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JOSÉ ANTONIO SAVARIS FLAVIA DA SILVA XAVIER Curitiba - 2022 MANUAL DOS RECURSOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Prefácio MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI Apresentação MINISTRO NEFI CORDEIRO 8ª EDIÇÃO Revista e Atualizada Rua Itupava, 118 - Alto da Rua XV, CEP 80045-140 Curitiba – Paraná Fone: (41) 3075.3238 • Email: alteridade@alteridade.com.br www.alteridade.com.br Catalogação: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9/626 Diagramação e Capa: Jonny M. Prochnow Imagem da capa: pikisuperstar / Freepik S265 Savaris, José Antonio Manual dos recursos nos juizados especiais federais / José Antonio Savaris, Flavia da Silva Xavier - 8.ed. rev. atual. – Curitiba: Alteridade Editora, 2022. 576p.: il.; 23cm ISBN 978-65-89533-27-6 1. Juizados especiais federais. 2. Recursos (Direito). I. Xavier, Flavia da Silva. II. Título. CDD 347.04 (22. ed) CDU 347.9 Conselho Editorial Carlos Luiz Strapazzon Claudia Rosane Roesler Daniela Cademartori Fabiano Hartmann Peixoto Guido Aguila Grados Ingo Wolfgang Sarlet Isaac Reis Jairo Enrique Herrera Pérez Jairo Gilberto Schäfer José Antonio Savaris Marcos Garcia Leite Luis Alberto Petit Guerra Paulo Márcio Cruz Zenildo Bodnar Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 31 sumário Siglas e Abreviaturas ............................................................................................... 39 Parte i – introDUÇÃo Aos rECUrsos CÍvEis nos JUiZADos EsPECiAis FEDErAis Capítulo 1 – ELEMENTOS DA TEORIA GERAL DOS RECURSOS .................................. 43 1.1 - Conceito e natureza jurídica do recurso .............................................................. 43 1.2 - Fontes normativas dos recursos nos Juizados Especiais ....................................... 45 1.3 - Constituição da República como fundamento do sistema recursal ..........................47 1.4 - Fontes normativas dos recursos no âmbito dos Juizados Especiais ........................ 50 1.4.1 - Aplicação subsidiária do CPC .................................................................... 52 1.4.1.1 - Aplicabilidade do CPC/2015 nos Juizados Especiais Federais. ................61 1.4.1.1.1 - Contagem dos prazos processuais em dias úteis .......................... 62 1.4.1.1.2 - Suspensão do curso do prazo processual para férias .................... 63 1.4.1.1.3 - Supressão de instância, conhecimento de questões novas e “não surpresa” ........................................................................................ 64 1.4.1.1.4 - A flexibilização do prequestionamento para os recursos extraordinários ........................................................................................ 64 1.4.1.1.5 - A integração da decisão colegiada pelo voto vencido para fins de prequestionamento .............................................................................. 65 1.4.1.1.6 - O julgamento ampliado do colegiado em caso de divergência ........ 66 1.4.1.1.7 - Embargos de declaração sem efeito suspensivo, mas interrompendo prazo para outros recursos .................................................. 67 1.4.1.1.8 - Ônus recursal de impugnação específica .................................... 67 1.4.1.1.9 - Padrões argumentativos decorrentes do dever de fundamentação .... 70 1.4.1.1.10 - Relativização de formalidades recursais .................................... 72 1.5 - Princípios informadores do sistema recursal brasileiro ...........................................74 1.5.1 - Princípio da proibição da reformatio in pejus ...............................................74 1.5.2 - Princípio da irrecorribilidade das interlocutórias ............................................75 1.5.3 - Princípio da taxatividade dos recursos ........................................................76 1.5.4 - Princípios da singularidade e da correlação do recurso ................................. 77 1.5.5 - Princípio da fungibilidade dos recursos....................................................... 80 32 1.6 - Competência, Particularidades e Princípios dos Juizados Especiais Federais ........... 83 1.6.1 - Competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis .................................... 84 1.6.2 - Particularidades dos juizados especiais federais .......................................... 94 1.6.3 - Princípio da oralidade .............................................................................. 96 1.6.4 - Princípio da simplicidade .......................................................................... 98 1.6.5 - Princípio da informalidade .......................................................................100 1.6.6 - Princípio da economia processual ............................................................102 1.6.7 - Princípio da celeridade ............................................................................103 1.7 - Aplicabilidade dos princípios do sistema recursal nos Juizados Especiais ...............104 1.8 - Pressupostos de admissibilidade dos recursos em geral ......................................105 1.8.1 - Cabimento do recurso .............................................................................107 1.8.2 - Legitimação para recorrer .......................................................................107 1.8.3 - Interesse recursal ...................................................................................109 1.8.4 - Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer ..................111 1.8.5 - Tempestividade, regularidade formal e preparo ..........................................111 1.8.6 - Pertinência material do recurso em relação à decisão .................................113 1.9 - Juízo de admissibilidade e juízo de mérito..........................................................114 1.10 - Efeitos dos recursos ......................................................................................116 1.11 - Classificação dos recursos .............................................................................119 1.12 - Recurso adesivo – cabimento nos Juizados Especiais ........................................121 1.13 - O CPC/2015 e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas .....................122 1.13.1 - Pressupostos para o cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas .........................................................................................125 1.13.2 - Suspensão dos processos que versem idêntica questão de direito ..............126 1.13.3 - Admissão, instrução e julgamento do incidente no Tribunal ........................130 1.13.4 - Efeitos do julgamento ............................................................................131 1.13.5 - Constitucionalidade da sistemática, ao abranger os Juizados Especiais ........132 1.13.6 - Efeitos do IRDR sobre os julgamentos das Turmas de Uniformização ..........138 1.13.7 - Recurso Especial e IRDR em processo oriundo dos JEFs (posicionamento do STJ) ....................................................................................143 1.13.8 - Eficácia do novo mecanismo para redução de demandas previdenciárias .....150 1.13.8.1 - A problemática do tempo para o julgamento do incidente ..................151 1.13.8.2 - A problemática da postura da Administração Pública Previdenciária ...153 Capítulo 2 – ÓRGÃOS COLEGIADOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS ................155 2.1 - Turmas Recursais ...........................................................................................155 2.1.1 - Composição das Turmas Recursais ...........................................................156 2.1.2 - Competência das Turmas Recursais e atribuição dos magistrados integrantes ...159 2.2 - Turmas Regionais de Uniformização .................................................................161 2.2.1 - Composição das Turmas Regionais de Uniformização .................................162 2.2.2 - Competência das Turmas Regionais de Uniformização e atribuição dos magistrados integrantes .....................................................................................164mérito, é facultado ao juiz, também no âmbito dos juizados especiais federais, exercer o juízo de retratação, técnica processual que inegavelmente vai ao encontro dos princípios da econo- mia e celeridade processual. 3.7 - LiMitEs Do ConhECiMEnto PELA instÂnCiA ad quem É pertinente analisar os limites de atuação do órgão julgador do recur- so. Pela ausência de regra específica na Lei 10.259/01 e na Lei 9.099/95, é de se aplicar subsidiariamente as disposições estabelecidas no Código de Processo Civil para o recurso de apelação, pois guarda paralelo com a figura recursal ora tratada357. Assim, por aplicação do art. 1.013 do CPC/2015, o recurso contra a sen- tença dos juizados especiais federais devolve à turma recursal o conhecimento da “matéria impugnada”. O recurso da parte vencida poderá impugnar a inte- gralidade da sentença ou apenas parte dela. Nesta segunda hipótese, a parte do provimento jurisdicional não impugnada pelo vencido é tida como aceita, não é “matéria impugnada” e, destarte, não poderá ser alvo de análise pela instância recursal. Porém, serão “objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solu- cionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado”358. Ainda quanto ao efei- to devolutivo, “Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais”359. Destaque-se que as questões que podem ser conhecidas de ofício e a qual- quer tempo podem ser apreciadas pelo órgão recursal, independente de provo- cação da parte ou até mesmo de manifestação na decisão recorrida. Já se teve oportunidade de destacar, quando da análise do efeito devolutivo dos recursos (item 1.10, supra), que se a sentença extingue o processo sem julga- mento do mérito e a causa está em condições de imediato julgamento, transfere- -se à instância ad quem a possibilidade do conhecimento da questão de fundo (o mérito da causa)360. A previsão, antes encontrada no art. 515, § 3º, do CPC/1973, é veiculada atualmente pelo art. 1.013, § 3º, do CPC/2015. A atual disciplina normativa, indo 357 Percebe-se novamente a aplicação subsidiária do CPC de que trata o item 1.4.1 supra. 358 CPC/2015, art. 1.013, § 1º. 359 CPC/2015, art. 1.013, § 2º. 360 Já na vigência do CPC/1973, era possível ao Tribunal julgar, desde logo, o mérito da causa, ainda que não existisse pedido expresso da parte recorrente (AgRg nos EDcl no REsp 1142225/ PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6 Turma, j. 19/06/2012, DJe 29/06/2012). 188 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER além do que dispunha o CPC/1973, expressa que, se o processo estiver em con- dições de imediato julgamento, a instância recursal deverá decidir desde logo o mérito da causa quando: a) reformar sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito361; b) decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os li- mites do pedido ou da causa de pedir; c) constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; d) decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. e) reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição (CPC/2015, art. 1.013, § 4o). Essas disposições normativas cooperam, sem dúvida, para a mais rápida solução do litígio. O processo que antes deveria retornar ao juízo de primeiro grau, agora pode ser, de imediato, julgado pelo tribunal e, conforme sustenta- mos, também pela instância recursal nos juizados especiais (turma recursal), aplicável que é, aludido conjunto normativo, a este microssistema processual362. De todo modo, em casos tais, como as questões de fato serão julgadas desde logo pela última instância que se debruçará sobre os problemas fático- -probatórios, recomenda-se maior prudência na instrução e análise do proces- so, quiçá mediante reunião de novos elementos de prova ou mediante o retorno 361 Embora o CPC/1973 limitasse tal possibilidade às causas que versavam questão exclusivamente de direito, os objetivos que inspiraram a inovação processual que ampliou o efeito devolutivo da apelação (celeridade, economia processual e efetividade processual) prestavam-se a legitimar a atuação de instância recursal para o exame direto do mérito da causa, ainda que veicule questões de fato, quando elas já estiverem esclarecidas pelas provas produzidas. Neste sentido já orientara o STJ: “1 – O § 3º do art. 515 do CPC, incluído pela Lei 10.352/2001, passou a permitir que o Tribunal, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, possa julgar desde logo a lide, em se tratando de questão exclusivamente de direito ou quando devidamente instruído o feito (‘causa madura’); 2 – In casu, tendo sido reconhecida a prescrição pelo Juízo de primeira instância, o mero efeito devolutivo da apelação faz com que as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, possam ser conhecidas pelo Tribunal, que poderá decidir todo o mérito quando do julgamento da apelação, tendo afastado a prescrição; 3 – A Corte Especial do STJ decidiu, em hipótese semelhante (REsp. 274.736/DF – Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros – DJU 01.09.2003), que estando o processo cabalmente instruído, e havendo elementos suficientes para que o Eg. Tribunal ‘a quo’ aprecie a questão controvertida, permite o art. 515, § 1º do CPC que o Tribunal avance no julgamento de mérito, sem que isso importe em supressão de instância; 4 – Nos termos do v. acórdão recorrido, as provas produzidas mostram-se suficientes à composição da lide e dispensam realização de perícia, de forma que o processo está cabalmente instruído, havendo elementos suficientes para que o Eg. Tribunal ‘a quo’ complete o julgamento de mérito. 5 – Recurso não conhecido”. (REsp. 719.462/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 20/09/2005, DJ 07/11/2005) 362 Como antes foi articulado, se as normas emprestam maior economia, simplicidade e celeridade processuais, não há razão para que as técnicas de efetivação do processo que hospedam não sejam adotadas nos Juizados Especiais, desde que compatíveis com este microssistema processual. 189 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA do processo ao juízo de primeiro grau, especialmente se assim for pleiteado pela parte. De fato, a turma recursal é responsável por dar, nessas hipóteses, a primei- ra e a última palavra sobre as questões de fato (que não podem ser objeto de dis- cussão nos pedidos de uniformização). E isso está a exigir prudência maior, a fim de que o ganho, em termos de tempo, não sacrifique o próprio direito material. 3.8 - AUsênCiA DE rEEXAME nECEssÁrio Ao expressar que nas causas que tramitam perante o sistema dos juizados especiais federais não haverá reexame necessário, o art. 13 da Lei 10.259/01 im- põe importante alteração de comportamento363 por parte das pessoas jurídicas de direito público que litigam nos juizados especiais. Não há mesmo justificativa para manter o reexame necessário em pro- cessos que envolvem litígios de menor repercussão e que adotam rito célere, informal e simplificado. A mais ampla igualdade entre as partes deve preva- lecer sobre a noção primazia do interesse público, que o instituto da remessa necessária visa resguardar. A inexistência de reexame necessário implica outra consequência impor- tante: o recurso das pessoas jurídicas de direito público será conhecido nos limi- tes em que interposto. Em outras palavras, capítulos da sentença não atacados direta e expressamente pela Fazenda Pública não são devolvidos ao conheci- mento da instância recursal. Tal como ocorre com os litigantes particulares, as pessoas jurídicas de direito público passam a ter o ônus processual de delimitar adequadamente a insurgência, a fim de que a instância revisional atenda à pre- tensão de reforma ou invalidação da decisão recorrida. Além de os advogados públicos não contarem com o reexame necessário, passama deter o ônus de impugnação específica, apontando clara e fundamen- tadamente as razões da insurgência, sob pena de ser considerado inadmissível o recurso364. É de se reconhecer que não se opera a presunção ficta contra a Fazenda Pública como efeito da revelia, em função do princípio da indisponibilidade do interesse público (CPC/2015, art. 345, II). Mas a ausência expressa de reexame necessário nos juizados especiais impõe, ao menos na instância recursal, atuação mais positiva da advocacia pú- blica, ora obrigada a recorrer adequadamente, sob pena de não alcançar a revi- são do julgado nos termos pretendidos. 363 O prestígio da via conciliatória constitui quebra de paradigma que, aliado à inexistência de prazos dilatados e ao fim do reexame necessário, aproximam a condição processual da Fazenda Pública à do particular. 364 O novo CPC prevê, quanto ao ponto, que incumbe ao relator não conhecer de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (CPC/2015, art. 932, III). 190 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER A ausência de interposição de recurso ou a interposição de um recurso deficiente impõem maléficas consequências aos interesses da Fazenda Pública. Se não existe reexame necessário, devolve-se à instância revisional dos juiza- dos especiais somente a matéria especificamente impugnada365. Se o recurso é genérico ou dissociado das razões invocadas na sentença, não apresenta apti- dão para superar o juízo de admissibilidade, por ausência de pertinência material (item 1.8.6, supra). 3.9 - A téCniCA DA MotivAÇÃo Por rEMissÃo E o DEvEr DE FUnDAMEntAr As DECisÕEs JUDiCiAis Em função do princípio da simplicidade processual e como medida de economia processual, a Lei 9.099/95 veiculou inúmeras opções procedimentais simplificadas que devem ser adequadamente aplicadas reafirmadas pelos atores processuais. Dentre as inovações encontra-se a fundamentação por referência à de- cisão de primeiro grau, consoante dispõe o caput do art. 46, verbis: Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. A técnica da motivação per relationem não contraria a exigência constitu- cional de fundamentação das decisões judiciais (CF/88, art. 93, IX) porque se tem, com ela, a expressa adoção dos fundamentos adotados pela decisão recor- rida. E isso se encontra em consonância com os princípios da simplicidade e da instrumentalidade. Com efeito, não se trata de ausência de fundamentação, pois ela existe e se encontra expressa na decisão singular cujos termos foram adotados366. O que se tem é a “formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir”367. 365 Observe-se, porém, que serão “objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado” (CPC/2015, art. 1.013, § 1o). 366 Mas, para que a decisão da turma recursal possa assumir a fundamentação da sentença, é necessário que assim o expresse. Não se considera sejam adotados os fundamentos da sentença como razões de decidir da turma recursal quando o acórdão, em sua fundamentação, avalia o juízo levado a efeito pelo juiz singular, expressando que “as provas foram bem analisadas”, ou que “a sentença deve ser confirmada”. É necessário, mais, que a turma recursal, em assim pretendendo, expresse que está a adotar a fundamentação da sentença, de modo a legitimamente valer-se da regra inserta no art. 46 da Lei 9.099/95. Neste sentido, encontra-se recente decisão da TNU que anulou acórdão de turma recursal por falta de fundamentação, entendendo a confirmação da sentença, por si só, não implicaria a assunção dos fundamentos da sentença (Processo 2004.81.10.008114-0, Rel. José Antonio Savaris, j. 08/02/2010). 367 E, por tal razão, “Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação ‘per relationem’, que se mostra compatível com o 191 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA De acordo com reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “não ofende o art. 93, IX, da Constituição do Brasil a decisão tomada por turma recursal que confirma a sentença por seus próprios fundamentos nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95”368. E essa constitucionalidade da motivação per relationem não é alterada pe- las exigências de fundamentação dispostas pelo art. 489, § 1o, do novo CPC, tal como sustentado anteriormente (veja-se 1.4.1, supra). Porém, não é possível se manter a sentença pelos próprios fundamentos quando há alegação de fato novo ou quando se suscita nulidade processual não examinada pela sentença ou dela advinda. No primeiro caso (alegação de fato novo pelo recurso), é até possível a fundamentação por referência à decisão singular, mas é imperioso que outros fundamentos a ela sejam agregados. No segundo, a parte não busca a reforma da sentença, mas suscita nuli- dade processual que por ela não foi objeto de análise. Em tais casos, a adoção da sentença pelos próprios fundamentos implicaria ignorar a matéria devolvida a conhecimento do órgão ad quem e, por consequência, nulidade da decisão da turma recursal. Seguindo a mesma linha de raciocínio, torna-se inviável manter-se a sen- tença “por seus próprios fundamentos” quando a decisão impugnada não está suficientemente fundamentada. Se a decisão recorrida revela vício de fundamen- tação, não pode o colegiado revisor mantê-la por referência a seus fundamentos, pois eles, na realidade, não existem. Nessa hipótese, ainda que não expressamen- te suscitada pela parte em recurso, a nulidade da sentença deve ser reconhecida de ofício por deixar de observar o dever constitucional de motivação. Também é nula, por deficiência de fundamentação, a decisão da turma recursal que confirma a sentença por seus próprios fundamentos, mas agrega motivação totalmente dissociada do caso dos autos. Neste sentido, já decidiu a Turma Nacional de Uniformização: Pedido de uniformização nacional. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Decisão de turma recursal estranha ao processo. Nulidade. Incidente prejudicado. 1. Expressando análise de matéria distinta daquela enfrentada pela sentença e da que lhe foi devolvida pelo recurso inominado, o acórdão recorrido incide em vício de nulidade, nos termos da Questão de Ordem 17 desta Turma Nacional: “Quando o acórdão decidir tema alheio à controvérsia, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais deve anular o julgado”. que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República”. (STF, AI 825520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 31/05/2011, DJe 12/09/2011). 368 Neste sentido, já decidiu o STF, de acordo com a sistemática de repercussão geral: “Possibilidade de o colégio recursal fazer remissão aos fundamentos adotados na sentença. Jurisprudência pacificada na Corte. Matéria com repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (RE 635729, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30/06/2011, DJe 24/08/2011). 192 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER 2. A fundamentação por referência à decisão de primeiro grau (Lei 9.099/95, art. 46) não contraria o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (CF/88, art. 93, IX) porque se presume tenha a instância recursal realizada a análise dos autos e conhecido da matéria que lhe foi devolvida pelo recurso inominado. 3. A presunção de análise do recurso pela Turma Recursal é infirmada quando o acórdão agrega aos fundamentos da sentença matéria absolutamente estranha aos autos e que em nenhum momento foi ventilada na peça recursal, deixando transparecer, com tal proceder, que o recurso não foi objeto de real apreciaçãopela instância recursal. 4. Caso em que o acórdão recorrido limita- se a justificar a manutenção da sentença sob o fundamento de validade de dispensa de prova testemunhal quando insuficiente a prova material, enquanto a decisão de primeiro grau motiva a improcedência do pedido na ausência de comprovação do fato constitutivo do direito do autor, após detida análise do quadro probatório (material e pessoal). 5. Acórdão recorrido anulado para que a Turma Recursal de origem profira nova decisão, dando-se por prejudicado o pedido de uniformização. (PEDILEF 2004.81.10.00.5768-9, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 16/11/2009). Cumpre-nos, a esta altura, examinar o dever constitucional de funda- mentar as decisões em face dos princípios da simplicidade, informalidade e ce- leridade processuais, marcos fundantes do sistema dos juizados especiais. A fundamentação das decisões judiciais consiste em um dever constitu- cional inderrogável, intimamente ligado com o direito de acesso à Justiça e, por esta razão, evidentemente, não pode ser negligenciado no âmbito dos juizados especiais federais. O cumprimento do dever fundamental de motivar as decisões não se sa- tisfaz, por exemplo, com a mera veiculação de rol de motivos que logicamente chegam ao dispositivo sem, contudo, se demonstrar, especificamente, sua perti- nência ao caso concreto. É necessária, antes, a demonstração inequívoca da razão pela qual a deci- são chegou a um dado resultado no caso concreto, de modo a permitir às partes a verdadeira compreensão do julgado e à parte sucumbente o adequado acesso à via recursal. Talvez, aqui, se encontre justamente o principal problema da de- cisão deficientemente fundamentada: ela constitui-se em um verdadeiro obstá- culo à via recursal, uma vez que ilude a possibilidade de impugnação específica das razões do julgado. Neste sentido: Na fundamentação, o juiz não deve referir-se ao resultado objetivo da prova – o que deve ser apontado no relatório –, mas à sua valoração. Não são admitidas sentenças que não façam referência aos motivos pelos quais uma prova não é admitida. Além disso, o juiz deve explicar as razões pelas quais a prova demonstra, ou não, uma afirmação de fato. Em outras palavras, o juiz não pode silenciar sobre uma prova simplesmente pelo fato de que ele, por exemplo, supõe – mas não diz – que aquela não serve para demonstrar uma afirmação de fato. 193 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA [...] A fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e, se for o caso de interpor recurso, apresentar suas razões adequadamente, demonstrando os equívocos da sentença. Além disso, a fundamentação também possibilita ao órgão de segundo grau entender os motivos que levaram o julgador de primeiro grau a dar, ou não, razão ao autor. Em outros termos, não basta o juiz estar convencido. Deve ele demonstrar as razões de seu convencimento. Isso permite o controle da atividade do juiz pelas partes ou por qualquer um do povo, já que a sentença deve ser o resultado de raciocínio lógico que assenta no relatório, na fundamentação e no dispositivo. Note-se, porém, que a decisão não requer apenas coerência lógica, mas também contextual, importando aí os contextos do direito e do senso comum, o qual muitas vezes é fundamental quando da análise da credibilidade da prova, da formação de presunção ou mesmo no estabelecimento do juízo que a toma em consideração369. Mais do que isso: O dever de motivar não decorre apenas de uma regra formal contida no texto constitucional (art. 93, IX) ou de uma exigência do direito de defesa das partes. Ele está vinculado à própria necessidade republicana de justificação das decisões do Poder Público370. 