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Questões da Nossa Época Volume 58 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Antunes, Ricardo A fábrica da educação [livro eletrônico] : da especialização taylorista à flexibilização toyotista / Ricardo Antunes, Geraldo Augusto Pinto. -- São Paulo : Cortez, 2018. -- (Coleção questões da nossa época ; v. 58) 834 kb ; ePUB 1. ed. em e-book baseada na 1. ed. impressa. Bibliografia. e-ISBN 978-85-249-2642-6 1. Capitalismo 2. Organização da produção 3. Produção (Teoria econômica) 4. Relações de trabalho 5. Sociologia educacional 6. Trabalho e classes trabalhadoras - Educação I. Pinto, Geraldo Augusto. II. Título. III. Série. 18-14751 CDD-306.43 Índices para catálogo sistemático: 1. Trabalho e educação : Sociologia 306.43 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964 A FÁBRICA DA EDUCAÇÃO: da especialização taylorista à flexibilização toyotista Ricardo Antunes e Geraldo Augusto Pinto Capa: aeroestúdio Preparação de originais: Jaci Dantas de Oliveira Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Composição: Linea Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor. © 2017 by Autores Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes 05014-001 – São Paulo – SP Tel.: +55 11 3864 011 ; 3611 9616 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br Publicado no Brasil — 2018 mailto:cortez@cortezeditora.com.br http://www.cortezeditora.com.br 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Sumário Introdução Produção e trabalho alienado O sistema taylorista de gestão do trabalho Ford e a produção industrial em larga escala O sistema taylorista-fordista e o novo mundo da fábrica O toyotismo e sua empresa enxuta e flexível A educação utilitária fordista e sua pragmática da especialização A educação flexível e a pragmática da multifuncionalidade liofilizada Uma educação em outro modo de vida: uma breve nota conclusiva Referências Introdução Este pequeno livro nasceu de uma pergunta simples que pode ser assim resumida: qual foi a escola (ou, mais abrangentemente, a educação) que vigorou ao longo de todo o século XX, o chamado “século do automóvel”? E por que, nas últimas décadas, esse projeto está sendo profundamente alterado? Quais são os elementos estruturais que impulsionam a mudança do experimento vivenciado no século anterior? Que interesses, que valores, que concepções ela representa? Será que essas mutações têm conexões e inter- relações densas com as mudanças que atingem o mundo do trabalho e da produção? Essas indagações levaram-nos a outra: será que a educação, dados os seus tantos constrangimentos — que remetem em alguma medida à “anatomia da sociedade civil”—, ainda pode exercer algum papel de relevo na longa e difícil história de emancipação da humanidade? Seu roteiro será, então, o que segue: qual foi o trabalho que se desenvolveu com a industrialização capitalista do século XX? E que escola fora construída por esse mundo produtivo? Que formação carecia, segundo alguns de seus principais formuladores? E o que vem se passando nas décadas desse tormentoso século XXI, nessa era financeira, digital e flexível que conforma o capitalismo na feição mais destrutiva de que sua história tem notícia? Se os filhos das classes médias e da classe burguesa encontravam nas escolas (e também na educação superior) ancoragem nas engenharias, nas medicinas, nas profissões liberais, nos ensinos técnicos e profissionalizantes, qual fora a educação destinada para os filhos da classe trabalhadora? E, mais, em nossos dias, o que pretendem seus formuladores e gestores, com suas propostas que mal conseguem disfarçar seus propósitos, em uma fase em que a desfaçatez de classe é escancarada em seu utilitarismo, na imposição de sua razão instrumental? * * * É preciso dizer que este livro, de feição introdutória, foi escrito por dois sociólogos-professores que não são estudiosos da pedagogia. Isso, desde logo, faz aflorar suas tantas limitações. Mas o nosso tempo obriga-nos a recusar o silêncio e correr certos riscos, exercitando a reflexão crítica e a denúncia. Assim este texto foi concebido, especialmente para a Coleção Questões da Nossa Época da Cortez Editora. 1 Produção e trabalho alienado Por que a produção do mundo tem importância na história humana? O que é, afinal, o mundo da produção? E como se desenha o mundo do trabalho no interior do mundo produtivo? Devemos iniciar dizendo que a produção só pode ser compreendida mediante uma articulação complexa entre o mundo da objetividade e o mundo da subjetividade. Marx conseguiu fugir de “duas armadilhas” na formulação de suas teses: tanto a armadilha de um objetivismo naturalizado, mecanicizado e determinista, quanto de um subjetivismo isolado e fragmentado que desconsidera as ricas conexões do mundo complexo das causalidades e das ações humanas. No conjunto da obra marxiana, a categoria da totalidade é central. Marx a retoma de Hegel, reelaborando-a de maneira que os distintos momentos que a compõem — o econômico, o político, o ideológico, o valorativo — constituam, simultaneamente, processos determinantes e determinados. Isso tolhe qualquer possibilidade, quando se toma a obra de Marx em seu conjunto, de definirmos o seu pensamento como determinista (Antunes, 2009a). É fácil, em uma obra desse porte, tomarem-se passagens aqui e ali, fragmentadas e isoladas de seu contexto maior, e atribuir-se ao pensamento de Marx não só um determinismo, mas, como frequentemente se faz, uma conotação teleológica. Só uma cabal desconsideração de sua obra pode permitir imaginar-se no pensamento de Marx um telos, uma finalidade da história (como há no caso de Hegel, por exemplo). Portanto, o mundo da produção para Marx não se resume estritamente à produção, mas ao modo de produção e de reprodução da vida. É profundamente relacional e é recíproco. As determinantes são determinadas. Isso não elide um problema fundamental, que é o da determinação em última instância. Ao afirmar Marx que há determinações “em última instância”, não está asseverando inexistirem ou não serem efetivas outras determinações na processualidade histórica. Esse “em última instância” é para mostrar que a política, a ideologia, o mundo valorativo, o simbólico, não “voam” livres pelo ar, não têm autonomia completa em relação ao mundo concreto, material. Marx constatou, desde seus primeiros estudos de juventude, como a Crítica da filosofia do Direito de Hegel (Marx, 2005), escritos na virada entre 1843-1844, em particular na Introdução dessa obra, que a anatomia da sociedade civil se encontra na economia política. Marx usa aqui a expressão dos filósofos iluministas até Hegel: a sociedade civil no sentido da sociedade burguesa e de classe. A sua determinação, em última instância, está no mundo material. Mas, atenção: não é no mundo estrito da economia. E não é também no mundo restrito da política. É no universo da economia política. Essa é a ciência nova de que Marx foi o maior construtor. Porque a economia política é a negação da economia isolada como dominante ou da política também isolada como prevalente. Porque elas são inter-relacionais. São determinantes e determinadas1. Não é difícil ver, na história, tantos momentos em que a política se sobrepõe, determinando a economia, e vice- versa. Portanto, o conceito de modo de produção em Marx só pode ser pensado na perspectiva da totalidade. E, com isso, Marx rompe com as leituras que seccionam o mundo da objetividade e o mundo da subjetividade e suas dimensões inter-relacionais. A reciprocidade verdadeiramente dialética desses polos faz que a construção marxiana seja, nesse sentido, absolutamente fundamental enquanto tentativa de compreender a totalidade da vida social, na busca do máximo de conhecimento possível, por intermédio da ciência, acerca do modo de produção do ser social e da vida, num dado momento da história. Por isso é tãopoderia ser destrutivo se “mal aplicado” pelos/as trabalhadores/as na compra de artigos além dos estritamente necessários à reprodução de sua força de trabalho. Mais do que o conforto, havia (segundo os próprios idealizadores do sistema, como Ford) o risco dos/as trabalhadores/as adotarem hábitos de desvio da sua conduta frugal de reprodutores de si mesmos/as como força de trabalho ao capital, como, por exemplo, entrar para a vida boêmia e consumir excessivamente bebidas alcoólicas. E esse era, de fato, um perigo iminente aos industriais como Ford, precisamente porque o trabalho em série, ao intensificar e aniquilar a identificação do/a trabalhador/a com seu trabalho, limitando seus sentidos dentro e fora do ambiente de trabalho e ampliando ao máximo o fosso entre o agente direto e o resultado da produção; ao desprezar diariamente o saber acumulado da classe trabalhadora e sua necessidade e mesmo capacidade de aprendizado, produzia, como um todo, um desgaste acelerado do operariado, um cansaço físico, mental e moral frente ao qual o álcool era e sempre tem sido não apenas um lenitivo, mas o que resta de impulsos humanos: um vício. Nas palavras de Gramsci (1991, p. 398): […] o salário elevado é uma arma de dois gumes: é preciso que o trabalhador gaste “racionalmente” a maior quantidade de dinheiro, para manter, renovar e, possivelmente, aumentar a sua eficácia muscular nervosa, e não para destruí-la ou diminuí-la. Eis então a luta contra o álcool, o mais perigoso agente de destruição das forças de trabalho, a se tornar função do Estado. […] Ligado ao do álcool, está o problema sexual: o abuso e a irregularidade das funções sexuais é, depois do alcoolismo, o inimigo mais perigoso das energias nervosas, e observa-se comumente que o trabalho “obsessivo” provoca depravação alcoólica e sexual. As tentativas de Ford de intervir, com um corpo de inspetores, na vida privada dos seus dependentes e de controlar a maneira de como gastavam os seus salários e o seu modo de viver, são um indício destas tendências ainda “privadas” ou latentes, que podem se tornar, num determinado ponto, ideologia estatal, amparando-se no puritanismo tradicional, apresentando-se como um renascimento da moral dos pioneiros, do verdadeiro “americanismo”, etc. De fato, Ford e demais empresários apoiaram-se no senso comum puritano (que já fizera história no seu país desde os pioneiros da Nova Inglaterra), para empreender uma legitimação de seus efeitos “benéficos” entre o operariado. Nada de drogas e álcool; sexo, só para reprodução; horas vagas deveriam ser dedicadas à devoção religiosa e familiar. Em suma: pregava-se aos/às trabalhadores/as compromisso total com a própria saúde — para que pudessem entregar-se, diariamente, em sua plenitude física e mental, como força de trabalho a ser deglutida pela máquina do capital. Prova ainda maior do nascimento desse grotesco (e tão impunemente festejado) consumo de massa pelas mãos do “gênio” de Ford foi o acatamento, pelo próprio Estado, da proibição e posterior fiscalização de uma dessas prerrogativas fordistas puritanas — a suspensão da produção, comercialização e consumo de bebidas alcoólicas, com o surgimento da “Lei Seca”, que, nos treze anos (1920 a 1933) de sua impostora história acabou finalmente por enriquecer a máfia. Não satisfeito, no âmbito privado Ford ainda agirá por meio de um grupo de agentes especializados de sua empresa, na supervisão e controle da vida íntima dos/as assalariados/as e seus familiares. É curioso como Ford defende-se de tudo isso. No seu Hoje e amanhã, livro de 1926, afirmava: Sempre nos afastamos do “patriarcalismo”. Não fiscalizamos nossos homens no relativo ao emprego do que ganham. Cremos que o homem deve apartar reservas suficientes para enfrentar os maus momentos e assim ajudar-se; nos casos, porém, em que a doença esgota essas reservas, fazemos empréstimos por intermédio de uma seção especial (Ford, 1995, p. 147-148). Gramsci, contudo, mesmo encarcerado por Mussolini na Itália, denunciaria as ações de Ford como sendo a criação não apenas de um operário-modelo, mas de uma sociedade maquínica, concebida e estruturada a partir do universo microcósmico da produção industrial seriada. Em suas palavras: É claro que eles não se preocupam com a “humanidade” e a “espiritualidade” do trabalhador, que são imediatamente esmagadas. Esta “humanidade e espiritualidade” só podem existir no mundo da produção e do trabalho, na “criação” produtiva; elas eram absolutas no artesão, no “demiurgo”, quando a personalidade do trabalhador refletia-se no objeto criado, quando era ainda bastante forte o laço entre arte e trabalho. Mas é exatamente contra este “humanismo” que luta o novo industrialismo. As iniciativas “puritanas” só têm o objetivo de conservar, fora do trabalho, um determinado equilíbrio psicofísico que impeça o colapso fisiológico do trabalhador, premido pelo novo método de produção. Este equilíbrio só pode ser externo e mecânico, mas poderá tornar-se interno se for proposto pelo próprio trabalhador, e não imposto de fora; se for proposto por uma nova forma de sociedade, com meios apropriados e originais (Gramsci, 1991, p. 398). Gramsci apontara, portanto, que o fordismo foi um movimento que alçou o plano da superestrutura, promovendo um novo complexo de valores, hábitos e normas de conduta, adentrando para isso nos campos da religião e da política, a fim de se produzir uma nova forma de pensar e agir, uma nova sociabilidade, chamada por ele de “americanismo” (Dias, 1999). Uma sociedade cujo núcleo familiar se pauta pela monogamia, cujos membros são abstêmios e mantêm um consumo frugal, a fim de suportarem, sem colapsar, o cronômetro da fábrica. A película Tempos Modernos, de Chaplin, produzida não por acaso em 1936, fora uma das expressões mais geniais, no plano fílmico, da sociedade que então nascia. O filme A Classe Operária vai ao Paraíso, de Elio Petri, fotografaria muitos anos depois a conformação desse processo no contexto do “outono quente” das lutas de classe na Itália dos anos 1969-70. Um processo cujo esgotamento o próprio Gramsci (1991, p. 405) já acenara em seu ensaio na década de 1930: A coerção deve ser sabiamente combinada com a persuasão e o consentimento, e isto pode ser obtido, nas formas adequadas de uma determinada sociedade, por uma maior retribuição que permita um determinado nível de vida, capaz de manter e reintegrar as forças desgastadas pelo novo tipo de trabalho. Mas, logo que os novos métodos de trabalho e de produção se generalizarem e difundirem, logo que o tipo novo de operário for criado universalmente e o aparelho de produção material se aperfeiçoar mais ainda, o “turnover” excessivo será automaticamente limitado pelo desemprego em larga escala, e os altos salários desaparecerão. Na realidade, a indústria americana que paga altos salários desfruta ainda do monopólio que lhe foi proporcionado pela primazia na implantação dos novos métodos; aos lucros de monopólio correspondem salários de monopólio. Mas, o monopólio será, necessariamente, primeiro limitado e, em seguida, destruído pela primazia na implantação dos novos métodos tanto dentro dos Estados Unidos como fora (ver o fenômeno japonês do baixo preço das mercadorias) e desse modo desaparecerão os lucros elevados, e também os altos salários. De fato, os “altos salários” desapareceram no decorrer das décadas seguintes. E não obstante o fordismo ser atualmente lembrado como um momento da história em que a classe trabalhadora logrou relativa formalização nas condições de assalariamento, tal situação não foi o resultado de uma dádiva do empresariado e muito menos do seu intento de criar um mercado de consumo próspero, em crescimento, para bem atender a todas as necessidades da classe trabalhadora. As mínimas conquistas desse período foram, em verdade, o resultado das diversas lutas travadas pela classe trabalhadora, por meio de entes como os sindicatos, na resistência (ainda que em muitos casos de perfil negocial) frente aos métodos e artifícios organizacionaise políticos do empresariado. Dessas lutas e negociações advieram a regularização e universalização dos contratos formais, a ampliação dos direitos do trabalho, a redução e a regulamentação da jornada de trabalho e do descanso semanal remunerado. Ou seja, se o fordismo, sobretudo após 1945, trouxe, no dizer de alguns/mas, anos de “glória” à sociedade capitalista, tal cenário se deveu (e muito) às lutas operárias, que permearam o deslanchar do capitalismo de base industrial desde o século XIX (como o levante de 1848, a Comuna de Paris, entre outros momentos) e início do século XX (a considerarmos o impacto das revoluções socialistas, como a da Rússia). Mas, a partir do final do século XX, especialmente desde a década de 1970, o mundo capitalista sofreria mutações no seu interior, conforme veremos no capítulo seguinte. 