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<p>LITERATURA, CINEMA E</p><p>CULTURA BRASILEIRA</p><p>2</p><p>SUMÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3</p><p>1 ORIGENS DA ARTE BRASILEIRA ........................................................................ 4</p><p>1.1 Marcos da história da arte brasileira ................................................................. 6</p><p>1.2 Artistas brasileiros e suas obras ..................................................................... 11</p><p>2 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA? ..................................................... 19</p><p>2.1 Conceituando a ideia de identidade nacional ................................................. 21</p><p>2.2 Refletindo sobre a identidade brasileira .......................................................... 23</p><p>3 DIVERSIDADE CULTURAL ................................................................................. 25</p><p>3.1 Cultura, monocultura, policultura e multiculturalismo no Brasil ....................... 28</p><p>3.2 O alargamento das desigualdades sociais no Brasil ...................................... 30</p><p>4 CULTURA E IDENTIDADE CULTURAL .............................................................. 33</p><p>4.1 Diversidade cultural ........................................................................................ 35</p><p>4.2 O contador de histórias – um mediador da cultura ......................................... 38</p><p>5 ENTRE NOÇÕES: O QUE É TEATRO E O QUE É DRAMA? ............................. 40</p><p>5.1 Do rito ao texto: da oralidade ao gênero literário ............................................ 41</p><p>5.2 Um panorama das relações entre teatro e sociedade .................................... 45</p><p>5.3 O fazer teatral ................................................................................................. 50</p><p>6 ORIGEM DA ARTE CINEMATOGRÁFICA .......................................................... 53</p><p>6.1 História do cinema .......................................................................................... 55</p><p>6.2 Semelhanças e diferenças entre cinema e televisão ...................................... 60</p><p>7 AUTORES CLÁSSICOS ....................................................................................... 62</p><p>8 A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E CULTURA ................................................ 74</p><p>8.1 Manifestações culturais da escola .................................................................. 75</p><p>8.2 O valor da escola nas manifestações culturais ............................................... 78</p><p>9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 80</p><p>3</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Prezado aluno!</p><p>O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante</p><p>ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um</p><p>aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma</p><p>pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é</p><p>que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a</p><p>resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas</p><p>poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em</p><p>tempo hábil.</p><p>Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da</p><p>nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à</p><p>execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da</p><p>semana e a hora que lhe convier para isso.</p><p>A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser</p><p>seguida e prazos definidos para as atividades.</p><p>Bons estudos!</p><p>4</p><p>1 ORIGENS DA ARTE BRASILEIRA</p><p>Quando abordamos a arte brasileira, é comum associá-la imediatamente às</p><p>obras produzidas no Brasil ou por artistas brasileiros, refletindo uma caracterização</p><p>ligada ao nosso Estado-nação. No entanto, como devemos nos referir às expressões</p><p>artísticas que surgiram antes de o Brasil existir como nação?</p><p>Ao explorarmos as raízes da arte brasileira, considerando que a arte é uma</p><p>manifestação da cultura, é essencial observar a rica diversidade étnico-cultural do</p><p>Brasil e reconhecer as influências vindas de povos africanos, indígenas e europeus</p><p>na formação de nossa identidade cultural. Conforme apontado por Dossin (2008), é</p><p>frequente na história da arte brasileira a falta de reconhecimento e silenciamento das</p><p>contribuições da cultura africana para as artes visuais no Brasil, bem como das</p><p>contribuições dos artistas visuais afro-brasileiros, ao longo de diferentes períodos</p><p>históricos do país.</p><p>A ocupação humana do território que posteriormente se tornaria o Brasil</p><p>remonta a mais de 12 mil anos, com o início de ondas migratórias vindas dos Andes</p><p>que se espalharam por todo esse vasto território. Pesquisas recentes na região</p><p>amazônica, por exemplo, indicam a existência de uma pluralidade de sociedades,</p><p>algumas delas pequenas e simples, compostas por caçadores e coletores de grande</p><p>mobilidade, que produziam cestarias. Outras sociedades eram mais complexas em</p><p>termos de organização social e avançadas do ponto de vista tecnológico, dedicando-</p><p>se à produção de cerâmica (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).</p><p>Eventualmente, esses objetos entram na categoria de objetos artísticos sob</p><p>a nossa ótica, quando o refinamento das técnicas empregadas produz para</p><p>nós um efeito estético que ultrapassa sua finalidade funcional deles (PESSIS;</p><p>MARTIN, 2015, p. 23).</p><p>Nas áreas onde se estabeleceram, várias dessas comunidades legaram</p><p>vestígios de suas expressões artísticas, conhecidas como arte rupestre. Conforme</p><p>apontam Pessis e Martin (2015, p. 23):</p><p>‘Arte rupestre’ é termo consagrado desde o século XIX, depois das primeiras</p><p>descobertas das cavernas paleolíticas pintadas na Espanha e na França. Isso</p><p>não significa que não se conheceram muito antes gravuras e pinturas pré-</p><p>históricas realizadas nas rochas, mas a erudição de tempos passados não as</p><p>considerou ações humanas relevantes para que fossem integradas às ideias</p><p>estéticas da humanidade.</p><p>5</p><p>E onde podemos identificar gravuras e pinturas rupestres no Brasil? Conforme</p><p>indicado por Pessis e Martin (2015), o Brasil abriga diversas províncias rupestres,</p><p>sendo notáveis pela sua densidade e concentração de sítios as regiões nordeste,</p><p>amazônica, cerrado goiano e a bacia do alto São Francisco em Minas Gerais. No</p><p>entanto, em menor frequência, gravuras e pinturas também são identificadas em</p><p>várias outras áreas do Brasil.</p><p>Um dos locais mais conhecidos no Brasil com arte rupestre é o Parque</p><p>Nacional da Serra da Capivara, localizado no Piauí, que foi declarado Patrimônio</p><p>Cultural da Humanidade em 1991. Além disso, também podemos mencionar as</p><p>marcas de mãos desenhadas em Lajeado da Soledade, no Rio Grande do Norte; as</p><p>pinturas rupestres em Seridó, também no Rio Grande do Norte; os grafismos rupestres</p><p>da Toca do Cosmos, na Bahia; os grafismos rupestres policromáticos no Sítio</p><p>Arqueológico do Vale do Peruaçu, em Minas Gerais; e as representações de araras e</p><p>lagartos no Sítio Arqueológico Pousada das Araras, em Serranópolis, Goiás.</p><p>Vamos agora explorar um pouco mais sobre os povos que habitavam o</p><p>território que viria a ser o Brasil. De maneira geral, podemos categorizar os indígenas</p><p>em três grupos principais: os que habitavam a região dos Andes e da Amazônia, os</p><p>que viviam na região do Xingu e do cerrado, e aqueles que ocupavam as áreas</p><p>litorâneas. Como salientado por Pessis e Martin (2015, p. 33), "Compreender quem</p><p>eram os indígenas no Brasil antes da chegada dos europeus nos ajuda a entender</p><p>suas expressões estéticas e suas finalidades."</p><p>Os indígenas que habitavam a região litorânea, predominantemente tupis-</p><p>guaranis, apresentavam uma certa uniformidade cultural e linguística e foram os</p><p>primeiros a entrar em contato com os portugueses (FAUSTO,</p><p>era o que</p><p>mais valorizava. Por exemplo, no século XIX, quando o Brasil ainda estava sob o</p><p>domínio de Portugal, prevalecia a ideia de que a cultura de prestígio era de origem</p><p>europeia e que uma "boa formação" só podia ser adquirida através da leitura e do</p><p>domínio das artes eruditas, como ópera, orquestra, teatro e literatura. Por</p><p>consequência, a cultura popular era desvalorizada e considerada algo associado à</p><p>classe social mais baixa e à falta de educação.</p><p>A diversidade cultural sempre existiu, mas em certas épocas, a mistura de</p><p>influências era vista de maneira negativa. Valorizava-se a pureza racial e a adesão a</p><p>padrões estéticos uniformes.</p><p>Sob essa perspectiva, os brasileiros eram percebidos como mais vulneráveis,</p><p>tanto física quanto moralmente, devido à sua diversidade étnica, que incluía</p><p>influências africanas, igualmente desconsideradas.</p><p>No que tange à literatura, a literatura erudita, de certa forma, sucumbiu a essa</p><p>visão de duas maneiras: desvalorizando o elemento local e enaltecendo a imitação de</p><p>modelos europeus, ou encarando o elemento nacional como algo exótico e frágil.</p><p>A literatura popular, sendo um produto da coletividade, permaneceu alheia a</p><p>essas dinâmicas. Contudo, foram os estudiosos que a abordaram de uma maneira</p><p>diferente, resultando em consequências significativas. As manifestações literárias</p><p>populares passaram a ser categorizadas com base em suas influências raciais e</p><p>36</p><p>culturais, embora essa classificação fosse uma abordagem simplista, coerente com o</p><p>pensamento da época.</p><p>Inspirados pelo movimento romântico, que valorizava o conhecimento do</p><p>povo, surgiu um interesse pelo estudo das produções populares. Posteriormente, no</p><p>final do século XIX, sob a influência do pensamento científico, essas produções</p><p>continuaram a ser objeto de estudo e classificação.</p><p>Sílvio Romero, um pesquisador desse período, publicou uma coleção de</p><p>contos intitulada "Contos populares do Brasil" em 1897, na qual os contos foram</p><p>divididos em três categorias: contos de origem europeia, contos de origem indígena e</p><p>contos de origem africana e mestiça. Essa divisão refletia a visão determinista da</p><p>época. Ao realizar essa classificação, podemos identificar o que o pesquisador</p><p>considerava como elementos constituintes da cultura brasileira.</p><p>Os contos de origem europeia envolviam elementos mágicos, reis e príncipes,</p><p>enquanto os contos de origem indígena narravam histórias de animais (sem</p><p>mencionar os indígenas). Já os contos de origem africana e mestiça incluíam</p><p>narrativas de animais, com destaque para o macaco, além de histórias humorísticas</p><p>que retratavam personagens tolos, preguiçosos e ladrões. Essa classificação ilustra</p><p>as atitudes prevalecentes em relação à população de origem mestiça na época:</p><p>O NEGRO PACHOLA - Havia uma senhora de engenho casada e sem filhos.</p><p>Adoecendo o marido e morrendo, ficou em lugar dele um preto africano,</p><p>chamado Pai José. Assim que Pai José ouviu dizer que ia governar o</p><p>engenho, ficou muito orgulhoso. Logo que foi distribuir o serviço com os</p><p>outros negros, passou ordem a eles que, de ora em diante, não o tratassem</p><p>mais por Pai José, e sim Sinhô Moço Cazuza. Os negros lhe obedeceram. E,</p><p>quando o viam, diziam: “A bença, Sinhô Moço Cazuza.” O negro, muito</p><p>concha, respondia: “Bênção de Deus.” Não ficou só aí o orgulho do negro.</p><p>Quando chegou à casa, disse para a senhora: “Meu sinhá, quando Sinhô</p><p>Moço Cazuza chegava em casa cansado, meu sinhá não mandava logo botar</p><p>banho para ele? Pois eu também quer.” A senhora, coitada, não teve outro</p><p>remédio senão mandar botar banho para Pai José. Não satisfeito ainda, disse</p><p>o negro: “Meu sinhá, não mandava mulatinha esfregar costa de meu sinhô?</p><p>Pois eu também quer.” A senhora mandou a mulatinha esfregar as costas de</p><p>Pai José. Este ainda continuou: “E meu sinhá não dava camisa gomada pra</p><p>meu sinhô vestir? Pai José também quer.” A pobre mulher foi buscar uma</p><p>camisa engomada, deu a Pai José para vestir. E, vendo que devia acabar</p><p>com as pacholices daquele negro, falou com dois criados, muniu-se de dois</p><p>bons chicotes e mandou-os esconderem-se no quarto. Esperou que o negro</p><p>pedisse mais alguma coisa. E não tardou que ele dissesse: “Meu sinhá,</p><p>quando meu sinhô acabava de tomar banho e de vestir a camisa grosmada,</p><p>ia para o quarto pra meu sinhá catar piolho nele? Pai José também quer.” A</p><p>moça não teve dúvida. Mandou-o entrar para o quarto e deu ordem aos</p><p>criados que empurrassem o chicote. Se ela bem ordenou, melhor executaram</p><p>os criados. Pai José apanhou tanto que escapou de morrer. No outro dia, bem</p><p>cedo, o negro foi para a roça ainda muito magoado das pancadas. E, quando</p><p>37</p><p>os negros o saudaram: “A bença, Sinhô Moço Cazuza”, ele muito zangado</p><p>respondeu: “Cazuza, não, eu sou Pai José.” E deu ordem para o tratarem</p><p>pelo seu próprio nome. Os negros muito admirados ficaram sem saber a</p><p>causa daquela mudança. Nunca mais Pai José pediu banho, nem camisa</p><p>engomada, nem à senhora para catar piolhos (ROMERO, 1985, p. 194).</p><p>O conto ilustra as dinâmicas de poder e submissão nas relações sociais,</p><p>evidenciadas na lição ministrada ao "pai José". Além disso, retrata a vida nos</p><p>engenhos, a instituição da escravidão e algumas das práticas do cotidiano. A moral</p><p>do conto revela uma perspectiva preconceituosa e uma valorização dos brancos em</p><p>detrimento dos negros.</p><p>Aqui está a análise da literatura popular conduzida pelo próprio Sílvio Romero</p><p>naquela época:</p><p>As relações da raça superior com as duas inferiores tiveram dois aspectos</p><p>principais: a) relações meramente externas, em que os portugueses não</p><p>poderiam, como civilizados, modificar sua vida intelectual que tendia a</p><p>prevalecer e só poderiam contrair um ou outro hábito, e empregar um ou outro</p><p>utensílio na vida cotidiana ordinária; b) relações de sangue, tendentes a</p><p>modificar as três raças e a formar o mestiço (ROMERO, 1985, p. 16).</p><p>Através dessa análise, podemos observar o reconhecimento de um</p><p>multiculturalismo brasileiro, simbolizado pela mestiçagem, mas ao mesmo tempo, há</p><p>uma tendência de supervalorização de uma cultura em detrimento de outras,</p><p>consideradas inferiores e desprovidas de "civilização".</p><p>Felizmente, o que antes era considerado uma fraqueza - a mestiçagem -</p><p>passou a ser percebido como uma riqueza, uma fonte inesgotável de criatividade. Isso</p><p>despertou um interesse legítimo em estudos culturais, especialmente a partir dos anos</p><p>1920, com o Movimento Modernista brasileiro.</p><p>Hoje em dia, a diversidade cultural é mais valorizada, visto que há um</p><p>reconhecimento mais amplo da complexidade dos elementos e influências em nossa</p><p>sociedade. Até mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais, que regulamentam o</p><p>ensino no Brasil, enfatizam a importância de compreender e valorizar a riqueza do</p><p>patrimônio sociocultural brasileiro.</p><p>Algumas leis preveem o ensino da cultura afro-brasileira e o reconhecimento</p><p>das culturas indígenas, como parte de um esforço para nos reconhecermos como uma</p><p>sociedade que valoriza a liberdade de criação e expressão cultural.</p><p>38</p><p>4.2 O contador de histórias – um mediador da cultura</p><p>Para elucidar a conexão entre a cultura e a literatura popular, vamos agora</p><p>explorar um elemento fundamental na literatura: o contador de histórias, seja ele</p><p>chamado de contador, cantador ou poeta.</p><p>Como mencionado anteriormente, a literatura popular preserva vestígios de</p><p>rituais que celebravam eventos cruciais na vida da comunidade, como colheitas,</p><p>nascimentos, conquistas e até tragédias. Desde tempos imemoriais, as sociedades</p><p>mais antigas se organizavam em torno de líderes responsáveis por ensinamentos e</p><p>manutenção da ordem. Em grande parte, esses líderes eram os mais experientes,</p><p>como sacerdotes e xamãs, que estabeleciam uma ponte entre o sagrado e o cotidiano,</p><p>detendo o poder da palavra.</p><p>Conforme sabemos, a literatura popular tem como base a oralidade, o que</p><p>ressalta o impacto da voz e do que é proclamado como a verdade.</p><p>A partir desse</p><p>conceito, podemos traçar um paralelo entre a função do xamã e a do poeta popular.</p><p>Ambos dominam um código social, conhecem seu grupo e utilizam a palavra para</p><p>compartilhar e transmitir o conhecimento de sua comunidade. Eles agem como</p><p>mediadores entre a cultura e o público por meio da literatura.</p><p>É por isso que, nas histórias populares, frequentemente observamos o</p><p>narrador se apresentando como testemunha dos eventos para reforçar a relevância</p><p>do que está sendo narrado. Ao contar uma história, eles fazem isso com consciência</p><p>de seu papel como mediadores culturais, o que requer não apenas conhecimento e</p><p>experiência, mas também sensibilidade para cativar seu público. Em certo sentido,</p><p>tornam-se a memória viva de sua cultura.</p><p>A seguir, apresentamos exemplos que ilustram a função do contador de</p><p>histórias como um guardião e difusor da cultura.</p><p>EXEMPLO 1 – O BOI LEIÇÃO</p><p>Informante: José Maria de Melo, Alagoas</p><p>E no dia do casamento houve uma festa tão grande que abalou todo o pessoal</p><p>da redondeza. Dançou-se sete dias com sete noites “encastoados”. Naquele</p><p>tempo eu ainda era solteiro, e meti-me no meio e dancei tanto que quase me</p><p>acabo!… A festa só acabou no fim do sétimo dia; assim mesmo porque os</p><p>dedos do tocador de harmônico, de tão inchados que estavam de tocar, não</p><p>podiam mais arrastar o fole (CASCUDO, 2003, p. 184).</p><p>39</p><p>EXEMPLO 2 – LAMPEÃO ARREPENDIDO DA VIDA DE CANGACEIRO</p><p>Autoria: Laurindo Gomes Maciel</p><p>Virgolino Lampeão Se achar meu verso ruim Deus queira que o Governo</p><p>Brevemente dê-lhe fim Falei somente a verdade Lampeão por caridade Não</p><p>tenha queixa de mim. Terminei caro leitor O verso de Lampeão Descrevi</p><p>divinamente O que ele fez no sertão Nada mais tenho a dizer, Quando</p><p>Lampeão morrer Faço outra narração (PROENÇA, 1986, p. 375).</p><p>EXEMPLO 3 – MINHOCÃO</p><p>Entrevistado: Vadô</p><p>Outro dia, foi dois dia de festa, dois dia de festa. Dois, três dia que nós ia</p><p>embora pra buscar padre que tinha lá, pra nós fazer essa brincadeira. Não,</p><p>mas diz que é, eu tô falando pro senhor, é realidade! O que eu falo o senhor</p><p>escreve, eu assino. Então, o senhor vê como é. Então tá. Bandeira ficava</p><p>quadro, cinco dia. Comia capivara, peixe, o que tiver, né? Ah! Nesse tempo,</p><p>mandioca tinha todo dia na beira do rio aí. Passava aquela lancha aí, a</p><p>Cabuxio, a Panamericana, tudo. No tempo que matava capivara, sabe?</p><p>Matava jacaré. [...] Aí, nós tomando umas pinga e tal... Aí o companheiro</p><p>falou: – Ah! Rapaz, eu tô cum uma fome muito forte! Eu vou matar uma</p><p>capivara! Falei: – Vamos, eu vou cum vocês. Outro falou: – Eu também vou!</p><p>Vamos caçar aí, matar umas capivara aí, lontra, qualquer coisa, né? E eu</p><p>tava enjoado dos remédio e bem passado da bebida. Pegamos essa canoa.</p><p>Aaooô rapaz! [...] E esse rapaz caçava, esse que num quis pegar a bandeira,</p><p>caçava também. Foi e atirou nesse bicho. Mas atirou: pá! [...] Aí o pessoal me</p><p>disseram: – Cê sabe o que que é? Esse é o bicho que ele atirou. Esse é o</p><p>minhocão (FERNANDES, 2002, p. 168-169).</p><p>No Exemplo 1, encontramos um segmento de um conto coletado por Câmara</p><p>Cascudo, que constitui o desfecho da história. Escrito na primeira pessoa, o narrador,</p><p>a fim de autenticar o conteúdo narrado, se apresenta como testemunha ocular e</p><p>descreve minuciosamente os detalhes da festa que celebra o final feliz.