3.9.1 - simplicidade, celeridade e informalidade nos Juizados Especiais e o dever de fundamentação Uma nota preliminar se faz necessária. Tal como anteriormente assumido neste trabalho, não são aplicáveis nos juizados especiais as normas do CPC des- tinadas a dar mais concretude ao dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (v.g., CPC/2015, art. 489, § 1o), embora possam prestar-se com pauta interpretativa da norma contida no art. 93, IX, da CF/88, se não contraria- rem princípios ou regras da legislação especial (veja-se 1.4.1, supra). A ausência ou deficiência na fundamentação não se confunde com sua concisão na exposição dos fundamentos. É próprio dos juizados especiais que as decisões judiciais sejam concisas, mas isso não pode servir de manto a decisões que não permitam conhecimento acerca das razões determinantes da conclusão do julgamento. Segundo o paradigma da eficiência – preocupação acentuada com a cele- ridade e com a produtividade – na condução do processo judicial, valores pro- 369 MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo..., p. 405-406. 370 BARCELOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 47. 194 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER cessuais como celeridade, economia e instrumentalidade somam-se aos valores administrativos de qualidade e produtividade. O que se busca, nesta perspectiva, é uma prestação jurisdicional eficiente. Essa racionalidade, especialmente no âmbito dos juizados especiais fe- derais, aparece inicialmente como instrumento à satisfação do direito do juris- dicionado a um processo justo, noção esta mais enfaticamente compreendida como um processo célere, bem ao sabor da garantia constitucional da proteção judicial (CF/88, art. 5º, XXXV) e do direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (CF/88, art. 5º, LXXVIII). É uma defesa contra o estigma mais profundo do Judiciário, sua morosidade. De outra parte, o conteúdo específico de determinadas causas (ações pre- videnciárias, por exemplo) reclama também certa prioridade na tramitação, um grau de efetividade compatível com a natureza urgente do bem da vida que se encontra em discussão, uma prestação geralmente destinada a satisfa- zer as necessidades mais elementares do potencial beneficiário. É importante a percepção de que o direito a uma adequada tutela jurisdicional significa, como aponta Marinoni, “direito a um processo efetivo, próprio às peculiaridades de pretensão de direito material de que se diz titular aquele que busca a tutela jurisdicional”371. Muitas vezes, porém, a celeridade é perseguida não apenas em nome do direito constitucional individual à razoável duração do processo ou pelo receio de dano de difícil reparação à parte que se encontra destituída de prestação alimentar indispensável à sua subsistência digna, mas igualmente em razão de postura gerencial empregada para racionalizar as tarefas judiciais com vistas ao resultado geral, em termos de celeridade no trâmite dos processos. É preciso destacar que o interesse da parte em um processo efetivo – ape- nas coincide, em determinado momento, quanto ao resultado (celeridade) pre- tendido pelo método da eficiência no gerenciamento dos processos. A eficiência gerencial recomenda ótima alocação de recursos escassos (es- trutura e pessoal) para promover ganhos a todos os que se encontram em juízo aguardando análise de seu direito e, com isso, elevar as atividades judiciais do órgão jurisdicional a um patamar considerado aceitável, sob a perspectiva de indicadores de produtividade. Há, aqui, uma ideia de ganho geral que pode coincidir com o interesse da parte em obter uma resposta jurisdicional efetiva. Mas não coincidirá, necessariamente. Deve-se questionar a esta altura: a que fim devem servir valores tais como simplicidade, instrumentalidade e celeridade processuais? Em que medida estes princípios da moderna processualística confluem em favor do indivíduo numa lide contra a Fazenda Pública? Até que ponto estes valores podem ser invocados como medidas necessárias a um bom gerenciamento do órgão jurisdicional? 371 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito àadequada tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 244. v.633. 195 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Ou, antes, o que se deve considerar como uma boa administração judicial de processos? A estas perguntas não se poderá oferecer sequer uma resposta adequada se não recobrarmos a noção de que uma tutela jurisdicional efetiva não se reduz à ideia de um processo célere. Um processo efetivo emerge da necessária pon- deração entre dois primordiais valores: segurança e celeridade. Pelo primeiro, a sentença tende a sair correta. Pelo segundo, a sentença tende a sair em tempo oportuno. Talvez essa dicotomia não seja tão absoluta e se dissolva no que se considera o direito a um processo sem dilações indevidas. A consideração ex- cessiva à celeridade (instrução ou fundamentação deficiente) pode prejudicar a efetividade jurisdicional e a legitimidade do Poder Judiciário tanto quanto a demora excessiva na entrega da prestação jurisdicional. Isso ocorrerá quando o avanço processual se der em prejuízo do devido processo legal e suas irradia- ções de defesa, contraditório, igualdade entre as partes e, de modo destacado, a necessária fundamentação dos atos decisórios. Para o que nos interessa mais de perto, é de se questionar se a adoção acrí- tica da lógica do princípio da eficiência na administração da justiça não impli- cará, pelo exercício gerencial da jurisdição, a modificação do modelo de legiti- mação política e social do Judiciário, isto é, a substituição de uma “legitimidade pelo conteúdo” por uma “legitimidade pelo tempo” ou por uma “legitimidade pelos números”. Mas cumprirá o Judiciário seu papel no desafio de pacificação social ao entregar a tutela jurisdicional em menor tempo, independentemente da consistência de suas decisões, ou da correspondência delas à realidade? Neste contexto e dada à gravidade da nulidade por ausência de funda- mentação, é possível seu reconhecimento de ofício pela turma recursal ou pelas turmas de uniformização, de modo a fazer o feito retornar ao juízo a quo para adequado julgamento372. 3.10 - DECisÃo MonoCrÁtiCA Do rELAtor As Leis 9.099/95 e 10.259/01 nada dispõem sobre a possibilidade de o re- lator do recurso contra sentença resolvê-lo monocraticamente. Antes, o art. 41, § 1º, da Lei 9.099/95, aplicável subsidiariamente aos juizados especiais federais, expressa que o julgamento se fará por órgão colegiado. Contudo, como já exposto no tópico que trata da aplicação subsidiá- ria do Código de Processo Civil (item 1.4.1, supra), a regra do art. 932, III e IV, do CPC/2015, que admite o julgamento por decisão monocrática em determinadas hipóteses, tem aplicabilidade no âmbito dos juizados especiais federais, pois é compatível com os seus princípios orientadores, particularmente com os prin- cípios da informalidade e celeridade. O emprego de decisão monocrática pelo 372 Neste sentido tem orientado a Turma Nacional de Uniformização: PEDILEF 2004.81.10.01.5302- 2, Rel. Juiz Federal Otávio Henrique Martins Port, j. 16/11/2009; PEDILEF 2004.81.10.02.2534-3, Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 16/11/2009). 196 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER relator, nas hipóteses cabíveis, evidencia desapego à formalidade inerente ao julgamento em colegiado e, ao menos hipoteticamente, estabelece forma mais célere de julgamento. De modo específico, a Resolução/CJF 347/2015, que tem o propósito espe- cífico de compatibilizar normas procedimentais aplicáveis às turmas recursais e turmas regionais de uniformização, prevê, em seu art. 2º, a possibilidade de julgamento da turma recursal, mediante decisão monocrática do relator373. Contra a decisão monocrática do relator, cabe agravo regimental para o colegiado, no prazo de 15 (quinze) dias374. É imprescindível, porém, que em vez de meramente reproduzir os argumentos deduzidos no recurso que foi rejeita- do, o agravo regimental ofereça razões que consubstanciem impugnação espe- cífica aos termos da decisão monocrática375. 3.11 - ConDEnAÇÃo no PAGAMEnto DAs vErbAs DE sUCUMbênCiA A presente seção é norteada por quatro indagações fundamentais: a) Quando é devida a condenação no pagamento das verbas sucumbenciais? b) Como são fixados os honorários advocatícios? c) Em que termos é devido o paga- mento de custas em primeira instância independentemente de má-fé? d) Como se dá quando a parte autora é beneficiária da assistência judiciária? Primeira questão: quando é devida a condenação no pagamento das verbas su- cumbenciais? Ressalvados os casos de litigância de má-fé, a condenação em cus- tas e honorários advocatícios somente é devida em segunda instância e apenas quando a parte recorrente é vencida, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95: Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa [...]. 373 Art. 2º. “Compete às Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais processar e julgar: (...) § 2. Ao relator compete negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, ou em confronto com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas; § 3º. Ao relator compete dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, ou com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas”. (Resolução/ CJF 347/2015, com a redação dada pela Resolução 393/2016) 374 Resolução/CJF 347/2015, art. 2º, § 4º, com a redação dada pela Resolução/CJF 393/2016. 375 Neste sentido, note-se, a exigência contida no art. 1.021, § 1º, do CPC/2015: “Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada”. A impugnação genérica implica manifesta inadmissibilidade do agravo e abre espaço para condenação na multa de que trata o art. 1.021, § 4º, do mesmo diploma legal. 197 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Trata-se de regra que visa desestimular a interposição de recursos con- tra a sentença. Se a parte vencida não é condenada ao pagamento das verbas de sucumbência pela decisão final de primeira instância, é razoável supor que avaliará os riscos dessa condenação pela turma recursal antes da interposição do recurso. Se mantida a condição de vencida, a parte recorrente arcará com um plus em relação à condenação original, pois ficará obrigada a arcar com as custas e honorários advocatícios. Note-se, a propósito, a ausência de previsão normativa a permitir o afas- tamento da condenação do recorrente-vencido em honorários advocatícios nos casos em que a parte recorrida não apresenta contrarrazões. Por essa singela razão, uma vez configurada a situação de sucumbência da parte recorrente, ren- de-se ensejo, automaticamente, à sua condenação ao pagamento dos honorários advocatícios e das custas judiciais. É preciso lembrar que a condenação em verba honorária nos juizados es- peciais assume o desiderato de desestimular a interposição de recurso contra a sentença, distintamente da definição do quantum dessa condenação, tarefa rela- cionada a considerações sobre o labor do patrono da causa. Que dizer, porém, quando o recurso logra obter provimento e, nada obs- tante, por decisão de turma de uniformização, a parte recorrente vê sua con- quista revertida de modo definitivo? Perceba-se: como o recorrente foi vencedor em segundo grau, não houve condenação nas verbas sucumbenciais. De fato, já que restou vencidaa parte recorrida, é inaplicável o art. 55, caput, 2ª parte, da Lei 9.099/95. Mas com a inversão da solução judicial pela instância uniformizadora, as posições se alteraram. O recorrente de sentença, então vencedor, tornou-se, ao fim e ao cabo, vencido. Emerge então a questão: é devida a sua condenação em verbas de sucumbência? A resposta será negativa se prosperar o entendimento de que se trata de uma condenação retroativa, ou de que se trata de matéria processual, ou ainda que a condenação em verbas sucumbenciais é de competência da turma recur- sal, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95. Pensamos, porém, que a inversão do ônus de sucumbência é consectá- rio lógico da decisão que reforma uma anterior que havia deliberado sobre a condenação de custas e honorários à luz da disciplina legal e das posições processuais que tinha diante de si (de quem era, então, o vencedor, e de quem era, então, o vencido). Com a substituição do acórdão da turma recursal pela decisão proferida por turma de uniformização, mediante o conhecimento e provimento de pedido de uniformização que julga definitivamente o feito, o recorrente, então vence- dor, torna-se, com o acórdão substitutivo, recorrente vencido, sendo o caso de aplicação da regra do art. 55 da Lei 9.099/95. Neste sentido encontra-se a primeira parte da Questão de Ordem 2 da Turma Nacional de Uniformização: 198 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER O acolhimento do pedido de uniformização gera dois efeitos: a reforma da decisão da Turma Recursal e a consequente estipulação de honorários advocatícios, se for o caso, bem assim a prejudicialidade do recurso extraordinário, se interposto376. É necessário ressaltar que, assim operando, a turma de uniformização não encerra juízo sobre interpretação de questão de natureza processual, mas apenas confere espaço para uma consequência lógica da reforma do acórdão da turma recursal impugnado: a inversão do ônus de sucumbência377. Pela mes- ma razão, a turma estipulará os honorários advocatícios independentemente de postulação específica da parte recorrente. Por outro lado, com a instituição da chamada sucumbência recursal pelo novo CPC378, deve-se atentar para a necessidade de as turmas de uniformização procederem à majoração dos honorários advocatícios, nos casos de rejeição dos pedidos de uniformização, como instrumento de desestímulo para interposição recursal. Não foi esse, contudo, o pensamento que predominou no âmbito da TNU, que culminou por sufragar a Questão de Ordem 41, segundo a qual: O §11, do art. 85 do Código de Processo Civil, que determina a majoração de honorários no julgamento de recursos, não se aplica no sistema recursal dos Juizados Especiais Federais. (Aprovada na Sessão Ordinária de Julgamento da Turma Nacional de Uniformização do dia 21.08.2020. Precedente n. 0511642- 85.2017.4.05.8100, DJe 26.08.2020). Também na hipótese de não conhecimento do recurso – porque não preen- chido um dos pressupostos de seu cabimento – a parte recorrente deve ser con- denada ao pagamento das verbas de sucumbência, pois, nessa situação, conside- ra-se que houve a provocação da segunda instância com resultado desfavorável ao recorrente379. As verbas de sucumbência não são devidas pelo recorrente parcialmente vencido na instância recursal, pois é logicamente também vitorioso, em parte. A sucumbência parcial não autoriza condenação nas custas e honorários. Com 376 Também neste sentido: TNU, PEDILEF 2005.38.00.745904-7-MG, Relª. Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, j. 19/10/2009. 377 Guardada a particularidade de que o recorrido, ainda que vencido pelo acórdão da turma recursal, não sofreria a imposição dos ônus de sucumbência, nos termos do dispositivo legal tantas vezes referido (Lei 9.099/95, art. 55, caput, 2ª parte). 378 Art. 85, § 11. “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento”. 379 Neste sentido: “A parte que não tem seu recurso conhecido deve ser condenada em honorários advocatícios, pois a não admissibilidade do recurso resulta em considerá-la vencida para os fins do art. 55 da Lei 9.099/95”. (Autos 2007.72.58.001236-1, Rel. Juiz Federal Sérgio Eduardo Cardoso, j. 08/10/2008). 199 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA efeito, o art. 55 da Lei 9.099/95 impõe a condenação ao recorrente vencido, concei- to que não inclui o parcialmente vencido (ou parcialmente vencedor). De modo distinto, se da sentença recorrem ambas as partes e o acórdão da turma recursal nega provimento aos recursos, configura-se a hipótese em que os recorrentes, vencidos, devem ser condenados ao pagamento das verbas de sucumbência, sendo vedada a compensação dos honorários, em inteligência do que dispõe o art. 85, § 14, do CPC/2015380. É incabível a condenação ao pagamento de honorários e custas quando for declarado prejudicado o recurso interposto, como no caso em que a turma recur- sal anula de ofício a sentença, deixando de apreciar o recurso porque prejudica- do pela anulação. Nesse caso inexiste resultado desfavorável à parte recorrente e, portanto, não é devida a imposição ao pagamento das verbas de sucumbência. Igualmente é indevida a condenação ao pagamento das verbas de sucum- bência quando a parte recorrente formula desistência do recurso interposto. A desistência do recurso significa ulterior conformismo da parte em relação aos termos da sentença proferida, dispensando a manifestação da instância recur- sal, o que não pode levar à condenação de verbas que são devidas apenas quan- do o resultado do julgamento do recurso é desfavorável ao recorrente. Segue-se aqui a mesma lógica: o estímulo oferecido por lei para a não interposição de recurso (não condenação nas verbas de sucumbência) é o mesmo estímulo que se oferece para que, mediante desistência do recurso, não se provoque manifes- tação do juízo ad quem sobre a matéria decidida na sentença. É de se destacar que a ausência de condenação do recorrente vencido às verbas de sucumbência não consubstancia mero erro material, hipótese em que seria passível de correção a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Trata-se de omissão que desafia cabimento de embargos de declaração e que somente por essa via recursal pode ser suprida. Transitada em julgado a decisão com o vício acima apontado, é inviável a integração do decisum ao argumento de correção de erro material. Segunda questão: como são fixados os honorários advocatícios? Os honorários advocatícios são fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação. Não ha- vendo condenação ou não sendo ela expressa em valor econômico (ex. condena- ção em obrigação de fazer), os honorários devem ser calculados sobre o valor da causa ou devem ser fixados mediante apreciação equitativa do juiz381. 380 Art. 85, § 14. “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. 381 Ainda que o art. 55 da Lei 9.099/95 não disponha expressamente sobre a possibilidade de fixação de honorários mediante apreciação equitativa do juiz, é evidente sua legitimidade nas causas em que a Fazenda Pública for parte, não havendo razão para que deixe de ser empregada nos Juizados Especiais. Perfeitamente aplicável, portanto, o art. 85, § 2º, do CPC/2015, segundo o qual: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá- lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de 200 JOSÉ ANTONIO SAVARIS– FLAVIA DA SILVA XAVIER O objetivo de se estipular a condenação em verba honorária apenas para a hipótese em que o recorrente é vencido, dissemos, é o de influenciar o com- portamento das partes, buscando dissuadi-las da interposição de recurso contra sentença. A partir dessa perspectiva, pensamos ser possível graduar a imposi- ção da verba honorária de acordo com a nota de procrastinação que no recurso pode ser identificada. Se o recurso, por exemplo, insurge-se contra sentença que decidiu em consonância com orientação jurisprudencial pacífica, é legítima a elevação do percentual relativo à condenação da verba honorária, como forma de censura a um proceder manifestamente protelatório e absolutamente confli- tante com os princípios que norteiam o sistema dos juizados especiais. Como antes assinalado, também na perspectiva de se desestimular a in- terposição de recursos, deverão ser elevados os honorários advocatícios quan- do da rejeição dos pedidos de uniformização, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015382. Terceira questão: em que termos é devido o pagamento de custas em primeira instância independentemente de má-fé? O art. 12, § 1º, da Lei 10.259/01, estabelece particularidade quanto ao pagamento das verbas de sucumbência sempre que a parte vencida for a Fazenda Pública. Confira-se: Art. 12. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até cinco dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes. § 1º Os honorários do técnico serão antecipados à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal e, quando vencida na causa a entidade pública, seu valor será incluído na ordem de pagamento a ser feita em favor do Tribunal. (...) Os honorários do profissional nomeado para a realização de prova técni- ca necessária ao deslinde da causa serão, assim, sempre antecipados à custa do orçamento do Judiciário, operando-se o ressarcimento quando a Fazenda Públi- ca for vencida, mediante inclusão dos valores devidos a esse título em requisi- ção de pagamento. Trata-se de regra especial e que hospeda exceção à regra do art. 55 da Lei 9.099/95, impondo condenação em tais despesas processuais ainda em primeira instância, quando a Fazenda Pública for vencida. Constituindo norma especial, prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. A definição do percentual incidente sobre o valor da condenação obedecerá aos parâmetros do §3º do art. 85. Ele deve ser aplicado, desde logo, quando for líquida a sentença. Não sendo líquida a sentença, a definição do percentual somente ocorrerá quando liquidado o julgado (art. 85, §4º). 382 Art. 85, § 11. “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento”. 201 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA a disposição do art. 12, § 1º, da Lei 10.259/01, prevalece sobre a regra geral (que prevê condenação em verbas de sucumbência apenas em segunda instância), impondo à Fazenda Pública o ressarcimento das custas de perícia, ainda em primeira instância, quando esta for sucumbente. O mesmo tratamento não se aplica à parte autora quando sucumbente em primeiro grau de jurisdição. Neste caso, não se aplica a norma especial do art. 12, § 1º, da Lei 10.259/01, mas o art. 55 da Lei 9.099/95 que somente obriga ao pagamento das verbas de sucumbência quando se colocar na condição de recorrente vencido. Quarta questão: como se dá a condenação nas verbas de sucumbência quando a parte vencida é beneficiária da gratuidade da justiça? Preliminarmente, é necessário lembrar que as normas relativas à gratui- dade da justiça, dispostas pela legislação processual comum, são perfeitamente aplicáveis nos juizados especiais federais (vide item 1.4.1, supra). Por esse motivo, é devida a condenação do beneficiário de justiça gratuita ao pagamento das verbas de sucumbência, pois “A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos ho- norários advocatícios decorrentes de sua sucumbência”383. Todavia, quando o beneficiário for condenado ao pagamento dos honorá- rios de sucumbência, as obrigações decorrentes ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade. Tal verba somente poderá ser exigida se, nos 5 (cinco) anos sub- sequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demons- trar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. Passado o prazo de cinco 5 (cinco) anos, as obrigações do beneficiário devem ser extintas (CPC/2015, art. 98, § 3º). Note-se, porém, que a “concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas”384. Dessa forma, as penalidades processuais impostas por eventual declaração de litigância de má-fé (CPC/2015, arts. 77 a 81) ou pela interposição de recurso con- siderado manifestamente improcedentes (CPC/2015, art. 1.021, § 4o) poderão ser exigidas após o trânsito em julgado, mesmo que o condenado seja beneficiário de gratuidade da justiça. 