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CAPÍTULO 3 CONHECIMENTO Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais angustian- te do que um pensamento que escapa a si mesmo, idéias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos. (Deleuze e Guattari) 1. Introdução A epígrafe deste capítulo se refere ao es- conhecimentos acumulados em uma determi- forço constante que anima o homem a com- nada cultura. No correr dos tempos, a razão preender. Diante do caos - que não significa humana adquire formas diferentes, dependen- vazio, mas desordem procuramos estabele- do da maneira pela qual o homem entra em cer semelhanças, diferenças, su- contato com o mundo que o cerca. A razão é cessão no tempo, causalidades, que possibili- histórica e vai sendo tecida na trama da exis- tem ordem no caos". Mesmo porque só tência humana. Então, a capacidade que o ho- assim será possível ao homem também agir so- mem tem, em determinado momento, de bre o mundo e tentar transformá-lo. discernir as diferenças e as semelhanças, e de conhecimento é o pensamento que re- definir as propriedades dos objetos que o ro- sulta da relação que se estabelece entre o su- deiam, estabelece o tipo de racionalidade pos- jeito que conhece e o objeto a ser conhecido. sível naquela circunstância. A apropriação intelectual do objeto supõe que A apreensão que fazemos do mundo não haja regularidade nos acontecimentos do é sempre tematizada, sendo inicialmente pré- mundo; caso contrário, a consciência cognos- reflexiva. E isso vale tanto para o homem das cente nunca poderia superar o caos. sociedades tribais e para a criança como para Por exemplo, Kant diz: "Se o cinábrio nós, no cotidiano da nossa vida. Não é sempre [minério de mercúrio] fosse ora vermelho, ora que estamos refletindo sobre o mundo (ainda preto, ora leve, ora pesado (...), minha imagi- bem!), e a abordagem que dele fazemos se nação empírica nunca teria ocasião de receber encontra primeiro no nível da intuição, da ex- no pensamento, com a representação da cor periência vivida. vermelha, o cinábrio pesado". Se de início o homem precisa de cren- conhecimento pode designar o ato de ças e opiniões prontas (nas formas de mito ou conhecer, enquanto relação que se estabelece do senso comum), a fim de apaziguar a afli- entre a consciência que conhece e o mundo ção diante do caos e adquirir segurança para conhecido. Mas o conhecimento também se agir, em outro momento é preciso que ele seja refere ao produto, ao resultado do conteúdo capaz de "reintroduzir o caos", criticando as desse ato, ou seja, o saber adquirido e acumu- verdades sedimentadas, abrindo fissuras e fen- lado pelo homem. das no "já conhecido", de modo a alcançar Na verdade, ninguém inicia o ato de co- novas interpretações da realidade. nhecer de uma forma virgem, pois esse ato é Todo conhecimento dado tende a simultâneo à transmissão pela educação dos esclerosar-se no hábito, nos no precon- 21 Digitalizado com CamScannerceito, na ideologia, na rigidez das "escolas". Esse intuição inventiva é a do sábio, do conhecimento precisa ser revitalizado pela cons- artista, do cientista, quando repentinamente trução de novas teorias (no caso da filosofia e da descobrem uma nova hipótese, um tema ori- ciência) e pelo despertar de novas sensibilidades ginal. Também na vida diária, enfrentamos si- (no caso da arte). tuações que exigem soluções criativas, verda- Pelo esforço resultante do questiona- deiras invenções súbitas. mento, a razão elabora o trabalho de concei- intuição intelectual é a que se es- tuação, que tende a se tornar cada vez mais força por captar diretamente a essência do ob- complexo, geral e abstrato. A ação do homem, jeto. Por exemplo, a descoberta de Descartes inicialmente "colada" ao mundo, é lentamen- do cogito (eu pensante) enquanto primeira te elucidada pela razão, que permite "viver em verdade indubitável. pensamento" a situação que ele pretende com- preender e transformar. Conhecimento discursivo Com isso não estamos dizendo que o pen- sar humano possa ficar separado do agir (já vi- Para compreender o mundo, para "or- mos como essa relação é dialética), mas que o ganizar o caos", a razão supera as informa- próprio pensamento torna-se objeto do pensa- ções concretas e imediatas que recebe, or- mento: instala-se a fase de auto-reflexão e críti- ganizando-as em conceitos ou idéias gerais ca do conhecimento anteriormente recebido. que, devidamente articulados, podem levar Os diversos modos de conhecer, apenas