</p><p>No Exemplo 2, referente ao desfecho de um folheto de cordel, seguindo a</p><p>tradição desse gênero literário, as últimas estrofes se destinam ao interlocutor,</p><p>incentivando-o a adquirir o folheto. Neste caso particular, o poeta começa por se dirigir</p><p>a Lampião, expressando suas preocupações quanto ao impacto da narrativa, para</p><p>depois se voltar ao leitor, certificando-se de seu conhecimento sobre o tema e</p><p>prometendo continuar a versar sobre o assunto.</p><p>No Exemplo 3, apresentamos a transcrição de um testemunho de um vaqueiro</p><p>pantaneiro acerca de sua vida. No trecho, fica notável a ênfase na garantia da</p><p>veracidade do relato, assim como nos outros dois exemplos, mediante a validação da</p><p>40</p><p>própria palavra ("O que eu falo o senhor escreve, eu assino"). Além disso, temos a</p><p>oportunidade de adquirir mais conhecimento sobre a vida no Pantanal, os costumes e</p><p>o imaginário local, como a figura do Minhocão, uma cobra que, em noites de lua cheia,</p><p>supostamente suga o sangue das pessoas.</p><p>Nos três casos, há um comprometimento por parte do narrador com a história</p><p>que está sendo contada, evidenciando sua profunda compreensão do contexto em</p><p>que a narrativa se desenvolve. Através de seus relatos, somos agraciados com</p><p>explicações e informações sobre as práticas culturais, assim como a maneira pela</p><p>qual o cotidiano se relaciona com a expressão literária.</p><p>Os textos populares estão repletos de exemplos de modos de vida e de</p><p>reflexões sobre o mundo. A exploração da literatura popular, além de suas muitas</p><p>vantagens, possibilita a imersão em expressões culturais e, mais significativamente,</p><p>fortalece nossos laços identitários, pois encontramos nossa própria identidade</p><p>refletida nessas narrativas.</p><p>5 ENTRE NOÇÕES: O QUE É TEATRO E O QUE É DRAMA?</p><p>Certamente, você já se deparou com as seguintes expressões em algum</p><p>momento: "Você está sendo muito dramático!" para descrever alguém que está</p><p>fazendo muito alarde por questões insignificantes, ou "Você é um ótimo ator!" dirigido</p><p>a um amigo que inventa desculpas e histórias para evitar fazer algo que não deseja,</p><p>ou ainda "Você é um excelente comediante", elogiando aquele amigo que sempre tem</p><p>uma piada pronta para o grupo.</p><p>Os adjetivos "dramático," "cômico" ou "teatral" frequentemente se inserem em</p><p>nosso vocabulário cotidiano de várias formas. No Brasil, é comum usarmos a palavra</p><p>"drama" em contraposição à "comédia." Aquilo que não é alegre e humorístico é,</p><p>portanto, considerado triste, reflexivo, exagerado e... dramático. Embora essas</p><p>características e gêneros estejam agora popularizados e influenciados pela televisão</p><p>e pelo cinema, suas origens remontam a tradições muito mais antigas, que são</p><p>fundamentais para nossa herança cultural ocidental.</p><p>Assim, é impossível definir as noções de teatro e drama sem recuar até a</p><p>Grécia Antiga, o período histórico do qual derivam praticamente todos os nossos</p><p>princípios filosóficos, políticos e artísticos. O teatro assume sua forma e instituição tal</p><p>como conhecemos durante esse momento da história. É importante notar que o teatro</p><p>41</p><p>não surgiu de imediato com edifícios, palcos, iluminação, diretores, textos escritos,</p><p>atores e cenários. Além disso, o teatro não é exclusivo do Ocidente e não é</p><p>homogêneo: não existe uma única abordagem correta para o teatro e o drama. Isso é</p><p>válido não apenas nos dias de hoje, mas ao longo de toda a história. Para</p><p>compreender as transformações nos conceitos de drama e teatro, é necessário recuar</p><p>no tempo e analisar a história.</p><p>5.1 Do rito ao texto: da oralidade ao gênero literário</p><p>O teatro tem suas raízes nas práticas rituais das civilizações antigas. A partir</p><p>do momento em que a humanidade começou a representar deuses e figuras</p><p>mitológicas, começou a surgir uma distinção entre o fictício e o real. No entanto, para</p><p>as comunidades primitivas, essas fronteiras eram muito mais difusas do que as</p><p>separações mais rígidas entre crença e realidade que temos hoje, especialmente após</p><p>a era iluminista. O teatro sempre ocupou esse limiar e desempenhou um papel crucial</p><p>na comunicação entre esses dois mundos.</p><p>Foi na Grécia Antiga que o teatro se consolidou como um dos pilares da</p><p>democracia grega. Nossos conceitos ocidentais de drama e teatro derivam</p><p>principalmente da era de ouro das tragédias gregas, sobretudo do tratado filosófico e</p><p>artístico escrito por Aristóteles, conhecido como "Poética." No século V a.C., em</p><p>Atenas, as Grandes Dionisíacas eram uma celebração fervorosa, com festivais de</p><p>tragédias que lotavam os principais teatros da cidade-estado, conhecida como "pólis."</p><p>Assistir às tetralogias, que</p><p>consistiam em conjuntos de três tragédias e uma sátira,</p><p>era uma obrigação e um prazer para os cidadãos atenienses.</p><p>Antes de Aristóteles conceitualizar os elementos da tragédia, Platão já havia</p><p>discutido a poesia em seu livro X, "A República." Para Platão, a poesia (ou seja, a</p><p>arte) deveria ser banida da pólis grega, pois ele acreditava que ela estimulava</p><p>emoções irracionais e elogiava imitadores, o que não se alinhava com os princípios</p><p>estabelecidos anteriormente por ele em "A República." Platão afirmava que, na</p><p>cidade, apenas hinos aos deuses e elogios às pessoas virtuosas deveriam ser</p><p>permitidos. Para ele, a poesia imitativa afastava os cidadãos da verdade divina,</p><p>corrompendo-os, a menos que fosse capaz de demonstrar seu valor e utilidade para</p><p>uma cidade bem regulamentada. Nem mesmo Homero, autor da "Odisseia," escapava</p><p>das críticas de Platão, que contrastavam com a visão da maioria de seus</p><p>contemporâneos sobre a importância da narrativa épica extensa.</p><p>42</p><p>Aristóteles, por sua vez, herdou de Platão certos conceitos que ele</p><p>desenvolveu de maneira mais positiva, um dos quais é fundamental para o teatro: o</p><p>conceito de "mimesis," que significa imitação em grego antigo. Enquanto para Platão</p><p>a imitação era algo artificial e representativo de elementos externos (não verdadeiros),</p><p>para Aristóteles, a imitação era intrínseca ao ser humano. Para ele, a imitação faz</p><p>parte do processo de aprendizado humano, diferenciando os humanos de todas as</p><p>outras criaturas. Segundo Aristóteles, a imitação não é inerentemente corrupta ou</p><p>desvalorizada, já que ela representa a vida humana e suas histórias, mas pode variar</p><p>em termos de nobreza ou baixeza, dependendo do que está sendo imitado. A partir</p><p>dessa premissa, Aristóteles descreve e classifica os diferentes tipos de poesia e seus</p><p>elementos constituintes.</p><p>Além dos elementos que compõem a estrutura da tragédia (como prólogo e</p><p>episódio) e as ações vivenciadas pelo herói (peripécia, reconhecimento, entre outros),</p><p>é crucial entender os conceitos de "drân," "mythos" e "verossimilhança." Para</p><p>Aristóteles, o público só pode obter prazer com a arte imitativa se ela representar o</p><p>que é conhecido. No entanto, o poeta não deve retratar a realidade, mas sim uma de</p><p>suas possíveis versões, caso contrário, estaria simplesmente registrando os eventos.</p><p>Isso ocorre porque, ao contrário de Platão, Aristóteles via a poesia como um meio de</p><p>purgação coletiva de emoções ("catharsis"), e essa purgação requer uma dose de</p><p>criatividade, desde que sejam observadas as regras adequadas.</p><p>Uma das mais importantes noções, e que repercute ao longo da história, é a</p><p>ideia de imitação das ações, em vez do caráter humano. Uma tragédia deve</p><p>ser composta de várias ações (drâns) que sigam uma lógica de linearidade e</p><p>verossimilhança, as quais irão compor o mythos, conhecido também como</p><p>fábula. Dessa forma, é necessário que se respeite a unidade de ação, que</p><p>determina que os atos não sejam intercambiáveis entre si, de modo que a</p><p>troca da ordem das ações afete o resultado total; assim como a unidade de</p><p>tempo, que determina que a tragédia deve transcorrer no período de um sol</p><p>(um dia), e a unidade de espaço, devendo manter-se em um local, tendo os</p><p>acontecimentos narrados, em vez de mostrados ao público.</p><p>É possível observar que a tragédia é construída como um mundo autônomo</p><p>que mantém um contínuo diálogo com as crenças do público grego. Isso ressalta outra</p><p>característica fundamental da Poética de Aristóteles: os mitos não devem ser</p><p>alterados, o poeta deve apenas empregá-los artisticamente. Como resultado, as</p><p>histórias sempre refletem os valores éticos e morais da cidade-estado.</p><p>43</p><p>Além disso, há uma particularidade que tornou a tragédia a forma de arte mais</p><p>proeminente na Grécia antiga: a ênfase na elocução. Ao contrário da epopeia, que</p><p>frequentemente era um longo poema escrito, a tragédia era destinada a ser ouvida,</p><p>não lida. Em uma sociedade em que apenas os cidadãos do sexo masculino tinham o</p><p>domínio da leitura, mas em que todos eram alvos de educação moral, a tragédia</p><p>ocupava um espaço significativo, pois era acessível a todos os cidadãos, incluindo</p><p>mulheres e escravos (quando permitido). Em contraste, a comédia não era de acesso</p><p>amplo e era proibida para as mulheres devido à natureza muitas vezes vulgar de seus</p><p>temas.</p><p>Essa característica está intrinsecamente ligada às origens do teatro grego,</p><p>que remontam aos rituais dedicados ao deus Dionísio no século VI a.C, conhecidos</p><p>como "ditirambos." Esses rituais circulares eram realizados por um coro que usava</p><p>máscaras de bode e entoava cânticos em homenagem ao deus da embriaguez e da</p><p>fertilidade. No entanto, um marco crucial ocorreu em 534 a.C (conforme Berthold,</p><p>2004), quando um ator chamado Téspis, vindo de Icária, foi convidado para participar</p><p>de um festival dionisíaco em Atenas. Téspis teve uma ideia inovadora ao separar-se</p><p>do coro e criar o papel do "hypokrites" ou "respondedor," introduzindo os primeiros</p><p>diálogos na performance. Etimologicamente, a palavra "tragédia" deriva de "tragos,"</p><p>que significa "bode," e "ode," que significa "canto," uma referência direta aos rituais</p><p>em homenagem a Dionísio. É conhecido que Téspis viajou por diversas cidades</p><p>gregas, e com a crescente popularidade desse gênero e o apogeu da democracia</p><p>durante o governo de Péricles, surgiram os grandiosos e renomados teatros gregos e</p><p>festivais.</p><p>Esses teatros eram compostos por várias estruturas que desempenhavam</p><p>funções distintas, e é a partir de uma delas que a palavra "teatro" se origina. "Theatron"</p><p>é a palavra grega que designa o local de onde se assiste ao espetáculo, ou seja, o</p><p>espaço ocupado pelo público (conforme Pavis, 2008). Somente mais tarde na história,</p><p>o termo "teatro" passaria a referir-se ao edifício inteiro, sendo chamado, na época, de</p><p>"auditórios" ou "arenas." Da mesma forma, a concepção da obra dramática como</p><p>"teatro" também se desenvolveu posteriormente.</p><p>As palavras "theatron" e "drân" são cruciais para as definições de teatro e</p><p>drama, pois representam as origens etimológicas desses termos. Entretanto,</p><p>podemos perceber uma transformação significativa desde suas primeiras concepções</p><p>44</p><p>na Grécia Antiga até seu uso contemporâneo no dia a dia. Após conhecer suas raízes,</p><p>fica a questão: ainda faz sentido chamar alguém de "dramático"?</p><p>O conceito de drama, que na Grécia Antiga se relacionava com a sequência</p><p>de ações que compunham uma narrativa escrita por um tragediógrafo e encenada de</p><p>acordo com rigorosas convenções teatrais, passou por significativas transformações</p><p>à medida que as sociedades evoluíram ao longo dos tempos. Contudo, de acordo com</p><p>Aristóteles (1986, p. 111), o elemento mais crucial na tragédia ainda é o próprio drama:</p><p>“[...] a trama dos fatos, pois a tragédia não é imitação de homens, mas de ações e de</p><p>vida, de felicidade [...]”. Portanto, o que assume maior relevância tanto no drama</p><p>quanto na tragédia é a ação.</p><p>Mas como se desenrola a ação no texto teatral? Como já mencionado, o teatro</p><p>tem suas origens na evolução dos rituais, passando de um coro que narrava toda a</p><p>história para um coro com um solista. O que acontece quando há dois elementos</p><p>interagindo? Diálogo. As ações no drama e na tragédia se desenrolam principalmente</p><p>por meio dos diálogos, uma forma de comunicação mais direta do que os versos de</p><p>uma epopeia. A elocução, os diálogos, a verossimilhança e a narrativa de ações</p><p>reconhecíveis são os elementos que tornaram a tragédia na Grécia Antiga uma forma</p><p>de expressão profundamente democrática.</p><p>No decorrer da história, muitos dos elementos e conceitos da tragédia</p><p>perderam sua relevância. A unidade de tempo, ação e espaço tornaram-se requisitos</p><p>dispensáveis, e o texto teatral escrito passou por uma série de transformações. Após</p><p>um longo período de proibição na Idade Média, o texto teatral ressurgiu com força total</p><p>durante o Renascimento.</p><p>Foi nessa época que a maioria dos teóricos acredita que a</p><p>noção de drama moderno tenha nascido. O drama deixou para trás os elementos da</p><p>tragédia e passou a representar histórias escritas que não se baseavam mais em</p><p>mitos amplamente reconhecidos pela sociedade, mas sim em criações livres sobre as</p><p>relações humanas. William Shakespeare é um dos principais exemplos desse período.</p><p>Podemos, portanto, dizer que o drama moderno é um texto literário que se</p><p>concentra principalmente em diálogos, apresentando uma sequência de ações e</p><p>sendo projetado para ser interpretado no palco, seguindo uma lógica interna própria.</p><p>Do legado da tragédia, o elemento mais marcante que sobrevive é a ação. No entanto,</p><p>o final do século XIX marcou uma série de crises no texto teatral e na instituição teatral,</p><p>incluindo a crise da ação. Os textos teatrais não precisam mais seguir</p><p>45</p><p>necessariamente uma sequência lógica de ações, nem obedecer a unidades de</p><p>tempo, nem apresentar uma narrativa reconhecível. Consequentemente, os diálogos</p><p>também se tornaram dispensáveis. No século XX, o teatro das vanguardas e os épicos</p><p>de Bertolt Brecht romperam totalmente com essa estrutura. Samuel Beckett</p><p>consolidou a ausência de ação, e as formas de teatro pós-Segunda Guerra Mundial</p><p>tornaram o texto dramático possivelmente o gênero mais livre dentro da literatura. Mas</p><p>como, então, podemos definir o drama?</p><p>Na concepção contemporânea, o drama está intrinsecamente ligado à</p><p>expectativa de ser encenado. Assim como os gregos construíram arquibancadas nos</p><p>teatros, conhecidas como "theatron," para que o público pudesse assistir e ouvir a</p><p>performance (e aí reside a distinção entre teatro e ritual), o que diferencia um texto</p><p>dramático de qualquer outro texto literário é a expectativa de ser encenado, o que, por</p><p>sua vez, gera expectativas de novas camadas de interpretação.</p><p>Portanto, o drama e seus correlatos (dramaturgia, texto dramático) referem-</p><p>se ao texto escrito que almeja ser mais do que apenas lido, enquanto o teatro é a</p><p>designação para a arte que depende da interação com o público para funcionar</p><p>plenamente.</p><p>5.2 Um panorama das relações entre teatro e sociedade</p><p>Como você já pôde observar, as características do teatro são profundamente</p><p>influenciadas pela sociedade em que ele se desenvolve. Na Grécia, a tragédia era</p><p>vista como a expressão máxima do espírito democrático. Além de entreter, tinha o</p><p>propósito de fortalecer o senso coletivo e a moral da cidade-estado. No entanto, havia</p><p>restrições, como a proibição de mulheres atuarem ou assistirem às comédias, e a</p><p>exclusão de estrangeiros e escravos.</p><p>A arte é tanto um produto de seu tempo quanto sua matéria-prima. Ao longo</p><p>da história, além das formas teatrais institucionalizadas, sempre existiram</p><p>manifestações populares, e ambas influenciaram uma à outra. Na Atenas do período</p><p>áureo das tragédias, havia também artistas de rua e mímicos que, em contraste com</p><p>o teatro que glorificava os deuses, focavam em representações do povo anônimo e</p><p>estereotipado. Esses espetáculos, geralmente improvisados, às vezes resultavam em</p><p>registros escritos, como fragmentos de uma peça de Sófron (430 a.C.), que, ao que</p><p>parece, serviu de inspiração para o personagem Bottom em "Sonho de uma Noite de</p><p>Verão," de Shakespeare. Além disso, nas mímicas e nas danças populares, as</p><p>46</p><p>mulheres não eram proibidas de participar, e várias delas se destacaram como</p><p>excelentes artistas.</p><p>Antes mesmo do teatro grego, civilizações como as egípcias e</p><p>mesopotâmicas já tinham suas formas de teatro. No ano 610 d.C., com a ascensão</p><p>do islamismo e a subsequente divisão entre sunitas e xiitas, surgiu no Irã uma forma</p><p>de paixão chamada "ta'zya." Na Índia, o "manual" das artes do espetáculo hindu,</p><p>conhecido como "Natyasastra" e escrito por Bharata Muni (datado entre 200 a.C. e</p><p>200 d.C.), é um compêndio extremamente abrangente, que abarca desde a</p><p>concepção de histórias a serem encenadas até a construção do palco. A tradução em</p><p>inglês desse trabalho tem quase mil páginas de explicações. Os códigos gestuais que</p><p>compõem as formas de teatro indiano também servem para explicitar as castas</p><p>hindus. A relação entre religião, rituais e teatro ainda é de suma importância. As</p><p>tradições teatrais chinesas e japonesas também têm uma história rica que remonta a</p><p>milênios.</p><p>Essas tradições por vezes se encontram através de intercâmbios culturais e</p><p>comerciais ao redor do mundo. A maioria delas, especialmente as do Oriente Médio e</p><p>da Ásia, se tornou conhecida no Ocidente através de expedições comerciais e</p><p>períodos de dominação. Isso ocorreu de maneira análoga ao que se deu na literatura,</p><p>com expansões e colonizações. Por exemplo, durante o domínio britânico na Índia, as</p><p>formas tradicionais de teatro foram proibidas, resultando na criação de centros</p><p>urbanos onde o teatro se assemelhava à forma ocidental.</p><p>Enquanto isso, na Europa, a República Romana começou a expandir seu</p><p>império, conquistando diversos povos vizinhos. No século II a.C., os romanos</p><p>finalmente dominaram os territórios gregos, incluindo Atenas, apropriando-se</p><p>consideravelmente da cultura grega. O panteão de deuses politeístas gregos foi</p><p>adaptado para o latim, e os teatros gregos passaram por modificações sob o domínio</p><p>romano. A República Romana, com sua expansão, durou cerca de 500 anos, e, devido</p><p>a várias revoltas populares, o Império Romano foi estabelecido. Durante o império,</p><p>como uma maneira de distrair a população dos escândalos de corrupção, surgiu a</p><p>política do "pão e circo," e o teatro adquiriu um caráter predominantemente de</p><p>entretenimento, muitas vezes sangrento e satírico, bem distante do equilíbrio moral</p><p>buscado pelas tragédias gregas. Os principais anfiteatros, como o Coliseu, eram</p><p>palcos para batalhas e até mesmo enchentes (ele possuía um sistema de drenagem</p><p>47</p><p>para isso), frequentemente com execuções públicas durante os espetáculos. O</p><p>declínio da barbárie romana começou quando o Império deixou de perseguir os</p><p>cristãos que viviam em seu território e adotou o cristianismo como religião oficial. O</p><p>fim do Império Romano marcou a entrada na Idade Média, conhecida também como</p><p>Idade das Trevas, um período em que o teatro foi demonizado.