383 CPC/2015, art. 98, § 2º. 384 CPC/2015, art. 98, § 3º. 202 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER QUADro sinóPtiCo RECURSO CONTRA SENTENÇA Hipótese de cabimento Contra sentença que extingue o feito com ou sem julgamento de mérito (a depender da previsão regimental de cada TRF) Art. 5º da Lei 10.259/01 Legitimidade recursal Parte sucumbente (parcial ou total) Art. 11 da Lei 9.099/95 Ministério Público Arts. 178 e 996 do CPC/2015 Prazo 10 dias úteis Art. 42 da Lei 9.099/95 Forma Escrita Art. 42 da Lei 9.099/95 Preparo Em 48 horas, independente de intimação Art. 42, § 1º, da Lei 9.099/95 Dispensado o preparo para bene- ficiários da assistência judiciária gratuita e pessoas jurídicas de di- reito público Art. 54, parágrafo único, da Lei 9.099/95 Arts. 98, § 1º, VIII, e 1.007, § 1º do CPC/2015 O preparo insuficiente pode ser complementado Art. 1.007, § 2º do CPC/2015 Efeitos do recebimento Efeito devolutivo. Possibilidade de atribuição de efeito suspensivo quando do recebimento pelo juiz singular ou pelo relator na Turma Recursal Art. 43 da Lei 9.099/95 Órgão julgador Turma Recursal Art. 98, I, da CF Art. 41 da Lei 9.099/95 Arts. 5º e 21 da Lei 10.259/01 Art. 2º da Res/CJF 347/15 203 cAPítulo 4 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO 4.1 - hiPótEsEs DE CAbiMEnto Os embargos de declaração constituem recurso voltado ao aperfeiçoamen- to da decisão eivada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material385. As hipóteses de cabimento dos embargos de declaração nos juizados espe- ciais são precisamente aquelas previstas no Código de Processo Civil, tal como dispõe o art. 48, caput, da Lei 9.099/95, na redação dada pela Lei 13.105/2015: “Art. 48. Caberão embargos de declaração contra sentença ou acórdão nos casos previstos no Código de Processo Civil”386. Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, são cabíveis os embargos de de- claração para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. De outra parte, o mesmo Código de Processo Civil expressa que se consi- dera omissa a decisão que “deixe de se manifestar sobre tese firmada em julga- 385 Visam, assim, “garantir um pronunciamento judicial claro, explícito, sem jaça, límpido e completo” (DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 248). 386 Em tempo anterior à vigência doCPC/2015, o art. 48 da Lei 9.099/95, aplicável aos juizados especiais federais, dispunha: “Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida” (Lei 9.099/95, art. 48). É de se reconhecer a sutil especificidade dos embargos declaratórios nos Juizados Especiais em relação à disciplina do Código de Processo Civil, pois remanescia, no âmbito dos Juizados, a possibilidade de oposição quando a decisão recorrida suscitasse dúvida. No entanto, a permanência dessa hipótese de cabimento não provoca nenhum abismo entre os sistemas, a ponto de tornar a disciplina dos embargos de declaração nos Juizados Especiais diversa daquela oferecida pelo Código de Processo Civil. 204 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER mento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicá- vel ao caso sob julgamento” (art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC/2015) ou que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o, do CPC/2015 (art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC/2015). De acordo com o art. 489, § 1o, do CPC/2015, desafia a oposição de embar- gos de declaração, com vistas a suprir-lhe omissão, a decisão judicial que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. O conceito de omissão, para fins de oposição dos embargos declaratórios nos juizados especiais cíveis, é aquele extraído da legislação processual civil comum, por expressa disposição do art. 48 da Lei 9.099/95, com a redação dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015. Portanto, também se sujeita aos embargos de declaração a decisão dos juizados especiais cíveis que incorrer em qualquer das hipóteses que tipificam uma decisão omissa, nos termos do art. 1.022, parágrafo único, II, c/c art. 489, § 1o, ambos do CPC/2015. Em suma, por expressa disposição legal (Lei 9.099/95, art. 48, na reda- ção dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015), é passível de correção, via embargos declaratórios (CPC/2015, art. 1.022), a decisão judicial dos juizados cíveis que é obscura, contraditória, omissa ou que esteja eivada de erro material387. Por outro lado, não servem, os embargos declaratórios, à rediscussão da matéria, de modo que o inconformismo da parte, quanto à interpretação dos fatos ou do direito aplicado, deve ser manifestado pela via recursal adequada388. 387 Lembrando que se considera omissa a decisão (1) que incorre em qualquer das condutas previstas no art. 489, § 1o, do CPC/2015 ou (2) que deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento - 388 Confira-se, a propósito: “1. O mero inconformismo com a conclusão do julgado não enseja a apresentação de sucessivos embargos de declaração, sem observância das hipóteses autorizativas previstas no art. 1.022 do CPC/2015. 2. Embargos de declaração rejeitados. 205 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Por se tratar de recurso de fundamentação vinculada (v. item 1.11, supra), não merecem ser acolhidos os embargos de declaração que se limitam a expressar inconformismo com a decisão embargada, não apontando objetivamente qual- quer das hipótese de cabimento acima expostas389. Não é incomum que os embargos apresentem caráter meramente protela- tório, não só por indicar um mero inconformismo da parte contra a decisão pro- ferida, mas, também, por representar tentativa de uma das partes em retardar o cumprimento do julgado ou mesmo provocar a interrupção de outros prazos recursais. Nessa hipótese, é cabível a multa que já era estabelecida pelo art. 538, parágrafo único, do CPC390. O novo CPC também estabelece sanções para a hipótese de embargos protelatórios, fazendo-o nos termos seguintes: Art. 1.026. (omissis) § 2º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa. § 3º Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a Embargante condenado ao pagamento de multa em quantia equivalente a um por cento (1%) sobre o valor corrigido da causa (art. 1.026, § 2º, do CPC/2015). (EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 911.276/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016). Ainda neste sentido: “O simples descontentamento da parte com o julgado não tem o condão de tornar cabíveis os Embargos de Declaração, que servem ao aprimoramento da decisão, mas não à sua modificação, que só muito excepcionalmente é admitida” (EDcl no AgInt no AREsp 918.832/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 389 Neste sentido, a orientação da TNU: PEDILEF 2007.70.50.00.2845-7, Rel. Juiz Federal José Eduardo do Nascimento, j. 10/05/2010, DJ 23/06/2010. Buscando aclarar o posicionamento da Turma Nacional sobre o tema, colhe-se do voto-vista do Juiz Federal Ronivon Aragão o seguinte excerto: “O conhecimento dos embargos de declaração deve se cingir ao seguinte: se a descrição contida nesse recurso pertine a uma suposta omissão, contradição, obscuridade ou dúvida da decisão, isto é, se tais vícios são apontados no confronto entre os diversos aspectos internos da decisão. Ou se se trata de mero inconformismo ou confronto do teor da decisão embargada com outros decisórios externos, por exemplo, o que redunda, em última análise, em discordância do decisum embargado. Se a primeira hipótese ocorre, conhece- se dos embargos. No segundo momento, verificar-se-á se existe razão nos fundamentos do embargante. Na segunda hipótese, sequer se deve conhecer dos embargos, pois o que se aponta não é, nem em tese, contradição, omissão, obscuridade ou dúvida de pontos internos do julgado, mas meramente inconformismo ou confrontação desse julgado recorrido com outros decisórios daquele mesmo juízo ou de outras instâncias”. 390 CPC/1973, Art. 538. “Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes. Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”. 206 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final. § 4º Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido considerados protelatórios. A multa devida pela interposição de embargos protelatórios é compatível com o sistema dos juizados especiais federais e é exigida até mesmo do benefici- ário de justiça gratuita,391 sendo que, de outro lado, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de expressar que seu recolhimento é condição necessária paraa admissibilidade de qualquer recurso que venha a ser interposto392. Contudo, como visto acima, o novo CPC dispõe que a Fazenda Pública e o beneficiário de gratuidade da justiça recolherão o valor da multa apenas ao final do processo (CPC/2015, art. 1.026, § 4º). 4.2 - obsCUriDADE DA DECisÃo Consoante com o art. 1.022, I, primeira parte, do CPC/2015, aplicável aos juizados especiais federais por expressa disposição legal393, são cabíveis os embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para “esclarecer obscuridade”394. 391 Neste sentido: “De acordo com a jurisprudência desta Corte, a parte beneficiária da justiça gratuita está sujeita ao recolhimento da multa em questão, pois ‘o benefício da assistência judiciária não tem o condão de tornar o assistido infenso às penalidades processuais legais por atos de procrastinação ou litigância de má-fé por ele praticados no curso da lide’ (EDcl no AgRg no Resp 1.113.799/RS)” (RCD no AREsp 185.369/PA, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 09/09/2014, DJe 18/09/2014). 392 Como se verifica, a título ilustrativo: “[...] I – O prévio depósito da multa aplicada, com base no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, configura pressuposto objetivo de recorribilidade, sendo certo que a ausência de recolhimento inviabiliza o recurso, ainda que tenha sido interposto com o propósito de afastar a multa imposta. II – Embargos de declaração não conhecidos, determinando-se a baixa imediata do processo, independentemente da publicação do acórdão” (RE 378141 AgR-ED-ED-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 22/04/2014, DJe 07/05/2014). 393 Lei 9.099/95, art. 48, com a redação dada pela Lei 13.105 - CPC/2015. 394 Em tempo anterior à vigência do novo CPC, era cabível a oposição de embargos declaratórios nos juizados especiais cíveis no caso de obscuridade ou dúvida na decisão judicial. A obscuridade e dúvida eram hipóteses de cabimento que guardavam íntima relação, sendo possível, a partir de enforque diverso, concluir que esta é decorrência direta daquela. A obscuridade é um atributo da decisão proferida, enquanto a dúvida está relacionada com o grau de incerteza que a decisão obscura, ou mesmo contraditória, provoca no intérprete. Tão forte é o liame entre a obscuridade da decisão e a dúvida provocada em seu destinatário que a Lei 8.950/94 culminou por excluir a dúvida como hipótese de cabimento dos embargos de declaração, atribuindo nova redação ao art. 535 do CPC de 1973. Sendo esse recurso destinado a integrar uma decisão, é razoável sustentar que o vício impugnável deve ser da própria decisão proferida, e jamais da dificuldade do destinatário em interpretá-la. Em última análise, é a obscuridade que leva à dificuldade de interpretação e, portanto, essa é a verdadeira hipótese de cabimento do ponto de vista técnico (CAVALCANTE, Mantovanni 207 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Ora, toda decisão judicial deve ser proferida de modo a dar aos interessa- dos a certeza necessária à compreensão de seu conteúdo e alcance395. A obscuridade é provocada pela utilização de termos ou frases ambíguas, de duplo sentido. Nestas condições, uma mesma oração pode receber mais de uma interpretação possível, tornando a decisão obscura. O bom emprego da língua oficial e a clareza na exposição do raciocínio lógico, de regra, garantem a boa compreensão do julgado. Mas nem sempre é assim. A prática jurídica ainda parece dar importância a demonstrações de eru- dição, o que pode reduzir a clareza do ato decisório. Nos juizados especiais, a possível incompreensão quanto ao conteúdo e alcance da decisão pode advir de eventual ausência de representação da parte autora por advogado. Essa condição não afasta a necessidade de utilização de termos técnico-jurídicos, em regra insubstituíveis por palavras de uso corrente, mas chama a atenção para o fato de que o julgador deve ter em mente que sua decisão não será objeto de análise apenas por profissionais do direito, mas tam- bém pelas partes litigantes e outros eventuais interessados. A obscuridade consubstancia a primeira hipótese de cabimentos dos em- bargos de declaração, os quais são o meio recursal idôneo para buscar o esclare- cimento necessário à perfeita compreensão da decisão judicial. 4.3 - ContrADiÇÃo intErnA Do JULGADo De acordo com o art. 1.022, I, parte final, do CPC, aplicável aos juizados especiais federais por expressa disposição legal396, são cabíveis os embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para “eliminar contradição”. A contradição se caracteriza pela existência, na decisão judicial, de racio- cínios inconciliáveis ou insustentáveis, do ponto de vista lógico397. Não raro, a contradição surge com a afirmação de algo para, em seguida, negar sua existência398. Um exemplo é o reconhecimento na decisão de que o ato ilícito do réu provocou danos morais à parte autora para, mais adiante, na Colares. Recursos nos Juizados Especiais. 2. ed. atual., rev. e ampl. São Paulo: Dialética, 2007. p. 66. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 146). Contudo, a Lei 9.009/95, mesmo tendo sido publicada posteriormente à nova disciplina do art. 535 do CPC/1973, reproduziu as antigas hipóteses de cabimento, incluindo a dúvida entre elas. Em que pese fosse possível reconhecer um forte vínculo entre obscuridade e dúvida, a Lei 13.105/2015 - CPC/2015 deu nova redação ao art. 48 da Lei 9.099/95, expressando que as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração nos juizados especiais cíveis são aquelas previstas pelo Código de Processo Civil, suprimindo a possibilidade de oposição dos declaratórios em razão de dúvida, portanto. 395 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 610. 396 Lei 9.099/95, art. 48, com a redação dada pela Lei 13.105 - CPC/2015. 397 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados..., p. 230. 398 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 612. 208 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER mesma decisão, afirmar-se que o mesmo ato não provocou nenhum dano ao patrimônio moral da mesma parte autora. É possível que, ao longo da funda- mentação, o órgão judiciário reconheça que o dano moral provocado pelo ato ilí- cito não pode ser reparado por alguma causa excludente sem que isso implique qualquer contradição. A contradição haverá, no exemplo oferecido, se a mesma decisão reconhecer e negar a existência do dano. O dano existe ou não. A pos- sibilidade da reparação é outra questão que não se confunde necessariamente com a existência do dano, mas pode estar relacionada a outras causas. A contradição embargável somente se apresentará no corpo de uma mes- ma decisão e jamais poderá ser invocada em relação a provimento anterior do mesmo órgão judicial399. Cabe notar, outrossim, que eventual divergência da decisão judicial em relação à jurisprudência ou à legislação não consubstancia a contradição que deve ser eliminada pela via declaratória. É, com efeito, a contradição intrínseca, da decisão judicial, a que justifica o manejo dos declaratórios. E ela pode ser encontrada, tanto nas premissas que fundamentam as conclusões, como na parte dispositiva, ou ainda entre esses dois aspectos da decisão. Nesse sentido: A contradição que autoriza o manejo de embargos de declaração é aquela interna, existente entre as proposições da própria decisão, do julgado com ele mesmo, ou seja, é aquela existente entre a fundamentação e o dispositivo, entre o relatório e a fundamentação, entre o dispositivo e a ementa e ainda entre os tópicos internos da decisão, que prejudica a racionalidade do julgado, afetando-lhe a coerência, e não aquela existente entre o julgado e a lei, o entendimento da parte, os fatos e provas dos autos ou com o entendimento exarado em outros julgados (EDcl no MS 15.828/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 14/12/2016, DJe 19/12/2016). É possível notar, portanto, que a contradição compromete a possibilidadede se compreender, indene de dúvidas, que o órgão jurisdicional alcançou o resultado que pretendeu e que o fez de modo racional. 4.4 - oMissÃo nA DECisÃo Nos termos do art. 1.022, II, do CPC, aplicável aos juizados especiais fe- derais por expressa disposição legal400, são cabíveis os embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para “suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”. A omissão é a hipótese de cabimento mais usualmente invocada na opo- sição dos embargos de declaração. 399 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 613. 400 Lei 9.099/95, art. 48, com a redação dada pela Lei 13.105 - CPC/2015. 209 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO O que se espera de uma decisão judicial é que se pronuncie claramente sobre todas as questões de fato e de direito suscitadas ao longo do processo401. Toda vez que a decisão deixar de apreciar questões importantes para o julga- mento do feito e sobre as quais as partes tenham reclamado a manifestação judicial, haverá omissão passível de embargos de declaração. Na medida em que as decisões judiciais devem ser sempre motivadas, a omissão no julgado pode se verificar tanto no provimento judicial (dispositivo) quanto na fundamentação apresentada. De acordo com o CPC/2015, várias são as hipóteses que caracterizam como omissa uma decisão judicial. Inicialmente, considera-se omissa a decisão que “deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de as- sunção de competência aplicável ao caso sob julgamento”402. Em face da elevada importância dos precedentes na sistemática do vi- gente Código de Processo Civil, a ausência de manifestação sobre tese firmada em casos repetitivos (incidente de resolução de demandas repetitivas e recursos especial e extraordinário repetitivos) implica a omissão da decisão, mesmo que a tese firmada sobre a questão não tenha sido alegada pelas partes. Por outro lado, nos termos do art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC/2015, considera-se omissa a decisão que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o, do mesmo diploma legal. Será omissa a decisão: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida403; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso404; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão405; 401 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 600. 402 CPC/2015, art. 1.022, parágrafo único, I. 403 De fato, não é possível considerar-se suficientemente fundamentada a decisão que se limita a fazer referência a determinado ato normativo, como um dispositivo legal, sem esclarecer sua relação com a causa ou com a questão. Exige-se, com efeito, uma motivação específica que contextualize, ainda que de modo sucinto, a pertinência da norma invocada com o problema concreto que reclama solução. 404 É, de fato, carente de fundamentação a decisão judicial que, apesar da vaguidade de um conceito encontrado na norma, emprega-o sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso. Ora, se o conceito demanda preenchimento caso a caso sua simples utilização não é suficiente para analisar a correção da escolha. Dessa forma, conceitos como “atividade de risco” (CC, art. 927) ou “força maior ou caso fortuito” (Lei 8.213/91, art. 55, § 3o, parte final), somente podem ser empregados ou terem afastado o seu emprego quando é justificado o motivo que determina sua incidência no caso concreto. 405 Trata-se de um dos mais elementares pressupostos de fundamentação de uma decisão. Se a argumentação adotada em determinada decisão judicial se presta a justificar qualquer outra, percebe-se que ela não é lançada de modo específico, o que esvazia o ato processual 210 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador406; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos407; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento408. 4.4.1 - Enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador Encontra-se aqui o ponto mais controvertido em tema de embargos de declaração, espaço para multiplicação de recursos que se destinam a obter, me- diante suprimento de uma suposta omissão, a alteração do julgado impugnado. Registremos uma vez mais: os embargos de declaração não servem à rediscussão da matéria, de modo que o inconformismo da parte, quanto à in- terpretação dos fatos ou do direito aplicado, deve ser manifestado pela via re- cursal adequada. Não é nova a discussão relativa ao dever de o órgão jurisdicional enfren- tar todos e cada um dos argumentos deduzidos pelas partes. Ao mesmo tempo em que se reconhece o direito de as partes serem efetivamente ouvidas em sua argumentação, não se espera que uma decisão judicial se preste a responder uma espécie de “questionário” apresentado pelas partes409. de idoneidade e malfere a segurança jurídica, cerceando as possibilidades de impugnação pela parte por ela agravada. Decisões como “Presentes os pressupostos legais, defiro” ou “não caracterizada a urgência, indefiro”, não constituem, de fato, decisões motivadas, senão disposições arbitrárias, de racionalidade insondável. 406 Articulamos abaixo algumas ponderações sobre a exigência de enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo e que, em princípio, eram capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador. 407 É de se reconhecer que não é suficientemente fundamentada a decisão que se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem apontar a sua razão de ser e esclarecer sua relação com a causa ou com a questão. A necessidade é a de se compreender os termos em que disposta a jurisprudência e de como ela é efetivamente aplicável ao caso. 408 Trata-se de reafirmação da lógica de prestigiamento aos precedentes, contida no art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC/2015. Se é omissa a decisão que “deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento”, também deve ser considerada omissa”, também será omissa a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”. Em ambos os casos, o órgão jurisdicional será instado a integrar a decisão, ajustando-se aos precedentes ou deixando de aplicá-los, seja porque o caso concreto aponta distinção, seja pela superação do entendimento pela própria jurisprudência. 409 Neste sentido, a título ilustrativo: “Não cabe ao tribunal, que não é órgão de consulta, responder a “questionários” postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos sobre 211 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Em determinadas situações, é importante observar, o órgão jurisdicional não está obrigado a analisar, uma a uma, todas as questões deduzidas pelas partes, pois o acolhimento de uma determinada linha de argumentação pode ser suficiente para o julgamento410. É o que ocorre, muito frequentemente, quando a decisão acolhe a preju- dicial de prescrição, o que dispensa a análise judicial das demais questões de mérito suscitadas pelas partes. Estando a dívida prescrita, é certo que o autor não pode se socorrer das vias judiciais para cobrança, pouco importando o reco- nhecimento judicial acercada real existência do crédito. Assim, exemplificativa- mente, é suficiente a fundamentação que acolhe a prescrição e deixa de apreciar as demais questões suscitadas pelas partes e que digam respeito ao crédito em si e ao seu valor, razão pela qual, nessa situação, não há omissão embargável411. Por uma questão de lógica, os argumentos relacionados ao mérito encon- tram-se prejudicados. Também por uma questão de lógica, se determinada linha de argumenta- ção é adotada pela decisão, pode restar prejudicada uma série de questões dedu- zidas pelas partes que pressuporia a assunção de outra linha de entendimento. Imaginemos, a título ilustrativo, uma demanda previdenciária em que se busca a concessão de pensão por morte à mãe do falecido trabalhador. Para o reconhecimento do direito ao benefício, exige-se a comprovação do óbito, a qua- lidade de segurado ao tempo do óbito e a condição de dependente da pessoa que pretende o benefício. Nesses casos, se é identificada a ausência de qualidade de segurado do trabalhador ao tempo do óbito, porque entre sua última contribui- ção e aquela data transcorreu o chamado período de graça (Lei 8.213/91, art. 15), operando-se a perda da qualidade de segurado, torna-se inviável a concessão do benefício, restando prejudicadas as questões relativas à existência ou não de dependência econômica da mãe, que tipificaria sua condição de dependente. O órgão jurisdicional não necessita, pois, enfrentar as várias possíveis discussões relativas à caracterização da condição de dependente. Nessas circunstâncias, inexiste espaço para omissão passível de correção pelos embargos de declaração, pois qualquer que fosse o entendimento judicial assumido quanto ao tema, não seria alterada a conclusão final, no sentido da inexistência do direito pretendido. Diferentemente seria se a parte autora houvesse suscitado a existência de algum fato que apontasse para a existência da qualidade de segurado do traba- sua situação futura e profliga o que considera injustiças decorrentes do decisum (...)”. (EDcl no REsp 739/RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, Quarta Turma, j. 23.10.1990). 410 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados..., p. 230. 411 O mesmo se dá quando a decisão judicial reconhece, de ofício ou por provocação do réu, a ilegitimidade de parte passiva (ou uma outra preliminar de mérito). Nessa conjuntura torna- se dispensável e inadequada a análise das questões de mérito debatidas, sendo suficiente a fundamentação que se resume à análise da questão preliminar e a extinguir o feito sem julgamento do mérito. 