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AULA 2 IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS 4.0 Profª Ana Carolina Bueno Franco 2 INTRODUÇÃO Implementação de sistemas 4.0 A transformação digital é um grande desafio para o setor industrial. Se por um lado há a pressão de se adaptar rapidamente às demandas do mercado globalizado para que a indústria continue competitiva, por outro, ainda há muito desconhecimento sobre o tema e incerteza sobre o retorno dos investimentos. O primeiro passo é avaliar a maturidade industrial e estabelecer uma metodologia para iniciar o processo de digitalização. Esta aula tem como objetivos: • Analisar como está a indústria 4.0 no Brasil; • Apresentar o papel e a importância das startups na transformação digital; • Compreender o que é maturidade industrial; • Apontar aspectos relevantes para a elaboração de uma proposição de transformação digital na indústria; • Analisar a metodologia proposta pela ACATECH e os estágios de implementação. TEMA 1 – INDÚSTRIA 4.0 NO BRASIL Diversas pesquisas apontam que a digitalização do setor industrial é imprescindível para assegurar e ampliar a competitividade no mercado internacional. De acordo com o World Economic Forum 2018, o Brasil ocupa a 72ª posição do Ranking da Competitividade Global, portanto ainda há muito a ser explorado no setor industrial (Distrito; KPMG, 2018). Segundo o governo do Brasil (2020), apenas 7,5% das empresas usam tecnologias da Indústria 4.0 com excelência e 2% estão no estágio mais avançado de uso, ou seja, a maioria não adota essas tecnologias por desconhecimento do tema ou por questões culturais e também pelo montante relativo ao investimento. Diversas ações e projetos estão sendo feitos com o intuito de fomentar a adoção de tecnologias: concessão de linhas de crédito, aumento da confiabilidade dos empresários, cursos técnicos focados em indústria 4.0, feiras e congressos, entre outros. 3 Saiba mais Acesse os sites abaixo e veja algumas ações para incentivar a Indústria 4.0 no Brasil: Finep Inovacred 4.0. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/apoio-e- financiamento-externa/programas-e-linhas/inovacred4-0>. Acesso em: 18 ago. 2020. Ex-Tarifário. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/index.php/competitividade-industrial/acoes-e- programas-13/o-que-e-o-ex-tarifario>. Acesso em: 18 ago. 2020. Outro projeto que possui o intuito de alavancar o uso das tecnologias da indústria 4.0 é o “C4IR Brasil”. Esse projeto consiste em uma parceria do governo federal, governo do estado de São Paulo e do Fórum Econômico Mundial. A sede será instalada na cidade de São Paulo (previsão para 2020) e atuará nos marcos regulatórios e políticas públicas para acelerar a implementação de tecnologias como a internet das coisas (IoT), cidades inteligentes, inteligência artificial e outros (Brasil, 2020). TEMA 2 – O PAPEL DAS STARTUPS NA INDÚSTRIA 4.0 Conforme descrito anteriormente, as indústrias brasileiras ainda estão muito defasadas no que tange à transformação digital, cujos motivos são os mais diversos: desconhecimento sobre as tecnologias que compõem o conceito de indústria 4.0, incerteza a respeito do retorno de investimento e cultura da empresa, entre outros. Diante desse cenário, muitas indústrias que buscam a digitalização de seus processos, mas têm receio de investir altos valores em novas tecnologias, acabam optando por parcerias com as startups. As startups de tecnologia desempenham um papel importante, pois são propulsoras das tecnologias emergentes. Segundo o Sebrae (2020), o conceito de startup é o seguinte: “um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza”. A Associação Brasileira de Startups define as como sendo empresas que estão em estágio inicial, cujos produtos e serviços ofertados são inovadores, com 4 grande potencial de crescimento (Abstartups, 2017). As principais características de uma startup são: • Produto ou serviço inovador; • A estrutura do modelo de negócio é feita para que haja escalabilidade e que possa ser replicada facilmente; • Por usar tecnologias inovadoras, deve ter flexibilidade para atender a demanda de mercado. Mas, afinal, por que as startups têm sido procuradas por grandes indústrias para ajudar na transformação digital? A principal motivação para que as startups se tornem tão atrativas e desempenhem um papel relevante na transformação digital é a flexibilidade que possuem de se adaptar às