</p><p>A disseminação do cristianismo aconteceu de forma gradual, mas altamente</p><p>repressiva. Os atores enfrentaram perseguições severas. A arte da atuação, que</p><p>estava associada a comportamentos moralmente questionáveis, só encontrou</p><p>aceitação durante a Idade das Trevas quando se tratava de representar temas</p><p>bíblicos. Os mistérios medievais se destacaram como uma das principais formas</p><p>teatrais desse período, enfatizando constantemente a grandiosidade de Deus. Eles</p><p>eram apresentados exclusivamente por homens que não eram atores profissionais,</p><p>representando suas próprias ocupações. Os mistérios eram frequentemente</p><p>encenados em formato circular, em praças, com vários carrinhos, cada um</p><p>representando uma cena de uma história bíblica.</p><p>No entanto, o teatro popular não deixou de existir. Apesar das perseguições,</p><p>o teatro profano continuou a existir de forma nômade, perambulando entre as</p><p>comunidades, e o teatro de corte misturava temas circenses com os bíblicos. Dentro</p><p>dos seminários, o teatro de catequização deu origem aos autos sacramentais. Com o</p><p>tempo, a distinção entre teatro sacro e profano se acentuou, especialmente com a</p><p>profissionalização do teatro profano. À medida que a igreja perdia influência para uma</p><p>filosofia mais centrada no ser humano e cética, avanços científicos e o ressurgimento</p><p>da arte ocorreram, lembrando a Antiguidade Clássica e a Grécia Antiga.</p><p>O Renascimento é um período de difícil delimitação temporal, mas é</p><p>amplamente aceito que se estendeu entre os séculos XIV e XVI. Suas influências e</p><p>criações se espalharam por toda a Europa. No que diz respeito ao teatro, suas</p><p>manifestações foram particularmente significativas na Itália, Espanha e Inglaterra.</p><p>Durante esse período, houve uma popularização do teatro, a profissionalização das</p><p>companhias teatrais e uma transição do foco das peças da simples representação de</p><p>ações para o conflito individual. Na Inglaterra, através de Shakespeare, houve uma</p><p>explosão de criatividade linguística e artística. Na Itália, a Comédia Erudita coexistiu</p><p>com a Commedia dell'arte. A Espanha usou o teatro como meio de difusão da língua</p><p>espanhola e, ao mesmo tempo, enfrentou desafios em relação às heranças medievais,</p><p>48</p><p>como a exclusão das mulheres como espectadoras e sua subsequente segregação</p><p>em áreas de representação separadas. Surgiram gêneros como a tragicomédia e o</p><p>drama histórico. O teatro floresceu de maneira notável durante o Renascimento.</p><p>Durante o Neoclassicismo Francês, o teatro novamente adquiriu um caráter</p><p>segregacionista, com a elite frequentando o teatro institucionalizado, enquanto as</p><p>classes mais baixas desenvolviam suas próprias formas teatrais. No século XVIII, a</p><p>França estabeleceu a Comédie Française, por decreto do rei Luís XV, tornando-se</p><p>uma das principais instituições teatrais da era moderna. Com o advento do Iluminismo</p><p>e a Revolução Francesa, a monarquia entrou em colapso, e a Europa viu o surgimento</p><p>de um novo modelo social e humano, com o crescimento da burguesia.</p><p>O drama burguês, que deu origem ao teatro de boulevard e ao melodrama,</p><p>tornou-se a principal corrente popular do teatro. Paralelamente, o movimento</p><p>Romântico alemão enfatizou a importância dos sentimentos, com uma expressividade</p><p>grandiosa, colocando menos ênfase na forma de apresentação e mais na</p><p>comunicação eficaz. Além dos desenvolvimentos locais na Europa, o mundo todo foi</p><p>influenciado por meio da colonização no século XV, com conceitos filosóficos,</p><p>literários e artísticos viajando com aristocratas e estadistas, e o teatro popular</p><p>circulando nos porões dos navios. A partir do Renascimento, é importante perceber</p><p>que não há uma única narrativa, mas sim múltiplas narrativas coexistindo em um único</p><p>período.</p><p>Com o tempo, o público passou a valorizar mais a representação da realidade</p><p>do que a ficção, o que deu origem às correntes do Naturalismo e do Realismo. O</p><p>Naturalismo destacou-se pela ênfase na representação detalhada e extremamente</p><p>realista dos cenários, bem como por sua abordagem determinista, que considerava</p><p>raça, hereditariedade e meio social. Além disso, o Naturalismo criticava abertamente</p><p>a sociedade. O Realismo encontrou grande ressonância na Rússia, de onde surgiu</p><p>uma das principais abordagens de atuação, o método de Stanislavski. Pela primeira</p><p>vez no teatro institucionalizado, os atores passaram a vivenciar as situações em vez</p><p>de simplesmente representá-las, criando uma sensação de realidade.</p><p>No entanto, todas essas correntes foram perturbadas no início do século XIX</p><p>com o surgimento dos sistemas capitalista e socialista. A arte precisou ser reavaliada.</p><p>Isso levou a uma série de movimentos artísticos significativos, também conhecidos</p><p>como vanguardas históricas, como o Simbolismo, Expressionismo, Futurismo,</p><p>49</p><p>Construtivismo, Dadaísmo, Surrealismo, entre outros. As primeiras duas décadas do</p><p>século XX foram marcadas por uma intensa atividade artística, em grande parte</p><p>impulsionada pela Primeira Guerra Mundial.</p><p>A crescente crítica dirigida ao teatro e à arte em geral marcou o fim definitivo</p><p>da concepção de teatro como meio de catarse emocional e envolvimento em</p><p>narrativas ficcionais. Durante as décadas de 1920 e 1930, Bertolt Brecht iniciou seu</p><p>trabalho na Alemanha no período após a Primeira Guerra Mundial e antes da</p><p>ascensão do nazismo. Com uma visão política declaradamente marxista, Brecht é</p><p>reconhecido como o pioneiro do teatro épico. Em sua perspectiva, o teatro é uma</p><p>ferramenta para estimular o pensamento crítico e reflexivo nas massas, promovendo</p><p>o debate sobre as dinâmicas de poder na sociedade. Por meio de elementos como</p><p>canções, máscaras e narrações, Brecht conseguia envolver o público e transformar a</p><p>natureza do teatro institucionalizado no Ocidente. Uma de suas contribuições mais</p><p>significativas foi a quebra do que era então considerado um elemento crucial, a quarta</p><p>parede. Essa "quarta parede" se refere à barreira imaginária que separa os atores do</p><p>público, com a intenção de criar um mundo teatral fechado em si mesmo, no qual os</p><p>espectadores não participam.</p><p>Nas vanguardas históricas e nas formas populares de teatro, a concepção da</p><p>"quarta parede" não era estabelecida. A performance dos artistas nessas</p><p>manifestações dependia, em grande medida, da interação com a plateia. No entanto,</p><p>para Brecht, que atuava em espaços teatrais convencionais, quebrar essa barreira era</p><p>uma mudança significativa. Sem essa ruptura, ele não conseguiria alcançar o objetivo</p><p>de promover a reflexão.</p><p>Durante a Segunda Guerra Mundial, com a Europa em ruínas, as artes e os</p><p>exilados políticos fugindo da perseguição nazista encontraram refúgio nos Estados</p><p>Unidos. O teatro norte-americano, os musicais da Broadway e o cinema dos EUA</p><p>desenvolveram uma identidade única, que mais tarde se disseminou globalmente.</p><p>Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o contexto da Guerra Fria e um</p><p>sentimento de desolação, surgiu uma nova forma de teatro, representada por Samuel</p><p>Beckett, o teatro do absurdo. Nesse período, não havia mais espaço para o realismo,</p><p>paixões ou moralidades tradicionais a serem retratados, e Beckett conseguiu</p><p>expressar a sensação de vazio da época por meio de suas obras. Movimentos sociais,</p><p>como o movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA, a independência de</p><p>50</p><p>nações colonizadas, a revolução sexual e o feminismo, a Guerra do Vietnã, os regimes</p><p>ditatoriais na América Latina, o avanço científico e militar, o desenvolvimento</p><p>tecnológico iminente e o estruturalismo francês passaram a influenciar o teatro e a</p><p>arte no período pós-guerra. Essas mudanças na sociedade foram representadas</p><p>esteticamente de várias maneiras, incluindo o teatro antropológico, performances,</p><p>novas formas de drama e até a ideia de um teatro pós-dramático.</p><p>A história do teatro sempre esteve intrinsecamente ligada à sociedade em que</p><p>se desenvolve, e isso se tornou particularmente evidente nos séculos XIX e XX,</p><p>quando o teatro passou a desafiar abertamente a sociedade em que estava inserido.</p><p>A capacidade de criticar as estruturas sociais veio acompanhada das liberdades</p><p>individuais de crença, ideologia e sexualidade.</p><p>No cenário contemporâneo, o teatro se revela fascinante, com elementos</p><p>clássicos coexistindo com movimentos pós-coloniais e emergentes. Nunca antes na</p><p>história dos estudos teatrais se explorou tanto a diversidade de narrativas e</p><p>dramaturgias. Após a década de 1980, na qual o corpo e a construção da dramaturgia</p><p>em sala de ensaio se tornaram predominantes, testemunhamos um renascimento</p><p>dramatúrgico, com diversos movimentos sincrônicos surgindo na década de 1990. Um</p><p>desses movimentos, o inglês "in-yer-face", elevou a dramaturga Sarah Kane, que é</p><p>responsável por algumas das peças mais desconstruídas da contemporaneidade. Em</p><p>sua obra "Crave", não encontramos personagens, ordem ou uma história linear;</p><p>apenas letras que declaram monólogos. Temas como opressão feminina, questões</p><p>LGBT, herança cultural negra e problemas imperialistas ganharam destaque em</p><p>produções teatrais ao redor do mundo. O teatro, que durante muito tempo atendeu a</p><p>uma aristocracia e foi ensinado e disseminado com uma visão eurocêntrica, agora</p><p>ergue sua voz e se faz ouvir em todas as regiões do planeta.</p><p>5.3 O fazer teatral</p><p>O teatro é uma forma de arte intrinsecamente coletiva. Como observamos, a</p><p>expressão teatral passou por uma notável variedade de formas ao longo de sua</p><p>história. Na reflexão que o teatro faz sobre sua época, é impossível presumir que as</p><p>práticas teatrais tenham permanecido inalteradas ao longo dos milênios.</p><p>Entretanto, entre os papéis desempenhados em uma</p><p>produção teatral,</p><p>encontramos alguns que persistem com funções semelhantes, mesmo que sob</p><p>51</p><p>diferentes nomes. Entre essas figuras, destacam-se nossas noções contemporâneas</p><p>de dramaturgos (autores do texto) e diretores (responsáveis pela encenação do</p><p>espetáculo).</p><p>Além dessas duas figuras, um amplo leque de funções pode ser exercido no</p><p>teatro, como atores, técnicos de som e iluminação, designers de iluminação,</p><p>compositores para a trilha sonora, músicos, produtores, profissionais de vendas,</p><p>bilheteiros, figurinistas, cenógrafos, assistentes de direção, maquiadores, operadores</p><p>e designers de vídeo, coreógrafos, tradutores, dramaturgos, assistentes de palco,</p><p>entre outros. A configuração específica de funções em uma produção teatral pode</p><p>variar amplamente, dependendo do contexto em que ela se insere. No Brasil, por</p><p>exemplo, muitas produções teatrais operam de maneira mais modesta devido a</p><p>limitações financeiras, o que impulsiona a criatividade.</p><p>No entanto, as figuras do diretor e do dramaturgo, apesar de não serem</p><p>absolutamente essenciais para a existência do teatro, mantêm uma presença</p><p>constante na história dessa forma de arte. Na Grécia Antiga, como já vimos, Téspis</p><p>desempenhou o primeiro papel de ator, introduzindo o conceito de "hypokrites" ou</p><p>"respondedor". O primeiro dramaturgo registrado foi Ésquilo, embora ele tenha</p><p>enfrentado desafios antes de ser reconhecido e premiado. Naquela época, o arconte,</p><p>responsável pelos concursos teatrais, selecionava as peças favoritas e designava a</p><p>cada dramaturgo um corega, que financiava a produção. Essa tarefa era considerada</p><p>uma grande honra. Inicialmente, os dramaturgos também atuavam como diretores e</p><p>atores principais em suas próprias peças.</p><p>Essa prática de desempenhar múltiplos papéis ainda existe, e é comum que</p><p>dramaturgos encenem suas próprias obras, garantindo que a visão original do texto</p><p>seja transmitida com precisão.</p><p>Durante o período que se estendeu do Renascimento ao século XIX, o texto</p><p>dramático era considerado o elemento teatral mais crucial, com maior ênfase em sua</p><p>interpretação. Os atores e atrizes precisavam recitar os diálogos com grande</p><p>habilidade, e muitas vezes o próprio dramaturgo assumia o papel de diretor para</p><p>garantir uma performance adequada. Nessa época, o teatro valorizava</p><p>significativamente seu caráter literário, apesar de ser uma forma de expressão cênica.</p><p>No entanto, no século XIX, Constantin Stanislavski desempenhou um papel</p><p>fundamental ao introduzir a concepção moderna de diretor. Stanislavski, que não</p><p>52</p><p>escrevia textos dramáticos, concentrou-se em teorias sobre a arte da interpretação e</p><p>na direção de espetáculos. Trabalhou em estreita colaboração com o escritor russo</p><p>Anton Chekhov, autor de "A Gaivota". Seu método envolveu uma análise aprofundada</p><p>do texto dramático, compreendendo seu contexto, subtexto e outros elementos</p><p>essenciais para a concepção estética do espetáculo, antes mesmo de instruir os</p><p>atores a improvisar ou criar sobre o texto. Essa abordagem é conhecida atualmente</p><p>como "trabalho de mesa".</p><p>Geralmente, a visão global de um espetáculo fica a cargo do diretor, que</p><p>assume o controle da condução dos processos envolvidos. Existem diversas</p><p>abordagens para orquestrar a produção teatral, com algumas delas se baseando na</p><p>concepção stanislavskiana. No entanto, cada diretor possui preferências específicas</p><p>em relação à forma e estética, o que tem um impacto direto no resultado final da</p><p>montagem.</p><p>Na virada do século XIX, surgiram diversos diretores que, embora não fossem</p><p>dramaturgos, desempenharam papéis essenciais como críticos e teóricos. Entre eles</p><p>estão figuras como o russo Vsevolod Meyerhold (1874-1940), que desenvolveu o</p><p>método de atuação conhecido como biomecânica; o alemão Erwin Piscator (1893-</p><p>1966), que explorou todos os meios disponíveis para criar um teatro político que</p><p>envolvesse as massas; o simbolista inglês Edward Gordon Craig (1872-1966), que</p><p>concebeu a ideia do ator como uma espécie de supermarionete; e o importante teórico</p><p>francês Antonin Artaud (1896-1948), cujas teorias deram origem ao conceito de teatro</p><p>da crueldade. Todos esses diretores inauguraram uma era em que os diretores</p><p>passaram a desempenhar um papel significativo como pensadores sobre a prática</p><p>teatral, algo que anteriormente estava a cargo dos críticos.</p><p>Outro ponto importante a se considerar é a recente presença feminina na</p><p>direção e dramaturgia. Embora as mulheres tenham escrito peças ao longo da história,</p><p>inclusive na Idade Média, como no caso de Hrosvitha (935-973), também conhecida</p><p>como Rosvita de Gandersheim, que escrevia peças em um mosteiro alemão, por muito</p><p>tempo, as mulheres foram impedidas de aprender a ler e escrever, especialmente</p><p>aquelas que não faziam parte da alta sociedade de sua época. Além disso, elas</p><p>enfrentaram restrições para publicar suas obras e buscar carreiras públicas. Até a</p><p>primeira onda do movimento feminista e a luta pelo sufrágio universal, as mulheres</p><p>eram frequentemente confinadas à vida doméstica ou a atividades consideradas</p><p>53</p><p>moralmente inadequadas. Apesar de mulheres terem atuado no teatro "oficial" desde</p><p>o Renascimento, a gestão e criação de espetáculos eram predominantemente de</p><p>domínio masculino até meados do século passado.</p><p>A noção de diretor-crítico persistiu ao longo do século XX e continua até o</p><p>século XXI. As abordagens ao fazer teatro e as composições da equipe podem variar</p><p>de acordo com a produção e as preferências estéticas dos envolvidos. Após a</p><p>Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da performance, happenings e novas</p><p>formas de dramaturgia, as funções tornaram-se mais flexíveis e expansivas. No</p><p>entanto, o teatro continua sendo uma expressão artística coletiva, mesmo quando um</p><p>único indivíduo atua e dirige a si mesmo no palco. Isso ocorre porque o teatro depende</p><p>da presença de um espectador. Portanto, não importa quantas configurações teatrais</p><p>possam surgir, o teatro é essencialmente uma experiência coletiva, pois requer a</p><p>participação de alguém que o assista, independentemente do local em que seja</p><p>realizado, seja em um palco, na rua ou em qualquer outro lugar.</p><p>6 ORIGEM DA ARTE CINEMATOGRÁFICA</p><p>Segundo Stam (2003), no século XV, Leonardo da Vinci já conduziu</p><p>experimentos com a projeção da luz em superfícies, utilizando uma câmara escura,</p><p>que havia sido inventada por Giambattista Della Porta, um físico napolitano. A câmara</p><p>escura é uma caixa fechada com um pequeno orifício coberto por uma lente. Por meio</p><p>desse dispositivo, os raios refletidos pelos objetos exteriores penetram e se cruzam,</p><p>formando uma imagem invertida projetada na face do fundo, no interior da caixa.</p><p>Fernando Mascarello, em "História do cinema mundial" (2006), relata que no</p><p>século XVI já existiam os chamados teatros de luz, onde os chineses projetavam um</p><p>jogo de sombras de diferentes figuras recortadas e manipuladas sobre uma parede,</p><p>como parte de seu teatro de marionetes. No século XVII, foi desenvolvida a lanterna</p><p>mágica, precursora dos projetores, destinada a projetar imagens em um fundo branco.</p><p>Esse processo foi inspirado na alegoria da caverna de Platão, onde as imagens eram</p><p>projetadas na parede ao fundo da caverna, permitindo a observação de sombras de</p><p>objetos reais do lado de fora.</p><p>A partir do século XIX, esses experimentos com imagens estáticas</p><p>despertaram o desejo de ver imagens em movimento. Muitos dispositivos capazes de</p><p>estudar o fenômeno da persistência retiniana foram desenvolvidos. Joseph Antoine</p><p>54</p><p>Plateau foi o primeiro a medir a fração de segundos que uma imagem permanece na</p><p>retina, concluindo que a ilusão de movimento requer uma série de imagens fixas</p><p>exibidas a uma taxa de dez imagens por segundo. Em 1832, Plateau inventou o</p><p>fenacistoscópio, um dispositivo que continha várias figuras de uma mesma pessoa em</p><p>diferentes posições em um disco, criando a ilusão de movimento ao</p><p>girá-lo (NEVES,</p><p>2012).</p><p>Em 1878, o fisiologista francês Étienne-Jules Marey desenvolveu o fuzil</p><p>fotográfico, com o objetivo de analisar o movimento de animais. Ele registrou o</p><p>movimento em várias fotografias em sequência, o que resultou no primeiro registro de</p><p>imagens em movimento e contribuiu para o desenvolvimento do cinematógrafo, um</p><p>dispositivo que consistia em um tambor revestido internamente com uma chapa</p><p>fotográfica circular (STAM, 2003).</p><p>Posteriormente, Thomas Edison, famoso por sua invenção da luz elétrica,</p><p>colaborou com William Kennedy Dickson, engenheiro-chefe das Edison Laboratories,</p><p>para criar o filme perfurado em celulose e um dispositivo de visualização individual de</p><p>filmes chamado cinetoscópio. O cinetoscópio projetava um filme perfurado em uma</p><p>tela dentro da máquina, que era observada através de uma lente de aumento.</p><p>Em 1890, Edison produziu uma série de curtas-metragens em seu estúdio,</p><p>marcando o primeiro estúdio cinematográfico da história, conhecido como "Black</p><p>Maria". Pouco depois, os irmãos Lumière entraram em cena, embora não tenham sido</p><p>os primeiros a realizar uma exibição pública e paga de filmes. Em 1º de novembro de</p><p>1895, dois meses antes da famosa apresentação do cinematógrafo Lumière no Grand</p><p>Café em Paris, os irmãos Max e Emil Skladanowsky realizaram uma exibição de 15</p><p>minutos no teatro Wintergarten em Berlim, usando um dispositivo chamado bioscópio</p><p>para projetar filmes (MASCARELLO, 2006).