212 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER lhador, mesmo que houvesse ocorrido o transcurso do lapso temporal entre o re- colhimento da última contribuição e a data do óbito, circunstância que implica- ria, em princípio, a perda da qualidade de segurado do falecido. Cogitemos, neste sentido, que a parte autora alegasse que o falecido trabalhara como empregado informal, prestando serviços remunerados de forma habitual à determinada em- presa. Tal fato, caso comprovado, teria o condão de alterar a sorte do processo, pois poderia caracterizar a condição de segurado ao tempo do óbito. Neste caso, seria imperioso que o órgão jurisdicional apreciasse a argumentação específica, sob pena de incorrer em omissão passível de impugnação pela via declaratória. De igual modo, é possível que a resposta do réu invoque diversos argu- mentos de fato e de direito para afastar a pretensão da parte autora. O simples fato de a decisão judicial afastar uma (ou algumas) das questões suscitadas pelo réu, julgando a demanda favorável ao autor, não implica a dispensabilidade de análise de toda a argumentação apresentada na defesa, pois a solução poderia ser diversa se os pontos debatidos fossem analisados em sua inteireza. Trata-se, portanto, de omissão relevante e que poderia levar a outro resultado, se o órgão judicial tivesse operado a análise completa dos pontos debatidos. Exige-se do órgão jurisdicional, portanto, a análise de todos os argumen- tos de fato ou de direito que possam, por si ou em conjunto, conduzir ao aco- lhimento da pretensão de qualquer das partes. Com efeito, não basta ao juiz se pronunciar sobre alguns dos fundamentos deduzidos pelas partes, deixando de apreciar razões que poderiam ser suficientes para o acolhimento da tese de qualquer das partes. Por essa razão, a omissão sobre quaisquer dos fundamentos suscitados pelas partes - que sejam hábeis a invalidar a conclusão externada na decisão - desafia o manejo dos embargos de declaração. De igual modo, é omissa a decisão judicial que não reconhece, de ofício, a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada, bem como a ausência de legitimidade ou de interesse processual412. Por outro lado, os pontos que exigem manifestação judicial no ato decisó- rio podem envolver questões de fato ou de direito. Aquelas têm maior relevo nas instâncias recursais ordinárias, ao passo que estas têm maior repercussão nos recursos tidos como excepcionais, como no caso dos pedidos de uniformização e dos recursos extraordinários (recurso extraordinário e recurso especial). Isso porque, como é de comum conhecimento, esses recursos não se destinam ao revolvimento ou reanálise do conjunto fático-probatório. A omissão na sentença sobre questão de fato ou de direito relevante para a solução da controvérsia, sanável por meio de embargos de declaração, inviabi- liza a interposição adequada de recurso pela parte interessada e a devolução da matéria à instância revisional. 412 CPC/2015, art. 485, IV a VI, c/c § 3o. 213 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nessa ordem de ideias, para o julgamento dos pedidos de uniformização de jurisprudência e dos recursos extraordinários, perde importância a ausência de análise de questões de fato pelas instâncias inferiores. Como se verá oportu- namente, tais recursos se enquadram dentre os de estrito direito (item 1.11, supra) e se limitam a oferecer análise das questões de direito, não se destinando ao debate ou avaliação do conjunto probatório, o que implicaria nova discussão das ques- tões de fato (item 6.2.6, infra). Para as turmas de uniformização, o que realmente importa, como pres- suposto de prequestionamento, é a manifestação judicial sobre as questões de direito relevantes para o julgamento da lide. É a manifesta interpretação que evidencia a disparidade de entendimento entre turmas recursais, delimita a controvérsia de direito e reclama uniformização413. Com o advento do novo CPC, porém, sedimentou-se nos juizados especiais federais a compreensão de que, ainda que inexista expressa manifestação da turma recursal sobre determi- nado ponto, se ele foi devolvido pela parte e se esta manejou, oportunamente, os embargos declaratórios, o tema deve ser considerado prequestionado. É suficiente para fins de prequestionamento, assim, que a matéria tenha sido objeto do recurso contra sentença ou das contrarrazões. A omissão da tur- ma recursal sobre o tema deve ser objeto de embargos declaratórios, para o efei- to de se sanar aludido vício. Ainda que não sanada a omissão, porém, reputar- -se-á prequestionado o tema, de modo a se considerar atendido esse pressuposto recursal414. A supressão da omissão – de matéria de fato ou de direito – leva à inte- gração no julgado, ainda que não implique modificação da decisão anterior. A decisão dos embargos que reconhece e supre a omissão acrescenta o julgado, completa-o, e, portanto, consubstancia inovação. Apesar de não ser da essência dos embargos de declaração a busca pela alteração do julgado, é possível a ex- cepcional modificação do conteúdo decisório com o provimento dos embargos de declaração, acarretando efeitos infringentes (item 4.9, infra). 4.5 - Erro MAtEriAL E Erro DE FAto O art. 494 do CPC/2015 estabelece que, publicada a sentença, o juiz so- mente poderá alterá-la para33 2.3 - Turma Nacional de Uniformização ....................................................................166 2.3.1 - Composição da Turma Nacional de Uniformização .....................................166 2.3.2 - Competência da Turma Nacional de Uniformização e atribuição dos magistrados integrantes .....................................................................................167 2.3.3 - Competência do Presidente da Turma Nacional de Uniformização ................170 Parte ii – FiGUrAs rECUrsAis nAs instÂnCiAs orDinÁriAs Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA ...........................................................173 3.1 - Legitimidade para recorrer ...............................................................................175 3.2 - Interesse recursal ...........................................................................................176 3.3 - Prazo de interposição .....................................................................................177 3.4 - Forma de interposição e preparo ......................................................................179 3.5 - Representação por advogado ...........................................................................180 3.6 - Efeitos da interposição do recurso contra a sentença ..........................................182 3.6.1 - Juízo de retratação .................................................................................186 3.7 - Limites do conhecimento pela instância ad quem ...............................................187 3.8 - Ausência de reexame necessário ......................................................................189 3.9 - A técnica da motivação por remissão e o dever de fundamentar as decisões judiciais ...................................................................................................190 3.9.1 - Simplicidade, celeridade e informalidade nos Juizados Especiais e o dever de fundamentação ....................................................................................193 3.10 - Decisão monocrática do relator ......................................................................195 3.11 - Condenação no pagamento das verbas de sucumbência ....................................196 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ............................................................ 203 4.1 - Hipóteses de cabimento ................................................................................. 203 4.2 - Obscuridade da decisão ................................................................................. 206 4.3 - Contradição interna do julgado .........................................................................207 4.4 - Omissão na decisão....................................................................................... 208 4.4.1 - Enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador ..............................................210 4.5 - Erro material e erro de fato ..............................................................................213 4.6 - Prazo e forma para interposição .......................................................................216 4.7 - Legitimidade e interesse para embargar ............................................................217 4.8 - Cabimento dos embargos de declaração contra decisão interlocutória ...................218 4.9 - Embargos de declaração e decisão monocrática em órgãos colegiados ..................219 4.10 - Interrupção do prazo para interposição de recurso ........................................... 222 4.11 - Atribuição excepcional de efeito infringente ..................................................... 226 4.12 - Embargos de declaração e prequestionamento .................................................227 34 4.12.1 - Embargos de declaração e a suficiência do prequestionamento ficto .......... 228 4.12.2 - Embargos de declaração e tese inovadora ...............................................231 4.13 - Anulação de acórdão omisso e o prequestionamento ficto ................................. 232 Capítulo 5 – RECURSO CONTRA DECISÃO QUE APRECIA TUTELA DE URGÊNCIA ..... 235 5.1 - Pressupostos de cabimento .............................................................................237 5.1.1 - Prazo para interposição ...........................................................................237 5.1.2 - Legitimidade recursal ..............................................................................237 5.2 - Medida cautelar ou tutela antecipada concedida em sentença .............................239 5.3 - Juízo de retratação .........................................................................................240 Parte iii – FiGUrAs rECUrsAis nAs instÂnCiAs EXtrAorDinÁriAs Capítulo 6 – PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL E SEUS PRESSUPOSTOS GERAIS DE CABIMENTO ......................................................245 6.1 - A função paradigmática dos pedidos de uniformização no sistema recursal dos Juizados Especiais .................................................................................................247 6.2 - Pressupostos gerais de cabimento dos pedidos de uniformização .........................252 6.2.1 - Legitimidade para interposição dos pedidos de uniformização ..................... 253 6.2.2 - Interesse recursal e a necessidade de impugnação de todos os fundamentos autônomos da decisão recorrida ..................................................... 253 6.2.3 - Prazo de interposição dos pedidos de uniformização ..................................255 6.2.4 - A divergência na interpretação acerca de questões de direito material ..........257 6.2.4.1 - Atualidade da divergência na interpretação da lei federal .................... 260 6.2.4.2 - Configuração da similitude fático-jurídica entre a decisão recorrida e o acórdão paradigma ...................................................................................261 6.2.5 - Decisão proferida por Turmas Recursais................................................... 265 6.2.6 - Interpretação da lei em questões de direito material .................................. 266 6.2.6.1 - Questões de fato, reexame de prova e nova qualificação jurídica da prova .....................................................................................................267 6.2.6.2 - Pedidos de uniformização e erro evidente de turma recursal na apreciação da prova .....................................................................................274 6.2.6.3 - Impossibilidade de discussão de matéria processual ...........................276 6.2.6.4 - Análise de questão de fato pela própria turma de uniformização após a definição da tese aplicável......................................................................... 283 6.2.7 - Prequestionamento do tema, ainda que via embargos declaratórios ..............287 Capítulo 7 – OUTRAS CARACTERÍSTICAS COMUNS AOS PEDIDOS DE UNIFORMIZAÇÃO ................................................................................................. 293 7.1 - Efeitos da interposição do pedido de uniformização............................................ 293 7.2 - Efeitos da decisão proferida em pedido de uniformização ................................... 295 7.2.1 - Efeito interno da decisão uniformizadora .................................................. 296 7.2.2 - Efeito externo da decisão uniformizadora .................................................. 298 7.3 - Interposição simultânea de pedidos de uniformização ........................................ 302 35 7.4 - Interposição simultânea de pedidos de uniformização como mais uma causa de ineficácia do sistema recursal ................................................................................. 305 7.5 - Juízo de admissibilidade e agravo da decisão de não admissão ........................... 306 7.6 - Limites de devolução dos pedidos decorrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo (inc. I) ou por meio de embargos de declaração (inc. II). Vale destacar que o erro material – ou inexatidão material, como designa o art. 494, I, do CPC/2015 – 413 Nessas esferas recursais, afinal, não é permitida a inovação de tese jurídica (ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 605). 414 Sobre a admissão do prequestionamento ficto no sistema dos juizados especiais federais, veja- se o item 4.12, infra. 214 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER distingue-se dos demais defeitos típicos do ato decisório – omissão, obscuridade, contradição e dúvida – porque não se cuida de um vício lógico do provimento, mas engano ou lapso na sua expressão através de palavras ou de números. Em outros termos, verifica-se discordância entre a ideia e a fórmula415. O erro material pode ser corrigido de ofício ou a requerimento da parte e, conquanto consubstancie hipótese de cabimento dos embargos de declaração (CPC/2015, art. 1.022, III), a provocação judicial pode ocorrer por mero peticio- namento da parte e em qualquer momento416. Não obstante o manejo dos embargos de declaração seja desnecessário para a correção do erro material, a jurisprudência já havia firmado entendimento de que tal defeito poderia ser sanado por meio da interposição desse recurso417. Mas, se por um lado, a correção do erro material dispensa a interposi- ção de embargos de declaração, por outro lado, as inexatidões da sentença que se configuram hipóteses de cabimento dos embargos não podem ser supridas senão pelo manejo deste recurso, sob pena de preclusão. Daí a importância da exata identificação do erro material. Veja-se, a título ilustrativo, o entendimento do STJ no sentido de que O equívoco no arbitramento da verba honorária não é considerado erro material, pois somente os desacertos numéricos cometidos quando da elaboração da conta caracterizam esse vício. Logo, os critérios de cálculo utilizados quanto aos honorários advocatícios estão protegidos pela coisa julgada. A ausência de impugnação tempestiva da base de cálculo fixada atrai a aplicação do brocardo jurídico dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre aos que dormem)418. 415 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 615. 416 Neste sentido: “1. O erro material pode ser corrigido a qualquer tempo, ainda que a sentença haja transitado em julgado (CPC, art. 463, I). 2. Competente para corrigir as inexatidões materiais é o prolator da sentença em que elas se encontram 3. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp. 439.863/RO, 1ª Turma, Rel. p/ Acórdão Min. José Delgado, j. 09/12/2003, DJ 15/03/2004). Por outro lado, “A extinção da execução, ainda que por vício in judicando e uma vez transitada em julgado a respectiva decisão, não legitima a sua abertura superveniente sob a alegação de erro de cálculo, porquanto a isso corresponderia transformar simples petitio em ação rescisória imune ao prazo decadencial”. (REsp 1143471/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. 03/02/2010, DJe 22/02/2010). 417 Como se pode verificar, a título ilustrativo: “1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no acórdão ou sentença, omissão, contradição ou obscuridade, nos termos do art. 535, I e II, do CPC, ou para sanar erro material. 2. In casu, havendo omissão quanto ao cabimento do recurso pela alínea ‘c’ do permissivo constitucional e quanto à incidência dos arts. 165, 458 e 535 do CPC, ante a falta de pronunciamento do tribunal a quo acerca de questões suscitadas na apelação, devem ser conhecidos os embargos da Fazenda”. (STJ, Edcl. no AgRg no REsp 1100921/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 29/10/2009, DJ 06/11/2009). Foi com o advento do novo CPC que o erro material passou a consubstanciar hipótese de cabimento dos declaratórios prevista em lei (CPC/2015, art. 1.022, III). 418 AgInt no AREsp 882.992/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 25/10/2016, DJe 14/11/2016. 215 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Em regra, o erro material decorre de equívoco na digitação ou na expres- são numérica, não se relacionando com o raciocínio lógico desenvolvido na de- cisão ou com critérios de cálculo expressamente acolhidos419. Só o erro material é passível de correção a qualquer momento (por meio dos embargos de declara- ção, inclusive), enquanto as demais manifestações de inconformismo da parte devem ser deduzidas por meio de recursos apropriados. Distingue-se o erro material do erro de fato. Este, a teor do art. 966, § 1º, do CPC/2015 (CPC/1973, art. 485, § 1º), verifica-se quando a sentença admite um fato inexistente ou considera inexistente fato efetivamente ocorrido. Para sua caracterização, é indispensável que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado e que o erro seja verificável do mero exame dos autos. Não se trata, o erro de fato, de um defeito de expressão que possa ser compreendido como erro material do julgado. Antes, consubstancia-se em erro de julgamento que deixou de considerar circunstância de fato incontroverso quanto à sua existência ou não. Portanto, o erro de fato está relacionado com a contradição entre a realidade efetivamente existente e incontroversa e o julga- mento final proferido. Enquanto o erro material é corrigido de ofício ou por mero peticionamen- to de quaisquer das partes, o erro de fato (erro in iudicando) deve ser superado por meio do recurso adequado para manifestação de inconformismo (quando a decisão expressamente analisa a questão de fato, mas adota posicionamento con- trário ao fato provado), ou por intermédio da ação rescisória (CPC/2015, art. 966, VIII; CPC/1973, art. 485, IX), quando preenchidos os requisitos de cabimento420. Segundo elucidativa lição de Barbosa Moreira, o erro de fato passível de rescisão deve estar relacionado a uma questão não resolvida pelo juiz – ou, consoante às vezes se diz com fórmula criticável, de uma questão apenas implicitamente resolvida. Havia nos autos elementos bastantes para convencer o juiz de que o fato ocorrera; apesar disso, revela o teor do decisum que não se levou em conta a respectiva existência, sem que na motivação tenha ela sido negada. Ou, inversamente: havia nos autos elementos bastantes para demonstrar que o fato não ocorrera; no entanto, a maneira como julgou evidencia que o magistrado não o reputou inexistente, embora silenciando, aqui também, na motivação. 419 Neste sentido: “2. No presente caso não há qualquer erro material, o qual se configura quando há falha aritmética ou datilográfica, sendo corrigível de ofício pelo magistrado nos termos do art. 463, I do CPC. 3. A CEF busca o reexame dos critérios de cálculo, os quais deveriam ter sido questionados por meio de embargos à execução. Não se manifestando a recorrente no momento oportuno, é impossível a rediscussão da matéria em face do óbice da preclusão”. (REsp. 729.989/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 04/08/2005, DJ 29/08/2005). 420 CPC/2015, art. 966: “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos”. 216 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER Em outras palavras: a hipótese não é a de que o órgão judicial tenha chegado à conclusão a que chegou por meio de raciocínio, exposto na motivação, em cujas premissas figure expressamente a afirmação do fato não ocorrido ou a negação do fato ocorrido. O que precisa haver é incompatibilidade lógica entre a conclusão enunciada no dispositivo da sentença e a existência ou inexistência do fato, uma ou outra provada nos autos, mas porventura não colhida pela percepção do juiz, que, ao decidir, pura e simplesmente saltou sobre o ponto sem feri-lo. Se ao contrário, o órgão judicial, errando na apreciação da prova, disse que decidia como decidiu porque o fato ocorrera (apesar de provada nos autos a não ocorrência), ou porque o fato nãoocorrera (apesar de provada a ocorrência), não se configura o caso do inc. IX. A sentença, conquanto injusta, não será rescindível421. (destaques do original) Em que pese o não cabimento de ação rescisória nos juizados especiais422, a lição do renomado processualista é importante para efeito de se identificar hipótese de possível correção do julgado pela via declaratória. Caso a decisão adote posicionamento contrário à prova dos autos, mani- festando-se expressamente sobre os fatos provados, o que existe é um erro de julgamento (error in judicando), que somente pode ser atacado pelo manejo do recurso apropriado para revisão do julgado. É preciso atentar que o inconfor- mismo contra uma decisão não pode ser deduzido por meio de embargos de declaração, pois estes são destinados à correção de errores in procedendo. Na outra situação, em que há prova de existência ou inexistência de um fato e não há nenhuma manifestação judicial a esse respeito, sendo perfeitamen- te factível uma solução diversa se o órgão judicial tivesse adequada e integral- mente analisado o conjunto probatório, resta caracterizada a omissão, que pode ser sanada por meios de embargos de declaração423. 4.6 - PrAZo E ForMA PArA intErPosiÇÃo O prazo de interposição dos embargos de declaração é de 5 (cinco) dias, contados da ciência da decisão, por expressa previsão do art. 49 da Lei 9.099/95, aplicável aos juizados especiais federais. O dispositivo legal em comento estabelece a possibilidade de interposição do recurso pela via escrita ou oral. No entanto, entendemos que a prática exigirá 421 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil..., arts. 476 a 565. p. 149-151. 422 O tema da vedação do uso de ação rescisória nos Juizados Especiais é objeto de estudo do capítulo 12, infra. 423 E mais, tão grave é essa omissão de pronunciamento do órgão judicial que a legislação processual a incluiu dentre uma das hipóteses de cabimento de ação rescisória (CPC/2015, art. 966, VIII, CPC/1973, art. 485, IX). Note-se que se a prova do erro não consta dos autos do processo originário, sendo apresentada apenas na ação rescisória, não se configura o erro de fato. Neste sentido: (REsp 1114605/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, j. 12/06/2013, DJe 17/06/2013). 217 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO a interposição de embargos de declaração por meio de petição escrita, dirigida ao órgão judiciário prolator da decisão424. A interposição de recurso na forma escrita é a regra, inclusive, nos feitos que tramitam perante os juizados especiais, aplicando-se o disposto no art. 42 da Lei 9.099/95 ao rol de recursos deste microssistema processual. A redução por escrito dos termos do recurso é de vital importância, pois a análise dos requisitos de admissibilidade fica sobremaneira dificultada sem a redução a termo das razões do recorrente. Além disso, a oralidade pode afetar a exa- ta definição do ponto de insurgência do recorrente e dos limites do recurso. Finalmente, não é demais ressaltar que a decisão do recurso, de regra, não é proferida de imediato, tornando-se imprescindível a análise criteriosa da irresignação da parte, sob pena de se reproduzir, ainda que de outro modo, o vício da decisão embargada425. Deste modo, conclui-se que a forma escrita de interposição deve ser privi- legiada na prática forense, posto que a legislação vigente admita a interposição oral dos embargos de declaração. Além disso, a forma escrita deverá sempre prevalecer, como de regra, para todas as espécies recursais. 4.7 - LEGitiMiDADE E intErEssE PArA EMbArGAr É legitimada para a oposição dos embargos de declaração quaisquer das partes litigantes, já que podem ser igualmente atingidas pela eventual omissão, obscuridade ou contradição da decisão proferida. O interesse em embargar de declaração não decorre necessariamente do conceito de sucumbência. A prática indica que, em algumas situações, a parte vencedora também pode pretender a supressão de uma omissão, obscuridade ou contradição que lhe cause gravame, ainda que tenha sido vencedora na demanda. Em exemplo de fácil compreensão nos juizados especiais: acórdão que nega provimento a recurso interposto por uma das partes e deixa de condená-la ao pagamento de honorários advocatícios à parte vencedora. É inconteste que, no caso, a parte vencedora na demanda (inclusive na fase recursal) tem interes- se em opor embargos de declaração para suprir tal omissão, sob pena de não receber a verba de sucumbência devida. Lembre-se que, por força do art. 55 da 424 Em sentido contrário, admitindo a possibilidade de interposição oral e dispensando a representação por advogado nesta espécie de recurso: CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recursos nos Juizados..., 2007. p. 67. 