necessidades do cliente (indústria contratante). No geral, é feito um projeto piloto (Provas de Conceito – PoC) envolvendo profissionais das duas empresas, para que seja feito o teste e validação da tecnologia, usando um ambiente de teste menor. Abaixo, alguns dados sobre as startups brasileiras (Abstartups, 2020): Figura 1 – Dados sobre startups no Brasil Fonte: Abstartups, 2020. A seguir, são mencionados alguns exemplos de aplicações feitas por startups em indústrias (Liga Ventures, 2020): • Indústria de alimentos: por meio de soluções desenvolvidas por startups, realiza a medição de temperatura no processo de congelamento da carne 5 (sensoriamento remoto), usa realidade virtual no processo de manutenção industrial e também realiza a análise de dados da produção. • Usina de álcool e açúcar: adotou a solução desenvolvida por uma startup que consiste em um operador virtual, que usa inteligência artificial. Inicialmente, a implementação começou por duas usinas e foi ampliada devido ao aumento de eficiência no processo. • Indústria de tijolos e argamassa: como o material é muito abrasivo, há sempre reposição de ferramental. A indústria utiliza uma plataforma de compras, desenvolvida por uma startup, que busca o melhor preço e reduz o tempo de entrega do produto para a equipe de manutenção. • Indústria de filtro de cigarros: a contagem dos filtros produzidos era feita manualmente, gerando lentidão e imprecisão nos dados. A indústria adotou um sistema de visão computacional desenvolvido por uma startup. Atualmente, o sistema consegue contabilizar a produção com uma precisão de 99,9%. TEMA 3 – TRANSFORMAÇÃO DIGITAL – PROPOSIÇÃO Antes de iniciar as ações para a digitalização, deve-se avaliar a maturidade industrial no qual a indústria está inserida. Mas, afinal, o que é maturidade industrial? Segundo Venturelli (2019), a maturidade industrial pode ser descrita como “a técnica que associa uma metodologia, onde é possível quantificar e qualificar o status atual de uma tecnologia, gestão e conhecimentos (pessoas), de forma a mostrar a aderência de uso, permitindo criar diretrizes estratégicas para implantação da digitalização e indústria 4.0”. O primeiro passo para a transformação digital é a compreensão acerca dos benefícios que serão obtidos e principalmente, como agregarão valor à indústria. Lembre-se: o objetivo final de qualquer empresa é a obtenção de lucro, portanto, antes de iniciar qualquer ação é preciso responder: quais serão os impactos financeiros que a digitalização trará para a indústria? A digitalização de processos permite que a indústria se torne mais competitiva no mercado global, pois há aumento da eficiência, aumento da qualidade dos produtos, redução no tempo de produção, bem como em todos os custos. 6 Saiba mais Acesse o site Senai 4.0 e faça a avaliação da maturidade industrial. Disponível em: <https://maturidade.senai40.com.br/#/auth/login>. Acesso em: 18 ago. 2020. Algumas etapas que podem ser propostas para um projeto de proposição de digitalização em uma indústria: Figura 2 – Etapas para a elaboração de proposta de transformação digital 1. Definir equipe e departamentos: essa etapa está relacionada à seleção dos profissionais e departamentos envolvidos no processo de digitalização. No geral, as indústrias estão organizadas conforme a Pirâmide da Automação (Figura 3). Levandoem conta essa estrutura, os setores envolvidos são: Definir equipe e departamentos Treinamento da equipe Relacionar tecnologias existentes Relacionar indicadores de desempenho Avaliar a maturidade industrial Estabelecer metas Elaborar projeto Apresentar projeto para aprovação 7 instrumentação, manutenção, automação, tecnologia da informação, produção, logística e administração. Figura 3 – Pirâmide da Automação (3ª Revolução Industrial) 2. Treinamento da equipe: é imprescindível a realização de treinamentos e/ou workshops com o intuito de equalizar os conhecimentos sobre indústria 4.0 e as tecnologias envolvidas. 3. Relacionar tecnologias existentes: levantar a lista de máquinas, sensores, controladores lógicos programáveis (CLPs), softwares, redes de comunicação e computadores, entre outros, para avaliar se há interconectividade entre equipamentos, quais atualizações serão necessárias, se há necessidade de troca ou reposição. 4. Relacionar indicadores de desempenho: a eficiência é mensurada? As máquinas e equipamentos possuem um desempenho satisfatório? Os indicadores de manutenção estão dentro do planejado? 