5 O toyotismo e sua empresa enxuta e flexível Não há espaço aqui para tratarmos de todos os elementos sociais, econômicos e políticos que levaram à crise do taylorismo-fordismo. De modo breve, essa crise do padrão de acumulação taylorista-fordista — manifestação, por sua vez, de uma crise estrutural do sistema de capital, segundo Mészáros (2002) — desencadeou um amplo processo de reestruturação produtiva e dominação política, sob a condução do mundo financeiro, que visava, por um lado, recuperar seu ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de hegemonia, que fora então confrontado pelas lutas operárias. Lutas essas que, especialmente em 1968, questionaram alguns dos pilares da sociedade do capital e de seus mecanismos de controle social (Antunes, 2015a, 2015b). O capital deflagrou, então, transformações nos processos produtivos, lançando alternativas ao sistema taylorista-fordista de gestão. Dentre as várias possibilidades, das quais podemos destacar os modelos da Califórnia, do Norte da Itália, da Suécia, da Alemanha, entre tantos outros, foi, entretanto, o modelo japonês, oriundo da experiência da Toyota Motor Company, que teve maior impacto e difusão. O toyotismo, como ficou conhecido em sua expansão global a partir dos anos 1980, configurou um novo padrão de acumulação que, sem abolir no todo, veio a combinar elementos de continuidade e de descontinuidade do taylorismo-fordismo (Antunes, 2015a, 2015b; Harvey, 1992). Em seus traços básicos, o toyotismo estabelece uma produção mais diretamente vinculada à demanda, diferenciando-se com frequência da produção em série e de massa do taylorismo-fordismo. É um sistema que se estrutura no trabalho em equipe, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo, baseando-se num processo produtivo flexível onde o/a trabalhador/a opera simultaneamente várias máquinas. O toyotismo tem como princípio o just in time, metodologia que busca reduzir continuamente todo “estoque” de tempo e de efetivos. Esta baseia-se num aparato de informação e reposição de produtos chamado kanban. Conforma-se, por fim, uma estrutura produtiva mais horizontalizada, aspecto que se estende também a toda a rede de subcontratação das empresas, ampliando a chamada terceirização. Todos esses elementos são tratados detalhadamente (inclusive, em estudos de caso feitos em empresas e setores) em diversas obras3. Neste livro, atentaremos para alguns pontos, mais voltados à questão da qualificação e da educação pertinentes a esse sistema. O sistema toyotista emergiu dos experimentos, na empresa Toyota, empreendidos entre 1947 e o início dos anos 1970 no Japão, por Kiichiro Toyoda e Taichii Ohno: o primeiro, presidente-fundador; o segundo, engenheiro industrial da empresa. É lícito frisar, porém, que esses experimentos germinaram em meio às particulares relações de trabalho japonesas da época. Um elemento típico era o deslocamento ou a promoção dos/as trabalhadores/as entre plantas e cargos da mesma empresa, o chamado Nen- Ko. Uma vez que tais mudanças atendiam a necessidades apontadas pelas gerências, havendo recusa dos/as trabalhadores/as, se lhes caracterizava tal atitude como falta de comprometimento, rebaixando suas avaliações de mérito. Como as promoções e os salários dependiam dessas avaliações, evidencia-se aqui um eficaz meio de controle (Shiroma, 1993). Outro elemento eram os “benefícios” que cada empresa oferecia, como refeições, serviços pessoais, lojas, escolas, clubes e até dormitórios ou casas. Considere-se ainda que apenas cerca de 30% dos/as trabalhadores/as qualificados/as concentrava-se nas maiores empresas e faziam o possível para evitarem demissões, pois havia também um bônus atrelado ao desempenho das firmas que compunha parte expressiva dos salários anuais. Isso também impulsionava os/as trabalhadores/as a cooperar com as gerências e evitar acordos coletivos por categoria ou setor da economia, preferindo acordos por firmas (Id. Ibid.). Essas ações do empresariado contrapunham-se ao movimento sindical japonês. O sindicalismo metalúrgico, por exemplo, era combativo e lutava contra esse cenário de fragmentação das negociações do pós-1945. As mobilizações espalhavam-se pelo Japão e, chegando à Toyota, enfrentaram dura resistência. O saldo dos embates tornou a seção local dos metalúrgicos um sindicato vinculado à própria Toyota e a seus compromissos: “Proteger nossa empresa para defender a vida” tornou-se o lema desse sindicato, que, além de reduzir drasticamente as greves a partir de 1954, constituiu uma alavanca para a formação de quadros gerenciais (Coriat, 1994, p. 34). No que tange à produção e consumo, de modo geral o toyotismo foi uma resposta ao crescimento lento do Japão em sua recuperação no pós-1945 e nos esforços bélicos a que foi chamado a seguir, junto dos Estados Unidos, na Guerra da Coreia. Urgia, naquele contexto, elevar-se a produtividade das empresas, sem contar com um mercado aberto e cativo, como fora o caso de Ford. Para Ohno, a questão era obter “flexibilidade” para se produzir pequenas quantidades de muitos tipos de produtos num contexto de demandas oscilantes. Os métodos e instrumentos tayloristas-fordistas mostravam-se incompatíveis com tais necessidades, pois geravam estoques. Ohno, contudo, abordou os estoques (sejam trabalhadores/as, equipamentos ou material em excesso) são oportunidades de obtenção de produtividade. Assim, em vez de renegá-la, Ohno (1997) foi “além da produção em larga escala” e a radicalizou, admitindo que o aumento das quantidades produzidas não somente pode como deve estar conjugado à redução relativa das instalações, dos equipamentos e dos efetivos de trabalho. É compreensível, portanto, o fato de ter Ohno estabelecido o que se convencionou denominar de “gestão pelos olhos” (Coriat, 1994, p. 34). Toda organização deve, segundo ele, ser concebida de maneira que fiquem facilmente visíveis todos os seus pontos, sobretudo, as formações de estoques neles. Ali estão, sem dúvida, os “poros” de tempo improdutivo das jornadas de trabalho (a “cera” nas operações, no linguajar de Taylor, ou os deslocamentos inúteis pela fábrica, com os quais Ford se debateu). Ohno vai além: os estoques são tudo o que é desnecessário à fabricação dos produtos efetivamente vendidos. Adotou-se, então, um sistema de informações e de organização dos postos e das tarefas de trabalho, pelo qual os pedidos feitos no setor de vendas é que dispararam os processos produtivos e não o contrário. Para materializar esse princípio de inversão (sem supressão) da fabricação em larga escala, que se tornou conhecido como produção “puxada” em contraposição à “empurrada”, Ohno desenvolveu uma série de artefatos e métodos. Ainda em 1950, aplicou-se um aparato ao chão de fábrica denominado Andon. Tratava-se de uma série de painéis luminosos instalados acima de cada posto, pelos quais podiam-se evidenciar os padrões de operação e, com um breve olhar, informar-se sobre problemas que ali estivessem ocorrendo. Além desses painéis, cartazes luminosos foram colocados acima de cada seção, informando sobre o andamento de conjuntos de postos de trabalho: a luz verde servia para indicar que tudo corria bem; a alaranjada, informavasobre a necessidade de auxílio de outros/as operários/as; a luz vermelha, que advieram problemas naquele setor e se deveria parar todos os processos (Coriat, 1994; Gounet, 1999). Para utilizar eficazmente o Andon, Ohno desenvolveu outras medidas para tornar a produção também mais ágil e flexível. Uma delas, entre 1947-1950, foi a introdução de mecanismos de parada automática por autodetecção de erros nas próprias máquinas, a chamada “autonomação”, cuja criação original foi de Kiichiro Toyoda na fabricação de equipamentos ao setor têxtil — outra das atividades da empresa. Adaptada às máquinas da planta automotiva, a autonomação abriu caminho a duas outras medidas. Primeiramente, permitiu delegar a um número menor de trabalhadores/as a operação de várias máquinas simultaneamente, pois a remoção da tarefa de detecção de erros liberou tempo na jornada para as tarefas de alimentação das máquinas, trocas de ferramentas (set up) e manutenção preventiva. Num segundo momento, de dispositivo mecânico, a autonomação foi convertida num princípio de execução do trabalho humano, exigindo-se aos/às trabalhadores/as o acionamento do Andon em caso de problemas, paralisando-se todos os processos. Tal princípio passou a ser chamado de “autoativação” da produção. A autonomação e a autoativação conjugadas, além de permitir a gestão pelos olhos, ensejaram um novo arranjo da divisão do trabalho internamente à fábrica, inaugurando uma nova experiência de consumo do trabalho vivo pelo capital. Passou-se a atribuir a cada trabalhador/a, de forma gradativa, não somente um número e diversidade maior de máquinas, mas também novas tarefas e responsabilidades. Junto da operação, se lhes atribuíram funções de diagnóstico, reparo e manutenção dos equipamentos, assim como a programação, ao mesmo tempo em que métodos de aceleração das trocas de ferramentas eram continuamente implantados. Num último estágio, foram atribuídas a praticamente todos os postos de trabalho tarefas de controle de qualidade antes concernentes a um departamento específico na empresa. Emergiu desses procedimentos o conceito de “polivalência”, tão caro ao sistema toyotista e que, numa primeira observação, levaria a crer que Ohno rompeu com o sistema taylorista-fordista ao promover uma “desespecialização” que enriqueceria as atividades, ou mesmo delegaria à classe trabalhadora novamente um papel histórico de elaborar e acumular os saberes-fazeres da produção. Não se deve esquecer, entretanto, que, da mesma forma como Ford dispôs da prévia simplificação e prescrição do trabalho sistematizadas por Taylor, Ohno igualmente partiu do estado da arte da organização industrial do pós- 1945, na qual os tempos e movimentos do trabalho já haviam sido suficientemente racionalizados pela gerência a fim de impedir uma reassunção do conhecimento e controle do trabalho pelo operariado. Destarte, a desespecialização trazida pelo toyotismo foi uma diversificação de atividades já previamente racionalizadas, com o intuito de novamente atacar o controle que os/as trabalhadores/as mais qualificados/as ainda detinham. Nas palavras de Coriat (1994, p. 53-54): Trata-se aqui, também — como na via taylorista norte-americana —, de atacar o saber complexo do exercício dos operários qualificados, a fim de atingir o objetivo de diminuir os seus poderes sobre a produção, e de aumentar a intensidade do trabalho. E os operários qualificados viveram efetivamente este movimento de desespecialização como sendo um ataque ao seu exercício profissional e ao poder de negociação que este mesmo exercício autorizava. […] Há aí um outro caminho tomado pelo mesmo e único processo geral de racionalização do trabalho que se estendeu pelo mundo […]. Em lugar de proceder por parcelização e microtempo impostos como se fez na via norte-americana, a racionalização procede, neste caso, através da desespecialização e do tempo partilhado. Partindo das possibilidades abertas pela autonomação, pela autoativação e pela polivalência , ainda nos anos 1950 Ohno reorganizou o espaço fabril, introduzindo “células” de produção nas quais grupos de trabalhadores/as polivalentes passaram a se responsabilizar por ciclos completos (ainda que intermediários) da fabricação dos produtos. Em vez de uma disposição linear de postos e equipamentos similares, a Toyota organizou um conjunto de células nas quais três a quatro máquinas diferentes foram postas lado a lado num formato de ferradura, sendo operadas no centro por um/a ou dois/duas trabalhadores/as. O resultado dessa reorganização, na sua totalidade, foi permitir uma realocação entre máquinas e operários/as, estabelecendo-se novas e constantes racionalizações não somente “dentro” das tarefas, mas “entre” estações de trabalho, visando-se, ao fim e ao cabo, uma contínua redução tanto dos estoques em cada posto e em cada máquina, como dos poros de tempo no decorrer do transporte e encadeamento dos produtos ao longo da produção. Retomando aqui uma análise nossa, em obra anterior, pode-se dizer que: […] ao contrário do sistema taylorista/fordista, no qual a somatória do tempo das mínimas operações de cada um dos trabalhadores era previamente fixada e determinava a capacidade produtiva do sistema como um todo, no sistema toyotista, o que importa é o tempo de “ciclo das atividades” realizadas em cada célula e, consequentemente, em cada posto de trabalho, sendo ambos variáveis, ou restabelecidos permanentemente de acordo com a variação da demanda geral, isto é, do fluxo da cadeia produtiva. Essa é a diferença quando se fala em produção “empurrada” ou “puxada”. Muito menos abrangente do que a conhecida afirmação de que o sistema toyotista submeteu a produção às determinações do mercado consumidor, a diferença marcante entre o sistema taylorista/fordista e o toyotista, nessa questão, reside muito mais no fato de que o balanceamento do tempo do ciclo das atividades de trabalho, nos postos internos nas empresas, passou a ser realizado com base no fluxo da demanda nas cadeias produtivas como um todo (Pinto, 2013, p. 70). A combinação entre autonomação, autoativação, polivalência, Andon e celularização permitiu, já no início dos anos 1960, a adaptação das técnicas de reposição de prateleiras que Ohno vira nos supermercados estadunidenses. Nasceu então o kan ban, um aparato de informação e alimentação de produtos intermediários. Por meio de caixas — posteriormente “cartazes”, tradução de kan ban — os pedidos partiam do setor de venda e ativavam, uma a uma, todas as divisões da planta, percorrendo em sentido contrário o fluxo produtivo. Segundo Coriat (1994, p. 56-57): O princípio aplicado por Ohno foi o seguinte: o trabalhador do posto de trabalho posterior (aqui tomado como “cliente”) se abastece, sempre que necessário, de peças (“os produtos comprados”) no posto de trabalho anterior (a seção). Assim sendo, o lançamento da fabricação no posto anterior só se faz para realimentar a loja (a seção) em peças (produtos) vendidas. […] A chave do método consiste em estabelecer paralelamente ao desenrolar dos fluxos reais da produção (que vão dos postos anteriores aos postos posteriores), um fluxo de informação invertido que vai de jusante à montante da cadeia produtiva, e onde cada posto posterior emite uma instrução destinada ao posto que lhe é imediatamente anterior […] de tal maneira que em dado momento, só há, em produção, no departamento considerado, a quantidade de peças exatamente necessária […]. A inovação, como se vê, é puramente organizacional e conceitual, nada de “tecnológico” aqui intervém. Após consolidar a prática internamente, nos anos 1970 a Toyota Motor Company buscou implantar o kan ban nas suas relações com empresas fornecedoras, com o que se aperfeiçoou esse mecanismo, cujo maior resultado é permitir um balanceamento entre a capacidade produtiva da empresa e as demandas do mercado consumidor, mesmo num contexto de baixo e oscilante crescimento. O kan ban agregou-se aos demais elementos e alicerçou o just in time, que, embora seja popularmente conhecido comoo princípio do “estoque zero”, na verdade não deixa de ser apenas mais um engenho — ou, se quisermos, uma metodologia — num sistema maior, cujo grande princípio é a gestão pelos olhos e cujo objetivo central é não somente elevar a produtividade, mas obter flexibilidade. No contexto de crise do capitalismo que se instalou desde meados da década de 1970, a aplicação do sistema toyotista mostrou-se conveniente às empresas e a súbita entrada no mercado estadunidense dos veículos da Toyota Motor Company nos anos 1980 chamou a atenção para essas técnicas. Nas décadas seguintes, os princípios e elementos do toyotismo, em maior ou menor medida, já estavam difundidos e adaptados em quase todos os setores econômicos dos principais países capitalistas, mesmo que aparecessem, como até hoje, “hibridizados” com elementos do taylorismo-fordismo. Um resultado geral do sistema toyotista é a redução do número de trabalhadores/as nas organizações onde é aplicado. Não por acaso, designamos em outros trabalhos esse processo como uma “liofilização”4. É evidente que o mundo da “empresa flexível”, da acumulação liofilizada, não alterou a forma de ser do capital, mas alterou, em muitos pontos, os mecanismos do padrão de acumulação do capital. E isso tem consequências, também, na própria subjetividade do/a trabalhador/a e nas distintas manifestações do fenômeno da alienação. Quem conhece uma fábrica da era taylorista-fordista e vê uma fábrica hoje percebe que a diferença é visível no seu desenho espacial, de trabalho, de organização técnica e de controle do trabalho. Não há mais as divisórias. Não há o restaurante do “peão” e o da gerência. É uma fábrica que seduz com o “encantamento” de um espaço de trabalho mais “participativo”, “envolvente” e menos despótico, ainda que apenas na aparência, como analisou Lima (2004). Em verdade, o toyotismo converte o/a trabalhador/a em déspota de si mesmo (Antunes, 2015a). O toyotismo só pode existir — e as formas distintas de empresa flexível — com base no envolvimento, na expropriação do intelecto do trabalho. Por isso passou a ser comum exigir-se dos/as trabalhadores/as não apenas a execução de variadas tarefas (operação e manutenção dos equipamentos, limpeza e organização do local de trabalho, controle de qualidade etc.), como ainda a responsabilidade de se reunir continuamente com a gerência, sugerindo melhorias nos processos de maneira a cortar estoques e elevar a produtividade. Essa sistemática de reuniões constantes entre assalariados/as e gerência é chamada kaizen, nas quais, segundo Shiroma (1993), é dada aos/às trabalhadores/as uma aparente oportunidade de “contestar” os métodos de trabalho, mas com o objetivo de minimizar os conflitos e se aproveitar ao máximo as divergências como potencialidades para o aumento da produtividade do trabalho em todos os setores. As sugestões colhidas entre os/as trabalhadores/as são compiladas pelas gerências e acabam resultando em ampliação do número de tarefas e intensificação do trabalho, não obstante serem festejadas pelas empresas como atitudes proativas dos/as trabalhadores/as (Pinto, 2011). É nesse novo universo produtivo que se (re)configura o fenômeno da alienação. Uma alienação que é mais interiorizada, ainda mais complexificada. O trabalhador e a trabalhadora têm que se envolver com os objetivos do capital. Ele e ela não são mais “trabalhador ou trabalhadora”, mas definidos como “colaborador e colaboradora”, “consultor e consultora”. A alienação é aparentemente menor, mas intensamente mais interiorizada. Porque é assim que o toyotismo pode envolver. E para que haja o envolvimento, há que se fazer algumas concessões, senão não há base para o “envolvimento” (Antunes, 2015a, 2015b). Estamos longe da apologética do capital que afirma ter o mundo produtivo eliminado a alienação do trabalho. Essa tese não se sustenta. Nós temos, portanto, que compreender essas formas mais interiorizadas e mais complexificadas da alienação e do estranhamento. O que nos leva, finalmente, a desenvolver a seguinte questão: qual é o projeto de educação que o capital, com tais sistemas de organização, desenvolveu ao longo desse período que compreendeu o século XX? E qual projeto vem se desenhando neste início do século XXI? 1. Nos dizeres de Harvey (1992, p. 121): “o que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista”. 2. Publicado como Quaderno 22 (V) entre os seus vinte e nove geniais Quaderni del carcere, obra escrita por Gramsci entre 1929 e 1937, período em que foi mantido preso pelo governo fascista de Mussolini. Utilizaremos como referência principal o texto publicado pela edição brasileira (Gramsci, 1991). 3. Para análises críticas sobre o toyotismo, ver Coriat (1993, 1994), Druck (1999), Gounet (1999), Ichiyo (1995), Pinto (2011, 2013), Sayer (1986), Shimizu (1994) e Kamata (1982). Uma leitura técnica desse sistema pode ser vista em Ohno (1997) e Monden (1984). Quanto a pesquisas feitas em setores e empresas no Brasil, indicamos as coletâneas organizadas por Antunes (2006, 2013, 2014). 4. Como a liofilização não é um termo das Ciências Sociais, cabe aqui uma explicação rápida: na Química, liofilizar significa, em um processo de temperatura baixa, secar as substâncias vivas. O leite em pó é um leite liofilizado. Referimo-nos, portanto, aqui, à secagem da substância viva que, na empresa, é o trabalho vivo, que produz coisas úteis, riqueza material e valor, e que contraditoriamente se reduz no capitalismo. 