaparece de seu domicílio, não havendo dela notícia. A lei dá à ausência uma solução em três etapas. Se o ausente não deixou representante ou procurador, será feita a arrecadação judicial de seus bens, com a nomeação de um curador, publicando-se editais sobre o fato, de dois em dois meses. Um ano após o primeiro edital poderá ser aberta a sucessão provisória, entrando os herdeiros na posse dos bens, se prestarem garantia pignoratícia ou hipotecária de devolução integral, em caso de retorno do ausente. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória ou em 5 (cinco) anos das últimas notícias, se o ausente contar 80 (oitenta) anos de idade, converte-se a sucessão provisória em definitiva, com o levantamento das cauções prestadas. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, receberá ele os bens no estado em que se acharem. A sucessão definitiva faz presumir a morte e dissolve o vínculo conjugal. 4.1 Morte presumida Independentemente do processo de ausência, pode também ser presumida a morte, desde logo, de pessoa que estava em perigo de vida, com falecimento extremamente provável, ou de pessoa desaparecida na guerra, em campanha ou feita prisioneira (CC, art. 7.º). A morte presumida abre a sucessão definitiva (CC, art. 37) e dissolve o vínculo conjugal (CC, art. 1.571, § 1.º, c/c o art. 6.º, segunda parte). 5. PESSOA JURÍDICA Pessoa jurídica é a entidade constituída de homens ou bens, com vida, direitos, obrigações e patrimônio próprios. São pessoas jurídicas de Direito público interno, por exemplo, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios e as autarquias. Os estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público constituem as chamadas pessoas jurídicas de Direito público externo. São pessoas jurídicas de Direito privado as sociedades (civis e empresariais), associações e fundações, bem como as organizações religiosas e os partidos políticos (CC, art. 44). As sociedades e associações são organizações de pessoas reunidas intencionalmente para determinado fim, que se apresentam perante terceiros como se fossem uma pessoa só – a pessoa jurídica, que tem personalidade distinta da de seus membros. As associações destinam-se a fins não econômicos. A fundação, por sua vez, é a organização de um patrimônio destacado pelo instituidorcom uma finalidade. A fundação pode ser criada por escritura pública ou testamento, devendo o instituidor doar os meios necessários e especificar o fim a que se destina e a maneira de administrá-la. Para muitos autores, as fundações públicas são uma espécie de autarquia. A personalidade das pessoas jurídicas de direito privado inicia-se com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro competente e termina com a sua dissolução. A falta do registro competente acarreta para a sociedade a consequência de ser considerada umasociedade de fato, ou “sociedade em comum”, respondendo os sócios solidária e ilimitadamente por todas as dívidas sociais. As pessoas jurídicas são representadas, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não o designando, pelos seus diretores. 6. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Os administradores ou sócios da pessoa jurídica poderão ser chamados a responder pessoalmente pelas dívidas destas, se a usarem para obter vantagens indevidas, em prejuízo dos credores, confundindo os patrimônios ou usando o nome social para fins alheios à sua finalidade (CC, art. 50). 7. DOMICÍLIO A noção de domicílio é importante para completar a qualificação de uma pessoa, e para estabelecer o lugar onde deva responder por suas obrigações. Em regra, o devedor deve ser demandado no lugar do seu domicílio. O domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo (CC, art. 70). Nesta definição, emprega a lei dois critérios; um critério objetivo (lugar) e um critério subjetivo ou psicológico (ânimo definitivo). Não basta, portanto, a simples residência temporária ou ocasional para se estabelecer o domicílio de uma pessoa. Pode, porém, a pessoa natural ter mais de um domicílio, o que ocorre quando tem duas ou mais residências, onde viva alternadamente, ou quando tenha vários centros de ocupações habituais. Neste caso, qualquer dessas residências ou centros de ocupação serão considerados como domicílio. E se a pessoa não tem residência habitual e vive viajando de um lugar para outro, como os saltimbancos de circo e certos ambulantes? Neste caso, o domicílio dessas pessoas será o lugar onde forem encontradas (CC, art. 72, parágrafo único). Domicílio voluntário é aquele cuja escolha depende apenas da vontade do indivíduo. Domicílio legal ou necessário é o estabelecido pela lei. Por exemplo, o domicílio do funcionário público efetivo será o do lugar onde exerce as suas funções; o domicílio do filho menor será o do pai; o dos presos, onde cumprem a sentença etc. O domicílio ou foro de eleição é o estabelecido por convenção das partes nos contratos. O domicílio da pessoa jurídica de direito privado será o da sua sede, mas se uma empresa tiver vários estabelecimentos em lugares diferentes, cada um será considerado domicílio para os atos nele praticados (CC, art. 75, § 1.º). 