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EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: PRÁTICA DOCENTE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar o papel da educação física na educação básica. > Descrever a evolução dos conteúdos e das práticas educativas da educação física no ensino fundamental. > Reconhecer as principais orientações didáticas para o ensino da educação física no ensino fundamental. Introdução A educação física escolar tem como objetivo promover o completo e harmônico desenvolvimento dos alunos, utilizando conteúdos que integram a cultura corporal do movimento para alcançar esse fim. Além dos conteúdos em si, a abordagem pedagógica selecionada pelo professor é determinante para o desenvolvimento das aulas. Para a compreensão dessas abordagens, bem como do estado atual da educação física no Brasil, é necessário entender que ocorreram muitas trans- formações ao longo do tempo, sendo que fatores socioculturais, econômicos e políticos impactaram no rumo dessa disciplina. No final do século XIX, a educação física foi inserida no contexto escolar brasileiro. Já no século XX, mais especificamente até a década de 1930, reinava a perspectiva higienista, de forma que havia grande preocupação com hábitos de higiene e saúde. A partir de 1930, a concepção militarista assumiu o controle da educação física escolar, sendo dominante por muitas décadas. No entanto, entre 1945 e 1965, houve um período em que a teoria pedagogicista imergiu, sendo a primeira a direcionar um olhar mais crítico para as práticas pedagógicas. Educação física no ensino fundamental Leonardo Mateus Teixeira de Rezende Contudo, com a instalação da ditadura militar, em 1964, a educação física passou a ser utilizada com objetivo de formação atlética. Percebe-se que a maioria das abordagens apresentadas até aqui têm em comum a visão da educação física por uma perspectiva biológica, que começa a ser superada na década de 1980, com o surgimento das abordagens críticas. Esse momento foi denominado “movimento renovador da educação física escolar brasileira”. Neste capítulo, você vai conhecer mais sobre o papel da educação física na escola, bem como os principais conteúdos e as abordagens pedagógicas que dirigiram a prática docente com o passar do tempo. Educação física aplicada à educação básica A escola, como instituição de ensino, é responsável pela transmissão do saber científico em muitas áreas do conhecimento. No entanto, é necessário entender que, além da transmissão, na escola, os conhecimentos também devem ser produzidos, contextualizados e reconstruídos. A educação física está inserida nesse ambiente escolar e deve ter sua atividade pedagógica voltada para a análise crítica de seu conteúdo específico, bem como para os temas transversais que compõem sua grade curricular, promovendo adap- tação e reconstrução desse conteúdo, com base nos contextos comunitário e escolar (DARIDO, 2003). Na escola, a educação física é um componente curricular. Assim, deve ser conduzida no sentido de promover um processo de ensino-aprendizagem. No entanto, ainda existem dúvidas sobre quais conteúdos devem ser objeto de estudo na educação física escolar. Nesse sentido, inúmeros autores indicam que a cultura corporal do movimento engloba todos os componentes espe- cíficos da disciplina que devem ser abordados ao longo dos anos escolares (SOARES et al., 1992; DARIDO, 2003; PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2018). Dentro da cultura corporal do movimento, estão os esportes, as lutas, as danças, os jogos, a ginástica e a capoeira, sendo que existe uma determinação apontada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre como trabalhar esses conteúdos nas diferentes fases do desenvolvimento escolar. Além disso, também devem ser objetos de ensino da educação física temas interdis- ciplinares e transversais, como a ética, as culturas indígenas e africana, as culturas regionais e locais, a orientação sexual, a saúde, a mídia, as diferenças de classe, o meio ambiente, o envelhecimento, o trabalho e consumo, entre outros. Nessa perspectiva, Sousa et al. (1992, p. 33) apontam que “a Educação Física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais, como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas Educação física no ensino fundamental2 estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal”. A educação física visa transmitir um