5. Avaliar a maturidade industrial: nessa etapa, há a compreensão do que é necessário otimizar, atualizar e substituir. A avaliação é feita com base em uma metodologia (a ser definida pela empresa). Em geral, as indústrias optam por uma consultoria externa para a avaliação. 6. Estabelecer metas: com base nas tecnologias e mudanças que serão realizadas, quais as novas metas? Os novos indicadores de desempenho estão alinhados com a estratégia da empresa? 8 7. Elaborar o projeto: além dos itens citados, o projeto deve abordar os custos envolvidos. Qual a estimativa para o retorno do investimento? Haverá a necessidade de contratação de mão de obra especializada? Os fornecedores estão aptos às novas demandas? A digitalização mudará o modelo de negócios? Quais os impactos? TEMA 4 – METODOLOGIA – ACATECH A metodologia abordada foi desenvolvida pela Acatech, instituição alemã sem fins lucrativos que publicou o estudo Industrie 4.0 Maturity Index (Brehm; Filho; Araújo, 2019). Saiba mais O estudo que descreve o modelo da Acatech está disponível para download no site da empresa. Disponível em: <https://www.acatech.de/wp- content/uploads/2018/03/acatech_STUDIE_Maturity_Index_eng_WEB.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2020. De acordo com Schuh et al. (2017), apesar de várias pesquisas e estudos projetarem grande potencial financeiro para economia alemã, muitas indústrias (em especial, pequenas e médias) relutam na adoção das tecnologias por não terem uma visão clara a respeito de suas potencialidades, retorno do investimento e pelos longos prazos de implementação (situação parecida com o Brasil, conforme descrito no início desta aula). O estudo cita que muitas empresas optam pela implementação de projetos piloto que, na maioria das vezes, não conseguem demonstrar claramente todo o potencial da indústria 4.0 por negligenciarem aspectos relativos à organização e cultura da empresa. O grande potencial da transformação digital nas indústrias consiste justamente, nas tomadas de decisões de forma rápida, com base em análise de dados, que envolve todos os setores das indústrias. As indústrias devem ter a capacidade de se ajustar rapidamente a qualquer mudança relacionada a eventos, como alterações no modelo de negócio e modificações pontuais no produto que implicam em modificações no processo de fabricação do mesmo, entre outros. Atualmente, esse tipo de tomada de decisão torna-se moroso pois não há uma integração dos dados (Figura 4). 9 Figura 4 – Adaptação dos processos após a ocorrência de um evento Fonte: Schuh et al., 2017. Ainda segundo Schuh et al. (2017), a transformação digital reduz de forma significativa a tomada de decisões (Figura 5), pois possui agilidade para se adaptar e entregar produtos personalizados ao cliente, com prazos de entrega menores e maior qualidade. Figura 5 – Adaptação dos processos – indústria 4.0 Fonte: Schuh et al. (2017). 10 Com relação à Figura 5: • Região A: devido à integração dos sistemas em tempo real, o evento é rapidamente identificado. • Região B: graças à integração da base de dados existente (Big Data – que envolve desde dados de produção, administração, compras, entre outros), aliada ao uso de inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning), é possível criar cenários e prever resultados com base no evento ocorrido. • Região C: nessa etapa, com base nos cenários analisados anteriormente, os sistemas “tomam as decisões”. Por exemplo, ordens de produção são enviadas buscando a otimização e redução no tempo de fabricação. O sistema pode indicar a melhor rota para a fabricação do produto, com maior rentabilidade. • Região D: a integração entre os sistemas permite o acompanhamento da produção: quando o produto foi finalizado e permite a sua rastreabilidade. É importante ressaltar novamente que a integração total de sistemas e tecnologias implica em uma mudança da cultura organizacional. As pessoas devem estar preparadas para lidar com as tecnologias e os benefícios que elas proporcionam. O estudo da Acatech propõe uma avaliação para compreender em qual estágio de maturidade a empresa se encontra e quais serão as ações necessárias para que ela adote a transformação digital. Por este motivo, a forma como a digitalização ocorrerá será diferente para cada empresa. A Figura 6 mostra as etapas propostas pela metodologia: 11 Figura 6 – Etapas da metodologia proposta pela Acatech