6 A educação utilitária fordista e sua pragmática da especialização Qual foi a educação exigida pelos gestores e formuladores do capital ao longo do século XX, da era da sociedade do automóvel? Para responder a essa pergunta, deve-se antes indagar qual foi o tipo de qualificação da força de trabalho que as empresas elegeram como pertinentes sob a predominância desse sistema de organização do trabalho. Como vimos, o taylorismo-fordismo teve como meta principal a usurpação pela gerência capitalista dos saberes-fazeres historicamente elaborados e preservados pela classe trabalhadora, com o intuito de reformulá-los e impô-los como normas pétreas aos/às trabalhadores/as, dentro da unilateralidade e da unidimensionalidade típicas do trabalho abstrato e alienado. Esse fora o sentido do one best way de Taylor e ele o exprimiu da maneira mais rude não apenas quando afirmou em seus escritos que existem seres humanos de tipo “bovino”, mas quando apregoou que a gerência de uma empresa ou instituição jamais deveria contar com a “iniciativa” de um/a trabalhador/a. Um desprezo total e declarado pela subjetividade da classe- que-vive-do-trabalho. Vimos também que o taylorismo-fordismo buscou reduzir toda atividade de trabalho a “tarefas” rotinizadoras e, com isso, logrou rebaixar o valor da força de trabalho em geral — muito embora Taylor e mesmo Ford jamais abrissem mão de um quadro qualificado de gerentes assalariados/as (entre outros cargos mais “estranhos”, no caso de Ford, como os/as agentes de investigação da vida pessoal dos/as assalariados/as da empresa). As finalidades, nesses casos, não eram apenas atacar os saberes-fazeres da classe trabalhadora e suas formas historicamente constituídas de reprodução social, mas atacar o seu poder de barganha frente ao empresariado, permitindo a esse rotacionar os quadros de trabalhadores/as quando necessário. Tratou-se, portanto, no taylorismo-fordismo, de uma qualificação com base em uma especialização limitadora e profundamente empobrecedora, tanto do conhecimento teórico, quanto das atividades práticas de trabalho. Uma qualificação marcada pela divisão entre teoria e prática, sendo ambas racionalizadas internamente e reduzidasa “tarefas” em suas execuções. Uma qualificação de tipo parcelar, fragmentada e que só poderia ser construída tendo por base ciências também especializadas. Por isso, o taylorismo-fordismo colocou como horizonte um projeto de educação baseado em escolas técnicas ditas “profissionalizantes”, cujo mote era formar os/as estudantes para o trabalho assalariado, ou melhor, formar a sua força de trabalho para o mercado. Toda mercadoria deve ter um valor de uso, portanto, os saberes-fazeres a serem formados estão, evidentemente, determinados já nos currículos a serem cumpridos nessas instituições. As grades curriculares e sua distribuição em cargas de horas/aula em si já explicitam a estrutura de comércio na qual será consumido esse conhecimento pelas empresas como capital variável, como trabalho concreto urdido em trabalho abstrato. Dentro dessa finalidade, o taylorismo-fordismo colocou como horizonte à educação uma pragmática da especialização fragmentada. Uma educação moldada por uma pragmática técnica que direciona a qualificação do trabalho nos limites da coisificação e da fragmentação impostas pelo processo de trabalho capitalista (Antunes, 2009a). A “escola ideal” para essa qualificação é a que promove o desmembramento entre conceito, teoria e reflexão (o trabalho intelectual), de um lado, e prática, aplicação e experimentação (o trabalho manual), de outro. Uma escola que, além disso, enaltece muito mais a prática, a aplicação e a experimentação em detrimento do conceito, da teoria e da reflexão. Razão instrumental, de um lado; trabalho parcelar, fragmentado e coisificado, de outro1. Uma formação educacional omnilateral no sentido marxiano só poderia se chocar frontalmente com a realidade do sistema taylorista-fordista. Afinal, nesse sistema, é o assalariamento e o consumo da força de trabalho no espaço subordinado e heterônomo da fábrica que, segundo Ford, deveriam conformar a verdadeira “escola”. O papel social da educação básica em instituições de ensino deve, portanto, e quando muito, proporcionar uma ginástica mental que prepare o cérebro como “músculo”, um órgão mecânico, para posteriormente suportar as intervenções do one best way e da rotinização da linha de série. O “aprender a pensar” em Ford, nesse caso, só tem um sentido: promover a obediência. O projeto societário taylorista-fordista só pode ser erigido à base de uma divisão social entre uns/umas poucos/as que, nas palavras do próprio Ford (1995, p. 141-142), estão na “casa de força mental” e outros/as tantos/as que “operam na fábrica junto às máquinas”. No escrito Hoje e amanhã, de 1926, Ford (1995, p. 151-152), num tópico intitulado “Educação utilitária”, já havia tratado sobre o papel da educação no auxílio de jovens em situação social de vulnerabilidade: Por esse motivo jamais pensamos em fundar uma universidade, ou alguma outra coisa que se aparte do que conhecemos a fundo. Dedicamo-nos, em vez, a instruir rapazes e homens feitos na prática e nas ideias da nossa própria empresa, crentes de que por esta forma prestamos um serviço maior. Parece-nos problema muito sério saber o que fazer desses esplêndidos meninos, já responsáveis, que são os de 16 a 20 anos. Nosso primeiro esforço foi no sentido de ajudar aos rapazes que não tinham possibilidade de ajudarem-se. Na “Minha Vida” tratei do assunto com mais amplitude. Criamos a Escola Industrial Henry Ford em outubro de 1916 e admitimos órfãos, filhos de viúvas e quantos não tiveram ensejo de adquirir uma profissão. Planejamos uma escola que não somente se bastasse a si mesma, como ainda proporcionasse aos alunos meios de ganhar, dentro dela, o mesmo ou mais do que em qualquer emprego fora. Fundar uma instituição de ensino de adultos/as que envolvesse pesquisa ou “alguma outra coisa que se aparte do que conhecemos a fundo” (o trabalho seriado da produção de massa) estava fora dos objetivos de Ford, como ele mesmo assume. Não estava fora de questão fundar, de outro modo, uma “Escola Industrial” para adolescentes e jovens. E essa foi outra das criações de Ford: construída em 1916, levando como sempre o seu nome e sobrenome, a escola fordista selecionava jovens em situação de risco social e lhes oferecia bolsas de estudos enquanto nela permanecessem (Cova, 2013). O processo de ensino e aprendizagem era estruturado em oficinas e salas de aula e a própria Ford Motor Company utilizava parte do que era ali produzido como meio de incentivar um “senso de responsabilidade” nos/as estudantes. Esses/as, ao terminarem os estudos com 18 anos, poderiam oferecer sua força de trabalho forjada pelo sistema taylorista-fordista no mercado de trabalho, ou então seguirem um curso de três anos sobre manutenção e construção de máquinas, ofertado a pessoas de 18 a 30 anos. Havia ainda uma “escola de serviços”, destinada a ofertar cursos para trabalhadores/as de outros países, com o objetivo de difundir os ideais do fordismo mundo afora (Cova, 2013). A educação taylorista-fordista é, pois, uma educação puramente formal, parcelar e hierarquizada e perpetuadora da nefasta divisão social entre trabalho intelectual e trabalho manual. Quem a elabora? A gerência capitalista, que se autodenomina “científica”. Toda a concepção é da administração das empresas, onde estão os/as que “pensam” e “elaboram”. A execução é responsabilidade dos/as trabalhadores/as. Separa-se, como se nisso houvesse alguma “ciência”, um grupo de pessoas como homo sapiens e outro como homo faber. Essa é a concepção da gerência “científica” tayloriana. Com Ford e, posteriormente, com Fayol, com Elton Mayo e demais nomes das escolas da administração, em maior ou menor escala essa mesma disjuntiva foi mantida. Cabe atentar, também, para os métodos de treinamento da força de trabalho que visavam atender às demandas do sistema taylorista-fordista e que difundiram, ou mesmo expandiram, as ideias de Ford. Nesse sentido, cabe-nos lembrar das técnicas de treinamento de Charles Allen nos Estados Unidos. Allen havia desenvolvido para a indústria naval estadunidense, no contexto da Primeira Grande Guerra (1914-1918), um conjunto de “quatro passos” de treinamento da força de trabalho em empresas. O primeiro passo consistia na “preparação”, que era o esforço do/a instrutor/a em ensinar as técnicas de produção aos/às trabalhadores/as partindo sempre que possível de analogias e de saberes prévios desses/as, com o fito de lhes prescrever uma (e apenas uma) forma considerada “correta” de trabalhar. O segundo passo consistia na “apresentação”: uma exposição por parte do instrutor do conteúdo das tarefas a serem realizadas pelos/as trabalhadores/as da forma mais clara e acessível, com destaques, repetições e uma gama de métodos que tornassem fácil a assimilação prática das tarefas frente a uma diversidade de conhecimentos e formações por parte dos/as trabalhadores/as (Mueller, 2010). O terceiro passo consistia na “aplicação”, que, como o próprio nome diz, ocorria pela objetivação, na prática, das tarefas após terem sido previamente detalhadas nos passos anteriores. Nesse momento, considerava-se de grande importância o surgimento de equívocos por parte dos/as trabalhadores/as, uma vez que poderiam ser aproveitados pelos/as instrutores/as a fim de esclarecer ainda mais as tarefas prescritas. Por fim, tem-se o quarto passo, o “teste”, que, também como ressalta sua denominação, consistia no desempenho das tarefas prescritas pelos/as próprios/as trabalhadores/as nos postos já sem um auxílio direto dos/as instrutores/as: havendo erros nesse ponto do processo, toda a responsabilidade recairia sobre esses (Mueller, 2010). Isso poderia aparentemente denotar um princípio protetivo aos/às trabalhadores/as e uma responsabilidade a mais às gerências. Mas, o fato é que essa metodologia de treinamento visava fortalecer e beneficiar as empresas para contratarem, ao maior número possível de atividades e com graus elevados de eficiência, uma força de trabalho com pouquíssima qualificação. E isso ficou ainda mais evidente em 1940, quando, novamente em pleno esforçode guerra, surgiu nos Estados Unidos o programa Training within industry (“treinamento dentro da indústria”, doravante TWI), que resgatou os “quatro passos de Allen” dentro de uma nova roupagem: os chamados “Programas J” (respectivamente a job instruction, job methods, e job relations) (Mueller, 2010)2. O TWI ganhou corpo nos Estados Unidos e foi considerado um dos projetos que mais colaboraram para o esforço de guerra. Findo o conflito em 1945, tornou-se o TWI um genuíno produto da cultura organizacional estadunidense recomendado mundo afora pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), tanto aos países em reconstrução, como o Japão, como aos de economia dependente, a exemplo da América Latina, sendo incluído nos pacotes de auxílio dos Estados Unidos a essas nações (Mueller, 2010). No Brasil, o TWI foi inserido inicialmente por plantas subsidiárias de empresas estadunidenses, tendo depois se consolidado com a experiência da Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial (CBAEI) em 1946. Tal comissão instalou escritórios em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, firmando convênios com órgãos públicos desses estados e respectivas federações de indústrias, permitindo uma difusão do TWI não somente às fábricas e empresas em geral, mas às próprias instituições públicas, como as escolas. Por fim, mesmo com o encerramento das atividades da CBAEI, as escolas do Serviço Nacional da Indústria (SENAI) deram continuidade ao programa em seus currículos (Mueller, 2010). As instituições de ensino, portanto, é que deram continuidade, na estrutura de seus conteúdos curriculares e com seus métodos e ferramentas de ensino e de aprendizagem, à formação de uma subjetividade calcada nos princípios da economia de mercado e da hierarquia do trabalho. Vale recordar aqui a excelente crítica de Maurício Tragtenberg (1982, p. 61): [Com a manufatura] há um deslocamento do conhecimento do trabalhador individual ao coletivo e deste ao capital, que culmina com a indústria moderna, onde a ciência aparece como força independente do trabalho e a serviço do capital. A qualificação para o trabalho passa a ser controlada por este. Na medida em que o capital detém o conhecimento, ele funda uma distribuição diferencial de saber que legitima a existente na esfera do poder. Constituindo-se em qualificações genéricas, a força de trabalho pode ser formada fora do processo produtivo: na escola. Deve-se ressaltar que a crítica que o autor faz em diversos dos seus textos sobre as instituições de ensino (em seus variados níveis, da educação básica à pós-graduação) perpassam desde o papel dessas instituições na reprodução de seres que ocuparão posições típicas na estratificação social capitalista, até à subordinação passiva dos indivíduos à sociabilidade imposta pelo capital. No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que definimos como socialização à subordinação, isto é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis com o seu futuro papel de subordinado (Tragtenberg, 1982, p. 53). As “cargas horárias”, as “avaliações”, o conteúdo programático das “disciplinas”, moldam no “alunado” (seres sem luz própria) uma subjetividade pré-formada e pré-disposta à divisão social do trabalho nas empresas e órgãos públicos, entre grupos distintos de “planejadores/as” e “executantes”. Os diplomas e titulações obtidos, por sua vez, conferem reconhecimento social a esse processo e legitimam, ética e politicamente, essa desigualdade como obra do mérito individual ou mesmo da técnica. Da mesma maneira que o mercado de trabalho é regulado pela competição, no interior da escola ela é cultuada nos sistemas de promoção seletivos. O aluno é obrigado a estar na escola e é livre para decidir se quer trabalhar ou não, ter êxito ou não, como o indivíduo é livre ante o mercado de trabalho. […] O aparelho escolar contribui para a reprodução da qualidade da força de trabalho na medida em que transmite saber e regras de conduta (ler, escrever e contar) e tem um destino produtivo (Tragtenberg, 1982, p. 41-42). Esse processo, segundo Tragtenberg, perpassa e vai além do âmbito dos conteúdos ensinados e da relação entre corpo docente e discente: atinge a relação dos/as docentes com as instituições públicas ou privadas nas quais estão empregados/as assalariadamente. E, por fim, atinge a sua relação junto ao Estado e com a sociedade em geral, enquanto profissionais da educação e da pesquisa. O fato é que as instituições de ensino e de pesquisa constituem, tanto quanto as empresas privadas e públicas produtoras de bens e de serviços, organizações “burocráticas”. A burocracia é o formato ideal dessas organizações porque, ao supostamente despersonalizar a gestão, o comando e os fins dessas entidades mediante o estabelecimento de formas de ingresso via certames públicos e normas técnicas de condução das decisões, ela remove da esfera da política o poder de ordenamento social entregando-o a técnicos. Esses, contudo, tal qual operários/as das fábricas, são despossuídos os meios de realização do seu trabalho e cumprem tarefas designadas pelo grupo instalado nas instâncias superiores do Estado, representando os interesses do grande capital. Uma vez mais, nas palavras de Tragtenberg (1980, p. 56): É de se acentuar que o taylorismo intelectual, a divisão do conhecimento em compartimentos estanques definidos pelos nomes das disciplinas contidas nos Programas de Curso, transforma o professor, o trabalhador do ensino, num tipo social tão premido pela divisão social do trabalho intelectual quanto o trabalhador do vidro ou metalúrgico, premido pela divisão material do trabalho. A situação do pesquisador, universitário ou não, não é basicamente diferente. A pesquisa numa sociedade de classes tende a servir à reprodução da dominante. Os resultados obtidos pelos cientistas não são mais do que a transformação, em fatos, de recursos procedentes da classe trabalhadora e que contribuem a médio ou longo prazo para aumentar o grau de exploração que esta sofre. Exploração à qual não foge o pesquisador, inserido num universo burocrático e alienante.3 Se a educação da era taylorista-fordista teve esses contornos que se expandiram ao longo de todo o século XX, o século do americanismo, quais são os fundamentos da propositura de educação na fase de vigência da acumulação flexível? 1. Um exemplo claro disso está no próprio Henry Ford, cuja apologia à formação autodidata e utilitária vem junto com um desprezo pelo estudo da história ou pela educação formal. Na sua autobiografia Minha vida e minha obra, escreve Ford (1995, p. 138): “Um homem hábil é um homem que pode fazer coisas, e sua habilidade para fazê-las depende do que ele tem em si. O que ele tem em si depende das suas qualidades ingênitas em função do que faz para aumentá-las e discipliná-las. Um homem educado não é o que memoriza datas históricas, mas o que pode realizar alguma coisa. Quem não pensa por si não é um homem educado, embora possua muitos diplomas oficiais”. 2. Para detalhes referentes a essas ferramentas de treinamento, remetemos ao citado estudo de Mueller (2010). 3. No livro A delinquência acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder, Tragtenberg (1979) aprofunda essa análise crítica sobre a universidade. Os dois primeiros capítulos desse livro foram republicados em Tragtenberg (1982). 