conhecimento relacionado à utilização da expressão corporal como forma de linguagem. É importante entender que esses conteúdos devem ser direcionados a um objetivo, para que, assim, exista uma intencionalidade por parte do professor em sua ação pedagógica. Portanto, toda ação praticada nas aulas de educação física escolar deve ser pensada e planejada de forma a adquirir um sentido próprio, que deve possuir significado na compreensão dos temas abordados e no relaciona- mento destes com problemas, dilemas e características da sociedade. Todo esse processo reflexivo irá contribuir para a formação crítica dos alunos enquanto sujeitos ativos e cidadãos corresponsáveis dentro da sociedade (BERTINI-JUNIOR; TASSONI, 2013). É importante ressaltar que abordar esses conteúdos e relacioná-los aos temas específicos da educação física não deve representar um ato de doutrinação, mas de formação da mente crítica, capaz de interpretar e analisar as diferentes situações abordadas de forma a tomar decisões conscientes e livres de direcionamentos externos. Dessa forma, o professor tem papel fundamental na condução desse processo. Levando em consideração a atuação profissional do professor, existem dúvidas e questionamentos sobre qual postura deve ser adotada, principal- mente entre profissionais recém-formados. A história aponta que a atuação adotada pelo professor sempre foi culturalmente determinada, sendo que existe uma transição muito evidente do papel de transmissor de conteúdo unilateral para o de facilitador ou mediador da aprendizagem (DARIDO, 2012). A partir das ideias levantadas, pode-se perceber que não cabe mais ao professor o papel anteriormente a ele delegado, que indicava uma postura autoritária e centralizadora. Ao contrário, as abordagens críticas da educação física incentivam que o professor adote um papel mediador, sendo facilitador da aquisição de conhecimento por parte do aluno, que deve possuir papel protagonista em seu desenvolvimento. No entanto, para que os professores tenham consciência do seu papel e adquiram as competências necessárias para aplicação na prática, o processo de formação profissional precisa ser direcionado a isso (SOARES et al., 1992). Bertini-Junior e Tassoni (2013) deixam claro que o entendimento do profes- sor quanto ao papel da educação física na escola será determinante para a execução de suas aulas e, consequentemente, para a formação dos alunos. Tal entendimento não é simplesmente fruto da imaginação ou vontade aleatória dos professores, mas é construído ao longo dos anos do processo formativo destes. Portanto, o professor formado em meio a abordagens tecnicistas Educação física no ensino fundamental 3 provavelmente adotará um perfil de treinador, enquanto o que é formado em meio a abordagens críticas certamente adotará o papel de educador. Sousa et al. (1992) indicam que as propostas tecnicistas propõem uma relação de afastamento entre professor e aluno, sendo que o professor adota postura de instrutor ou treinador e os alunos são classificados em função de seu desempenho. Muitos autores importantes na área da educação física escolar criticam a formação de professores pautada em abordagens tecnicistas. Daólio (1994, p. 183) coloca que: A formação profissional eminentemente esportiva ocorrida nas décadas de 70 e 80 homogeniza o grupo (professores de Educação Física) na medida em que passa a eles uma determinada visão a respeito de Educação Física. A prática profissional do grupo é, de uma maneira ou de outra, balizada pelo esporte. Alguns professo- res, explicitamente,colocaram que o objetivo é ensinar habilidades esportivas a fim de selecionar os alunos mais aptos para participarem das equipes da escola. Em contraponto, principalmente a partir da década de 1980, surgiram processos formativos dentro da área que intensificaram estudos de modelos teóricos voltados para o aprender a ensinar. De acordo com Darido (2012), para saber ensinar, a imersão dentro dos conteúdos teóricos associados às disciplinas da educação física é fundamental, pois possibilita o desenvolvi- mento dos elementos necessários para compreensão do processo de ensino e aprendizagem. Desse modo, a prática do professor de educação física é fortemente influenciada por seu processo formativo. Contudo, existem outros fatores determinantes. Darido (2003) indica que a atuação dos professores é apoiada em diversos fatores, como sua concepção sobre o papel do aluno, o