8. BENS E SUA CLASSIFICAÇÃO Bens ou coisas são os elementos que podem constituir o patrimônio de alguém. Os bens se classificam em: (a) corpóreos e incorpóreos; (b) móveis, imóveis e semoventes; (c) fungíveis e infungíveis; (d) consumíveis e inconsumíveis; (e) divisíveis e indivisíveis; (f) singulares e coletivos; (g) principais e acessórios; (h) pertenças; (i) públicos e particulares; (j) no comércio e fora do comércio. Corpóreos – são os bens físicos (uma mesa). Incorpóreos – são os bens abstratos (um direito). Móveis – são os suscetíveis de locomoção (uma cadeira). Semoventes – são os animais; no direito os animais estão incluídos na classe dos móveis ou dos imóveis por destinação. Imóveis – são os que não podem ser transportados sem alteração de sua substância. Subdividem-se em: (a) imóveis por natureza (o solo, o subsolo, o espaço aéreo etc.); (b) imóveis por acessão (construções, sementes lançadas a terra etc.); (c) imóveis por destinação (utensílios agrícolas, animais, fazenda de porteiras fechadas etc.); (d) imóveis por disposição legal (penhor agrícola, sucessão aberta etc.). Fungíveis – são os que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (5 metros de tecido, 20 sacas de milho, o dinheiro etc.). Infungíveis – são os bens a que se atribui valor pela sua individualidade (uma tela de Portinari, a coroa de D. Pedro II, e todo e qualquer objeto que se deseja por si, sem admitir substituição). Consumíveis – são os que se destroem à medida que vão sendo utilizados (alimentos em geral, bens de consumo). O art. 86 do CC também considera como consumíveis os bens destinados à alienação; (neste sentido, tudo que está numa loja é consumível). Inconsumíveis – são os bens duráveis, ou seja, as coisas destinadas para uso e não para o consumo (um livro, uma máquina). Divisíveis – são os que podem se partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito (um prédio de apartamentos, um terreno). Indivisíveis – são os que não admitem divisão (um relógio, um cavalo etc.). Singulares – são as coisas consideradas de per si (um boi, um livro). Coletivos – são coisas agregadas num todo (uma boiada, uma biblioteca etc.). Principais – são os que assim se consideram em relação a outros, considerados acessórios (a árvore, em relação ao fruto). Acessórios – são as coisas que se consideram decorrentes de outras, chamadas principais (o fruto, em relação à árvore). Entre os acessórios contam-se as benfeitorias e os frutos. As benfeitorias se classificam em: (a) necessárias (conservação); (b) úteis (melhoramentos); (c) voluptuárias (embelezamento). Os frutos se classificam em: (a) naturais (frutos das árvores, crias dos animais etc.); (b) industriais (provenientes de atividades ou cultura); (c) civis (rendimentos). Pertenças – são bens com características próprias e individualizadas, que se juntam a outros bens, de modo duradouro, para uso, serviço ou embelezamento destes, como um ventilador dentro de um automóvel, ou flores artificiais dentro de uma casa. Parecem acessórios, mas não são, porque sua existência independe de outros bens, nem deles decorre. A rigor, poderiam ser classificados como bens acessórios acidentais. O contrato sobre o bem principal não abrange a pertença, salvo lei ou estipulação em contrário (CC, art. 94). Públicos – são os bens do domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados ou Municípios. Particulares – são os bens que pertencem a pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado. No comércio – são os bens negociáveis. Fora do comércio – são os bens insuscetíveis de apropriação (luz solar, ar atmosférico etc.), e também as coisas inalienáveis, por destinação ou por lei (bem de família, imóvel gravado com inalienabilidade por cláusula testamentária etc.). 9. NEGÓCIO JURÍDICO Chama-se fato jurídico o acontecimento decorrente da natureza ou da ação humana, que possa interessar ao direito. A chuva, por exemplo, é um fato natural, mas se estiver relacionada com um contrato de seguro, essa mesma chuva passa a ser um fato jurídico, que interessa para determinada relação de direito. Se o fato decorre da ação humana, e interessar ao direito, temos o que se denomina ato jurídico. O ato jurídico divide-se em duas categorias. A primeira classe é a do ato jurídico em sentido estrito. A lei, neste caso, delineia quase que inteiramente a forma, os termos e as decorrências ou as consequências do ato, restando ao agente pouca margem deliberativa. Exemplos citados são o reconhecimento de filho, ou o procedimento de interpelação judicial. A segunda categoria é o negócio jurídico, colocado agora em destaque no Código Civil. No negócio jurídico (queé espécie de ato jurídico), o agente tem um campo mais amplo de deliberação. Pode ele, no negócio jurídico, criar ou modificar direitos, estabelecer os termos do ato, e indicar as suas decorrências ou consequências, naturalmente dentro das balizas da lei. Diz VON BÜLOW que negócio jurídico é “a norma concreta estabelecida pelas partes”. O negócio jurídico típico é o contrato. A validade do ato e do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não proibida por lei (CC, art. 104). 10. CONDIÇÃO, TERMO, ENCARGO A condição constitui uma cláusula, inserida no negócio jurídico, referente a evento futuro, do qual dependem os efeitos do ato. Não vale a condição deixada ao inteiro arbítrio da parte (pagarei 100, quando quiser). Tal condição invalida inclusive todo o negócio. Condição resolutiva é aquela cuja ocorrência extingue o ato ou a obrigação, como no caso da propriedade fiduciária, que desaparece com o pagamento final do débito. Termo é o momento, ou o fato, que marca o início (termo inicial) ou o fim (termo final) de um direito, de uma obrigação, ou de um prazo. Prazo é o espaço de tempo que corre entre o termo inicial e o termo final. Encargo é a imposição de fato ou tarefa acessória, exigida para se considerar válido o negócio jurídico, ou cumprida a obrigação. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico (CC, art. 137). 11. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO, DOLO, COAÇÃO, ESTADO DE PERIGO, LESÃO E FRAUDE CONTRA CREDORES Os atos jurídicos podem ser anulados se forem viciados por algum dos defeitos em epígrafe (CC, arts. 138 a 165). Erro é a falsa noção sobre alguma coisa. Equivale à ignorância, que é a ausência de conhecimento. Só anula o ato jurídico o erro substancial ou essencial (fazer uma doação, pensando tratar-se de venda; comprar um quadro de um pintor, pensando que é de outro). Não anula o ato o erro acidental ou secundário (comprar uma casa com duas janelas de frente, pensando que tinha três). Dolo é o artifício empregado para enganar alguém (não confundir com o dolo do Direito Penal). Não se considera dolo o simples elogio da mercadoria ou o exagero da publicidade (dolus bonus). Aqui também, à semelhança do que ocorre no erro, o dolo deve ser de certa gravidade (dolus malus); a ponto de se considerar que o ato jurídico sem ele não seria praticado. O dolo sobre aspectos secundários do negócio (dolo acidental) não anula o ato, dando direito, porém, a perdas e danos. Coação é a violência física ou moral que impede alguém de proceder livremente. Também deve ser de certa gravidade, a ponto de incutir fundado temor (CC, art. 151). Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial (CC, art. 153). Estado de perigo caracteriza-se quando uma pessoa assume obrigação excessivamente onerosa, para salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano, conhecido pela outra parte (CC, art. 156). Lesão ocorre quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (CC, art. 157). Fraude contra credores é praticada pelo devedor insolvente, ou na iminência de o ser, que desfalca seu patrimônio, onerando ou alienando bens, subtraindo-os à garantia comum dos credores (CC, arts. 158 a 165). Caracteriza-se também a fraude pela simulação de dívidas, pagamento de dívida não vencida, remissão de dívida etc., desde que esses atos acarretem ou agravem a insolvência do devedor. Tais atos fraudulentos podem ser anulados. 12. NULIDADES. ATOS NULOS E ATOS ANULÁVEIS A falta de algum elemento substancial do ato jurídico torna- o nulo (nulidade absoluta) ou anulável(nulidade relativa). É nulo o ato jurídico: (a) quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (menores de 16 (dezesseis) anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade); (b) quando for ilícito ou impossível ou indeterminável o seu objeto (dívida de jogo, venda de terrenos em Marte); (c) o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; (d) quando não revestir a forma prescrita em lei (contrato verbal de seguro); (e) quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade (solenidades do casamento civil); (f) tiver por objetivo fraudar lei imperativa; (g) quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar (alguma outra) sanção (casamento contraído perante autoridade incompetente, art. 166 do CC). É anulável o ato jurídico (além dos casos expressos em lei): (a) quando praticado por pessoa relativamente incapaz (maiores de 16 e menores de 18 anos); (b) quando viciado por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. A diferença entre ato nulo e anulável está no grau ou na gravidade do ato. Da violação de preceitos de ordem pública surge o ato nulo (nulidade absoluta), podendo esta nulidade ser arguida a qualquer tempo, por qualquer pessoa ou pelo Ministério Público. A nulidade absoluta deve ser pronunciada de ofício, pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos seus efeitos. O ato nulo não pode ser convalidado nem ratificado. O ato anulável (nulidade relativa), ao contrário, pode ser ratificado pelas partes. Só os interessados diretos podem alegar a nulidade relativa. O Ministério Público não pode argui-la e o juiz não pode declará-la de ofício, sem provocação da parte. Alguns doutrinadores referem-se também a uma terceira categoria, a dos atos inexistentes, em que o grau de nulidade seria tão grande e tão patente, que não necessitaria ser declarado em Juízo, como o casamento de pessoas do mesmo sexo ou a compra e venda em que não se tenha fixado o preço. 13. SIMULAÇÃO No direito anterior a simulação figurava entre os atos anuláveis, como defeito do ato jurídico (CC/1916, art. 102). No Código Civil atual a simulação torna o ato nulo (nulidade absoluta). A simulação consiste na realização de um negócio jurídico aparente, que não corresponde a real intenção das partes. Trata-se de ação bilateral, para enganar terceiros ou contornar a lei. Diz-se absoluta a simulação quando as partes não desejam realizar negócio algum, como na compra e venda fictícia, entre amigos, só para ludibriar credores. A simulação relativa (também chamada dissimulação) ocorre quando o negócio jurídico é um disfarce, para a obtenção dos efeitos de um outro negócio, constitutivo do verdadeiro objetivo das partes. Exemplo é uma compra e venda para disfarçar uma doação. Excepcionalmente, poderá até subsistir o negócio jurídico desejado, se por acaso o contrato fictício contiver requisitos para tanto, de substância e de forma (CC, art. 167, segunda parte, e art. 170). Hipótese, porém, de difícil alcance prático, diante da natureza da matéria. 14. ATOS ILÍCITOS E RESPONSABILIDADE CIVIL Ato ilícito é o ato contrário ao direito, do qual resulta dano para outrem. A consequência do ato ilícito, na esfera civil, é a obrigação de reparar o dano (responsabilidade civil). O dano pode ser material ou moral. Dano material é o que afeta o patrimônio. Dano moral é o dano não econômico, que afeta diretamente a pessoa, física ou moralmente (em vez de “dano moral”, melhor seria dizer “dano pessoal”). “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (CC, art. 186). O abuso de direito constitui tambémato ilícito, assim entendido o seu exercício além dos limites razoáveis, econômicos, sociais, de boa-fé ou de bons costumes (CC, art. 187). Deve haver um nexo causal entre a conduta do agente e o evento lesivo. Se não houver esse nexo, não haverá culpa nem dolo, mas apenas caso fortuito ou força maior (caso fortuito é o fato imprevisível, força maior é o fato previsível, mas inevitável). Responsabilidade objetiva. Em certos casos, a responsabilidade civil pode ser objetiva, independente de culpa, como ocorre na responsabilidade das estradas de ferro (Dec. 2.681, de 1912, art. 17), ou no caso de coisas caídas de uma habitação (CC, art. 938). Pode haver compensação de culpas. Se o prejudicado também for culpado, em parte, a indenização terá redução proporcional. 15. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA Prazo de prescrição é o prazo dado pela lei para reclamar, em Juízo ou fora dele, contra a violação de um direito (CC, art. 189). Prescreve, por exemplo, em três anos, a pretensão de obter ressarcimento de dano, por ato ilícito, a partir da data do fato (CC, art. 206, § 3.º, V). Prazo de decadência é o prazo fixado pela lei, ou convenção, dentro do qual a pessoa poderá exercer um direito, uma faculdade ou uma opção (CC, art. 207). Decai, por exemplo, do direito de arrependimento da compra realizada, o adquirente que não o exerce em 7 dias, a contar do recebimento do produto, se a encomenda foi feita por telefone (CDC, art. 49). A prescrição nasce depois da violação do direito. A decadência nasce com o próprio direito. A prescrição extingue a pretensão de agir em juízo ou fora dele contra a violação do direito. A decadência extingue o próprio direito. Os prazos de prescrição, no Código Civil, estão relacionados nos arts. 205 e 206, na Parte Geral. Os prazos de decadência encontram-se esparsos, na Parte Especial, junto ao artigo a que se referem. Os prazos de prescrição podem ser interrompidos (uma só vez), ou suspensos. Os prazos de decadência, salvo disposição em contrário, são contínuos e peremptórios, não podendo ser interrompidos nem suspensos. A prescrição pode ser interrompida (uma só vez) por diversos meios, como o protesto judicial, a citação e outras diligências previstas no art. 202 do CC. Interrompida a prescrição, volta ela a correr novamente, por inteiro, a partir do momento em que foi interrompida. No caso de suspensão, porém, o curso do prazo é bloqueado, por um determinado fato, voltando a correr depois por força de outro fato, apenas pelo tempo restante, não se contando o tempo em que ficou suspensa. A prescrição, por exemplo, é suspensa no tempo em que o titular do direito estiver servindo as Forças Armadas, em tempo de guerra (CC, art. 198, III). Em certos casos a prescrição é impedida, não podendo nem começar a correr. Não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal (CC, art. 197, I). Não corre a prescrição, entre várias outras hipóteses, contra os menores de 16 (dezesseis) anos (CC, art. 198, I). Há também certos direitos que são imprescritíveis, como o do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher (CC, art. 1.601). Com o advento da Lei 11.280/2006, a prescrição deve também ser decretada de ofício pelo juiz, assim como já ocorria com a decadência. Sumário: 1. Conceito – 2. Modalidades das obrigações – 3. Transmissão das obrigações – 4. Adimplemento e extinção das obrigações: 4.1 Pagamento; 4.2 Pagamento por consignação; 4.3 Pagamento com sub- rogação; 4.4 Imputação do pagamento; 4.5 Dação em pagamento; 4.6 Novação; 4.7 Compensação; 4.8 Confusão; 4.9 Remissão – 5. Inadimplemento das obrigações: 5.1 Mora; 5.2 Perdas e danos; 5.3 Juros moratórios; 5.4 Cláusula penal; 5.5 Arras ou sinal. 1. CONCEITO Obrigação é o vínculo de direito que se estabelece entre credores e devedores, tendo por fim uma prestação de valor econômico. As obrigações têm várias origens, como a lei, o contrato, o ato ilícito, ou a responsabilidade civil. 2. MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES Basicamente as obrigações dividem-se em obrigações de dar ou restituir (dar ou restituir dinheiro ou um livro), de fazer (fazer uma casa), ou de não fazer (não abrir outro estabelecimento no mesmo bairro). A coisa a ser dada é certa, quando perfeitamente especificada (cinco livros de Vitor Hugo, encadernados, da editora X, edição de 1930), e é incerta quando não perfeitamente especificada (cinco livros). As obrigações podem ainda ser classificadas em simples, quando há um só credor, um devedor e um objeto; complexas, quando há mais de um credor ou devedor ou mais de um objeto; cumulativas, quando há várias obrigações e o devedor só se exonera cumprindo todas; alternativas, quando há só uma obrigação estipulada, mas a lei ou o contrato permitem que o devedor se exonere entregando uma outra prestação; divisíveis, quando o devedor pode cumprir a obrigação por partes; indivisíveis, quando o devedor não pode cumprir a obrigação por partes; solidárias, quando há mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigação à dívida toda (a dívida solidária é indivisível); de resultado, quando a obrigação só se considera cumprida com a obtenção de determinado resultado; de meio, quando o devedor só é obrigado a empenhar-se para conseguir certo resultado, estando cumprida a obrigação mesmo que este não venha a ser alcançado, como o médico ou o advogado em relação ao cliente;principais, as que têm vida própria; acessórias, as subordinadas ou dependentes das principais;condicionais, quando vinculadas a acontecimento futuro e incerto, como a doação dependente do casamento do donatário; modais, quando se impõe um encargo ao beneficiário de uma liberalidade etc. 3. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Cessão de crédito. O crédito pode ser cedido a outrem (CC, art. 286). Para ter valor contra terceiros, deve a cessão ser feita por instrumento público, em cartório, ou por instrumento particular, com indicação dos dados do negócio, à semelhança do que ocorre na outorga de mandato, referida no art. 654, § 1.º, do CC. Assunção de dívida. Havendo consentimento expresso do credor, pode terceiro assumir a obrigação do devedor (CC, art. 299). 4. ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES O Código regula o adimplemento (ou cumprimento) das obrigações, e os modos de sua extinção: pagamento, pagamento em consignação, pagamento com sub-rogação, imputação de pagamento, dação em pagamento, novação, compensação, confusão e remissão. 