7 A educação flexível e a pragmática da multifuncionalidade liofilizada No item anterior descrevemos como o sistema taylorista-fordista teve sua difusão baseada no desenvolvimento de programas de treinamento dos/as trabalhadores/as nas empresas, a exemplo dos “quatro passos de Allen” e do subsequente programa TWI. Foi dito também que, após a Segunda Grande Guerra (1939-1945),o TWI foi utilizado pelos Estados Unidos em suas incursões no Japão, na “reconstrução” desse país pelo Plano Marshall. No Japão, o TWI, como programa de treinamento em larga escala, fora um instrumento fundamental na reconstrução física das instalações produtivas japonesas destruídas no conflito, pois permitia mobilizar forças de trabalho pouco qualificadas num quadro de enormes perdas humanas no combate. Ademais, a reconstrução assistida pelos Estados Unidos intentava apaziguar a agitação civil diante do trágico desfecho desse conflito imposto ao Japão. Um terceiro ponto a ser arrolado é que o TWI constituiu ainda um meio eficaz de extinguir qualquer indício de organização do trabalho que buscasse questionar os princípios de mercado nesse país (Mueller, 2010). Foram deslocados ao Japão, no pós-1945, experientes instrutores/as do TWI para uma difusão do programa em “cascata”: treinaram instrutores/as japoneses/as que se tornaram multiplicadores/as dos métodos no país nas décadas seguintes. Se no programa TWI o papel do/a instrutor/a já era central, no contexto de sua difusão no Japão esse cargo adquiriu uma visibilidade ainda maior: além dos treinamentos, cabia aos/às instrutores/as — sobretudo aos/às multiplicadores/as que os/as sucederam — um papel de liderança, de aconselhamento (às gerências e aos setores operacionais), de substitutos/as emergenciais em todo tipo de tarefas e, ademais, de solicitarem e implantarem melhorias contínuas nos processos de trabalho (Mueller, 2010). Assim, junto dos princípios do taylorismo-fordismo (difundidos como gerência “científica”), o TWI levou consigo ao Japão, já nos anos 1950, princípios de dispersão das tarefas de controle de qualidade entre vários postos e, acima de tudo, o cerne do kaizen, que é princípio de “melhoria contínua”. Afirma, a respeito, Mueller (2010, p. 137-138): O Programa TWI inovou o processo produtivo ao ampliar, no que se refere ao gerenciamento da força de trabalho, a função do supervisor e, ao mesmo tempo, a perspectiva da própria força de trabalho, porque o supervisor passa a atuar como um facilitador e incentivador das possibilidades de implantação de melhorias na produção e não somente atuar como um monitor da força de trabalho; e, desta força de trabalho, passa a se requisitar a capacidade de detectar erros e sugerir ideias que possam ser agregadas ao processo de produção com o objetivo de racionalizá-lo. […] Isso somente torna-se possível quando se institucionaliza via certa metodologia de ensino que até então se dava de forma empírica: a melhoria contínua ou, na perspectiva do gerenciamento japonês, o kaizen. O TWI, portanto, como programa de treinamento nos métodos tayloristas- fordistas, tornou-se nas missões internacionais em que foi aplicado uma plataforma de testes e aperfeiçoamento desses próprios métodos, nas várias adaptações a que foram submetidos. No Japão, o TWI teve de fornecer uma base para o aumento da produtividade de empresas que não podiam lançar mão de elevados investimentos em instalações físicas e na contratação de força de trabalho suplementar, pois as condições conjunturais de mercado lhes exigiam, além da produtividade, “flexibilidade”. A Toyota Motor Company foi um caso de grande êxito: por meio do programa Toyota Training Within Industry (TTWI), ela se apropriou da gerência “científica” estadunidense e, submetendo-a a uma série de adaptações, alçou suficiente autonomia para lançar as bases de um novo sistema de organização ao longo das décadas de 1950-60 (Mueller, 2010). É interessante constatar como o programa TWI no Japão levou adiante experiências nas quais o esforço para elevar a produtividade se obtinha mais pela via do detalhamento das operações, da eliminação de desperdícios e aproveitamento de todas as capacidades dos/as trabalhadores/as, que pela via da introdução de uma maquinaria mais custosa. Foi exatamente sob tais propósitos que a qualificação da força de trabalho adquiriu significativa importância no toyotismo. Uma qualificação prévia já era buscada, mas a formação no interior das fábricas foi igualmente mantida e valorizada, tal como no taylorismo-fordismo. No Japão, relata Shiroma (1993), durante a recuperação de sua indústria nas décadas de 1950-60, diante da escassez de força de trabalho qualificada, as empresas cobiçavam os/as trabalhadores/as que tinham, ao menos, a formação secundária. E forneciam-lhes, nos três anos seguintes à contratação, um curso em que 70% do conteúdo era puro treinamento prático sobre o trabalho, sendo o restante dedicado a temas de cultura “geral”. Entre esses, compareciam assuntos como a história da empresa, os objetivos das gerências e o perfil de trabalhador/a considerado ideal. Tudo isso estava conectado às particularidades desse contexto que já descrevemos: uma espécie de mercado de trabalho interno nas empresas e os (nascentes) instrumentos gerenciais toyotistas, como o trabalho polivalente em equipe e o próprio sindicalismo de empresa (Antunes, 2015a, 2015b). Difundido às principais potências capitalistas no contexto de crise que se instalou mundialmente após a década de 1970, o toyotismo demandou uma série de qualificações profissionais, educacionais e comportamentais e isso coincidiu com o advento de uma contestação aos métodos do taylorismo- fordismo nos principais países industrializados. Nessa contestação, em fins dos anos 1960, em meio à contracultura e aos posicionamentos dos movimentos sociais (em suas várias vertentes) feminista, negro, indígena, ambientalista, em meio ao repúdio diante do imperialismo estadunidense (e também em relação ao modelo soviético), entre as revoltas operária e dos estudantes, despontavam reivindicações contra a gerência “científica” e a maneira como a educação e as qualificações do trabalho eram projetadas tecnicamente e impostas. Nunca é demais relembrar Marcuse (1973, p. 29-30), que, num trecho de A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional, publicado em 1964, afirmara: Defrontamos novamente com um dos aspectos mais perturbadores da civilização industrial desenvolvida: o caráter racional de sua irracionalidade. Sua produtividade e eficiência, sua capacidade para aumentar e disseminar comodidades, para transformar o resíduo em necessidade e a destruição em construção, o grau com que esta civilização transforma o mundo objetivo numa extensão da mente e do corpo humanos tornam questionável a própria noção de alienação. As criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu. Contestava-se a forma como a qualificação adquirida nas instituições formais de ensino era condicionada pelas necessidades do trabalho profissional, distanciando-se de um projeto que integrasse, criticamente, o mundo do trabalho à educação. Reivindicava-se maior autonomia aos/às estudantes, a flexibilização da hierarquia rígida dos tempos e dos espaços de produção de saberes-fazeres. Suscitavam-se estratégias de aprendizagem comunitárias e, inclusive, por comunhão de interesses, pelas trocas de experiências e visando a produção de um conhecimento mais aberto, dinâmico, em contraposição a um conhecimento disciplinar, centralizado na figura do professor e em conteúdos curriculares considerados arcaicos e impositivos (Kuenzer, 2016). É surpreendente como as instituições de ensino e pesquisa públicas e privadas, conjuntamente às empresas, aproveitando esse contexto de crise mundial e necessária reestruturação produtiva do capital, assimilaram e “adequaram” essas reivindicações ao discurso do capital, ao tempo em que introduziram nos processos de trabalho os elementos da gestão “flexível”, numa verdadeira ocidentalização dos princípios do toyotismo. Nas palavras de Kuenzer (2016, p. 3): A aprendizagem flexível surge como uma das expressões do projeto pedagógico da acumulação flexível, cuja lógica continuasendo a distribuição desigual da educação, porém com uma forma diferenciada. Assim é que o discurso da acumulação flexível sobre a educação aponta para a necessidade da formação de profissionais flexíveis, que acompanhem as mudanças tecnológicas decorrentes da dinamicidade da produção científico-tecnológica contemporânea, ao invés de profissionais rígidos, que repetem procedimentos memorizados ou recriados por meio da experiência. Para que esta formação flexível seja possível, torna-se necessário substituir a formação especializada, adquirida em cursos profissionalizantes focados em ocupações parciais e, geralmente, de curta duração, complementados pela formação no trabalho, pela formação geral adquirida por meio de escolarização ampliada, que abranja no mínimo a educação básica, a ser disponibilizada para todos os trabalhadores. A partir desta sólida formação geral, dar-se-á a formação profissional, de caráter mais abrangente do que especializado, a ser complementada ao longo das práticas laborais. Em termos de uma educação formal, habilidades intelectivas como selecionar e relacionar informações em vários níveis de complexidade, desenvolver conhecimento por simbolização, acesso a recursos de informática e o domínio, ao menos básico, de línguas estrangeiras, passaram a ser exigências à medida que o uso de equipamentos de alta precisão técnica foi cada vez mais difundido. Daí a importância da ampliação da escolaridade em nível básico e mesmo em nível superior, complementada por cursos de capacitação que ofertem saberes-fazeres técnicos específicos demandados pelo mercado de trabalho, geralmente oferecidos nas modalidades à distância. Em termos de qualificação profissional, passou a ser demandada aos/às trabalhadores/as maiores experiências práticas nas atividades, o chamado “conhecimento tácito”.1 A maior novidade entre as qualificações demandadas pela gestão toyotista recaiu, contudo, nos aspectos informais ou comportamentais. A criatividade e a fácil adaptação às mudanças constantes de tarefas, de objetivos e de tecnologias, passaram a ser demandadas aos trabalhadores. É a chamada capacidade de “aprender a aprender”. Maior “autonomia”, no sentido de tomar decisões rápidas, sempre em plena identidade com os “valores das empresas”, estar atento a prevenir problemas e reagir a imprevistos, tudo isso tornou-se “obrigação”, ainda que sob a forma “voluntária”. A capacidade de atuar em (e mesmo liderar) uma equipe, de assumir riscos em atividades organizadas na forma de projetos e cujos resultados são postos como metas, uma proatividade em atualizar-se e aperfeiçoar-se continuamente e, sobretudo, de envolver-se com os objetivos empresariais, passaram a ser requisitos cada vez mais procurados e incentivados aos/às trabalhadores/as. Tragtenberg (1982, p. 35-36) já identificava essas características na educação ofertada pelas instituições de ensino nos países pioneiramente industrializados: No século XIX a introdução da técnica, ampliação da divisão do trabalho com o desenvolvimento do capitalismo, leva à necessidade da universalização do saber ler, escrever e contar. A educação já não constitui ocupação ociosa e sim uma fábrica de homens utilizáveis. Hoje em dia a preocupação maior da educação consiste em formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho, porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais. Não interessa, pelo menos nos países industrialmente desenvolvidos, operários embrutecidos, mas seres conscientes de sua responsabilidade na empresa e perante a sociedade global [itálicos nossos]. Há, portanto, uma combinação de perfis de qualificação pela qual, se uma formação educacional diferenciada é cada vez mais exigida, isso não significa que conhecimentos básicos e científicos sejam imediatamente úteis ao trabalho. Daí a importância das qualificações comportamentais. Nas palavras de Kuenzer (2016, p. 4): […] ao destruírem-se os vínculos entre capacitação e trabalho pela utilização das novas tecnologias, que banaliza as competências, tornando-as bastante parecidas e com uma base comum de conhecimentos de automação industrial […], o mercado de trabalho passa a reger-se pela lógica dos arranjos flexíveis de competências diferenciadas. […] Se há combinação entre trabalhos desiguais e diferenciados ao longo das cadeias produtivas, há também demandas diferenciadas, e desiguais, de qualificação dos trabalhadores, que podem ser rapidamente atendidas pelas estratégias de aprendizagem flexível, o que permite que as contratações sejam definidas a partir de um perfil de trabalhador com aportes de educação geral e capacidade para aprender novos processos, e não a partir da qualificação. O trabalho em equipe constitui, portanto, um desafio à parte aos/às trabalhadores/as e lhes demanda algo a mais que seus conhecimentos técnicos. A equipe ou “time de trabalho” reafirma como nunca as ações cooperativas, em contraposição ao isolamento dos postos na organização taylorista-fordista. Mas, dadas as condições do assalariamento, esse arranjo estimula e se aproveita de um nefasto espírito de competição que se instala entre os membros e os próprios times, pois a avaliação gerencial pelo cumprimento de metas recai sobre o coletivo, cabendo aos membros encaminharem internamente, como “pares”, as soluções diante das cobranças. Uma escola ampla no restrito espaço do ideário e da pragmática burguesa, uma educação moldada pelos “valores do mercado”, por sua “filosofia” utilitarista, eis a nova dogmática da educação da era do capital flexível. A organização toyotista, neste sentido, possibilitou uma intensificação no consumo da força de trabalho pelo capital que está difuso por todos os ramos da economia, da produção industrial aos serviços e até mesmo na construção civil (Rosso, 2008). Em grande parte, essa intensificação resultou da readmissão, pela administração empresarial, da estratégia (outrora tão criticada por Taylor) de contar com a “iniciativa” dos/as trabalhadores/as, posto que os requisitos de qualificação formal (a experiência, as habilidades, conhecimentos gerais e específicos etc.) somente podem ser explorados plenamente se obtidos por meio dos requisitos de qualificação informal ou comportamental, como o comprometimento com os ideais da empresa, a autonomia e a autodisciplina individuais. Daí esses passarem ao primeiro plano de escopo das gerências de “recursos humanos”. A automação, por sua vez, se provoca uma severa obsolescência de qualificações acumuladas pela classe trabalhadora, demanda outras. O trabalho vivo assume um papel estratégico na acumulação de capital junto ao avanço do trabalho morto. Atividades que envolvem a programação dos equipamentos, sua manutenção preventiva, diagnósticos e reparos de falhas, colocam grande dose de responsabilidade aos/às trabalhadores/as. Contraditoriamente, entretanto, a automação é planejada a fim de também restringir ao máximo a intervenção humana, predeterminando as operações predominantemente para evitar “erros humanos”. Ao menos nas fábricas e empresas tecnologicamente avançadas. De tal modo que a automação dos controles supervisórios dos processos (com a introdução de alarmes e mecanismos de parada automática das máquinas na ocorrência de defeitos e incidentes), responde não somente à necessidade da polivalência, mas da “conservação” dos próprios equipamentos pela via da autonomização do seu funcionamento frente à ação do trabalho humano, o que, como já citado, acaba por deslocar o trabalho vivo e rebaixar o seu valor. Ainda segundo Kuenzer (2016, p. 5): Esta forma de consumo da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas aprofunda a distribuição desigual do conhecimento, onde, para alguns, dependendo de onde e por quanto tempo estejam integrados nas cadeias produtivas, se reserva o direito de exercer o trabalho intelectual integrado às atividades práticas, a partir de extensa e qualificada trajetória de escolarização; o mesmo não ocorre com a maioria dos trabalhadores, que desenvolvemconhecimentos tácitos pouco sofisticados, em atividades laborais de natureza simples e desqualificada e são precariamente qualificados por processos rápidos de treinamento, com apoio nas novas tecnologias e com os princípios da aprendizagem flexível. Sob a vigência do taylorismo-fordismo, as instituições de ensino, sobretudo as de ensino técnico ou profissionalizante, pautavam-se por currículos que primavam pela especialização; sob a vigência do toyotismo e sua organização flexível, o ensino deve ser baseado na desespecialização “multifuncional”. É por isso que, no contexto atual, as instituições de ensino (sobretudo o ensino técnico, mas também o superior, principalmente se voltado às engenharias) têm buscado adaptar seus currículos a um contexto no qual os/as trabalhadores/as devem ser mais flexíveis, “polivalentes”, ao operarem equipamentos cada vez mais avançados, com ênfase nas tecnologias digitais e de informação. A educação requisitada atualmente pelo capital deve ser “ágil”, “flexível” e “enxuta”, como são as empresas geridas pelo sistema toyotista. Não foi por acaso que as grandes corporações inventaram a “universidade corporativa”. Se as universidades, com especial destaque às públicas, produzem pesquisa e avançam na discussão das possibilidades e da necessidade premente de uma sociedade baseada em outro modo de produção e de vida, as corporações privadas desenharam, por sua vez, sua própria universidade para forjar trabalhadores/as dentro dos seus valores empresariais. Feito o experimento da “universidade corporativa”, é hora de propagá-lo para todo espaço da educação formal, em todos os seus níveis, do ensino básico à pós-graduação. Há, então, uma nova pragmática da educação do capital nos dias atuais. No ensino superior, por exemplo, expandem-se os cursos “flexíveis”. Propõe- se um núcleo básico para um nivelamento de competências ditas generalistas e para efetivar uma formação agilizada e com o menor custo possível. Expandem-se as estruturas de ensino não presencial, ofertando cursos à distância e sob métodos “tutoriais”, atingindo não apenas a formação técnica de caráter esporádico e profissionalizante, mas cursos de graduação, inclusive licenciaturas, e de pós-graduação nas mais diversas áreas. Os/as professores/as (acompanhados/as de tutores/as, monitores/as etc.) dirigem-se a centenas e mesmo milhares de discentes com um mínimo ou nenhum contato presencial. Prolifera uma pragmática educacional “flexível” para uma sociedade “liofilizada”. Uma educação “enxuta” para empresas que contam com cada vez menos trabalhadores/as. Da pragmática da especialização hierárquica e estática sob a variante taylorista-fordista, rumou- se à pragmática da liofilização e da flexibilização “multifuncional”, alcunhada “generalista”, sob o comando da empresa flexível e da hegemonia financeira. É nesse contexto que se desenvolve a “teoria do capital humano”, uma forma de reprodução ideológica que concebe a pedagogia a partir da economia utilitarista e neoliberal. Idealizada pelo economista Theodore Schultz, da Universidade de Chicago, ainda na década de 1960 (exatamente enquanto os Estados Unidos aplainavam o terreno da expansão da economia de mercado mundo afora pela via de programas como o TWI, conjugados à exportação de seus capitais), a teoria do capital humano concebe a força de trabalho como nada menos que “capital”. A força de trabalho, apregoam os entusiastas dessa corrente, teria deixado de ser apenas uma capacidade homogênea de operar equipamentos e executar tarefas. Ela compreende um conjunto de saberes-fazeres específicos, de habilidades, destrezas, conhecimentos teóricos e práticos que podem e devem ser desenvolvidos previamente pelos/as trabalhadores/as a fim de serem