425 Poder-se-ia cogitar a oralidade na hipótese de interposição durante a audiência de conciliação, instrução e julgamento, ocasião em que o magistrado pode vir a proferir algum ato decisório que apresente omissão, obscuridade ou contradição. Sem embargo, ainda que sejam opostos verbalmente no próprio ato de audiência, seguindo-se a imediata decisão, precisarão ter a sucinta redução a termo na ata, a fim de que fique brevemente documentada a supressão - ou não - do vício apontado. 218 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER Lei 9.099/95, não houve fixação alguma de verba de sucumbência na primeira instância, o que impõe a necessidade de expressa manifestação em segunda instância a respeito, sob pena de nada ser devido à parte vencedora. Outro exemplo que bem demonstra que o interesse em embargar não guarda relação direta com o de sucumbência, é a hipótese da sentença de pro- cedência que, apesar de reconhecer o direito do autor, deixa de apreciar o pleito de antecipação dos efeitos da tutela que fora postergado para esse momento processual. É evidente que, mesmo sendo vencedora, a parte autora tem inte- resse em embargar de declaração para suprir a omissão e provocar o pronun- ciamento judicial acerca do tema. Ainda que possa renovar o pedido, dessa vez ao relator do eventual recurso contra a sentença, é mais célere e conveniente a provocação do magistrado prolator da decisão para suprir a omissão, já que a ausência de manifestação judicial na sentença não pode ser compreendida como indeferimento da tutela, ressaltando que os pronunciamentos judiciais devem ser sempre explícitos e motivados. Em suma, é importante reconhecer que o interesse em opor os embargos de declaração não está necessariamente vinculado ao conceito de sucumbência, variável que, em regra, é tomada como norte em outras espécies recursais. 4.8 - CAbiMEnto Dos EMbArGos DE DECLArAÇÃo ContrA DECisÃo intErLoCUtóriA Em tempo anterior à vigência do novo CPC, a leitura do art. 48 da Lei 9.099/95 e do correspondente art. 535 do CPC/1973 induziam à conclusão de que os embargos de declaração eram oponíveis apenas contra sentença ou acórdão426. A favor desse raciocínio, especificamente nos juizados especiais, pode ser empregada a argumentação de que esse microssistema processual visa à infor- malidade e à celeridade, o que justificaria uma interpretação restritiva do siste- ma recursal estabelecido na legislação vigente. Também nos juizados especiais pode ser invocada a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, o que, em princípio, afastaria a possibilidade de oposição de embargos de decla- ração contra decisões proferidas no curso do processo. Não raro, porém, surgem obscuridades, contradições, omissões e erros materiais em decisões interlocutórias que precisam ser prontamente integradas pelo próprio juízo prolator da decisão. Por mais simplificado que seja o proce- dimento dos juizados especiais, há inúmeras situações em que se faz necessária a tomada de decisão no curso do processo, muitas delas com grande repercus- são para as partes, tais como as que definem as provas a serem produzidas, a eventual admissão de um litisconsorte passivo necessário, aconcessão de uma antecipação de tutela, entre outros tantos exemplos que a práxis proporciona. 426 Art. 48. “Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida” (redação original). 219 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Tais decisões, por força de disposição constitucional (CF/88, art. 93, IX), precisam ser adequadamente motivadas e indicar, de modo claro, seu conteúdo e extensão. Se a decisão interlocutória acaba apresentando vício que impede sua perfeita compreensão, precisa ser integrada por meio de novo ato decisório, que pode ser materializado pelo mesmo órgão jurisdicional. Nossa compreensão é, pois, no sentido de que a pretendida celeridade dos juizados especiais não imuniza o processo contra decisões interlocutórias que exijam integração, por meio de embargos de declaração, os quais constituem im- portante ferramenta para o aprimoramento da tarefa judicial e vai ao encontro, neste sentido, dos princípios de economia e simplicidade processuais. Por essa razão, ainda que o art. 48 da Lei 9.099/95 não preveja expressa- mente o cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória, a melhor interpretação aponta para o reconhecimento da possibilidade do mane- jo dos declaratórios. Essa mesma linha de argumentação nos leva a concluir pela viabilidade do manejo dos embargos declaratórios contra decisões interlocutórias, mesmo após a alteração do art. 48 da Lei 9.099/95 pela Lei 13.105 - CPC/2015427, especial- mente porque a modificação promovida diz respeito exclusivamente às hipóte- ses de cabimento, que passam a ser aquelas dispostas no art. 1.022 do CPC/2015. 4.9 - EMbArGos DE DECLArAÇÃo E DECisÃo MonoCrÁtiCA EM órGÃos CoLEGiADos A decisão do relator que nega seguimento a recurso, ou lhe dá provimen- to, encontra fundamento no art. 932, III e IV, do CPC/2015428. No âmbito dos juizados especiais federais, o art. 8º da Resolução/CJF 586/2019 (RITNU), expressa hipóteses em que o relator da Turma Nacional de Uniformização poderá decidir de modo monocrático. De outro lado, embora a Resolução/CJF 347/2015 não tenha estabelecido expressamente, os regimentos internos das turmas regionais de uniformização 427 Art. 48. “Caberão embargos de declaração contra sentença ou acórdão nos casos previstos no Código de Processo Civil”. 428 CPC/2015, Art. 932. “Incumbe ao relator: (omissis); II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; IV - negar provimento a recurso que for contrário”. Em igual sentido, dispunha o art. art. 557 do CPC/1973: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. § 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento”. 220 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER podem atribuir, de modo específico, competência aos juízes relatores para julgar pedidos de uniformização por decisões monocráticas429. Já nas turmas recursais, ao relator compete, mediante decisão monocrá- tica, negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da TNU, do STJ ou do STF, ou em confronto com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas430. A argumentação anteriormente deduzida, quanto ao cabimento dos em- bargos declaratórios contra decisão interlocutória, levava-nos a concluir pelo seu cabimento também contra a decisão do relator de turma recursal ou turma de uniformização. Anote-se, porém, que o STJ tem sedimentado jurisprudência que consti- tui exceção à possibilidade de oposição de embargos declaratórios contra decisão monocrática. Mais especialmente, entende-se incabível, como regra, o manejo dos embargos declaratórios contra decisão preliminar do juízo de admissibilidade, proferida no âmbito do tribunal local. E isso implica não reconhecer a interrupção do prazo para interposição de recurso especial, como se pode depreender: (...) o único recurso cabível da decisão do primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial é o agravo previsto no art. 1.042 do CPC/2015. A oposição dos embargos de declaração não tem o condão de interromper o prazo para a interposição do citado recurso431. Por outro lado, mesmo em tempo anterior à vigência do CPC/2015, o Su- premo Tribunal Federal manifestara entendimento no sentido de que, em se tratando de decisão monocrática do relator, são incabíveis os embargos de de- claração, restando à parte a via do agravo regimental, a fim de provocar decisão do colegiado432. 429 De todo modo, ainda que não haja previsão expressa no âmbito regional, é possível se extrair a competência dos relatores de turma de uniformização por analogia à disciplina do Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização (RITNU, art. 8º). 430 Resolução/CJF 347/2015, art. 2º, § 2º, com a redação dada pela Resolução/CJF 393/2016. Ainda mediante decisão monocrática, compete ao relator dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, ou com tese firmada em julgamento em incidente de resolução de demandas repetitivas (Resolução/CJF 347/2015, art. 2º, § 3º, com a redação dada pela Resolução/CJF 393/2016). 431 AgInt no AREsp 1932538/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 22.11.2021, DJe 25.11.2021. Ainda nesse sentido, citando precedentes: AgInt no AREsp 1828531/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 23.11.2021, DJe 25.11.2021. Sem embargo, entende-se que é cabível, excepcionalmente, a oposição de embargos de declaração quando “a decisão for manifestamente genérica ou deficitária que sequer possibilite a compreensão dos argumentos utilizados para inadmitir o recurso especial” (AgInt nos EDcl no AREsp 1.240.641/RO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje 14.8.2018). 432 Confira-se excerto de ementa dessa natureza de decisão: “A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que incabíveis embargos de declaração opostos em face de decisão 221 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Essa solução era adequada para os casos em que a parte recorrente bus- casse impugnar o conteúdo da decisão monocrática. Há situações excepcionais, contudo, que deveriam ser solucionadas pela própria via declaratória433. É de se notar que o CPC/2015 prevê o cabimento de embargos declarató- rios contra decisão do relator ou outra decisão unipessoal proferida pelo tribu- nal, devendo, o órgão prolator da decisão embargada, decidi-los monocratica- mente (CPC/2015, art. 1.024, § 2º). Sem embargo, o diploma processual civil estabelece que o órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las à exigência de impugnação específica, que é posta pelo CPC/2015 no art. 1.021, § 1º. A partir de então, observar-se-á o procedimento específico para o agravo interno (CPC/2015, art. 1.021 e parágrafos). Quanto a esse ponto, anote-se, caberá agravo regimental contra a decisão monocráticado relator de turma recursal, no prazo de 15 (quinze) dias. Se não houver retratação, o prolator da decisão apresentará o processo em mesa, pro- ferindo voto434. Entendemos, assim, pelo cabimento dos embargos de declaração contra as decisões monocráticas produzidas pelas turmas recursais e turmas de uni- formização, sendo possível, igualmente nos juizados especiais, a conversão dos embargos de declaração em agravo regimental, aplicando-se subsidiariamente as regras do art. 1.021 e parágrafos do CPC/2015435. monocrática. Recebimento como agravo regimental com fundamento no princípio da fungibilidade”. (ARE 767785 ED, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, j. 28/10/2014, DJe 11/11/2014). 433 A título ilustrativo, pensemos na hipótese em que a decisão do relator, ao julgar o recurso, fosse omissa quanto aos honorários de sucumbência e outros ônus processuais. Parece-nos que, nesse caso, a decisão monocrática deveria ser enfrentada pela via declaratória, sem a necessidade de manifestação do colegiado, em sede de agravo regimental. Da mesma forma, seria dispensável o agravo quando a parte recorrente buscasse manifestação do relator quanto ao pleito de antecipação de tutela, não apreciado na decisão monocrática proferida, com fundamento no art. 557 do CPC/1973. Também nesse caso, como os embargos não estão a impugnar o mérito da decisão, mas a buscar a complementação da decisão recorrida, a omissão deveria ser suprida pela via declaratória, dispensando-se o agravo regimental previsto no art. 557, § 1°, do CPC/1973. 434 Resolução/CJF 347/2015, art. 2º, § 4º, com a redação dada pela Resolução/CJF 393/2016. Porém, caso a decisão do relator tenha sido submetida à turma recursal e por ela confirmada, não será cabível a interposição de agravo regimental (Resolução/CJF 347/2015, art. 2º, § 5º). 435 A compreensão de aplicabilidade da regra processual que permite a conversão dos embargos de declaração em agravo regimental tem seu fundamento na premissa de que as normas de aceleração e simplificação processuais, previstas na legislação processual civil comum, podem e devem ser aplicadas, desde que compatíveis com o sistema dos Juizados Especiais. Isto é, são aplicáveis as normas do processo comum que emprestam efetividade ao processo e são compatíveis com os princípios norteadores dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 2º). Sobre a aplicabilidade do CPC nos Juizados Especiais, veja-se item 1.4.1, supra. 222 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER 4.10 - intErrUPÇÃo Do PrAZo PArA intErPosiÇÃo DE rECUrso Embora os embargos de declaração não tenham o condão de suspender os efeitos da decisão impugnada436, eles interrompem o prazo para interposição de recurso437. Desse modo, após a intimação da decisão dos embargos, fica restabele- cido por inteiro o prazo recursal, efeito que beneficia a qualquer das partes438. Segundo identifica a doutrina, “a interposição dos embargos de decla- ração impede o trânsito em julgado” da decisão e este “efeito obstativo alcança todo o provimento impugnado”439. De igual modo, quando interpostos contra decisão interlocutória, têm o efeito de impedir a preclusão para interposição de eventual recurso cabível con- tra essa decisão440. No regime anterior à vigência do CPC/2015, os efeitos da oposição dos embargos de declaração para a interposição de outros recursos dependiam da espécie da decisão embargada. O entendimento que predominou foi no sentido de que os embargos de declaração interrompiam o prazo para a interposição de quaisquer recursos, exceto quando interpostos contra sentença, hipótese em que gerava efeito suspensivo, nos termos do art. 50 da Lei n.º 9.099/95, em sua redação originária441. 436 CPC/2015, art. 1.026, primeira parte. 437 Lei 9.099/95, art. 50, com a redação dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015. 438 Não haveria sentido em se considerar ininterrupto o prazo para interposição de recurso pela parte que não embarga a decisão, uma vez que somente com o provimento jurisdicional que integra ou não o julgado é que se conhece o conteúdo final do ato decisório. 439 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 617. 440 Art. 4º c/c art. 5º da Lei 10.259/01. 441 Por força de expressa disposição do art. 50 da Lei 9.099/95, em sua redação originária, a interposição de embargos contra a sentença apenas suspendia o prazo para recurso daquela decisão, voltando a correr pelo prazo remanescente após a ciência da decisão dos embargos (Art. 50. “Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso”). Em outras palavras, quando da verificação da tempestividade do recurso que vier a ser interposto contra a sentença, devia-se descontar, do prazo de dez dias (Lei 9.099/95, art. 42), o tempo transcorrido até a oposição dos embargos. Iniciava-se a contagem do prazo no primeiro dia útil subsequente ao da intimação da sentença e a suspensão operava-se, de imediato, com a interposição dos embargos de declaração, voltando a correr, pelo prazo remanescente, no primeiro dia útil que se seguir à intimação da decisão dos embargos. A doutrina e jurisprudência firmaram-se no sentido de que o dia da interposição dos embargos devia ser excluído da contagem do prazo suspenso (STJ, Corte Especial, EREsp 70451-PE, Rel. Min. José Dantas, DJ 03/11/1997. ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 623; CÂMARA, Alexandre Freitas, Juizados Especiais Cíveis..., 2008). Se os embargos de declaração interpostos contra sentença tinham o efeito de apenas suspender o prazo para o recurso (Lei 9.099/95, art. 50), a disciplina era diversa quando o recurso era interposto contra acórdão. Neste caso, era firme o entendimento de que a oposição de embargos de declaração interrompia o prazo para a interposição de outros recursos (STF, AgRg no AI 451078-RJ, Rel. Min. Eros Grau, DJ 24/09/2004. CÂMARA, Alexandre Freitas, Juizados Especiais Cíveis..., p. 149. Em sentido contrário, CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados..., p. 234). 223 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Com a vigência do novo CPC, a problemática deixou de existir, na me- dida em que o art. 50 da Lei 9.099/95, com a redação dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015, expressa que os embargos de declaração, de modo geral, interrom- pem o prazo para a interposição de recurso. Obviamente, para que repercutam na contagem do prazo para a in- terposição de outros recursos, os embargos de declaração devem ser opostos tempestivamente442. E os embargos de declaração manifestamente incabíveis ou protelatórios? Podem eles operar os efeitos de suspender ou interromper o prazo para interpo- sição de outros recursos? Segundo a orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, se os em- bargos declaratórios forem manifestamente incabíveis, eles não têm aptidão sequer para interromper a fluência do prazo legal para efeito de oportuna inter- posição do recurso processualmente admissível443. Dessa forma, se manejados os embargos de declaração de forma a caracterizar erro grosseiro, como, por exemplo, contra a decisão monocrática que nega seguimento ao recurso especial no Tribunal de origem, eles não interrompem o prazo para interposição do re- curso cabível, que nesta hipótese seria o agravo nos próprios autos444. Em nosso modo de ver, porém, apesar de ser deplorável a prática de opo- sição de embargos com o exclusivo desiderato de postergar o cumprimento da decisão ou de alargar o tempo para a interposição de outros recursos, inexiste regra processual a justificar o afastamento do efeito interruptivo de prazo, gera- do em razão da interposição dos embargos445. É de se considerar, ainda, que a verificação do cabimento ou do caráter protelatório somente se verificará a posteriori, quando do julgamento do recurso, de modo que a posterior definição dos efeitos do recurso em relação ao prazo dei- xaria as partes em uma intolerável posição de incerteza e insegurança jurídica446. É que ao dispor que os embargos opostos contra sentença suspendiam o prazopara a interposição de outros recursos, o art. 50 da Lei 9.099/95, em sua redação originária, estabelecia exceção à regra da legislação processual civil que, de modo geral, determina a interrupção do prazo (CPC, art. 538; CPC/2015, art. 1.026). Em se tratando de norma restritiva e excepcional, sua interpretação não poderia ser extensiva. Assim, diante do silêncio do art. 50 da Lei 9.099/95 em estender a suspensão de prazo também para os embargos opostos contra acórdão, devia-se aplicar a regra geral da legislação processual de interrupção do prazo para interposição de outros recursos. 442 Neste sentido, a título ilustrativo: STJ, 2ª Seção, AgRg. nos Edcl. nos Edcl. no CC 105736-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJE 27/11/2009. 443 STF, ARE 685912 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 25.09.2012, Dje 26.10.2012. Esse entendimento é aplicado mesmo sob a égide do CPC/2015: AgInt no AREsp 1932538/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 22.11.2021, DJe 25.11.2021. 444 AgInt no AREsp 1828531/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 23.11.2021, DJe 25.11.2021, citando inúmeros precedentes. 445 STJ, Corte Especial EREsp. 302.177/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 27/09/2004. 446 Neste sentido: “Os embargos apresentam singularidades sob essa ótica. Em primeiro lugar, o efeito do recurso é mais do que suspensivo, é interruptivo, haja vista que, enquanto não 224 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER No caso de embargos de declaração manifestamente incabíveis ou pro- telatórios, portanto, as sanções admissíveis são relativas às penalidades estabe- lecidas em lei. Neste sentido, o CPC/2015 autoriza a condenação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa447, sendo que, na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final (CPC/2015, art. 1.026, §§ 2º e 3º). Outrossim, “Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido considerados protelatórios” (CPC/2015, art. 1.026, § 4º).. Ainda que não houvesse essa específica previsão de multa, a imposição de tal penalidade poderia advir das regras dos arts. 80 e 81 do CPC/2015 (arts. 17 e 18 do CPC/1973). A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (item 1.4.1, supra) mais uma vez se justifica diante da omissão de disposição expressa na Lei 9.099/95 e da manifesta compatibilidade da aplicação da multa por litigância de má-fé com o elevado valor reconhecido à celeridade processual no sistema dos juizados especiais federais448. Acrescente-se que a jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que os embargos de declaração interrompem o prazo para interposi- ção de recurso, ainda quando não conhecidos, ressalvadas as hipóteses de intempestividade ou irregularidade formal, v.g., ausência de procuração, fac-símile não acompanhado do original, fac-símile ou originais protocolados de maneira incompleta, ou falta de assinatura”. (STJ, REsp. 1.060.682-MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/05/2009, DJ 27/05/2009)449. integrada a decisão, não se pode cogitar de torná-la efetiva, porquanto ela é, ainda, possibilidade de decisão. Aliás, sob essa ótica que antes de julgados os embargos de declaração de quaisquer das partes não há exaurimento a admitir outro recurso, na medida em que a possibilidade de decisão ainda não é pronunciamento último do judiciário, tese que influi sobremodo no cabimento dos recursos para os Tribunais Superiores. Destarte, a letra do art. 538 do CPC não deixa margem a dúvidas de que a interrupção opera-se em relação a ambas as partes, por isso que se aquela que não embargou, adiantar-se e interpuser, v.g., o recurso especial, deverá após o julgamento dos embargos, reiterar a sua intenção em vê-lo julgado para fins de exaurimento da última instância exigida constitucionalmente” (FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. I, p. 871-872: Processo de Conhecimento). 447 A penalidade pela interposição de embargos de declaração manifestamente inadmissível era já prevista pelo art. 538, parágrafo único, do CPC/1973. 448 Em sentido contrário, cf., CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recursos nos Juizados..., 2007. p. 67. 449 Também neste sentido, a título ilustrativo: STJ, Corte Especial, EREsp. 302.177/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, j. 19/05/2004, DJ 27/09/2004. 225 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Segundo a orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, se os em- bargos declaratórios forem manifestamente incabíveis, eles não têm aptidão sequer para interromper a fluência do prazo legal para efeito de oportuna inter- posição do recurso processualmente admissível450. Dessa forma, se manejados os embargos de declaração de forma a caracterizar erro grosseiro, como, por exemplo, contra a decisão monocrática que nega seguimento ao recurso especial no Tribunal de origem, eles não interrompem o prazo para interposição do re- curso cabível, que nesta hipótese seria o agravo nos próprios autos451. Indaga-se, ainda: se o pedido de uniformização for interposto antes de publicado o julgamento dos embargos declaratórios? Será ele considerado ex- temporâneo? Carecerá de ratificação? Segundo pensamos, no sistema dos juizados especiais federais, avesso a formalidades excessivas, deve ser considerado tempestivo o recurso interposto pela parte antes do termo inicial para oposição dos embargos - ou antes da pu- blicação do julgamento dos embargos -, independentemente de sua ratificação após o julgamento que rejeita os declaratórios ou não altera a conclusão do jul- gamento anterior. Jamais seria aplicável, assim, a Súmula 418 do STJ, segundo a qual “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. Na linha do que estamos a sustentar, a Questão de Ordem 37 da TNU ex- pressa que “A Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça somente se aplica aos juizados especiais federais quando o julgamento dos embargos declaratórios prejudicar o recurso interposto”. Buscando colocar termo à celeuma, o CPC/2015, em seu art. 218, §4º, dis- põe que “Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo” Mais especificamente, a novel legislação estabelece, em seu art. 1.024, § 5º, in verbis: Art. 1.024, § 5º. Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação. Não foi por outra razão que, na sessão de 1º/07/2016, a Corte Especial do STJ cancelou a Súmula 418, havendo ainda aprovado a Súmula 579, com o seguinte teor: “Não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos de declaração quando inalterado o julgamento anterior”. 450 STF, ARE 685912 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 25.09.2012, Dje 26.10.2012. Esse entendimento é aplicado mesmo sob a égide do CPC/2015: AgInt no AREsp 1932538/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 22.11.2021, DJe 25.11.2021. 451 AgInt no AREsp 1828531/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 23.11.2021, DJe 25.11.2021, citando inúmeros precedentes. 