processo de ensino-aprendizagem, a metodologia de trabalho, a função social da escola, bem como sobre a seleção dos conteúdos a serem abordados. Dessa forma, fica evidente que o professor tem papel determinante e carrega grande res- ponsabilidade quanto ao direcionamento pedagógico de seu trabalho, à sua atuação na prática e ao seu relacionamento com os estudantes. Em conjunto, todos esses fatores determinarão qual será a educação física oferecida no contexto escolar. A Figura 1 ilustra os componentes da cultura corporal do movimento. Educação física no ensino fundamental4 Figura 1. Componentes da cultura corporal do movimento. Fonte: Adaptada de PCNs (1998). Evolução dos conteúdos e das abordagens pedagógicas da educação física Como visto, a educação física escolar passou por diferentes momentos, experimentando um processo evolutivo influenciado pelo contexto cultural de cada época. Além da modificação quanto às práticas pedagógicas, houve também uma alteração significativa quanto aos conteúdos oferecidos. No começo do século XX, em relação à perspectiva higienista, era predominante, no Brasil, a ginástica com grande influência de métodos europeus, sendo que a calistenia se tornou muito presente durante o período militarista até a chegada da esportivização, evidenciada durante a ditadura militar. Nesse momento, o esporte se tornou conteúdo predominante nas aulas de educação física, utilizado com o objetivo de formar atletas preparados para defender a pátria e, consequentemente, melhorar a imagem do governo militar perante o mundo. Tal quadro se estendeu até o movimento renovador da educação física escolar, em que a cultura corporal do movimento foi adotada como objeto de estudo. Para uma melhor compreensão sobre o que de fato é a cultura corporal do movimento, é importante entender o conceito de cultura. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cultura é um produto da sabedoria e do conhecimento humano registrado ao longo do tempo, representando um conhecimento dinâmico, que é transformado e influenciado pelas diversas gerações. É importante compreender que a cultura carrega as histórias, as Educação física no ensino fundamental 5 marcas e as informações de um determinado povo (BRASIL, 1998). Dessa forma, a cultura corporal do movimento apresenta parte da cultura dos povos, isto é, refere-se a práticas corporais caracterizadas pela presença de movimento, seja qual for sua finalidade, como o lazer, a prática esportiva, a caça, a religião, etc. Portanto, é preciso conhecer as principais abordagens pedagógicas crí- ticas da educação física escolar, como: desenvolvimentista, construtivista, sistêmica, psicomotora, cultural, crítico-superadora, crítico-emancipatória, histórico-crítica, dos jogos cooperativos, da saúde renovada e dos PCNs. Cada uma delas apresenta suas características e particularidades, no entanto, é importante perceber o ponto em comum entre todas elas: o rompimento com o modelo biológico/tecnicista anteriormente estabelecido. Além disso, todas elas têm como objeto de ensino a cultura corporal do movimento. Abordagem desenvolvimentista A abordagem desenvolvimentista é direcionada às crianças de 4 a 14 anos. Ela enxerga o movimento como meio e fim para a educação física escolar, ou seja, trata-se de uma educação pelo movimento. De acordo com Darido (2012), a abordagem desenvolvimentista indica que deve haver aprendiza- gem em função do movimento, mesmo que outras aprendizagens possam acontecer de maneira simultânea. Nesse contexto, o desenvolvimento de habilidades motoras é enxergado como fator determinante, sendo que o erro, bem como a compreensão do seu motivo, é parte determinante do processo de ensino-aprendizagem. O planejamento e a execução das aulas devem ser pautados no desenvol- vimento motor completo, o que pode ser atingido por meio da diversificação e do aumento progressivo da complexidade dos movimentos, respeitando as etapas do desenvolvimento das crianças. Dentre as habilidades desenvolvi- das, estão: as habilidades locomotivas, como correr e saltar; as habilidades manipulativas, como arremessar e chutar; as habilidades de estabilização, como girar e flexionar. Posteriormente à aquisição dessa base sólida de ha- bilidades motoras, a ideia é que sejam trabalhadas habilidades culturalmente determinadas. No entanto, vale ressaltar que o foco não é direcionado para aplicação dessas habilidades em contexto de aquisição