aplicados e consumidos produtivamente por quem os compra, ou seja, os/as empregadores/as, detentores/as do capital. Trata-se, então, de uma nova fase da educação que se quer pragmática, utilitarista e desenhada segundo a lógica da razão instrumental. Em outros termos, o dever de se qualificar dentro das expectativas do mercado, e, mais ainda, o de compreender essas expectativas e elaborar um plano, nas condições e recursos próprios, para atendê-las e garantir a própria “empregabilidade”, tornou-se, sob a teoria do capital humano, um “empreendimento” a ser assumido individualmente pelos/as trabalhadores/as. Um dispêndio a mais na agenda do/a portador/a da força de trabalho, mas que não deve ser visto como “custo” e, sim, como “investimento”, segundo analisa criticamente López-Ruiz (2007, 2009). Assim, essa “teoria” implica à subjetividade que trabalha, forjar uma concepção de si como “empreendedor/a” que investe na sua força de trabalho como se ela não fosse uma mercadoria, mas parte de um negócio próprio, cuja venda lhe retorna um “capital”. Ser um/a “empreendedor/a”, nesse sentido, é dispor-se a gerenciar a própria vida analogamente à gestão de uma empresa, como um/a “empreendedor/a” capitalista. Afirma López-Ruiz (2009, p. 219): No mundo dos executivos, a palavra “investimento” talvez seja uma das mais utilizadas e não só, como pode se crer, pelos que trabalham dentro dos departamentos de finanças das corporações transnacionais. Investe-se em um capital para aumentar seus rendimentos, investe-se em ações de tal ou qual companhia ou se investe em fundos de maior ou menor risco. Também se investe, contudo, ao fazer um curso de idiomas, ou uma pós-graduação em administração, investe-se em desenvolver a própria carreira e se investe na amizade ou na relação com os filhos. Tudo ou quase tudo se torna objeto de investimento, algo no que se pode ou, muitas vezes, se deve investir. A educação torna-se, então, também um “investimento”, um negócio. E a teoria do capital humano acaba por equalizar o/a vendedor/a e o/a comprador/a de força de trabalho como meros/as comerciantes de uma mercadoria em comum, transacionada por dinheiro enquanto equivalente geral. Nesse truque, o/a trabalhador/a assalariado/a se equipara ao/à capitalista, como se ambos/as tivessem os mesmos objetivos. É pertinente aqui relembrar as palavras de Tragtenberg (1980, p. 55-56), que, no início da década de 1980, já identificava a concretude disso: Sucessão interminável de cursos, alguns sem maior sentido “específico”, implica renúncia a um presente satisfatório como condição de um futuro que sempre fica para depois. Parcelamento do estudo por disciplinas específicas desvinculadas da totalidade têm a função de inculcar a divisão social do trabalho na empresa, a futura mão de obra que a escola prepara ou mantém em “hibernação” na sua função de “pacificação social”. O sistema escolar se constitui hoje numa indústria cultural, pelo montante de capitais investidos, pelo patrimônio das instituições mantenedoras e pelo número de pessoas que reduz à condição de alunos. O processo de produção da mercadoria escolar em nada difere da produção de bens não simbólicos, como automóveis, aviões ou máquinas de lavar roupas. […] O ex-aluno, com seu título, tem seu preço e entra como mercadoria a mais, no mercado de bens simbólicos. Sua venda se realiza através de sua condição de assalariado. […] Daí a educação, que é trabalho humano, aparecer ante aos ideólogos conservadores da economia da educação como capital humano, numa suprema falácia. Essa é a moldura que as chamadas “reformas da educação” trazem embutidas em sua concepção: uma escola (e uma “educação”) flexibilizada para atender às exigências e aos imperativos empresariais; uma formação volátil, superficial e adestrada para suprir as necessidades do mercado de trabalho “polivalente”, “multifuncional” e flexível. Não é difícil perceber que a “educação” instrumental do século XXI, desenhada pelos capitais em sua fase mais destrutiva, não poderá desenvolver um sentido humanista e crítico, que deve singularizar as ciências humanas; ao contrário, poderá concebê-las como decalque das ciências exatas, como um prolongamento residual quiçá desnecessário. 8 Uma educação em outro modo de vida: uma breve notaconclusiva Se a educação desenhada pelo capital sustentou-se e consolidou-se a partir do fortalecimento da divisão perversa entre trabalho intelectual e manual, entre homo sapiens e homo faber, quais seriam, então, os pilares básicos de uma educação emancipada, para além dos constrangimentos do capital? Haverá algo mais vital hoje do que pensar em um outro mundo onde a produção e a reprodução da humanidade efetivem-se através da criação de bens materiais e simbólicos socialmente úteis, sejam materiais, artísticos, estéticos, simbólicos, interativos, contrários à lógica da produção destrutiva e seu sistema de metabolismo sociorreprodutivo hoje dominantes? Uma nova forma de sociabilidade, livre das engrenagens e dos constrangimentos do capital, que possa se erigir e ser tecida a partir da associação de indivíduos livres, na conhecida formulação de Marx presente em O Capital? Com homens e mulheres capazes de exercer seu trabalho autônomo e autodeterminado, voltado para a produção de bens socialmente úteis e na qual o trabalho, educação, o tempo de vida, a preservação da natureza sejam vitais? Onde o controle social e coletivo da propriedade (incluindo a propriedade intelectual) encontre vigência efetiva? Onde as dimensões de gênero, étnico- raciais, geracionais, dentre tantos outros temas vitais, possam ser efetivamente contempladas, em sintonia com o ser social omnilateral e emancipado? Assim, um novo sistema de metabolismo social para além do capital, por certo, encontra na educação um papel de relevo, do mesmo modo que o sistema de capital estrutura e concebe a educação ao seu modo. Mas é bom recordar, com Caio Antunes, que se “uma instituição formal, por maior que seja, não engendra a partir de si um sistema social como um todo” (visto que “a escola não cria o sistema do capital”), do mesmo modo, “tampouco ela tem possibilidade de sozinha confrontá-lo” (Antunes, 2016, p. 156). Entretanto, a própria concepção marxiana, ao “fincar suas bases em sua concepção da formação humana”, apresenta a “especificidade histórica da instituição escolar e explora suas efetivas potencialidades concretas”. Foi por isso que “Marx apostou que a escola tem o potencial de elevar ‘a classe operária bastante acima do nível das classes superior e média2’, contribuindo assim para o processo emancipatório/revolucionário” (Antunes, 2016, p. 156). Se “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”, o “objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado, e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (Saviani, 2003, p. 13). Nesta direção podemos, então, indicar alguns elementos de fundo para se conceber a educação fora dos marcos da separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre homo sapiens e homo faber. Se toda a educação forjada pelo capital assenta-se nessa disjuntiva nefasta, Marx e Gramsci indicaram a necessidade de se conceber uma educação humanista e omnilateral absolutamente oposta à educação unilateral do capital. Seja recusando a unilateralidade taylorista-fordista e sua pragmática da especialização fragmentada, seja rechaçando a falsa “polivalência” e “multifuncionalidade” da empresa toyotista liofilizada, adequada aos novos imperativos do mercado, que procura reduzir os sujeitos a personificações do capital. Mészáros (2002, p. 49) vai ao ponto central: Contra uma concepção tendenciosamente estreita de educação e da vida intelectual, cujo fim obviamente é manter o proletariado “no seu lugar”, Gramsci argumentou, enfaticamente, há muito tempo, que “Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual — o homo faber não pode ser separado do homo sapiens. Também fora do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um “filósofo”, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, ele tem uma linha consciente de conduta moral, e portanto contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, para estimular novas formas de pensamento. (Grifos do autor) Uma educação, concebida a partir do trabalho entendido enquanto atividade vital, autônoma e autodeterminada, em uma palavra, omnilateral, será, então, ao mesmo tempo, resultante e proponente de uma vida verdadeiramente emancipada. Em um texto precioso em que contesta vivamente a educação industrialista de seu tempo, Gramsci asseverou: A escola profissional não deve se tornar uma incubadora de pequenos monstros aridamente instruídos para um ofício, sem ideias gerais, sem cultura geral, sem alma, mas só com o olho certeiro e a mão firme (Gramsci, 2004, p. 75). Ao contrário da escola unilateral, instrumental, alienada e coisificada ofertada pelo capital, a humanidade […] precisa de uma escola desinteressada. Uma escola na qual seja dada à criança a possibilidade de ter uma formação. De tornar-se homem. De adquirir aqueles critérios gerais que servem para o desenvolvimento do caráter. Em suma, uma escola humanista. Tal como a entendiam os antigos, e mais recentemente, os homens do renascimento. Uma escola que não hipoteque o futuro da criança, e não constrinja sua vontade, sua inteligência, sua consciência em formação, a mover-se por um caminho cuja meta seja prefixada (Gramsci, 2004, p. 75). Suas experiências anteriores não são abstratas, remetem às sociedades clássicas e ao Renascimento, onde pode florescer o embrião de uma “escola de liberdade” e “não uma escola de escravidão, e de orientação mecânica”. E acrescenta: Também os filhos do proletariado devem ter diante de si todas as possibilidades. Todos os terrenos livres para poder realizar sua própria individualidade, do melhor modo possível. E por isso, do modo mais produtivo para eles mesmos e para a coletividade (Id. Ibid.). Individualidade omnilateral e não unilateral, livre e não instrumental, emancipada e não alienada: eis os pontos de partida de uma outra educação. Tudo ao contrário do que fez, faz e quer continuar fazendo a escola do capital em sua incessante e tenaz destruição. 1. Sobre as informações deste e do próximo parágrafo, consultar, entre outros estudos, Bruno (1996), Jacobi (1996), Kuenzer (2016), Leite (1995), Riquelme (1994), Salm (1998). 2. Esse trecho que integra a citação de Caio Antunes advém do texto marxiano intitulado Instruções para os delegados do Conselho Geral Provisório: as diferentes questões (Marx, 1985, p. 82). Referências ANTUNES, Caio Sgarbi. A escola do trabalho: formação humana em Marx. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. 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Nós não aprofundaremos aqui o difícil debate acerca das suas similitudes e diferenças. Essas categorias são formuladas por Marx e, em nosso entendimento, integram o fenômeno social da alienação do seguinte modo: o estranhamento é utilizado por Marx quando pretende enfatizar a dimensão de negatividade que caracteriza o trabalho assalariado no capitalismo. Por outro lado, a exteriorização está presente em toda a atividade humana que cria e produz. Com a generalização da forma-mercadoria e do trabalho abstrato, dada sua clara negatividade, na análise de Marx, ter-se-ia a constituição de um momento histórico em que ocorre uma forte aproximação entre o estranhamento e a exteriorização2. Ainda segundo nossa interpretação, esses fenômenos integram o complexo social da alienação. O trabalho é alienado para Marx na medida em que expressa a dimensão de uma negatividade (estranhamento) sempre presente no modo de produção capitalista, no qual o produto do trabalho, que resulta de sua exteriorização, não pertence ao seu criador, o ser social que trabalha. Essa é, para Marx, a primeira expressão da alienação nesse modo de produção. Num segundo momento (uma vez que são quatro os momentos constitutivos do processo de alienação), o/a trabalhador/a que não se reconhece no produto do seu trabalho e dele não se apropria é um/a trabalhador/a que não se reconhece no próprio processo laborativo que realiza. Ele/a não se realiza, mas se aliena, se estranha e se fetichiza no próprio processo de trabalho. Isso leva ao terceiro momento, em que o ser social que trabalha não se reconhece enquanto uma individualidade nesse ato produtivo central da sua vida: é “[…] um ser estranho a ele, um meio da sua existência individual” (Marx, 2004, p. 85). Fato que nos leva ao quarto momento: por não se reconhecer como indivíduo, o/a trabalhador/a também não se reconhece como parte constitutiva do gênero humano: “[…] é o estranhamento do homem pelo [próprio] homem” (Id. Ibid., loc. cit.). São muito esclarecedoras as seguintes palavras de Marx (2004, p. 84-85) a respeito, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, redigidos no ano de 1844, em Paris: O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis porque a sua atividade é atividade livre. O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência. Duas décadas depois, ao publicar o primeiro dos três livros d’O Capital: crítica da economia política, Marx (2013) dará maior densidade ao problema do estranhamento, ao tratar do fetichismo da mercadoria, e do problema da reificação ou da coisificação, na sua concretude no mundo fabril. Todavia, os Manuscritos de 1844, dos quais citamos o trecho, inauguram a incursão de Marx na economia política, num momento em que consolidava sua superação em relação à tradição filosófica alemã da qual era herdeiro, o hegelianismo de esquerda. E ele faz essa superação, essa crítica ontológica, quando salta do idealismo hegeliano para o materialismo histórico e para a construção de seu projeto dialético. Em verdade, desde que começa a elaborar a Crítica da filosofia do Direito de Hegel (Introdução), passando pelos Manuscritos de 1844, Marx empreende em suas formulações os adensamentos ontológicos materialistas que desenvolveu ao longo de toda a sua obra. Na Introdução da Crítica da filosofia do Direito de Hegel não havia ainda um desenvolvimento da sua teoria da mais-valia. Como também não havia um desenvolvimento de sua teoria da alienação, que aparecerá logo depois, nos Manuscritos de 1844. Na citada Introdução, encontramos uma preliminar menção dela, bem como menções seminais de categorias e análises que aparecerão depois nas obras de maturidade, como o proletariado, a revolução, temas que contaram com o apoio decisivo de Friedrich Engels. E essa contribuição engelsiana foi decisiva. Bastaria citar aqui dois textos que tiveram um papel central no pensamento de Marx. O primeiro deles, o Esboço de uma crítica da economia política (Engels, 1979), que Marx lê muito cedo, quando ainda não tinha apreendido a dimensão fundante da economia política, mas estava começando, pela sua atividade jornalística, a tratar da questão ao refletir sobre o roubo da lenha, sobre a greve dos operários da Silésia, sobre o tema da habitação etc. Enfim, assuntos que remetiam à esfera da economia política, à “anatomia da sociedade civil”. Outro texto de Engels que muito impressionou Marx foi o livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (Engels, 2008), ao mostrar concretamente quem era o proletariado que ele ainda tratava num plano filosófico e abstrato nos seus escritos, como na já mencionada Introdução da Crítica à Filosofia do Direito de Hegel. Seja como for, importa-nos aqui, partindo desses geniais pensadores, examinarmos o seguinte: de que modo o século XX não só manteve como intensificou e complexificou as alienações típicas do século XIX, magistralmente descritas por Marx e Engels. Afinal, o capitalismo não é um sistema estático e linear. Ademais, o século XX foi marcado por um duplo processo de alienação: se, por um lado, emergiram novas particularidades e singularidades na forma de ser da alienação, por outro, o modo de produção capitalista na contemporaneidade manteve essencialmente os seus traços ontológicos fundamentais alienantes, quer em sua variante taylorista e fordista, quer em seu experimento toyotista. Para melhor compreendê-los, recuperaremos nos próximos capítulos um pouco do que propugnavam seus principais formuladores. 1. Em A Ideologia Alemã, no extrato “Feuerbach e História”, afirmam Marx e Engels, a respeito: “a indústria e o comércio, a produção e o intercâmbio das necessidades vitais condicionam, por seu lado, a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais e são, por sua vez, condicionadas por elas no modo de seu funcionamento […]” (Marx; Engels, 2007, p. 31). 2. Sobre isso, remetemos o/a leitor/a ao Posfácio de História e Consciência de Classe de Lukács (2004) e à sua obra de maturidade, Para Uma Ontologia do Ser Social, especialmente o quarto capítulo do segundo volume (Lukács, 2013). E aos excelentes estudos (ainda que com abordagens diferenciadas) de Mészáros (2006) e de Ranieri (2001). 2 O sistema taylorista de gestão do trabalho Foi com base no trabalho assalariado (e alienado), largamente analisado por Marx e Engels, que a produção capitalista atravessou os séculos XVIII e XIX. No século XX, quando adentramos na sociedade do automóvel, vemos brotar do microcosmo das fábricas metalúrgicas um novo projeto societal, que envolve desde o plano da exploração da força de trabalho nas empresas(Org.). Sobre o “modelo” japonês: automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho. São Paulo: EDUSP, 1993, p. 79-91. ______. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan/Ed. da UFRJ, 1994. COVA, Marcia Cristina Rodrigues. Política nacional de qualificação profissional: os desafios da qualificação profissional rural em Itaguaí-RJ. Tese (Doutorado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2013. DIAS, Edmundo Fernandes. A liberdade (im)possível na ordem do capital: reestruturação produtiva e passivização. 2. ed. rev. ampl. Campinas, SP: IFCH/Unicamp, 1999. (Textos Didáticos, n. 29). DRUCK, Maria da Graça. 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Constitui-se, assim, como disciplina integradora que, ao buscar os conhecimentos teóricos e práticos da Teoria da Educação, Psicologia, Sociologia e Metodologias específicas das matérias de ensino, generaliza principios, condições e meios que são muito comuns e básicos para a docência de todas as matérias escolares. 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Como não deixar que a tecnologia atrapalhe o convívio e os estudos? + Como impor autoridade a jovens cada vez mais desacostumados a obedecer? + Como lidar com crianças e jovens que parecem estar tão mimados, quanto despreparados para enfrentar as dificuldades da vida? A obra traz em suas páginas, além de respostas para estes e outros questionamentos, um posicionamento firme e claro: os pais que enfrentam situações como essas devem estar sempre alertas aos riscos que os conflitos em família podem provocar e, mais do que isso, devem adotar uma postura ativa, urgente e corajosa para encontrar soluções. 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O que propunha Frederick Winslow Taylor (1856-1915) em Princípios de Administração Científica? Estabeleço como princípio geral […] que, em quase todas as artes mecânicas, a ciência que estuda a ação dos trabalhadores é tão vasta e complicada, que o operário, ainda mais competente, é incapaz de compreender esta ciência, sem a orientação e auxílio de colaboradores e chefes, quer por falta de instrução, quer por capacidade mental insuficiente (Taylor, 2006, p. 34). Essas palavras refletem a perspectiva de uma classe social a partir da qual Taylor situa o seu olhar: a dos/as proprietários/as dos meios de produção. Para eles/as, não se deve delegar aos/às trabalhadores/as a produção de saberes-fazeres. Ao contrário, cabe impor-lhes a mais crucial das formas de divisão do trabalho: a que separa, entre agentes distintos, as atividades predominantemente manuais e as intelectuais. Taylor, ao assumir tal perspectiva — em nada original já em sua época — intenta acrescentar-lhe um adjetivo: a de dever ser uma empreitada “científica”. Presumia, assim, posicionar suas ideias acima da política, dando- lhes aparência de neutralidade. Mais do que isso: supunha lograr com seus métodos uma cooperação e um benefício mútuo entre trabalhadores/as e gerência capitalista. Nas suas palavras: A fim de que o trabalho possa ser feito de acordo com leis científicas, é necessária melhor divisão de responsabilidades entre a direção e o trabalhador do que a atualmente observada em qualquer dos tipos comuns de administração. Aqueles, na administração, cujo dever é incrementar essa ciência, devem também orientar e auxiliar o operário sob sua chefia e chamar a si maior soma de responsabilidades do que, sob condições comuns, são atribuídas à direção. […] Em lugar de vigilância desconfiada e da guerra mais ou menos encoberta, características dos sistemas comuns de administração, há cooperação cordial entre a direção e os empregados (Taylor, 2006, p. 34-35). Para Taylor, a “guerra” entre capital e trabalho se reduz a um problema gerencial, para cuja solução bastaria dividir “equitativamente” as atividades intelectuais e manuais entre gerência e trabalhadores/as operacionais (ainda que ambos fossem assalariados/as). Divisão que reservaria à gerência as atividades intelectuais e ao operariado as estritamente manuais, promovendo, assim, maior cooperação entre estes níveis e eliminação da “cera” no trabalho, isto é: o baixo rendimento proposital dos/as próprios/as trabalhadores/as. Taylor imaginara ter constatado, pela primeira vez na história, um comportamento típico da classe trabalhadora e que a ela mesma se mostrava nefasto. Qual seja: ao atentar contra o próprio rendimento, os/as trabalhadores/as combaliam os lucros patronais e, com isso, reduziam suas chances de obter melhorias salariais. Caberia, assim, à administração “científica” a solução. Em outros termos: o/a trabalhador/a ou é um ser passivo, ou é um ser insubmisso, não restando à gerência senão desenvolver técnicas que desmobilizem, mascarem ou mesmo revertam a favor do capital, as tensas relações entre compradores/as e vendedores/as de força de trabalho. O mais interessante, no entanto, é que Taylor admite o fato de que, embora façam “cera”, são os/as trabalhadores/as os/as verdadeiros/as criadores/as dos métodos de realização do trabalho. Tanto admite isso que observa ser o defeito da gerência capitalista de sua época o desinteresse em usurpar esses métodos: O espírito inventivo de cada geração tem desenvolvido métodos mais rápidos e melhores para fazer as operações nos diferentes trabalhos. Assim, os métodos em uso, presentemente, podem ser considerados como produto da evolução e da sobrevivência das melhores e mais perfeitas ideias, apresentada desde a origem de cada ofício. Entretanto, ainda que isso seja verdadeiro, aqueles que conhecem profundamente cada um desses trabalhos sabem que dificilmente é encontrada uniformidade na execução. […] Ora, no melhor sistema de administração comum, os administradores verificam o fato seguinte: 500 a 1000 trabalhadores, sob suas ordens, empregados em 20 a 30 funções diferentes, possuem esses conhecimentos tradicionais, dos quais grande parte escapa à administração (Taylor, 2006, p. 38). Assim, Taylor não somente lançará críticas aos/às trabalhadores/as por fazerem “cera”, mas aos gestores do capital de sua época, devido à dependência que mantinham para com a “iniciativa” dos/as trabalhadores/as: O administrador mais experimentado deixa, assim, ao arbítrio do operário, o problema da escolha do método melhor e mais econômico para realizar o trabalho. Ele acredita que sua função seja induzir o trabalhador a usar atividade, o melhor esforço, os conhecimentos tradicionais, a habilidade, a inteligência e a boa vontade — em uma palavra — sua iniciativa, no sentido de dar o maior rendimento possível ao patrão. […] Por outro lado, […] em 19 dentre 20 empresas industriais, o trabalhador acredita que é positivamente contra seus interesses empregar sua melhor iniciativa e, em lugar de esforçar-se para fazer a maior quantidade possível de trabalho da melhor qualidade, ele deliberadamente trabalha tão devagar quanto pode, ao mesmo tempo que procura fazer acreditar aos superiores que trabalha depressa (Taylor, 2006, p. 38-39). Sua proposta será, portanto, um sistema de administração pelo qual a “iniciativa” do/a trabalhador/a seja descartada como um meio para a obtenção de produtividade. Esta deverá ser obtida não mais por concessões aos/às trabalhadores/as, mas pela usurpação pela gerência capitalista do conhecimento que detêm sobre o seu trabalho a fim de lhes impor, unilateralmente, uma nova forma de realização deste, tendo sempre como horizonte as necessidades da máxima extração de mais-valia. Se esses foram os objetivos de Taylor, enquanto formulador de um novo sistema de gestão da força de trabalho — a administração “científica”, frente ao sistema antigo, a administração por “iniciativa e incentivo” — devemos esclarecer quais foram as práticas por ele propostas. Nesse sentido, Taylor estabelece como base da sua metodologia a necessidade, pela gestão capitalista, de reduzir toda forma de saber-fazer no trabalho a “tarefas”. Com suas palavras: A ideia da tarefa é, quiçá, o mais importante elemento na administração científica. O trabalho de cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de antecedência e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios para realizá-la. […] Na tarefa é especificado o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato concebido para a execução (Taylor, 2006, p. 42). O ponto de partida, contudo, é o saber-fazer dos/as trabalhadores/as, que, num lance audacioso, é de antemão considerado pelo capital como uma peça bruta a ser lapidada — embora, na realidade, esteja aí, exatamente nesta forma elementar, histórica e socialmente desenvolvida pelos/as trabalhadores/as, o seu grande valor ao capital. Marx (2013, p. 648) já havia dedicado análises n’O capital a respeito da importância para o capital do valor de uso da força de trabalho, ou seja, dos saberes-fazeres desenvolvidos pela própria classe trabalhadora em sua reprodução social: A reprodução da classe trabalhadora exige, ao mesmo tempo, a transmissão e a acumulação da destreza de uma geração a outra. Em que medida o capitalista conta com a existência de tal classe trabalhadora hábil entre as condições de produção que lhe pertencem e vê nela, de fato, a existência real de seu capital variável é algo que se revela tão logo uma crise ameaça provocar a perda daquela classe. Páginas adiante, na mesma obra, afirmará Marx (Id., p. 651): A maquinaria morta não só se deteriora e desvaloriza a cada dia, mas uma grande parte de sua massa existentese torna constantemente obsoleta em virtude do contínuo progresso técnico, a tal ponto que se pode vantajosamente substituí-la, em poucos meses, por maquinaria mais moderna. A maquinaria viva, ao contrário, aperfeiçoa-se na mesma proporção de sua duração, à medida que acumula em si a habilidade de sucessivas gerações. A administração de uma empresa capitalista não se poderia furtar, portanto, a dedicar parte substantiva dos seus esforços no açambarcamento dos melhores métodos de trabalho já desenvolvidos. Menos ainda deveria furtar-se a impor determinados métodos e ferramentas visando extrair o máximo de trabalho excedente não pago. O curioso, contudo, é Taylor justificar suas proposições como sendo do interesse também dos/as trabalhadores/as, como nesta analogia: O estudante médio iria muito devagar, se em vez de lhe ser dada uma tarefa, deixassem-no fazer o que pudesse ou quisesse. Todos nós somos crianças grandes e é igualmente certo que o operário médio trabalha com maior satisfação para si e para seu patrão, quando lhe é dada, todos os dias, tarefa definida para ser realizada em tempo determinado e que representa um dia de serviço para um bom trabalhador. Isto proporciona ao operário uma medida precisa, pela qual pode, no curso do dia, apreciar seu próprio progresso, e este conhecimento traz-lhe grande satisfação (Taylor, 2006, p. 88). É muito comum Taylor oscilar, também, em suas posições, tergiversando com o fim de fazer valer suas próprias ideias. Há momentos em que ele ataca a falta de interesse do/a trabalhador/a em produzir mais e melhor, para, noutro ponto, justificar que isso talvez derive das condições a que ele/a é submetido/a. Ora Taylor parte da desigualdade imposta pela divisão do trabalho entre planejadores/as e executantes para verificar como tal condição retira dos/as últimos/as as condições de seu próprio aperfeiçoamento. Depois, avalia que tal desigualdade garante ao/à trabalhador/a poder de barganha em face do capital. Um exemplo disso vai a seguir: Todo o tempo diário do trabalhador é absorvido fazendo o trabalho com as mãos, de modo que, mesmo que tenha a educação necessária e hábitos de generalização, faltam-lhe tempo e oportunidade para desenvolver estas leis, pois o estudo de uma simples lei, o estudo do tempo, por exemplo, requer a cooperação de dois homens — um que faz o trabalho e outro que o mede com o cronômetro. E, ainda quando o operário chegasse a descobrir leis em assunto, no qual apenas existem conhecimentos empíricos, seu interesse pessoal far-lhe-ia guardar inevitavelmente suas descobertas, visto poder, graças a seus conhecimentos especiais, produzir mais que os outros e, assim, alcançar mais altos salários (Taylor, 2006, p. 78). O objetivo, contudo, dos métodos de Taylor é inequivocamente a extração do conhecimento da classe trabalhadora a fim de liquidar seu poder de barganha em face dos/as compradores/as de força de trabalho. Nesse processo, como vimos em várias passagens, é imprescindível a participação ativa da gerência do capital (ainda que assalariada) na incumbência de prestar “assistência” aos/às trabalhadores/as na imposição de métodos ditos “científicos”. É de se notar, à luz da teoria do valor-trabalho em Marx, a importância concedida por Taylor às camadas gerenciais “improdutivas”, no seu papel de suporte à otimização da exploração do trabalho em processo. Um segundo elemento essencial, ao lado da redução de todo saber-fazer historicamente elaborado pela classe trabalhadora a grupos de “tarefas” impostas pela gerência do capital, é a “seleção” dos/as trabalhadores/as. Novamente, Taylor reivindicará a cientificidade para desviar as críticas a respeito do desemprego que a aplicação de seus métodos gera. Em sua concepção, é de responsabilidade da gerência “científica” uma seleção de trabalhadores/as adequados, predispostos a dadas funções nas empresas, dentro da arquitetura de divisão técnica e social do trabalho entre atividades predominantemente manuais e intelectuais. Aqui entra o terceiro elemento do sistema, o “treinamento”, também reivindicado por Taylor como científico. Assim, esse sistema que procura conhecer a personalidade do trabalhador, em vez de despedi-lo logo, brutalmente, ou baixar-lhe o salário por produção deficiente, concede a ele tempo e auxílio necessários para se tornar eficiente no trabalho atual ou se transferir para outro, no qual seja capaz física ou mentalmente. Tudo isto requer amistosa cooperação da gerência e de sistema ou organização muito mais complicada que o anacrônico agrupamento de homens em grandes equipes. Tal organização consiste, no caso, em encarregar: 1. um grupo de homens de desenvolver a ciência do trabalho, mediante o estudo dos tempos, como foi descrito; 2. outro grupo mais hábil de auxiliar e orientar, como instrutores, os operários no serviço; 3. outro grupo de armazenar as ferramentas e guardar todo o material em perfeita ordem; 4. outro, enfim, de planejar o trabalho, com antecedência, a fim de mobilizar os homens sem perda de tempo e de determinar a sua remuneração diária, etc. (Taylor, 2006, p. 58-59). Taylor advoga que vários “benefícios” advêm da introdução da administração por tarefas e da seleção e treinamento “científicos” dos/as trabalhadores/as. O primeiro seria um expressivo aumento salarial, “[…] em média, salários 80 a 100% mais altos do que antes” (Taylor, 2006, p. 73). Citando experimento realizado no trabalho de operárias inspetoras de esferas de bicicletas, aponta que outro benefício seria a redução das horas de trabalho, de 10,5 a 8,5 por dia, com meia jornada aos sábados, além “[…] de quatro períodos de recreação, convenientemente distribuídos pelo dia, que tornavam impossível a fadiga numa operária sadia” (Id. Ibid., loc. cit.). Um terceiro benefício seria uma sensação de acolhimento do/a trabalhador/a pela empresa, vez que poderia, no novo sistema, recorrer à gerência para solucionar dúvidas caso errasse (Id. Ibid.). Para os/as empresários/as, no mesmo caso citado, Taylor afirma terem advindo as seguintes vantagens: primeiramente, um aperfeiçoamento na qualidade dos produtos, ao mesmo tempo em que se reduzem os custos da inspeção (compensando os custos com a ampliação da gerência ocupada com as novas funções e com o pagamento de eventuais gratificações); em segundo plano, o surgimento de “[…] relações mais amistosas entre a administração e os empregados, tornando impossíveis conflitos no trabalho e greves” (Taylor, 2006, p. 74). Um quarto elemento do sistema de administração “científica” de Taylor, é o chamado “estudo do tempo e dos movimentos”. Na usurpação do conhecimento dos/as trabalhadores/as, Taylor propôs um método, aliás, muito previsível: reunir os/as mais hábeis assalariados/as (inclusive, de várias empresas e regiões do país) num ambiente de trabalho controlado, solicitando-lhes que executem as suas atividades com o máximo de qualidade e rapidez que aguentarem. Nesse ínterim, um grupo de outros/as assalariados/as, responsáveis pela gestão do trabalho, observam e colhem anotações de todos os movimentos efetuados e sua duração, com um cronômetro. No decorrer do processo, eliminam-se movimentos “desnecessários” e aceleram-se os considerados “úteis”, no sentido de que efetivamente geram valor ao capital. Ao final, estabelece-se o chamado “the one best way”, o melhor caminho, o ciclo perfeito de operações, considerando-se também o gasto de tempo nelas. Taylor considera esse método e esses resultados como a determinação das leis “científicas” que estão por trás de toda atividade de trabalho. Com suas palavras: As providências gerais, para dedução de simples lei deste tipo, são as seguintes: Primeira — Encontrar, digamos, 10 a 15 trabalhadores (preferentemente de várias empresas e de várias regiões do país) particularmente hábeis em fazer o trabalho que vai ser analisado. Segunda — Estudar o ciclo exato das operações elementares ou movimentos que cada um destes homens emprega, ao executar o trabalho que está sendo investigado, como também os instrumentosusados. Terceira — Estudar, com o cronômetro de parada automática, o tempo exigido para cada um desses movimentos elementares e então escolher os meios rápidos de realizar as fases do trabalho. Quarta — Eliminar todos os movimentos falhos, lentos e inúteis. Quinta — Depois de afastar todos os movimentos desnecessários, reunir em um ciclo os movimentos melhores e mais rápidos, assim como os melhores instrumentos (Taylor, 2006, p. 86). E finaliza, afirmando: Tal método se converte em modelo e é primeiramente ensinado aos instrutores (ou contramestres funcionais) e por intermédio deles a todos os trabalhadores na empresa, até que seja suplantado por outra série de movimentos mais rápida e melhor. Por este meio simples, desenvolvem-se gradualmente, um após outro, os elementos da ciência (Id. Ibid., loc. cit.). O quinto elemento do sistema taylorista é o estudo dos instrumentos de trabalho. Taylor propõe que se estude todas as modificações sofridas pelas ferramentas ao longo de sua aplicação “empírica” (tal como ele vê, de modo reducionista, as experiências dos/as trabalhadores/as). Após isso e como parte do estudo dos tempos e movimentos, Taylor propõe a construção de instrumentos padronizados, visando o máximo alcance em termos de durabilidade e extração de produtividade (mais-trabalho) aos/às trabalhadores/as: A administração científica pede, em primeiro lugar, investigação cuidadosa de cada modificação sofrida pelo mesmo instrumento, ainda durante a aplicação dos conhecimentos empíricos; depois estuda o tempo para verificar a velocidade que cada um pôde alcançar e, reunindo em instrumento- padrão todos os característicos bons apresentados por eles, permite ao operário trabalhar com maior rapidez e facilidade do que antes. Este instrumento único é, então, adotado como padrão, em lugar das espécies várias, antes existentes, e se torna modelo para todos os trabalhadores, até que seja suplantado por outro que se revele melhor pelo estudo do tempo e dos movimentos (Taylor, 2006, p. 87). Por fim, como sexto elemento, têm-se a “gratificação”, ou bonificação. Taylor parece contradizer-se nesse aspecto, afinal, suas críticas aos sistemas de administração da época são incisivas em não se barganhar com os/as trabalhadores/as a sua “iniciativa”, sobretudo por meio de elevações salariais. Mas Taylor admite tal fato quando os/as trabalhadores/as aceitam a submissão ao cronômetro dos gestores: É absolutamente necessário, então, quando os trabalhadores estão encarregados de tarefa que exige muita velocidade de sua parte, que a eles também seja atribuído pagamento mais elevado, cada vez que forem bem-sucedidos. Isto implica não somente em determinar, para cada um, a tarefa diária, mas também em pagar boa gratificação ou prêmio todas as vezes em que conseguir fazer toda a tarefa em tempo fixado (Taylor, 2006, p. 89). Portanto, a remuneração em si, embora não possa ser eficaz na condução de um sistema de gestão do trabalho por “iniciativa e incentivo”, pode e deve ser utilizada tão logo se implemente a administração taylorista, com a redução de toda atividade a tarefas, seguida pela seleção e treinamento dos/as trabalhadores/as, pelo estudo dos tempos e movimentos, pelo desenvolvimento do the one best way e das ferramentas e instrumentos, sob uma base que, aos olhos de Taylor, é “científica”. Atentemos, contudo, ao fato de que não se tratam de elevações salariais, mas gratificações, isto é, bonificações extraordinárias à remuneração dos trabalhadores, concedidas somente nos casos em que cumpram todas as tarefas “diárias” propostas dentro dos tempos padronizados pela gerência. Com seus princípios de administração “científica”, Taylor buscava reverter a discórdia entre operariado e gerência capitalista, a fim de que ambos, ainda que guiados por interesses distintos, pudessem partilhar de um objetivo comum — o aumento da produtividade do trabalho. Nas suas palavras: O baixo custo da produção, que resulta do grande aumento de rendimento, habilitará as companhias que adotaram a administração científica e, particularmente, aquelas que a instituíram em primeiro lugar, a competir melhor do que antes e, com isto, ampliarão seus mercados, seus homens terão constantemente trabalho, mesmo em tempos difíceis, e ganharão maiores salários, qualquer que seja a época. Isto significa aumento de prosperidade e diminuição de pobreza, não somente para os trabalhadores, mas para toda a comunidade (Taylor, 2006, p. 102-103). Esse aspecto ideológico é comumente desprezado em análises críticas acerca das ideias de Taylor. Merecem a devida atenção, afinal, embora permeadas de incrível contradição, suas palavras denotam que sua proposta — dentro de uma perspectiva, como já comentado, delimitada pela sua classe social — pretendia atender, supostamente, não só aos interesses do empresariado, mas também dos/as assalariados/as, uma vez que esses/as, ao contrário de perderem os seus conhecimentos, os reacessariam, segundo Taylor, num grau mais alto de perfeição. Prossegue o autor: Como elemento incidente neste grande benefício à produção, cada trabalhador é sistematicamente treinado no mais alto grau de eficiência e aprende a fazer espécie mais elevada de trabalho (a qual não conseguia sob os antigos sistemas de administração), ao mesmo tempo que adquire atitude cordial para com seus patrões e condições de trabalho, enquanto antes grande parte de seu tempo era gasto em crítica, vigilância suspeitosa e, às vezes, franca hostilidade. Este benefício generalizado a todos os que trabalham sob o sistema é, sem dúvida, o mais importante elemento na questão (Taylor, 2006, p. 103). Se é evidente que o sistema taylorista conduzira a um controle do “corpo” do/a trabalhador/a, menor não fora o controle do “intelecto” empreendido pelo seu criador. Primeiramente, na imposição de uma unilateralidade na realização das atividades de trabalho. Segundo, na padronização dessa forma, o que requer, como terceiro aspecto, um empreendimento “pedagógico” que permita verter tais imposições da gerência aos níveis operacionais. Em último lugar, mas não menos importante, é clara a ênfase de Taylor numa divisão supostamente “equitativa” do trabalho entre gerência e operariado, pela qual caberia à gerência metamorfosear e impor, ao operariado, o conteúdo do seu próprio saber-fazer, anteriormente usurpado. Percebe-se, pois, que o controle dos corpos dos/as trabalhadores/as é apenas um corolário de todo o sistema, cujo cerne é uma apropriação do conhecimento, dos saberes-fazeres que detém sobre o trabalho. E mais: é um ataque às formas sociais de reprodução desse conhecimento pelos/as próprios/as trabalhadores/as, visando abortá-las e com isso abater a capacidade de negociação destes/as com o capital, tanto no ambiente de trabalho (no consumo da força de trabalho pelo capital na produção), quanto fora dele (na compra da força de trabalho pelo capital, na esfera da circulação). Dever-se-ia, em sua opinião, suspender toda forma de negociação ou concessão do capital para com o trabalho. E instituir, abertamente, o “consumo” da força de trabalho pelo capital. Não apenas dos valores de uso da força de trabalho postos em curso na execução das tarefas nas jornadas, mas, além disso, dos saberes-fazeres advindos desse processo. Ao converter tal conhecimento em matéria da gestão, o capital impossibilitaria aos/às vendedores/as da força de trabalho a reprodução autônoma do valor de uso de sua única mercadoria. Eis, pois, o objeto central do taylorismo: reverter a dependência dos proprietários dos meios de produção para com a classe trabalhadora, não apenas quanto à compra da força de trabalho no mercado e seu adequado consumo na produção, mas também no que tange à própria reprodução da força de trabalho para além dessas esferas. O resultado não poderia ser outro senão a ampliação das fraturas sociais em uma sociedade já fragmentada entre proprietários dos meios de produção e trabalhadores/as despossuídos/as. Afinal, uma fração dos/as próprios/as assalariados/as é destinadaà usurpação do conhecimento historicamente elaborado pela sua própria classe, a fim de distorcê-lo visando otimizar o consumo da força de trabalho junto aos meios e objetos de trabalho pertencentes ao capital. Por outro lado, uma fração imensa dos/as trabalhadores/as somente executa o seu trabalho mediante ordenamentos estritos, supostamente “científicos”. Tendo sido definidas rigidamente as funções e tarefas, assim como os tempos, movimentos e ferramentas de sua execução pelos/as trabalhadores/as, restou-lhes uma aprendizagem reduzida, pois unilateral, com o que se logrou reduzir igualmente a duração dos treinamentos necessários. Consequentemente, ampliou-se a possibilidade de as empresas assimilarem trabalhadores/as cujo conhecimento técnico e experiência não ultrapassasse as exigências mínimas requeridas por cada posto, ficando a cargo da gerência a definição dos saberes-fazeres dessas pessoas e, no caso de falhas, de sua rápida substituição por outras. Em confluência com a propositura de Taylor, uma fábrica de automóveis dos Estados Unidos, nos inícios do século XX, trouxe outros elementos vitais para que a sociedade do automóvel se consolidasse e se generalizasse. Tais elementos foram a produção em série e o consumo de massa. 3 Ford e a produção industrial em larga escala As primeiras coisas que nos vêm à memória quando o assunto é Henry Ford (1863-1947), são a linha de montagem em série e a padronização e produção em larga escala de um artigo, o automóvel, que, até então, constituía-se como um produto de elite. Em menor medida, relembra-se também da oferta, nos tempos em que ele presidiu a Ford Motor Company, de salários acima das condições normais da época. Esses elementos revelam que o criador da marca Ford, tal como Taylor, operou mudanças estruturais na organização do trabalho fabril. Mas, Ford também refletiu e interveio sobre o consumo, a circulação dos produtos no mercado, inaugurando o que muitos considerariam como a “indústria de massa”. Em outros termos, Ford agiu sobre a reprodução da força de trabalho no âmbito privado, para além da esfera de produção. Da mesma forma que Taylor — que decidira ainda jovem empregar-se por conta própria no chão de fábrica, sem que necessitasse disso para sobreviver — a biografia de Ford tem traços incomuns. Ele nasceu e viveu até o fim de sua adolescência na zona rural, tendo desde cedo demonstrado grande capacidade para a mecânica. Muito jovem e já na cidade, Ford trabalhou em fábricas de veículos rudimentares usados na lavoura e no transporte de cargas, mantendo paralelamente a experimentação e construção dos seus próprios protótipos de automóveis leves, que, posteriormente, dariam origem a uma das mais importantes indústrias do capitalismo contemporâneo. De fato, pode-se atribuir a Ford, senão a invenção do automóvel, a sua popularização. Por trás do inventor e autodidata, temos em Ford traços que Weber (2004) teria assinalado como típicos de um “sóbrio capitalismo burguês” moderno, no qual a ação capitalista, ao invés de simplesmente ter conteúdo racional e referente a fins (lucros), estaria fortemente guiada por valores (a própria conduta, ou atividade, como fins em si), ou até mesmo por uma irracionalidade (o cumprimento da atividade profissional como um dever ético). É por essa senda que podemos começar a compreender a obsessão de Ford pela produtividade do trabalho, pois esse “espírito” do capitalismo lhe é anterior, enquanto empresário, na história dos Estados Unidos. Vejamos como Ford inicia sua autobiografia, em 1922 (ainda aos 59 anos, duas décadas e meia antes de sua morte), Minha vida e minha obra: Se o dinheiro fosse a minha ambição, o sistema atual me seria ótimo, porque me fornece em abundância. Preocupo-me, porém, com o rendimento e a atual ordem de coisas não permite o melhor rendimento porque dá azo a toda sorte de desperdícios e impede que muitos homens recebam o exato equivalente do seu trabalho. E ninguém aproveita com isso. Penso, pois, numa melhor organização e melhor ajustamento (Ford, 1995, p. 108). Sua preocupação é, a princípio, similar à de seu contemporâneo Taylor — extrair o maior rendimento possível dos/as trabalhadores/as. E como ele, Ford reproduziu em suas notas e ações o mesmo preconceito de classe: acreditava que os/as assalariados/as também eram prejudicados pela falta de produtividade. Ford impõe-se, assim, como o fizera Taylor, a tarefa de mostrar ao público como contornar esse “problema” social. Mas, diferentemente da frieza técnica de Taylor, Ford vê-se a conduzir uma tarefa ética, o que o leva a dizer: Muito me interessa demonstrar que as ideias que temos posto em prática são capazes de mais ampla extensão, e que longe de se restringirem ao fabrico de automóveis podem vir a tornar-se uma espécie de código universal. Estou certo disso e demonstrá-lo-ei com a máxima evidência, esperançoso de que tais ideias não sejam recebidas como ideias novas, e sim como um código natural. A lei natural é a lei do trabalho e só por meio do trabalho honesto há felicidade e prosperidade. Da tentativa de furtar-se a estes princípios é que os males humanos defluem. Não há sugestões que me impeçam de aceitá-los como princípios naturais. A lei do trabalho é ditada pela natureza e é um dogma que devemos trabalhar. Tudo quanto pessoalmente tenho feito veio como resultado da insistência em que, já que temos de trabalhar, o melhor é trabalharmos com inteligência e previsão: e ainda que, quanto melhor trabalharmos, mais bem nos sentiremos (Ford, 1995, p. 109). Eis como Ford vê o trabalho tout court: como uma “vocação” no sentido que Weber (2004) dá ao termo. E como bom puritano, além de atacar o saber do operariado, Ford atacará o “desperdício” de tempo, de materiais e de trabalho: Numa oficina, o fio é o operário munido de sua máquina; se o operário não for hábil; se esta não prestar, nada valerá aquele. Todas as vezes que se emprega mais força do que o trabalho exige, há desperdício. […] Tenho-me esforçado por produzir com mínimo de desperdício, tanto de material como de mão de obra, e por vender com o mínimo de lucro, fazendo depender o lucro total da massa das vendas; e na fabricação o meu fito é distribuir salários máximos. Como isto tende a abaixar o preço de custo, e como vendemos com lucro mínimo, nos é possível oferecer os nossos produtos por um preço de acordo com a capacidade aquisitiva do público (Ford, 1995, p. 109-110). Embora possa parecer simples e finalística a sua lógica, Ford sempre dá um tom valorativo, moral, às suas ideias, colocando os seus negócios como algo mais que simples produção e comércio, como uma prestação de serviços à sociedade. Acerca dos “princípios de eficiência”, Ford assevera: O lucro não pode ser o ponto de partida, mas deve ser o resultado dos serviços prestados. […] Não [se deve] reduzir a indústria à arte de vender caro o que se fabrica barato. A indústria consiste em obter matéria-prima por preços razoáveis, transformá-la com a menor despesa possível em artigos vendáveis e entregar estes artigos ao consumidor. O jogo, a especulação, a fraude só podem entravar a marcha das operações (Ford, 1995, p. 110-111). Ford vincula, nessa ordem, o aumento salarial à elevação do lucro empresarial. Ao mesmo tempo, desvincula o lucro da especulação em preços na circulação, atrelando-o à eficiência da produção. Por isso, se voltará a duas estratégias: estudar as demandas do mercado e desenvolver aquilo que o/a consumidor/a médio/a supostamente busca; tendo feito isso, detalhar a forma mais econômica de produzir, reduzindo custos e, dentro de um critério bem particular de eficiência capitalista (pagar melhores salários, desde que se obtenham bons lucros), fornecer tais produtos à sociedade. Esse elemento ético-político, de autoafirmação de uma presteza social da produção capitalista, é imprescindível para compreendermos o pensamento de Ford no que tange à “estandardização” (geralmente interpretada como sendo apenas barateamento de preços): A estandardização, como a entendo, nãoé escolher o produto mais vendável e limitar-se à sua única produção. É dedicar dias e noites, às vezes anos, primeiro ao estudo de um artigo que corresponda do modo mais perfeito aos desejos e necessidades do público, e depois à melhor maneira de fabricá- lo. Deste modo, quando a base da produção se muda do fito de lucro para o de “serviço”, o negócio estará consagrado e o lucro será imenso. Isso é evidente. É a base de todo o negócio que queira satisfazer os noventa e cinco por cento da coletividade. É também o meio de a coletividade prover as suas necessidades (Ford, 1995, p. 123-124). Não só a produção, mas também a circulação aparece no pensamento de Ford. E embora se lhe credite uma suposta primazia ao consumo de massa, deve se observar que este é, em Ford, acima de tudo, a capacidade de produzir em massa, buscando elevar os lucros pela redução de custos na produção: Resta ainda repudiar a ideia de fazer depender o preço das possibilidades do mercado em vez de o fixar de acordo com o custo da produção. Quando o plano de um artigo foi suficientemente estudado, só de longe em longe é que nele se introduzirão modificações, ao passo que as alterações serão frequentes e espontâneas nos processos de fabricar (Ford, 1995, p. 124-125). Ford, assim, se lançará ao estudo da organização produtiva, introduzindo formas de controle do trabalho no mesmo sentido de Taylor: o estudo e a aplicação prescritiva de métodos de execução das atividades, acompanhados de projetos de ferramentas especiais voltadas a cada tarefa. Todavia, superará Taylor ao desenvolver um sistema de controle que abarca todos os postos de trabalho como uma cadeia única e interligada de atividades. Além das ferramentas, Ford considerará todas as instalações produtivas. Tal como Taylor, Ford buscará abolir todo trabalho que não gere valor. Seu primeiro objetivo será fixar os/as trabalhadores/as nos postos, evitando deslocamentos pela empresa. Daí a ideia de colocar não apenas o objeto de trabalho, mas as ferramentas e máquinas ao alcance da mão dos/as operadores/as. Os postos e bancadas, aliás, seriam arranjados para permitir uma articulação e um fluxo contínuo entre as diversas operações da fábrica, a fim de que, em cada ponto, fosse agregado valor, com um mínimo de perda em termos de tempo e de deslocamento. Disso emergiu a construção de famosa linha de montagem automática na fábrica de Detroit em 1913, uma adaptação à produção de automóveis de um aparato já usado nos matadouros de Chicago no esquartejamento de reses, cujos corpos eram transportados em carretilhas (Fleury, Vargas, 1983). A linha de montagem de Ford constituía-se de um mecanismo de transferência com movimento contínuo dos objetos de trabalho, que eram levados a quase todas as seções da planta, enquanto o produto sofria a intervenção dos/as trabalhadores/as até que pudesse ser finalmente testado e posto no mercado. Cada um dos postos de trabalho deveria ter suas atividades reduzidas (tal como no taylorismo) a um conjunto de tarefas detalhadamente prescritas em termos de tempo e modo de execução, bem como quanto às ferramentas a serem usadas, ali presentes já em lotes e permitindo rápido acesso. O número de postos, sua disposição espacial, as tarefas e o número de trabalhadores/as eram articulados visando uma intervenção uniforme, a fim de manter todo o conjunto numa cadência firme e constante e intensificar tanto quanto possível o consumo produtivo da força de trabalho. É evidente que a implantação desse sistema levou à especialização das atividades de trabalho a um nível de limitação e simplificação tão extremos que, embora no âmbito coletivo, do trabalho cooperado, o resultado fosse uma enorme produtividade, ao nível dos postos individuais, a linha fordista convertia os/as trabalhadores/as em “apêndices” da maquinaria (cenário da grande indústria já descrito e analisado por Marx no século XIX). Segundo Fleury e Vargas (1983, p. 24): […] o tempo de montagem do chassi reduziu-se de 12 horas e oito minutos para 1 hora e 33 minutos. E essa atividade ficou separada em 45 operações extremamente simplificadas […]. Em uma linha de montagem de motores o trabalho também foi parcelado nas mesmas proporções. Antes a operação era realizada por uma só pessoa. Com a esteira rolante ficou dividida por 84 operários. Fixo no seu posto de trabalho, o homem passou a ser quase um componente da máquina. Os seus movimentos deveriam ser feitos mecanicamente sem, segundo Ford, interferência de sua mente, guardando, assim, perfeita harmonia com o conjunto da linha de montagem. Duas consequências imediatas foram a redução do tempo de experiência exigido aos/às trabalhadores/as, assim como o estreitamento do seu raio de visão sobre o conjunto dos processos produtivos. A unilateralidade das exigências em termos de saberes-fazeres atingiu um ponto em que o absenteísmo e a rotatividade explodiram. Ford enfrentou isso de modo truculento, combatendo inclusive os sindicalistas que se opuseram aos seus métodos. O fato é que o sistema fordista aprofundou um limite posto pelo próprio taylorismo: ao arrancar o desempenho dos/as trabalhadores/as desprezando a sua iniciativa, atinge-se um patamar de uniformidade que conduz à estagnação da produtividade. Cabe, então, lançar mão daquilo que Taylor já admitira: incentivos. Embora — e isso é importante — sempre vinculados ao atingimento dos padrões impostos. No caso de Ford, em vez das bonificações, ofereceu-se aumentos salariais reais e até redução da jornada de trabalho (comparativamente às demais empresas do setor na época), tudo vinculado à conquista de metas crescentes de produtividade e dentro de um alto grau de responsabilização por parte dos/as assalariados/as com os objetivos da Ford Motor Company. Vejamos suas palavras a respeito: “Quanto deve ganhar o operário?” “Quanto deve pagar o patrão?” Questões mal postas. A pergunta deve ser: “Que é que a empresa pode suportar?” Claro que em negócio nenhuma despesa pode exceder à receita. Quando se tira água de um poço em maior quantidade do que entra, o poço se esgota. […] Matar uma empresa por meio da greve ou do “lockout” não melhora coisa nenhuma. Nada consegue o patrão com olhar para seus operários e perguntar-se até que ponto lhes poderá diminuir o salário. Também o operário nada consegue erguendo os olhos ameaçadores para o patrão, perguntando-se até que ponto poderá forçar o aumento. No final das contas, uns e outros se veem obrigados a olhar para a empresa, perguntando-se: “Como poderemos fazer esta indústria bastante sólida e rendosa para nos proporcionar a todos uma vida segura e cômoda?” (Ford, 1995, p. 130-31). Não é o caso aqui de discutirmos como, no capitalismo, como bem observa Ford, “uns e outros se veem obrigados a olhar para a empresa” e buscar extrair dela a própria sobrevivência. O importante é que a implantação dos métodos de organização antes descritos permitiu a Ford um surto de produtividade: Em seu ponto de pico, a fábrica produzia um Modelo T em cada quinze segundos; e, em meados da década de 20, as instalações Ford, suprindo mais da metade da demanda dos Estados Unidos, podiam produzir mais carros em três meses do que toda a Europa em um ano (Parkinson, 1995, p. 173). Certamente, Ford obteve por décadas uma massa de mais-valia extraordinária, o que lhe permitiu ampliar o pagamento individual da força de trabalho e até mesmo reduzir as jornadas, devido à elevada taxa de mais-valia (ou, visto por outra perspectiva, ao elevado grau de exploração da força de trabalho) que auferiu com seus métodos e instalações. Ambas estratégias estão vinculadas, claramente, à intensificação do trabalho: Em 1915 elevamos o nosso salário mínimo de 2,40 a 5 dólares diários — e foi aí que, podemos dizer, realmente se iniciou a nossa alta produção. […] Começamos com um mínimo de 5 dólares e mais tarde verificamos que podíamos elevá-lo a 6. Mas não temos nenhuma norma para fixar o valor de qualquer tarefa; pagamos de acordo com o valor do homem, sendo que mais de 60% dos nossos operáriosvencem paga superior à mínima (Ford, 1995, p. 146-147). Se por um lado o aumento salarial manobrava a produtividade para acima da média, por outro buscava minimizar os efeitos da rotatividade, do burocratismo e da monotonia inerentes ao próprio sistema. Ford, contudo, não via tais efeitos como colaterais ao seu sistema; ao contrário, seus métodos é que constituíam uma forma de aproveitar as imperfeições da natureza humana, afinal: Necessariamente o trabalho de muitos homens tem de ser pura repetição de movimentos, pois de outro modo não se pode conseguir sem fadiga a rapidez da manufatura que faz descer os preços e possibilita os altos salários. Algumas das nossas operações são excessivamente monótonas, mas também são monótonos muitos cérebros; inúmeros homens querem ganhar a vida sem ter que pensar — e para estes a tarefa unicamente de músculo é a boa. Possuímos em abundância tarefas que exigem cérebro ativo, e os homens que no trabalho de repetição se revelam de mentalidade ativa não permanecem nele muito tempo (Ford, 1995, p. 148-149). Prossegue Ford, relatando exatamente o papel que o aumento salarial teve diante da rotatividade: Anos de observação desautorizam-nos a afirmar que a prática do trabalho monótono seja nociva à saúde. Parece até que tal gênero de trabalho é mais favorável à saúde física e mental que outro. Demais, se os operários não se comprazem nesse trabalho, pedem remoção. Em 1913, em Highland, tínhamos, por mês, 39,9% de remoções. E em 1915, após a elevação do salário a 5 dólares, essa percentagem caiu para 1,4%. Em 1919, subiu para 5,2%, descendo hoje a 2% (Ford, 1995, p. 149). No que tange à jornada de trabalho, Ford conseguiu reduzi-la sem que isso afetasse os lucros da empresa. O aumento de produtividade resultante de seus métodos e instalações — que, ao longo das décadas seguintes, permitiriam também reduzir o valor da força de trabalho (devido à simplificação a que foi submetida, embora a princípio Ford tenha concordado em pagar um “preço” maior por ela, em termos de salários) — não veio desacoplado de maior intensificação. E o próprio Ford é quem o declara: Estabelecemos o dia em 8 horas, não porque seja a terça parte do dia, mas porque verificamos que é dentro desse tempo que o operário produz seu melhor rendimento. […] Nas nossas usinas verificamos que cinco dias de trabalho por semana bastam para nossa produção, e que nestes cinco dias de oito horas podemos produzir mais do que em seis ou sete de dez horas. Esse dia de folga conquistado trará grandes vantagens: o operário aprenderá a viver melhor, criará novas necessidades e fomentará o consumo (Ford, 1995, p. 147-152). Nesse ponto, é possível indagarmos: o que define, em termos de gestão da força de trabalho, as propostas de Taylor e de Ford? Numa sentença, definem um projeto de usurpação, pela gerência capitalista, do conhecimento do trabalho desenvolvido social e historicamente pela classe trabalhadora. A gerência, ainda que assalariada, passou a açambarcar e reformular tais saberes-fazeres em moldes artificiais, sob critérios de eficiência exclusivamente capitalistas, a simplificá-los e, assim padronizados, impô-los aos/às trabalhadores/as. Não por acaso atribuiu-se a Taylor o objetivo de tornar as tarefas dos/as trabalhadores/as tão subdivididas quanto passíveis de serem assumidas por “gorilas amestrados” (Philip, 1927, apud Gramsci, 1991). Pode-se, portanto, dizer que os sistemas taylorista e fordista, ou simplesmente o sistema taylorista-fordista (pois Ford consagra, incrementa e expande os métodos de Taylor) caracterizou a submissão da qualificação dos/as trabalhadores/as aos ditames da subsunção real do trabalho ao capital. A proposta de Ford, aliás, foi além da organização interna das empresas, dos postos, instalações e tarefas. Como aponta Antonio Gramsci, o americanismo (ou fordismo) foi mais que um sistema de gestão do trabalho fabril, caracterizando uma subalternização da classe trabalhadora às condições sociais e políticas da reprodução do capitalismo em suas bases industriais. Trataremos, a seguir, desse sistema que transformou a produção, o trabalho e a vida do século XX. 4 O sistema taylorista-fordista e o novo mundo da fábrica Quem lê com cuidado os capítulos d’O Capital, quando Marx se refere à transição da manufatura para a grande indústria, percebe que a gestão do trabalho taylorista-fordista tem muito mais elementos de continuidade do que de descontinuidade em relação à grande indústria do século XIX. Vivenciávamos um processo, para usar uma expressão de Lukács (2012), de “desantropomorfização do trabalho”, que é muito acentuado desde os inícios da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX. O trabalho taylorista-fordista, que marcou a era do automóvel ao longo de todo o século XX, fora marcado por um caráter parcelar, fragmentado, e pela produção em série. Nesse sistema, a concepção e a elaboração são responsabilidade da gerência “científica”; a execução é responsabilidade dos/as trabalhadores/as. Marx dizia no século XIX (e isso se manteve no século seguinte) que a fábrica só poderia funcionar com um exército de feitores controlando o trabalho, num despotismo fabril acentuado. Por isso, o século XX caracterizou-se como uma variante da sociedade do trabalho alienado. Cabe aqui analisar o alcance maior dessas experiências. O binômio taylorismo-fordismo foi muito mais que um método de organização do trabalho e da produção. Foi um movimento de reestruturação produtiva nos Estados Unidos, visando a ampliação da produção e a extensão do mercado de consumo. E como tal implicou também uma reformulação da própria sociabilidade, uma retomada de posição das forças capitalistas contra o/a trabalhador/a coletivo/a organizado/a. O taylorismo-fordismo foi, enfim, uma resposta às contradições internas do sistema capitalista, buscando gerar um contingente de trabalhadores/as facilmente substituíveis segundo suas qualificações. O binômio taylorismo-fordismo deve, pois, ser entendido como um conjunto de elementos pertinentes à formação de um novo tipo de trabalhador/a, adaptado a uma nova configuração de produção capitalista. Visou, subsequentemente, formar uma nova classe trabalhadora e um ideal de “novo cidadão”, numa nova ordem burguesa. Em particular, a experiência fordista delineia, assim, uma trajetória que se estende desde a reformulação da organização industrial e produtiva como um todo, para desencadear “num novo projeto societário dentro dos limites da reprodução do capital”.1 Lukács escreveu em História e Consciência de Classe, publicado em 1923, que a fragmentação taylorista do trabalho penetrava até a “alma do trabalhador”, dando os contornos mais gerais do complexo da coisificação do trabalho, numa intricada articulação entre o mundo da materialidade e da subjetividade operária (Lukács, 2004, p. 202). O filósofo húngaro antecipava, no momento em que o “fordismo” se expandia como um fenômeno da indústria estadunidense, teses presentes nos então desconhecidos Manuscritos Econômico-Filosóficos de Marx, de 1844, que só foram publicados em 1932. Se percorrermos as formas assumidas pelo trabalho humano urbano sob o modo de produção capitalista, descritas por Marx n’O Capital como uma sucessão que vai da cooperação à manufatura e desta à grande indústria, é possível perceber uma crescente eliminação das propriedades que o/a próprio/a trabalhador/a confere ao seu labor. Nesse processo histórico, o trabalho humano foi crescentemente retalhado e padronizado em grupos de operações parciais e abstratamente pré-concebidas pelas gerências capitalistas. Configurou-se o que Marx (1978) denomina (no “Capítulo VI — Inédito” d’O capital) como uma subsunção formal e real do trabalho ao capital. E que, segundo Lukács (2004), fraturou a relação entre atividade e produto como uma totalidade orgânica, reduzindo o trabalho humano a uma atividade repetitiva e mecânica. Desde então, o próprio tempo de trabalho socialmente necessário passou a se impor, social e objetivamente, como tempo detrabalho médio, o qual, mediante constantes processos de racionalização e automação, possibilitou impor aos/as trabalhadores/as saberes-fazeres fragmentados e exógenos às suas experiências de trabalho. Não seria outro — assevera Lukács (2004, p. 202) — senão esse o processo que, como vimos nos capítulos anteriores, leva a gestão capitalista ao estágio em que surge o sistema taylorista, que separa as “qualidades psicológicas” do/a trabalhador/a do conjunto de sua personalidade e se lhes objetiva, padroniza, num outro sistema, dele/a totalmente apartado. Como resultado, o próprio produto do trabalho humano, que, como uma unidade, resulta de operações parciais complementares, acaba por perder esse caráter. Termina por ser o resultado de uma decomposição e reassociação abstratas e racionalizadas dessas operações. Produto e trabalho, entre si e em face do/a trabalhador/a, confrontam-se a partir de então como fenômenos contingenciais e arbitrários. Afirma Lukács (2004, p. 203-204): O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento em relação ao processo de trabalho, como verdadeiro portador deste processo; em vez disso, ele é incorporado como parte mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e funcionando de modo totalmente independente dele, e a cujas leis ele deve se submeter. O trabalho perde, segundo o filósofo húngaro, o caráter de “atividade” e assume o de uma “contemplação”, num processo que se perfaz estranho ao sujeito do trabalho, seja em sua consciência e ação. E que reduz tudo a um mesmo denominador quantitativo, no qual o ser humano — e aqui Lukács (2004, p. 205) resgata literalmente Marx — torna-se a “personificação do tempo”, vez que não só o tempo de trabalho de uma pessoa passa a ser comparado, em termos de valor, com o tempo de trabalho de outra, mas, ambas, enquanto pessoas, passam a ser comparáveis entre si, como valores, dado um mesmo tempo de trabalho. Se a atividade de trabalho, assim objetivada e alienada frente à personalidade do/a trabalhador/a, torna-se uma realidade comum, integrando- o/a como uma parte isolada num sistema em tudo estranho a ele/a, a própria decomposição do processo de trabalho na sua totalidade, como produção de valores de uso, corrói as conexões que ligam os/as trabalhadores/as entre si como uma comunidade. Tal condição, típica da universalização da forma mercadoria como predominante dos produtos do trabalho (e, portanto, de toda troca subsumida a “comércio”), impõe-se como tal no modo de produção capitalista a toda a humanidade, garantindo ao capital, como relação social estranhada que é, a condição mais imperativa à sua reprodução histórica: a existência do/a “trabalhador/a livre”, jurídica e economicamente habilitado/a, e acima de tudo obrigado, por força das circunstâncias, a vender no mercado a sua força de trabalho como uma mercadoria que lhe pertence (Lukács, 2004). Outro grande autor que percebeu com inteligência excepcional os modos de ser do trabalho taylorista-fordista e suas repercussões na subjetividade do trabalho foi Antonio Gramsci (1891-1937). No ensaio Americanismo e Fordismo, ao discutir como o fordismo criou uma concepção de ser humano integral para o capital, o filósofo sardo expôs, desde o início, as transformações que a industrialização sob o capitalismo impôs ao ser humano: A história do industrialismo sempre foi (e hoje o é de forma mais acentuada e rigorosa) uma luta contínua contra o elemento “animalidade” do homem, um processo ininterrupto, muitas vezes doloroso e sangrento, de sujeição dos instintos (naturais, isto é, animalescos e primitivos) a sempre novos, complexos e rígidos hábitos e normas de ordem, exatidão, precisão, que tornem possível as formas sempre mais complexas de vida coletiva, que são a consequência necessária do desenvolvimento do industrialismo (Gramsci, 1991, p. 393). Gramsci, tal como Lukács, não somente partiu da premissa de que a industrialização se transformou no núcleo de sustentação e expansão do capitalismo atual, como buscou analisar como os/as trabalhadores/as, com suas qualificações, suas formas políticas de organização e seus hábitos de vida, buscaram se adaptar a tal processo. Uma adaptação que por certo jamais foi passiva e muito menos pacífica. À época em que Gramsci redigiu Americanismo e Fordismo, o ano de 19342, muitas das indústrias atravessavam em seus países esses diversos problemas de adaptação, além de enfrentarem os efeitos da crise de 1929. Era preciso fazer frente às reivindicações do operariado por melhores condições de trabalho e de vida, mantendo-se paralelamente a sobrecarga da exploração do assalariamento a fim de assegurar uma competitividade coerente com a crescente concorrência capitalista que se colocava em patamares internacionais. O sistema taylorista-fordista surge, em tal contexto, como uma solução do capital que trouxe consigo novas formas de exploração da força de trabalho na indústria, concomitante a novas qualificações que ao operariado foram impostas para que integrasse esse novo universo fabril. Portanto, são aí também engendradas novas condições de vida e de reprodução da classe trabalhadora, as quais exigiram novas formas de persuasão e mesmo de coerção aos/às trabalhadores/as, com o fim de os/as amoldarem às mudanças estruturais em curso. Uma forma explícita de persuasão foram os salários, que no sistema fordista tiveram, como já se comentou, seu maior exemplo. Nas palavras de Gramsci (1991, p. 382): Na América, a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo humano, conforme ao novo tipo de trabalho e de produção: até agora [1934] esta elaboração acha-se na fase inicial e por isso (aparentemente) idílica. É ainda a fase de adaptação psicofísica à nova estrutura industrial, proporcionada através dos altos salários; ainda não se verificou (antes da crise de 1929), a não ser talvez esporadicamente, nenhum desenvolvimento da “superestrutura”; ainda não se colocou a questão fundamental da hegemonia. Luta-se com armas apanhadas no velho arsenal europeu e ainda abastardadas, portanto “anacrônicas” em relação ao desenvolvimento das “coisas”. Nessa fase de “adaptação psicofísica”, fazia-se necessário, junto à persuasão com os salários, já em si esfaceladora da união entre os/as trabalhadores/as como classe, também o desmanche das organizações tradicionais de luta como os sindicatos, bem como o aniquilamento das estruturas de reprodução das qualificações para além das fábricas. Ao introduzir a linha de série, Ford obteve como resposta uma ação combativa dos sindicatos e trabalhadores/as organizados/as. Eles/as alertavam para o desmoronamento das qualificações do trabalho na indústria e o consequente rebaixamento do valor da força de trabalho. Apontavam ainda que, em longo prazo, a produtividade média seria ampliada e ultrapassaria os níveis precedentes de desempenho individual e coletivo dos/as trabalhadores/as, sem garantias de sucessivos aumentos salariais. Ford, por seu turno, manteve-se firme nos seus planos e confiava justamente nesse aumento da produtividade e dos lucros para fornecer, como barganha e naquele exato momento, melhores salários. Ford reagiu, assim, com a demissão imediata dos/as insatisfeitos/as, anunciando no dia seguinte o salário de cinco dólares ao dia de trabalho (quando nos Estados Unidos da época, em 1914, o salário mínimo de um operário fabril era pouco mais de dois dólares ao dia). Formaram-se filas imensas de trabalhadores/as em frente à Ford Motor Company em Detroit, dispersados pela polícia quando as vagas terminaram de ser preenchidas. O five dollars day entraria, portanto, para a história do capitalismo, não como uma medida de estímulo ao consumo de massa como tanto se propala, mas acima de tudo como um “[…] instrumento para selecionar os/as trabalhadores/as aptos para o sistema de produção e de trabalho [taylorista- fordista] e para manter a sua estabilidade” (Gramsci, 1991, p. 398). Uma prova cabal de que os motivos foram exatamente esses está em que o aumento salarial