226 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER 4.11 - AtribUiÇÃo EXCEPCionAL DE EFEito inFrinGEntE É cediço que os embargos de declaração não são propriamente recursos que buscam a alteração do julgado, mas o seu aperfeiçoamento, sanando-lhe vícios de omissão, contradição, obscuridade, ou corrigindo-lhe erro material452. Os declaratórios têm o condãode promover a complementação do jul- gado, modificando-o nos estritos limites da obscuridade, contradição ou omis- são identificadas, não consubstanciando instrumento processual idôneo para manifestação de insurgência contra o mérito da decisão. A nova decisão que se seguirá estará vinculada à supressão dos vícios previstos no art. 48 da Lei 9.099/95 e, como regra, não poderá avançar além deles, reexaminando a causa e modificando o julgado. Com razoável frequência, os embargos são opostos com nítido intuito de reabrir a discussão da causa, sem que esteja configurada obscuridade, contradi- ção ou omissão. Pretende-se, muitas vezes, a reapreciação do conjunto probató- rio ou nova manifestação judicial sobre questão já decidida, revelando-se mais propriamente um pedido de reconsideração, inadmissível em tal conjuntura. No entanto, é possível que a supressão da obscuridade, contradição ou omissão implique a necessidade de alteração da decisão recorrida. É nessa cir- cunstância que se reconhece o excepcional caráter infringente (modificativo) dos embargos de declaração. Araken de Assis leciona que em alguns casos, o suprimento da omissão acarretará, sob pena de o provimento se tornar manifestamente incoerente após o julgamento dos embargos de declaração, agasalhando flagrante contradição, a inversão do desfecho consagrado no pronunciamento originário. É mister reconhecer, nessas situações, modificação particularmente qualificada provocada pelos embargos, recebendo o nome de “efeito infringente453. São excepcionais os efeitos infringentes dos embargos de declaração, pois somente advirão quando a eliminação do vício do ato decisório ensejar a modi- ficação de seu conteúdo. Para melhor visualização da questão, tome-se um exemplo recorrente nos juizados especiais federais: ajuizada uma ação para buscar a condenação ao pagamento de danos morais e materiais, a parte ré apresenta resposta em que suscita a prejudicial de mérito da prescrição e, por observância do princípio da eventualidade, também deduz todas as suas defesas de mérito. O magistrado, ao julgar a causa, limita-se apenas a analisar e refutar as defesas de mérito in- vocadas e omite-se quanto à apreciação da prescrição. Julga, então, procedente o pedido da parte autora. Uma vez instado a se manifestar expressamente sobre a 452 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito..., p. 686. 453 ASSIS, Araken de. Manual..., 2008. p. 640. 227 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO prejudicial em embargos de declaração, fica evidenciada a consumação do pra- zo prescricional. Em situação como essa, é incontestável que a omissão deve ser suprida, com o reconhecimento da prescrição. Como consequência, deve-se atri- buir efeitos infringentes aos embargos, pois a nova decisão proferida acabará extinguindo o feito com uma decisão de mérito favorável à parte ré. Em suma, reconhecida a omissão e diante da hipótese de procedência do argumento que passa a ser analisado, são cabíveis os efeitos infringentes. Em atendimento às exigências de contraditório, é necessário que a deci- são proferida em embargos de declaração, que empresta efeitos infringentes, seja precedida de vista à parte embargada para que se manifeste sobre os ter- mos do recurso e sua pretensão infringente454. Quanto ao ponto, em seu art. 1.022, § 2º, o CPC/2015 estabelece de modo expresso que “O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhi- mento implique a modificação da decisão embargada”. 4.12 - EMbArGos DE DECLArAÇÃo E PrEQUEstionAMEnto Os embargos de declaração vêm sendo reiteradamente utilizados para fim de prequestionamento de questões de direito federal e constitucional a viabilizar a interposição de recursos perante as instâncias superiores. No que tange especificamente aos juizados especiais federais, o prequestionamento das questões federais e constitucionais é de suma importância para o cabimento dos pedidos de uniformização de jurisprudência (Lei 10.259/01, art. 14) e do recurso extraordinário. Em tempo anterior à vigência do CPC de 2015, guardávamos a compreen- são de que apenas se tinha como prequestionada determinada matéria se ela fos- se explicitamente decidida pela instância ordinária. Em outras palavras, fazia-se necessário o pronunciamento judicial expresso sobre a questão de direito federal ou constitucional que se pretendia ser levada às instâncias extraordinárias. É de se reconhecer que a ausência de manifestação judicial sobre deter- minada questão gera omissão de fundamentação que poderia obstar a admis- são dos pedidos de uniformização, uma vez que esses recursos versam sobre questão - de direito material, de natureza federal - que tenha sido apreciada pela decisão recorrida455. De igual modo, é o entendimento aplicável ao recurso extra- 454 Neste sentido: “Conquanto não haja previsão legal expressa de que o embargado seja intimado para impugnar os embargos de declaração, a jurisprudência dos Tribunais Superiores pacificou-se no sentido de que o seu acolhimento com a atribuição de efeitos modificativos reclama a intimação prévia do embargado, sem a qual tem-se por caracterizada ofensa aos postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa”. (REsp 1363829/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, j. 20/03/2014, DJe 15/04/2014). 455 É a leitura que se extrai do art. 14 da Lei 10.259/01, que trata dos pedidos de uniformização de jurisprudência nos juizados especiais federais. 228 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER ordinário, por força do art. 102, III, da CF/88, e jurisprudência pacificada por meio da Súmula 356 do STF456. Destarte, quando o acórdão recorrido deixa de se pronunciar expressa- mente sobre questão de direito federal ou constitucional relevante para o julga- mento da lide, são cabíveis os embargos de declaração, com vistas a suprir tal omissão e viabilizar a interposição de recursos às instâncias extraordinárias. Em outras palavras, no caso de omissão do julgado sobre determinado ponto, é imprescindível a oposição de embargos declaratórios para sanar aludido vício da decisão, sob pena de não se atender a exigência de prequestionamento. Somente se justifica a oposição de embargos de declaração, com o objeti- vo de prequestionamento da matéria, quando o acórdão recorrido deixa de se pronunciar explicitamente sobre questão relevante para o julgamento da lide e sobre a qual deveria ter-se manifestado. Em arremate, cabe anotar o entendimento do STJ, consolidado em sua Sú- mula 98, no sentido de que “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”457. Com o advento do novo CPC, não mais subsiste a exigência de preques- tionamento explícito, entendimento já adotado no sistema dos juizados espe- ciais federais. 4.12.1 - Embargos de declaração e a suficiência do prequestionamento ficto Aspecto de especial interesse se relaciona com a ausência de integração do acórdão recorrido, por parte da turma recursal, ainda que oportunamente interpostos os embargos declaratórios pela parte recorrente. Indaga-se: seria suficiente, para fins de prequestionamento, a oportuna oposição de embargos declaratórios contra acórdão que se revelou omisso? Em outras palavras, admite-se o chamado prequestionamento ficto ou, de modo dis- tinto, é pressuposto de cabimento dos pedidos de uniformização que o acórdão recorrido, antes omisso, agora por integração, expressamente enfrente o tema? Sobre esse problema, já chegamos a sustentar a necessidade de ser explíci- to o prequestionamento. Tínhamos como necessário, pois, que a turma recursal se manifestasse expressamente sobre determinada questão, como pressuposto de admissão do recurso (pedido de uniformização). A persistência da omissão, 456 STF, Súmula 356: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, porfaltar o requisito do prequestionamento”. 457 Sem embargo, “Os Embargos de Declaração, ante a ausência de omissão, obscuridade ou contradição no acórdão embargado, não constituem instrumento adequado ao prequestionamento com vistas à interposição de Recurso Extraordinário”. (EDcl no AgInt no AREsp 918.832/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016) 229 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO pela ausência de integração da decisão recorrida, renderia ensejo à anulação do acórdão da turma recursal458. Todavia, a parte recorrente, em termos de tempo, seria ainda mais preju- dicada com a anulação do acórdão recorrido. O feito teria que retornar à turma recursal para novo julgamento, com as inafastáveis consequências de prolonga- mento processual no tempo. Em termos de economia, simplicidade e celeridade processuais, é razoável admitir-se o prequestionamento ficto e que a turma de uniformização desde logo uniformize a tese. A propósito, esta última orientação foi acolhida pela Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, nos termos da Questão de Ordem n. 07: Considera-se prequestionada a matéria se a Turma Recursal de origem não se manifesta sobre questão relevante, anteriormente devolvida ao seu conhecimento, e a parte recorrente opõe oportunamente embargos declaratórios com vistas a suprir a omissão. Admitir-se que a oportuna oposição de embargos declaratórios supra a exigência de prequestionamento, independentemente de a turma recursal inte- grar ou não o julgado - independentemente de a turma recursal discutir ou não a questão objeto dos declaratórios - parece ser a via que mais empreste eficácia aos princípios de instrumentalidade, celeridade e economia processuais. Se, porém, havia dúvidas quanto à admissão do prequestionamento ficto, o novo CPC, em seu art. 1.025, reconhece-lhe eficácia para fins de interposição dos recursos extraordinários, como se verifica, in verbis: Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade459. Por força dessa norma que torna mais simples o fluxo recursal, a questão deve ser considerada prequestionada pela só oposição dos embargos de decla- ração - mesmo que o tribunal inadmita o recurso ou lhe negue provimento -, não mais se justificando a exigência de prequestionamento explícito no sistema 458 Sobre o ponto, ver o item 4.13, infra. 459 Tal como antes anotado, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [sem a admissão do prequestionamento ficto]” (Enunciado Administrativo 2/STJ). Por isso, em uma perspectiva temporal, a admissão do chamado prequestionamento ficto, na forma disposta pelo art. 1.025 do CPC/2015, somente se dará em relação aos recursos interpostos com fundamento no novo diploma processual civil, isto é, aos recursos interpostos contra decisões publicadas a partir de 18/03/2016, início de vigência do novo CPC. 230 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER dos juizados especiais federais, microssistema mais simples e informal do que aquele da justiça comum. Efetivamente, quando expressamos nosso pensamento sobre a aplicabilida- de subsidiária do CPC nos Juizados Especiais (veja-se item 1.4.1, supra), registramos a premissa de que as normas de aceleração e simplificação processuais, previstas na legislação processual civil comum, podem e devem ser aplicadas, desde que compatíveis com o sistema dos juizados especiais. Isto é, são aplicáveis as nor- mas do processo comum que emprestam efetividade ao processo e são compatí- veis com os princípios norteadores dos juizados especiais (Lei 9.099/95, art. 2º). Por essa razão, entendemos que a técnica de flexibilização do prequestiona- mento para os recursos extraordinários, porque mais informal, mais simples e com- patível com os juizados especiais, é aplicável nesse microssistema processual460. Anote-se, contudo, que a oposição dos embargos de declaração apenas será suficiente para fins de prequestionamento, se compreendido, pela turma de uniformização ou pelos tribunais superiores, a depender do recurso interposto, que efetivamente havia omissão, contradição, obscuridade ou erro na decisão da turma recursal objeto de impugnação dos declaratórios. Se, de modo distinto, o acórdão se encontrava aperfeiçoado, isto é, se eram efetivamente incabíveis os embargos de declaração, porque ausente qualquer das hipóteses previstas no art. 1.020 do CPC/2015, ou porque a parte embargan- te deduzira argumento inédito, os embargos declaratórios são insuscetíveis de satisfazer a exigência de prequestionamento. Em outras palavras, os embargos de declaração suprem, para fins de pre- questionamento, a omissão que eventualmente havia no acórdão recorrido, pois seus elementos são, pelo novo CPC, considerados incluídos na aludida decisão. Todavia, os embargos de declaração, por si só, não servem para suscitar deter- minada questão, para o fim de torná-la prequestionada. Desse modo, para os embargos de declaração atenderem a necessidade de prequestionamento, é necessária a efetiva constatação, pela instância ad quem (turma de uniformização ou tribunal superior), de que: • o acórdão da turma recursal padecia de vício passível de correção pe- los embargos de declaração; • os embargos de declaração foram manejados oportunamente, buscan- do eliminar a aludida mácula. Do quanto foi exposto, já é possível perceber que não se admite que os declaratórios, ao argumento de existência de omissão na decisão embargada, veiculem questão que jamais foi devolvida ao conhecimento da turma recursal. De fato, é inadmissível, para fins de prequestionamento, que os embargos de declaração veiculem tese inovadora, assim compreendida a que jamais foi devolvida anteriormente ao conhecimento da turma recursal. 460 Tal como já tivemos ocasião de sustentar (veja-se 1.4.1.1.4, supra). 231 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Porém, se a questão devia ser analisada de ofício pela turma recursal e esta não se pronunciou sobre o tema, são cabíveis os embargos de declaração, para fins de prequestionamento, ainda que a parte recorrente não tivesse ven- tilado a matéria anteriormente. Nessa hipótese, se a turma recursal rejeitar o pedido de integração do julgado, os elementos dos embargos declaratórios se- rão considerados incluídos na aludida decisão, para fins de prequestionamento (CPC/2015, art. 1.025). 4.12.2 - Embargos de declaração e tese inovadora Como regra, para o cabimento dos embargos de declaração, com vistas a suprir a exigência de prequestionamento, é necessário que a tese neles ventilada tenha sido invocada, ao menos, junto à instância recursal ordinária461. Na hipótese de a tese jurídica somente ter sido suscitada nos embargos de declaração, é de se reconhecer que não há nenhuma omissão do acórdão recorrido e, portanto, são incabíveis os embargos, os quais guardam, em casos tais, o ex- clusivo desiderato de viabilizar ulterior interposição de recurso extraordinário462. Com efeito, os embargos de declaração serão admissíveis, em regra, se o acórdão recorrido deixar de se manifestar sobre alguma questão anteriormen- te levantada pelas partes. Devem ser excetuadas, porém, as questões sobre as quais o juiz deve conhecer independentemente do requerimento da parte. É importante notar, neste sentido, que se considera omissa a decisão ju- dicial que, a título de exemplo, não reconhece, de ofício, a ausência de pressu- postos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada, bem como a ausênciade legitimidade ou de interesse processual (CPC/2015, art. 485, IV a VI, c/c § 3o). São cabíveis os declaratórios, portanto, sobre questão que deveria o juiz ter conhecido de ofício (CPC/2015, art. 1.022, II) 463. No entanto, se os embargos declaratórios veiculam tese inovadora (ainda não discutida) - e não se trata de hipótese de julgamento de ofício -, o que se tem, de fato, é a inércia da parte quanto à ventilação do tema, não se podendo imputar qualquer omissão ao órgão jurisdicional. 461 Devem ser excetuadas as questões sobre as quais o juiz deve decidir de ofício. 462 Neste sentido, a título ilustrativo: STF, 1a Turma, RE 287.227/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 02/03/2001. 463 É omissa a decisão judicial que “deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento” (CPC/2015, art. 1.022, I). Da mesma forma, nos termos do art. 485, IV a VI do CPC/2015, c/c § 3o, do mesmo dispositivo legal, é omisso o julgado que não reconhece, de ofício, a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada, bem como a ausência de legitimidade ou de interesse processual. 232 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER Logo, são incabíveis - e tampouco se prestam a atender a exigência de prequestionamento - os embargos de declaração que suscitam tese inovadora, uma vez que as instâncias extraordinárias somente devem apreciar questões já debatidas nas instâncias inferiores464. É plenamente aplicável nos juizados especiais federais o entendimento re- lativo à inviabilidade dos embargos de declaração para invocação de tese inovado- ra, com o fim único de propiciar o acesso às instâncias recursais extraordinárias. Sobre o tema, na esteira da jurisprudência dominante dos tribunais supe- riores, foi editada a Questão de Ordem 10, da TNU, in verbis: Não cabe o incidente de uniformização quando a parte que o deduz apresenta tese jurídica inovadora, não ventilada nas fases anteriores do processo e sobre a qual não se pronunciou expressamente a Turma Recursal no acórdão recorrido. Se, para o cabimento do pedido de uniformização, é necessário que a ma- téria tenha sido objeto de análise pelo acórdão recorrido, e se não são admissí- veis os embargos de declaração para invocar tese inovadora – porque, nesses casos, omissão alguma há na decisão impugnada –, é de se concluir que a inter- posição desse recurso, em que se deduz tese inovadora, não supre a exigência de prequestionamento. De igual modo, quando a decisão se fundar em razão suficiente, torna- -se, por corolário lógico, desnecessário o pronunciamento sobre outras questões. Nessa hipótese, reputa-se atendida a exigência constitucional de motivação de decisão (CF/88, art. 93, IX) e inexistente qualquer omissão passível de integração pelos declaratórios, ainda que para fins de prequestionamento465. 4.13 - AnULAÇÃo DE ACórDÃo oMisso E o PrEQUEstionAMEnto FiCto A questão que se põe é: que consequências advêm da não integração de acórdão recorrido pela decisão dos embargos de declaração? Em outras pala- vras, que medida se impõe quando há ponto relevante sobre o qual a turma recursal de origem deveria ter se pronunciado, mas se omitiu, mesmo que pro- vocada pela via dos embargos declaratórios? Em tempo anterior à vigência do CPC de 2015, o Superior Tribunal de Jus- tiça guardava o entendimento de que “viola o art. 535 do CPC o acórdão que se mantém omisso quanto ao ponto relevante para o julgamento da causa, veicula- 464 Certamente que a admissão do prequestionamento ficto, nos termos do art. 1.025 do CPC/2015, configura exceção ou abrandamento da exigência de prévio e expresso debate de determinado tema pelas instâncias ordinárias (prequestionamento expresso). 465 Sobre o dever de a decisão judicial enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (CPC/2015, art. 489, § 1º, IV), veja-se o item 4.4.1, supra. 233 Capítulo 4 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO do nas razões de apelação”, hipótese em que se anulava o acórdão dos embargos de declaração para que o defeito seja suprido466. De fato, em sendo omisso o decisum sobre ponto que devia elucidar, impos- sibilitando o respectivo exame pelo STJ pela ausência de prequestionamento, cons- tatava-se a afronta ao art. 535, II, do CPC/1973, abrindo caminho para a anulação do julgado, mediante reconhecimento de violação ao referido dispositivo legal. Certamente que não se livrava a parte recorrente de prequestionar a vul- neração ao art. 535 do CPC/1973 junto ao tribunal local. E ela devia fazê-lo me- diante oposição de embargos declaratórios em que apontava a suposta omissão. A ausência de integração do julgado pelo tribunal local implicava a violação, pelo acórdão dos embargos declaratórios, da regra do art. 535 do CPC/1973, rendendo ensejo à sua anulação. Era indispensável que também no âmbito dos juizados especiais federais houvesse mecanismo de revisão de acórdão omisso, que não enfrenta ponto que a parte pretende levar, supervenientemente, à análise de turma de uniformiza- ção. Até mesmo porque é inviável a demonstração da divergência na interpre- tação de lei federal se a turma recursal não se manifesta expressamente sobre a questão controvertida, ainda que após a oposição de embargos de declaração. Sob a égide do CPC/1973, com efeito, nosso entendimento era no senti- do de que incorria em nulidade o acórdão da turma recursal que, em sede de embargos declaratórios, deixava de suprir a omissão apontada na decisão im- pugnada. Outrossim, considerando que a omissão constitui nulidade absoluta passível de ser reconhecida de ofício, o acórdão dos embargos de declaração devia ser anulado para que a turma recursal proferisse a nova decisão. Nesse sentido, vários foram os julgados da Turma Nacional de Unifor- mização no sentido de reconhecer, de ofício, a nulidade do acórdão de turma recursal que deixava de integrar a decisão omissa, objeto de insurgência dos declaratórios467. Com o advento do CPC de 2015, passou a ser admitido o prequestiona- mento ficto, passando a ser suficiente a oposição de embargos de declaração, para o efeito de se cumprir a exigência de prequestionamento. De fato, nos termos do art. 1.025 do CPC/2015, Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. 466 Resp. 826.533/RS, 2ª Turma, Relª. Minª. Eliana Calmon, j. 05/08/2008, DJe 01/09/2008; REsp 744.847/RN – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª Turma, j. 08/05/2007, DJ 24/09/2007. 467 A título ilustrativo, confira-se: TNU, PEDILEF 2005.34.00.90.2738-1, Rel. Juiz Federal Otávio Henrique Martins Porto, j. 08/04/2010; PEDILEF 0029591-96.2006.4.01.3600, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 02/12/2010. 234 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER E essa inovação legislativa, conforme explicamos anteriormente, é perfei- tamente aplicável no âmbito dos juizados especiais federais468. Na vigência do novo CPC, portanto, não mais existe razão para se anular o acórdão da turma recursal que deixa de integrar anterior decisão inquinada de omissão, pois é suficiente, para fins de prequestionamento, a oportuna opo- sição dos embargos de declaração, já que se consideram incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou. QUADro sinóPtiCo EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Hipótese de cabimento Contra sentença ou acórdão que apresente obscuridade, contradição, omissão ou erro material. Também é cabível, conforme sustentamos, con- tra decisão interlocutória, Art. 48 da Lei 9.099/95, com a redação dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015 Art. 1.022, I a III do CPC/2015, Legitimidade recursalPartes e Ministério Público Art. 11 da Lei 9.099/95 Arts. 178 e 996 do CPC/2015, Prazo 5 dias úteis Art. 49 da Lei 9.099/95 Forma Oral ou escrita Art. 49 da Lei 9.099/95 Preparo Dispensado Efeitos sobre o prazo para a interposição de outros recursos Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso Art. 50 da Lei 9.099/95, com a redação dada pela Lei 13.105/2015 - CPC/2015 Órgão julgador O mesmo juízo que proferiu a decisão embargada 468 Sobre a aplicabilidade subsidiária do CPC nos Juizados Especiais, veja-se o item 1.4.1, supra. Sobre a pertinência da técnica de flexibilização do prequestionamento para os recursos extraordinários aos Juizados, veja-se o item 1.4.1.1.4, supra. Por fim, sobre a suficiência do prequestionamento ficto gerado pela oposição oportuna e adequada dos embargos de declaração, veja-se o item 4.12.1, supra.uniformização ........................................... 309 7.7 - Retenção, sobrestamento ou suspensão de pedidos de uniformização idênticos ......310 7.8 - Juízo de adequação e juízo de retratação do julgado ...........................................314 7.9 - Decisão monocrática em pedidos de uniformização ............................................316 Capítulo 8 – PEDIDOS DE UNIFORMIZAÇÃO EM ESPÉCIE .........................................319 8.1 - Pedido de uniformização regional .....................................................................319 8.1.1 - Pressuposto específico positivo: a divergência entre turmas recursais da mesma região ............................................................................................. 320 8.1.2 - Pressuposto específico negativo: ausência de alinhamento do acór dão recorrido a súmula ou jurisprudência dominante do STJ ou da TNU ........................ 320 8.1.3 - Relação do pedido de uniformização regional com o incidente de resolução de demandas repetitivas ................................................................................... 322 Quadro Sinóptico: Pedido de Uniformização Regional ............................................324 – Roteiro para interposição do recurso .................................................................326 – Roteiro para análise da admissibilidade ............................................................ 330 – Roteiro ilustrado do recurso ............................................................................ 334 8.2 - Pedido de uniformização nacional ................................................................... 343 8.2.1 - Pressupostos específicos do pedido de uniformização nacional ................... 