de desempenho a qualquer custo, mas para o desenvolvimento motor dos alunos. Educação física no ensino fundamental6 Abordagem construtivista A teoria do construtivismo prega que o conhecimento é adquirido a partir da interação com o meio, sendo uma teoria geral do conhecimento criada por Jean Piaget, não apenas aplicada à educação física. Portanto, a abordagem construtivista prega que a aquisição de conhecimento, seja de característica ampla ou específica, acontece por meio da interação dos indivíduos com o mundo, extrapolando o processo de ensino-aprendizagem escolar. A partir desse ponto de vista, é bastante valorizado o conhecimento prévio dos alunos a respeito dos conteúdos específicos da educação física, sendo que o professor precisa adotar esse conhecimento como ponto de partida para sua ação docente. Abordagem sistêmica É uma abordagem apresentada ao Brasil por Betti (1991), que leva em conside- ração estudos sociológicos, filosóficos e psicológicos associados à educação física escolar. Betti (1991) faz uma reflexão sobre como e por quem são direcio- nados os conteúdos a serem abordados. É entendido que existe um sistema hierárquico aberto, ou seja, o que é ensinado nas escolas é determinado por esferas organizacionais políticas e educativas, como os ministérios e as secretarias de educação, que apontam esses conteúdos para as diretorias escolares, que, por sua vez, indicam para os professores. Um ponto de grande importância é que tais instituições organizacionais políticas trabalham para oferecer serviços à sociedade. Dessa forma, essa abordagem indica que o conhecimento oferecido pelas escolas é influenciado pela sociedade. Essa abordagem visa o desenvolvimento sistêmico dos indivíduos e utiliza conteúdos altamente específicos, ou seja, o desenvolvimento orgânico/ corporal por meio da aplicação do movimento. Contudo, existe uma preocu- pação para que o movimento não seja trabalhado de maneira isolada, sendo necessário compreender o motivo de estar se movimentando. Betti (1991, p. 286) afirma que: “Não basta (o aluno) correr ao redor da quadra; é preciso saber por que se está correndo, como correr, quais os benefícios advindos da corrida, qual intensidade, frequência e duração são recomendáveis”. Abordagem psicomotora A abordagem psicomotora surgiu no final da década de 1970 e foi a primeira abordagem a se preocupar de fato com o desenvolvimento psicológico e Educação física no ensino fundamental 7 cognitivo dentro da educação física escolar. Ela tem como objetivo o desen- volvimento da criança em nível afetivo, cognitivo e motor. Le Boulch (1986) apontaque o desenvolvimento psicomotor é indispensável para todas as crianças, tendo como objetivo alcançar o pleno desenvolvimento funcio- nal e afetivo. Aplicada à educação física escolar, é apontado que se deve trabalhar movimentos espontâneos voltados para o desenvolvimento da consciência corporal, da lateralidade, do domínio espaço-temporal e da coordenação de gestos e movimentos, sempre associados ao relacionamento intra e interpessoal. Abordagem cultural Surgiu em contraposição à perspectiva unicamente biológica da educação física escolar. Tem como principal ponto a luta pela inclusão, trabalhando por uma naturalização do corpo humano, indicando que todos os corpos são compostos pelos mesmos componentes, ou seja, por músculos, articulações, órgãos, etc. A partir dessa visão, indica que as aulas de educação física devem ser iguais para todos. Nessa abordagem, o ponto de partida deve ser o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema a ser desenvolvido. Portanto, é preciso realizar avaliação diagnóstica. Ainda, é incentivado que a cultura local ou regional seja grande influenciadora dos conteúdos a serem desenvolvidos. Daólio (2004) aponta que toda técnica corporal é cultural, uma vez que tem origem antropológica, ou seja, foi criada pelo homem e influenciada pelo contexto no qual este estava inserido. Desse modo, essa abordagem incentiva a inclusão baseada na similaridade entre os corpos. No entanto, valoriza o princípio da indivi- dualidade no sentido de que cada aluno possui um determinado repertório motor, que é influenciado por suas experiências prévias. Além disso, aponta que essas experiências são determinadas culturalmente. Abordagem crítico-superadora É uma abordagem baseada no marxismo. Como proposta, traz a contextua- lização dos fatos associados a questões de diferenças