</p><p>O cinematógrafo surgiu como uma evolução do cinetoscópio, atuando como</p><p>uma câmera, copiadora e projetor ao mesmo tempo. Considerou-se o primeiro</p><p>dispositivo verdadeiramente qualificado para a produção de filmes. Em 28 de</p><p>dezembro de 1895, a primeira exibição de cinema em Paris foi organizada pelos</p><p>franceses Auguste e Louis Lumière. Eles apresentaram um documentário de curta-</p><p>metragem intitulado "La sortie de l'usine Lumière à Lyon" (A saída dos empregados</p><p>da fábrica Lumière em Lyon), com 45 segundos de duração.</p><p>55</p><p>Após os primeiros passos na evolução do cinema, surgiram os intertítulos,</p><p>pequenas frases destinadas a esclarecer a passagem do tempo nas cenas, devido à</p><p>dificuldade do público em compreender as mudanças temporais. Em 1907, Nova York</p><p>já era um importante polo de produção cinematográfica, e Edwin S. Porter havia se</p><p>estabelecido como diretor de "The Great Train," um filme considerado um modelo</p><p>pioneiro para o gênero de ação. David Wark Griffith, que começou como ator em um</p><p>filme de Porter, se tornaria um de seus seguidores. Nesse período, também foram</p><p>desenvolvidos efeitos de montagem, com Griffith desempenhando um papel de</p><p>destaque. Ele utilizava a montagem não apenas para criar suspense, mas também</p><p>para explorar a motivação e o perfil psicológico dos personagens, bem como para</p><p>gerar emoção.</p><p>De acordo com Costa (2006), embora Griffith não tenha sido o inventor da</p><p>montagem alternada, ele a transformou em uma técnica narrativa crucial para criar</p><p>cenas de suspense. Essa técnica envolve a frequente alternância entre duas ou até</p><p>três situações diferentes, permitindo a redução da duração dos planos. "The Birth of</p><p>a Nation" (O Nascimento de uma Nação, 1915), dirigido por D.W. Griffith, é</p><p>considerado o primeiro filme comercial e tem uma duração de 190 minutos (COSTA,</p><p>2006).</p><p>6.1 História do cinema</p><p>De acordo com a maioria dos especialistas em cinema, os primórdios da</p><p>sétima arte podem ser divididos em duas fases distintas: o período do "cinema de</p><p>atrações" (de 1895 a 1907) e a "fase de transição" (de 1907 a 1915), quando o cinema,</p><p>originalmente voltado para a exibição de eventos cotidianos, começou a adotar a</p><p>narrativa como parte integrante de suas produções. Conforme observado por</p><p>Fernando Mascarello (2006), esse período de transição marcou a evolução do cinema</p><p>em direção à categoria de arte. Nesse contexto, as produções passaram a incorporar</p><p>elementos narrativos, incluindo enredos, roteiros e personagens, algo que não estava</p><p>presente nas primeiras experiências cinematográficas. Além disso, as narrativas se</p><p>tornaram mais extensas em duração.</p><p>Com todas essas transformações, o cinema começou a ser reconhecido como</p><p>uma indústria cultural. No início da década de 1910, o cinema adquiriu uma forte</p><p>dimensão comercial. Posteriormente, com o advento da Primeira Guerra Mundial, a</p><p>56</p><p>produção cinematográfica se deslocou em grande medida para os Estados Unidos, e</p><p>Hollywood emergiu como o epicentro da indústria cinematográfica, dando origem aos</p><p>grandes estúdios que perduram até os dias atuais.</p><p>Durante a Primeira Guerra Mundial, a produção cinematográfica na Europa</p><p>quase cessou devido à escassez de matéria-prima e energia. No entanto, os europeus</p><p>continuaram a recorrer ao cinema como forma de entretenimento, abrindo espaço</p><p>para a entrada dos norte-americanos no mercado europeu. De acordo com Stam</p><p>(2003), por volta de 1920, a maioria dos estúdios norte-americanos, como a Metro-</p><p>Goldwyn-Mayer, a Columbia, a Warner e a Universal, já havia estabelecido suas</p><p>operações na Europa e a principal preocupação passou a ser a obtenção de grandes</p><p>lucros. Os chefes dos estúdios estavam mais voltados para o aspecto comercial do</p><p>cinema do que para o desenvolvimento artístico, o que acabou gerando uma crise de</p><p>criatividade. Como resultado, a Europa voltou a liderar as inovações cinematográficas</p><p>naquela década.</p><p>Na metade da década de 1920, surgiu um sistema que sincronizava o áudio</p><p>armazenado em um disco com as imagens projetadas em uma tela. Em 1927, a</p><p>Warner lançou o filme "The Jazz Singer" (O Cantor de Jazz), estrelado por Al Jolson.</p><p>Inicialmente, a produção estava planejada para ser um filme mudo, contendo apenas</p><p>efeitos sonoros e músicas. No entanto, durante o processo de sonorização, Al Jolson</p><p>improvisou e pegou o microfone para dizer o que costumava falar em seus shows:</p><p>"Esperem um pouco, esperem um pouco. Vocês ainda não ouviram nada." A partir</p><p>desse momento, a Warner começou a substituir os intertítulos por diálogos e canções,</p><p>marcando o fim da era do cinema mudo.</p><p>Uma outra grande transformação ocorreu no cinema ao final da Segunda</p><p>Guerra Mundial, quando a indústria cinematográfica internacional passou por uma</p><p>transição notável. Essa mudança foi caracterizada pelo repúdio às práticas</p><p>tradicionais de produção e por um compromisso ético inédito por parte dos artistas.</p><p>As produções passaram a adotar uma abordagem mais crítica em relação aos dilemas</p><p>humanos e quebrou com a rigidez dos estúdios ao retratar a realidade das ruas, das</p><p>pessoas e das situações cotidianas (SILVA, 2014).</p><p>Atualmente, o cinema se tornou um mercado promissor para diversas áreas</p><p>de conhecimento. As premiações, como o Oscar e o Festival de Cannes, celebram</p><p>57</p><p>não apenas os atores, mas todo um conjunto de profissionais que contribuem para a</p><p>criação de produções cada vez mais sofisticadas e exigentes. Isso inclui:</p><p>• Roteirista: Encarregado de elaborar a trama, desenvolver a narrativa e</p><p>escrever os diálogos dos personagens.</p><p>• Diretor: Responsável por coordenar, tanto diretamente quanto de forma</p><p>indireta, todas as atividades relacionadas ao filme, desde a concepção</p><p>até a fase final de produção.</p><p>• Diretor de Fotografia: Profissional das artes visuais com a sensibilidade</p><p>e competência necessárias para determinar a iluminação de uma cena,</p><p>a escolha das lentes mais adequadas para diferentes ângulos, o tipo de</p><p>filme a ser utilizado e outras responsabilidades correlatas.</p><p>• Compositor Musical: Encarregado de criar a trilha sonora do filme.</p><p>• Produtor: Pessoa ou grupo de pessoas responsáveis por viabilizar e</p><p>financiar a realização do filme.</p><p>• Técnico de Efeitos Especiais: Responsável por aplicar efeitos visuais e</p><p>sonoros às cenas já filmadas, incluindo a incorporação de efeitos pós-</p><p>produção por meio de computação gráfica.</p><p>• Técnico de Som: Encarregado dos diversos microfones durante as</p><p>gravações, garantindo</p><p>a captação apenas dos sons considerados</p><p>essenciais.</p><p>• Operador de Câmera: Responsável por focar e enquadrar as imagens</p><p>de acordo com as instruções do diretor.</p><p>• Editores: Trabalham em uma sala de edição, onde organizam as cenas,</p><p>os elementos sonoros, a trilha sonora e outros elementos do filme,</p><p>frequentemente em colaboração com o diretor.</p><p>• Figurinistas: Encarregados da seleção e criação dos trajes utilizados</p><p>pelo elenco da produção.</p><p>• Maquiadores: Profissionais que trabalham com a equipe de elenco,</p><p>cuidando da maquiagem e caracterização dos atores e atrizes.</p><p>O advento da televisão</p><p>58</p><p>A tecnologia televisiva tornou-se viável graças à descoberta do selênio em</p><p>1817, feita pelo barão Jöns Jacob Berzelius, um médico, químico e professor sueco.</p><p>Berzelius inicialmente considerou seu achado como um elemento sem utilidade</p><p>prática e nomeou-o "selenium" devido à sua semelhança com o brilho lunar, já que</p><p>"selene" significa lua em grego antigo. No entanto, posteriormente, descobriu-se que</p><p>o selênio desempenha um papel fundamental no processo de transmissão de</p><p>imagens, pois tem a capacidade de converter a energia luminosa em energia elétrica.</p><p>Esse avanço foi crucial para a criação da transmissão de imagens por meio de</p><p>corrente elétrica, que se tornou o alicerce da televisão.</p><p>Alguns anos mais tarde, em 1884, o inventor alemão Paul Nipkow ganhou</p><p>reconhecimento mundial por sua invenção do "disco de Nipkow," um dispositivo de</p><p>varredura. Nipkow desenvolveu o primeiro sistema de televisão eletromecânica ao</p><p>utilizar impulsos elétricos em uma célula de selênio para transmitir uma imagem em</p><p>movimento. Segundo Mattos (2002, p 164): “[...] prosseguindo nas pesquisas, em</p><p>1897 outro alemão, K. F. Braun, desenvolveu o tubo de vidro a vácuo, invento que</p><p>viabilizou a televisão eletrônica. Já neste século, em 1906, a válvula de três polos foi</p><p>patenteada pelo norte-americano Lee de Forest”.</p><p>Conforme observado por Mattos (2002), em 1913, cientistas alemães</p><p>alcançaram um avanço na tecnologia televisiva ao substituir o selênio, usado em</p><p>células fotoelétricas, por um elemento derivado do potássio. Essa mudança aumentou</p><p>a sensibilidade da célula e facilitou o aumento da velocidade de transmissão das</p><p>linhas. Apesar dos avanços nos Estados Unidos na tecnologia televisiva, registros</p><p>históricos apontam que John Logie Baird foi o pioneiro a realizar as primeiras</p><p>demonstrações de imagens de rostos humanos com variações de luz e sombra em</p><p>Londres, em 1926. Em 1936, a BBC de Londres já mantinha duas horas diárias de</p><p>programação regular de televisão no ar, interrompidas no final de 1939 devido à</p><p>Segunda Guerra Mundial.</p><p>Após o término da guerra, em 1945, a televisão começou a retomar sua</p><p>expansão, mesmo em países europeus que enfrentavam desafios de reconstrução</p><p>pós-conflito. A França reiniciou as transmissões de televisão com um equipamento</p><p>instalado na Torre Eiffel, enquanto a BBC-TV, após sete anos fora do ar, retomou as</p><p>transmissões externas em junho de 1946, exibindo o desfile do primeiro aniversário</p><p>59</p><p>da vitória na guerra. Nos Estados Unidos, uma nova rede de televisão, a American</p><p>Broadcasting Company (ABC), deu seus primeiros passos.</p><p>Enquanto as redes de televisão privadas surgiam nos Estados Unidos, na</p><p>Europa, muitos países mantinham uma abordagem diferente, preservando sua visão</p><p>tradicional e estabelecendo a televisão como um serviço estatal financiado por meio</p><p>de impostos pagos pelos proprietários de receptores. Nos Estados Unidos, a iniciativa</p><p>privada e a comercialização das transmissões, por meio da inclusão de patrocinadores</p><p>de programas, foram mantidas desde o início.</p><p>O desenvolvimento da televisão no Brasil</p><p>A primeira emissora de televisão do Brasil, conhecida como TV Tupi e</p><p>inicialmente no Canal 3, posteriormente no Canal 4, foi inaugurada em 18 de setembro</p><p>de 1950 na cidade de São Paulo. Essa iniciativa foi liderada por Assis Chateaubriand,</p><p>o proprietário do grupo de comunicação Diários e Emissoras Associados, que também</p><p>detinha diversos jornais, estações de rádio e a renomada revista O Cruzeiro, que foi</p><p>publicada semanalmente de 1928 a 1975.</p><p>De acordo com Bergesch (2010), o projeto teve seu início em 1944, quando</p><p>Chateaubriand, em visita aos Estados Unidos, recebeu tratamento de Chefe de</p><p>Estado e foi recebido pelo prefeito Fiorello La Guardia em Nova York. Durante essa</p><p>visita, Chateaubriand concedeu entrevistas coletivas para jornais norte-americanos,</p><p>correspondentes estrangeiros e agências de notícias na redação do prestigioso jornal</p><p>local, The New York Times. Ele também se encontrou com o presidente da RCA, David</p><p>Sarnoff, para negociar a compra de novos transmissores de ondas médias para suas</p><p>estações de rádio em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador.</p><p>Conforme detalhado por Bergesch (2010), após um acordo ser alcançado</p><p>durante essas negociações, Sarnoff levou Assis Chateaubriand para uma ampla sala</p><p>de reuniões com vistas espetaculares da cidade de Nova York e da vizinha Nova</p><p>Jersey. Nas janelas, havia câmeras de televisão e monitores que transmitiam com</p><p>clareza e em cores naturais o que era visível a olho nu. Esse encontro levou</p><p>Chateaubriand a adquirir os primeiros equipamentos para a instalação de duas</p><p>emissoras de televisão. “Chateaubriand optara pelos americanos, pela longa relação</p><p>comercial anterior, [...] pela robustez do equipamento e, ainda, pelos custos praticados</p><p>para um grande cliente” (BERGESCH, 2010 p. 54).</p><p>60</p><p>Dessa forma, o início da televisão no Brasil foi impulsionado pela iniciativa</p><p>privada de um empresário, e não por uma iniciativa do governo. Como resultado, a</p><p>televisão no país ficou fortemente associada não apenas ao padrão técnico norte-</p><p>americano, mas também à abordagem comercial da televisão, em contraste com o</p><p>modelo europeu da época, que se baseava principalmente em emissoras estatais sem</p><p>veiculação de anúncios publicitários.</p><p>6.2 Semelhanças e diferenças entre cinema e televisão</p><p>Tanto o cinema quanto a televisão pertencem à categoria do audiovisual. Nos</p><p>últimos anos, tem havido considerável debate sobre a melhoria da qualidade das</p><p>produções televisivas em relação ao cinema, embora isso não necessariamente</p><p>indique que as produções televisivas tenham experimentado um avanço substancial.</p><p>O cinema, com algumas exceções, enfrenta desafios em termos de qualidade em</p><p>obras produzidas pelos grandes estúdios. Isso tem levado o público a explorar</p><p>produções televisivas que oferecem conteúdos semelhantes. Ao assistir a um episódio</p><p>de uma série, como "Game of Thrones," é evidente que, em termos visuais e</p><p>acabamento geral, essas produções televisivas frequentemente se equiparam às</p><p>grandes obras cinematográficas mais recentes.</p><p>No entanto, a diferença fundamental entre cinema e televisão não reside na</p><p>linguagem de construção narrativa, mas sim na maneira como cada uma é percebida.</p><p>A distinção não se baseia em como são feitas, mas em como são visualizadas. Um</p><p>detalhe muitas vezes negligenciado, mas crucial, é a iluminação - não a que emana</p><p>da tela, mas a que envolve o espectador. Quando assistimos televisão, é comum</p><p>mantermos as luzes acesas, o que significa que o mundo ao nosso redor continua</p><p>competindo por nossa atenção. Isso impede que o espectador de televisão se imerja</p><p>completamente na obra. No cinema, por outro lado, o apagamento total das luzes em</p><p>um ambiente dedicado à exibição do filme permite que o espectador mergulhe</p><p>plenamente na obra, eliminando o mundo ao seu redor.</p><p>Essa diferença resulta em um novo fator distintivo entre cinema e televisão.</p><p>As produções televisivas precisam cativar o espectador desde os primeiros minutos,</p><p>pois a falta de interesse pode levá-lo a mudar de canal e perder a audiência. O cinema,</p><p>por outro lado, tem a oportunidade de envolver gradualmente o espectador, permitindo</p><p>que ele mergulhe lentamente no mundo criado pelo autor.</p><p>61</p><p>Além disso, as mídias cinema e televisão impõem diferentes exigências de</p><p>roteiro e narrativa. Produções televisivas precisam transmitir rapidamente todos os</p><p>detalhes da trama, muitas vezes recorrendo principalmente a diálogos, pois os</p><p>espectadores nem sempre precisam olhar constantemente para a tela para</p><p>acompanhar a história. Isso se deve, em parte, ao tamanho limitado dos primeiros</p><p>aparelhos de televisão, que não proporcionavam experiências visuais ideais e</p><p>precisavam compensar essa limitação com o áudio. Além disso, essa escolha</p><p>narrativa reflete o fato de a televisão ter evoluído a partir do rádio, com uma audiência</p><p>inicialmente acostumada a experiências auditivas.</p><p>No entanto, não são apenas esses aspectos que diferenciam cinema e</p><p>televisão. Argumentos que destacam as diferenças entre essas duas formas de mídia</p><p>apontam para a televisão como uma indústria de entretenimento de massa, com</p><p>produções fictícias frequentemente moldadas por considerações comerciais,</p><p>carecendo dos elementos estéticos e narrativos associados à sétima arte.</p><p>No início do artigo de Miriam de Souza Rossini, “Traduções audiovisuais:</p><p>múltiplos contatos entre o cinema e a tevê”, declara sua posição: “[...] há entre o</p><p>cinema e a TV nuances que marcam seus respectivos desenvolvimentos e que se</p><p>tornam impossíveis de serem mutuamente traduzidas” (ROSSINI, 2009. p. 29). Essas</p><p>interligações, que podem incluir aspectos estéticos, comunicativos e, possivelmente,</p><p>técnicos, podem ser consideradas como características distintivas de cada meio.</p><p>De acordo com Cathrine Kellison (2007, p. 58–59), uma especialista em</p><p>produções televisivas:</p><p>Escrever para televisão não é como escrever para o cinema. A principal</p><p>diferença são os personagens que compõem o núcleo da história. Em um</p><p>filme para o cinema, os personagens e suas histórias são apresentados, a</p><p>história começa, chega ao clímax, acaba e está tudo resolvido. Quando o</p><p>filme acaba, a história também acaba. Já na maioria nos gêneros televisivos,</p><p>os personagens e suas histórias continuam. Os roteiristas de TV podem</p><p>capitalizar essa duração ao criar primeiramente com personagens fortes, e</p><p>depois, escrever a história que se desenrola ao redor deles. Construindo essa</p><p>história a partir de duas reações e sempre os testando. Os espectadores</p><p>ficam familiarizados como os personagens e suas histórias. O público passa</p><p>a conhecê-los bem, trazendo suas memórias e experiências acumuladas ao</p><p>lado do programa para cada episódio.</p><p>O cinema tem sua narrativa centrada na imagem, onde as histórias são</p><p>transmitidas por meio de detalhes visuais e desenvolvidas de maneira gradual. Para</p><p>ilustrar a universalidade da linguagem visual, podemos recorrer a um filme de Charlie</p><p>62</p><p>Chaplin. Mesmo que não se leiam os cartões explicativos, o contexto não se perde. O</p><p>que realmente importa são as expressões e gestos. Carlitos é a personificação do</p><p>cinema, pois não requer palavras para ser compreendido. Isso destaca uma distinção</p><p>significativa entre as duas plataformas: uma é mais inclinada ao uso do diálogo,</p><p>enquanto a outra favorece a comunicação visual.</p><p>No entanto, há autores que argumentam que as diferenças entre cinema e</p><p>televisão se resumem principalmente às necessidades técnicas inerentes a cada meio</p><p>de transmissão. Carlos Gerbase, em seu livro "Impactos das Tecnologias Digitais na</p><p>Narrativa Cinematográfica" (2003), aborda essas semelhanças e divergências entre</p><p>os meios. Ele sustenta que a linguagem é essencialmente a mesma, seja no cinema</p><p>ou na televisão, e que as eventuais diferenças estão, na verdade, relacionadas aos</p><p>meios físicos de apresentação, mesmo que se utilizem suportes diferentes. “Um filme,</p><p>um programa de TV e um vídeo narrativo são formas da mesma linguagem ou</p><p>manifestações distintas de um mesmo objeto” (GERBASE, 2003, p. 57).</p><p>Podemos afirmar que cinema e televisão são meios de comunicação que</p><p>compartilham muitas semelhanças e, ao mesmo tempo, apresentam várias</p><p>diferenças. Essas distinções não estão limitadas apenas a considerações estéticas e</p><p>estruturais, mas também decorrem das particularidades dos meios físicos em que</p><p>esses canais são transmitidos.</p><p>7 AUTORES CLÁSSICOS</p><p>Quando nos deparamos com os autores clássicos das literaturas de diferentes</p><p>países, é comum encontrarmos escritores que pertencem a épocas distantes da</p><p>contemporaneidade. No entanto, nas literaturas africanas em língua portuguesa, a</p><p>situação é ligeiramente distinta, já que consideramos o início dessas literaturas a partir</p><p>do século XX, quando se iniciou o processo de afirmação das vozes locais diante do</p><p>colonialismo. Durante o período de colonização, também houve a produção de textos</p><p>literários, mas estes refletiam o ponto de vista do colonizador português. É por isso</p><p>que consideramos as literaturas angolanas, moçambicanas e cabo-verdianas a partir</p><p>do momento em que os escritores adotaram uma perspectiva local. Nesse contexto,</p><p>certos autores são consagrados como clássicos e desempenharam um papel</p><p>fundamental na consolidação de uma estética própria nas literaturas desses países.