343 8.2.1.1 - Divergência entre decisões de turmas de diferentes Regiões ............... 344 8.2.1.2 - Contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ ou da TNU ........................................................................................... 345 8.2.1.3 - Controvérsia de matéria estritamente constitucional: o cancelamento da Súmula 86 da TNU ................................................................................ 348 8.2.2 - Juízo de adequação pela turma recursal de origem .................................... 352 8.2.3 - Relação do pedido de uniformização nacional com o incidente de resolução de demandas repetitivas ................................................................................... 353 8.2.4 - Dinâmica dos recursos representativos de controvérsia na TNU .................. 356 Quadro Sinóptico: Pedido de Uniformização Nacional ........................................... 359 – Roteiro para interposição do recurso ................................................................ 360 – Roteiro para análise da admissibilidade ............................................................ 364 – Roteiro ilustrado do recurso ............................................................................ 368 8.3 - Pedido de uniformização de interpretação de lei - PUIL para o STJ .......................374 8.3.1 - Amparo constitucional do pedido de uniformização de interpretação de lei - PUIL (STJ) .................................................................................................374 8.3.2 - Pressupostos específicos de cabimento ....................................................375 8.3.2.1 - Contrariedade de decisão da TNU a tese firmada em IRDR .................377 8.3.3 - Efeito externo do pedido de uniformização de interpretação de lei - PUIL (STJ) .................................................................................................378 36 8.3.4 - Processamento do pedido de uniformização de interpretação de lei - PUIL (STJ) .................................................................................................379 8.3.5 - Da suspensão dos processos quando há pedido de uniformização de interpretação de lei - PUIL (STJ) .........................................................................381 Quadro Sinóptico: Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei - PUIL (STJ) ..... 383 – Roteiro para interposição do recurso ................................................................ 384 – Roteiro para análise da admissibilidade ............................................................ 387 – Roteiro ilustrado do recurso ............................................................................ 390 Capítulo 9 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO ..............................................................397 9.1 - Pressupostos de cabimento ............................................................................ 398 9.1.1 - A ofensa direta ao texto constitucional ..................................................... 400 9.1.2 - O esgotamento das vias recursais ordinárias ..............................................401 9.1.2.1 - Recurso Extraordinário e interposição simultânea de pedido de uniformização............................................................................................. 403 9.1.3 - O prequestionamento da questão constitucional na decisão recorrida .......... 409 9.1.4 - A repercussão geral da questão constitucional discutida no recurso ..............410 9.2 - Juízo de admissibilidade e sua impugnação .......................................................412 Parte iv – oUtrAs ForMAs iMPUGnAtivAs DE DECisÕEs nos JUiZADos EsPECiAis Capítulo 10 – MANDADO DE SEGURANÇA NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS ....419 10.1 - Pressupostos de cabimento do mandado de segurança contra ato jurisdicional .... 420 10.2 - Pressupostos de cabimento do mandado de segurança contra ato jurisdicional no âmbito dos Juizados Especiais............................................................................ 422 10.3 - Competência do mandado de segurança contra ato de juiz do juizado especial federal ..................................................................................................... 428 10.4 - Procedimento do mandado de segurança nas turmas recursais ..........................431 10.5 - Impugnação de decisão da turma recursal em sede de mandado de segurança ... 432 10.6 - Correição parcial no âmbito dos Juizados Especiais ......................................... 433 Capítulo 11 – O INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO ........................................................ 437 11.1 - Hipóteses de cabimento de Reclamação no novo CPC ...................................... 438 11.2 - Processamento da Reclamação no Tribunal .....................................................441 11.3 - A Reclamação no sistema dos Juizados Especiais Federais ................................441 11.3.1 - Reclamação dirigida à Turma Nacional de Uniformização ......................... 442 Capítulo 12 – A REVISÃO DA COISA JULGADA NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS ........................................................................................................... 445 12.1 - A vedação da ação rescisória como restrição ao direito fundamental a um processo justo ...................................................................................................... 446 12.1.1 - O direito fundamental a um processo justo ..............................................447 12.1.2 - Direitos fundamentais como princípios ................................................... 450 37 12.1.3 - Categorização das restrições segundo sua previsão constitucional ............. 453 12.1.4 - Colisão de direitos fundamentais – a ponderação dos valores envolvidos no caso concreto ............................................................................................. 454 12.1.5 - Proporcionalidade como passo fundamental à análise da legitimidade da restrição ..................................................................................................... 458 12.1.5.1 - A máxima da adequação ou conformidade ...................................... 459 12.1.5.2 - A máxima da necessidade da medidarestritiva ............................... 460 12.1.5.3 - A máxima da proporcionalidade no sentido estrito ............................461 12.1.5.4 - A preservação do núcleo essencial do direito fundamental .................461 12.1.6 - A restrição ao uso de ação rescisória nos Juizados Especiais vis-à-vis ao direito fundamental à proteção judicial ............................................................... 465 12.2 - Quebra da coisa julgada nos Juizados Especiais .............................................. 467 12.3 - Da ação anulatória de sentença homologatória de acordo ..................................470 Capítulo 13 – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA JURÍDICA.............................473 13.1 - Contornos para identificação de sentença juridicamente inexistente ....................475 13.2 - Meios de impugnação de sentença juridicamente inexistente .............................476 Parte v – MEios DE iMPUGnAÇÃo nos JUiZADos EsPECiAis FEDErAis CriMinAis Capítulo 14 – RECURSOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ............................. 483 14.1 - Recurso de apelação .................................................................................... 484 14.2 - Embargos de declaração .............................................................................. 487 14.3 - Habeas Corpus ........................................................................................... 488 14.4 - Revisão criminal ...........................................................................................492 Apêndice Sinopse – Agravos no Sistema Recursal dos Juizados Especiais Federais ......................497 Sinopse – Decisões Irrecorríveis nos Sistema Recursal dos Juizados Especiais Federais .... 507 Lei 10.259, de 12.07.2001 ....................................................................................515 Resolução/CJF 586, de 30.09.2019 ........................................................................521 Resolução/CJF 347, de 02.06.2015 ........................................................................ 539 Súmulas da Turma Nacional de Uniformização .......................................................... 543 Questões de Ordem da Turma Nacional de Uniformização .......................................... 553 referências ...........................................................................................................561 Índice remissivo ...................................................................................................571 173 cAPítulo 3 RECURSO CONTRA SENTENÇA O recurso contra sentença encontra-se previsto no art. 5º da Lei 10.259/01 (“Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva”)322. O prazo para sua interposição, bem como para o recorrido apre- sentar a respectiva resposta, é de 10 (dez) dias323. Ao estabelecer a possibilidade de recurso contra sentença prolatada em processos que adotam o rito dos juizados especiais federais, o dispositivo aci- ma transcrito deixou de disciplinar a integralidade dos requisitos de admissão. Ao operador do direito resta, então, a busca do modo adequado para suprir tal omissão legislativa que, no caso, propicia a aplicação das regras estabelecidas na Lei 9.099/95 e no Código de Processo Civil, naquilo que não conflitarem com o microssistema dos juizados especiais federais. A Lei 10.259/01 não atribui nomenclatura específica para este recurso, o que, evidentemente, não gera qualquer entrave ao seu manejo, bastando que os requisitos de interposição sejam adequadamente observados. De qualquer sorte, é inescapável uma primeira questão atinente às hipó- teses de cabimento do recurso inominado ou recurso contra sentença. Seria tal recurso apenas cabível contra as sentenças definitivas, tal como se compreende o conceito tecnicamente, isto é, em contraposição às sentenças ditas terminati- vas324? Ou, de modo distinto, deve-se admitir certa impropriedade do legislador que, pretendendo dispor que todas as sentenças seriam recorríveis, adjetivou o ato judicial “sentença” de modo não apenas inadequado ao conceito da categoria jurídica “sentença definitiva”, como teria incorrido em evidente pleonasmo? 322 Lei 10.259/01, art. 4º: “O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”. 323 Após, os autos serão remetidos às turmas recursais, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 2º, § 1º, da Resolução/CJF 347/2015, com a redação dada pela Resolução/ CJF 417/2016). 324 É neste sentido o pensamento de Antônio César Bochenek (BOCHENEK, Antônio César. Competência cível da Justiça Federal..., p. 276). Também neste sentido: SILVA, Antônio F. S. do Amaral; SCHÄFER, Jairo Gilberto. Juizados especiais..., p. 33. 174 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER Sobre o cabimento de recurso contra sentença que extingue o processo sem o julgamento do mérito (sentença terminativa), inexiste padronização entre os atos normativos dos tribunais325, e tampouco o Conselho da Justiça Federal chegou a disciplinar essa questão específica. De acordo com a leitura do texto legal, apoiada em uma concepção ideal do sistema dos juizados especiais, seria apenas cabível o recurso contra senten- ça que extingue o processo com o julgamento do mérito (sentença definitiva). As sentenças chamadas terminativas – que encerram o processo sem julgamento do mérito – poderiam ensejar nova propositura da ação, por não terem eficácia de coisa julgada material. Todavia, o direito constitucional de acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV) fundamenta a noção de que o processo, como instrumento do direito material, deve ser ao máximo aproveitado e, por outro lado, percebido na perspectiva de aptidão para que seja examinada uma pretensão judicialmente deduzida. Em outras palavras, deve haver real acesso à Justiça. A norma contida no art. 5º da Lei 10.259/01 deve ser interpretada, pois, no sentido de não inviabilizar o exercício do direito à tutela jurisdicional, sendo cabível o recurso quando a extinção do processo sem o julgamento do mérito implicar o perecimento do direito ou inviabilizar o ajuizamento de nova de- manda em que se deduza a mesma pretensão. 325 Confira-se: TRF1, Resolução PRESI n. 17/2014: “Art. 42. Compete às turmas recursais dos Juizados Especiais Federais da 1 Região processar e julgar os recursos cíveis e criminais interpostos nos processos em tramitação nos Juizados Especiais Federais, conforme estabelecido em lei [...]. TRF2, Resolução n. TRF2-RS-2015/00007: “Art. 4º: Compete a cada Turma Recursal processar e julgar: I - os recursos de sentenças cíveis proferidas nos Juizados Especiais Federais; [...]. TRF3, Resolução n. 526/2014, TRF3, “Art. 7º: Às Turma Recursais compete processar e julgar: I - os recursos de sentença, nas causas decididas pelos Juizados Especiais Federais de sua respectiva jurisdição, excetuando-se a sentença homologatória de decisão ou laudo arbitral; [...]. TRF4, Resolução n. 63/2015: “Art. 13. Compete às turmas recursais processar e julgar: I - em matéria cível, os recursos interpostos contra sentenças, excetuadas as homologatórias de conciliação ou laudo arbitral, e decisões que deferem ou indeferem medidas liminares, cautelares ou antecipatórias de efeitos da tutela jurisdicional; [...]. TRF5: a) RI SJ de Alagoas: “Art. 8º. Compete à Turma Recursal processar e julgar: I - em matéria cível, o recurso de sentença definitiva, excetuadas as homologatórias de conciliação e de laudo arbitral, e de sentença terminativa, nos casos em que a extinção do processo obstar nova propositura da ação ou importar negativa de jurisdição [...]; b) SJ Rio Grande do Norte, Resolução n. 1, de 31/08/2015: “Art. 7º. Compete à Turma Recursal processar e julgar, sempre que possível priorizando o princípio do colegiado: I - em matéria cível, os recursos interpostos de sentenças ou de decisões que apreciam pedidos de medidasliminares, cautelares ou antecipatória dos efeitos da tutela [...]; c) SJ da Paraíba, Emenda Regimental n. 1/2013: “Art. 7º. Compete à Turma Recursal processar e julgar: I - em matéria cível, o recurso de sentença de mérito, excetuadas as homologatórias de conciliação, de laudo arbitral e a que, extinguindo o feito sem resolução do mérito, não impeça a renovação da pretensão em Juízo [...]; d) SJ de Pernambuco, Resolução Conjunta n. 1/2016: “Art. 7º. Compete à Turma Recursal processar e julgar: I - em matéria cível: a) o recurso contra sentença definitiva, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, incluída, porém, a sentença de extinção sem julgamento do mérito à qual se impute a negativa de prestação jurisdicional [...]; d) SJ de Sergipe, Resolução n. 1/2009: “Art. 6º. Não serão admitidos: I - Recursos manifestados contra sentenças que extinguiram o processo sem resolução do mérito e sentenças homologatórias de acordo [...]. 175 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Se assim não for compreendido, não haverá qualquer meio recursal, por exemplo, para que a parte tenha reconhecido seu interesse processual por magis- trado que, em primeira instância, adota entendimento absolutamente restritivo quanto a essa condição de ação. Da mesma forma, como poderia ser impugnada a decisão de indeferimento da inicial por não cumprimento de determinação de emenda à inicial desproporcional ou sem amparo legal? Teria a parte que se curvar, resignadamente, ao entendimento do juiz singular que, ao fim e ao cabo, significa denegação de justiça? De que modo a parte autora poderia impugnar sentença que acolhe a alegação de litispendência ou coisa julgada, já que não poderá intentar novamente a ação326? A possibilidade de impugnação das sentenças terminativas não consiste apenas em um caminho para o conhecimento da questão de natureza proces- sual pela instância recursal, mas igualmente para conhecimento do mérito da causa (CPC/2015, art. 1.013, I, c/c art. 485). Isto vai ao encontro dos princípios da economia e celeridade processual e não desconsidera a realidade de que, por vezes, seria absolutamente contraproducente que a parte, após toda instrução processual, fosse compelida a invocar novamente a tutela jurisdicional – dado que seria incabível o recurso contra sentença terminativa. Também de uma perspectiva de igualdade processual entre as partes (paridade de armas), a solução não seria a que se alcança pela simples repro- dução do texto legal. Nesse sentido, é preciso reconhecer que à parte ré é dada a oportunidade de manifestar pretensão recursal orientada a buscar, junto à turma recursal, provimento jurisdicional que reconheça circunstância extintiva do processo sem o julgamento do mérito. Também desse ângulo, portanto, deve- -se assegurar ao autor a impugnação de tais matérias, na busca da satisfação do direito material. Por fim, é importante notar que a Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, que adotou praticamente toda a estrutura da Lei dos Juizados Especiais Federais, deixou de reproduzir a ambiguidade sobre as hipóteses de cabimento de recurso contra sentença, dispondo expressamente que “exceto nos casos do art. 3º, somente será admitido recurso contra [qualquer modalidade de] a sen- tença” (Lei 12.153/09, art. 4º). Trata-se de aperfeiçoamento da nova legislação que tende a evitar a discussão suscitada pela ambiguidade identificada no art. 5º da Lei 10.259/01. 3.1 - LEGitiMiDADE PArA rECorrEr A parte que restou afetada negativamente por alguma disposição da sen- tença detém legitimidade para dela recorrer, encontrando perfeita aplicação, no 326 Valer-se-ia a parte autora de mandado de segurança como substitutivo de recurso? Com que finalidade seria adotado o writ of mandamus se o sistema, interpretado a partir de uma perspectiva constitucional e voltado para a dinâmica processual nos juizados especiais, prevê meio idôneo de impugnação de tais sentenças? 176 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER sistema dos juizados especiais, as noções fundamentais da teoria geral dos recur- sos quanto ao tema. Todo aquele que tiver integrado a relação processual, na con- dição de autor ou réu terá legitimidade para interpor recurso contra a sentença327. Observa-se, contudo, que por expressa disposição do art. 10, da Lei 9.099/95, aplicável aos juizados especiais, não se admite nenhuma espécie de intervenção de terceiro ou de assistência nesse microssistema processual, razão pela qual é de se concluir que tampouco terão os terceiros legitimidade para recorrer. Se a intervenção de terceiros e assistência são vedadas na fase de co- nhecimento, com igual razão se justifica sua proibição em sede recursal. Uma questão que raramente se coloca na prática, mas que não pode dei- xar de ser enfrentada, é a legitimidade do Ministério Público para recorrer nos feitos em que atue como fiscal da ordem jurídica. O art. 11 da Lei 9.099/95 prevê expressamente a intervenção obrigatória do Ministério Público sempre que a lei assim a exigir. É de se concluir, portanto, que atuará como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas no art. 178 do CPC/2015, além de outras previstas em legislação específica328. Se é admissível a intervenção do Ministério Público na condição de fis- cal da ordem jurídica nos juizados especiais, essa atuação deverá ser admitida em sua inteireza, mesmo para efeito de reconhecer-lhe a legitimidade recursal, aplicando-se, por analogia, o art. 996, caput, do CPC/2015329. Note-se ainda que a jurisprudência do STJ reconhece a legitimidade re- cursal do Ministério Público, mesmo na hipótese de a parte que ensejou a sua intervenção no feito deixar de recorrer 330. 3.2 - intErEssE rECUrsAL O interesse recursal distingue-se da legitimidade e estará presente sem- pre que a parte recorrente busque alcançar um resultado mais favorável do que aquele obtido com a decisão recorrida, elegendo a via recursal necessária ou adequada para alcançar tal mister331. 327 Aqui temos uma ilustração a respeito da inegável aplicação subsidiária do CPC que enfrentamos no item 1.4.1 supra, já que a legislação atinente aos juizados especiais não oferece a solução suficiente para enfrentamento do tema. 328 Um exemplo de intervenção obrigatória do Ministério Público que se repete com frequência nos juizados especiais federais é aquela estabelecida no art. 75 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). 329 O novo CPC prevê que O Ministério Público detém legitimidade para propor ação rescisória: “a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação” (CPC/2015, art. 967, III). Também expressa que o recurso pode ser interposto pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica (CPC/2015, art. 996, caput). 330 STJ, Súmula 99 – “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”. 331 ASSIS, Araken de. Manual..., 2007. p. 158. 177 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Em se tratando do recurso contra a sentença, a ideia de interesse recursal está intimamente ligada ao conceito de sucumbência. No entanto, a sucumbên- cia não pode ser aferida apenas sob o prisma do dispositivo da sentença, mas a partir do cotejo entre o provimento jurisdicional almejado pela parte recorrente e aquele efetivamente alcançado. Não é incomum a situação em que, aparentemente, a sentença é favorável a uma das partes. Isso, em tese, afastaria o interesse recursal daquela que se supõe integralmente vencedora. No entanto, a análise cuidadosa da sentença recorrida pode levar à conclusão de que o provimento jurisdicional poderia lhe ser ainda mais favorável, o que caracteriza o interesse em recorrer, ao menos deste ponto, com vistas a alcançar proveito ainda maior332. O interesserecursal certamente se configura na hipótese em que, formu- lados pedidos sucessivos, o magistrado acolhe o subsidiário, deixando de apre- ciar ou de acolher o principal. Neste caso, apesar de a decisão aparentemente ser favorável à parte autora, é provável que o pedido que deixou de ser atendido lhe fosse ainda mais vantajoso. Portanto, não obstante vitoriosa na demanda, eventualmente poderá ter interesse em recorrer para que seja acolhido o pedido principal que deixou de ser atendido333. À vista disso, a análise do interesse recursal pressupõe verificar se a par- te recorrente poderá obter, por intermédio do recurso, resultado mais favorável do que aquele que logrou obter com a sentença. 3.3 - PrAZo DE intErPosiÇÃo Como já mencionado na parte introdutória deste tópico, a Lei 10.259/01 (art. 5º), ao estabelecer a recorribilidade das sentenças proferidas em sede de 332 Ilustre-se: um segurado da Previdência Social ajuíza ação perante os juizados especiais federais para alcançar o reconhecimento de vários anos de tempo de serviço/contribuição e, via de consequência, a aposentadoria integral. A sentença reconhece apenas parte desse tempo de serviço/contribuição, mas, mesmo assim, o tempo reconhecido lhe garante a aposentadoria integral, porém submetido às regras do fator previdenciário, introduzidas pela Lei 9.876/99. À primeira vista, e se analisado apenas o dispositivo da sentença, a parte não teria interesse em recorrer, já que alcançou a aposentadoria integral pretendida, ainda que o tempo de serviço/contribuição pleiteado não tenha sido integralmente reconhecido. No entanto, a análise atenta do caso concreto pode levar à conclusão de que esse interesse subsiste, pois o reconhecimento de um tempo maior de serviço/contribuição pode fazer com que a parte autora não se submeta às alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 20/98 ou pelas regras do fator previdenciário (Lei 9.876/99). Assim, mesmo que o segurado tenha logrado obter a aposentadoria integral pretendida na inicial, terá interesse em recorrer para buscar afastar regras de concessão e cálculo que lhe são menos favoráveis. 333 Caso que ordinariamente se apresenta nos juizados especiais federais é o de a sentença conceder à parte autora o benefício previdenciário de auxílio-doença, afastando a pretensão de concessão da aposentadoria por invalidez deduzida na inicial. Poder-se-ia cogitar que a parte não deteria interesse recursal, pois, de algum modo, está devidamente amparada pelo sistema previdenciário. No entanto, tal premissa não é verdadeira porque, por inúmeras razões, a aposentadoria por invalidez pode se apresentar como o benefício mais favorável à parte. 