à demonstração e a conclusões que se con- indicados neste item, serão analisados em ou- sideram verdadeiras. Diferentemente da in- tros capítulos deste livro: o mito, o senso co- tuição, a razão é por excelência a faculdade mum, a ciência, a arte e a filosofia. de julgar. Chamamos conhecimento discursivo ao conhecimento mediato, isto é, aquele que se 2. Formas de conhecer dá por meio de conceitos. É o pensamento que opera por etapas, por um encadeamento de Intuição idéias, juízos e raciocínios que levam a deter- minada conclusão. Se perguntarmos "de que modo o sujei- Para tanto, a razão precisa realizar abs- to que conhece pode apreender o real?", a res- trações. Abstrair significa "isolar", "separar posta imediata que nos vem à mente é que o de". Fazemos uma abstração quando isola- homem conhece pela razão, pelo discurso. mos, separamos um elemento de uma repre- Mas nós apreendemos o real também sentação, elemento este que não é dado sepa- pela intuição, que é uma forma de conheci- radamente na realidade (representação signi- mento imediato, isto é, feito sem intermediá- fica a imagem, ou a idéia da "coisa" enquanto rios, um pensamento presente ao espírito. presente no espírito). Como a própria palavra indica (tueri em latim Quando vemos um cinzeiro, temos ini- significa "ver"), intuição é uma visão súbita. cialmente a imagem dele, uma representação Enquanto o raciocínio é discursivo e se faz por mental de natureza sensível e de certa forma meio da palavra, a intuição é inefável, concreta e particular, porque se refere àquele inexprimível: como poderíamos explicar em cinzeiro especificamente (por exemplo, de que consiste a sensação do vermelho? forma hexagonal e de cristal transparente). A intuição é importante por ser o ponto Quando abstraímos, isolamos essas ca- de partida do conhecimento. a possibilidade racterísticas por serem secundárias, e consi- da invenção, da descoberta, dos grandes "sal- deramos apenas o "ser cinzeiro". Resulta daí tos" do saber humano. Partindo de uma divi- o conceito ou idéia de cinzeiro, que é a repre- são muito simplificada, a intuição pode ser de sentação intelectual de um objeto e, portanto, vários tipos: imaterial e geral. Ou seja, a idéia de cinzeiro não se refere àquele cinzeiro particular, mas a intuição sensível é o conhecimento qualquer objeto que sirva para recolher cin- imediato que nos é dado pelos órgãos dos sen- zas. Da mesma forma, podemos abstrair do tidos: sentimos que faz calor; vemos que a cinzeiro a forma ou a cor, que de fato não exis- blusa é vermelha; ouvimos o som do violino. tem fora da coisa real. Digitalizado com CamScannermatemático reduz as coisas que têm Descartes, Locke, Hume, e culminando com peso, dureza, cor, para só considerar a quanti- a grande crítica da razão levada a efeito dade. Por exemplo, quando dizemos 2, consi- por Kant. deramos apenas o número, deixando de lado se são duas pessoas ou duas frutas. esquema a seguir indica os principais problemas do conhecimento: A lei científica também é abstrata. Quando concluímos que o calor dilata os cor- quanto ao critério da verdade: o que pos, fazemos abstração das características que permite reconhecer o verdadeiro? (Exemplo: distinguem cada corpo para considerar apenas a evidência, a utilidade prática.) os aspectos comuns àqueles corpos, ou seja, o "corpo em geral" enquanto submetido à ação quanto à possibilidade do conhecimen- do calor. to: pode o sujeito apreender o objeto? (Exem- Ora, quanto mais tornamos abstrato um plo: dogmatismo, ceticismo.) conceito, mais nos distanciamos da realida- quanto ao âmbito do conhecimento: de concreta. Esse artifício da razão é impor- abrange a totalidade do real, ou se restringe tante enquanto possibilidade de trans- ao sujeito que conhece? (Exemplo: realismo, cendência, para a superação do "aqui e ago- idealismo.) ra" e construção de hipóteses transformado- quanto à origem do conhecimento: ras do real. qual é a fonte do conhecimento? (Exemplo: No entanto, toda vez que a razão se dis- racionalismo, empirismo.) tancia demais do vivido, a teoria se petrifica e o conhecimento é empobrecido. Na filoso- fia contemporânea, como veremos no Capí- A verdade tulo 10 (Teoria do conhecimento), a crítica às formas esclerosadas do racionalismo exa- Todo conhecimento coloca o problema cerbado faz retomar o valor da intuição em da verdade. Pois quando conhecemos, sempre pensadores como Bergson, Dilthey, Husserl. nos perguntamos se o enunciado corresponde Da mesma forma, permanecer no nível ou não à realidade. do vivido e da intuição impede o distanciamen- A moça de turban- to fecundo da razão que interpreta e critica. te, de Vermeer O verdadeiro conhecimento se faz, por- tanto, pela ligação contínua entre intuição e razão, entre o vivido e o teorizado, entre o concreto e o abstrato. 