</p><p>Agora, você terá a oportunidade de conhecer alguns desses renomados autores.</p><p>63</p><p>José Craveirinha</p><p>O poeta José Craveirinha, retratado na Figura 1, nasceu em Lourenço</p><p>Marques, atualmente conhecida como Maputo, Moçambique, em 28 de maio de 1922,</p><p>e faleceu em 6 de fevereiro de 2003. Seu pai era natural do Algarve, enquanto sua</p><p>mãe era de origem africana. Craveirinha teve um profundo envolvimento com</p><p>atividades políticas relacionadas à luta pela independência de Moçambique,</p><p>desempenhando um papel significativo na Frente de Libertação de Moçambique</p><p>(FRELIMO). Ele enfrentou um período de detenção de 1965 a 1969 sob custódia da</p><p>Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), uma agência que operou com</p><p>vigor durante a ditadura de António Salazar em Portugal, devido à sua ativa</p><p>participação política.</p><p>Figura 1. José Craveirinha.</p><p>Fonte: Mozambique History Net (2012).</p><p>Na qualidade de jornalista, Craveirinha desempenhou funções em destacados</p><p>meios de comunicação do seu país, incluindo Notícias, O Brado Africano, A Tribuna,</p><p>Notícias da Beira, O Jornal e Voz de Moçambique. Além disso, após a conquista da</p><p>independência, assumiu o posto de primeiro presidente da Associação dos Escritores</p><p>Moçambicanos (AEMO). Em relação a si mesmo, ele compartilha o seguinte</p><p>testemunho (RODRIGUES, [c2017]):</p><p>Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-</p><p>me Sontinho, diminutivo de Sonto. Pela parte da minha mãe, claro. Por parte</p><p>do meu pai fiquei José. Aonde? Na Av. do Zichacha entre o Alto Maé e como</p><p>quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a</p><p>segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato. A seguir fui</p><p>64</p><p>nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu</p><p>pai foi de vez, tive outro pai: o seu irmão. E a partir de cada nascimento eu</p><p>tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso,</p><p>muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha</p><p>mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique. A opção por causa do meu pai</p><p>branco e da minha mãe negra. Nasci ainda mais uma vez no jornal “O Brado</p><p>Africano”. No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noémia</p><p>de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço,</p><p>competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo</p><p>isso. Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por</p><p>causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da</p><p>Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por causa da minha mãe só</p><p>resignação. Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta. Minha grande</p><p>aventura: ser pai. Depois eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.</p><p>Escrever poemas, o meu refúgio, o meu país também. Uma necessidade</p><p>angustiosa e urgente de ser cidadão desse país, muitas vezes</p><p>altas horas da</p><p>noite.</p><p>Craveirinha revela em sua biografia um notável comprometimento com a</p><p>produção literária, que ele via como uma ferramenta para intervir de maneira política</p><p>na sociedade. Inicialmente, seus poemas circulavam de forma clandestina entre os</p><p>intelectuais africanos, principalmente na Casa dos Estudantes do Império (CEI).</p><p>Posteriormente, esses textos eram compilados em livros destinados à publicação.</p><p>Dentre suas obras mais destacadas, incluem-se "Chigubo," originalmente publicado</p><p>em 1964 e relançado em 1980 com o título "Xigubo" (uma referência a uma dança</p><p>tradicional guerreira do sul de Moçambique); "Karingana ua karingana" (uma</p><p>expressão equivalente a "era uma vez...," usada pelos povos de etnia ronga para</p><p>narrar histórias), publicado inicialmente em 1974 e revisado em 1982; e "Cela I,"</p><p>lançado em 1980. Essas publicações refletem as principais correntes presentes em</p><p>seus escritos. Considerando a influência inicial do neorrealismo português em sua</p><p>obra, Craveirinha denunciou a exploração.</p><p>Craveirinha aborda a experiência do negro africano durante o período colonial</p><p>e a terrível opressão que este grupo enfrentou. Nesse contexto, destacam-se temas</p><p>fundamentais, como a celebração da negritude, que enaltece a identidade do negro,</p><p>a noção de moçambicanidade e a luta pela independência do país. Essas</p><p>considerações refletem a profunda preocupação do autor com a sua origem,</p><p>Moçambique, e também com o uso da língua portuguesa. Apesar de o português ser</p><p>a língua do colonizador, Craveirinha a utiliza de forma subversiva como uma</p><p>ferramenta de resistência. Isso se manifesta por meio de uma linguagem que se</p><p>aproxima da oralidade, uma característica essencial nas culturas africanas, bem como</p><p>o uso de palavras e estruturas da língua ronga, uma das línguas locais. Além disso,</p><p>65</p><p>os recursos narrativos são empregados de maneira notável, mesmo na poesia,</p><p>contribuindo para a criação de uma estética que ressoa com a tradição oral.</p><p>Um exemplo elucidativo disso é o poema "Grito negro," presente no livro</p><p>"Xigubo" (CRAVEIRINHA, 1980, p. 13):</p><p>Eu sou carvão!</p><p>E tu arrancas-me brutalmente do chão</p><p>E fazes-me mina</p><p>Patrão!</p><p>Eu sou carvão!</p><p>E tu acendes-me, patrão</p><p>Para te servir eternamente como força motriz</p><p>Mas eternamente não</p><p>Patrão!</p><p>Eu sou carvão!</p><p>E tenho que arder, sim</p><p>E queimar tudo com a força da minha combustão.</p><p>Eu sou carvão!</p><p>Tenho que arder na exploração</p><p>Arder até às cinzas da maldição</p><p>Arder vivo como alcatrão, meu irmão</p><p>Até não ser mais tua mina</p><p>Patrão!</p><p>Eu sou carvão!</p><p>Tenho que arder</p><p>E queimar tudo com o fogo da minha combustão.</p><p>Sim!</p><p>Eu serei teu carvão</p><p>Patrão!</p><p>No poema, o sujeito lírico canaliza sua indignação ao tomar consciência da</p><p>exploração infligida pelo colonizador português. O sistema colonial implica na</p><p>subjugação moral e cultural do negro, enquanto promove a autodenominada</p><p>superioridade do branco, justificando sua pretensão de "possuir" o sujeito negro na</p><p>qualidade de escravo. O poema de Craveirinha, neste contexto, não apenas denuncia</p><p>a lógica perversa desse sistema, que resultou em imenso sofrimento, mas também</p><p>reconhece o sujeito negro como um agente da própria história. Por isso, à medida que</p><p>o poema avança, a imagem degradante do negro como mero objeto dá lugar ao anseio</p><p>de lutar e transformar a sua condição (conforme sugerido no verso, "mas eternamente</p><p>não"). A rima entre "patrão" e "carvão" evoca uma conexão semântica, indicando que</p><p>esse indivíduo precisa arder, como mencionado na terceira estrofe, a fim de ser a</p><p>chama propulsora de uma nova realidade, a qual simboliza a liberdade.</p><p>66</p><p>Agostinho Neto</p><p>António Agostinho Neto, retratado na Figura 2, nasceu em 17 de setembro de</p><p>1922, na localidade de Ícolo e Bengo, em Angola, e veio a falecer em 10 de setembro</p><p>de 1979. Durante seus estudos de Medicina em Lisboa, ele também cultivou sua</p><p>faceta de poeta. Neto desempenhou um papel crucial na luta pela independência de</p><p>seu país, enfrentando prisão sob o regime da PIDE e passando por um exílio em Cabo</p><p>Verde. Nos anos 1940, participou ativamente de diversas iniciativas políticas e</p><p>culturais que promoviam a reflexão sobre identidades culturais na Casa dos</p><p>Estudantes do Império (CEI). Mesmo estando em Portugal, ele se uniu ao notável</p><p>grupo de jovens intelectuais comprometidos com a independência de Angola,</p><p>conhecido como "Vamos descobrir Angola".</p><p>Em 1950, Neto colaborou com a revista Mensagem e também desempenhou</p><p>um papel fundamental na criação, ao lado de destacados pensadores</p><p>independentistas como Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e</p><p>Francisco José Tenreiro, do Centro de Estudos Africanos. Esse centro tinha como um</p><p>de seus principais objetivos a promoção da afirmação da identidade africana.</p><p>Agostinho Neto atuou como presidente do Movimento Popular de Libertação de</p><p>Angola (MPLA) e, posteriormente, como o primeiro presidente de Angola, em 1975.</p><p>Ele também foi um dos fundadores da União dos Escritores Angolanos, e é</p><p>reconhecido como um ícone nas esferas política, cultural e literária.</p><p>Figura 2. Agostinho Neto.</p><p>Fonte: Encyclopaedia Britannica (c2017).</p><p>67</p><p>No que concerne à produção literária de António Agostinho Neto, de forma</p><p>semelhante à experiência de Craveirinha, é relevante destacar que seus poemas</p><p>inicialmente eram divulgados clandestinamente por meio de cópias ou em revistas</p><p>circulantes nos círculos intelectuais da época, notadamente na Casa dos Estudantes</p><p>do Império (CEI). Somente após essa circulação inicial é que esses textos foram</p><p>compilados em coleções para publicação. Entre suas obras, merece especial</p><p>destaque a coletânea de poemas intitulada "Sagrada Esperança," publicada em 1974.</p><p>Nessa coletânea, Neto aborda temas como a libertação de seu povo, a</p><p>tomada de consciência em relação à opressão imposta pela empresa colonial e a</p><p>afirmação da identidade negra. Essas temáticas refletem a influência do neorrealismo</p><p>português. Ao ter contato com textos do movimento da Negritude francófona, bem</p><p>como com obras de figuras influentes como Roumain, Guillén e Wright, Neto direciona</p><p>sua luta para a união de todos os negros e africanos de maneira geral, aderindo,</p><p>assim, aos princípios do Pan-africanismo de forma moderada, sem renunciar à</p><p>influência do neorrealismo português. Essa coexistência de influências se deve ao fato</p><p>de ambos os movimentos representarem a expressão da luta por uma sociedade mais</p><p>justa, livre de repressão, exploração e racismo.</p><p>Dessa forma, a obra de Neto reflete sobre a questão da Negritude, que</p><p>naquela época era vista de maneira positiva, valorizando a cultura e a história local</p><p>como meios de afirmação do sujeito negro. Esse movimento também desempenhou</p><p>um papel importante na promoção da necessária identificação entre os povos</p><p>africanos, com o intuito de unir esses povos em busca da descolonização, um outro</p><p>ideal fervorosamente defendido pelo poeta.</p><p>O poema que iremos analisar é "Aspiração" (AGOSTINHO NETO, 1949), que</p><p>faz parte do livro "Sagrada Esperança.":</p><p>Ainda o meu canto dolente</p><p>e a minha tristeza</p><p>no Congo na Geórgia no Amazonas</p><p>Ainda</p><p>o meu sonho de batuque em noites de luar</p><p>Ainda os meus braços</p><p>ainda os meus olhos</p><p>ainda os meus gritos</p><p>Ainda o dorso vergastado</p><p>o coração abandonado</p><p>e a alma entregue à fé</p><p>ainda a dúvida</p><p>E sobre os meus cantos</p><p>os meus sonhos</p><p>68</p><p>os meus olhos</p><p>os meus gritos</p><p>sobre o meu mundo isolado</p><p>o tempo parado</p><p>Ainda o meu espírito</p><p>ainda o quissange</p><p>a marimba</p><p>a viola</p><p>o saxofone</p><p>ainda os meus ritmos de ritual orgíaco</p><p>Ainda a minha vida</p><p>oferecida à Vida</p><p>ainda o meu Desejo</p><p>Ainda o meu sonho</p><p>o meu grito</p><p>o meu braço</p><p>a sustentar o meu Querer</p><p>E nas sanzalas</p><p>nas casas</p><p>nos subúrbios das cidades</p><p>para lá das linhas</p><p>nos recantos escuros das casas ricas</p><p>onde os negros murmuram: ainda</p><p>O meu Desejo</p><p>transformando em Força</p><p>inspirando as consciências desesperadas.</p><p>Tal como o título</p><p>2010). Dentro desse</p><p>grupo, havia os guaranis, que ocupavam uma extensão territorial que se estendia do</p><p>Uruguai até a região de Cananéia, em São Paulo, e os tupinambás, que viviam desde</p><p>Iguapé até o território atual do Ceará (FAUSTO, 2010). No entanto, é importante</p><p>ressaltar que a diversidade cultural e étnica dos povos indígenas que ocupavam o</p><p>território brasileiro era muito vasta, estimando-se que havia de 1 a 3 milhões de</p><p>indivíduos pertencentes a cerca de 1.400 etnias diferentes vivendo na região que hoje</p><p>é o Brasil na época da chegada dos portugueses e da conquista do território</p><p>(OLIVEIRA; FREIRE, 2006).</p><p>6</p><p>Dada essa vasta diversidade, é extremamente desafiador resumir o conceito</p><p>de arte indígena. Além disso, as diretrizes educacionais enfatizam a importância de</p><p>não homogeneizar esses povos nem reduzi-los à simples categorização de "índio".</p><p>Conforme enfatizado por Pessis e Martin (2015, p. 34):</p><p>A visão reducionista fez dos indígenas americanos seres homogêneos sob o</p><p>ponto de vista cultural, linguístico e racial e todos receberam a denominação</p><p>genérica de índios. O denominador comum foi sempre o mesmo: índios eram</p><p>selvagens e a sua estrutura social devia ser modificada e adaptada às normas</p><p>sociopolíticas da nova ordem, seja de forma pacífica ou violenta. [...] A</p><p>realidade, porém, era diferente, pois a heterogeneidade do elemento indígena</p><p>compreendia, nos tempos da conquista e da colonização, um mundo com</p><p>grande densidade de línguas.</p><p>Atualmente, há 222 povos indígenas, cada um com sua própria identidade</p><p>étnica e sociocultural distinta, que falam um total de 180 línguas distintas (LUCIANO-</p><p>BANIWA, 2006). Diante dessa diversidade impressionante, é pertinente questionar se</p><p>é apropriado falar de uma única "arte indígena", considerando a multiplicidade de</p><p>culturas envolvidas.</p><p>Nesta seção, exploramos as origens da arte brasileira a partir de uma</p><p>perspectiva centrada no Estado-nação, relacionando-a à produção artística dos povos</p><p>indígenas que habitavam o território que posteriormente se tornaria o Brasil. A cultura</p><p>brasileira, como a conhecemos hoje, foi moldada pela interação com os colonizadores</p><p>europeus e pela influência dos diversos grupos de africanos que foram trazidos como</p><p>escravos para a América.</p><p>1.1 Marcos da história da arte brasileira</p><p>Conforme discutido na seção anterior, ao abordar a arte brasileira, é</p><p>necessário adotar certas precauções, considerando que o Brasil como Estado-nação</p><p>surgiu posteriormente a várias expressões artísticas que se desenvolveram em seu</p><p>território. Nesta seção, destacaremos alguns marcos na história da arte brasileira, que</p><p>encapsulam diversos momentos ou períodos da produção artística, refletindo os</p><p>contextos econômicos, políticos e sociais vivenciados pela sociedade em cada época.</p><p>A arte colonial</p><p>Utilizamos o termo "arte colonial" para se referir à produção artística</p><p>desenvolvida durante o período de colonização de parte do território americano pelos</p><p>portugueses. Nessa época, ainda não havia a formação do Brasil como o conhecemos</p><p>hoje, portanto, preferimos denominar essa região como "América Portuguesa".</p><p>7</p><p>A produção artística do período colonial estava intimamente ligada à influência</p><p>da Igreja Católica na América, por meio de suas diversas ordens religiosas, que</p><p>promoviam a criação de obras com temáticas sacras. Além disso, essa produção</p><p>artística também refletia o poder da coroa portuguesa na região. Segundo Cattani</p><p>(1984, p. 116-117), “o dirigismo artístico manifestou-se, inicialmente, na imposição de</p><p>uma arte de caráter religioso, respondendo evidentemente às necessidades do jogo</p><p>político, pois, em última análise, era o rei de Portugal que comandava.”</p><p>A arte colonial desempenhou um papel fundamental na promoção do aspecto</p><p>religioso da colonização, sendo amplamente empregada nas atividades de catequese</p><p>realizadas na colônia.</p><p>Essa forma de expressão artística era produzida de acordo com os princípios</p><p>estabelecidos pela Europa, ou seja, seguindo as diretrizes e práticas artísticas</p><p>definidas pelos colonizadores. No entanto, é crucial lembrar também da produção</p><p>artística desenvolvida pelos povos indígenas, como discutido no tópico anterior, bem</p><p>como das contribuições dos africanos e afrodescendentes, que possuíam suas</p><p>próprias tradições culturais e tinham “o domínio sobre o metal, o bronze, o ferro, o</p><p>ouro e o marfim” (DOSSIN, 2008, p. 123).</p><p>A arte barroca no Brasil</p><p>A categoria do "Barroco" é um tema amplamente debatido tanto no campo da</p><p>arte quanto na historiografia, carecendo de um consenso claro. No entanto, o termo é</p><p>frequentemente empregado para se referir às expressões artísticas que surgiram nas</p><p>regiões luso-brasileiras durante os séculos XVII e XVIII. Essa expressão artística pode</p><p>ser observada em lugares como Salvador, na Bahia, e em diversas cidades de Minas</p><p>Gerais (BRUNETO, 2001).</p><p>Conforme explicado pelo historiador Vainfas (2000), o Barroco, quando se</p><p>trata das artes visuais, é caracterizado pela exuberância das formas, uma apreciação</p><p>por contrastes (como a utilização de efeitos claros e escuros), e também pela</p><p>“prevalência da imagem sobre o desenho, a integração em profundidade dos planos</p><p>da composição, e a manipulação de volumes que emprestam uma certa dimensão</p><p>arquitetônica às obras” (VAINFAS, 2000, p. 68-69).</p><p>Esse estilo teria sido introduzido na América Portuguesa pelos jesuítas, que</p><p>já o empregavam em Portugal. Tornou-se a concepção estilística predominante na</p><p>edificação de capelas e igrejas nos povoados mineiros no século XVIII. Segundo</p><p>8</p><p>Vainfas (2000, p. 69): “favorecido pelo grande número de pequenos núcleos urbanos</p><p>típicos da ocupação de Minas, esse movimento mobilizou quantidade extraordinária</p><p>de recursos e de artesãos especializados, criando um ambiente cultural único”.</p><p>Esse estilo teria mantido sua predominância até aproximadamente o ano de</p><p>1760, quando deu lugar ao chamado estilo rococó.</p><p>De acordo com Oliveira (2006), existe uma distinção entre o maneirismo e o</p><p>barroco, com raízes italianas, e o rococó, que tem suas origens nas influências</p><p>francesas e germânicas:</p><p>De modo geral, o termo maneirismo é hoje aplicado à arquitetura e as artes</p><p>visuais do século 17, anteriores às primeiras manifestações do barroco, já no</p><p>final da centúria, de preferência a outros que vigoraram no passado como</p><p>arte jesuíta ou estilo chão. Já o termo barroco, inicialmente empregado em</p><p>sentido amplo para designar as expressões artísticas do século 18, hoje</p><p>divide essa hegemonia com o rococó em particular nas regiões de Minas</p><p>Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, que conheceram suas</p><p>expressões mais abrangentes (OLIVEIRA, 2006, p. 97).</p><p>É importante ressaltar que vários artistas do estilo barroco no Brasil eram</p><p>indivíduos de ascendência africana, e essa expressão artística era praticada em suas</p><p>confrarias, como apontado por Dossin (2008).</p><p>A Missão Artística Francesa</p><p>Alterações substanciais tiveram lugar no território da América Portuguesa em</p><p>1808. “A arte e a cultura produzidas ao longo do século XIX foram amplamente</p><p>marcadas pelas mudanças trazidas pela necessidade da Corte de adequar nossa vida</p><p>cultural a seus padrões de exigência” (ALAMBERT, 2015, p. 15). A chegada da família</p><p>real e a instalação da capital da monarquia portuguesa no Brasil representaram “a</p><p>transplantação e a adaptação de hábitos, assim como a conversão do aparelhamento</p><p>urbano do Rio de Janeiro aos padrões da realeza europeia” (GUIMARÃES, 2010, p.</p><p>69).