de classe. Para isso, apresenta características particulares, como ser diagnóstica, judicativa e teleológica (SOARES et al., 1992). É diagnóstica porque busca fazer uma leitura da realidade em que os estudantes se enquadram. Judicativa, pois, a partir dessas realidades, será emitido um juízo de valor a partir da perspectiva de uma determinada classe social. Por fim, é teleológica, já que tem como obje- Educação física no ensino fundamental8 tivo encontrar um direcionamento, um rumo, uma finalidade para resolução dos problemas encontrados. Do ponto de vista prático, a teoria prega que se trabalhe os conteúdos da cultura corporal do movimento. No entanto, estes precisam ser selecionados posteriormente ao diagnóstico, de maneira que apresentem relevância social para os estudantes e sua comunidade. Abordagem crítico-emancipatória A abordagem crítico-emancipatória busca confrontar o aluno com a realidade do ensino, adotando como método a transcendência de limites, que nada mais é do que permitir que os alunos façam descobertas e desenvolvam teorias e dúvidas sobre elas. Após a manifestação das teorias e dúvidas, o professor atuará como mediador no processo de resolução dos problemas, de forma que todo o processo seja conduzido para formação de indivíduos capazes de analisar, questionar, pensar e progredir. Abordagem dos jogos cooperativos Essa abordagem busca valorizar o processo de cooperação em detrimento ao de competição. Sabe-se que a sociedade contemporânea estimula de forma muito frequente seus membros a competirem por melhores posições, melho- res empregos, etc. Nesse sentido, essa abordagem aponta para a estrutura social como responsável por acirrar parâmetros competitivos, sendo que os jogos cooperativos podem surgir como uma alternativa, uma maneira de desenvolver o sentimento e a capacidade de cooperação entre os indivíduos. Os jogos foram escolhidos como objeto de trabalho porque apresentam características favoráveis ao desenvolvimento da cooperação, como a ne- cessidade de comunicação e ajuda mútua. Os jogos cooperativos devem ser direcionados a uma prática inclusiva, que otimize a valorização do potencial de cada sujeito inserido nesse contexto, valorizando a cooperação para se atingir os objetivos propostos. De acordo com Darido (2012), os jogos se apresentam como uma forma divertida de desenvolver a cooperação e todos se sentem vitoriosos, estabelecendo um sentimento de aceitação, o que funciona como um reforço positivo. Educação física no ensino fundamental 9 Abordagem da saúde renovada Esta abordagem surge como uma reaproximação da perspectiva biológica das escolas. Porém, é bastante distinta dos movimentos higiênicos, esportivistas e militares, que foram dominantes, mas já superados pelas abordagens críticas. A abordagem da saúde renovada é baseada em pesquisas científicas que encontraram grande número de comorbidades associadas ao sedentarismo na sociedade. Dessa forma, acredita-se que o estabelecimento de práticas físicas na infância e adolescência pode contribuir para a manutenção de um estilo de vida ativo e mais saudável durante a vida adulta. Uma característica interessante é que a abordagem da saúde renovada estimula o princípio da variabilidade nas aulas de educação física escolar. Nesse sentido, defende que a variação para além das práticas tradicionais irá oferecer um leque maior de possibilidades, podendo conquistar maior aderência dos estudantes, uma vez que o gosto pessoal certamente irá variar. Além disso, é indicado que os professores trabalhem conceitos teóricos importantes relacionados aos efeitos do exercício físico sobre a fisiologia e anatomia, de modo a promover entendimento dos alunos e despertá-los para a necessidade de manutenção de um estilo de vida ativo. Abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais Na década de 1990, o Ministério da Educação e do Desporto reuniu esforços para criar um documento que orientasse a elaboração curricular por parte dos estados e municípios e, consequentemente, orientasse a prática docente de professores de educação física. Assim, entre 1997 e 1999, foram publicados os PCNs para a educação básica brasileira. Esse é um marco muito importante para a educação física brasileira, pois estabelece diretrizes e perspectivas de trabalho em nível nacional, que até então eram definidas localmente. Esse documento reafirmou a importância do trabalho baseado na cultura corporal do