3. Teoria do conhecimento A teoria do conhecimento é uma disci- plina filosófica que investiga quais são os pro- blemas decorrentes da relação entre sujeito e objeto do conhecimento, bem como as condi- ções do conhecimento verdadeiro. Embora os filósofos da Antiguidade e da Idade Média tratassem de questões refe- rentes ao conhecimento, não se pode dizer que a teoria do conhecimento existisse en- quanto disciplina independente, pois essas Van Meegeren questões se achavam vinculadas aos textos Van Meegeren foi um pintor que falsificou obras de metafísica. Surge como disciplina autôno- de Vermeer, como A moça de turbante. o mu- ma apenas na Idade Moderna, quando os fi- seu de Washington, mesmo depois de descober- lósofos se ocupam de forma sistemática com ta a fraude, comprou do governo holandês a maioria dos Van Meegeren, tal era a qualidade as questões sobre a origem, essência e cer- do seu trabalho: "Os falsos Vermeer eram ver- teza do conhecimento humano, a partir de dadeiros Van Meegeren". 22 Digitalizado com CamScannerComecemos distinguindo verdade e só ao espírito. Trata-se de uma evidência realidade. Na linguagem cotidiana, resultante da intuição intelectual. temente os dois conceitos são confundidos. Se Para Nietzsche é verdadeiro tudo o que nos referimos a um colar, a um quadro, a um contribui para fomentar a vida da espécie dente, só podemos afirmar que são reais e não e falso tudo o que é obstáculo ao seu verdadeiros ou falsos. Se dizemos que o colar desenvolvimento. ou o dente são falsos, devemos reconhecer Para o pragmatismo (William James, que o "falso" colar é uma verdadeira bijuteria Dewey, Peirce), a prática é o critério da e o dente um verdadeiro dente postiço. verdade. Nesse caso, a verdade de uma Isso porque a falsidade ou veracidade proposição se estabelece a partir de seus não estão na coisa mesma, mas no juízo, e efeitos, dos resultados práticos. portanto no valor da nossa afirmação. Há ver- Nos dois últimos casos (Nietzsche e dade ou não dependendo de como a coisa apa- pragmatismo), o critério da verdade deixa de rece para o sujeito que conhece. Por isso di- ser um valor racional e adquire um valor de zemos que algo é verdadeiro quando é o que existência, que pode ser sintetizado na frase parece ser. de Saint-Exupery: "A verdade para o homem Assim, ao beber o líquido escuro que me é o que faz dele um homem". parecia café, descubro que o "falso" café é Há ainda os lógicos que buscam o crité- uma verdadeira cevada. A verdade ou falsida- rio da verdade na coerência interna do argu- de existe apenas no juízo "este líquido é café", mento. Verdadeiro seria então o raciocínio no qual se estabelece o vínculo entre sujeito e que não encerra contradições e é coerente com objeto, típico do processo do conhecimento. um sistema de princípios estabelecidos. Essa Resta portanto saber o que é a verdade é a verdade típica da matemática. Afirmar que enquanto juízo a respeito da realidade. Para por um ponto fora de uma reta só passa uma os escolásticos, filósofos medievais, "a paralela a essa reta pode ser verdadeiro se ad- verdade é a adequação do nosso pensamento mitirmos os postulados de Euclides, mas fal- às coisas". juízo seria verdadeiro se a se adotarmos os princípios da geometria representação fosse cópia fiel do objeto não-euclidiana. representado. Essa definição sofreu poste- A verdade pode ainda ser entendida riormente inúmeras críticas, sobretudo como resultado do consenso, enquanto con- quando, a partir da Idade Moderna, rom- junto de crenças aceitas pelos indivíduos em peu-se a crença de que a realidade do mundo um determinado tempo e lugar e que os ajuda aí está para ser conhecida na sua transpa- a compreender o real e agir sobre ele. rência. Afinal, a questão é mais complexa: É difícil e complexa a discussão a res- como julgar a verdade da representação do real pelo pensamento? Ou seja, como peito dos critérios da verdade, mesmo porque saber se a definição mesma de verdade é são diferentes as posturas que temos diante do verdadeira? Além disso, a filosofia moderna real quando nos dispomos a compreendê-lo. vai questionar a possibilidade mesma de Por exemplo, alguém poderá dizer bem