</p><p>Segundo o historiador Jurandir Malerba (1999, p. 9-10):</p><p>nenhuma região brasileira sentiu mais a chegada da Corte do que o Rio de</p><p>Janeiro, sede do vice-reino desde 1763, escolhida para ser a capital</p><p>provisória do Império luso-brasileiro. Para se ter uma ideia, a população</p><p>cresceu de sessenta mil habitantes em 1808 para cento e doze mil em 1821,</p><p>quando a família real regressou a Portugal.</p><p>9</p><p>No que diz respeito</p><p>sugere, "Aspiração" evoca o anseio profundo pela libertação</p><p>de Angola, uma causa pela qual o poeta lutou intensamente durante sua vida. O</p><p>poema é caracterizado por um tom de tristeza, carregado com a consciência da</p><p>opressão colonial que se estende a lugares de grande significado nos continentes</p><p>africano e americano, como o Congo, a Geórgia e o Amazonas. Esses lugares são</p><p>emblemáticos, pois foram destinos forçados dos sujeitos negros, que foram</p><p>escravizados.</p><p>No que diz respeito à linguagem, as repetições de estruturas sintáticas, como</p><p>vemos em frases como "Ainda o meu canto dolente," "Ainda/ o meu sonho de batuque</p><p>em noites de luar," e "Ainda os meus braços [...]," aproximam o poema da oralidade,</p><p>conferindo-lhe uma qualidade de canto destinado a ressoar por todos os cantos.</p><p>Essas repetições enfatizam a persistência da opressão colonial, notada pela</p><p>recorrência do advérbio "ainda."</p><p>Devido a essa persistência, a liberdade permanece no domínio dos sonhos.</p><p>Entretanto, a tomada de consciência, que antecede a libertação, só pode ocorrer por</p><p>meio da valorização da cultura, um conceito resgatado pela menção aos instrumentos</p><p>musicais, como o quissange, a marimba, a viola e o saxofone. O poema Agostinho</p><p>Neto, 1949, também aborda os espaços ocupados pelos negros na nona estrofe,</p><p>69</p><p>como senzalas, subúrbios urbanos e cantos sombrios de residências abastadas, que</p><p>são marcados pela marginalização. A partir desses espaços, o sujeito negro só pode</p><p>expressar-se em sussurros. Nesse momento, o grito pode estar contido, mas a revolta</p><p>já se faz presente de maneira intensa, constituindo-se como a força propulsora da</p><p>revolução que se avizinha.</p><p>Orlanda Amarílis</p><p>Orlanda Amarílis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira, conforme ilustra a</p><p>Figura 3, nasceu em 8 de outubro de 1924, em Cabo Verde, e veio a falecer em 1 de</p><p>fevereiro de 2014. Sua família desempenhou um papel notável no cenário literário de</p><p>Cabo Verde, notadamente seu pai, Armando Napoleão Rodrigues Fernandes, que</p><p>publicou o primeiro dicionário da língua crioula no país. Amarílis cursou Magistério em</p><p>Goa e, posteriormente, Pedagogia em Lisboa, onde estabeleceu residência. Ela</p><p>contraiu matrimônio com Manuel Ferreira, outro destacado intelectual engajado na luta</p><p>pela independência das colônias portuguesas e figura fundamental na literatura cabo-</p><p>verdiana.</p><p>Amarílis também se destacou como uma das autoras que contribuiu com a</p><p>revista Certeza (1944), juntamente com a revista Claridade (1936-1960),</p><p>desempenhando um papel fundamental na disseminação dos ideais nacionais em</p><p>Cabo Verde. Além disso, ela participou ativamente do Movimento Português contra o</p><p>Apartheid e se envolveu na Associação Portuguesa de Escritores.</p><p>Figura 3. Orlanda Amarílis.</p><p>Fonte: Fenske (2015).</p><p>70</p><p>A obra de Orlanda Amarílis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira, como é</p><p>comum com outros escritores de sua geração, está dispersa em revistas e antologias</p><p>e já foi traduzida para várias línguas. Destacam-se entre suas coletâneas de contos</p><p>"Cais-do-Sodré té Salamansa" (1974) e "A Casa dos Mastros" (1989). Como é de se</p><p>esperar, devido à sua associação com a revista Certeza, a narrativa de Amarílis reflete</p><p>uma forte influência do neorrealismo português, que enfatiza a preocupação com a</p><p>perspectiva social em suas obras. Além disso, há elementos do realismo fantástico,</p><p>que se entrelaçam com elementos místicos das culturas africanas. Por meio de uma</p><p>linguagem que mistura o português com a oralidade da língua cabo-verdiana, Amarílis</p><p>aborda a dura realidade do povo cabo-verdiano, marcada pela necessidade de</p><p>migração em busca de melhores condições de vida e pela situação das mulheres.</p><p>Portanto, temas centrais de seus textos incluem a diáspora, o exílio, a insularidade e</p><p>a condição feminina.</p><p>O conto em foco, intitulado "A Casa dos Mastros" (AMARÍLIS, 1989) e parte</p><p>da coletânea com o mesmo nome, gira em torno da denúncia da violência e da lógica</p><p>patriarcal do colonialismo. A narradora, que já está morta, relata a história de Violete</p><p>(um nome associado à violência), entrelaçando passado e presente. A personagem</p><p>reside na casa mencionada no título do conto com sua família, mas a convivência</p><p>diária não conduz à aproximação entre os habitantes. Após ser abandonada por seu</p><p>noivo, Violete se torna uma pessoa mais amarga, e seu futuro se mostra desprovido</p><p>de qualquer realização pessoal. Posteriormente, ela descobre traições do pai durante</p><p>o casamento com sua mãe, revelações que geram um conflito intenso na personagem</p><p>e culminam em sua agressão à madrasta, D. Maninha, que acaba falecendo.</p><p>Sentindo-se culpada pelo que fez, Violete busca redenção na igreja, mas esse local,</p><p>que deveria fornecer auxílio espiritual, se torna palco de violência quando o padre</p><p>André, a quem ela recorre, a estupra. Ela também sofre abusos de seu primo e, ainda</p><p>mais chocante, de seu próprio pai. Após o último episódio traumático, Violete se torna</p><p>incapaz de falar. Como resultado, ela e seu pai continuam a viver na casa dos mastros</p><p>até a morte, quando se reúnem com a narradora.</p><p>As múltiplas formas de violência sofridas por Violete evidenciam o estado de</p><p>inferioridade ao qual as mulheres cabo-verdianas eram submetidas, com o término de</p><p>seu noivado, o estupro perpetrado pelo padre, o primo e o próprio pai, todos deixando</p><p>traumas indeléveis. A narradora também identifica sua própria história refletida na</p><p>71</p><p>trajetória de Violete, revelando que ambas compartilham a mesma lógica social. A</p><p>escolha de uma narradora que se suicida e retorna ao mundo dos vivos para contar a</p><p>história da personagem é um elemento intrigante. Ao optar por uma narradora que se</p><p>suicida, Amarílis aponta para a questão fundamental da liberdade de expressão</p><p>feminina, que, nesse caso, só se concretiza por meio da morte, destacando uma crítica</p><p>contundente à estrutura social cabo-verdiana que silencia as mulheres.</p><p>Assim, ao focalizar a vida de uma mulher oprimida, explorada e vítima da</p><p>violência do patriarcado, Amarílis (1989) apresenta um retrato abrangente da condição</p><p>das mulheres cabo-verdianas. O título do conto em si faz alusão ao poder patriarcal,</p><p>revelando-o como uma extensão do sistema colonial que subjuga os indivíduos. Isso</p><p>é evidenciado na percepção que os homens no conto têm em relação aos corpos das</p><p>mulheres, que são considerados meros objetos à disposição de seu prazer.</p><p>José Luandino Vieira</p><p>José Vieira Mateus de Graça, retratado na Figura 4, nasceu em 4 de maio de 1935</p><p>em Portugal. Entretanto, mudou-se para Angola aos 3 anos, onde passou sua infância</p><p>e juventude. Como membro do MPLA, ele desempenhou um papel crucial na luta pela</p><p>libertação da então colônia portuguesa. No entanto, sua atividade política o levou à</p><p>prisão pelas autoridades da PIDE, e em 1964, ele foi exilado para Cabo Verde.</p><p>Depois de quatro anos de prisão, a Sociedade Portuguesa dos Escritores, sob</p><p>a avaliação do então presidente Jacinto do Prado Coelho, premiou-o pelo seu livro de</p><p>contos intitulado "Luuanda". A notícia desse prêmio foi divulgada pela imprensa, mas</p><p>logo foi censurada pelo governo, e a instituição dos escritores foi destruída. Além</p><p>disso, Vieira foi rotulado como "terrorista" pelas autoridades do governo português.</p><p>Somente em 1972, Vieira foi libertado, embora ainda sob vigilância constante.</p><p>Nesse período, ele iniciou a publicação de seus livros, a maioria dos quais foi escrita</p><p>durante o tempo em que esteve preso. Vieira desempenhou diversas funções</p><p>importantes em Angola, incluindo seu engajamento ativo na luta pela independência</p><p>do país. Ele ocupou cargos como diretor da Televisão Popular de Angola, diretor do</p><p>Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA, diretor do Instituto Angolano</p><p>de Cinema e foi membro fundador da União dos Escritores Angolanos.</p><p>Figura 4. Luandino Vieira.</p><p>72</p><p>Fonte: Castanheira (2015).</p><p>A obra de Luandino Vieira é de extrema importância</p><p>para as literaturas</p><p>africanas e abrange uma ampla gama de gêneros, incluindo contos, novelas,</p><p>romances, textos infanto-juvenis e poemas, entre outros. Seus livros receberam</p><p>múltiplas reedições e traduções ao longo dos anos. Entre suas principais obras,</p><p>destacam-se "A Vida Verdadeira de Domingos Xavier" (1961), "Luuanda" (1963),</p><p>"Nós, os do Makuluso" (1974) e "João Vêncio: Os Seus Amores" (1979). Em 2006, ele</p><p>foi honrado com o Prêmio Camões, embora tenha recusado essa distinção. Assim</p><p>como outros escritores, Luandino Vieira concentra sua narrativa na violência</p><p>enfrentada pelo colonizado e na importância da conscientização para a libertação de</p><p>seu povo. Ele retrata a sociedade em que seus personagens vivem, explorando seus</p><p>conflitos psicológicos no despertar da consciência de uma identidade angolana. Seus</p><p>textos se destacam por seu trabalho inovador com a linguagem, introduzindo</p><p>elementos do português falado nos musseques (bairros periféricos de Angola) e do</p><p>quimbundo (uma das línguas locais). Essa abordagem inclui o uso de neologismos,</p><p>gírias e modificações na estrutura sintática do português.</p><p>Para destacar a importância das narrativas orais na África, Luandino Vieira</p><p>denomina suas histórias de "estórias," uma abordagem semelhante à adotada pelo</p><p>escritor brasileiro Guimarães Rosa. Suas "estórias" mesclam elementos de mussosso</p><p>(narrativas populares angolanas) e fábulas, proporcionando uma conexão com as</p><p>tradições populares e incentivando a reflexão sobre a violência colonial a partir do</p><p>cotidiano dos musseques.</p><p>73</p><p>Um dos contos mais notáveis de Luandino Vieira é "Estória da Galinha e do</p><p>Ovo," que faz parte do livro "Luuanda" (VIEIRA, 2004). Este conto foi escrito durante</p><p>o período de prisão do autor e é considerado fundamental para a literatura africana</p><p>devido à sua abordagem inovadora. A história se passa no musseque Sambizanga,</p><p>um bairro periférico de Luanda, e gira em torno de um conflito (maka) entre duas</p><p>vizinhas: a idosa Nga Zefa e a jovem grávida Nga Bina, em relação a um ovo.</p><p>Enquanto Zefa alega que Bina roubou o ovo que sua galinha, Cabíri, pôs, Bina</p><p>argumenta que o ovo pertence a ela, já que a galinha o colocou em seu quintal. O</p><p>conflito atrai várias outras personagens, representativas de diferentes estratos da</p><p>sociedade, como um comerciante, um proprietário de terras e cubatas, um seminarista</p><p>e um ex-ajudante de notário. Essas personagens ilustram os setores do comércio, da</p><p>burguesia colonial e da religião, revelando a assimilação de valores superficiais e a</p><p>hipocrisia pela ênfase nas aparências exteriores e na burocracia. À medida que a</p><p>narrativa progride, a polícia intervém de maneira violenta, punindo as mulheres pela</p><p>confusão que geraram, levando a galinha Cabíri para a prisão. No entanto, Cabíri voa</p><p>para a liberdade quando ouve o canto de Beto, filho de Zefa imitando um galo. Os</p><p>policiais, frustrados, partem, e Zefa finalmente concede o ovo a Bina, demonstrando</p><p>compreensão em relação às necessidades alimentares durante a gravidez.</p><p>Na sua narrativa, ao escolher como ponto central do conflito a posse do ovo,</p><p>Luandino Vieira (2004) expõe a pobreza que aflige os habitantes dos bairros</p><p>periféricos de Luanda e desafia a noção de propriedade, que não era uma</p><p>preocupação nessas sociedades antes da chegada do colonizador europeu.</p><p>Simbolicamente, tanto o ovo quanto a gravidez de Bina, cuja barriga é comparada a</p><p>um enorme ovo pelo narrador, evocam o início da vida. Esses símbolos, aliados à</p><p>imagem final da galinha voando em direção à liberdade, possibilitam uma</p><p>interpretação da emergência de uma nova sociedade, que só pode surgir pela união</p><p>da comunidade do musseque e pelo triunfo do novo, simbolizado pelo jovem Beto,</p><p>sobre o antigo. Dessa maneira, Vieira (2004) emprega uma linguagem simbólica em</p><p>sua estória para questionar a história de Angola, incentivando o leitor a refletir sobre</p><p>o contexto coletivo em que se insere.</p><p>A definição de clássicos é altamente subjetiva, uma vez que as narrativas</p><p>consideradas canônicas são mutáveis e dependentes da perspectiva daqueles que as</p><p>identificam. Diferentes pontos de vista resultam em diferentes seleções de autores e</p><p>74</p><p>obras. Neste contexto, apresentaremos uma breve exposição de alguns autores e</p><p>obras que desempenharam um papel fundamental na formação de um estilo literário</p><p>distintivo em Moçambique, Angola e Cabo Verde. Isso não implica, contudo, que</p><p>outros autores ou obras não tenham contribuído significativamente para as literaturas</p><p>africanas em língua portuguesa.</p><p>8 A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E CULTURA</p><p>Os termos educação e cultura frequentemente geram ambiguidades,</p><p>oscilando entre identificação e diferenciação radical no entendimento comum. Muitas</p><p>vezes, a educação é erroneamente confundida com a escola ou a obtenção de</p><p>certificações acadêmicas, enquanto a cultura é associada a erudição ou à acumulação</p><p>de informações.</p><p>No Brasil, essa sucessão de conceitos e ideias conflitantes não é um</p><p>fenômeno recente. Desde os tempos do Império, quando questões educacionais eram</p><p>supervisionadas pelo Ministério da Justiça ou dos Negócios do Interior, a educação e</p><p>seus desafios eram estreitamente ligados à escolarização formal. Com a chegada da</p><p>República, um Ministério chamado de "Instrução" é criado, enfatizando a conexão</p><p>entre educação e aquisição de conhecimento, correios e telégrafos (MAIA, 2002).</p><p>Mais tarde, a educação é diferenciada e, em 1930, o Ministério da Educação</p><p>e Saúde é criado. Gradualmente, a sociedade brasileira começa a perceber as</p><p>interações entre educação e cultura, culminando na designação do Ministério como</p><p>da Educação e Cultura. Governos mais recentes reconhecem a autonomia da cultura,</p><p>criando um ministério dedicado exclusivamente a ela e separando a educação do</p><p>esporte. Como resultado, atualmente temos o Ministério da Educação e do Desporto</p><p>(MAIA, 2002).</p><p>Em resumo, a relação entre cultura e educação é intrínseca, pois a própria</p><p>educação é considerada uma parte da cultura. A cultura é o resultado da criatividade</p><p>humana; ela existe porque existem seres humanos, e a educação está enraizada</p><p>nesse contexto, já que desde os tempos mais remotos da humanidade, houve a</p><p>necessidade de transmitir tradições aos mais jovens, bem como técnicas de caça, a</p><p>confecção de objetos, modos de vida, entre outros.</p><p>O processo educativo não se limita à escola, mas a sociedade convencionou</p><p>que a escola desempenha um papel fundamental na educação formal, na transmissão</p><p>75</p><p>do conhecimento sistematizado. Consequentemente, os conhecimentos adquiridos</p><p>fora do ambiente escolar, na educação informal, costumam ser subestimados.</p><p>No entanto, educação e cultura são, na realidade, processos</p><p>complementares, embora, em algumas situações, pareçam conflitar. A educação</p><p>muitas vezes combate práticas culturais prejudiciais, como o uso de balões,</p><p>queimadas, dietas gordurosas, brincadeiras preconceituosas e competições</p><p>envolvendo dinheiro entre animais. Gradualmente, a educação desempenha um papel</p><p>na modificação de costumes.</p><p>Um exemplo disso é que à medida que a humanidade evoluiu, a necessidade</p><p>de transmitir conhecimentos socialmente construídos e historicamente acumulados</p><p>para as gerações futuras aumentou. A escola se tornou um veículo para disseminar a</p><p>cultura predominante e o conhecimento, ao mesmo tempo que promoveu ideias de</p><p>uma cultura etnocêntrica. O etnocentrismo ocorre quando uma cultura é considerada</p><p>como o padrão central e superior para julgar outras formas culturais, muitas vezes de</p><p>maneira depreciativa. Tradicionalmente, essa visão cria uma cultura</p><p>homogeneizadora, baseada em estereótipos e, portanto, etnocêntrica (CANDAU,</p><p>2008).</p><p>De acordo com a perspectiva de Candau e Moreira (2003, p. 21), “[...] pode-</p><p>se argumentar que uma educação de qualidade deve permitir ao estudante ir além</p><p>dos referentes de seu mundo cotidiano, assumindo-o e ampliando-o,</p><p>de modo a</p><p>tornar-se um sujeito ativo na mudança do seu contexto [...]”.</p><p>A prática educativa nas escolas tem o potencial de tanto perpetuar uma cultura</p><p>etnocêntrica quanto de se tornar um meio de superação dessa tendência. A educação</p><p>escolar não pode permanecer neutra; inevitavelmente, ela promove uma ou outra</p><p>ação. Consequentemente, a prática educativa nas escolas deve guiar a comunidade</p><p>escolar na compreensão de que não há uma única cultura superior ou melhor que as</p><p>outras, mas sim a existência do multiculturalismo. Cada cultura deve ser apreciada e</p><p>compreendida em seu próprio contexto.</p><p>8.1 Manifestações culturais da escola</p><p>Desde os primórdios da história, os seres humanos sentem a necessidade de</p><p>explorar o mundo ao seu redor, buscando entender eventos e fenômenos, dominar a</p><p>natureza e tornar suas vidas mais fáceis. O conhecimento humano se desenvolveu a</p><p>76</p><p>partir dos desafios enfrentados em busca da sobrevivência, resultando da acumulação</p><p>de experiências vivenciadas.</p><p>No contexto da transformação social, a cultura desempenhou um papel</p><p>fundamental na construção de um novo espaço educacional, atraindo estudantes e</p><p>suas famílias para participar ativamente. A abordagem de tópicos por meio de</p><p>atividades culturais cria oportunidades para discussões e diálogos, enquanto práticas</p><p>inovadoras facilitam a interação entre alunos e professores, professores e a equipe</p><p>escolar, e a escola com a comunidade. Assim, a diversidade cultural atrai indivíduos,</p><p>conecta-se com a vida cotidiana e reflete os interesses de todas as pessoas</p><p>envolvidas, seja na dança, no rap, no funk, na capoeira ou em qualquer outra forma</p><p>de expressão cultural.</p><p>Nesse contexto, a cultura abrange tudo o que é resultado da criatividade</p><p>humana. O ser humano cria, transforma e é transformado por essas mudanças. Ao</p><p>produzir cultura, o ser humano molda a si mesmo, autoproduzindo sua identidade,</p><p>personalidade e sua maneira de ver, pensar e sentir o mundo.</p><p>Dessa forma, fica evidente que o currículo, assim como o planejamento</p><p>educacional, desempenha um papel crucial na realização de um ensino diversificado</p><p>e alinhado com a comunidade escolar. Goodson (2003) descreve o currículo como um</p><p>processo de fabricação que não é apenas lógico, mas também um processo social,</p><p>coexistindo com fatores lógicos, epistemológicos e intelectuais, juntamente com</p><p>elementos sociais menos formais, como interesses, rituais, conflitos simbólicos e</p><p>culturais, necessidades de legitimação e controle, bem como objetivos de dominação</p><p>influenciados por fatores relacionados à classe social, raça e gênero.</p><p>Essa diversidade incorporada no currículo e aproveitada no ambiente escolar</p><p>promove a inclusão e amplia as oportunidades de mudança. Ao trazer a cultura como</p><p>um espaço de criatividade, o ambiente educacional se torna mais atrativo. Vale</p><p>ressaltar que a escola é uma instituição moldada historicamente pelo contexto.