movimento e abriu um leque de possibilidades quanto a temas transversais. No entanto, é importante ter em mente que, diferentemente das outras abordagens, que apresentam uma linha de ação bem definida, os PCNs misturam abordagens, aproveitando ideias de várias delas para que a educação física seja trabalhada com base em uma leitura da realidade local. Educação física no ensino fundamental10 Você vai perceber que, a partir do movimento renovador da educação física, surgiram várias abordagens pedagógicas, sendo que existem pontos interessantes em cada uma delas. Dessa forma, você, no papel de pro- fessor de educação física escolar, não precisa escolher uma e excluir todas as outras. É possível e recomendável a combinação de elementos de diferentes abordagens para compor uma prática didática mais completa. Direcionando a prática docente em educação física no ensino fundamental Dois documentos norteadores para a prática docente em educação física são a BNCC e os PCNs. A BNCC é um documento que tem sua validade fixada pela lei, sendo obrigatória sua aplicação para direcionar o ensino público e privado no Brasil. Já os PCNs são uma proposta de parâmetros para inspirar os estados e municípios no processo de criação de seus currículos. É importante entender que a criação desses currículos pode ser inspirada pelos PCNs, mas eles precisam ir ao encontro das orientações da BNCC. Como o próprio nome diz, a BNCC serve para apontar qual a base a ser trabalhada com os alunos, ou seja, os conteúdos que devem ser aprendidos dentro de cada ano letivo para cada área do conhecimento. O documento traz como definição que (BRASIL, [2018], p. 7): “A Base Nacional Comum Cur- ricular (BNCC) é umdocumento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”. É importante salientar que esse documento normativo tem como objetivo neutralizar as desigualdades do sistema educacional brasileiro, uma vez que propõe o estabelecimento de conteúdos básicos que devem ser desenvolvidos em todas as regiões do país, estabelecendo, portanto, um patamar comum de aprendizagem. No entanto, isso não quer dizer que o currículo de uma região localizada ao Sul do país será exatamente igual ao currículo de uma cidade ao Norte. Portanto, o currículo deverá ter os conteúdos, as habilidades e as competências básicas a serem desenvolvidas, que são apontadas pela BNCC. Além disso, deverá apresentar suas particularidades em função do seu contexto regional, cultural e educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional faz referência a isso (BRASIL, 1996, documento on-line): Educação física no ensino fundamental 11 Os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caracte- rísticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. A BNCC é organizada em cinco áreas do conhecimento: linguagens, ma- temática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino religioso. A edu- cação física está inserida nesse contexto da BNCC, situada como conteúdo obrigatório dentro da área de linguagens. Nesse sentido, a educação física é entendida como uma forma de expressão corporal que deve tematizar as diferentes práticas corporais, abrangendo suas formas de manifestação a partir de uma análise histórica e cultural. A cultura corporal do movimento é o objeto de ensino, sendo que ela deve ser trabalhada no sentido de possibi- litar a experimentação, construção e reconstrução dos conhecimentos sobre as diferentes manifestações corporais. Desse modo, deve ser um processo cuidadosamente conduzido com a finalidade de formar indivíduos críticos e autônomos, que irão usufruir da cultura corporal do movimento de diferentes formas no decorrer de suas vidas após o período escolar. Cada conteúdo a ser trabalhado na educação física possibilita aos alunos experiências de contato com temas que dificilmente teriam acesso fora desse ambiente. Esses conteúdos precisam ser apresentados aos estudantes de uma maneira problematizadora e contextualizada, ou seja, é preciso que o professor tenha uma intencionalidade em sua prática, objetivando desen- volver as competências apontadas pelos documentos normatizadores. A BNCC divide as práticas corporais em seis unidades temáticas: brincadeiras e jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas e práticas corporais de aventura. É importante compreender que cada uma dessas unidades pode apresentar subunidades a serem trabalhadas. As brincadeiras e os jogos são atividades