178 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER juizados especiais federais, ofereceu reduzida disciplina quanto aos requisitos de admissibilidade. No entanto, essa omissão legislativa é facilmente suprida com a aplicação dos dispositivos que remetem à disciplina da Lei 9.099/95 e do Código de Processo Civil. O prazo para interposição do recurso inominado - ou recurso contra sen- tença - é de (10) dez dias, de acordo com a regra do art. 42 da Lei 9.099/95334. A forma escrita é expressamente exigida. O mesmo prazo de 10 (dez) dias é confe- rido para resposta, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei 9.099/95335. De acordo com o disposto no art. 9º da Lei 10.259/01, os prazos para in- terposição e para resposta, previstos no art. 42 da Lei 9.099/95, são aplicáveis a quaisquer dos legitimados a recorrer, às pessoas jurídicas de direito público e ao Ministério Público, inclusive. Por essa razão, deve ser afastada a aplicação do art. 183 do CPC/2015, que assegura a intimação pessoal e prazo em dobro para todas as manifestações processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público. A norma contida na Lei dos Juizados Especiais Federais consubstancia importante quebra de paradigma, pois estabelece a inexistência de prazos pri- vilegiados para a prática de atos processuais pelas pessoas jurídicas de direito público, para efeito de interposição de recursos, inclusive. Desde uma interpretação sistemática, deve-se reconhecer que o art. 9º da Lei 10.259/01 também se aplica ao Ministério Público, quando atua na condição de fiscal da ordem jurídica 336. Assim, não importa quem seja o recorrente, o prazo para a interposição do recurso contra a sentença e suas contrarrazões é sempre de 10 (dez) dias e começa a correr a partir do primeiro dia útil que se seguir à intimação da deci- são (CPC/2015, art. 224), prorrogando-se o término para o dia útil subsequente quando ocorrer em feriado ou em dia que não houver expediente forense nor- mal (CPC/2015, art. 224, § 1º). 334 Também o art. 2º, § 1º, da Resolução/CJF 347/2015, com a redação dada pela Resolução/CJF 417/2016, expressa o prazo de 10 (dez) dias para a interposição do recurso contra sentença. 335 Em que pese o recurso contra a sentença dos juizados especiais guardar íntima relação com o recurso de apelação (CPC/2015, art. 1.009 e ss.), as normas do processo civil somente serão aplicadas subsidiariamente na ausência de regra expressa na legislação específica. Assim, não se cogita a adoção do prazo de 15 (quinze) dias (CPC/2015, art. 1.003, § 5º), já que há norma específica a conferir o prazo de 10 (dez) dias para a interposição de recurso contra sentença nos juizados especiais (Lei 9.099/95, art. 42). 336 Não obstante a ausência de menção expressa ao Ministério Público, os princípios da celeridade e simplicidade dão respaldo a uma interpretação extensiva do dispositivo em comento, impedindo que possa ser invocado esse privilégio processual por quem quer que seja. 179 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA 3.4 - ForMA DE intErPosiÇÃo E PrEPAro A oralidade faz-se presente em diversas passagens da Lei n. 9.099/95, seja como princípio expresso (arts. 2º e 62), seja na forma de regras que dão relevo à forma oral, muitas vezes em detrimento da forma escrita337. No entanto, no que se refere ao recurso contra a sentença, o art. 42 da Lei 9.099/95 impõe a interposição por meio de petição escrita, implicando a inar- redável conclusão de que a oralidade e informalidade dos juizados especiais sofrem temperamento em sede recursal. É indispensável que o recorrente deduza claramente as razões do recurso e o pedido de reforma por meio escrito. Em outras palavras, deverá, dentro do prazo legal, apresentar a petição em que expõe claramente todos os pontos de insurgência e os fundamentos de fato e de direito em que se ampara, seguindo- -se o pedido de nova decisão a ser proferida pela turma recursal. A forma escrita do recurso contra a sentença é, portanto, exceção expres- sa na lei ao princípio da oralidade338. E isso tem sua razão de ser. A prevalência da oralidade e da informalida- de nas fases iniciais (postulatória e instrutória) decorre diretamente da busca por um processo simplificado para a resolução de conflitos de menor comple- xidade e repercussão econômica, já que nesse momento inicial do processo os olhos estão sempre voltados à tentativa de conciliação. As partes e o magistrado participam ativamente de todos os atos concentrados em audiência e, portanto, a forma escrita perde a importância. Quando frustrada a conciliação e proferida a sentença, o exercício do direito de recorrer pela parte sucumbente devolve à instância recursal toda a matéria impugnada no recurso e também aquelas que podem ser conhecidas de ofício. O recurso, entretanto, será apreciado por um órgão colegiado que não participou das fases iniciais do processo e, portanto, não teve contato direto com as partes e as provas produzidas. Somente por meio da redução a termo da peça recursal e dos principais atos do processo é que se propiciará à instância revi- sional o adequado exame das questões controvertidas. Por isso, a forma escrita ganha importância na fase recursal. Pelos mesmos motivos, as contrarrazõestambém serão apresentadas na forma escrita, por disposição do art. 42, § 2º, da Lei 9.099/95. Uma vez interposto o recurso por meio de petição escrita, a parte recor- rente dispõe de quarenta e oito horas para efetuar o preparo, sob pena de deser- ção, nos termos do art. 42, § 1º, da Lei 9.099/95. Esse recolhimento deve ser feito 337 Neste sentido encontram-se as seguintes disposições da Lei 9.099/95: art. 13; § 3º, art. 14; art. 30; art. 36; art. 52, IV; art. 53, § 1º; art. 65, § 3º; art. 75; art. 77 e art. 81. 338 Nesse sentido, o art. 44 da Lei 9.099/95 reafirma a importância da forma escrita na instância recursal, determinando a degravação dos atos processuais armazenados na forma prevista no art. 13, § 3º, do mesmo diploma legal, sempre que for do interesse da parte recorrente. 180 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER independente de qualquer intimação e comprovado nos autos, pois somente após o preparo é que o recorrido é intimado para apresentar a resposta, deven- do englobar todas as despesas processuais, incluindo-se aquelas cujo recolhi- mento foi dispensado quando da tramitação do feito em primeira instância (Lei 9.099/95, art. 54, parágrafo único). É necessário salientar que, por disposição do art. 54, da Lei 9.099/95, os feitos dos juizados especiais federais tramitam na primeira instância indepen- dentemente do recolhimento de custas e despesas processuais. Isso tem sua ra- zão de ser. Em primeiro lugar, trata-se de uma medida que, indiscutivelmente, facilita o acesso à Justiça. Não se pode desconsiderar que, diante da baixa reper- cussão econômica dos feitos, ora afetados à competência dos juizados especiais, inúmeras vezes a busca da tutela jurisdicional era desestimulada porque o pro- veito econômico da parte autora poderia restar absorvido pelas despesas que o processo apresentaria. Em segundo lugar, viabilizando-se o acesso ao Judiciário sem o pagamento de custas em primeira instância – ou postergando o pagamen- to para a tramitação em segunda instância, se for o caso – privilegia-se a busca pela conciliação, inibindo-se – ao menos em tese – a interposição de recursos meramente protelatórios. Contudo, o preparo é dispensado sempre que a parte recorrente for be- neficiária da justiça gratuita (Lei 9.099/95, art. 54, parágrafo único) ou pessoa jurídica de direito público (CPC/2015, art. 1.007, § 1º). No caso do preparo insuficiente, é de se admitir a aplicação subsidiária do art. art. 1.007, § 2º, do CPC/2015, permitindo-se que o recorrente complemente o valor recolhido. Em que pese o preparo dos recursos nos juizados especiais não ser simultâneo à interposição, tal como ocorre no sistema do Código de Pro- cesso Civil, é viável a sua complementação, se assim for necessário, porque tal disposição é de absoluta compatibilidade com o rito informal e simples dos jui- zados especiais e nenhum prejuízo traz às partes ou à celeridade do processo339. 3.5 - rEPrEsEntAÇÃo Por ADvoGADo O art. 133 da CF/88 expressa o importante papel do advogado na admi- nistração da Justiça, mas não dispõe a indispensabilidade de representação por advogado em termos absolutos340. No caso específico dos juizados especiais fe- derais, foi conferida interpretação conforme à Constituição Federal do art. 10 da Lei 10.259/01, quando do julgamento da ADIN 3.168/DF, ficando assentado o entendimento, com efeito erga omnes, no sentido da dispensabilidade da repre- sentação por advogado nos juizados especiais, em matéria cível341. 339 Neste sentido: 2a Turma Recursal do Paraná, MS 2007.70.95.007917-8/PR, Relª. Juíza Federal Flavia da Silva Xavier, DE 31/03/2008. 340 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 8. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.150. 341 Como se pode verificar: “É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/01, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados 181 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Não obstante seja dispensável a representação por advogado na primeira instância, a regra do art. 41, § 2º, da Lei 9.099/95, aplicável aos juizados especiais federais, exige que as partes, na fase recursal, sejam representadas por advoga- do devidamente constituído342. Isso é justificado pela consideração de que o pro- cedimento vai gradualmente perdendo suas notas de simplicidade e oralidade, tão intensas nas fases inaugurais. No caso de a parte não estar inicialmente representada por advogado e ser beneficiária da gratuidade de justiça, entendemos ser imprescindível a no- meação judicial de profissional habilitado para defender seus interesses em sede recursal, como decorrência do direito ao mais amplo acesso à Justiça. Ao magis- trado abrem-se inúmeras opções para escolha do profissional a ser nomeado, podendo recair sobre membros da defensoria pública, de advogados integrantes de lista de dativos ou de convênios firmados especialmente para este fim. O que não parece ser admissível é a impossibilidade prática do exercício do mais amplo acesso ao Judiciário – o que inclui a instância recursal – pela ausência de condições financeiras da parte em se fazer representar por advogado. Nessa mesma linha de argumentação é que se reflete sobre a necessidade de nomeação de defensor para apresentar contrarrazões quando a parte recor- rida é beneficiária de gratuidade da justiça (Lei 9.099/95, art. 41, § 2º, c/c art. 43, § 2º). Uma vez reconhecida a hipossuficiência econômica, deveria ser igualmen- te garantida a nomeação de profissional pelo juízo para a prática de tal ato? A argumentação de baixa probabilidade de reforma da sentença, dispensando a necessidade de nomeação de advogado apenas para apresentar contrarrazões, não resolve nosso problema para as hipóteses de reforma de sentença. Ques- tiona-se, pois, se não se estaria, com a falta de nomeação para apresentação de contrarrazões, contribuindo para a formação de um ambiente de insegurança jurídica e desigualdade entre as partes. Se a parte recorrente obrigatoriamente se faz representar por advogado em sede recursal, é de se reconhecer a plausi- bilidade do argumento de que a parte recorrida faria jus à mesma prerrogativa para exercício do direito de apresentar resposta, se assim o pretender. Não é especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante os juizados especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem comparecer pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (Lei 10.259/01, art. 3º) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral (parágrafos do art. 9º da Lei 9.099/95). Já quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a oferecer- lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil ou defensor público. Aplicação subsidiária do art. 68, III, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme para excluir do âmbito de incidência do art. 10 da Lei 10.259/01 os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal”. (STF, ADI 3168, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, j. 08/06/2006, DJ 03/08/2007). 342 Art. 41, § 2º. “No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado”. 182 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER demais lembrar, ainda, que no caso de provimento do recurso, a parte recorrida (inicialmente vencedora) tem legítimo interesse em buscar a restauração da de- cisão singular, com manejo do(s) recurso(s) em tese cabível(eis). 3.6 - EFEitos DA intErPosiÇÃo Do rECUrso ContrA A sEntEnÇAO art. 43 da Lei 9.099/95 estabelece que o recurso interposto contra sen- tença, como regra, é recebido somente no efeito devolutivo, permitindo-se, por- tanto, o cumprimento provisório do julgado343. Tal regra implica maior efetividade e celeridade no cumprimento das sen- tenças proferidas nos juizados especiais344. É de se perquirir, contudo, se ela en- contra aplicação nos processos que tramitam no sistema dos juizados especiais federais (Lei 10.259/01). Em nosso entender, desde que não haja impedimento legal para o cumpri- mento provisório da sentença, o referido dispositivo guarda compatibilidade com o procedimento estabelecido para os juizados especiais federais. Na au- sência de regra específica a determinar que o cumprimento da sentença se dê apenas após o trânsito em julgado, prevalece a regra geral de cumprimento ime- diato do julgado. Por outro lado, o art. 43 da Lei 9.099/95 estabelece a possibilidade de o ma- gistrado atribuir efeito suspensivo ao recurso contra a sentença quando houver risco de dano irreparável à parte, ficando evidente que as hipóteses de exceção à regra não estão taxativamente estabelecidas, mas dependendo da análise ju- dicial do caso concreto. Uma primeira questão que se coloca é a de saber se o juiz pode atribuir o excepcional efeito suspensivo de ofício ou dependerá de requerimento da par- te interessada. Tomando-se a decisão que atribui efeito suspensivo como uma medida de cautela para evitar risco de dano irreparável à parte, deve-se entender que possa ser atribuído de ofício, a partir da análise do caso concreto. O art. 4º da Lei 10.259/01 abre essa possibilidade, pois autoriza a concessão de medidas cautelares e antecipatórias de ofício no curso do processo. Ora, se o efeito suspensivo do recurso contra sentença é previsto como medida excepcional nos juizados especiais – para prevenir a ocorrência de um dano irreparável que possa ser provocado pela execução provisória da sentença –, deve ser interpretado como providência de contracautela e, por essa razão, pode ser atribuído ex officio pelo juiz. 343 Art. 43. “O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte”. 344 Não é demais notar que se trata de rompimento com a tradição do processo civil de atribuição, como regra, do efeito suspensivo à apelação, retirando-lhe esse efeito somente nos casos expressamente previstos em lei (CPC/1973, art. 520). O novo CPC dispõe que a apelação terá efeito suspensivo (art. 1.012), mas prevê diversas hipóteses em que a sentença começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação (CPC/2015, art. 1012, § 1º). 183 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Outro ponto que requer análise é a situação processual decorrente da au- sência de indicação, na decisão que recebe o recurso, dos efeitos em que este será processado. Diante da redação do art. 43, da Lei 9.099/95 e não havendo qualquer manifestação na decisão que recebe o recurso, compreende-se a razão de ter sido recebido apenas no efeito devolutivo. Essa é a regra. A atribuição de efeito suspensivo, seja de ofício, seja por provocação da parte, é excepcional e depende de menção expressa na decisão judicial. Na hipótese de ter havido requerimento da parte vencida para atribuição de efeito suspensivo e a decisão de recebimento omitir-se a respeito, caberá a interposição de embargos de declaração, nos termos do art. 48 da Lei 9.099/95. Se for indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a parte interessada poderá requerer tal providência junto à turma recursal, me- diante petição dirigida ao juiz relator do processo, demonstrando o risco de dano irreparável ou de difícil reparação a justificar a concessão do efeito suspensivo. De outra parte, a decisão que concede efeito suspensivo é irrecorrível. Nada obstante, a parte pode requerer o cumprimento imediato da decisão ao relator do recurso, na turma recursal. Por outro lado, a discussão relacionada à excepcional atribuição de efeito suspensivo previsto no art. 43 da Lei 9.099/95 ganha importância nos juizados especiais, quando a parte vencida for pessoa jurídica de direito público e houver expressa vedação legal quanto à execução provisória da sentença. Nessa hipótese, não se está diante de verdadeira atribuição de efeito sus- pensivo, mas de óbice legal ao cumprimento provisório de sentença, mediante expedição de requisição de pagamento (precatório requisitório ou requisição de pequeno valor). É verdade que a redação original do art. 100, § 1º, da Constituição da Re- pública, não trazia exigência expressa do trânsito em julgado, sendo possível, à época, a execução provisória com a expedição de precatório, inclusive345. Toda- via, com o advento da Emenda Constitucional 30/2000, tornou-se indispensá- vel o trânsito em julgado da decisão judicial para a expedição de precatórios346. Chegou-se até mesmo à conclusão do não cabimento da execução provisória contra a Fazenda Pública347. 345 AgR-ED RE 272625, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, j. 11.12.2001, DJ 01.03.2002. 346 CF/88, art. 100. (...)§ 1º: “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo- se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente” (redação dada pela EC 30/00, sublinhamos). 347 EDRE 463936, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. 23.05.2006, DJ 16.06.2006. Cumpre anotar que foi reconhecida a repercussão geral da matéria relativa à possibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública, com a determinação de expedição de precatório requisitório, independentemente do trânsito em julgado (RE 573872, RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20.03.2008, DJe 11.04.2008). 184 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER A Emenda 62/2009, que estabelece a atual redação do §1º, do artigo 100, da Constituição Federal, manteve a exigência de trânsito em julgado da sentença para a expedição de precatório: Art. 100. (omissis). § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo (sublinhamos). Assim é que o art. 100 da CF/88, estabelecendo que a obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública somente pode ser exigida após o trân- sito em julgado da decisão condenatória, impede o cumprimento imediato do julgamento no que toca à obrigação de pagar quantia certa. Trata-se, portanto, de vedação constitucional ao efetivo cumprimento provisório da sentença e sua observância independe da concessão do excepcional efeito suspensivo. Outrossim, a regra inserta no art. 2º-B da Lei 9.494/97, com redação atri- buída pela MP 2.180-35/01, presta-se como ilustração de situações de proibição do cumprimento provisório da sentença348. Também aqui se pode verificar que, mercê de dispositivo legal expresso, faz-se desnecessária a atribuição de efeito suspensivo com objetivo de vedar o cumprimento provisório, o qual está condi- cionado seu trânsito em julgado da decisão. Segundo pensamos, o que se veda é a apresentação de precatório sem a comprovação do trânsito em julgado da decisão exequenda. Isso não significa dizer que está impedida a execução provisória contra a Fazenda Pública349, sen- 348 Art. 2º-B. “A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado”. 349 Nesse sentido, a título ilustrativo: “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. AJUIZAMENTO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/2000. POSSIBILIDADE. 1. A Emenda Constitucional nº 30 deu nova redação ao §1º do art. 100 da Constituição para estabelecer, como pressuposto da expedição de precatório ou da requisição do pagamento de débito de pequeno valor de responsabilidade da Fazenda Pública, o trânsito em julgado da respectiva sentença. 2. Há de se entender que, após a Emenda 30, limitou-se o âmbito dos atos executivos, mas não foi inteiramente extinta a execução provisória. Nada impede que se promova, na pendência de recurso com efeito apenas devolutivo, a liquidação da sentença, e que a execução (provisória) seja processada até a fase dos embargos (CPC, art. 730, primeira parte) ficando suspensa, daí em diante, até o trânsito em julgado do título executivo, se os embargos não forem opostos, ou forem rejeitados. 3. Em relação às execuções provisórias iniciadas antes da edição da Emenda 30, não há a exigência do trânsito em julgado como condição para expedição de precatório. Precedentes do STF e do STJ”. (REsp 331.460/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, j. 07.08.2003, DJ 17.11.2003) 185 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA do viável o início do cumprimento provisório da sentença previdenciária que reconhece o dever da Fazenda Pública de pagar quantia certa. Embora não possa seguir a ponto de se expedir requisição de pagamento, o procedimento se presta à antecipação da fase executiva no que toca exclusi- vamente à definição da quantia objeto de cumprimento, a ser encontrada nos termos do julgado proferido na fase de conhecimento. Trata-se, mais propriamente, de uma “liquidação provisória, ou seja, apu- ração do quantum devido caso as decisões judiciais até então proferidas em sede de processo de conhecimento venham a se tornar imutáveis por conta do trânsito em julgado”350. De todo modo, como no sistema dos juizados especiais federais há regime específico de cumprimento de sentenças líquidas, o cumprimento provisório de sentença mais causaria tumulto do que trataria utilidade processual. É preciso lembrar, por outro lado, que mesmo no curso dos processos nos juizados especiais federais é possível a execução de sentença, com expedição de requisição de pagamento até final satisfação, nas hipóteses de cumprimento definitivo de decisão parcial de mérito ou de parcela incontroversa. Com efeito, o CPC/2015 considera título executivo judicial as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (art. 515, I). Nesse sentido, a decisão que proferir o julgamento antecipado parcial do mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida, sendo que a ausência de recurso contra ela caracteriza como definitiva a execução351. Por outro lado, o cumprimento definitivo de sentença também pode ocor- rer no caso de decisão sobre parcela incontroversa, nos termos do art. 523 do CPC/2015352. Por essa razão, podem ser executadas definitivamente, ainda que na pen- dência do recurso contra sentença, as decisões favoráveis à parte autora (obri- gação de fazer ou obrigação de pagar quantia certa) que constituem julgamento parcial de mérito ou parcela incontroversa. 350 TRF4, AG 0006028-44.2014.404.0000, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, D.E. 21.01.2015. 351 CPC/2015, art. 356, § 1o. “A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. CPC/2015, art. 356, § 2o. “A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3o Na hipótese do § 2o, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva”. 352 “Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver”. 186 JOSÉ ANTONIO SAVARIS – FLAVIA DA SILVA XAVIER 3.6.1 - Juízo de retratação Uma técnica processual orientada pelos princípios da economia e celerida- de processuais é a que consiste na possibilidade de o órgão jurisdicional reconsi- derar sua decisão, tornando prejudicado eventual recurso contra ela interposto. O exercício do juízo de retratação é, pois, providência que em muito coo- pera para a efetividade processual, revelando-se compatível com os princípios que norteiam os juizados especiais. O novo Código de Processo Civil prevê diversas hipóteses em que o juiz prolator da sentença pode exercer o juízo de retratação, tornando prejudicado o recurso de apelação, caso reconsidere os termos de sua decisão. De acordo com o art. 331, § 1o, do CPC/2015, se indeferida a petição ini- cial353, o autor poderá apelar, sendo facultado ao juiz retratar-se. Outrossim, é previsto o juízo de retratação no caso de recurso contra sen- tença de improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, § 3o)354. Da mesma forma, é possível a retratação de toda sentença que extingue o processo sem resolver o mérito (CPC/2015, art. 485, § 7o)355. Em todos esses casos, o Código de Processo Civil estabelece o prazo de 5 (cinco) dias para a retratação. Ora, quando expressamos nosso pensamento sobre a aplicabilidade subsi- diária do CPC nos Juizados Especiais (veja-se item 1.4.1, supra), registramos a pre- missa de que as normas de aceleração e simplificação processuais, previstas na legislação processual civil comum, podem e devem ser aplicadas, desde que compatíveis com o sistema dos juizados especiais356. 353 Nos termos do art. 331 do novo CPC, a petição inicial será indeferida quando: a) for inepta; b) não cumprir os requisitos do art. 319 do CPC/2015 (requisitos da petição inicial); c) não instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação; d) a parte for manifestamente ilegítima; e) o autor carecer de interesse processual. Também a irregularidade da representação poderá implicar o indeferimento da inicial, nos termos do art. 330, IV, do CPC/2015. 354 A improcedência liminar do pedido se encontra disciplinada pelo art. 332 do CPC/2015, na forma seguinte: “Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”. Além disso, “O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição” (CPC/2015, art. 332, § 1o). 355 Dentre as hipóteses de extinção sem resolução do mérito (CPC/2015, art. 485), podemos destacar o indeferimento da petição inicial, a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada, ausência de legitimidade ou de interesse processual. 356 Ou seja, são aplicáveis as normas do processo comum que emprestam efetividade ao processo e são compatíveis com os princípios norteadores dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 2º) 187 Capítulo 3 – RECURSO CONTRA SENTENÇA Nesse contexto, nas hipóteses de indeferimento da inicial, improcedência liminar do pedido ou extinção sem resolução do