4.1 Pagamento O pagamento é o cumprimento dado a uma obrigação, em dinheiro ou coisa. Constitui meio de extinção da obrigação. O pagamento possui três elementos básicos: (a) um vínculo obrigacional que o justifique; (b) a pessoa que paga; (c) a pessoa que recebe. O pagamento indevido ocorre quando não há vínculo obrigacional que o justifique. É necessário verificar se a pessoa que recebe é o credor legítimo, ou tem procuração bastante para receber e dar quitação, pois, quem paga mal paga duas vezes. 4.2 Pagamento por consignação O pagamento por consignação é o depósito judicial feito em pagamento de uma dívida, quando o credor se recusa a receber, quando o credor for desconhecido ou ausente, ou quando ocorrer dúvida sobre quem deve receber. O depósito se efetua por meio de ação própria, chamada ação de consignação em pagamento. O depósito também pode ser feito em estabelecimento bancário (CC, art. 334; CPC, art. 890, § 1.º). 4.3 Pagamento com sub-rogação O pagamento com sub-rogação ocorre quando a dívida é paga por um codevedor, ou interessado, transferindo-se para ele os direitos do título. Ou, no caso de o débito ser pago pelo adquirente do imóvel hipotecado, a transferência para ele dos direitos respectivos (art. 346 do CC). 4.4 Imputação do pagamento Significa indicaçãode qual débito se está pagando, existindo dois ou mais, líquidos e vencidos, relativos ao mesmo credor (CC, art. 352). 4.5 Dação em pagamento O credor pode consentir em receber coisa que não seja dinheiro, em substituição da prestação que lhe era devida; o pagamento feito dessa forma chama-se “dação em pagamento”. 4.6 Novação A novação é a substituição de uma obrigação por outra. Opera-se pela substituição do objeto da obrigação, pela substituição do sujeito passivo, ou, ainda, pela substituição do sujeito ativo. Em todos esses casos, surge uma nova relação jurídica, que extingue e substitui a anterior. Exemplo: A deve 100 para B; mas B transfere o crédito para C (substituição do sujeito ativo). 4.7 Compensação A compensação é a extinção de uma obrigação pela recíproca equivalência de débitos entre os contratantes. A compensação é matéria de defesa, e só pode ser alegada quando os dois débitos são líquidos e vencidos. Exemplo: A deve 100 para B, mas B também deve 100, para A. 4.8 Confusão A confusão ocorre quando o devedor e o credor passam a ser uma só pessoa, extinguindo-se por isso a obrigação. Exemplo: A deve 100 para B, mas B morre e A é o seu único herdeiro. 4.9 Remissão A remissão é o ato pelo qual o credor dispensa graciosamente o devedor de pagar a dívida. É um ato bilateral, pois depende da concordância do devedor. 5. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES O Código Civil regula o inadimplemento (ou descumprimento) das obrigações, e seus aspectos correlatos: mora, perdas e danos, juros moratórios, cláusula penal, arras ou sinal. 5.1 Mora A mora ocorre quando o devedor não efetua o pagamento, ou o credor não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados. A mora pode ser, portanto, do devedor ou do credor. O local do pagamento é importante para se saber se a mora é do devedor ou do credor. Se o pagamento devia ser feito no domicílio do devedor (dívida querable) e o credor não foi lá para receber, não houve mora do devedor. E se o pagamento devia ser feito no domicílio do credor ou em local por ele indicado (dívida portable), e o devedor não foi lá para pagar, então houve mora do devedor. Se nada nesse sentido foi estipulado no contrato, presume-se que o local para o pagamento é o domicílio do devedor. 5.2 Perdas e danos Perdas e danos. Deve reparar as perdas e danos aquele que causar prejuízos a alguém, ou pelo descumprimento de um contrato ou pela prática de ato ilícito, por dolo ou por culpa. A indenização devida abrange não só o prejuízo efetivo imediato (danos emergentes), mas também o que o prejudicado deixou de lucrar (lucros cessantes). Exemplo: Um caminhão abalroa um táxi. O dono do táxi pode reclamar não só as despesas de conserto (danos emergentes), mas também o que deixou de ganhar, por ficar parado (lucros cessantes). 5.3 Juros moratórios Quando não convencionados, ou sem taxa estipulada, ou devidos em razão de lei, seguem a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406; CTN, art. 161, § 1.º). 5.4 Cláusula penal A cláusula penal, ou multa convencional, é uma convenção na qual as partes se obrigam a pagar uma determinada multa no caso de violação do contrato. Num compromisso de compra e venda, por exemplo, se estabelece uma pena para aquele que infringir o contrato. A cláusula penal é uma obrigação acessória, que serve para reforçar o cumprimento da obrigação principal, bem como para fixar previamente o valor das perdas e danos em caso de descumprimento. A multa estabelecida não pode ser superior ao valor da obrigação principal. Nos contratos de mútuo (empréstimo de coisas fungíveis, como o dinheiro, por exemplo), a multa contratual não poderá ser superior a 10% (dez por cento) do valor da dívida (Lei de Usura – Dec. 22.626, de 07.04.1933). Se a obrigação foi parcialmente cumprida, pode o juiz reduzir proporcionalmente a multa estipulada, se o caso chegar a ser discutido em juízo. A multa é moratória quando há atraso na prestação ou descumprimento de uma cláusula. E écompensatória quando ocorre a inexecução total da obrigação principal. Ocorrendo mora, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação principal, e mais a multa. Na inexecução total, porém, o credor só pode exigir, alternativamente, ou a multa ou o cumprimento da obrigação. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio (CC, art. 413). 5.5 Arras ou sinal As arras ou sinal constituem uma garantia dada pela parte, para a conclusão ou a execução do contrato. Se for admitido o direito de arrependimento, quem deu as arras perde-as para a outra parte, e quem as recebeu deverá devolvê-las em dobro (CC, art. 420). Sumário: 1. Conceito e elementos – 2. Proposta de contrato – 3. Classificação dos contratos – 4. Estipulação em favor de terceiro – 5. Promessa de fato de terceiro – 6. Vícios redibitórios – 7. Evicção – 8. Extinção do contrato. Terminologia: resolução, resilição, rescisão – 9. Cláusula resolutiva – 10. Exceção de contrato não cumprido – 11. Resolução por onerosidade excessiva. 