na conhecimento do real. linha dos positivistas que só a ciência nos dá o conhecimento verdadeiro, uma vez que Isso nos remete para a discussão a os critérios de verificabilidade (pelo menos respeito do critério da verdade. Qual o sinal das ciências da natureza, como a física) nos que permite reconhecer a verdade e distingui- levam a conclusões seguras, objetivas, aceitas la do erro? Não pretendemos analisar passo a pela comunidade dos cientistas e que, ainda passo as discordâncias dos autores a respeito por cima, com o desenvolvimento da tecnolo- do assunto, devido à complexidade e à gia, resultam em eficácia no agir. necessidade de aprofundamento da questão. Por outro lado, não há como deixar de Algumas referências serão feitas nos capítulos reconhecer que a ciência, sendo um conheci- que se seguem; por enquanto, bastam-nos mento abstrato, seleciona o que lhe interessa algumas pistas. conhecer e reduz as infinitas possibilidades Para Descartes, o critério da verdade é a do real, excluindo o sujeito com suas emo- evidência. Evidente é toda idéia clara e ções e sentimentos. Nesse sentido, por que distinta, que se impõe imediatamente e por si recusar um outro tipo de verdade, aquela Digitalizado com CamScannerintuída pelo sentimento? E não se poderia mais radicais, pela impossibilidade do conhe- falar na verdade que resulta da experiência cimento; e nas tendências moderadas, pela artística, já que também a arte é uma forma suspensão provisória de qualquer juízo. de conhecimento? Portanto, há gradações no ceticismo. Os Entre os dois extremos do conhecimen- céticos moderados admitem uma forma rela- to, das ciências da natureza e do conhecimento tiva de conhecimento (relativismo), reconhe- pela arte, convém lembrar as dificuldades na cendo os limites para a apreensão da verdade. busca da verdade das ciências humanas (ver Para outros moderados, mesmo que seja im- Capítulo 16 As ciências humanas) e das possível encontrar a certeza, não se deve aban- novas exigências para se estabelecer o estatu- donar a busca. Mas para o ceticismo radical, to epistemológico do conhecimento do ho- como o pirronismo, se a certeza é impossível, mem pelo homem. é melhor renunciar ao conhecimento, o que traz, como prática, a indiferen- ça absoluta em relação a tudo. A possibilidade do conhecimento O ceticismo radical se contradiz ao se afirmar, pois concluir que "toda certeza é im- Uma das discussões em torno do proble- possível e a verdade é inacessível" não deixa ma do conhecimento diz respeito à possibili- de ser uma certeza, e tem valor de verdade. dade ou não de o espírito humano atingir a certeza. Distinguiremos inicialmente duas Dogmatismo tendências principais: o ceticismo e o dogmatismo. Dogmatikós, em grego, significa "que se funda em princípios" ou "relativo a uma dou- Ceticismo trina". Dogmatismo é a doutrina segundo a qual o homem pode atingir a certeza. Filoso- "Nada existe. Mesmo se existisse algu- ficamente é a atitude que consiste em admitir ma coisa, não poderíamos conhecê-la; conce- que a razão humana tem a possibilidade de dido que algo existe e que o podemos conhe- conhecer a realidade. cer, não o podemos comunicar aos outros." Do ponto de vista religioso, chamamos Essas três proposições, atribuídas a Górgias dogma a uma verdade fundamental e indiscu- (séc. IV a.C.), um dos representantes da tível da doutrina. Na religião cristã, por exem- sofística, exemplificam a postura conhecida plo, há o dogma da Santíssima Trindade, se- como ceticismo. gundo o qual as três pessoas (Pai, Filho e Es- Naquele mesmo século, outro grego cha- pírito Santo) não são três deuses, mas apenas mado Pirro, acompanhando Alexandre Magno um. Deus é uno e trino. Não importa se a ra- em suas expedições de conquista, conheceu zão não consegue entender, já que é um prin- muitos povos com valores e crenças diferentes. cípio aceito pela fé e o seu fundamento é a Como geralmente fazem os céticos, deve ter revelação divina. confrontado a diversidade das convicções que Quando transpomos a idéia de dogma animam os homens, bem como as diferentes para o campo não-religioso, ela passa a desig- filosofias tão contraditórias, abstendo-se no fi- nar as verdades não-questionadas e inquestio- nal de aderir a qualquer certeza. náveis. Só que, nesse caso, não se estando Pelo menos semelhante no gosto pelas mais no domínio da fé religiosa, o dogmatis- viagens, o filósofo renascentista Montaigne mo torna-se prejudicial, já que o homem, de retoma os temas do