Fonte: Schuh et al., 2017. • Entradas: nessa etapa é feita uma avaliação sobre os objetivos estratégicos da empresa, as tecnologias já implementadas e o papel desempenhado por elas no processo. • Análise: nessa etapa são identificados quais os benefícios e objetivos que a empresa espera alcançar nos próximos anos. Com base nessas informações, são avaliadas quais as tecnologias e habilidades que precisam ser adquiridas e/ou implementadas. • Roadmap: é elaborado um roteiro/guia (roadmap) que lista passo a passo quais são as ações que devem ser implementadas para alcançar a digitalização do processo com o menor risco de investimento. TEMA 5 – METODOLOGIA – ACATECH: ETAPAS DA DIGITALIZAÇÃO A metodologia propõe que o processo de digitalização deve ser feito por etapas e que os benefícios devem ser evidentes em qualquer ponto da transformação digital (Figura 7). Cabe ressaltar que cada empresa deve avaliar qual estágio é o ideal para a sua realidade. 12 Figura 7 – Etapas do processo de digitalização Fonte: Schuh et al., 2017. • Estágio 1 – Informatização: é a base para o processo de digitalização. Diferentes sistemas e tecnologias relacionadas à informação são usadas de forma isolada dentro de uma empresa. É muito comum encontrar máquinas que trabalham de forma isolada, sem qualquer tipo de interface digital, controle automático ou conectividade com o restante da empresa. • Estágio 2 – Conectividade: nesse estágio todos os sistemas e equipamentos estão conectados. Schuh et al. (2017) mencionam o uso do IPV6 que permite uma quantidade maior de endereços, formando a base para o uso de dispositivos conectados por IoT. Há a troca de dados oriundos do chão de fábrica com sistemas de supervisão e controle em tempo real (SCADA) e os dados são armazenados em sistemas gerenciadores de banco de dados. • Estágio 3 – Visibilidade: esse estágio trata intrinsicamente a questão dos dados. Embora as empresas consigam armazenar dados de diversas fontes, é preciso ir além de realizar análises isoladas para o planejamento da produção: deve correlacionar os dados, analisar cenários entre setores diferentes, estabelecer indicadores de performance (KPIs – em inglês, Key PerformanceIndicator). Outro ponto importante é a centralização de dados 13 para que estas análises possam ser feitas e que sejam disponibilizadas na fábrica (não podem ficar restritas a um número reduzido de pessoas). • Estágio 4 – Transparência: nesse estágio é possível buscar as causas de problemas que não eram identificados antes das análises de dados. Aqui há o papel fundamental de sistemas que utilizam aprendizado de máquina e inteligência artificial. Além disso, com o volume de dados e a estrutura existente, é possível utilizar sistemas como Digital Twins (gêmeos digitais) para a simulação do processo. • Estágio 5 – Capacidade preditiva: etapa importante na qual a empresa já consegue simular e projetar resultados. Há o uso de sistemas focados em machine learning, como sistemas de manutenção preditiva que otimizam o uso de recursos e aumentam a eficiência do processo. • Estágio 6 – Adaptação: a capacidade preditiva permite que os sistemas tomem decisões de forma automática. Nesta etapa, os sistemas devem se adaptar às mudanças de forma rápida, assegurando sempre a melhor forma de produção, com otimização de recursos. 14 REFERÊNCIAS ABSTARTUPS. Tudo que você precisa saber sobre startups. 2017. Disponível em: <https://abstartups.com.br/o-que-e-uma-startup/>. Acesso em: 18 ago. 2020. BRASIL. Entenda como será o Centro Afiliado para 4a Revolução Industrial no Brasil. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas- impostos-e-gestao-publica/2020/01/entenda-como-sera-o-centro-afiliado-para- 4a-revolucao-industrial-no-brasil>. Acesso em: 18 ago. 2020. BREHM, M. A.; FILHO, F. DO R. B.; ARAÚJO, C. H. C. Por onde começar? Estudo de caso de medição de índice de maturidade. Curitiba: 2019. DISTRITO; KPMG. Indústria 4.0: Mining Report. 2018. LIGA VENTURES. Liga insights - Indústria 4.0. São Paulo: 2020. SCHUH, G. et al. Industrie 4.0 maturity index. Munich, 2017. SEBRAE. O que é uma startup? 2020. Disponível em: <https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-uma- startup,6979b2a178c83410VgnVCM1000003b74010aRCRD>. Acesso em: 18 ago. 2020. VENTURELLI, M. Maturidade para a Indústria 4.0. 2019. Disponível em: <https://www.slideshare.net/MHVenturelli/maturidade-para-indstria-40-epaper>. Acesso em: 18 ago. 2020.