</p><p>Portanto, o ambiente educacional deve perceber os alunos como sujeitos</p><p>socioculturais. Não se deve adotar uma visão homogeneizante e estereotipada dos</p><p>alunos; em vez disso, é necessário compreendê-los em sua diversidade,</p><p>reconhecendo que cada um deles traz consigo uma história, visões de mundo, valores,</p><p>sentimentos, emoções, desejos, projetos de vida, padrões de comportamento e</p><p>hábitos únicos.</p><p>77</p><p>O que cada aluno é ao chegar à escola resulta de um conjunto de experiências</p><p>sociais vividas em diversos contextos sociais. Portanto, para entendê-los, é essencial</p><p>considerar a dimensão da "experiência vivida". Conforme apontado por Thompson</p><p>(1981), é a experiência vivida que nos permite compreender a história como um</p><p>produto da ação dos sujeitos. Essa lição é fundamental para que possamos conceber</p><p>a aprendizagem como um processo contínuo e relacionado à experiência individual</p><p>de cada aluno.</p><p>A escola não se limita mais a ser apenas uma transmissora da "verdadeira</p><p>cultura", mas passa a ser concebida como um local de encontro, conflito e diálogo</p><p>entre diversas culturas. Pérez Gómez (1998) sugere que devemos encarar a escola</p><p>contemporânea como um espaço de "cruzamento de culturas". Essa perspectiva</p><p>requer uma nova abordagem, uma nova atitude, e a capacidade de reconhecer as</p><p>múltiplas culturas que se entrelaçam no ambiente escolar. Além disso, é necessário</p><p>reimaginar a escola, destacando o que a torna única e distinta de outros ambientes</p><p>de socialização: a "mediação reflexiva" que promove nas interações e o impacto</p><p>contínuo que as diversas culturas exercem sobre seu ambiente e seus participantes.</p><p>Conforme Pérez Gómez (1998, p. 17), a vida escolar é um verdadeiro</p><p>intercâmbio cultural, e:</p><p>[...] o responsável definitivo da natureza, sentido e consistência do que os</p><p>alunos e alunas aprendem na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo</p><p>cruzamento de culturas que se produz na escola entre as propostas da cultura</p><p>crítica, que se situa nas disciplinas científicas, artística e filosófica; as</p><p>determinações da cultura acadêmica, que se refletem no currículo; as</p><p>influências da cultura social, constituídas pelos valores hegemônicos do</p><p>cenário social; as pressões cotidianas da cultura institucional, presente nos</p><p>papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social</p><p>específica, e as características da cultura experiencial, adquirida por cada</p><p>aluno através da experiência dos intercâmbios espontâneos com seu entorno</p><p>[...].</p><p>Além disso, isso também desencoraja atitudes mais preconceituosas, uma</p><p>vez que todas as experiências, mesmo aquelas que são consideradas subalternas,</p><p>podem contribuir para a construção do conhecimento.</p><p>Nesse contexto, a cultura se manifesta por meio de linguagens</p><p>compartilhadas que são comuns a diversos indivíduos. Além disso, a escola se</p><p>destaca como um local privilegiado para práticas coletivas, interações sociais,</p><p>representações, símbolos e rituais que os jovens utilizam para afirmar sua identidade.</p><p>78</p><p>Portanto, é evidente que a escola não deve se manter distante do contexto</p><p>social e precisa compartilhar o desejo de integrar famílias e culturas, promovendo um</p><p>diálogo entre diversas expressões culturais e considerando as necessidades</p><p>individuais. Superar as barreiras que impedem a utilização da escola para fins diversos</p><p>representa um desafio significativo. O sucesso desse empreendimento depende da</p><p>crença da equipe de liderança na educação como uma ferramenta de transformação</p><p>social - a escola deve se estender para a comunidade. Ao mesmo tempo, a</p><p>comunidade anseia e precisa se envolver ativamente na escola (MARTINS, 2008).</p><p>8.2 O valor da escola nas manifestações culturais</p><p>No que diz respeito ao assunto, Bourdieu (1996) declara que “[...] a cultura é o</p><p>conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justifi cação última, uma não pode</p><p>ser pensada sem a outra [...]”.</p><p>Nas últimas décadas, tem havido um debate contínuo sobre a integração da</p><p>cultura no processo de ensino-aprendizagem. Alguns educadores e movimentos</p><p>sociais têm se esforçado para que suas culturas sejam legitimadas como</p><p>componentes essenciais no processo educacional. Eles argumentam que a cultura</p><p>desempenha um papel fundamental na nutrição do processo educativo e na formação</p><p>de indivíduos críticos e socializados. Consequentemente, esses movimentos</p><p>advogam pela inclusão da cultura no currículo escolar.</p><p>O reconhecimento da multiculturalidade da sociedade leva à compreensão da</p><p>diversidade de raízes culturais que fazem parte do ambiente educativo, como a sala</p><p>de aula. Autores como Candau e Anhorn (2002), Forquin (1992) e outros que</p><p>destacam a relação entre escola e cultura nos incentivam a explorar de maneira mais</p><p>profunda a importância da cultura no processo de aprendizagem e nas práticas</p><p>pedagógicas. Assim, a educação multicultural tem gerado discussões entre</p><p>renomados autores e pesquisadores, que questionam a inclusão de pressupostos</p><p>curriculares colaborativos para</p><p>criar um ambiente escolar favorável a alunos de todos</p><p>os grupos sociais, étnicos e culturais.</p><p>A escola é vista como uma instituição socializadora que deve abraçar as</p><p>diversas culturas, de modo a criar um ambiente inclusivo onde todos possam</p><p>expressar suas perspectivas sem temer serem rotulados como antiéticos ou</p><p>discriminados devido à cultura à qual pertencem.</p><p>79</p><p>No entanto, após uma análise mais aprofundada desse debate, fica evidente</p><p>que existem opiniões divergentes em relação à incorporação da cultura no processo</p><p>de aprendizagem, com alguns educadores relutando em incluir a cultura como parte</p><p>do conteúdo de suas aulas.</p><p>Candau e Moreira (2003) argumentam que a escola não é apenas uma</p><p>instituição educacional, mas também uma instituição cultural. Dentro dela, existem</p><p>diversos grupos sociais que não devem ser ignorados pelos educadores, mas sim</p><p>valorizados por meio de discussões para que as culturas não tradicionais possam ser</p><p>compreendidas e respeitadas em relação às suas ideologias e formas de expressão.</p><p>80</p><p>9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>AGOSTINHO NETO, A. Aspiração. Luanda: FAAN, 1949. Disponível em:</p><p><http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=592:</p><p>aspiracao&catid=45:sagrada-esperanca&Itemid=233>. Acesso em: 15 maio 2017.</p><p>ALMEIDA, M. R. C. Índios mestiços e selvagens civilizados de Debret: reflexões</p><p>sobre relações interétnicas e mestiçagens. Varia história, v. 25, n. 41, p. 85-106, 2009.</p><p>ALVES, E. P. M. Diversidade cultural, patrimônio cultural material e cultura</p><p>popular: a Unesco e a construção de um universalismo global. Sociedade e</p><p>Estado, v. 25, n. 3, 2010. 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Em 1816, a conhecida Missão Artística Francesa desembarcou no Brasil com</p><p>o propósito de estabelecer uma academia de arte e atender às demandas da corte</p><p>lusitana.</p><p>Conforme indicado por Francisco Alambert (2015, p. 15):</p><p>A Missão Francesa veio com o intuito de ‘civilizar’ a cultura brasileira – e isso</p><p>significou também ignorar toda a tradição barroca antecedente, o que só será</p><p>retomado como parte da nossa formação histórica com o modernismo do</p><p>início do século XX. Com ela chegaram pintores como Jean-Baptiste Debret</p><p>(1768-1848) e Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) e arquitetos como</p><p>Grandjean de Montigny (1776-1850).</p><p>A Missão Artística Francesa foi liderada pelo crítico de arte e museólogo</p><p>Joaquim Lebreton, e ela marcou a oficialização do ensino de arte, promovendo a</p><p>transição do estilo barroco para o neoclássico, como apontado por Arcuri (2015).</p><p>A Academia Imperial de Belas Artes</p><p>A criação da Academia Imperial de Belas Artes teve como objetivo difundir no</p><p>Brasil os padrões artísticos europeus, tanto em termos de conteúdo quanto de forma,</p><p>ao mesmo tempo em que buscava institucionalizar as artes, marcando uma distinção</p><p>entre as belas artes e as artes populares (DOSSIN, 2008). Na Academia, é possível</p><p>identificar a participação de alguns artistas de ascendência africana, incluindo Firmino</p><p>Monteiro, Estevão Silva e Rafael Pinto Bandeira (DOSSIN, 2008).</p><p>Conforme observado por Alambert (2015, p. 15):</p><p>A fundação da Academia Imperial de Belas Artes foi a primeira tentativa de</p><p>estabelecer uma didática da arte acadêmica culta, de ‘bom gosto’ e zelosa da</p><p>tradição burguesa no país. O exercício estético e político da Academia</p><p>vinculava a produção artística aos ensejos do império e aos ideais de história</p><p>do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fortalecendo uma cultura</p><p>acadêmica que enfatizava a história nacional, produzindo versões quer eram</p><p>fruto tanto de uma tradição clássica europeia quanto de ideologias forjadas</p><p>nos gabinetes do instituto.</p><p>Na Academia, predominou “o método de ensino com traços da arte</p><p>neoclássica — que retomou os ideais greco-romanos e renascentistas — e tendo</p><p>como fundamento principal o desenho e a escultura” (ARCURI, 2015, p. 15).</p><p>A Semana de Arte Moderna</p><p>10</p><p>A década de 1920 no Brasil foi um período de intensa agitação política e</p><p>social. Em 1922, ocorreu a primeira revolta dos tenentes, dando início ao movimento</p><p>tenentista e consolidando a presença dos militares na política brasileira. Além disso,</p><p>foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), e o país celebrou o centenário de</p><p>sua independência. Paralelamente a esses eventos, aconteceu a "Semana de Arte</p><p>Moderna" em São Paulo, representando uma ruptura em relação às manifestações</p><p>artísticas e culturais predominantes no país.</p><p>A Semana de Arte Moderna ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de</p><p>1922, no auditório do Teatro Municipal de São Paulo. Conforme a historiadora</p><p>Capelato (2005, p. 259), essa semana foi organizada pelo diplomata e escritor Graça</p><p>Aranha, que estava vivendo na Europa, experimentou “a agitação intelectual e artística</p><p>do período e incorporava concepções estéticas do ‘espírito moderno’”.</p><p>O propósito da semana era celebrar o centenário da independência do Brasil,</p><p>ao mesmo tempo que promovia um movimento de renovação artística e resgate de</p><p>temas nativistas. Durante esse período, arquitetos, artistas plásticos, escultores,</p><p>intelectuais, escritores e músicos se reuniram para realizar encontros artísticos,</p><p>literários e musicais, além de organizar exposições no saguão.</p><p>De acordo com Capelato (2005, p. 263-264), a escolha de São Paulo como</p><p>sede para a Semana se deu em função das significativas transformações que a cidade</p><p>estava experimentando na época:</p><p>o significativo desenvolvimento cafeeiro ocorrido em São Paulo, entre o final</p><p>do século XIX e as primeiras décadas do XX incentivou o progresso material</p><p>do estado que, indiretamente favoreceu o desenvolvimento industrial e</p><p>urbanização acelerada.</p><p>A Semana teve um impacto significativo na audiência, que rejeitou muitas das</p><p>obras por considerá-las excessivamente ousadas para a realidade brasileira e os</p><p>gostos da elite consumidora de arte do país.</p><p>No que diz respeito ao conteúdo, a Semana combinou influências das</p><p>vanguardas europeias com temas nativistas, explorando as "raízes culturais</p><p>brasileiras". A partir desse evento, os chamados "modernistas" brasileiros</p><p>demonstraram que sua arte representava uma oposição ao romantismo e ao</p><p>parnasianismo, que eram considerados conservadores e desatualizados. De maneira</p><p>geral, essa nova abordagem rejeitou as tendências artísticas do século XIX</p><p>(CAPELATO, 2005). É importante notar que muitas representações de pessoas</p><p>11</p><p>negras foram incorporadas, embora frequentemente de forma estereotipada</p><p>(DOSSIN, 2008).</p><p>1.2 Artistas brasileiros e suas obras</p><p>Com o objetivo de ilustrar a produção artística brasileira, abordaremos a seguir</p><p>alguns artistas e suas obras, destacando a relevância delas no contexto das artes</p><p>visuais do Brasil. É importante ressaltar que esta seleção tem a finalidade de</p><p>exemplificar os contextos culturais e históricos, e não pretende ser uma lista</p><p>abrangente que englobe a diversidade de expressões na história da arte brasileira.</p><p>Começaremos explorando a arte rupestre encontrada no Parque Nacional da</p><p>Serra da Capivara, no estado do Piauí (Figura 1). Este parque abriga 717 sítios</p><p>arqueológicos nos quais rochas estão adornadas com pinturas rupestres,</p><p>evidenciando práticas rituais realizadas por diversos grupos étnicos ao longo do</p><p>tempo. As imagens representam tanto figuras antropomorfas como zoomorfas, em</p><p>diversas ações e cenas. Nas figuras humanas, é possível identificar atributos e</p><p>ornamentos que indicam diferentes etnias e certa hierarquia social. Quanto ao</p><p>tamanho, essas representações variam de 5 centímetros a mais de 1 metro.</p><p>Vamos agora examinar como Pessis e Martin (2015, p. 37) descrevem a vida</p><p>dos povos responsáveis por esses registros:</p><p>Os grupos étnicos autores dessas pinturas viveram fora dos abrigos, em</p><p>aldeias situadas em lugares planos no alto das chapadas ou perto de fontes</p><p>de água, rios sazonais ou reservatórios naturais, fato que se repete em outras</p><p>regiões do Nordeste. O Parque Nacional da Serra da Capivara é considerado</p><p>o epicentro de difusão de um horizonte cultural que se iniciou há</p><p>aproximadamente 12 mil anos BP [antes do presente] e se espalhou em</p><p>épocas posteriores [...].</p><p>Figura 1. Pintura rupestre do Parque da Serra da Capivara, no Piauí.</p><p>12</p><p>Fonte: Vitor 1234 (2008, documento on-line).</p><p>Vamos agora abordar um exemplo de arte indígena, proveniente da cultura</p><p>Wajãpi do Amapá. Os Wajãpi desenvolveram um sistema gráfico que serve como meio</p><p>de expressão de seus conhecimentos, práticas, crenças religiosas, tecnologias e</p><p>valores estéticos e morais, refletindo aspectos de suas relações sociais. Através da</p><p>arte kusiwa (Figura 2), os Wajãpi conseguem resumir, transmitir e preservar os</p><p>elementos distintivos e singulares de sua maneira de ver o mundo e sua posição nele</p><p>(VIVAS, 2008).</p><p>A arte kusiwa tornou-se o primeiro registro do "Livro dos saberes" do</p><p>INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN) e foi</p><p>agraciada com o título de "patrimônio cultural do Brasil". Essa forma de expressão</p><p>artística ilustra a abordagem única dos Wajãpi em relação ao conhecimento,</p><p>concepção e ação no mundo. O processo de reconhecimento da arte kusiwa como</p><p>patrimônio cultural teve início em 2002, quando a direção do Museu do Índio submeteu</p><p>ao Ministério da Cultura um pedido para que essa expressão gráfica e a pintura</p><p>corporal fossem reconhecidas como elementos culturais de natureza imaterial (VIVAS,</p><p>2008).</p><p>13</p><p>Figura 2. Exemplo de arte kusiwa, grafismo do povo Wajãpi no Amapá.</p><p>Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2017, documento on-line)</p><p>Vejamos agora um exemplo de arte colonial. Na Figura 3, são exibidas</p><p>representações sacras encontradas no Museu das Missões, localizado no Sítio</p><p>Arqueológico São Miguel Arcanjo. Estas representações representam figuras do</p><p>cristianismo e foram esculpidas por indígenas guaranis em colaboração com jesuítas.</p><p>Além de servirem como elementos decorativos, essas obras desempenhavam um</p><p>papel fundamental na catequese das comunidades indígenas. O site do Museu se</p><p>refere a isso como o "barroco missioneiro" devido às suas características distintivas.</p><p>Portanto, é relevante destacar algumas das características da arte barroca, como será</p><p>descrito a seguir.</p><p>14</p><p>Figura 3. Exemplo de arte colonial encontrada no Sítio Arqueológico de São</p><p>Miguel Arcanjo, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul.</p><p>Fonte: Oliveira (2013, documento on-line).</p><p>No que diz respeito ao período barroco, especialmente o estilo rococó,</p><p>podemos encontrar inúmeras expressões da arte colonial em Minas Gerais. Conforme</p><p>mencionado por Oliveira (2006, p. 124), a região foi um verdadeiro celeiro de</p><p>talentosos artistas.</p><p>Dentre esses artistas, merece destaque Antonio Francisco Lisboa (1738-</p><p>1814), mais conhecido como Aleijadinho, um artista afrodescendente. Ele e sua</p><p>equipe foram os responsáveis pela criação das doze estátuas esculpidas em pedra-</p><p>sabão que compõem o conjunto escultórico do Santuário do Bom Senhor Jesus de</p><p>Matosinhos, localizado na cidade de Congonhas, Minas Gerais (Figura 4). Essas</p><p>obras foram tombadas como patrimônio pelo IPHAN em 1939 e, em 1985, receberam</p><p>o reconhecimento da UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade (OLIVEIRA,</p><p>2006).</p><p>Oliveira (2006, p. 9-12) descreve o contexto em que esse conjunto escultórico</p><p>está inserido e a relação intrínseca da arte com temas religiosos:</p><p>O plano de fundo do grandioso cenário a céu aberto são as montanhas de</p><p>Minas, banhadas de luz tropical. Os planos próximos descortinam um</p><p>gramado verde com silhuetas esparsas de hibiscos e ipês-amarelos, a série</p><p>alternada de capelas brancas interligadas por um caminho sinuoso e, no eixo</p><p>da perspectiva ascendente, a elegante frontaria da igreja setecentista,</p><p>precedida pelo Adro dos Profetas e enquadrada por palmeiras imperiais. O</p><p>drama religioso encenado nesse magnífico palco natural é o da própria</p><p>Redenção do Homem, pedra angular do dogma cristão, cujo tema central, a</p><p>crucificação do Cristo Salvador, ocupa o lugar de honra no altar-mor da igreja,</p><p>15</p><p>na invocação luso-brasileira do Bom Jesus de Matosinhos. [...] Anunciado</p><p>pelos patriarcas bíblicos Abraão, Isaac e Jacó, que acolhem o visitante na</p><p>entrada da igreja, o primeiro ato apresenta cenas do Antigo Testamento,</p><p>figuradas em pinturas na parte alta da igreja. Seus principais protagonistas</p><p>são, entretanto, as 12 esculturas monumentais de Profetas do Antigo</p><p>Testamento, suntuosamente vestidos “à moda turca”, lançando vaticínios do</p><p>alto dos suportes inseridos nos muros de arrimo e nas escadarias do adro.</p><p>Cada um deles traz o texto de sua profecia gravado na pedra para a</p><p>eternidade, já que é impermanente a memória dos homens.</p><p>Figura 4. Conjunto escultórico de Aleijadinho no Santuário do Bom Jesus de</p><p>Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais.</p><p>Fonte: Franca (2022, documento on-line).</p><p>No que diz respeito à Missão Artística Francesa, que desembarcou no Brasil</p><p>em 1816 durante a mudança da corte de Lisboa para o Brasil, merece destaque o</p><p>artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Foi Debret quem produziu</p><p>numerosas gravuras e pinturas que retrataram a cultura e o dia a dia do Brasil. Almeida</p><p>(2009, p. 87) afirma que Debret “iria, como muitos viajantes do século XIX, concentrar</p><p>especial atenção nos costumes da terra, dedicando boa parte de sua obra aos nativos</p><p>da América, cujo exotismo despertava especial interesse entre intelectuais europeus</p><p>e americanos”.</p><p>Embora Debret não tenha sido o único artista europeu a retratar a cultura e a</p><p>vida cotidiana do Brasil, ele se destacou dos demais por residir no país por um período</p><p>de 16 anos e por seu interesse em oferecer uma interpretação explicativa da realidade</p><p>que observava. Isso fica evidente pelos textos explicativos que acompanhavam suas</p><p>obras artísticas (ALMEIDA, 2009).