1. CONCEITO E ELEMENTOS Contrato é a convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. O contrato se forma pela proposta e pela aceitação. Considera-se celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. A validade do contrato exige os requisitos do negócio jurídico: agente capaz, objeto licito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não proibida por lei. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (CC, art. 426). 2. PROPOSTA DE CONTRATO Em princípio, a proposta de contrato e a oferta ao público vinculam o proponente. Salvo em certos casos, previstos nos arts. 427 a 429 do CC, como a proposta a pessoa presente, não imediatamente aceita. A informação ou publicidade obriga o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado (CDC, art. 30). 3. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS A classificação correta de um contrato é muito útil para uma boa interpretação e uma definição mais perfeita das obrigações de cada contratante. Os contratos costumam ser classificados da seguinte forma: (a) Bilaterais ou unilaterais. Nos bilaterais há obrigações para ambas as partes, como na compra e venda. Nos contratos unilaterais apenas uma das partes se obriga em relação à outra, como na doação pura. (b) Onerosos ou gratuitos. Nos onerosos, ambas as partes têm obrigações patrimoniais, como na compra e venda. Nos gratuitos, apenas uma das partes se compromete economicamente, como na doação pura. (c) Comutativos ou aleatórios. Nos comutativos, cada uma das partes recebe uma contraprestação mais ou menos equivalente, como na compra e venda. Nos contratos aleatórios, porém, uma das partes se arrisca a não receber nenhuma contraprestação patrimonial efetiva e equivalente, como no contrato de seguro ou de aposta (alea, em latim, significa ‘sorte’). (d) Instantâneos ou sucessivos. Instantâneos são os de cumprimento em uma só prestação. Sucessivos, os que se cumprem em várias prestações sucessivas. A compra e venda será instantânea ou sucessiva, conforme o pagamento seja em uma ou mais prestações. (e) Formais ou não formais. Formais são os contratos em que a lei exige que sejam feitos de determinada forma, como, por exemplo, o seguro, que deve ser feito por escrito; ou a compra e venda de imóvel, que deve ser feita por escritura pública; ou a fiança, que só pode dar-se por escrito etc. Os contratos não formais são os de forma livre, ou seja, os que podem ser feitos como os contratantesquiserem, à vontade, tanto por escrito como verbalmente, com ou sem testemunhas etc., como, por exemplo, a compra e venda de bens móveis em geral. A maioria dos contratos encontra-se na classe dos não formais. (f) Principais ou acessórios. Principais são os contratos que têm vida própria e existem de modo independente, como o contrato de locação ou aluguel. Acessórios são os contratos que só existem em razão de um outro, que é o principal, como o contrato de fiança em relação ao contrato de aluguel, ou o contrato de penhor em relação ao contrato de empréstimo. (g) Paritários ou de adesão. No contrato paritário ambas as partes estão em pé de igualdade e debatem livremente todos os aspectos do negócio, escolhendo livremente o outro contratante, como na compra e venda de bens móveis, na troca etc. No contrato de adesão, porém, uma das partes detém o monopólio de um determinado serviço, e impõe todas as cláusulas, em bloco, cabendo à outra apenas aderir ou não ao estipulado. Daí o nome de contrato de adesão. São contratos de adesão os oferecidos por concessionários de serviços públicos, como o transporte urbano, fornecimento de água, gás, energia elétrica etc. Nos contratos de adesão as cláusulas ambíguas ou contraditórias são interpretadas a favor do aderente (CC, art. 423). “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor” (art. 54, § 3.º, do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990). (h) Abstratos ou causais. Abstratos são os contratos que valem pela forma externa, independentemente do negócio que os originou, como a entrega de uma nota promissória. Causais são os contratos onde se pode discutir a validade do negócio subjacente, como na duplicata. (i) Consensuais ou reais. Num sentido amplo, todos os contratos são consensuais, pois a validade do contrato exige acordo de vontades. Mas num sentido mais estrito, diz-se que são consensuais os contratos que se completam com o simples consentimento das partes, como no contrato de compra e venda. Os contratos reais, ao contrário, são aqueles que, além do consentimento, exigem a entrega da coisa para se completarem, como o empréstimo, o depósito, o penhor etc. Atípicos. São os contratos não previstos expressamente em lei. As partes podem criá-los, respeitadas as normas gerais (CC, art. 425). Observe-se que um mesmo contrato encontra-se geralmente sob várias classificações. Assim, por exemplo, o contrato de compra e venda de uma mesa, com pagamento à vista, será um contrato bilateral, oneroso, comutativo, instantâneo, não formal, principal, paritário, causal e consensual. 4. ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO Na lição de CLÓVIS BEVILAQUA, a estipulação em favor de terceiro ocorre “quando uma pessoa convenciona com outra certa vantagem em benefício de terceira, que não toma parte no contrato”. Exemplos são a constituição de renda, o seguro em favor de terceiro e a fundação. Pode ser feita por contrato ou por testamento. O estipulante pode reservar--se o direito de substituir o terceiro designado (CC, art. 438). 5. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO A pessoa pode fazer um contrato, comprometendo-se a obter determinado fato de terceiro. O contratante assume uma obrigação de fazer (de obter a ação do terceiro) e responde por perdas e danos se o terceiro não executar o pactuado. O terceiro é alheio ao contrato e por ele não responde. Exemplo seria a venda de imóvel indiviso, prometendo-se que um dos coproprietários, ainda menor, venderá também a sua parte quando se emancipar (cf. CARVALHO DOS SANTOS). 6. VÍCIOS REDIBITÓRIOS Chamam-se vícios redibitórios os defeitos ocultos da coisa, que a tornam imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. Por exemplo, uma máquina têxtil, com um defeito que não podia ser percebido pelo comprador. O vício redibitório pode ser alegado em qualquer contrato comutativo e aplica-se especialmente à compra e venda. O prejudicado pode rescindir o contrato e exigir a devolução da importância paga (ação redibitória). Pode também, se preferir, pedir apenas um abatimento de preço (ação quanti minoris). O prazo para reclamação é de 30 (trinta) dias, nas coisas móveis, e um ano, nos imóveis, contados da entrega efetiva (CC, art. 445). Para os defeitos que só se podem ver mais tarde, conta-se o prazo a partir da constatação do defeito, até 180 (cento e oitenta) dias para móveis e um ano para imóveis (CC, art. 445, § 1.º). No Código de Defesa do Consumidor o prazo é de 30 (trinta) dias para produtos não duráveis e de 90 (noventa) dias para duráveis, a partir da constatação do defeito (CDC, art. 26). 7. EVICÇÃO Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção (CC, art. 447). “Dá-se a evicção quando o adquirente de uma coisa se vê total ou parcialmente privado da mesma, em virtude de sentença judicial, que a atribui a terceiro, seu verdadeiro dono”.2 8. EXTINÇÃO DO CONTRATO. TERMINOLOGIA: RESOLUÇÃO, RESILIÇÃO, RESCISÃO Resolução é a extinção do contrato, por uma das seguintes causas: (a) cumprimento; (b) descumprimento; (c) termo final; (d) advento de um fato ou uma condição. Do latim, resolvo, ere, dissolver, desligar. A parte lesada pelo inadimplemento (descumprimento) pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos (CC, art. 475). Resilição é o desfazimento do contrato por vontade das partes. Sendo bilateral, chama-se também “distrato”. Se for unilateral, por vontade de uma só das partes, denomina-se “resilição unilateral” (CC, art. 473), ou, também, “denúncia”. Do latim, resilio, ire, saltar para trás, voltar saltando. No que tange à denúncia, do latim denunciare, declarar solenemente, anunciar. O distrato deve ter a mesma forma do contrato (CC, art. 472). A resilição unilateral, ou denúncia, faz-se por notificação (CC, art. 473). Se envolver investimentos de vulto, a resilição unilateral não produzirá efeito de imediato, mas só depois de um prazo razoável (CC, art. 473, parágrafo único). Rescisão é um termo genérico, que abrange tanto a resolução como a resilição, sendo mais empregada na extinção por via judicial. Do latim, rescindo, ere, romper, cortar, separar rasgando. 9. CLÁUSULA RESOLUTIVA Considera-se que em todos os contratos existe implícita ou tacitamente uma cláusula que rescinde o pacto no caso de descumprimento. O fato deve ser objeto de interpelação judicial, desnecessária, porém, se a cláusula constar expressamente do contrato (CC, art. 474). 10. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO Exceção de contrato não cumprido é a regra segundo a qual, nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprir a sua obrigação, pode exigir o cumprimento da do outro (CC, art. 476). 11. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA Nos contratos de execução continuada, ou para cumprir depois de certo tempo, pode o devedor pedir a resolução (rescisão) do mesmo, se a sua prestação aumentar desmedidamente, por causa de fatos extraordinários e imprevisíveis (CC, art. 478). A regra baseia-se na teoria da imprevisão, que se contém na cláusula rebus sic stantibus (enquanto as coisas ficarem como estão), implícita em todos os contratos. Exemplo seria a eclosão de uma inflação repentina e inesperada. Sumário: 1. Compra e venda – 2. Modalidades da compra e venda – 3. Troca ou permuta – 4. Contrato estimatório (venda em consignação) – 5. Doação – 6. Locação de coisas – 7. Empréstimo: o comodato e o mútuo – 8. Prestação de serviço – 9. Empreitada – 10. Depósito – 11. Mandato – 12. Comissão – 13. Agência e distribuição – 14. Corretagem– 15. Transporte – 16. Seguro – 17. Constituição de renda – 18. Jogo e aposta – 19. Fiança – 20. Transação – 21. Compromisso (arbitragem). 1. COMPRA E VENDA Pelo contrato de compra e venda, a pessoa transfere a propriedade de coisa, mediante pagamento em dinheiro. São elementos essenciais o acordo de vontades, a coisa, e o preço (CC, art. 481). Considera-se concluído o contrato com a aceitação da oferta. E cumprido com a transferência da propriedade e o pagamento do preço. O vendedor responde por vícios redibitórios e pela evicção. 2. MODALIDADES DA COMPRA E VENDA Venda de coisa futura. Pode-se vender coisa futura, mas o contrato ficará sem efeito se a coisa não vier a existir, salvo se o comprador tiver assumido esse risco (CC, art. 483). Venda por amostra. A coisa vendida deve corresponder à amostra, se esta serviu de modelo (CC, art. 484). Venda de ascendente a descendente. É anulável se feita sem o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do vendedor (CC, art. 496). Retrovenda. É uma cláusula pela qual o vendedor, após a venda, poderá recomprar a coisa, valendo a estipulação inclusive contra terceiros, em até 3 (três) anos (CC, art. 505). Preempção ou preferência. É o direito do vendedor de ter preferência na recompra da coisa, durante certo período, preço por preço, se futuramente o comprador resolver vendê-la ou dá-la em pagamento (CC, art. 513). Venda com reserva de domínio (coisas móveis). O vendedor só entrega a posse, transferindo-se a propriedade somente a final, com o pagamento integral do preço (CC, art. 524). O contrato deve ser escrito e registrado. Havendo mora, tem o vendedor dois caminhos: (a) ação de cobrança