ceticismo. Contrapõe-se posse de uma verdade, fixa-se nela e abdica de continuar a busca. às certezas da escolástica decadente e à into- lerância de um período de lutas religiosas, mundo muda, os acontecimentos se analisando nos Ensaios a influência de fato- sucedem e o homem dogmático permanece res pessoais, sociais e culturais na formação petrificado nos conhecimentos dados de uma das opiniões. vez por todas. Disse Nietzsche que "as con- Skeptikós, em grego, significa "que ob- vicções são prisões". Refratário ao diálogo, o homem dogmático teme o novo e não raro se serva", "que considera". cético tanto obser- torna intransigente e prepotente. Quando va e tanto considera que conclui, nos casos 25 Digitalizado com CamScannerresolve agir, o fanatismo é inevitável, e com ele, a justificação da violência. Na Idade Moderna, a partir de Descar- tes, o realismo metafísico dos gregos é colo- Também chamamos dogmáticos os se- cado em questão. Porque a questão metafísica guidores de "escolas" e tendências quando se é antecipada pela questão epistemológica recusam a discutir suas verdades, permane- "como descobrir a Ao desenvolver cendo refratários às mudanças. o método para evitar o erro e chegar à verdade Quando o dogmatismo atinge a política, Descartes encontra o cogito. À assume um caráter ideológico que nega o pergunta "quem existe?". responde: "eu e pluralismo e abre caminho para a imposição meus pensamentos". E é desse ponto de parti- da doutrina oficial do Estado e do partido úni- da que pensa poder recuperar a existência de co, com todas as infelizes decorrências, como Deus e do mundo. censura e repressão. Em nome do dogma da raça ariana, Hitler cometeu o genocídio dos Com isso, o idealismo se configura judeus e ciganos nos campos de concentração. como o caminho para a procura da verdade que acaba por restringir o conhecimento ao Além dos significados comuns do con- âmbito do sujeito que conhece. ceito de dogmatismo, é preciso ressaltar ou- tro, denunciado por Kant na Crítica da razão A origem das idéias pura. Como se propôs a fazer a avaliação das reais condições dos limites da razão para co- Como vimos, a teoria do conhecimento nhecer, Kant chama de dogmáticos todos os filósofos anteriores, inclusive Descartes, por assume na Idade Moderna uma importância não terem colocado a questão da crítica do fundamental e primeira. Uma das questões conhecer como discussão primeira. Ou seja, que surge é quanto à fonte das idéias: qual é a aqueles filósofos "não acordaram do sono origem do pensamento? Duas correntes prin- dogmático", no sentido de ainda terem uma cipais se desenvolvem então: o racionalismo e o empirismo. confiança não-questionada no poder da razão em conhecer. O racionalismo tem seu maior expoente em Descartes, segundo o qual a razão tem pre- o âmbito do conhecimento domínio absoluto como fundamento de todo conhecimento possível. Os filósofos gregos tinham uma concep- Mas o inglês Locke, embora de forma- ção realista do conhecimento, pois para eles ção cartesiana, critica as idéias inatas e elabo- não era problemática a existência do mundo. ra o empirismo, teoria do conhecimento se- o mundo é considerado inteligível, isto é, gundo a qual as idéias derivam direta ou indi- tudo no mundo é compreensível pelo pensa- retamente da experiência mento. conhecimento se faz pela formação No século XVIII Kant tentará superar com de conceitos, que são verdadeiros enquanto o criticismo essas duas posições adequados à realidade existente. Restringimo-nos aqui apenas a citar essas tendên- cias porque terão maior espaço no Capítulo 10. Exercícios 1. Explique o processo do conhecimento usando os seguintes conceitos: sujeito, objeto, pen- mesmo estraçalhar para fazer passar uma corrente samento e verdade. de ar, saída do caos, que nos traga a visão." 2. Leia a citação de Deleuze e Guattari e rela- 3. Identifique as frases seguintes, indicando cione com o problema do se o conhecimento em questão resulta da razão ou "O pintor não pinta sobre uma tela virgem, da intuição (nesse caso, quando possível, indique de que tipo): nem o escritor escreve sobre uma página branca. mas a página ou a tela estão já de tal maneira co- a) Isto é vermelho. b) É um conhecimento que bertas de progride por idéias gerais e abstratas. c) Exige o que é preciso de início apagar, limpar, laminar, uso de linguagem. d) É e) Gosto des- te gato. f) Exige demonstração. g) Este lápis é me- Digitalizado com CamScanner

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