que apreciam o brincar em si. Existem regras e normas estabelecidas em conjunto, mas que são flexíveis e podem ser alteradas em acordo comum. Contudo, é importante que os participantes respeitem essas normas para o bom funcionamento das ati- vidades. Essa unidade é importante para desenvolver competências como a criatividade, o respeito às normas e a capacidade de cooperação. Os esportes podem ser abordados de diferentes formas, seja adotando uma postura mais formal ou por meio de variações e adaptações. Normal- mente, eles apresentam regras fixas, que se assemelham às regras impostas por federações e órgãos representativos das modalidades. No entanto, no ambiente escolar, é necessário certo grau de flexibilidade no tratamento desse conteúdo, promovendo adaptações aos interesses do processo edu- Educação física no ensino fundamental12 cativo. A BNCC apresenta uma subdivisão desse conteúdo, que recebe uma classificação de acordo com sua lógica interna. Dessa forma, os esportes se apresentam classificados da seguinte maneira (BRASIL, [2018]). � Marca: modalidades que possuem resultados registrados em segundos, metros ou quilos. Exemplos: atletismo, levantamento de peso, natação. � Precisão: modalidades caracterizadas por arremessar/lançar um objeto com objetivo de atingir um alvo. Exemplos: arco e flecha, bocha, tiro ao alvo. � Técnico-combinatório: modalidades em que o resultado da ação motora é determinado por padrões técnico-combinatórios preestabelecidos. Exemplos: ginástica artística, ginástica rítmica. � Rede/quadra: modalidades baseadas em arremessar, lançar ou rebater uma bola ou um objeto em direção a determinado espaço da quadra adversária. Exemplos: voleibol, tênis de mesa, peteca. � Campo e taco: modalidades caracterizadas por rebater uma bola o mais longe possível. Exemplos: beisebol, críquete. � Invasão ou territorial: modalidades com intuito de invadir o território do adversário para retirar ou introduzir um objeto. Exemplos: futebol americano, rugby, futebol, basquetebol. � Combate: disputas nas quais se deve subjugar o adversário com técnicas e táticas de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão espacial. Exemplos: sumô, boxe, esgrima. A unidade temática ginástica propõe as seguintes subdivisões: geral, do condicionamento físico e de conscientização corporal, conforme a seguir (BRASIL, [2018]). � Ginástica geral: busca explorar atividades acrobáticas e expressivas. Tem como princípios a interação social, o compartilhamento e a ausên- cia de competitividade. Exemplos: saltos, atividades com cordas e fitas. � Ginástica do condicionamento físico: exercícios voltados para melhora do desempenho físico. Exemplos: exercícios com cargas preestabe- lecidas na combinação carga/volume/frequência para melhora de capacidades físicas. � Ginástica de conscientização corporal: movimentos suaves e lentos objetivando melhora postural e conscientização das possibilidades corporais. Exemplos: ioga, exercícios respiratórios. Educação física no ensino fundamental 13 As danças devem explorar conteúdos baseados em movimentos rítmicos, que normalmente são acompanhados pela presença de música. Elas podem ser trabalhadas de muitas formas, seja individual ou coletivamente. Nesses conteúdos, o aspecto cultural regional deve ser trabalhado por meio de danças típicas da região ou da cultura local. Já as lutas propõem uma situação de oposição em que técnicas e táticas específicas devem ser utilizadas para imo- bilizar, desequilibrar ou excluir o oponente de determinado espaço. É preciso contextualizar o conteúdo para o ambiente escolar, sendo muito importante também a abordagem do conteúdo teórico-cultural de cada modalidade. Por exemplo, a capoeira é uma luta/dança de origem afro-brasileira, que apresenta um conteúdo cultural muito rico a ser explorado nas aulas de educação física. Por fim, as práticas corporais de aventura envolvem a aplicação de técnicas e movimentos em situações e ambientes desafiadores. É um conteúdo que pode ser aplicado de diferentes formas, uma vez que apresenta ampla gama de possibilidades, por exemplo, atividades de escalada, corridas de aventura, exploração da natureza, entre outros. Esse é um espaço em que é possível atrelar uma série de conteúdos transversais, principalmente associados ao meio ambiente. No entanto, é muito importante entender que existe uma orientação quanto à progressão de abordagem desses conteúdos