das prestações vencidas e a vencer, mais encargos devidos; (b) recuperar a posse da coisa, começando, para isso, com o protesto do título ou interpelação judicial (CC, arts. 525 e 526). Na última hipótese, pode o vendedor reter prestações pagas, na medida suficiente para se ressarcir da depreciação da coisa, das despesas, e do mais que de direito lhe for devido, devolvendo o resto ao comprador (CC, art. 527). Venda sobre documentos. Na venda sobre documentos, a entrega da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo (CC, art. 529). Exemplo da espécie é o conhecimento de depósito, dos armazéns gerais, cujo endosso transfere a propriedade das coisas depositadas. Venda ad corpus ou ad mensuram. Refere-se à venda de imóveis. Ad corpus é a venda do imóvel como peça ou unidade caracterizada, sem relação exata da área com o preço, como, por exemplo, a venda do “sítio do Pica-pau Amarelo”, com cerca de 3.000 m2 (três mil metros quadrados). Ad mensuram é a venda de imóvel com preço vinculado exatamente com a área. Venda em consignação. Ver, adiante, o item contrato estimatório. 3. TROCA OU PERMUTA A troca ou permuta é um contrato semelhante à compra e venda, mas com pagamento em mercadorias, em vez de dinheiro. Como bem definia o revogado art. 221 do CC, “o contrato de troca ou escambo mercantil opera ao mesmo tempo duas verdadeiras vendas, servindo as coisas trocadas de preço e compensação recíproca. Tudo o que pode ser vendido pode ser trocado”. 4. CONTRATO ESTIMATÓRIO (VENDA EM CONSIGNAÇÃO) O Código Civil trata da matéria de modo autônomo. Na verdade, porém, trata-se de mera modalidade de compra e venda. O fornecedor entrega em depósito, a um revendedor, certa quantidade da mercadoria. Ao fim de certo tempo, o revendedor paga as mercadorias que conseguiu revender, e devolve as restantes. A compra e venda restringe-se às mercadorias revendidas. Contrato estimatório era o nome dado à espécie na Roma antiga. Modernamente, no comércio, usou-se sempre “venda em consignação”. Mas o Código Civil preferiu voltar à antiga denominação romana, contrato estimatório (CC, art. 534). 5. DOAÇÃO Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o patrimônio de outra, que os aceita (CC, art. 538). A doação é pura, quando feita por simples liberalidade; remuneratória, quando com a mesma se pretende retribuir um serviço ou favor prestado gratuitamente; com encargo, quando o doador impõe ao donatário uma obrigação que ele deve cumprir, como a doação de um terreno com o encargo de cuidar sempre de determinadas árvores, sob pena de revogação da liberalidade; condicional, quando sua eficácia depende de acontecimento futuro e incerto. É nula a doação de todos os bens (CC, art. 548). A doação pode ser revogada por ingratidão ou descumprimento do encargo (CC, art. 555). Se a coisa é dada como pagamento, não será doação, mas dação em pagamento (CC, art. 356). 6. LOCAÇÃO DE COISAS Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou indeterminado, o uso e o proveito de coisa não fungível, mediante retribuição (CC, art. 565). A alienação da coisa, durante a locação, rompe o contrato, exceto no caso de ressalva expressa, registrada (CC, art. 576). A locação de prédios urbanos tem tratamento à parte, em legislação especial. 7. EMPRÉSTIMO: O COMODATO E O MÚTUO O empréstimo divide-se em comodato e mútuo. Comodato é o empréstimo de coisa não fungível (que não pode ser substituída) (CC, art. 579). Completa-se com a entrega do objeto. É um contrato gratuito, pois, se remunerado, passa a ser aluguel. Mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis (que podem ser substituídas por outras de mesmo gênero, qualidade e quantidade, como sacos de arroz, dinheiro etc.). Com o mútuo, considera-se transferida a propriedade da coisa. Mas o mutuário é obrigado a restituir o que recebeu, em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade (CC, art. 586). A lei de usura limita os juros a 12% ao ano (Dec. 22.626/1933), salvo no que se refere às instituições financeiras (Lei 4.595/1964). O contrato de mútuo pode ser garantido por penhor ou hipoteca. 8. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A prestação de serviços com vínculo empregatício pertence ao Direito do trabalho. A prestação de serviços sem vínculo empregatício, que envolve os autônomos e as empresas de serviços, regula-se pelos arts. 593 a 609 do CC. Mas com inúmeras alterações e aditamentos, peculiares a cada setor, constantes dos vários regulamentos profissionais, como os referentes a representantes comerciais, publicitários, jornalistas, corretores de imóveis etc. 9. EMPREITADA A empreitada consiste na contratação de tarefa ou obra, incluindo ou não o fornecimento de materiais (CC, art. 610). Nas construções de vulto, deve haver um prazo de garantia de 5 (cinco) anos (CC, art. 618). A obra pode ser suspensa a qualquer tempo, pagando-se a parte já feita, mais uma indenização razoável (CC, art. 623). 10. DEPÓSITO Pelo contrato de depósito recebe o depositário um bem móvel, para guardar, até que o depositante o peça de volta. É geralmente um contrato gratuito, mas as partes podem estipular que o depositário seja gratificado (CC, arts. 627). O depósito é voluntário quando decorre de ajuste das partes. E é necessário quando feito por disposição legal ou por ocasião de alguma calamidade, como incêndio, inundação ou naufrágio. O depositário que não restituir o objeto depositado será compelido a fazê- lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir os prejuízos. Observe-se, a propósito, que a Constituição Federal não permite a prisão por dívidas, salvo o caso do depositário infiel3 e do devedor de alimentos. Há jurisprudência, porém, no sentido de não caber prisão de depositário após a ratificação pelo Brasil, em 1992, do Pacto Internacional de São José da Costa Rica (RT 855/155, 887/93). 11. MANDATO Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses.