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Questões da Nossa Época
Volume 58
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Antunes, Ricardo
A fábrica da educação [livro eletrônico] : da especialização taylorista à flexibilização
toyotista / Ricardo Antunes, Geraldo Augusto Pinto. -- São Paulo : Cortez, 2018. -- (Coleção
questões da nossa época ; v. 58)
834 kb ; ePUB
1. ed. em e-book baseada na 1. ed. impressa.
Bibliografia.
e-ISBN 978-85-249-2642-6
1. Capitalismo 2. Organização da produção 3. Produção (Teoria econômica) 4. Relações de
trabalho 5. Sociologia educacional 6. Trabalho e classes trabalhadoras - Educação I. Pinto,
Geraldo Augusto. II. Título. III. Série.
 
18-14751 CDD-306.43
Índices para catálogo sistemático:
1. Trabalho e educação : Sociologia 306.43
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
A FÁBRICA DA EDUCAÇÃO: da especialização taylorista à flexibilização toyotista Ricardo Antunes
e Geraldo Augusto Pinto
 
Capa: aeroestúdio
Preparação de originais: Jaci Dantas de Oliveira
Revisão: Maria de Lourdes de Almeida
Composição: Linea Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
 
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem
autorização expressa dos autores e do editor.
© 2017 by Autores
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes
05014-001 – São Paulo – SP
Tel.: +55 11 3864 011 ; 3611 9616
E-mail: cortez@cortezeditora.com.br
www.cortezeditora.com.br
Publicado no Brasil — 2018
mailto:cortez@cortezeditora.com.br
http://www.cortezeditora.com.br
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Sumário
Introdução
Produção e trabalho alienado
O sistema taylorista de gestão do trabalho
Ford e a produção industrial em larga escala
O sistema taylorista-fordista e o novo mundo da fábrica
O toyotismo e sua empresa enxuta e flexível
A educação utilitária fordista e sua pragmática da especialização
A educação flexível e a pragmática da multifuncionalidade liofilizada
Uma educação em outro modo de vida: uma breve nota conclusiva
Referências
Introdução
Este pequeno livro nasceu de uma pergunta simples que pode ser assim
resumida: qual foi a escola (ou, mais abrangentemente, a educação) que
vigorou ao longo de todo o século XX, o chamado “século do automóvel”? E
por que, nas últimas décadas, esse projeto está sendo profundamente
alterado? Quais são os elementos estruturais que impulsionam a mudança do
experimento vivenciado no século anterior? Que interesses, que valores, que
concepções ela representa? Será que essas mutações têm conexões e inter-
relações densas com as mudanças que atingem o mundo do trabalho e da
produção?
Essas indagações levaram-nos a outra: será que a educação, dados os seus
tantos constrangimentos — que remetem em alguma medida à “anatomia da
sociedade civil”—, ainda pode exercer algum papel de relevo na longa e
difícil história de emancipação da humanidade?
Seu roteiro será, então, o que segue: qual foi o trabalho que se
desenvolveu com a industrialização capitalista do século XX? E que escola
fora construída por esse mundo produtivo? Que formação carecia, segundo
alguns de seus principais formuladores?
E o que vem se passando nas décadas desse tormentoso século XXI, nessa
era financeira, digital e flexível que conforma o capitalismo na feição mais
destrutiva de que sua história tem notícia?
Se os filhos das classes médias e da classe burguesa encontravam nas
escolas (e também na educação superior) ancoragem nas engenharias, nas
medicinas, nas profissões liberais, nos ensinos técnicos e profissionalizantes,
qual fora a educação destinada para os filhos da classe trabalhadora?
E, mais, em nossos dias, o que pretendem seus formuladores e gestores,
com suas propostas que mal conseguem disfarçar seus propósitos, em uma
fase em que a desfaçatez de classe é escancarada em seu utilitarismo, na
imposição de sua razão instrumental?
* * *
É preciso dizer que este livro, de feição introdutória, foi escrito por dois
sociólogos-professores que não são estudiosos da pedagogia. Isso, desde
logo, faz aflorar suas tantas limitações. Mas o nosso tempo obriga-nos a
recusar o silêncio e correr certos riscos, exercitando a reflexão crítica e a
denúncia. Assim este texto foi concebido, especialmente para a Coleção
Questões da Nossa Época da Cortez Editora.
1
Produção e trabalho alienado
Por que a produção do mundo tem importância na história humana? O que
é, afinal, o mundo da produção? E como se desenha o mundo do trabalho no
interior do mundo produtivo?
Devemos iniciar dizendo que a produção só pode ser compreendida
mediante uma articulação complexa entre o mundo da objetividade e o
mundo da subjetividade. Marx conseguiu fugir de “duas armadilhas” na
formulação de suas teses: tanto a armadilha de um objetivismo naturalizado,
mecanicizado e determinista, quanto de um subjetivismo isolado e
fragmentado que desconsidera as ricas conexões do mundo complexo das
causalidades e das ações humanas.
No conjunto da obra marxiana, a categoria da totalidade é central. Marx a
retoma de Hegel, reelaborando-a de maneira que os distintos momentos que a
compõem — o econômico, o político, o ideológico, o valorativo —
constituam, simultaneamente, processos determinantes e determinados. Isso
tolhe qualquer possibilidade, quando se toma a obra de Marx em seu
conjunto, de definirmos o seu pensamento como determinista (Antunes,
2009a).
É fácil, em uma obra desse porte, tomarem-se passagens aqui e ali,
fragmentadas e isoladas de seu contexto maior, e atribuir-se ao pensamento
de Marx não só um determinismo, mas, como frequentemente se faz, uma
conotação teleológica. Só uma cabal desconsideração de sua obra pode
permitir imaginar-se no pensamento de Marx um telos, uma finalidade da
história (como há no caso de Hegel, por exemplo).
Portanto, o mundo da produção para Marx não se resume estritamente à
produção, mas ao modo de produção e de reprodução da vida. É
profundamente relacional e é recíproco. As determinantes são determinadas.
Isso não elide um problema fundamental, que é o da determinação em última
instância. Ao afirmar Marx que há determinações “em última instância”, não
está asseverando inexistirem ou não serem efetivas outras determinações na
processualidade histórica. Esse “em última instância” é para mostrar que a
política, a ideologia, o mundo valorativo, o simbólico, não “voam” livres pelo
ar, não têm autonomia completa em relação ao mundo concreto, material.
Marx constatou, desde seus primeiros estudos de juventude, como a
Crítica da filosofia do Direito de Hegel (Marx, 2005), escritos na virada entre
1843-1844, em particular na Introdução dessa obra, que a anatomia da
sociedade civil se encontra na economia política. Marx usa aqui a expressão
dos filósofos iluministas até Hegel: a sociedade civil no sentido da sociedade
burguesa e de classe. A sua determinação, em última instância, está no
mundo material. Mas, atenção: não é no mundo estrito da economia. E não é
também no mundo restrito da política. É no universo da economia política.
Essa é a ciência nova de que Marx foi o maior construtor. Porque a economia
política é a negação da economia isolada como dominante ou da política
também isolada como prevalente. Porque elas são inter-relacionais. São
determinantes e determinadas1. Não é difícil ver, na história, tantos
momentos em que a política se sobrepõe, determinando a economia, e vice-
versa.
Portanto, o conceito de modo de produção em Marx só pode ser pensado
na perspectiva da totalidade. E, com isso, Marx rompe com as leituras que
seccionam o mundo da objetividade e o mundo da subjetividade e suas
dimensões inter-relacionais. A reciprocidade verdadeiramente dialética
desses polos faz que a construção marxiana seja, nesse sentido,
absolutamente fundamental enquanto tentativa de compreender a totalidade
da vida social, na busca do máximo de conhecimento possível, por intermédio
da ciência, acerca do modo de produção do ser social e da vida, num dado
momento da história.
Por isso é tãopoderia ser destrutivo se “mal aplicado” pelos/as
trabalhadores/as na compra de artigos além dos estritamente necessários à
reprodução de sua força de trabalho. Mais do que o conforto, havia (segundo
os próprios idealizadores do sistema, como Ford) o risco dos/as
trabalhadores/as adotarem hábitos de desvio da sua conduta frugal de
reprodutores de si mesmos/as como força de trabalho ao capital, como, por
exemplo, entrar para a vida boêmia e consumir excessivamente bebidas
alcoólicas. E esse era, de fato, um perigo iminente aos industriais como Ford,
precisamente porque o trabalho em série, ao intensificar e aniquilar a
identificação do/a trabalhador/a com seu trabalho, limitando seus sentidos
dentro e fora do ambiente de trabalho e ampliando ao máximo o fosso entre o
agente direto e o resultado da produção; ao desprezar diariamente o saber
acumulado da classe trabalhadora e sua necessidade e mesmo capacidade de
aprendizado, produzia, como um todo, um desgaste acelerado do operariado,
um cansaço físico, mental e moral frente ao qual o álcool era e sempre tem
sido não apenas um lenitivo, mas o que resta de impulsos humanos: um vício.
Nas palavras de Gramsci (1991, p. 398):
[…] o salário elevado é uma arma de dois gumes: é preciso que o trabalhador gaste “racionalmente”
a maior quantidade de dinheiro, para manter, renovar e, possivelmente, aumentar a sua eficácia
muscular nervosa, e não para destruí-la ou diminuí-la. Eis então a luta contra o álcool, o mais
perigoso agente de destruição das forças de trabalho, a se tornar função do Estado. […] Ligado ao
do álcool, está o problema sexual: o abuso e a irregularidade das funções sexuais é, depois do
alcoolismo, o inimigo mais perigoso das energias nervosas, e observa-se comumente que o trabalho
“obsessivo” provoca depravação alcoólica e sexual. As tentativas de Ford de intervir, com um corpo
de inspetores, na vida privada dos seus dependentes e de controlar a maneira de como gastavam os
seus salários e o seu modo de viver, são um indício destas tendências ainda “privadas” ou latentes,
que podem se tornar, num determinado ponto, ideologia estatal, amparando-se no puritanismo
tradicional, apresentando-se como um renascimento da moral dos pioneiros, do verdadeiro
“americanismo”, etc.
De fato, Ford e demais empresários apoiaram-se no senso comum puritano
(que já fizera história no seu país desde os pioneiros da Nova Inglaterra), para
empreender uma legitimação de seus efeitos “benéficos” entre o operariado.
Nada de drogas e álcool; sexo, só para reprodução; horas vagas deveriam ser
dedicadas à devoção religiosa e familiar. Em suma: pregava-se aos/às
trabalhadores/as compromisso total com a própria saúde — para que
pudessem entregar-se, diariamente, em sua plenitude física e mental, como
força de trabalho a ser deglutida pela máquina do capital.
Prova ainda maior do nascimento desse grotesco (e tão impunemente
festejado) consumo de massa pelas mãos do “gênio” de Ford foi o
acatamento, pelo próprio Estado, da proibição e posterior fiscalização de uma
dessas prerrogativas fordistas puritanas — a suspensão da produção,
comercialização e consumo de bebidas alcoólicas, com o surgimento da “Lei
Seca”, que, nos treze anos (1920 a 1933) de sua impostora história acabou
finalmente por enriquecer a máfia. Não satisfeito, no âmbito privado Ford
ainda agirá por meio de um grupo de agentes especializados de sua empresa,
na supervisão e controle da vida íntima dos/as assalariados/as e seus
familiares.
É curioso como Ford defende-se de tudo isso. No seu Hoje e amanhã,
livro de 1926, afirmava:
Sempre nos afastamos do “patriarcalismo”. Não fiscalizamos nossos homens no relativo ao emprego
do que ganham. Cremos que o homem deve apartar reservas suficientes para enfrentar os maus
momentos e assim ajudar-se; nos casos, porém, em que a doença esgota essas reservas, fazemos
empréstimos por intermédio de uma seção especial (Ford, 1995, p. 147-148).
Gramsci, contudo, mesmo encarcerado por Mussolini na Itália,
denunciaria as ações de Ford como sendo a criação não apenas de um
operário-modelo, mas de uma sociedade maquínica, concebida e estruturada a
partir do universo microcósmico da produção industrial seriada. Em suas
palavras:
É claro que eles não se preocupam com a “humanidade” e a “espiritualidade” do trabalhador, que
são imediatamente esmagadas. Esta “humanidade e espiritualidade” só podem existir no mundo da
produção e do trabalho, na “criação” produtiva; elas eram absolutas no artesão, no “demiurgo”,
quando a personalidade do trabalhador refletia-se no objeto criado, quando era ainda bastante forte o
laço entre arte e trabalho. Mas é exatamente contra este “humanismo” que luta o novo
industrialismo. As iniciativas “puritanas” só têm o objetivo de conservar, fora do trabalho, um
determinado equilíbrio psicofísico que impeça o colapso fisiológico do trabalhador, premido pelo
novo método de produção. Este equilíbrio só pode ser externo e mecânico, mas poderá tornar-se
interno se for proposto pelo próprio trabalhador, e não imposto de fora; se for proposto por uma
nova forma de sociedade, com meios apropriados e originais (Gramsci, 1991, p. 398).
Gramsci apontara, portanto, que o fordismo foi um movimento que alçou
o plano da superestrutura, promovendo um novo complexo de valores,
hábitos e normas de conduta, adentrando para isso nos campos da religião e
da política, a fim de se produzir uma nova forma de pensar e agir, uma nova
sociabilidade, chamada por ele de “americanismo” (Dias, 1999). Uma
sociedade cujo núcleo familiar se pauta pela monogamia, cujos membros são
abstêmios e mantêm um consumo frugal, a fim de suportarem, sem colapsar,
o cronômetro da fábrica.
A película Tempos Modernos, de Chaplin, produzida não por acaso em
1936, fora uma das expressões mais geniais, no plano fílmico, da sociedade
que então nascia. O filme A Classe Operária vai ao Paraíso, de Elio Petri,
fotografaria muitos anos depois a conformação desse processo no contexto do
“outono quente” das lutas de classe na Itália dos anos 1969-70. Um processo
cujo esgotamento o próprio Gramsci (1991, p. 405) já acenara em seu ensaio
na década de 1930:
A coerção deve ser sabiamente combinada com a persuasão e o consentimento, e isto pode ser
obtido, nas formas adequadas de uma determinada sociedade, por uma maior retribuição que
permita um determinado nível de vida, capaz de manter e reintegrar as forças desgastadas pelo novo
tipo de trabalho. Mas, logo que os novos métodos de trabalho e de produção se generalizarem e
difundirem, logo que o tipo novo de operário for criado universalmente e o aparelho de produção
material se aperfeiçoar mais ainda, o “turnover” excessivo será automaticamente limitado pelo
desemprego em larga escala, e os altos salários desaparecerão. Na realidade, a indústria americana
que paga altos salários desfruta ainda do monopólio que lhe foi proporcionado pela primazia na
implantação dos novos métodos; aos lucros de monopólio correspondem salários de monopólio.
Mas, o monopólio será, necessariamente, primeiro limitado e, em seguida, destruído pela primazia
na implantação dos novos métodos tanto dentro dos Estados Unidos como fora (ver o fenômeno
japonês do baixo preço das mercadorias) e desse modo desaparecerão os lucros elevados, e também
os altos salários.
De fato, os “altos salários” desapareceram no decorrer das décadas
seguintes. E não obstante o fordismo ser atualmente lembrado como um
momento da história em que a classe trabalhadora logrou relativa
formalização nas condições de assalariamento, tal situação não foi o resultado
de uma dádiva do empresariado e muito menos do seu intento de criar um
mercado de consumo próspero, em crescimento, para bem atender a todas as
necessidades da classe trabalhadora. As mínimas conquistas desse período
foram, em verdade, o resultado das diversas lutas travadas pela classe
trabalhadora, por meio de entes como os sindicatos, na resistência (ainda que
em muitos casos de perfil negocial) frente aos métodos e artifícios
organizacionaise políticos do empresariado.
Dessas lutas e negociações advieram a regularização e universalização dos
contratos formais, a ampliação dos direitos do trabalho, a redução e a
regulamentação da jornada de trabalho e do descanso semanal remunerado.
Ou seja, se o fordismo, sobretudo após 1945, trouxe, no dizer de alguns/mas,
anos de “glória” à sociedade capitalista, tal cenário se deveu (e muito) às
lutas operárias, que permearam o deslanchar do capitalismo de base industrial
desde o século XIX (como o levante de 1848, a Comuna de Paris, entre
outros momentos) e início do século XX (a considerarmos o impacto das
revoluções socialistas, como a da Rússia).
Mas, a partir do final do século XX, especialmente desde a década de
1970, o mundo capitalista sofreria mutações no seu interior, conforme
veremos no capítulo seguinte.
5
O toyotismo e sua empresa enxuta e flexível
Não há espaço aqui para tratarmos de todos os elementos sociais,
econômicos e políticos que levaram à crise do taylorismo-fordismo. De modo
breve, essa crise do padrão de acumulação taylorista-fordista —
manifestação, por sua vez, de uma crise estrutural do sistema de capital,
segundo Mészáros (2002) — desencadeou um amplo processo de
reestruturação produtiva e dominação política, sob a condução do mundo
financeiro, que visava, por um lado, recuperar seu ciclo reprodutivo e, ao
mesmo tempo, repor seu projeto de hegemonia, que fora então confrontado
pelas lutas operárias. Lutas essas que, especialmente em 1968, questionaram
alguns dos pilares da sociedade do capital e de seus mecanismos de controle
social (Antunes, 2015a, 2015b).
O capital deflagrou, então, transformações nos processos produtivos,
lançando alternativas ao sistema taylorista-fordista de gestão. Dentre as várias
possibilidades, das quais podemos destacar os modelos da Califórnia, do
Norte da Itália, da Suécia, da Alemanha, entre tantos outros, foi, entretanto, o
modelo japonês, oriundo da experiência da Toyota Motor Company, que teve
maior impacto e difusão. O toyotismo, como ficou conhecido em sua
expansão global a partir dos anos 1980, configurou um novo padrão de
acumulação que, sem abolir no todo, veio a combinar elementos de
continuidade e de descontinuidade do taylorismo-fordismo (Antunes, 2015a,
2015b; Harvey, 1992).
Em seus traços básicos, o toyotismo estabelece uma produção mais
diretamente vinculada à demanda, diferenciando-se com frequência da
produção em série e de massa do taylorismo-fordismo. É um sistema que se
estrutura no trabalho em equipe, rompendo com o caráter parcelar típico do
fordismo, baseando-se num processo produtivo flexível onde o/a
trabalhador/a opera simultaneamente várias máquinas. O toyotismo tem como
princípio o just in time, metodologia que busca reduzir continuamente todo
“estoque” de tempo e de efetivos. Esta baseia-se num aparato de informação
e reposição de produtos chamado kanban. Conforma-se, por fim, uma
estrutura produtiva mais horizontalizada, aspecto que se estende também a
toda a rede de subcontratação das empresas, ampliando a chamada
terceirização. Todos esses elementos são tratados detalhadamente (inclusive,
em estudos de caso feitos em empresas e setores) em diversas obras3. Neste
livro, atentaremos para alguns pontos, mais voltados à questão da
qualificação e da educação pertinentes a esse sistema.
O sistema toyotista emergiu dos experimentos, na empresa Toyota,
empreendidos entre 1947 e o início dos anos 1970 no Japão, por Kiichiro
Toyoda e Taichii Ohno: o primeiro, presidente-fundador; o segundo,
engenheiro industrial da empresa. É lícito frisar, porém, que esses
experimentos germinaram em meio às particulares relações de trabalho
japonesas da época.
Um elemento típico era o deslocamento ou a promoção dos/as
trabalhadores/as entre plantas e cargos da mesma empresa, o chamado Nen-
Ko. Uma vez que tais mudanças atendiam a necessidades apontadas pelas
gerências, havendo recusa dos/as trabalhadores/as, se lhes caracterizava tal
atitude como falta de comprometimento, rebaixando suas avaliações de
mérito. Como as promoções e os salários dependiam dessas avaliações,
evidencia-se aqui um eficaz meio de controle (Shiroma, 1993).
Outro elemento eram os “benefícios” que cada empresa oferecia, como
refeições, serviços pessoais, lojas, escolas, clubes e até dormitórios ou casas.
Considere-se ainda que apenas cerca de 30% dos/as trabalhadores/as
qualificados/as concentrava-se nas maiores empresas e faziam o possível para
evitarem demissões, pois havia também um bônus atrelado ao desempenho
das firmas que compunha parte expressiva dos salários anuais. Isso também
impulsionava os/as trabalhadores/as a cooperar com as gerências e evitar
acordos coletivos por categoria ou setor da economia, preferindo acordos por
firmas (Id. Ibid.).
Essas ações do empresariado contrapunham-se ao movimento sindical
japonês. O sindicalismo metalúrgico, por exemplo, era combativo e lutava
contra esse cenário de fragmentação das negociações do pós-1945. As
mobilizações espalhavam-se pelo Japão e, chegando à Toyota, enfrentaram
dura resistência. O saldo dos embates tornou a seção local dos metalúrgicos
um sindicato vinculado à própria Toyota e a seus compromissos: “Proteger
nossa empresa para defender a vida” tornou-se o lema desse sindicato, que,
além de reduzir drasticamente as greves a partir de 1954, constituiu uma
alavanca para a formação de quadros gerenciais (Coriat, 1994, p. 34).
No que tange à produção e consumo, de modo geral o toyotismo foi uma
resposta ao crescimento lento do Japão em sua recuperação no pós-1945 e
nos esforços bélicos a que foi chamado a seguir, junto dos Estados Unidos, na
Guerra da Coreia. Urgia, naquele contexto, elevar-se a produtividade das
empresas, sem contar com um mercado aberto e cativo, como fora o caso de
Ford. Para Ohno, a questão era obter “flexibilidade” para se produzir
pequenas quantidades de muitos tipos de produtos num contexto de
demandas oscilantes.
Os métodos e instrumentos tayloristas-fordistas mostravam-se
incompatíveis com tais necessidades, pois geravam estoques. Ohno, contudo,
abordou os estoques (sejam trabalhadores/as, equipamentos ou material em
excesso) são oportunidades de obtenção de produtividade. Assim, em vez de
renegá-la, Ohno (1997) foi “além da produção em larga escala” e a
radicalizou, admitindo que o aumento das quantidades produzidas não
somente pode como deve estar conjugado à redução relativa das instalações,
dos equipamentos e dos efetivos de trabalho.
É compreensível, portanto, o fato de ter Ohno estabelecido o que se
convencionou denominar de “gestão pelos olhos” (Coriat, 1994, p. 34). Toda
organização deve, segundo ele, ser concebida de maneira que fiquem
facilmente visíveis todos os seus pontos, sobretudo, as formações de estoques
neles. Ali estão, sem dúvida, os “poros” de tempo improdutivo das jornadas
de trabalho (a “cera” nas operações, no linguajar de Taylor, ou os
deslocamentos inúteis pela fábrica, com os quais Ford se debateu). Ohno vai
além: os estoques são tudo o que é desnecessário à fabricação dos produtos
efetivamente vendidos.
Adotou-se, então, um sistema de informações e de organização dos postos
e das tarefas de trabalho, pelo qual os pedidos feitos no setor de vendas é que
dispararam os processos produtivos e não o contrário. Para materializar esse
princípio de inversão (sem supressão) da fabricação em larga escala, que se
tornou conhecido como produção “puxada” em contraposição à “empurrada”,
Ohno desenvolveu uma série de artefatos e métodos.
Ainda em 1950, aplicou-se um aparato ao chão de fábrica denominado
Andon. Tratava-se de uma série de painéis luminosos instalados acima de
cada posto, pelos quais podiam-se evidenciar os padrões de operação e, com
um breve olhar, informar-se sobre problemas que ali estivessem ocorrendo.
Além desses painéis, cartazes luminosos foram colocados acima de cada
seção, informando sobre o andamento de conjuntos de postos de trabalho: a
luz verde servia para indicar que tudo corria bem; a alaranjada, informavasobre a necessidade de auxílio de outros/as operários/as; a luz vermelha, que
advieram problemas naquele setor e se deveria parar todos os processos
(Coriat, 1994; Gounet, 1999).
Para utilizar eficazmente o Andon, Ohno desenvolveu outras medidas para
tornar a produção também mais ágil e flexível. Uma delas, entre 1947-1950,
foi a introdução de mecanismos de parada automática por autodetecção de
erros nas próprias máquinas, a chamada “autonomação”, cuja criação original
foi de Kiichiro Toyoda na fabricação de equipamentos ao setor têxtil — outra
das atividades da empresa. Adaptada às máquinas da planta automotiva, a
autonomação abriu caminho a duas outras medidas.
Primeiramente, permitiu delegar a um número menor de trabalhadores/as
a operação de várias máquinas simultaneamente, pois a remoção da tarefa de
detecção de erros liberou tempo na jornada para as tarefas de alimentação das
máquinas, trocas de ferramentas (set up) e manutenção preventiva. Num
segundo momento, de dispositivo mecânico, a autonomação foi convertida
num princípio de execução do trabalho humano, exigindo-se aos/às
trabalhadores/as o acionamento do Andon em caso de problemas,
paralisando-se todos os processos. Tal princípio passou a ser chamado de
“autoativação” da produção.
A autonomação e a autoativação conjugadas, além de permitir a gestão
pelos olhos, ensejaram um novo arranjo da divisão do trabalho internamente
à fábrica, inaugurando uma nova experiência de consumo do trabalho vivo
pelo capital. Passou-se a atribuir a cada trabalhador/a, de forma gradativa,
não somente um número e diversidade maior de máquinas, mas também
novas tarefas e responsabilidades. Junto da operação, se lhes atribuíram
funções de diagnóstico, reparo e manutenção dos equipamentos, assim como
a programação, ao mesmo tempo em que métodos de aceleração das trocas de
ferramentas eram continuamente implantados. Num último estágio, foram
atribuídas a praticamente todos os postos de trabalho tarefas de controle de
qualidade antes concernentes a um departamento específico na empresa.
Emergiu desses procedimentos o conceito de “polivalência”, tão caro ao
sistema toyotista e que, numa primeira observação, levaria a crer que Ohno
rompeu com o sistema taylorista-fordista ao promover uma
“desespecialização” que enriqueceria as atividades, ou mesmo delegaria à
classe trabalhadora novamente um papel histórico de elaborar e acumular os
saberes-fazeres da produção.
Não se deve esquecer, entretanto, que, da mesma forma como Ford dispôs
da prévia simplificação e prescrição do trabalho sistematizadas por Taylor,
Ohno igualmente partiu do estado da arte da organização industrial do pós-
1945, na qual os tempos e movimentos do trabalho já haviam sido
suficientemente racionalizados pela gerência a fim de impedir uma
reassunção do conhecimento e controle do trabalho pelo operariado. Destarte,
a desespecialização trazida pelo toyotismo foi uma diversificação de
atividades já previamente racionalizadas, com o intuito de novamente atacar
o controle que os/as trabalhadores/as mais qualificados/as ainda detinham.
Nas palavras de Coriat (1994, p. 53-54):
Trata-se aqui, também — como na via taylorista norte-americana —, de atacar o saber complexo do
exercício dos operários qualificados, a fim de atingir o objetivo de diminuir os seus poderes sobre a
produção, e de aumentar a intensidade do trabalho. E os operários qualificados viveram
efetivamente este movimento de desespecialização como sendo um ataque ao seu exercício
profissional e ao poder de negociação que este mesmo exercício autorizava. […] Há aí um outro
caminho tomado pelo mesmo e único processo geral de racionalização do trabalho que se estendeu
pelo mundo […]. Em lugar de proceder por parcelização e microtempo impostos como se fez na via
norte-americana, a racionalização procede, neste caso, através da desespecialização e do tempo
partilhado.
Partindo das possibilidades abertas pela autonomação, pela autoativação e
pela polivalência , ainda nos anos 1950 Ohno reorganizou o espaço fabril,
introduzindo “células” de produção nas quais grupos de trabalhadores/as
polivalentes passaram a se responsabilizar por ciclos completos (ainda que
intermediários) da fabricação dos produtos. Em vez de uma disposição linear
de postos e equipamentos similares, a Toyota organizou um conjunto de
células nas quais três a quatro máquinas diferentes foram postas lado a lado
num formato de ferradura, sendo operadas no centro por um/a ou dois/duas
trabalhadores/as.
O resultado dessa reorganização, na sua totalidade, foi permitir uma
realocação entre máquinas e operários/as, estabelecendo-se novas e
constantes racionalizações não somente “dentro” das tarefas, mas “entre”
estações de trabalho, visando-se, ao fim e ao cabo, uma contínua redução
tanto dos estoques em cada posto e em cada máquina, como dos poros de
tempo no decorrer do transporte e encadeamento dos produtos ao longo da
produção. Retomando aqui uma análise nossa, em obra anterior, pode-se
dizer que:
[…] ao contrário do sistema taylorista/fordista, no qual a somatória do tempo das mínimas
operações de cada um dos trabalhadores era previamente fixada e determinava a capacidade
produtiva do sistema como um todo, no sistema toyotista, o que importa é o tempo de “ciclo das
atividades” realizadas em cada célula e, consequentemente, em cada posto de trabalho, sendo ambos
variáveis, ou restabelecidos permanentemente de acordo com a variação da demanda geral, isto é, do
fluxo da cadeia produtiva. Essa é a diferença quando se fala em produção “empurrada” ou “puxada”.
Muito menos abrangente do que a conhecida afirmação de que o sistema toyotista submeteu a
produção às determinações do mercado consumidor, a diferença marcante entre o sistema
taylorista/fordista e o toyotista, nessa questão, reside muito mais no fato de que o balanceamento do
tempo do ciclo das atividades de trabalho, nos postos internos nas empresas, passou a ser realizado
com base no fluxo da demanda nas cadeias produtivas como um todo (Pinto, 2013, p. 70).
A combinação entre autonomação, autoativação, polivalência, Andon e
celularização permitiu, já no início dos anos 1960, a adaptação das técnicas
de reposição de prateleiras que Ohno vira nos supermercados estadunidenses.
Nasceu então o kan ban, um aparato de informação e alimentação de
produtos intermediários. Por meio de caixas — posteriormente “cartazes”,
tradução de kan ban — os pedidos partiam do setor de venda e ativavam,
uma a uma, todas as divisões da planta, percorrendo em sentido contrário o
fluxo produtivo. Segundo Coriat (1994, p. 56-57):
O princípio aplicado por Ohno foi o seguinte: o trabalhador do posto de trabalho posterior (aqui
tomado como “cliente”) se abastece, sempre que necessário, de peças (“os produtos comprados”) no
posto de trabalho anterior (a seção). Assim sendo, o lançamento da fabricação no posto anterior só
se faz para realimentar a loja (a seção) em peças (produtos) vendidas. […] A chave do método
consiste em estabelecer paralelamente ao desenrolar dos fluxos reais da produção (que vão dos
postos anteriores aos postos posteriores), um fluxo de informação invertido que vai de jusante à
montante da cadeia produtiva, e onde cada posto posterior emite uma instrução destinada ao posto
que lhe é imediatamente anterior […] de tal maneira que em dado momento, só há, em produção, no
departamento considerado, a quantidade de peças exatamente necessária […]. A inovação, como se
vê, é puramente organizacional e conceitual, nada de “tecnológico” aqui intervém.
Após consolidar a prática internamente, nos anos 1970 a Toyota Motor
Company buscou implantar o kan ban nas suas relações com empresas
fornecedoras, com o que se aperfeiçoou esse mecanismo, cujo maior
resultado é permitir um balanceamento entre a capacidade produtiva da
empresa e as demandas do mercado consumidor, mesmo num contexto de
baixo e oscilante crescimento. O kan ban agregou-se aos demais elementos e
alicerçou o just in time, que, embora seja popularmente conhecido comoo
princípio do “estoque zero”, na verdade não deixa de ser apenas mais um
engenho — ou, se quisermos, uma metodologia — num sistema maior, cujo
grande princípio é a gestão pelos olhos e cujo objetivo central é não somente
elevar a produtividade, mas obter flexibilidade.
No contexto de crise do capitalismo que se instalou desde meados da
década de 1970, a aplicação do sistema toyotista mostrou-se conveniente às
empresas e a súbita entrada no mercado estadunidense dos veículos da
Toyota Motor Company nos anos 1980 chamou a atenção para essas técnicas.
Nas décadas seguintes, os princípios e elementos do toyotismo, em maior ou
menor medida, já estavam difundidos e adaptados em quase todos os setores
econômicos dos principais países capitalistas, mesmo que aparecessem, como
até hoje, “hibridizados” com elementos do taylorismo-fordismo.
Um resultado geral do sistema toyotista é a redução do número de
trabalhadores/as nas organizações onde é aplicado. Não por acaso,
designamos em outros trabalhos esse processo como uma “liofilização”4. É
evidente que o mundo da “empresa flexível”, da acumulação liofilizada, não
alterou a forma de ser do capital, mas alterou, em muitos pontos, os
mecanismos do padrão de acumulação do capital. E isso tem consequências,
também, na própria subjetividade do/a trabalhador/a e nas distintas
manifestações do fenômeno da alienação.
Quem conhece uma fábrica da era taylorista-fordista e vê uma fábrica hoje
percebe que a diferença é visível no seu desenho espacial, de trabalho, de
organização técnica e de controle do trabalho. Não há mais as divisórias. Não
há o restaurante do “peão” e o da gerência. É uma fábrica que seduz com o
“encantamento” de um espaço de trabalho mais “participativo”, “envolvente”
e menos despótico, ainda que apenas na aparência, como analisou Lima
(2004). Em verdade, o toyotismo converte o/a trabalhador/a em déspota de si
mesmo (Antunes, 2015a).
O toyotismo só pode existir — e as formas distintas de empresa flexível —
com base no envolvimento, na expropriação do intelecto do trabalho. Por isso
passou a ser comum exigir-se dos/as trabalhadores/as não apenas a execução
de variadas tarefas (operação e manutenção dos equipamentos, limpeza e
organização do local de trabalho, controle de qualidade etc.), como ainda a
responsabilidade de se reunir continuamente com a gerência, sugerindo
melhorias nos processos de maneira a cortar estoques e elevar a
produtividade.
Essa sistemática de reuniões constantes entre assalariados/as e gerência é
chamada kaizen, nas quais, segundo Shiroma (1993), é dada aos/às
trabalhadores/as uma aparente oportunidade de “contestar” os métodos de
trabalho, mas com o objetivo de minimizar os conflitos e se aproveitar ao
máximo as divergências como potencialidades para o aumento da
produtividade do trabalho em todos os setores. As sugestões colhidas entre
os/as trabalhadores/as são compiladas pelas gerências e acabam resultando
em ampliação do número de tarefas e intensificação do trabalho, não obstante
serem festejadas pelas empresas como atitudes proativas dos/as
trabalhadores/as (Pinto, 2011).
É nesse novo universo produtivo que se (re)configura o fenômeno da
alienação. Uma alienação que é mais interiorizada, ainda mais
complexificada. O trabalhador e a trabalhadora têm que se envolver com os
objetivos do capital. Ele e ela não são mais “trabalhador ou trabalhadora”,
mas definidos como “colaborador e colaboradora”, “consultor e consultora”.
A alienação é aparentemente menor, mas intensamente mais interiorizada.
Porque é assim que o toyotismo pode envolver. E para que haja o
envolvimento, há que se fazer algumas concessões, senão não há base para o
“envolvimento” (Antunes, 2015a, 2015b).
Estamos longe da apologética do capital que afirma ter o mundo produtivo
eliminado a alienação do trabalho. Essa tese não se sustenta. Nós temos,
portanto, que compreender essas formas mais interiorizadas e mais
complexificadas da alienação e do estranhamento. O que nos leva,
finalmente, a desenvolver a seguinte questão: qual é o projeto de educação
que o capital, com tais sistemas de organização, desenvolveu ao longo desse
período que compreendeu o século XX? E qual projeto vem se desenhando
neste início do século XXI?
1. Nos dizeres de Harvey (1992, p. 121): “o que havia de especial em Ford (e que, em última
análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que
produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de
trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova
psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista”.
2. Publicado como Quaderno 22 (V) entre os seus vinte e nove geniais Quaderni del carcere, obra
escrita por Gramsci entre 1929 e 1937, período em que foi mantido preso pelo governo fascista de
Mussolini. Utilizaremos como referência principal o texto publicado pela edição brasileira (Gramsci,
1991).
3. Para análises críticas sobre o toyotismo, ver Coriat (1993, 1994), Druck (1999), Gounet (1999),
Ichiyo (1995), Pinto (2011, 2013), Sayer (1986), Shimizu (1994) e Kamata (1982). Uma leitura técnica
desse sistema pode ser vista em Ohno (1997) e Monden (1984). Quanto a pesquisas feitas em setores e
empresas no Brasil, indicamos as coletâneas organizadas por Antunes (2006, 2013, 2014).
4. Como a liofilização não é um termo das Ciências Sociais, cabe aqui uma explicação rápida: na
Química, liofilizar significa, em um processo de temperatura baixa, secar as substâncias vivas. O leite
em pó é um leite liofilizado. Referimo-nos, portanto, aqui, à secagem da substância viva que, na
empresa, é o trabalho vivo, que produz coisas úteis, riqueza material e valor, e que contraditoriamente
se reduz no capitalismo.
6
A educação utilitária fordista e sua pragmática da
especialização
Qual foi a educação exigida pelos gestores e formuladores do capital ao
longo do século XX, da era da sociedade do automóvel? Para responder a
essa pergunta, deve-se antes indagar qual foi o tipo de qualificação da força
de trabalho que as empresas elegeram como pertinentes sob a predominância
desse sistema de organização do trabalho.
Como vimos, o taylorismo-fordismo teve como meta principal a
usurpação pela gerência capitalista dos saberes-fazeres historicamente
elaborados e preservados pela classe trabalhadora, com o intuito de
reformulá-los e impô-los como normas pétreas aos/às trabalhadores/as, dentro
da unilateralidade e da unidimensionalidade típicas do trabalho abstrato e
alienado. Esse fora o sentido do one best way de Taylor e ele o exprimiu da
maneira mais rude não apenas quando afirmou em seus escritos que existem
seres humanos de tipo “bovino”, mas quando apregoou que a gerência de
uma empresa ou instituição jamais deveria contar com a “iniciativa” de um/a
trabalhador/a. Um desprezo total e declarado pela subjetividade da classe-
que-vive-do-trabalho.
Vimos também que o taylorismo-fordismo buscou reduzir toda atividade
de trabalho a “tarefas” rotinizadoras e, com isso, logrou rebaixar o valor da
força de trabalho em geral — muito embora Taylor e mesmo Ford jamais
abrissem mão de um quadro qualificado de gerentes assalariados/as (entre
outros cargos mais “estranhos”, no caso de Ford, como os/as agentes de
investigação da vida pessoal dos/as assalariados/as da empresa). As
finalidades, nesses casos, não eram apenas atacar os saberes-fazeres da classe
trabalhadora e suas formas historicamente constituídas de reprodução social,
mas atacar o seu poder de barganha frente ao empresariado, permitindo a esse
rotacionar os quadros de trabalhadores/as quando necessário.
Tratou-se, portanto, no taylorismo-fordismo, de uma qualificação com
base em uma especialização limitadora e profundamente empobrecedora,
tanto do conhecimento teórico, quanto das atividades práticas de trabalho.
Uma qualificação marcada pela divisão entre teoria e prática, sendo ambas
racionalizadas internamente e reduzidasa “tarefas” em suas execuções. Uma
qualificação de tipo parcelar, fragmentada e que só poderia ser construída
tendo por base ciências também especializadas.
Por isso, o taylorismo-fordismo colocou como horizonte um projeto de
educação baseado em escolas técnicas ditas “profissionalizantes”, cujo mote
era formar os/as estudantes para o trabalho assalariado, ou melhor, formar a
sua força de trabalho para o mercado. Toda mercadoria deve ter um valor de
uso, portanto, os saberes-fazeres a serem formados estão, evidentemente,
determinados já nos currículos a serem cumpridos nessas instituições. As
grades curriculares e sua distribuição em cargas de horas/aula em si já
explicitam a estrutura de comércio na qual será consumido esse
conhecimento pelas empresas como capital variável, como trabalho concreto
urdido em trabalho abstrato.
Dentro dessa finalidade, o taylorismo-fordismo colocou como horizonte à
educação uma pragmática da especialização fragmentada. Uma educação
moldada por uma pragmática técnica que direciona a qualificação do trabalho
nos limites da coisificação e da fragmentação impostas pelo processo de
trabalho capitalista (Antunes, 2009a). A “escola ideal” para essa qualificação
é a que promove o desmembramento entre conceito, teoria e reflexão (o
trabalho intelectual), de um lado, e prática, aplicação e experimentação (o
trabalho manual), de outro. Uma escola que, além disso, enaltece muito mais
a prática, a aplicação e a experimentação em detrimento do conceito, da teoria
e da reflexão. Razão instrumental, de um lado; trabalho parcelar, fragmentado
e coisificado, de outro1.
Uma formação educacional omnilateral no sentido marxiano só poderia se
chocar frontalmente com a realidade do sistema taylorista-fordista. Afinal,
nesse sistema, é o assalariamento e o consumo da força de trabalho no espaço
subordinado e heterônomo da fábrica que, segundo Ford, deveriam conformar
a verdadeira “escola”. O papel social da educação básica em instituições de
ensino deve, portanto, e quando muito, proporcionar uma ginástica mental
que prepare o cérebro como “músculo”, um órgão mecânico, para
posteriormente suportar as intervenções do one best way e da rotinização da
linha de série. O “aprender a pensar” em Ford, nesse caso, só tem um sentido:
promover a obediência.
O projeto societário taylorista-fordista só pode ser erigido à base de uma
divisão social entre uns/umas poucos/as que, nas palavras do próprio Ford
(1995, p. 141-142), estão na “casa de força mental” e outros/as tantos/as que
“operam na fábrica junto às máquinas”. No escrito Hoje e amanhã, de 1926,
Ford (1995, p. 151-152), num tópico intitulado “Educação utilitária”, já havia
tratado sobre o papel da educação no auxílio de jovens em situação social de
vulnerabilidade:
Por esse motivo jamais pensamos em fundar uma universidade, ou alguma outra coisa que se aparte
do que conhecemos a fundo. Dedicamo-nos, em vez, a instruir rapazes e homens feitos na prática e
nas ideias da nossa própria empresa, crentes de que por esta forma prestamos um serviço maior.
Parece-nos problema muito sério saber o que fazer desses esplêndidos meninos, já responsáveis, que
são os de 16 a 20 anos. Nosso primeiro esforço foi no sentido de ajudar aos rapazes que não tinham
possibilidade de ajudarem-se. Na “Minha Vida” tratei do assunto com mais amplitude. Criamos a
Escola Industrial Henry Ford em outubro de 1916 e admitimos órfãos, filhos de viúvas e quantos
não tiveram ensejo de adquirir uma profissão. Planejamos uma escola que não somente se bastasse a
si mesma, como ainda proporcionasse aos alunos meios de ganhar, dentro dela, o mesmo ou mais do
que em qualquer emprego fora.
Fundar uma instituição de ensino de adultos/as que envolvesse pesquisa
ou “alguma outra coisa que se aparte do que conhecemos a fundo” (o trabalho
seriado da produção de massa) estava fora dos objetivos de Ford, como ele
mesmo assume. Não estava fora de questão fundar, de outro modo, uma
“Escola Industrial” para adolescentes e jovens. E essa foi outra das criações
de Ford: construída em 1916, levando como sempre o seu nome e sobrenome,
a escola fordista selecionava jovens em situação de risco social e lhes
oferecia bolsas de estudos enquanto nela permanecessem (Cova, 2013).
O processo de ensino e aprendizagem era estruturado em oficinas e salas
de aula e a própria Ford Motor Company utilizava parte do que era ali
produzido como meio de incentivar um “senso de responsabilidade” nos/as
estudantes. Esses/as, ao terminarem os estudos com 18 anos, poderiam
oferecer sua força de trabalho forjada pelo sistema taylorista-fordista no
mercado de trabalho, ou então seguirem um curso de três anos sobre
manutenção e construção de máquinas, ofertado a pessoas de 18 a 30 anos.
Havia ainda uma “escola de serviços”, destinada a ofertar cursos para
trabalhadores/as de outros países, com o objetivo de difundir os ideais do
fordismo mundo afora (Cova, 2013).
A educação taylorista-fordista é, pois, uma educação puramente formal,
parcelar e hierarquizada e perpetuadora da nefasta divisão social entre
trabalho intelectual e trabalho manual. Quem a elabora? A gerência
capitalista, que se autodenomina “científica”. Toda a concepção é da
administração das empresas, onde estão os/as que “pensam” e “elaboram”. A
execução é responsabilidade dos/as trabalhadores/as. Separa-se, como se
nisso houvesse alguma “ciência”, um grupo de pessoas como homo sapiens e
outro como homo faber. Essa é a concepção da gerência “científica”
tayloriana. Com Ford e, posteriormente, com Fayol, com Elton Mayo e
demais nomes das escolas da administração, em maior ou menor escala essa
mesma disjuntiva foi mantida.
Cabe atentar, também, para os métodos de treinamento da força de
trabalho que visavam atender às demandas do sistema taylorista-fordista e
que difundiram, ou mesmo expandiram, as ideias de Ford. Nesse sentido,
cabe-nos lembrar das técnicas de treinamento de Charles Allen nos Estados
Unidos. Allen havia desenvolvido para a indústria naval estadunidense, no
contexto da Primeira Grande Guerra (1914-1918), um conjunto de “quatro
passos” de treinamento da força de trabalho em empresas.
O primeiro passo consistia na “preparação”, que era o esforço do/a
instrutor/a em ensinar as técnicas de produção aos/às trabalhadores/as
partindo sempre que possível de analogias e de saberes prévios desses/as,
com o fito de lhes prescrever uma (e apenas uma) forma considerada
“correta” de trabalhar. O segundo passo consistia na “apresentação”: uma
exposição por parte do instrutor do conteúdo das tarefas a serem realizadas
pelos/as trabalhadores/as da forma mais clara e acessível, com destaques,
repetições e uma gama de métodos que tornassem fácil a assimilação prática
das tarefas frente a uma diversidade de conhecimentos e formações por parte
dos/as trabalhadores/as (Mueller, 2010).
O terceiro passo consistia na “aplicação”, que, como o próprio nome diz,
ocorria pela objetivação, na prática, das tarefas após terem sido previamente
detalhadas nos passos anteriores. Nesse momento, considerava-se de grande
importância o surgimento de equívocos por parte dos/as trabalhadores/as,
uma vez que poderiam ser aproveitados pelos/as instrutores/as a fim de
esclarecer ainda mais as tarefas prescritas. Por fim, tem-se o quarto passo, o
“teste”, que, também como ressalta sua denominação, consistia no
desempenho das tarefas prescritas pelos/as próprios/as trabalhadores/as nos
postos já sem um auxílio direto dos/as instrutores/as: havendo erros nesse
ponto do processo, toda a responsabilidade recairia sobre esses (Mueller,
2010).
Isso poderia aparentemente denotar um princípio protetivo aos/às
trabalhadores/as e uma responsabilidade a mais às gerências. Mas, o fato é
que essa metodologia de treinamento visava fortalecer e beneficiar as
empresas para contratarem, ao maior número possível de atividades e com
graus elevados de eficiência, uma força de trabalho com pouquíssima
qualificação. E isso ficou ainda mais evidente em 1940, quando, novamente
em pleno esforçode guerra, surgiu nos Estados Unidos o programa Training
within industry (“treinamento dentro da indústria”, doravante TWI), que
resgatou os “quatro passos de Allen” dentro de uma nova roupagem: os
chamados “Programas J” (respectivamente a job instruction, job methods, e
job relations) (Mueller, 2010)2.
O TWI ganhou corpo nos Estados Unidos e foi considerado um dos
projetos que mais colaboraram para o esforço de guerra. Findo o conflito em
1945, tornou-se o TWI um genuíno produto da cultura organizacional
estadunidense recomendado mundo afora pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), tanto aos países em reconstrução, como o Japão, como aos
de economia dependente, a exemplo da América Latina, sendo incluído nos
pacotes de auxílio dos Estados Unidos a essas nações (Mueller, 2010).
No Brasil, o TWI foi inserido inicialmente por plantas subsidiárias de
empresas estadunidenses, tendo depois se consolidado com a experiência da
Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial (CBAEI) em 1946. Tal
comissão instalou escritórios em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São
Paulo, firmando convênios com órgãos públicos desses estados e respectivas
federações de indústrias, permitindo uma difusão do TWI não somente às
fábricas e empresas em geral, mas às próprias instituições públicas, como as
escolas. Por fim, mesmo com o encerramento das atividades da CBAEI, as
escolas do Serviço Nacional da Indústria (SENAI) deram continuidade ao
programa em seus currículos (Mueller, 2010).
As instituições de ensino, portanto, é que deram continuidade, na estrutura
de seus conteúdos curriculares e com seus métodos e ferramentas de ensino e
de aprendizagem, à formação de uma subjetividade calcada nos princípios da
economia de mercado e da hierarquia do trabalho. Vale recordar aqui a
excelente crítica de Maurício Tragtenberg (1982, p. 61):
[Com a manufatura] há um deslocamento do conhecimento do trabalhador individual ao coletivo e
deste ao capital, que culmina com a indústria moderna, onde a ciência aparece como força
independente do trabalho e a serviço do capital. A qualificação para o trabalho passa a ser
controlada por este. Na medida em que o capital detém o conhecimento, ele funda uma distribuição
diferencial de saber que legitima a existente na esfera do poder. Constituindo-se em qualificações
genéricas, a força de trabalho pode ser formada fora do processo produtivo: na escola.
Deve-se ressaltar que a crítica que o autor faz em diversos dos seus textos
sobre as instituições de ensino (em seus variados níveis, da educação básica à
pós-graduação) perpassam desde o papel dessas instituições na reprodução de
seres que ocuparão posições típicas na estratificação social capitalista, até à
subordinação passiva dos indivíduos à sociabilidade imposta pelo capital.
No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores,
desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da estrutura de poder e, em geral, da
desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos
professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que
definimos como socialização à subordinação, isto é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis
com o seu futuro papel de subordinado (Tragtenberg, 1982, p. 53).
As “cargas horárias”, as “avaliações”, o conteúdo programático das
“disciplinas”, moldam no “alunado” (seres sem luz própria) uma
subjetividade pré-formada e pré-disposta à divisão social do trabalho nas
empresas e órgãos públicos, entre grupos distintos de “planejadores/as” e
“executantes”. Os diplomas e titulações obtidos, por sua vez, conferem
reconhecimento social a esse processo e legitimam, ética e politicamente,
essa desigualdade como obra do mérito individual ou mesmo da técnica.
Da mesma maneira que o mercado de trabalho é regulado pela competição, no interior da escola ela
é cultuada nos sistemas de promoção seletivos. O aluno é obrigado a estar na escola e é livre para
decidir se quer trabalhar ou não, ter êxito ou não, como o indivíduo é livre ante o mercado de
trabalho. […] O aparelho escolar contribui para a reprodução da qualidade da força de trabalho na
medida em que transmite saber e regras de conduta (ler, escrever e contar) e tem um destino
produtivo (Tragtenberg, 1982, p. 41-42).
Esse processo, segundo Tragtenberg, perpassa e vai além do âmbito dos
conteúdos ensinados e da relação entre corpo docente e discente: atinge a
relação dos/as docentes com as instituições públicas ou privadas nas quais
estão empregados/as assalariadamente. E, por fim, atinge a sua relação junto
ao Estado e com a sociedade em geral, enquanto profissionais da educação e
da pesquisa.
O fato é que as instituições de ensino e de pesquisa constituem, tanto
quanto as empresas privadas e públicas produtoras de bens e de serviços,
organizações “burocráticas”. A burocracia é o formato ideal dessas
organizações porque, ao supostamente despersonalizar a gestão, o comando e
os fins dessas entidades mediante o estabelecimento de formas de ingresso
via certames públicos e normas técnicas de condução das decisões, ela
remove da esfera da política o poder de ordenamento social entregando-o a
técnicos. Esses, contudo, tal qual operários/as das fábricas, são despossuídos
os meios de realização do seu trabalho e cumprem tarefas designadas pelo
grupo instalado nas instâncias superiores do Estado, representando os
interesses do grande capital.
Uma vez mais, nas palavras de Tragtenberg (1980, p. 56):
É de se acentuar que o taylorismo intelectual, a divisão do conhecimento em compartimentos
estanques definidos pelos nomes das disciplinas contidas nos Programas de Curso, transforma o
professor, o trabalhador do ensino, num tipo social tão premido pela divisão social do trabalho
intelectual quanto o trabalhador do vidro ou metalúrgico, premido pela divisão material do trabalho.
A situação do pesquisador, universitário ou não, não é basicamente diferente. A pesquisa numa
sociedade de classes tende a servir à reprodução da dominante. Os resultados obtidos pelos
cientistas não são mais do que a transformação, em fatos, de recursos procedentes da classe
trabalhadora e que contribuem a médio ou longo prazo para aumentar o grau de exploração que esta
sofre. Exploração à qual não foge o pesquisador, inserido num universo burocrático e alienante.3
Se a educação da era taylorista-fordista teve esses contornos que se
expandiram ao longo de todo o século XX, o século do americanismo, quais
são os fundamentos da propositura de educação na fase de vigência da
acumulação flexível?
1. Um exemplo claro disso está no próprio Henry Ford, cuja apologia à formação autodidata e
utilitária vem junto com um desprezo pelo estudo da história ou pela educação formal. Na sua
autobiografia Minha vida e minha obra, escreve Ford (1995, p. 138): “Um homem hábil é um homem
que pode fazer coisas, e sua habilidade para fazê-las depende do que ele tem em si. O que ele tem em si
depende das suas qualidades ingênitas em função do que faz para aumentá-las e discipliná-las. Um
homem educado não é o que memoriza datas históricas, mas o que pode realizar alguma coisa. Quem
não pensa por si não é um homem educado, embora possua muitos diplomas oficiais”.
2. Para detalhes referentes a essas ferramentas de treinamento, remetemos ao citado estudo de
Mueller (2010).
3. No livro A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder, Tragtenberg (1979)
aprofunda essa análise crítica sobre a universidade. Os dois primeiros capítulos desse livro foram
republicados em Tragtenberg (1982).
7
A educação flexível e a pragmática da
multifuncionalidade liofilizada
No item anterior descrevemos como o sistema taylorista-fordista teve sua
difusão baseada no desenvolvimento de programas de treinamento dos/as
trabalhadores/as nas empresas, a exemplo dos “quatro passos de Allen” e do
subsequente programa TWI. Foi dito também que, após a Segunda Grande
Guerra (1939-1945),o TWI foi utilizado pelos Estados Unidos em suas
incursões no Japão, na “reconstrução” desse país pelo Plano Marshall.
No Japão, o TWI, como programa de treinamento em larga escala, fora
um instrumento fundamental na reconstrução física das instalações
produtivas japonesas destruídas no conflito, pois permitia mobilizar forças de
trabalho pouco qualificadas num quadro de enormes perdas humanas no
combate. Ademais, a reconstrução assistida pelos Estados Unidos intentava
apaziguar a agitação civil diante do trágico desfecho desse conflito imposto
ao Japão. Um terceiro ponto a ser arrolado é que o TWI constituiu ainda um
meio eficaz de extinguir qualquer indício de organização do trabalho que
buscasse questionar os princípios de mercado nesse país (Mueller, 2010).
Foram deslocados ao Japão, no pós-1945, experientes instrutores/as do
TWI para uma difusão do programa em “cascata”: treinaram instrutores/as
japoneses/as que se tornaram multiplicadores/as dos métodos no país nas
décadas seguintes. Se no programa TWI o papel do/a instrutor/a já era
central, no contexto de sua difusão no Japão esse cargo adquiriu uma
visibilidade ainda maior: além dos treinamentos, cabia aos/às instrutores/as
— sobretudo aos/às multiplicadores/as que os/as sucederam — um papel de
liderança, de aconselhamento (às gerências e aos setores operacionais), de
substitutos/as emergenciais em todo tipo de tarefas e, ademais, de solicitarem
e implantarem melhorias contínuas nos processos de trabalho (Mueller,
2010).
Assim, junto dos princípios do taylorismo-fordismo (difundidos como
gerência “científica”), o TWI levou consigo ao Japão, já nos anos 1950,
princípios de dispersão das tarefas de controle de qualidade entre vários
postos e, acima de tudo, o cerne do kaizen, que é princípio de “melhoria
contínua”. Afirma, a respeito, Mueller (2010, p. 137-138):
O Programa TWI inovou o processo produtivo ao ampliar, no que se refere ao gerenciamento da
força de trabalho, a função do supervisor e, ao mesmo tempo, a perspectiva da própria força de
trabalho, porque o supervisor passa a atuar como um facilitador e incentivador das possibilidades de
implantação de melhorias na produção e não somente atuar como um monitor da força de trabalho;
e, desta força de trabalho, passa a se requisitar a capacidade de detectar erros e sugerir ideias que
possam ser agregadas ao processo de produção com o objetivo de racionalizá-lo. […] Isso somente
torna-se possível quando se institucionaliza via certa metodologia de ensino que até então se dava de
forma empírica: a melhoria contínua ou, na perspectiva do gerenciamento japonês, o kaizen.
O TWI, portanto, como programa de treinamento nos métodos tayloristas-
fordistas, tornou-se nas missões internacionais em que foi aplicado uma
plataforma de testes e aperfeiçoamento desses próprios métodos, nas várias
adaptações a que foram submetidos. No Japão, o TWI teve de fornecer uma
base para o aumento da produtividade de empresas que não podiam lançar
mão de elevados investimentos em instalações físicas e na contratação de
força de trabalho suplementar, pois as condições conjunturais de mercado
lhes exigiam, além da produtividade, “flexibilidade”. A Toyota Motor
Company foi um caso de grande êxito: por meio do programa Toyota
Training Within Industry (TTWI), ela se apropriou da gerência “científica”
estadunidense e, submetendo-a a uma série de adaptações, alçou suficiente
autonomia para lançar as bases de um novo sistema de organização ao longo
das décadas de 1950-60 (Mueller, 2010).
É interessante constatar como o programa TWI no Japão levou adiante
experiências nas quais o esforço para elevar a produtividade se obtinha mais
pela via do detalhamento das operações, da eliminação de desperdícios e
aproveitamento de todas as capacidades dos/as trabalhadores/as, que pela via
da introdução de uma maquinaria mais custosa. Foi exatamente sob tais
propósitos que a qualificação da força de trabalho adquiriu significativa
importância no toyotismo. Uma qualificação prévia já era buscada, mas a
formação no interior das fábricas foi igualmente mantida e valorizada, tal
como no taylorismo-fordismo.
No Japão, relata Shiroma (1993), durante a recuperação de sua indústria
nas décadas de 1950-60, diante da escassez de força de trabalho qualificada,
as empresas cobiçavam os/as trabalhadores/as que tinham, ao menos, a
formação secundária. E forneciam-lhes, nos três anos seguintes à contratação,
um curso em que 70% do conteúdo era puro treinamento prático sobre o
trabalho, sendo o restante dedicado a temas de cultura “geral”. Entre esses,
compareciam assuntos como a história da empresa, os objetivos das gerências
e o perfil de trabalhador/a considerado ideal. Tudo isso estava conectado às
particularidades desse contexto que já descrevemos: uma espécie de mercado
de trabalho interno nas empresas e os (nascentes) instrumentos gerenciais
toyotistas, como o trabalho polivalente em equipe e o próprio sindicalismo de
empresa (Antunes, 2015a, 2015b).
Difundido às principais potências capitalistas no contexto de crise que se
instalou mundialmente após a década de 1970, o toyotismo demandou uma
série de qualificações profissionais, educacionais e comportamentais e isso
coincidiu com o advento de uma contestação aos métodos do taylorismo-
fordismo nos principais países industrializados.
Nessa contestação, em fins dos anos 1960, em meio à contracultura e aos
posicionamentos dos movimentos sociais (em suas várias vertentes)
feminista, negro, indígena, ambientalista, em meio ao repúdio diante do
imperialismo estadunidense (e também em relação ao modelo soviético),
entre as revoltas operária e dos estudantes, despontavam reivindicações
contra a gerência “científica” e a maneira como a educação e as qualificações
do trabalho eram projetadas tecnicamente e impostas. Nunca é demais
relembrar Marcuse (1973, p. 29-30), que, num trecho de A ideologia da
sociedade industrial: o homem unidimensional, publicado em 1964, afirmara:
Defrontamos novamente com um dos aspectos mais perturbadores da civilização industrial
desenvolvida: o caráter racional de sua irracionalidade. Sua produtividade e eficiência, sua
capacidade para aumentar e disseminar comodidades, para transformar o resíduo em necessidade e a
destruição em construção, o grau com que esta civilização transforma o mundo objetivo numa
extensão da mente e do corpo humanos tornam questionável a própria noção de alienação. As
criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em
patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou,
e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu.
Contestava-se a forma como a qualificação adquirida nas instituições
formais de ensino era condicionada pelas necessidades do trabalho
profissional, distanciando-se de um projeto que integrasse, criticamente, o
mundo do trabalho à educação. Reivindicava-se maior autonomia aos/às
estudantes, a flexibilização da hierarquia rígida dos tempos e dos espaços de
produção de saberes-fazeres. Suscitavam-se estratégias de aprendizagem
comunitárias e, inclusive, por comunhão de interesses, pelas trocas de
experiências e visando a produção de um conhecimento mais aberto,
dinâmico, em contraposição a um conhecimento disciplinar, centralizado na
figura do professor e em conteúdos curriculares considerados arcaicos e
impositivos (Kuenzer, 2016).
É surpreendente como as instituições de ensino e pesquisa públicas e
privadas, conjuntamente às empresas, aproveitando esse contexto de crise
mundial e necessária reestruturação produtiva do capital, assimilaram e
“adequaram” essas reivindicações ao discurso do capital, ao tempo em que
introduziram nos processos de trabalho os elementos da gestão “flexível”,
numa verdadeira ocidentalização dos princípios do toyotismo. Nas palavras
de Kuenzer (2016, p. 3):
A aprendizagem flexível surge como uma das expressões do projeto pedagógico da acumulação
flexível, cuja lógica continuasendo a distribuição desigual da educação, porém com uma forma
diferenciada. Assim é que o discurso da acumulação flexível sobre a educação aponta para a
necessidade da formação de profissionais flexíveis, que acompanhem as mudanças tecnológicas
decorrentes da dinamicidade da produção científico-tecnológica contemporânea, ao invés de
profissionais rígidos, que repetem procedimentos memorizados ou recriados por meio da
experiência. Para que esta formação flexível seja possível, torna-se necessário substituir a formação
especializada, adquirida em cursos profissionalizantes focados em ocupações parciais e, geralmente,
de curta duração, complementados pela formação no trabalho, pela formação geral adquirida por
meio de escolarização ampliada, que abranja no mínimo a educação básica, a ser disponibilizada
para todos os trabalhadores. A partir desta sólida formação geral, dar-se-á a formação profissional,
de caráter mais abrangente do que especializado, a ser complementada ao longo das práticas
laborais.
Em termos de uma educação formal, habilidades intelectivas como
selecionar e relacionar informações em vários níveis de complexidade,
desenvolver conhecimento por simbolização, acesso a recursos de
informática e o domínio, ao menos básico, de línguas estrangeiras, passaram
a ser exigências à medida que o uso de equipamentos de alta precisão técnica
foi cada vez mais difundido. Daí a importância da ampliação da escolaridade
em nível básico e mesmo em nível superior, complementada por cursos de
capacitação que ofertem saberes-fazeres técnicos específicos demandados
pelo mercado de trabalho, geralmente oferecidos nas modalidades à distância.
Em termos de qualificação profissional, passou a ser demandada aos/às
trabalhadores/as maiores experiências práticas nas atividades, o chamado
“conhecimento tácito”.1
A maior novidade entre as qualificações demandadas pela gestão toyotista
recaiu, contudo, nos aspectos informais ou comportamentais. A criatividade e
a fácil adaptação às mudanças constantes de tarefas, de objetivos e de
tecnologias, passaram a ser demandadas aos trabalhadores. É a chamada
capacidade de “aprender a aprender”. Maior “autonomia”, no sentido de
tomar decisões rápidas, sempre em plena identidade com os “valores das
empresas”, estar atento a prevenir problemas e reagir a imprevistos, tudo isso
tornou-se “obrigação”, ainda que sob a forma “voluntária”.
A capacidade de atuar em (e mesmo liderar) uma equipe, de assumir
riscos em atividades organizadas na forma de projetos e cujos resultados são
postos como metas, uma proatividade em atualizar-se e aperfeiçoar-se
continuamente e, sobretudo, de envolver-se com os objetivos empresariais,
passaram a ser requisitos cada vez mais procurados e incentivados aos/às
trabalhadores/as. Tragtenberg (1982, p. 35-36) já identificava essas
características na educação ofertada pelas instituições de ensino nos países
pioneiramente industrializados:
No século XIX a introdução da técnica, ampliação da divisão do trabalho com o desenvolvimento
do capitalismo, leva à necessidade da universalização do saber ler, escrever e contar. A educação já
não constitui ocupação ociosa e sim uma fábrica de homens utilizáveis. Hoje em dia a preocupação
maior da educação consiste em formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho,
porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais. Não interessa,
pelo menos nos países industrialmente desenvolvidos, operários embrutecidos, mas seres
conscientes de sua responsabilidade na empresa e perante a sociedade global [itálicos nossos].
Há, portanto, uma combinação de perfis de qualificação pela qual, se uma
formação educacional diferenciada é cada vez mais exigida, isso não significa
que conhecimentos básicos e científicos sejam imediatamente úteis ao
trabalho. Daí a importância das qualificações comportamentais. Nas palavras
de Kuenzer (2016, p. 4):
[…] ao destruírem-se os vínculos entre capacitação e trabalho pela utilização das novas tecnologias,
que banaliza as competências, tornando-as bastante parecidas e com uma base comum de
conhecimentos de automação industrial […], o mercado de trabalho passa a reger-se pela lógica dos
arranjos flexíveis de competências diferenciadas. […] Se há combinação entre trabalhos desiguais e
diferenciados ao longo das cadeias produtivas, há também demandas diferenciadas, e desiguais, de
qualificação dos trabalhadores, que podem ser rapidamente atendidas pelas estratégias de
aprendizagem flexível, o que permite que as contratações sejam definidas a partir de um perfil de
trabalhador com aportes de educação geral e capacidade para aprender novos processos, e não a
partir da qualificação.
O trabalho em equipe constitui, portanto, um desafio à parte aos/às
trabalhadores/as e lhes demanda algo a mais que seus conhecimentos
técnicos. A equipe ou “time de trabalho” reafirma como nunca as ações
cooperativas, em contraposição ao isolamento dos postos na organização
taylorista-fordista. Mas, dadas as condições do assalariamento, esse arranjo
estimula e se aproveita de um nefasto espírito de competição que se instala
entre os membros e os próprios times, pois a avaliação gerencial pelo
cumprimento de metas recai sobre o coletivo, cabendo aos membros
encaminharem internamente, como “pares”, as soluções diante das cobranças.
Uma escola ampla no restrito espaço do ideário e da pragmática burguesa,
uma educação moldada pelos “valores do mercado”, por sua “filosofia”
utilitarista, eis a nova dogmática da educação da era do capital flexível.
A organização toyotista, neste sentido, possibilitou uma intensificação no
consumo da força de trabalho pelo capital que está difuso por todos os ramos
da economia, da produção industrial aos serviços e até mesmo na construção
civil (Rosso, 2008). Em grande parte, essa intensificação resultou da
readmissão, pela administração empresarial, da estratégia (outrora tão
criticada por Taylor) de contar com a “iniciativa” dos/as trabalhadores/as,
posto que os requisitos de qualificação formal (a experiência, as habilidades,
conhecimentos gerais e específicos etc.) somente podem ser explorados
plenamente se obtidos por meio dos requisitos de qualificação informal ou
comportamental, como o comprometimento com os ideais da empresa, a
autonomia e a autodisciplina individuais. Daí esses passarem ao primeiro
plano de escopo das gerências de “recursos humanos”.
A automação, por sua vez, se provoca uma severa obsolescência de
qualificações acumuladas pela classe trabalhadora, demanda outras. O
trabalho vivo assume um papel estratégico na acumulação de capital junto ao
avanço do trabalho morto. Atividades que envolvem a programação dos
equipamentos, sua manutenção preventiva, diagnósticos e reparos de falhas,
colocam grande dose de responsabilidade aos/às trabalhadores/as.
Contraditoriamente, entretanto, a automação é planejada a fim de também
restringir ao máximo a intervenção humana, predeterminando as operações
predominantemente para evitar “erros humanos”. Ao menos nas fábricas e
empresas tecnologicamente avançadas.
De tal modo que a automação dos controles supervisórios dos processos
(com a introdução de alarmes e mecanismos de parada automática das
máquinas na ocorrência de defeitos e incidentes), responde não somente à
necessidade da polivalência, mas da “conservação” dos próprios
equipamentos pela via da autonomização do seu funcionamento frente à ação
do trabalho humano, o que, como já citado, acaba por deslocar o trabalho
vivo e rebaixar o seu valor.
Ainda segundo Kuenzer (2016, p. 5):
Esta forma de consumo da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas aprofunda a
distribuição desigual do conhecimento, onde, para alguns, dependendo de onde e por quanto tempo
estejam integrados nas cadeias produtivas, se reserva o direito de exercer o trabalho intelectual
integrado às atividades práticas, a partir de extensa e qualificada trajetória de escolarização; o
mesmo não ocorre com a maioria dos trabalhadores, que desenvolvemconhecimentos tácitos pouco
sofisticados, em atividades laborais de natureza simples e desqualificada e são precariamente
qualificados por processos rápidos de treinamento, com apoio nas novas tecnologias e com os
princípios da aprendizagem flexível.
Sob a vigência do taylorismo-fordismo, as instituições de ensino,
sobretudo as de ensino técnico ou profissionalizante, pautavam-se por
currículos que primavam pela especialização; sob a vigência do toyotismo e
sua organização flexível, o ensino deve ser baseado na desespecialização
“multifuncional”.
É por isso que, no contexto atual, as instituições de ensino (sobretudo o
ensino técnico, mas também o superior, principalmente se voltado às
engenharias) têm buscado adaptar seus currículos a um contexto no qual os/as
trabalhadores/as devem ser mais flexíveis, “polivalentes”, ao operarem
equipamentos cada vez mais avançados, com ênfase nas tecnologias digitais e
de informação.
A educação requisitada atualmente pelo capital deve ser “ágil”, “flexível”
e “enxuta”, como são as empresas geridas pelo sistema toyotista. Não foi por
acaso que as grandes corporações inventaram a “universidade corporativa”.
Se as universidades, com especial destaque às públicas, produzem pesquisa e
avançam na discussão das possibilidades e da necessidade premente de uma
sociedade baseada em outro modo de produção e de vida, as corporações
privadas desenharam, por sua vez, sua própria universidade para forjar
trabalhadores/as dentro dos seus valores empresariais. Feito o experimento
da “universidade corporativa”, é hora de propagá-lo para todo espaço da
educação formal, em todos os seus níveis, do ensino básico à pós-graduação.
Há, então, uma nova pragmática da educação do capital nos dias atuais.
No ensino superior, por exemplo, expandem-se os cursos “flexíveis”. Propõe-
se um núcleo básico para um nivelamento de competências ditas generalistas
e para efetivar uma formação agilizada e com o menor custo possível.
Expandem-se as estruturas de ensino não presencial, ofertando cursos à
distância e sob métodos “tutoriais”, atingindo não apenas a formação técnica
de caráter esporádico e profissionalizante, mas cursos de graduação, inclusive
licenciaturas, e de pós-graduação nas mais diversas áreas.
Os/as professores/as (acompanhados/as de tutores/as, monitores/as etc.)
dirigem-se a centenas e mesmo milhares de discentes com um mínimo ou
nenhum contato presencial. Prolifera uma pragmática educacional “flexível”
para uma sociedade “liofilizada”. Uma educação “enxuta” para empresas que
contam com cada vez menos trabalhadores/as. Da pragmática da
especialização hierárquica e estática sob a variante taylorista-fordista, rumou-
se à pragmática da liofilização e da flexibilização “multifuncional”,
alcunhada “generalista”, sob o comando da empresa flexível e da hegemonia
financeira.
É nesse contexto que se desenvolve a “teoria do capital humano”, uma
forma de reprodução ideológica que concebe a pedagogia a partir da
economia utilitarista e neoliberal. Idealizada pelo economista Theodore
Schultz, da Universidade de Chicago, ainda na década de 1960 (exatamente
enquanto os Estados Unidos aplainavam o terreno da expansão da economia
de mercado mundo afora pela via de programas como o TWI, conjugados à
exportação de seus capitais), a teoria do capital humano concebe a força de
trabalho como nada menos que “capital”.
A força de trabalho, apregoam os entusiastas dessa corrente, teria deixado
de ser apenas uma capacidade homogênea de operar equipamentos e executar
tarefas. Ela compreende um conjunto de saberes-fazeres específicos, de
habilidades, destrezas, conhecimentos teóricos e práticos que podem e devem
ser desenvolvidos previamente pelos/as trabalhadores/as a fim de serem
aplicados e consumidos produtivamente por quem os compra, ou seja, os/as
empregadores/as, detentores/as do capital. Trata-se, então, de uma nova fase
da educação que se quer pragmática, utilitarista e desenhada segundo a lógica
da razão instrumental.
Em outros termos, o dever de se qualificar dentro das expectativas do
mercado, e, mais ainda, o de compreender essas expectativas e elaborar um
plano, nas condições e recursos próprios, para atendê-las e garantir a própria
“empregabilidade”, tornou-se, sob a teoria do capital humano, um
“empreendimento” a ser assumido individualmente pelos/as trabalhadores/as.
Um dispêndio a mais na agenda do/a portador/a da força de trabalho, mas que
não deve ser visto como “custo” e, sim, como “investimento”, segundo
analisa criticamente López-Ruiz (2007, 2009).
Assim, essa “teoria” implica à subjetividade que trabalha, forjar uma
concepção de si como “empreendedor/a” que investe na sua força de trabalho
como se ela não fosse uma mercadoria, mas parte de um negócio próprio,
cuja venda lhe retorna um “capital”. Ser um/a “empreendedor/a”, nesse
sentido, é dispor-se a gerenciar a própria vida analogamente à gestão de uma
empresa, como um/a “empreendedor/a” capitalista. Afirma López-Ruiz
(2009, p. 219):
No mundo dos executivos, a palavra “investimento” talvez seja uma das mais utilizadas e não só,
como pode se crer, pelos que trabalham dentro dos departamentos de finanças das corporações
transnacionais. Investe-se em um capital para aumentar seus rendimentos, investe-se em ações de tal
ou qual companhia ou se investe em fundos de maior ou menor risco. Também se investe, contudo,
ao fazer um curso de idiomas, ou uma pós-graduação em administração, investe-se em desenvolver a
própria carreira e se investe na amizade ou na relação com os filhos. Tudo ou quase tudo se torna
objeto de investimento, algo no que se pode ou, muitas vezes, se deve investir.
A educação torna-se, então, também um “investimento”, um negócio. E a
teoria do capital humano acaba por equalizar o/a vendedor/a e o/a
comprador/a de força de trabalho como meros/as comerciantes de uma
mercadoria em comum, transacionada por dinheiro enquanto equivalente
geral. Nesse truque, o/a trabalhador/a assalariado/a se equipara ao/à
capitalista, como se ambos/as tivessem os mesmos objetivos.
É pertinente aqui relembrar as palavras de Tragtenberg (1980, p. 55-56),
que, no início da década de 1980, já identificava a concretude disso:
Sucessão interminável de cursos, alguns sem maior sentido “específico”, implica renúncia a um
presente satisfatório como condição de um futuro que sempre fica para depois. Parcelamento do
estudo por disciplinas específicas desvinculadas da totalidade têm a função de inculcar a divisão
social do trabalho na empresa, a futura mão de obra que a escola prepara ou mantém em
“hibernação” na sua função de “pacificação social”. O sistema escolar se constitui hoje numa
indústria cultural, pelo montante de capitais investidos, pelo patrimônio das instituições
mantenedoras e pelo número de pessoas que reduz à condição de alunos. O processo de produção da
mercadoria escolar em nada difere da produção de bens não simbólicos, como automóveis, aviões
ou máquinas de lavar roupas. […] O ex-aluno, com seu título, tem seu preço e entra como
mercadoria a mais, no mercado de bens simbólicos. Sua venda se realiza através de sua condição de
assalariado. […] Daí a educação, que é trabalho humano, aparecer ante aos ideólogos
conservadores da economia da educação como capital humano, numa suprema falácia.
Essa é a moldura que as chamadas “reformas da educação” trazem
embutidas em sua concepção: uma escola (e uma “educação”) flexibilizada
para atender às exigências e aos imperativos empresariais; uma formação
volátil, superficial e adestrada para suprir as necessidades do mercado de
trabalho “polivalente”, “multifuncional” e flexível. Não é difícil perceber que
a “educação” instrumental do século XXI, desenhada pelos capitais em sua
fase mais destrutiva, não poderá desenvolver um sentido humanista e crítico,
que deve singularizar as ciências humanas; ao contrário, poderá concebê-las
como decalque das ciências exatas, como um prolongamento residual quiçá
desnecessário.
8
Uma educação em outro modo de vida: uma breve
notaconclusiva
Se a educação desenhada pelo capital sustentou-se e consolidou-se a partir
do fortalecimento da divisão perversa entre trabalho intelectual e manual,
entre homo sapiens e homo faber, quais seriam, então, os pilares básicos de
uma educação emancipada, para além dos constrangimentos do capital?
Haverá algo mais vital hoje do que pensar em um outro mundo onde a
produção e a reprodução da humanidade efetivem-se através da criação de
bens materiais e simbólicos socialmente úteis, sejam materiais, artísticos,
estéticos, simbólicos, interativos, contrários à lógica da produção destrutiva e
seu sistema de metabolismo sociorreprodutivo hoje dominantes?
Uma nova forma de sociabilidade, livre das engrenagens e dos
constrangimentos do capital, que possa se erigir e ser tecida a partir da
associação de indivíduos livres, na conhecida formulação de Marx presente
em O Capital?
Com homens e mulheres capazes de exercer seu trabalho autônomo e
autodeterminado, voltado para a produção de bens socialmente úteis e na
qual o trabalho, educação, o tempo de vida, a preservação da natureza sejam
vitais?
Onde o controle social e coletivo da propriedade (incluindo a propriedade
intelectual) encontre vigência efetiva? Onde as dimensões de gênero, étnico-
raciais, geracionais, dentre tantos outros temas vitais, possam ser
efetivamente contempladas, em sintonia com o ser social omnilateral e
emancipado?
Assim, um novo sistema de metabolismo social para além do capital, por
certo, encontra na educação um papel de relevo, do mesmo modo que o
sistema de capital estrutura e concebe a educação ao seu modo. Mas é bom
recordar, com Caio Antunes, que se “uma instituição formal, por maior que
seja, não engendra a partir de si um sistema social como um todo” (visto que
“a escola não cria o sistema do capital”), do mesmo modo, “tampouco ela
tem possibilidade de sozinha confrontá-lo” (Antunes, 2016, p. 156).
Entretanto, a própria concepção marxiana, ao “fincar suas bases em sua
concepção da formação humana”, apresenta a “especificidade histórica da
instituição escolar e explora suas efetivas potencialidades concretas”. Foi por
isso que “Marx apostou que a escola tem o potencial de elevar ‘a classe
operária bastante acima do nível das classes superior e média2’, contribuindo
assim para o processo emancipatório/revolucionário” (Antunes, 2016, p.
156).
Se “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens”, o “objeto da educação diz
respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem
humanos e, de outro lado, e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo” (Saviani, 2003, p. 13).
Nesta direção podemos, então, indicar alguns elementos de fundo para se
conceber a educação fora dos marcos da separação entre trabalho intelectual
e trabalho manual, entre homo sapiens e homo faber. Se toda a educação
forjada pelo capital assenta-se nessa disjuntiva nefasta, Marx e Gramsci
indicaram a necessidade de se conceber uma educação humanista e
omnilateral absolutamente oposta à educação unilateral do capital. Seja
recusando a unilateralidade taylorista-fordista e sua pragmática da
especialização fragmentada, seja rechaçando a falsa “polivalência” e
“multifuncionalidade” da empresa toyotista liofilizada, adequada aos novos
imperativos do mercado, que procura reduzir os sujeitos a personificações do
capital.
Mészáros (2002, p. 49) vai ao ponto central:
Contra uma concepção tendenciosamente estreita de educação e da vida intelectual, cujo fim
obviamente é manter o proletariado “no seu lugar”, Gramsci argumentou, enfaticamente, há muito
tempo, que “Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção
intelectual — o homo faber não pode ser separado do homo sapiens. Também fora do trabalho, todo
homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um “filósofo”, um
artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, ele tem uma linha
consciente de conduta moral, e portanto contribui para manter ou mudar a concepção do mundo,
isto é, para estimular novas formas de pensamento. (Grifos do autor)
Uma educação, concebida a partir do trabalho entendido enquanto
atividade vital, autônoma e autodeterminada, em uma palavra, omnilateral,
será, então, ao mesmo tempo, resultante e proponente de uma vida
verdadeiramente emancipada.
Em um texto precioso em que contesta vivamente a educação
industrialista de seu tempo, Gramsci asseverou:
A escola profissional não deve se tornar uma incubadora de pequenos monstros aridamente
instruídos para um ofício, sem ideias gerais, sem cultura geral, sem alma, mas só com o olho
certeiro e a mão firme (Gramsci, 2004, p. 75).
Ao contrário da escola unilateral, instrumental, alienada e coisificada
ofertada pelo capital, a humanidade
[…] precisa de uma escola desinteressada. Uma escola na qual seja dada à criança a possibilidade de
ter uma formação. De tornar-se homem. De adquirir aqueles critérios gerais que servem para o
desenvolvimento do caráter. Em suma, uma escola humanista. Tal como a entendiam os antigos, e
mais recentemente, os homens do renascimento. Uma escola que não hipoteque o futuro da criança,
e não constrinja sua vontade, sua inteligência, sua consciência em formação, a mover-se por um
caminho cuja meta seja prefixada (Gramsci, 2004, p. 75).
Suas experiências anteriores não são abstratas, remetem às sociedades
clássicas e ao Renascimento, onde pode florescer o embrião de uma “escola
de liberdade” e “não uma escola de escravidão, e de orientação mecânica”. E
acrescenta:
Também os filhos do proletariado devem ter diante de si todas as possibilidades. Todos os terrenos
livres para poder realizar sua própria individualidade, do melhor modo possível. E por isso, do modo
mais produtivo para eles mesmos e para a coletividade (Id. Ibid.).
Individualidade omnilateral e não unilateral, livre e não instrumental,
emancipada e não alienada: eis os pontos de partida de uma outra educação.
Tudo ao contrário do que fez, faz e quer continuar fazendo a escola do capital
em sua incessante e tenaz destruição.
1. Sobre as informações deste e do próximo parágrafo, consultar, entre outros estudos, Bruno
(1996), Jacobi (1996), Kuenzer (2016), Leite (1995), Riquelme (1994), Salm (1998).
2. Esse trecho que integra a citação de Caio Antunes advém do texto marxiano intitulado Instruções
para os delegados do Conselho Geral Provisório: as diferentes questões (Marx, 1985, p. 82).
Referências
ANTUNES, Caio Sgarbi. A escola do trabalho: formação humana em Marx.
Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade
Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2016 (no prelo pela Ed. Papel Social).
ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São
Paulo: Boitempo, 2013.
______ (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo:
Boitempo, 2014.
______ (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 2006.
______. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade
do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2015a. [Edição Comemorativa de
20 Anos]
______. Da pragmática da especialização fragmentada à pragmática da
liofilização flexibilizada: as formas da educação no modo de produção
capitalista. Germinal: marxismo e educação em debate, Londrina, PR, v. 1, n.
1, p. 25-33, jun. 2009a.
______. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a negação e a afirmação do
trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015b.
BRUNO, Lúcia. Educação, qualificação e desenvolvimento econômico. In:
BRUNO, Lúcia (Org.). Educação e trabalho no capitalismo contemporâneo:
leituras selecionadas. São Paulo: Atlas, 1996, p. 91-123.
CORIAT, Benjamin. Ohno e a escola japonesa de gestão da produção: um
ponto de vista de conjunto. In: HIRATA, Helena Sumikoverdade que a consciência é determinada pelo ser, tanto
quanto o ser também é determinado pela consciência, “[…] que as
circunstâncias são modificadas pelos próprios homens e o próprio educador
tem de ser educado” (Marx; Engels, 2007, p. 533). É assim que se deve
compreender a noção de modo de produção em Marx, profundamente inter-
relacional, dialética, caracterizada pelas determinações recíprocas.
Outra contribuição decisiva de Marx é a constatação de que o trabalho, no
modo de produção capitalista, acaba por assumir a forma de trabalho
alienado. E a esse respeito, cabe aqui uma nota explicativa. Neste livro
denominaremos como alienação o complexo social que compreende dois
fenômenos muito aproximados, mas não idênticos: o estranhamento (no
original em alemão: entfremdung) e a exteriorização (entäusserung).
Nós não aprofundaremos aqui o difícil debate acerca das suas similitudes
e diferenças. Essas categorias são formuladas por Marx e, em nosso
entendimento, integram o fenômeno social da alienação do seguinte modo: o
estranhamento é utilizado por Marx quando pretende enfatizar a dimensão de
negatividade que caracteriza o trabalho assalariado no capitalismo. Por outro
lado, a exteriorização está presente em toda a atividade humana que cria e
produz. Com a generalização da forma-mercadoria e do trabalho abstrato,
dada sua clara negatividade, na análise de Marx, ter-se-ia a constituição de
um momento histórico em que ocorre uma forte aproximação entre o
estranhamento e a exteriorização2.
Ainda segundo nossa interpretação, esses fenômenos integram o complexo
social da alienação. O trabalho é alienado para Marx na medida em que
expressa a dimensão de uma negatividade (estranhamento) sempre presente
no modo de produção capitalista, no qual o produto do trabalho, que resulta
de sua exteriorização, não pertence ao seu criador, o ser social que trabalha.
Essa é, para Marx, a primeira expressão da alienação nesse modo de
produção.
Num segundo momento (uma vez que são quatro os momentos
constitutivos do processo de alienação), o/a trabalhador/a que não se
reconhece no produto do seu trabalho e dele não se apropria é um/a
trabalhador/a que não se reconhece no próprio processo laborativo que
realiza. Ele/a não se realiza, mas se aliena, se estranha e se fetichiza no
próprio processo de trabalho. Isso leva ao terceiro momento, em que o ser
social que trabalha não se reconhece enquanto uma individualidade nesse ato
produtivo central da sua vida: é “[…] um ser estranho a ele, um meio da sua
existência individual” (Marx, 2004, p. 85). Fato que nos leva ao quarto
momento: por não se reconhecer como indivíduo, o/a trabalhador/a também
não se reconhece como parte constitutiva do gênero humano: “[…] é o
estranhamento do homem pelo [próprio] homem” (Id. Ibid., loc. cit.).
São muito esclarecedoras as seguintes palavras de Marx (2004, p. 84-85) a
respeito, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, redigidos no ano de 1844,
em Paris:
O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz
da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital
consciente. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele coincide imediatamente. A
atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente,
[e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida
lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis porque a sua atividade é atividade livre. O
trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser
consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência.
Duas décadas depois, ao publicar o primeiro dos três livros d’O Capital:
crítica da economia política, Marx (2013) dará maior densidade ao problema
do estranhamento, ao tratar do fetichismo da mercadoria, e do problema da
reificação ou da coisificação, na sua concretude no mundo fabril. Todavia, os
Manuscritos de 1844, dos quais citamos o trecho, inauguram a incursão de
Marx na economia política, num momento em que consolidava sua superação
em relação à tradição filosófica alemã da qual era herdeiro, o hegelianismo de
esquerda. E ele faz essa superação, essa crítica ontológica, quando salta do
idealismo hegeliano para o materialismo histórico e para a construção de seu
projeto dialético.
Em verdade, desde que começa a elaborar a Crítica da filosofia do Direito
de Hegel (Introdução), passando pelos Manuscritos de 1844, Marx
empreende em suas formulações os adensamentos ontológicos materialistas
que desenvolveu ao longo de toda a sua obra. Na Introdução da Crítica da
filosofia do Direito de Hegel não havia ainda um desenvolvimento da sua
teoria da mais-valia. Como também não havia um desenvolvimento de sua
teoria da alienação, que aparecerá logo depois, nos Manuscritos de 1844. Na
citada Introdução, encontramos uma preliminar menção dela, bem como
menções seminais de categorias e análises que aparecerão depois nas obras de
maturidade, como o proletariado, a revolução, temas que contaram com o
apoio decisivo de Friedrich Engels.
E essa contribuição engelsiana foi decisiva. Bastaria citar aqui dois textos
que tiveram um papel central no pensamento de Marx. O primeiro deles, o
Esboço de uma crítica da economia política (Engels, 1979), que Marx lê
muito cedo, quando ainda não tinha apreendido a dimensão fundante da
economia política, mas estava começando, pela sua atividade jornalística, a
tratar da questão ao refletir sobre o roubo da lenha, sobre a greve dos
operários da Silésia, sobre o tema da habitação etc. Enfim, assuntos que
remetiam à esfera da economia política, à “anatomia da sociedade civil”.
Outro texto de Engels que muito impressionou Marx foi o livro A Situação da
Classe Trabalhadora na Inglaterra (Engels, 2008), ao mostrar concretamente
quem era o proletariado que ele ainda tratava num plano filosófico e abstrato
nos seus escritos, como na já mencionada Introdução da Crítica à Filosofia
do Direito de Hegel.
Seja como for, importa-nos aqui, partindo desses geniais pensadores,
examinarmos o seguinte: de que modo o século XX não só manteve como
intensificou e complexificou as alienações típicas do século XIX,
magistralmente descritas por Marx e Engels. Afinal, o capitalismo não é um
sistema estático e linear. Ademais, o século XX foi marcado por um duplo
processo de alienação: se, por um lado, emergiram novas particularidades e
singularidades na forma de ser da alienação, por outro, o modo de produção
capitalista na contemporaneidade manteve essencialmente os seus traços
ontológicos fundamentais alienantes, quer em sua variante taylorista e
fordista, quer em seu experimento toyotista. Para melhor compreendê-los,
recuperaremos nos próximos capítulos um pouco do que propugnavam seus
principais formuladores.
1. Em A Ideologia Alemã, no extrato “Feuerbach e História”, afirmam Marx e Engels, a respeito: “a
indústria e o comércio, a produção e o intercâmbio das necessidades vitais condicionam, por seu lado, a
distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais e são, por sua vez, condicionadas por elas no
modo de seu funcionamento […]” (Marx; Engels, 2007, p. 31).
2. Sobre isso, remetemos o/a leitor/a ao Posfácio de História e Consciência de Classe de Lukács
(2004) e à sua obra de maturidade, Para Uma Ontologia do Ser Social, especialmente o quarto capítulo
do segundo volume (Lukács, 2013). E aos excelentes estudos (ainda que com abordagens
diferenciadas) de Mészáros (2006) e de Ranieri (2001).
2
O sistema taylorista de gestão do trabalho
Foi com base no trabalho assalariado (e alienado), largamente analisado
por Marx e Engels, que a produção capitalista atravessou os séculos XVIII e
XIX. No século XX, quando adentramos na sociedade do automóvel, vemos
brotar do microcosmo das fábricas metalúrgicas um novo projeto societal,
que envolve desde o plano da exploração da força de trabalho nas empresas(Org.). Sobre o
“modelo” japonês: automatização, novas formas de organização e de
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WEBER, Max.A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
Didática
Libâneo, José Carlo
9788524925573
288 páginas
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A didática é tratada neste livro como ramo de estudo da Pedagogia partindo
dos vínculos entre finalidades sócio-políticas e pedagógicas e as bases
teórico-científicas e técnicas da direção do processo de ensino e
aprendizagem. O autor propõe o estudo sistemático da Didática como teoria
do processo de ensino de modo a unir a preparação teórica e prática na
formação profissional do professor. Constitui-se, assim, como disciplina
integradora que, ao buscar os conhecimentos teóricos e práticos da Teoria da
Educação, Psicologia, Sociologia e Metodologias específicas das matérias de
ensino, generaliza principios, condições e meios que são muito comuns e
básicos para a docência de todas as matérias escolares.
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Família, urgências e turbulências
Cortella, Mario Sergio
9788524925313
144 páginas
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Em "Família: Urgências e Turbulências", Mario Sergio Cortella se vê agora
desafiado por perguntas que têm provocado preocupação em diversos
segmentos da sociedade, especialmente entre os pais que percebem uma
irrefreável erosão das relações familiares: + Como melhorar o convívio entre
pais e filhos? + Como educar os jovens? Como estipular limites a eles? +
Como ser presente na criação e educação dos filhos, diante da vida atribulada
que os adultos têm? + Como evitar a fragmentação das relações familiares?
Como não deixar que a tecnologia atrapalhe o convívio e os estudos? + Como
impor autoridade a jovens cada vez mais desacostumados a obedecer? +
Como lidar com crianças e jovens que parecem estar tão mimados, quanto
despreparados para enfrentar as dificuldades da vida? A obra traz em suas
páginas, além de respostas para estes e outros questionamentos, um
posicionamento firme e claro: os pais que enfrentam situações como essas
devem estar sempre alertas aos riscos que os conflitos em família podem
provocar e, mais do que isso, devem adotar uma postura ativa, urgente e
corajosa para encontrar soluções.
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Os setes saberes necessários à educação
do futuro
Morin, Edgar
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Os Sete Saberes indispensáveis, enunciados por Morin, constituem caminhos
que se abrem a todos os que pensam e fazem educação e que estão
preocupados com o futuro das novas gerações. A presente edição deixa claro
que ainda serão necessárias muitas ações para garantir um futuro sustentável
e uma educação democrática, na qual as pulsões da regeneração prevaleçam.
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Metodologia do trabalho científico
Severino, Antônio Joaquim
9788524925207
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Este livro tem por objetivo apresentar aos estudantes universitários alguns
subsídios teóricos e práticos para o enfrentamento das várias tarefas que lhes
serão solicitadas ao longo do desenvolvimento do processo
ensino/aprendizagem de sua formação acadêmica. Trata-se, também, de
eficiente ferramenta para o trabalho docente em sua interface com a
aprendizagem dos alunos.
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Avaliação da aprendizagem escolar
Luckesi, Cipriano Carlos
9788524921063
273 páginas
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Para esta edição alguns elementos novos estão sendo introduzidos,
complementando as abordagens anteriores e tornando o livro atualizado e
oferecendo ao leitor uma maior gama de textos para leitura e estudo. Espera-
se contribuir para ultrapassar a era dos exames escolares, incorporando o que
ela tem de significativo e descartando o que já não tem mais sentido para o
presente, chegando a era da avaliação da aprendizagem na escola, como
recurso de sucesso em nossas atividades educativas.
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	Folha de rosto
	Créditos
	Sumário
	Introdução
	1. Produção e trabalho alienado
	2. O sistema taylorista de gestão do trabalho
	3. Ford e a produção industrial em larga escala
	4. O sistema taylorista-fordista e o novo mundo da fábrica
	5. O toyotismo e sua empresa enxuta e flexível
	6. A educação utilitária fordista e sua pragmática da especialização
	7. A educação flexível e a pragmática da multifuncionalidade liofilizada
	8. Uma educação em outro modo de vida: uma breve nota conclusiva
	Referênciasaté o plano da sua reprodução pela classe trabalhadora nas demais esferas da
totalidade social. Foi vital, nessa história, o nascimento da chamada
administração “científica” de Taylor.
O que propunha Frederick Winslow Taylor (1856-1915) em Princípios de
Administração Científica?
Estabeleço como princípio geral […] que, em quase todas as artes mecânicas, a ciência que estuda a
ação dos trabalhadores é tão vasta e complicada, que o operário, ainda mais competente, é incapaz
de compreender esta ciência, sem a orientação e auxílio de colaboradores e chefes, quer por falta de
instrução, quer por capacidade mental insuficiente (Taylor, 2006, p. 34).
Essas palavras refletem a perspectiva de uma classe social a partir da qual
Taylor situa o seu olhar: a dos/as proprietários/as dos meios de produção.
Para eles/as, não se deve delegar aos/às trabalhadores/as a produção de
saberes-fazeres. Ao contrário, cabe impor-lhes a mais crucial das formas de
divisão do trabalho: a que separa, entre agentes distintos, as atividades
predominantemente manuais e as intelectuais.
Taylor, ao assumir tal perspectiva — em nada original já em sua época —
intenta acrescentar-lhe um adjetivo: a de dever ser uma empreitada
“científica”. Presumia, assim, posicionar suas ideias acima da política, dando-
lhes aparência de neutralidade. Mais do que isso: supunha lograr com seus
métodos uma cooperação e um benefício mútuo entre trabalhadores/as e
gerência capitalista. Nas suas palavras:
A fim de que o trabalho possa ser feito de acordo com leis científicas, é necessária melhor divisão
de responsabilidades entre a direção e o trabalhador do que a atualmente observada em qualquer dos
tipos comuns de administração. Aqueles, na administração, cujo dever é incrementar essa ciência,
devem também orientar e auxiliar o operário sob sua chefia e chamar a si maior soma de
responsabilidades do que, sob condições comuns, são atribuídas à direção. […] Em lugar de
vigilância desconfiada e da guerra mais ou menos encoberta, características dos sistemas comuns de
administração, há cooperação cordial entre a direção e os empregados (Taylor, 2006, p. 34-35).
Para Taylor, a “guerra” entre capital e trabalho se reduz a um problema
gerencial, para cuja solução bastaria dividir “equitativamente” as atividades
intelectuais e manuais entre gerência e trabalhadores/as operacionais (ainda
que ambos fossem assalariados/as). Divisão que reservaria à gerência as
atividades intelectuais e ao operariado as estritamente manuais, promovendo,
assim, maior cooperação entre estes níveis e eliminação da “cera” no
trabalho, isto é: o baixo rendimento proposital dos/as próprios/as
trabalhadores/as.
Taylor imaginara ter constatado, pela primeira vez na história, um
comportamento típico da classe trabalhadora e que a ela mesma se mostrava
nefasto. Qual seja: ao atentar contra o próprio rendimento, os/as
trabalhadores/as combaliam os lucros patronais e, com isso, reduziam suas
chances de obter melhorias salariais. Caberia, assim, à administração
“científica” a solução. Em outros termos: o/a trabalhador/a ou é um ser
passivo, ou é um ser insubmisso, não restando à gerência senão desenvolver
técnicas que desmobilizem, mascarem ou mesmo revertam a favor do capital,
as tensas relações entre compradores/as e vendedores/as de força de trabalho.
O mais interessante, no entanto, é que Taylor admite o fato de que,
embora façam “cera”, são os/as trabalhadores/as os/as verdadeiros/as
criadores/as dos métodos de realização do trabalho. Tanto admite isso que
observa ser o defeito da gerência capitalista de sua época o desinteresse em
usurpar esses métodos:
O espírito inventivo de cada geração tem desenvolvido métodos mais rápidos e melhores para fazer
as operações nos diferentes trabalhos. Assim, os métodos em uso, presentemente, podem ser
considerados como produto da evolução e da sobrevivência das melhores e mais perfeitas ideias,
apresentada desde a origem de cada ofício. Entretanto, ainda que isso seja verdadeiro, aqueles que
conhecem profundamente cada um desses trabalhos sabem que dificilmente é encontrada
uniformidade na execução. […] Ora, no melhor sistema de administração comum, os
administradores verificam o fato seguinte: 500 a 1000 trabalhadores, sob suas ordens, empregados
em 20 a 30 funções diferentes, possuem esses conhecimentos tradicionais, dos quais grande parte
escapa à administração (Taylor, 2006, p. 38).
Assim, Taylor não somente lançará críticas aos/às trabalhadores/as por
fazerem “cera”, mas aos gestores do capital de sua época, devido à
dependência que mantinham para com a “iniciativa” dos/as trabalhadores/as:
O administrador mais experimentado deixa, assim, ao arbítrio do operário, o problema da escolha do
método melhor e mais econômico para realizar o trabalho. Ele acredita que sua função seja induzir o
trabalhador a usar atividade, o melhor esforço, os conhecimentos tradicionais, a habilidade, a
inteligência e a boa vontade — em uma palavra — sua iniciativa, no sentido de dar o maior
rendimento possível ao patrão. […] Por outro lado, […] em 19 dentre 20 empresas industriais, o
trabalhador acredita que é positivamente contra seus interesses empregar sua melhor iniciativa e, em
lugar de esforçar-se para fazer a maior quantidade possível de trabalho da melhor qualidade, ele
deliberadamente trabalha tão devagar quanto pode, ao mesmo tempo que procura fazer acreditar aos
superiores que trabalha depressa (Taylor, 2006, p. 38-39).
Sua proposta será, portanto, um sistema de administração pelo qual a
“iniciativa” do/a trabalhador/a seja descartada como um meio para a obtenção
de produtividade. Esta deverá ser obtida não mais por concessões aos/às
trabalhadores/as, mas pela usurpação pela gerência capitalista do
conhecimento que detêm sobre o seu trabalho a fim de lhes impor,
unilateralmente, uma nova forma de realização deste, tendo sempre como
horizonte as necessidades da máxima extração de mais-valia.
Se esses foram os objetivos de Taylor, enquanto formulador de um novo
sistema de gestão da força de trabalho — a administração “científica”, frente
ao sistema antigo, a administração por “iniciativa e incentivo” — devemos
esclarecer quais foram as práticas por ele propostas. Nesse sentido, Taylor
estabelece como base da sua metodologia a necessidade, pela gestão
capitalista, de reduzir toda forma de saber-fazer no trabalho a “tarefas”. Com
suas palavras:
A ideia da tarefa é, quiçá, o mais importante elemento na administração científica. O trabalho de
cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de antecedência e
cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa
de que é encarregado e também os meios para realizá-la. […] Na tarefa é especificado o que deve
ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato concebido para a execução (Taylor, 2006, p.
42).
O ponto de partida, contudo, é o saber-fazer dos/as trabalhadores/as, que,
num lance audacioso, é de antemão considerado pelo capital como uma peça
bruta a ser lapidada — embora, na realidade, esteja aí, exatamente nesta
forma elementar, histórica e socialmente desenvolvida pelos/as
trabalhadores/as, o seu grande valor ao capital. Marx (2013, p. 648) já havia
dedicado análises n’O capital a respeito da importância para o capital do
valor de uso da força de trabalho, ou seja, dos saberes-fazeres desenvolvidos
pela própria classe trabalhadora em sua reprodução social:
A reprodução da classe trabalhadora exige, ao mesmo tempo, a transmissão e a acumulação da
destreza de uma geração a outra. Em que medida o capitalista conta com a existência de tal classe
trabalhadora hábil entre as condições de produção que lhe pertencem e vê nela, de fato, a existência
real de seu capital variável é algo que se revela tão logo uma crise ameaça provocar a perda daquela
classe.
Páginas adiante, na mesma obra, afirmará Marx (Id., p. 651):
A maquinaria morta não só se deteriora e desvaloriza a cada dia, mas uma grande parte de sua massa
existentese torna constantemente obsoleta em virtude do contínuo progresso técnico, a tal ponto que
se pode vantajosamente substituí-la, em poucos meses, por maquinaria mais moderna. A maquinaria
viva, ao contrário, aperfeiçoa-se na mesma proporção de sua duração, à medida que acumula em si a
habilidade de sucessivas gerações.
A administração de uma empresa capitalista não se poderia furtar,
portanto, a dedicar parte substantiva dos seus esforços no açambarcamento
dos melhores métodos de trabalho já desenvolvidos. Menos ainda deveria
furtar-se a impor determinados métodos e ferramentas visando extrair o
máximo de trabalho excedente não pago. O curioso, contudo, é Taylor
justificar suas proposições como sendo do interesse também dos/as
trabalhadores/as, como nesta analogia:
O estudante médio iria muito devagar, se em vez de lhe ser dada uma tarefa, deixassem-no fazer o
que pudesse ou quisesse. Todos nós somos crianças grandes e é igualmente certo que o operário
médio trabalha com maior satisfação para si e para seu patrão, quando lhe é dada, todos os dias,
tarefa definida para ser realizada em tempo determinado e que representa um dia de serviço para um
bom trabalhador. Isto proporciona ao operário uma medida precisa, pela qual pode, no curso do dia,
apreciar seu próprio progresso, e este conhecimento traz-lhe grande satisfação (Taylor, 2006, p. 88).
É muito comum Taylor oscilar, também, em suas posições, tergiversando
com o fim de fazer valer suas próprias ideias. Há momentos em que ele ataca
a falta de interesse do/a trabalhador/a em produzir mais e melhor, para,
noutro ponto, justificar que isso talvez derive das condições a que ele/a é
submetido/a. Ora Taylor parte da desigualdade imposta pela divisão do
trabalho entre planejadores/as e executantes para verificar como tal condição
retira dos/as últimos/as as condições de seu próprio aperfeiçoamento. Depois,
avalia que tal desigualdade garante ao/à trabalhador/a poder de barganha em
face do capital. Um exemplo disso vai a seguir:
Todo o tempo diário do trabalhador é absorvido fazendo o trabalho com as mãos, de modo que,
mesmo que tenha a educação necessária e hábitos de generalização, faltam-lhe tempo e
oportunidade para desenvolver estas leis, pois o estudo de uma simples lei, o estudo do tempo, por
exemplo, requer a cooperação de dois homens — um que faz o trabalho e outro que o mede com o
cronômetro. E, ainda quando o operário chegasse a descobrir leis em assunto, no qual apenas
existem conhecimentos empíricos, seu interesse pessoal far-lhe-ia guardar inevitavelmente suas
descobertas, visto poder, graças a seus conhecimentos especiais, produzir mais que os outros e,
assim, alcançar mais altos salários (Taylor, 2006, p. 78).
O objetivo, contudo, dos métodos de Taylor é inequivocamente a extração
do conhecimento da classe trabalhadora a fim de liquidar seu poder de
barganha em face dos/as compradores/as de força de trabalho. Nesse
processo, como vimos em várias passagens, é imprescindível a participação
ativa da gerência do capital (ainda que assalariada) na incumbência de prestar
“assistência” aos/às trabalhadores/as na imposição de métodos ditos
“científicos”. É de se notar, à luz da teoria do valor-trabalho em Marx, a
importância concedida por Taylor às camadas gerenciais “improdutivas”, no
seu papel de suporte à otimização da exploração do trabalho em processo.
Um segundo elemento essencial, ao lado da redução de todo saber-fazer
historicamente elaborado pela classe trabalhadora a grupos de “tarefas”
impostas pela gerência do capital, é a “seleção” dos/as trabalhadores/as.
Novamente, Taylor reivindicará a cientificidade para desviar as críticas a
respeito do desemprego que a aplicação de seus métodos gera. Em sua
concepção, é de responsabilidade da gerência “científica” uma seleção de
trabalhadores/as adequados, predispostos a dadas funções nas empresas,
dentro da arquitetura de divisão técnica e social do trabalho entre atividades
predominantemente manuais e intelectuais.
Aqui entra o terceiro elemento do sistema, o “treinamento”, também
reivindicado por Taylor como científico.
Assim, esse sistema que procura conhecer a personalidade do trabalhador, em vez de despedi-lo
logo, brutalmente, ou baixar-lhe o salário por produção deficiente, concede a ele tempo e auxílio
necessários para se tornar eficiente no trabalho atual ou se transferir para outro, no qual seja capaz
física ou mentalmente. Tudo isto requer amistosa cooperação da gerência e de sistema ou
organização muito mais complicada que o anacrônico agrupamento de homens em grandes equipes.
Tal organização consiste, no caso, em encarregar:
1. um grupo de homens de desenvolver a ciência do trabalho, mediante o estudo dos tempos, como
foi descrito;
2. outro grupo mais hábil de auxiliar e orientar, como instrutores, os operários no serviço;
3. outro grupo de armazenar as ferramentas e guardar todo o material em perfeita ordem;
4. outro, enfim, de planejar o trabalho, com antecedência, a fim de mobilizar os homens sem perda
de tempo e de determinar a sua remuneração diária, etc. (Taylor, 2006, p. 58-59).
Taylor advoga que vários “benefícios” advêm da introdução da
administração por tarefas e da seleção e treinamento “científicos” dos/as
trabalhadores/as. O primeiro seria um expressivo aumento salarial, “[…] em
média, salários 80 a 100% mais altos do que antes” (Taylor, 2006, p. 73).
Citando experimento realizado no trabalho de operárias inspetoras de esferas
de bicicletas, aponta que outro benefício seria a redução das horas de
trabalho, de 10,5 a 8,5 por dia, com meia jornada aos sábados, além “[…] de
quatro períodos de recreação, convenientemente distribuídos pelo dia, que
tornavam impossível a fadiga numa operária sadia” (Id. Ibid., loc. cit.). Um
terceiro benefício seria uma sensação de acolhimento do/a trabalhador/a pela
empresa, vez que poderia, no novo sistema, recorrer à gerência para
solucionar dúvidas caso errasse (Id. Ibid.).
Para os/as empresários/as, no mesmo caso citado, Taylor afirma terem
advindo as seguintes vantagens: primeiramente, um aperfeiçoamento na
qualidade dos produtos, ao mesmo tempo em que se reduzem os custos da
inspeção (compensando os custos com a ampliação da gerência ocupada com
as novas funções e com o pagamento de eventuais gratificações); em segundo
plano, o surgimento de “[…] relações mais amistosas entre a administração e
os empregados, tornando impossíveis conflitos no trabalho e greves” (Taylor,
2006, p. 74).
Um quarto elemento do sistema de administração “científica” de Taylor, é
o chamado “estudo do tempo e dos movimentos”. Na usurpação do
conhecimento dos/as trabalhadores/as, Taylor propôs um método, aliás, muito
previsível: reunir os/as mais hábeis assalariados/as (inclusive, de várias
empresas e regiões do país) num ambiente de trabalho controlado,
solicitando-lhes que executem as suas atividades com o máximo de qualidade
e rapidez que aguentarem. Nesse ínterim, um grupo de outros/as
assalariados/as, responsáveis pela gestão do trabalho, observam e colhem
anotações de todos os movimentos efetuados e sua duração, com um
cronômetro.
No decorrer do processo, eliminam-se movimentos “desnecessários” e
aceleram-se os considerados “úteis”, no sentido de que efetivamente geram
valor ao capital. Ao final, estabelece-se o chamado “the one best way”, o
melhor caminho, o ciclo perfeito de operações, considerando-se também o
gasto de tempo nelas. Taylor considera esse método e esses resultados como
a determinação das leis “científicas” que estão por trás de toda atividade de
trabalho. Com suas palavras:
As providências gerais, para dedução de simples lei deste tipo, são as seguintes:
Primeira — Encontrar, digamos, 10 a 15 trabalhadores (preferentemente de várias empresas e de
várias regiões do país) particularmente hábeis em fazer o trabalho que vai ser analisado.
Segunda — Estudar o ciclo exato das operações elementares ou movimentos que cada um destes
homens emprega, ao executar o trabalho que está sendo investigado, como também os instrumentosusados.
Terceira — Estudar, com o cronômetro de parada automática, o tempo exigido para cada um desses
movimentos elementares e então escolher os meios rápidos de realizar as fases do trabalho.
Quarta — Eliminar todos os movimentos falhos, lentos e inúteis.
Quinta — Depois de afastar todos os movimentos desnecessários, reunir em um ciclo os
movimentos melhores e mais rápidos, assim como os melhores instrumentos (Taylor, 2006, p. 86).
E finaliza, afirmando:
Tal método se converte em modelo e é primeiramente ensinado aos instrutores (ou contramestres
funcionais) e por intermédio deles a todos os trabalhadores na empresa, até que seja suplantado por
outra série de movimentos mais rápida e melhor. Por este meio simples, desenvolvem-se
gradualmente, um após outro, os elementos da ciência (Id. Ibid., loc. cit.).
O quinto elemento do sistema taylorista é o estudo dos instrumentos de
trabalho. Taylor propõe que se estude todas as modificações sofridas pelas
ferramentas ao longo de sua aplicação “empírica” (tal como ele vê, de modo
reducionista, as experiências dos/as trabalhadores/as). Após isso e como parte
do estudo dos tempos e movimentos, Taylor propõe a construção de
instrumentos padronizados, visando o máximo alcance em termos de
durabilidade e extração de produtividade (mais-trabalho) aos/às
trabalhadores/as:
A administração científica pede, em primeiro lugar, investigação cuidadosa de cada modificação
sofrida pelo mesmo instrumento, ainda durante a aplicação dos conhecimentos empíricos; depois
estuda o tempo para verificar a velocidade que cada um pôde alcançar e, reunindo em instrumento-
padrão todos os característicos bons apresentados por eles, permite ao operário trabalhar com maior
rapidez e facilidade do que antes. Este instrumento único é, então, adotado como padrão, em lugar
das espécies várias, antes existentes, e se torna modelo para todos os trabalhadores, até que seja
suplantado por outro que se revele melhor pelo estudo do tempo e dos movimentos (Taylor, 2006, p.
87).
Por fim, como sexto elemento, têm-se a “gratificação”, ou bonificação.
Taylor parece contradizer-se nesse aspecto, afinal, suas críticas aos sistemas
de administração da época são incisivas em não se barganhar com os/as
trabalhadores/as a sua “iniciativa”, sobretudo por meio de elevações salariais.
Mas Taylor admite tal fato quando os/as trabalhadores/as aceitam a
submissão ao cronômetro dos gestores:
É absolutamente necessário, então, quando os trabalhadores estão encarregados de tarefa que exige
muita velocidade de sua parte, que a eles também seja atribuído pagamento mais elevado, cada vez
que forem bem-sucedidos. Isto implica não somente em determinar, para cada um, a tarefa diária,
mas também em pagar boa gratificação ou prêmio todas as vezes em que conseguir fazer toda a
tarefa em tempo fixado (Taylor, 2006, p. 89).
Portanto, a remuneração em si, embora não possa ser eficaz na condução
de um sistema de gestão do trabalho por “iniciativa e incentivo”, pode e deve
ser utilizada tão logo se implemente a administração taylorista, com a
redução de toda atividade a tarefas, seguida pela seleção e treinamento dos/as
trabalhadores/as, pelo estudo dos tempos e movimentos, pelo
desenvolvimento do the one best way e das ferramentas e instrumentos, sob
uma base que, aos olhos de Taylor, é “científica”. Atentemos, contudo, ao
fato de que não se tratam de elevações salariais, mas gratificações, isto é,
bonificações extraordinárias à remuneração dos trabalhadores, concedidas
somente nos casos em que cumpram todas as tarefas “diárias” propostas
dentro dos tempos padronizados pela gerência.
Com seus princípios de administração “científica”, Taylor buscava
reverter a discórdia entre operariado e gerência capitalista, a fim de que
ambos, ainda que guiados por interesses distintos, pudessem partilhar de um
objetivo comum — o aumento da produtividade do trabalho. Nas suas
palavras:
O baixo custo da produção, que resulta do grande aumento de rendimento, habilitará as companhias
que adotaram a administração científica e, particularmente, aquelas que a instituíram em primeiro
lugar, a competir melhor do que antes e, com isto, ampliarão seus mercados, seus homens terão
constantemente trabalho, mesmo em tempos difíceis, e ganharão maiores salários, qualquer que seja
a época. Isto significa aumento de prosperidade e diminuição de pobreza, não somente para os
trabalhadores, mas para toda a comunidade (Taylor, 2006, p. 102-103).
Esse aspecto ideológico é comumente desprezado em análises críticas
acerca das ideias de Taylor. Merecem a devida atenção, afinal, embora
permeadas de incrível contradição, suas palavras denotam que sua proposta
— dentro de uma perspectiva, como já comentado, delimitada pela sua classe
social — pretendia atender, supostamente, não só aos interesses do
empresariado, mas também dos/as assalariados/as, uma vez que esses/as, ao
contrário de perderem os seus conhecimentos, os reacessariam, segundo
Taylor, num grau mais alto de perfeição. Prossegue o autor:
Como elemento incidente neste grande benefício à produção, cada trabalhador é sistematicamente
treinado no mais alto grau de eficiência e aprende a fazer espécie mais elevada de trabalho (a qual
não conseguia sob os antigos sistemas de administração), ao mesmo tempo que adquire atitude
cordial para com seus patrões e condições de trabalho, enquanto antes grande parte de seu tempo era
gasto em crítica, vigilância suspeitosa e, às vezes, franca hostilidade. Este benefício generalizado a
todos os que trabalham sob o sistema é, sem dúvida, o mais importante elemento na questão (Taylor,
2006, p. 103).
Se é evidente que o sistema taylorista conduzira a um controle do “corpo”
do/a trabalhador/a, menor não fora o controle do “intelecto” empreendido
pelo seu criador. Primeiramente, na imposição de uma unilateralidade na
realização das atividades de trabalho. Segundo, na padronização dessa forma,
o que requer, como terceiro aspecto, um empreendimento “pedagógico” que
permita verter tais imposições da gerência aos níveis operacionais. Em último
lugar, mas não menos importante, é clara a ênfase de Taylor numa divisão
supostamente “equitativa” do trabalho entre gerência e operariado, pela qual
caberia à gerência metamorfosear e impor, ao operariado, o conteúdo do seu
próprio saber-fazer, anteriormente usurpado.
Percebe-se, pois, que o controle dos corpos dos/as trabalhadores/as é
apenas um corolário de todo o sistema, cujo cerne é uma apropriação do
conhecimento, dos saberes-fazeres que detém sobre o trabalho. E mais: é um
ataque às formas sociais de reprodução desse conhecimento pelos/as
próprios/as trabalhadores/as, visando abortá-las e com isso abater a
capacidade de negociação destes/as com o capital, tanto no ambiente de
trabalho (no consumo da força de trabalho pelo capital na produção), quanto
fora dele (na compra da força de trabalho pelo capital, na esfera da
circulação).
Dever-se-ia, em sua opinião, suspender toda forma de negociação ou
concessão do capital para com o trabalho. E instituir, abertamente, o
“consumo” da força de trabalho pelo capital. Não apenas dos valores de uso
da força de trabalho postos em curso na execução das tarefas nas jornadas,
mas, além disso, dos saberes-fazeres advindos desse processo. Ao converter
tal conhecimento em matéria da gestão, o capital impossibilitaria aos/às
vendedores/as da força de trabalho a reprodução autônoma do valor de uso de
sua única mercadoria.
Eis, pois, o objeto central do taylorismo: reverter a dependência dos
proprietários dos meios de produção para com a classe trabalhadora, não
apenas quanto à compra da força de trabalho no mercado e seu adequado
consumo na produção, mas também no que tange à própria reprodução da
força de trabalho para além dessas esferas.
O resultado não poderia ser outro senão a ampliação das fraturas sociais
em uma sociedade já fragmentada entre proprietários dos meios de produção
e trabalhadores/as despossuídos/as. Afinal, uma fração dos/as próprios/as
assalariados/as é destinadaà usurpação do conhecimento historicamente
elaborado pela sua própria classe, a fim de distorcê-lo visando otimizar o
consumo da força de trabalho junto aos meios e objetos de trabalho
pertencentes ao capital. Por outro lado, uma fração imensa dos/as
trabalhadores/as somente executa o seu trabalho mediante ordenamentos
estritos, supostamente “científicos”.
Tendo sido definidas rigidamente as funções e tarefas, assim como os
tempos, movimentos e ferramentas de sua execução pelos/as
trabalhadores/as, restou-lhes uma aprendizagem reduzida, pois unilateral,
com o que se logrou reduzir igualmente a duração dos treinamentos
necessários. Consequentemente, ampliou-se a possibilidade de as empresas
assimilarem trabalhadores/as cujo conhecimento técnico e experiência não
ultrapassasse as exigências mínimas requeridas por cada posto, ficando a
cargo da gerência a definição dos saberes-fazeres dessas pessoas e, no caso
de falhas, de sua rápida substituição por outras.
Em confluência com a propositura de Taylor, uma fábrica de automóveis
dos Estados Unidos, nos inícios do século XX, trouxe outros elementos vitais
para que a sociedade do automóvel se consolidasse e se generalizasse. Tais
elementos foram a produção em série e o consumo de massa.
3
Ford e a produção industrial em larga escala
As primeiras coisas que nos vêm à memória quando o assunto é Henry
Ford (1863-1947), são a linha de montagem em série e a padronização e
produção em larga escala de um artigo, o automóvel, que, até então,
constituía-se como um produto de elite. Em menor medida, relembra-se
também da oferta, nos tempos em que ele presidiu a Ford Motor Company,
de salários acima das condições normais da época. Esses elementos revelam
que o criador da marca Ford, tal como Taylor, operou mudanças estruturais
na organização do trabalho fabril. Mas, Ford também refletiu e interveio
sobre o consumo, a circulação dos produtos no mercado, inaugurando o que
muitos considerariam como a “indústria de massa”. Em outros termos, Ford
agiu sobre a reprodução da força de trabalho no âmbito privado, para além da
esfera de produção.
Da mesma forma que Taylor — que decidira ainda jovem empregar-se por
conta própria no chão de fábrica, sem que necessitasse disso para sobreviver
— a biografia de Ford tem traços incomuns. Ele nasceu e viveu até o fim de
sua adolescência na zona rural, tendo desde cedo demonstrado grande
capacidade para a mecânica. Muito jovem e já na cidade, Ford trabalhou em
fábricas de veículos rudimentares usados na lavoura e no transporte de
cargas, mantendo paralelamente a experimentação e construção dos seus
próprios protótipos de automóveis leves, que, posteriormente, dariam origem
a uma das mais importantes indústrias do capitalismo contemporâneo. De
fato, pode-se atribuir a Ford, senão a invenção do automóvel, a sua
popularização.
Por trás do inventor e autodidata, temos em Ford traços que Weber (2004)
teria assinalado como típicos de um “sóbrio capitalismo burguês” moderno,
no qual a ação capitalista, ao invés de simplesmente ter conteúdo racional e
referente a fins (lucros), estaria fortemente guiada por valores (a própria
conduta, ou atividade, como fins em si), ou até mesmo por uma
irracionalidade (o cumprimento da atividade profissional como um dever
ético). É por essa senda que podemos começar a compreender a obsessão de
Ford pela produtividade do trabalho, pois esse “espírito” do capitalismo lhe é
anterior, enquanto empresário, na história dos Estados Unidos.
Vejamos como Ford inicia sua autobiografia, em 1922 (ainda aos 59 anos,
duas décadas e meia antes de sua morte), Minha vida e minha obra:
Se o dinheiro fosse a minha ambição, o sistema atual me seria ótimo, porque me fornece em
abundância. Preocupo-me, porém, com o rendimento e a atual ordem de coisas não permite o melhor
rendimento porque dá azo a toda sorte de desperdícios e impede que muitos homens recebam o
exato equivalente do seu trabalho. E ninguém aproveita com isso. Penso, pois, numa melhor
organização e melhor ajustamento (Ford, 1995, p. 108).
Sua preocupação é, a princípio, similar à de seu contemporâneo Taylor —
extrair o maior rendimento possível dos/as trabalhadores/as. E como ele, Ford
reproduziu em suas notas e ações o mesmo preconceito de classe: acreditava
que os/as assalariados/as também eram prejudicados pela falta de
produtividade. Ford impõe-se, assim, como o fizera Taylor, a tarefa de
mostrar ao público como contornar esse “problema” social. Mas,
diferentemente da frieza técnica de Taylor, Ford vê-se a conduzir uma tarefa
ética, o que o leva a dizer:
Muito me interessa demonstrar que as ideias que temos posto em prática são capazes de mais ampla
extensão, e que longe de se restringirem ao fabrico de automóveis podem vir a tornar-se uma
espécie de código universal. Estou certo disso e demonstrá-lo-ei com a máxima evidência,
esperançoso de que tais ideias não sejam recebidas como ideias novas, e sim como um código
natural. A lei natural é a lei do trabalho e só por meio do trabalho honesto há felicidade e
prosperidade. Da tentativa de furtar-se a estes princípios é que os males humanos defluem. Não há
sugestões que me impeçam de aceitá-los como princípios naturais. A lei do trabalho é ditada pela
natureza e é um dogma que devemos trabalhar. Tudo quanto pessoalmente tenho feito veio como
resultado da insistência em que, já que temos de trabalhar, o melhor é trabalharmos com inteligência
e previsão: e ainda que, quanto melhor trabalharmos, mais bem nos sentiremos (Ford, 1995, p. 109).
Eis como Ford vê o trabalho tout court: como uma “vocação” no sentido
que Weber (2004) dá ao termo. E como bom puritano, além de atacar o saber
do operariado, Ford atacará o “desperdício” de tempo, de materiais e de
trabalho:
Numa oficina, o fio é o operário munido de sua máquina; se o operário não for hábil; se esta não
prestar, nada valerá aquele. Todas as vezes que se emprega mais força do que o trabalho exige, há
desperdício. […] Tenho-me esforçado por produzir com mínimo de desperdício, tanto de material
como de mão de obra, e por vender com o mínimo de lucro, fazendo depender o lucro total da massa
das vendas; e na fabricação o meu fito é distribuir salários máximos. Como isto tende a abaixar o
preço de custo, e como vendemos com lucro mínimo, nos é possível oferecer os nossos produtos por
um preço de acordo com a capacidade aquisitiva do público (Ford, 1995, p. 109-110).
Embora possa parecer simples e finalística a sua lógica, Ford sempre dá
um tom valorativo, moral, às suas ideias, colocando os seus negócios como
algo mais que simples produção e comércio, como uma prestação de serviços
à sociedade. Acerca dos “princípios de eficiência”, Ford assevera:
O lucro não pode ser o ponto de partida, mas deve ser o resultado dos serviços prestados. […] Não
[se deve] reduzir a indústria à arte de vender caro o que se fabrica barato. A indústria consiste em
obter matéria-prima por preços razoáveis, transformá-la com a menor despesa possível em artigos
vendáveis e entregar estes artigos ao consumidor. O jogo, a especulação, a fraude só podem entravar
a marcha das operações (Ford, 1995, p. 110-111).
Ford vincula, nessa ordem, o aumento salarial à elevação do lucro
empresarial. Ao mesmo tempo, desvincula o lucro da especulação em preços
na circulação, atrelando-o à eficiência da produção. Por isso, se voltará a duas
estratégias: estudar as demandas do mercado e desenvolver aquilo que o/a
consumidor/a médio/a supostamente busca; tendo feito isso, detalhar a forma
mais econômica de produzir, reduzindo custos e, dentro de um critério bem
particular de eficiência capitalista (pagar melhores salários, desde que se
obtenham bons lucros), fornecer tais produtos à sociedade.
Esse elemento ético-político, de autoafirmação de uma presteza social da
produção capitalista, é imprescindível para compreendermos o pensamento
de Ford no que tange à “estandardização” (geralmente interpretada como
sendo apenas barateamento de preços):
A estandardização, como a entendo, nãoé escolher o produto mais vendável e limitar-se à sua única
produção. É dedicar dias e noites, às vezes anos, primeiro ao estudo de um artigo que corresponda
do modo mais perfeito aos desejos e necessidades do público, e depois à melhor maneira de fabricá-
lo. Deste modo, quando a base da produção se muda do fito de lucro para o de “serviço”, o negócio
estará consagrado e o lucro será imenso. Isso é evidente. É a base de todo o negócio que queira
satisfazer os noventa e cinco por cento da coletividade. É também o meio de a coletividade prover as
suas necessidades (Ford, 1995, p. 123-124).
Não só a produção, mas também a circulação aparece no pensamento de
Ford. E embora se lhe credite uma suposta primazia ao consumo de massa,
deve se observar que este é, em Ford, acima de tudo, a capacidade de
produzir em massa, buscando elevar os lucros pela redução de custos na
produção:
Resta ainda repudiar a ideia de fazer depender o preço das possibilidades do mercado em vez de o
fixar de acordo com o custo da produção. Quando o plano de um artigo foi suficientemente
estudado, só de longe em longe é que nele se introduzirão modificações, ao passo que as alterações
serão frequentes e espontâneas nos processos de fabricar (Ford, 1995, p. 124-125).
Ford, assim, se lançará ao estudo da organização produtiva, introduzindo
formas de controle do trabalho no mesmo sentido de Taylor: o estudo e a
aplicação prescritiva de métodos de execução das atividades, acompanhados
de projetos de ferramentas especiais voltadas a cada tarefa. Todavia, superará
Taylor ao desenvolver um sistema de controle que abarca todos os postos de
trabalho como uma cadeia única e interligada de atividades. Além das
ferramentas, Ford considerará todas as instalações produtivas.
Tal como Taylor, Ford buscará abolir todo trabalho que não gere valor.
Seu primeiro objetivo será fixar os/as trabalhadores/as nos postos, evitando
deslocamentos pela empresa. Daí a ideia de colocar não apenas o objeto de
trabalho, mas as ferramentas e máquinas ao alcance da mão dos/as
operadores/as. Os postos e bancadas, aliás, seriam arranjados para permitir
uma articulação e um fluxo contínuo entre as diversas operações da fábrica, a
fim de que, em cada ponto, fosse agregado valor, com um mínimo de perda
em termos de tempo e de deslocamento.
Disso emergiu a construção de famosa linha de montagem automática na
fábrica de Detroit em 1913, uma adaptação à produção de automóveis de um
aparato já usado nos matadouros de Chicago no esquartejamento de reses,
cujos corpos eram transportados em carretilhas (Fleury, Vargas, 1983). A
linha de montagem de Ford constituía-se de um mecanismo de transferência
com movimento contínuo dos objetos de trabalho, que eram levados a quase
todas as seções da planta, enquanto o produto sofria a intervenção dos/as
trabalhadores/as até que pudesse ser finalmente testado e posto no mercado.
Cada um dos postos de trabalho deveria ter suas atividades reduzidas (tal
como no taylorismo) a um conjunto de tarefas detalhadamente prescritas em
termos de tempo e modo de execução, bem como quanto às ferramentas a
serem usadas, ali presentes já em lotes e permitindo rápido acesso. O número
de postos, sua disposição espacial, as tarefas e o número de trabalhadores/as
eram articulados visando uma intervenção uniforme, a fim de manter todo o
conjunto numa cadência firme e constante e intensificar tanto quanto possível
o consumo produtivo da força de trabalho.
É evidente que a implantação desse sistema levou à especialização das
atividades de trabalho a um nível de limitação e simplificação tão extremos
que, embora no âmbito coletivo, do trabalho cooperado, o resultado fosse
uma enorme produtividade, ao nível dos postos individuais, a linha fordista
convertia os/as trabalhadores/as em “apêndices” da maquinaria (cenário da
grande indústria já descrito e analisado por Marx no século XIX). Segundo
Fleury e Vargas (1983, p. 24):
[…] o tempo de montagem do chassi reduziu-se de 12 horas e oito minutos para 1 hora e 33
minutos. E essa atividade ficou separada em 45 operações extremamente simplificadas […]. Em
uma linha de montagem de motores o trabalho também foi parcelado nas mesmas proporções. Antes
a operação era realizada por uma só pessoa. Com a esteira rolante ficou dividida por 84 operários.
Fixo no seu posto de trabalho, o homem passou a ser quase um componente da máquina. Os seus
movimentos deveriam ser feitos mecanicamente sem, segundo Ford, interferência de sua mente,
guardando, assim, perfeita harmonia com o conjunto da linha de montagem.
Duas consequências imediatas foram a redução do tempo de experiência
exigido aos/às trabalhadores/as, assim como o estreitamento do seu raio de
visão sobre o conjunto dos processos produtivos. A unilateralidade das
exigências em termos de saberes-fazeres atingiu um ponto em que o
absenteísmo e a rotatividade explodiram. Ford enfrentou isso de modo
truculento, combatendo inclusive os sindicalistas que se opuseram aos seus
métodos.