durante os anos leti- vos escolares. Dessa forma, a BNCC divide o ensino fundamental em ciclos, orientando a aplicação de atividades adequadas a cada um deles. Os ciclos são: anos iniciais, compostos por dois ciclos (1º e 2º anos; 3º ao 5º ano), e anos finais, compostos por dois ciclos (6º e 7º anos; 8º e 9º anos). Nos anos 1º e 2º dos anos iniciais, a orientação é para que os jogos e as brincadeiras sejam introduzidos observando o contexto comunitárioe regio- nal, assim como as danças. Já para os esportes, a proposta indica trabalhar com os de marca e precisão. A ginástica geral também deve ser a escolhida para essa etapa. Do 3º ao 5º ano dos anos iniciais, é feita transição para jogos e brincadeiras do Brasil e do mundo, além daqueles de matriz indígena ou africana, assim como as danças. Nos esportes, devem ser trabalhados os de taco, rede/parede e invasão. A ginástica se mantém focada na ginástica geral. Nesse momento, é iniciada a introdução às lutas, objetivando estudar aquelas do contexto comunitário e regional e as de matriz indígena ou africana. Nos anos 6º e 7º dos anos finais, os jogos e brincadeiras devem abordar jogos eletrônicos, enquanto os esportes terão sua atenção voltada para aqueles de marca, de precisão, de invasão e técnico-combinatórios. A gi- nástica deverá ser trabalhada na perspectiva do condicionamento físico. As danças deverão abordar o conteúdo de danças urbanas. Já as lutas deverão Educação física no ensino fundamental14 trabalhar aquelas específicas do Brasil. Por fim, é introduzida a unidade de práticas de aventura, abordando principalmente as aventuras urbanas. Nos anos 8º e 9º dos anos finais, devem ser trabalhados esportes de parede e rede, de campo e taco, de invasão e de combate. A ginástica deve manter o foco no condicionamento físico. No entanto, deve introduzir aspectos de conscientização corporal. As danças deverão voltar sua atenção para as danças de salão, enquanto as lutas focarão nas lutas do mundo. Por fim, as práticas de aventura deverão ser trabalhadas no sentido de aventura na natureza. A BNCC apresenta essa estrutura em forma de tabela, facilitando a visualização das unidades e dos conteúdos, conforme apresenta o Quadro 1. Quadro 1. Unidades temáticas e objetos do conhecimento da educação física escolar em cada ano letivo Unidades temáticas Objetos de conhecimento 1º e 2º anos 3º ao 5º ano Brincadeiras e jogos Brincadeiras e jogos da cultura popular presentes no contexto comunitário ou regional. Brincadeiras e jogos populares do Brasil e do mundo. Brincadeiras e jogos de matriz indígena ou africana. Esportes Esportes de marca e esportes de precisão. Esportes de campo e taco, esportes de rede e parede, esportes de invasão. Ginásticas Ginástica geral. Ginástica geral. Danças Danças do contexto comunitário e regional. Danças do Brasil e do mundo, danças de matriz indígena ou africana. Lutas Lutas do contexto comunitário ou regional, lutas de matriz indígena ou africana. (Continua) Educação física no ensino fundamental 15 6º e 7º anos 8º e 9º anos Brincadeiras e jogos Jogos eletrônicos. Esportes Esportes de marca, esportes de precisão, esportes de invasão e técnico-combinatórios. Esportes de rede e parede, esportes de campo e taco, de invasão e de combate. Ginásticas Ginástica de condicionamento físico. Ginástica de condicionamento físico e ginástica de conscientização corporal. Danças Danças urbanas. Danças de salão. Lutas Lutas do Brasil. Lutas do mundo. Práticas corporais de aventura Práticas corporais de aventura urbana. Práticas corporais de aventura na natureza. Fonte: Adaptado de Brasil ([2018]). Portanto, é muito importante entender, enquanto professor de educação física escolar, que essas orientações servem para balizar a prática docente, mas não representam uma estrutura fechada e engessada. Por exemplo, não existe uma ordem didático-pedagógica para abordagem dos conteúdos. É preciso fazer uma leitura da turma, entender a realidade da escola e da comunidade ao redor da escola, bem como das famílias das crianças, para, então, decidir quais conteúdos devem ser abordados e de qual maneira. Referências BERTINI-JUNIOR, N.; TASSONI, E. C. M. A Educação física, o docente e a escola: concep- ções e práticas pedagógicas. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 27, n. 3, p. 467–83, 2013. BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. 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