O fato é que o sistema fordista aprofundou um limite posto pelo próprio
taylorismo: ao arrancar o desempenho dos/as trabalhadores/as desprezando a
sua iniciativa, atinge-se um patamar de uniformidade que conduz à
estagnação da produtividade. Cabe, então, lançar mão daquilo que Taylor já
admitira: incentivos. Embora — e isso é importante — sempre vinculados ao
atingimento dos padrões impostos.
No caso de Ford, em vez das bonificações, ofereceu-se aumentos salariais
reais e até redução da jornada de trabalho (comparativamente às demais
empresas do setor na época), tudo vinculado à conquista de metas crescentes
de produtividade e dentro de um alto grau de responsabilização por parte
dos/as assalariados/as com os objetivos da Ford Motor Company. Vejamos
suas palavras a respeito:
“Quanto deve ganhar o operário?” “Quanto deve pagar o patrão?” Questões mal postas. A pergunta
deve ser: “Que é que a empresa pode suportar?” Claro que em negócio nenhuma despesa pode
exceder à receita. Quando se tira água de um poço em maior quantidade do que entra, o poço se
esgota. […] Matar uma empresa por meio da greve ou do “lockout” não melhora coisa nenhuma.
Nada consegue o patrão com olhar para seus operários e perguntar-se até que ponto lhes poderá
diminuir o salário. Também o operário nada consegue erguendo os olhos ameaçadores para o patrão,
perguntando-se até que ponto poderá forçar o aumento. No final das contas, uns e outros se veem
obrigados a olhar para a empresa, perguntando-se: “Como poderemos fazer esta indústria bastante
sólida e rendosa para nos proporcionar a todos uma vida segura e cômoda?” (Ford, 1995, p. 130-31).
Não é o caso aqui de discutirmos como, no capitalismo, como bem
observa Ford, “uns e outros se veem obrigados a olhar para a empresa” e
buscar extrair dela a própria sobrevivência. O importante é que a implantação
dos métodos de organização antes descritos permitiu a Ford um surto de
produtividade:
Em seu ponto de pico, a fábrica produzia um Modelo T em cada quinze segundos; e, em meados da
década de 20, as instalações Ford, suprindo mais da metade da demanda dos Estados Unidos,
podiam produzir mais carros em três meses do que toda a Europa em um ano (Parkinson, 1995, p.
173).
Certamente, Ford obteve por décadas uma massa de mais-valia
extraordinária, o que lhe permitiu ampliar o pagamento individual da força de
trabalho e até mesmo reduzir as jornadas, devido à elevada taxa de mais-valia
(ou, visto por outra perspectiva, ao elevado grau de exploração da força de
trabalho) que auferiu com seus métodos e instalações. Ambas estratégias
estão vinculadas, claramente, à intensificação do trabalho:
Em 1915 elevamos o nosso salário mínimo de 2,40 a 5 dólares diários — e foi aí que, podemos
dizer, realmente se iniciou a nossa alta produção. […] Começamos com um mínimo de 5 dólares e
mais tarde verificamos que podíamos elevá-lo a 6. Mas não temos nenhuma norma para fixar o valor
de qualquer tarefa; pagamos de acordo com o valor do homem, sendo que mais de 60% dos nossos
operáriosvencem paga superior à mínima (Ford, 1995, p. 146-147).
Se por um lado o aumento salarial manobrava a produtividade para acima
da média, por outro buscava minimizar os efeitos da rotatividade, do
burocratismo e da monotonia inerentes ao próprio sistema. Ford, contudo,
não via tais efeitos como colaterais ao seu sistema; ao contrário, seus
métodos é que constituíam uma forma de aproveitar as imperfeições da
natureza humana, afinal:
Necessariamente o trabalho de muitos homens tem de ser pura repetição de movimentos, pois de
outro modo não se pode conseguir sem fadiga a rapidez da manufatura que faz descer os preços e
possibilita os altos salários. Algumas das nossas operações são excessivamente monótonas, mas
também são monótonos muitos cérebros; inúmeros homens querem ganhar a vida sem ter que pensar
— e para estes a tarefa unicamente de músculo é a boa. Possuímos em abundância tarefas que
exigem cérebro ativo, e os homens que no trabalho de repetição se revelam de mentalidade ativa não
permanecem nele muito tempo (Ford, 1995, p. 148-149).
Prossegue Ford, relatando exatamente o papel que o aumento salarial teve
diante da rotatividade:
Anos de observação desautorizam-nos a afirmar que a prática do trabalho monótono seja nociva à
saúde. Parece até que tal gênero de trabalho é mais favorável à saúde física e mental que outro.
Demais, se os operários não se comprazem nesse trabalho, pedem remoção. Em 1913, em Highland,
tínhamos, por mês, 39,9% de remoções. E em 1915, após a elevação do salário a 5 dólares, essa
percentagem caiu para 1,4%. Em 1919, subiu para 5,2%, descendo hoje a 2% (Ford, 1995, p. 149).
No que tange à jornada de trabalho, Ford conseguiu reduzi-la sem que isso
afetasse os lucros da empresa. O aumento de produtividade resultante de seus
métodos e instalações — que, ao longo das décadas seguintes, permitiriam
também reduzir o valor da força de trabalho (devido à simplificação a que foi
submetida, embora a princípio Ford tenha concordado em pagar um “preço”
maior por ela, em termos de salários) — não veio desacoplado de maior
intensificação. E o próprio Ford é quem o declara:
Estabelecemos o dia em 8 horas, não porque seja a terça parte do dia, mas porque verificamos que é
dentro desse tempo que o operário produz seu melhor rendimento. […] Nas nossas usinas
verificamos que cinco dias de trabalho por semana bastam para nossa produção, e que nestes cinco
dias de oito horas podemos produzir mais do que em seis ou sete de dez horas. Esse dia de folga
conquistado trará grandes vantagens: o operário aprenderá a viver melhor, criará novas necessidades
e fomentará o consumo (Ford, 1995, p. 147-152).
Nesse ponto, é possível indagarmos: o que define, em termos de gestão da
força de trabalho, as propostas de Taylor e de Ford? Numa sentença, definem
um projeto de usurpação, pela gerência capitalista, do conhecimento do
trabalho desenvolvido social e historicamente pela classe trabalhadora. A
gerência, ainda que assalariada, passou a açambarcar e reformular tais
saberes-fazeres em moldes artificiais, sob critérios de eficiência
exclusivamente capitalistas, a simplificá-los e, assim padronizados, impô-los
aos/às trabalhadores/as. Não por acaso atribuiu-se a Taylor o objetivo de
tornar as tarefas dos/as trabalhadores/as tão subdivididas quanto passíveis de
serem assumidas por “gorilas amestrados” (Philip, 1927, apud Gramsci,
1991).
Pode-se, portanto, dizer que os sistemas taylorista e fordista, ou
simplesmente o sistema taylorista-fordista (pois Ford consagra, incrementa e
expande os métodos de Taylor) caracterizou a submissão da qualificação
dos/as trabalhadores/as aos ditames da subsunção real do trabalho ao capital.
A proposta de Ford, aliás, foi além da organização interna das empresas, dos
postos, instalações e tarefas. Como aponta Antonio Gramsci, o americanismo
(ou fordismo) foi mais que um sistema de gestão do trabalho fabril,
caracterizando uma subalternização da classe trabalhadora às condições
sociais e políticas da reprodução do capitalismo em suas bases industriais.
Trataremos, a seguir, desse sistema que transformou a produção, o
trabalho e a vida do século XX.
4
O sistema taylorista-fordista e o novo mundo da
fábrica
Quem lê com cuidado os capítulos d’O Capital, quando Marx se refere à
transição da manufatura para a grande indústria, percebe que a gestão do
trabalho taylorista-fordista tem muito mais elementos de continuidade do que
de descontinuidade em relação à grande indústria do século XIX.
Vivenciávamos um processo, para usar uma expressão de Lukács (2012), de
“desantropomorfização do trabalho”, que é muito acentuado desde os inícios
da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX.
O trabalho taylorista-fordista, que marcou a era do automóvel ao longo de
todo o século XX, fora marcado por um caráter parcelar, fragmentado, e pela
produção em série. Nesse sistema, a concepção e a elaboração são
responsabilidade da gerência “científica”; a execução é responsabilidade
dos/as trabalhadores/as. Marx dizia no século XIX (e isso se manteve no
século seguinte) que a fábrica só poderia funcionar com um exército de
feitores controlando o trabalho, num despotismo fabril acentuado. Por isso, o
século XX caracterizou-se como uma variante da sociedade do trabalho
alienado.
Cabe aqui analisar o alcance maior dessas experiências. O binômio
taylorismo-fordismo foi muito mais que um método de organização do
trabalho e da produção. Foi um movimento de reestruturação produtiva nos
Estados Unidos, visando a ampliação da produção e a extensão do mercado
de consumo. E como tal implicou também uma reformulação da própria
sociabilidade, uma retomada de posição das forças capitalistas contra o/a
trabalhador/a coletivo/a organizado/a. O taylorismo-fordismo foi, enfim, uma
resposta às contradições internas do sistema capitalista, buscando gerar um
contingente de trabalhadores/as facilmente substituíveis segundo suas
qualificações.
O binômio taylorismo-fordismo deve, pois, ser entendido como um
conjunto de elementos pertinentes à formação de um novo tipo de
trabalhador/a, adaptado a uma nova configuração de produção capitalista.
Visou, subsequentemente, formar uma nova classe trabalhadora e um ideal de
“novo cidadão”, numa nova ordem burguesa. Em particular, a experiência
fordista delineia, assim, uma trajetória que se estende desde a reformulação
da organização industrial e produtiva como um todo, para desencadear “num
novo projeto societário dentro dos limites da reprodução do capital”.1
Lukács escreveu em História e Consciência de Classe, publicado em
1923, que a fragmentação taylorista do trabalho penetrava até a “alma do
trabalhador”, dando os contornos mais gerais do complexo da coisificação do
trabalho, numa intricada articulação entre o mundo da materialidade e da
subjetividade operária (Lukács, 2004, p. 202). O filósofo húngaro antecipava,
no momento em que o “fordismo” se expandia como um fenômeno da
indústria estadunidense, teses presentes nos então desconhecidos Manuscritos
Econômico-Filosóficos de Marx, de 1844, que só foram publicados em 1932.
Se percorrermos as formas assumidas pelo trabalho humano urbano sob o
modo de produção capitalista, descritas por Marx n’O Capital como uma
sucessão que vai da cooperação à manufatura e desta à grande indústria, é
possível perceber uma crescente eliminação das propriedades que o/a
próprio/a trabalhador/a confere ao seu labor. Nesse processo histórico, o
trabalho humano foi crescentemente retalhado e padronizado em grupos de
operações parciais e abstratamente pré-concebidas pelas gerências
capitalistas. Configurou-se o que Marx (1978) denomina (no “Capítulo VI —
Inédito” d’O capital) como uma subsunção formal e real do trabalho ao
capital. E que, segundo Lukács (2004), fraturou a relação entre atividade e
produto como uma totalidade orgânica, reduzindo o trabalho humano a uma
atividade repetitiva e mecânica.
Desde então, o próprio tempo de trabalho socialmente necessário passou a
se impor, social e objetivamente, como tempo detrabalho médio, o qual,
mediante constantes processos de racionalização e automação, possibilitou
impor aos/as trabalhadores/as saberes-fazeres fragmentados e exógenos às
suas experiências de trabalho. Não seria outro — assevera Lukács (2004, p.
202) — senão esse o processo que, como vimos nos capítulos anteriores, leva
a gestão capitalista ao estágio em que surge o sistema taylorista, que separa as
“qualidades psicológicas” do/a trabalhador/a do conjunto de sua
personalidade e se lhes objetiva, padroniza, num outro sistema, dele/a
totalmente apartado.
Como resultado, o próprio produto do trabalho humano, que, como uma
unidade, resulta de operações parciais complementares, acaba por perder esse
caráter. Termina por ser o resultado de uma decomposição e reassociação
abstratas e racionalizadas dessas operações. Produto e trabalho, entre si e em
face do/a trabalhador/a, confrontam-se a partir de então como fenômenos
contingenciais e arbitrários. Afirma Lukács (2004, p. 203-204):
O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento em relação ao processo de
trabalho, como verdadeiro portador deste processo; em vez disso, ele é incorporado como parte
mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e funcionando de modo totalmente
independente dele, e a cujas leis ele deve se submeter.
O trabalho perde, segundo o filósofo húngaro, o caráter de “atividade” e
assume o de uma “contemplação”, num processo que se perfaz estranho ao
sujeito do trabalho, seja em sua consciência e ação. E que reduz tudo a um
mesmo denominador quantitativo, no qual o ser humano — e aqui Lukács
(2004, p. 205) resgata literalmente Marx — torna-se a “personificação do
tempo”, vez que não só o tempo de trabalho de uma pessoa passa a ser
comparado, em termos de valor, com o tempo de trabalho de outra, mas,
ambas, enquanto pessoas, passam a ser comparáveis entre si, como valores,
dado um mesmo tempo de trabalho.
Se a atividade de trabalho, assim objetivada e alienada frente à
personalidade do/a trabalhador/a, torna-se uma realidade comum, integrando-
o/a como uma parte isolada num sistema em tudo estranho a ele/a, a própria
decomposição do processo de trabalho na sua totalidade, como produção de
valores de uso, corrói as conexões que ligam os/as trabalhadores/as entre si
como uma comunidade. Tal condição, típica da universalização da forma
mercadoria como predominante dos produtos do trabalho (e, portanto, de toda
troca subsumida a “comércio”), impõe-se como tal no modo de produção
capitalista a toda a humanidade, garantindo ao capital, como relação social
estranhada que é, a condição mais imperativa à sua reprodução histórica: a
existência do/a “trabalhador/a livre”, jurídica e economicamente habilitado/a,
e acima de tudo obrigado, por força das circunstâncias, a vender no mercado
a sua força de trabalho como uma mercadoria que lhe pertence (Lukács,
2004).
Outro grande autor que percebeu com inteligência excepcional os modos
de ser do trabalho taylorista-fordista e suas repercussões na subjetividade do
trabalho foi Antonio Gramsci (1891-1937). No ensaio Americanismo e
Fordismo, ao discutir como o fordismo criou uma concepção de ser humano
integral para o capital, o filósofo sardo expôs, desde o início, as
transformações que a industrialização sob o capitalismo impôs ao ser
humano:
A história do industrialismo sempre foi (e hoje o é de forma mais acentuada e rigorosa) uma luta
contínua contra o elemento “animalidade” do homem, um processo ininterrupto, muitas vezes
doloroso e sangrento, de sujeição dos instintos (naturais, isto é, animalescos e primitivos) a sempre
novos, complexos e rígidos hábitos e normas de ordem, exatidão, precisão, que tornem possível as
formas sempre mais complexas de vida coletiva, que são a consequência necessária do
desenvolvimento do industrialismo (Gramsci, 1991, p. 393).
Gramsci, tal como Lukács, não somente partiu da premissa de que a
industrialização se transformou no núcleo de sustentação e expansão do
capitalismo atual, como buscou analisar como os/as trabalhadores/as, com
suas qualificações, suas formas políticas de organização e seus hábitos de
vida, buscaram se adaptar a tal processo. Uma adaptação que por certo jamais
foi passiva e muito menos pacífica.
À época em que Gramsci redigiu Americanismo e Fordismo, o ano de
19342, muitas das indústrias atravessavam em seus países esses diversos
problemas de adaptação, além de enfrentarem os efeitos da crise de 1929. Era
preciso fazer frente às reivindicações do operariado por melhores condições
de trabalho e de vida, mantendo-se paralelamente a sobrecarga da exploração
do assalariamento a fim de assegurar uma competitividade coerente com a
crescente concorrência capitalista que se colocava em patamares
internacionais.
O sistema taylorista-fordista surge, em tal contexto, como uma solução do
capital que trouxe consigo novas formas de exploração da força de trabalho
na indústria, concomitante a novas qualificações que ao operariado foram
impostas para que integrasse esse novo universo fabril. Portanto, são aí
também engendradas novas condições de vida e de reprodução da classe
trabalhadora, as quais exigiram novas formas de persuasão e mesmo de
coerção aos/às trabalhadores/as, com o fim de os/as amoldarem às mudanças
estruturais em curso. Uma forma explícita de persuasão foram os salários,
que no sistema fordista tiveram, como já se comentou, seu maior exemplo.
Nas palavras de Gramsci (1991, p. 382):
Na América, a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo humano,
conforme ao novo tipo de trabalho e de produção: até agora [1934] esta elaboração acha-se na fase
inicial e por isso (aparentemente) idílica. É ainda a fase de adaptação psicofísica à nova estrutura
industrial, proporcionada através dos altos salários; ainda não se verificou (antes da crise de 1929), a
não ser talvez esporadicamente, nenhum desenvolvimento da “superestrutura”; ainda não se colocou
a questão fundamental da hegemonia. Luta-se com armas apanhadas no velho arsenal europeu e
ainda abastardadas, portanto “anacrônicas” em relação ao desenvolvimento das “coisas”.
Nessa fase de “adaptação psicofísica”, fazia-se necessário, junto à
persuasão com os salários, já em si esfaceladora da união entre os/as
trabalhadores/as como classe, também o desmanche das organizações
tradicionais de luta como os sindicatos, bem como o aniquilamento das
estruturas de reprodução das qualificações para além das fábricas.
Ao introduzir a linha de série, Ford obteve como resposta uma ação
combativa dos sindicatos e trabalhadores/as organizados/as. Eles/as alertavam
para o desmoronamento das qualificações do trabalho na indústria e o
consequente rebaixamento do valor da força de trabalho. Apontavam ainda
que, em longo prazo, a produtividade média seria ampliada e ultrapassaria os
níveis precedentes de desempenho individual e coletivo dos/as
trabalhadores/as, sem garantias de sucessivos aumentos salariais. Ford, por
seu turno, manteve-se firme nos seus planos e confiava justamente nesse
aumento da produtividade e dos lucros para fornecer, como barganha e
naquele exato momento, melhores salários.
Ford reagiu, assim, com a demissão imediata dos/as insatisfeitos/as,
anunciando no dia seguinte o salário de cinco dólares ao dia de trabalho
(quando nos Estados Unidos da época, em 1914, o salário mínimo de um
operário fabril era pouco mais de dois dólares ao dia). Formaram-se filas
imensas de trabalhadores/as em frente à Ford Motor Company em Detroit,
dispersados pela polícia quando as vagas terminaram de ser preenchidas. O
five dollars day entraria, portanto, para a história do capitalismo, não como
uma medida de estímulo ao consumo de massa como tanto se propala, mas
acima de tudo como um “[…] instrumento para selecionar os/as
trabalhadores/as aptos para o sistema de produção e de trabalho [taylorista-
fordista] e para manter a sua estabilidade” (Gramsci, 1991, p. 398).
Uma prova cabal de que os motivos foram exatamente esses está em que o
aumento salarial

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