</p><p>16</p><p>No que concerne aos textos explicativos que acompanham a obra "Caboclo,"</p><p>apresentada na Figura 5, Debret deixa claro o seu objetivo de representar “um caboclo</p><p>de São Lourenço, que vivia em intenso contato com a sociedade colonial, porém</p><p>mantivera a habilidade com o arco e flecha e posicionava-se daquela forma para atrair</p><p>a admiração dos viajantes estrangeiros” (ALMEIDA, 2009, p. 91). Ainda, segundo</p><p>Almeida (2009, p. 91), “devia ser corriqueiro encontrar entre os civilizados das aldeias,</p><p>índios flecheiros, talvez nus, interessados em exibir sua destreza aos forasteiros que</p><p>por ali passavam”.</p><p>Figura 5. Caboclo (1834), Jean-Baptiste Debret (1768-1848).</p><p>Fonte: Debret (1834, documento on-line).</p><p>A Academia Real de Belas Artes, que surgiu como resultado da Missão</p><p>Artística Francesa, logo começou a formar seus primeiros artistas e gerar obras</p><p>notáveis. Um exemplo notável é o trabalho de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-</p><p>1879), como ilustrado na Figura 6. Ele é considerado o “aluno predileto de Debret,</p><p>com quem viajou à França, ele é um marco da noção romântica de busca da</p><p>brasilidade, de um ponto de vista ‘europeu’, [...]” (ALAMBERT, 2015, p. 16).</p><p>17</p><p>Figura 6. Estudo para a sagração de Dom Pedro II (c. 1840), Manuel de</p><p>Araújo Porto-Alegre (1806-1879).</p><p>Fonte: Porto-Alegre (1841, documento on-line).</p><p>Para concluir, abordaremos brevemente alguns artistas associados à Semana</p><p>de Arte Moderna e ao movimento modernista no Brasil. Um exemplo notável é Tarsila</p><p>do Amaral (1886-1973), uma das figuras mais proeminentes do modernismo brasileiro</p><p>na década de 1920 (uma de suas obras famosas está retratada na Figura 7). Embora</p><p>a artista não tenha participado diretamente da "Semana de Arte Moderna" em 1922,</p><p>devido à sua estadia na Europa, mais tarde ela se envolveu ativamente no movimento</p><p>modernista.</p><p>A "Semana de Arte Moderna" ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de</p><p>1922, no Teatro Municipal de São Paulo, como parte das celebrações do Centenário</p><p>da Independência do Brasil. Seus participantes tiveram contato com as vanguardas</p><p>europeias surgidas após a Primeira Guerra Mundial, e as críticas culturais e sociais</p><p>feitas por esses artistas no Velho Continente serviram de inspiração para os artistas</p><p>brasileiros (CAPELATO, 2005).</p><p>Vamos agora discutir alguns dos artistas envolvidos. Na esfera das artes</p><p>visuais, participaram figuras como Anita Malfatti (1889-1964) e Di Cavalcanti (1897-</p><p>1976), entre outros. No campo literário, destacaram-se Mário de Andrade (1893-</p><p>1945), Menotti Del Picchia (1892-1988), Oswald de Andrade (1890-1954), Manuel</p><p>Bandeira (1884-1968) e diversos outros. No âmbito musical, ocorreram apresentações</p><p>noturnas, com ênfase no compositor Villa-Lobos (1887-1959).</p><p>18</p><p>Olhando retrospectivamente, a Semana de Arte Moderna desempenhou um</p><p>papel crítico em relação à produção artística, literária e musical conservadora, mais</p><p>do que propriamente apresentar o "modernismo brasileiro". Este movimento artístico</p><p>se desenvolveu ao longo do tempo a partir dos acontecimentos da Semana.</p><p>Figura 7. Abaporu (1929), Tarsila do Amaral (1886-1973).</p><p>Fonte: Amaral (1929, documento on-line).</p><p>Os modernistas desempenharam um papel crucial ao criticar uma forma</p><p>particular de nacionalismo, ao mesmo tempo em que questionavam uma perspectiva</p><p>colonial das artes plásticas no Brasil. Este movimento também desempenhou um</p><p>papel significativo na reflexão sobre a presença das mulheres no cenário</p><p>das artes</p><p>visuais, bem como nas questões culturais e raciais (BARBOSA, 2020).</p><p>Nesta seção, você teve a oportunidade de explorar um pouco mais sobre</p><p>artistas brasileiros e suas obras ao longo do tempo. Esperamos que você tenha notado</p><p>a diversidade de estilos que refletem as mudanças culturais e históricas no campo das</p><p>artes. Vale ressaltar mais uma vez que esta lista de artistas e obras não é exaustiva,</p><p>pois abordamos apenas alguns exemplos e incentivamos você a aprofundar seu</p><p>conhecimento.</p><p>O objetivo deste capítulo foi oferecer uma visão ampla das artes visuais</p><p>brasileiras, problematizando as concepções de arte desde a produção dos povos</p><p>indígenas até a atualidade (considerando que a produção artística existia antes da</p><p>formação do Brasil). Apresentamos elementos da arte pré-cabralina e traçamos uma</p><p>19</p><p>linha histórica da arte com marcos relevantes na história do Brasil. Por fim, ilustramos</p><p>essa trajetória por meio de artistas visuais e suas obras.</p><p>2 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA?</p><p>No nosso planeta diversificado, todos nós exibimos distinções singulares. Isso</p><p>ocorre porque cada indivíduo ocupa um lugar no mundo, seja no contexto geográfico</p><p>ou social, o que nos possibilita o acesso a elementos culturais específicos que, de</p><p>outra forma, não teríamos acesso. À medida que vivemos, construímos nossa</p><p>identidade dentro da sociedade, reconhecendo-nos como parte integrante da cultura</p><p>ao mesmo tempo em que contribuímos para o enriquecimento dessa mesma cultura.</p><p>Conforme apontado pelo sociólogo Manuel Castells (2008), a identidade</p><p>representa uma fonte de significado e experiências para um povo, nação, etnia ou</p><p>grupo social. Essa identidade é forjada a partir de atributos culturais compartilhados,</p><p>como língua, dança, música, culinária, crenças, valores e outros elementos. Todos</p><p>esses componentes moldam a maneira como um grupo social se define e se</p><p>apresenta ao mundo, podendo, por vezes, compartilhar alguns desses elementos com</p><p>outras sociedades (conforme ilustrado na Figura 1).</p><p>Figura 1. Ilustração de festa junina, uma importante celebração típica da</p><p>cultura brasileira.</p><p>Fonte: Santos (2017).</p><p>20</p><p>Portanto, a identidade refere-se à forma como somos reconhecidos em uma</p><p>cultura específica, destacando as nossas características à luz do nosso</p><p>posicionamento no mundo. Em outras palavras, a maneira como os outros nos</p><p>percebem é moldada pelos elementos culturais que compartilhamos com o mundo, e,</p><p>assim, somos identificados por eles. Contudo, nem sempre temos controle sobre os</p><p>rótulos que nos são atribuídos. Em relação a interesses como time de futebol,</p><p>preferências musicais ou estilo de vestuário, podemos conscientemente tomar</p><p>decisões sobre como gostaríamos de ser vistos. No entanto, em relação a</p><p>características intrínsecas, como altura, cor da pele ou situação social, tal controle é</p><p>mais limitado, e frequentemente não concordamos com os rótulos que nos são</p><p>atribuídos.</p><p>Paralelamente, a identidade pode ser compartilhada com aqueles que</p><p>compartilham modos de vida semelhantes, seja por ocupar posições semelhantes,</p><p>pertencer a um grupo etário semelhante, compartilhar um gênero comum ou vivenciar</p><p>a mesma situação, como uma doença. Essa partilha ocorre por meio dos elementos</p><p>culturais que o indivíduo compartilha, seja de forma consciente ou não, com a</p><p>sociedade à qual pertence. Portanto, a identidade individual se desenvolve em meio</p><p>à identidade coletiva, e vice-versa.</p><p>Para definições mais precisas, podemos afirmar que a identidade individual</p><p>abarca os aspectos culturais pelos quais uma pessoa se reconhece, como suas</p><p>preferências musicais, crenças religiosas, ocupação profissional, entre outros. Esses</p><p>aspectos podem ser autodefinidos ou percebidos por outros como características</p><p>distintivas em relação à sociedade em geral. Como resultado, um grupo de indivíduos</p><p>pode compartilhar uma identidade coletiva quando reconhecem algo em comum,</p><p>como pertencerem ao mesmo estado, compartilharem a mesma língua ou torcerem</p><p>pelo mesmo time.</p><p>De qualquer maneira, é importante destacar que a identidade de uma etnia,</p><p>de um povo ou de um grupo social é sempre relativa, como destacado por Barth</p><p>(1998). O que é construído em uma nação é influenciado por elementos culturais que</p><p>são aceitos ou rejeitados em relação à identificação de outros grupos, podendo evoluir</p><p>ao longo do tempo ou ser percebido de maneira diferente em relação a outros</p><p>indivíduos ou grupos.</p><p>21</p><p>Assim, podemos afirmar que a identidade de uma sociedade se estabelece na</p><p>relação que ela mantém com outros grupos sociais ao seu redor. Dependendo de</p><p>quem está presente, escolhem-se características culturais para enfatizar como essa</p><p>sociedade pode ser localizada, percebida e analisada, como a promoção de um prato</p><p>típico, a preservação de uma culinária específica, a celebração de danças tradicionais,</p><p>a utilização de elementos linguísticos característicos e a adoção de modos de vestir</p><p>próprios, entre outros.</p><p>Assim, os fatores que compõem a identidade podem ser diversos e</p><p>intrincados, sendo o conjunto deles responsável por moldar e distinguir tanto grupos</p><p>quanto indivíduos, como enfatizado por Castells (2008, p. 23):</p><p>A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história,</p><p>geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória</p><p>coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de</p><p>cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos</p><p>indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seu significado em</p><p>função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura</p><p>social, bem como em sua visão tempo/espaço.</p><p>Dessa forma, fica evidente que a identificação através da identidade resulta</p><p>de uma combinação de elementos que, juntos, delimitam os aspectos culturais de</p><p>indivíduos e grupos sociais. Simultaneamente, certos elementos culturais que</p><p>constituem a identidade podem ser suscetíveis a alterações ao longo do tempo, devido</p><p>à dinâmica em questão, como no caso de povos indígenas originários de um local</p><p>específico que mudam de residência devido à escassez de alimentos.</p><p>2.1 Conceituando a ideia de identidade nacional</p><p>Falando de maneira mais específica acerca das nações e da construção da</p><p>identidade nacional, é possível afirmar que o sentimento de pertencimento de um povo</p><p>é moldado a partir das lutas socio-históricas, revelando suas conquistas e os feitos</p><p>notáveis alcançados em competição com outras nações. Esse sentimento de</p><p>identidade nacional une os membros de um mesmo grupo social, perpetuando e</p><p>fortalecendo suas práticas sociais, que os distinguem em relação a outras partes do</p><p>mundo.</p><p>Desse modo, a língua, o território e a história podem consolidar a imagem que</p><p>se tem de uma nação, criando um senso de integração naqueles que ali vivem,</p><p>fazendo com que se sintam como componentes fundamentais de uma sociedade ou</p><p>22</p><p>nação. Como nos lembra Reinheimer (2007, p. 166), “[...] a identidade nacional precisa</p><p>ser observada a partir das situações específicas nas quais ela foi acionada como</p><p>forma de escapar à naturalização e à reificação que o conceito pode acarretar.”. Em</p><p>outras palavras, ao abordar a questão da identidade nacional, é imperativo considerar</p><p>em que contexto ela é evocada e como podemos esclarecer os elementos que</p><p>definem a nação, de maneira que os membros da sociedade em questão se</p><p>identifiquem por meio desses elementos.</p><p>Além disso, é relevante ressaltar que a identidade também pode ser objeto de</p><p>disputa, uma vez que a forma como indivíduos e grupos são percebidos no mundo</p><p>abre portas para diferentes oportunidades e acessos ao que está disponível</p><p>globalmente. Ser reconhecido como uma nação próspera, segura e influente pode</p><p>facilitar relações comerciais com outros países, ao passo que ser caracterizado como</p><p>uma nação problemática e carente pode</p><p>não proporcionar as mesmas vantagens. No</p><p>entanto, dada a natureza dinâmica da identidade, uma nação próspera precisa</p><p>continuar a se esforçar para manter a sua imagem, enquanto uma nação</p><p>desfavorecida buscará transformar a percepção que as outras sociedades têm dela.</p><p>Barth (1998) explora o conceito de "fronteiras étnicas" de um grupo social</p><p>como um meio de entender as dinâmicas do grupo que estão em constante interação</p><p>com outros grupos. Essa interação é crucial para a definição da identidade do grupo,</p><p>já que através desse contato eles destacam as diferenças que caracterizam e</p><p>ressaltam a especificidade compartilhada entre seus membros. Essas características</p><p>atuam como rótulos que identificam os indivíduos ou o grupo social.</p><p>Além das considerações econômicas, há uma série de sentimentos que levam</p><p>os membros desse grupo a se identificarem com seu país, promovendo a integração</p><p>nacional e o reconhecimento do território pela nação. Dessa forma, a união das partes</p><p>territoriais integradas fortalece a consciência de unidade entre seus habitantes. Essa</p><p>coexistência no mesmo território revela a nação, conforme descrito por Moreno (2014,</p><p>p. 18), a nação seria:</p><p>[...] uma “comunidade imaginada” – como o são todas as sociedades,</p><p>necessariamente, uma estrutura social e um artifício de imaginação</p><p>(Balakrishnan, 2000, p. 216) – e alicerçada sobre as transformações geradas</p><p>por novas relações sociais de produção que despontam com a modernidade.</p><p>Nesse contexto, a compreensão da nação não se apresenta como algo</p><p>uniforme e definitivo, mas sim como um processo permeado por conquistas, conflitos</p><p>23</p><p>e desafios que o próprio povo experimentou ao longo de sua história, visando a</p><p>formação de uma identidade coletiva. Isso não implica que todos os indivíduos</p><p>compartilhem uma única identidade, mas sim que eles se unem em torno de</p><p>elementos como seu patrimônio cultural, hábitos de vida e território, mesmo que</p><p>apresentem diferenças notáveis em termos de gênero, raça e classe.</p><p>Assim, observamos que um povo realça suas semelhanças quando se trata</p><p>de lutar pelo bem comum, embora seus membros possam ocupar posições sociais</p><p>diversas e exibir distinções evidentes.</p><p>É crucial considerar como o discurso sobre a nação e a construção da</p><p>identidade nacional são moldados pelo que é compartilhado entre os indivíduos. Essa</p><p>narrativa pode ser influenciada, modificada ou mesmo distorcida com base nas</p><p>experiências vividas em conjunto. Portanto, ao refletir sobre a identidade nacional, é</p><p>essencial examinar, como ressaltado por Moreno (2014, p. 27-28):</p><p>Na atualidade, há, portanto, que se considerar uma longa trajetória de</p><p>discursos de identidade nacional, veiculados no decorrer do tempo, que</p><p>funcionam como uma história incorporada a qual não se pode desprezar. [...]</p><p>A eficácia discursiva, simbólica e política de novas representações</p><p>identitárias dependerá do diálogo estabelecido com elementos de</p><p>permanência de longo prazo, dentro das condições e limites dados por</p><p>conjunturas específicas.</p><p>2.2 Refletindo sobre a identidade brasileira</p><p>No Brasil, a identidade nacional é acompanhada por um sentimento</p><p>compartilhado entre os aproximadamente 200 milhões de habitantes distribuídos</p><p>pelos 25 estados e o Distrito Federal. Apesar das particularidades regionais, esses</p><p>cidadãos compartilham a mesma língua, uma história comum e diversos aspectos</p><p>culturais, que serão delineados adiante.</p><p>A identidade brasileira é partilhada por todos aqueles que residem no Brasil,</p><p>possuem laços culturais com o país, bem como por aqueles que, nascidos no Brasil,</p><p>emigraram para outras partes do mundo e ainda se reconhecem como brasileiros, ou</p><p>mesmo por estrangeiros que escolheram viver no país e assimilaram a identidade</p><p>nacional por meio da aculturação.</p><p>O território brasileiro foi colonizado pelos portugueses a partir de 1500, em</p><p>meio a confrontos territoriais com povos indígenas e outras nações que tentaram</p><p>estabelecer-se na região, como Espanha, Holanda e França. Devido à superioridade</p><p>24</p><p>em armamentos dos portugueses e à sua organização política e econômica, houve a</p><p>escravização dos povos indígenas e o tráfico de escravos africanos para o Brasil.</p><p>Consequentemente, a formação do povo brasileiro é resultado da mistura dessas três</p><p>origens: indígena, europeia e africana.</p><p>Em meio a essas disputas e conquistas, cada grupo que se estabeleceu no</p><p>Brasil contribuiu para a formação do que hoje é reconhecido como o povo brasileiro,</p><p>enriquecendo a cultura com diversos elementos que definem nossa identidade. Seja</p><p>na língua que falamos, na comida que apreciamos, no modo como nos vestimos, nas</p><p>religiões que seguimos, na música que ouvimos ou nos esportes que praticamos,</p><p>compartilhamos e compartilhamos elementos culturais comuns.</p><p>Embora existam inúmeras maneiras de definir o que torna alguém brasileiro,</p><p>alguns aspectos fundamentais foram elucidadados por Roberto Da Matta (1986, p. 14)</p><p>em um de seus primeiros textos sobre o tema:</p><p>Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer</p><p>feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros</p><p>países, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de</p><p>ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro</p><p>e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo</p><p>música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque</p><p>futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos;</p><p>porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e</p><p>tomar sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no carnaval trago</p><p>à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais</p><p>um “não” diante de situações formais e que todas admitem um “jeitinho” pela</p><p>relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente</p><p>“em cima do muro” é algo honesto, necessário e prático no caso do meu</p><p>sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos;</p><p>porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução</p><p>e no futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a</p><p>minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não</p><p>me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos</p><p>americanos, que sempre se veem e existem como indivíduos!</p><p>Portanto, é fundamental salientar que não é necessário abraçar todos os</p><p>elementos da cultura nacional para nos considerarmos parte da identidade brasileira.</p><p>Não ser fã de carnaval ou futebol, por exemplo, não nos exclui desse sentimento</p><p>nacional. Ao compartilharmos nossa história, nossa língua e certos aspectos culturais,</p><p>contribuímos para um vínculo de identidade brasileira, que engloba um discurso</p><p>específico e uma sensação comum, tornando-nos parte integrante dessa identidade.</p><p>A promoção e a valorização dessa identidade estabelecem um senso de</p><p>integração nacional, que os membros da sociedade defendem e protegem. Na</p><p>25</p><p>educação, somos encorajados a entoar o hino nacional e a demonstrar respeito pela</p><p>bandeira que simboliza o país. Assim, de maneira consciente e até mesmo</p><p>inconsciente, aderimos e nutrimos um profundo amor pela nossa pátria.</p><p>A identidade individual se entrelaça com a identidade nacional, de modo que,</p><p>ao desenvolvermos a nossa própria identidade, também contribuímos para a</p><p>construção dessa identidade coletiva. Dessa forma, quando viajamos para outros</p><p>países, levamos conosco a nossa identidade nacional, e mesmo que não sejamos</p><p>idênticos a todos os brasileiros, reconhecemos elementos culturais compartilhados</p><p>com aqueles que têm raízes em qualquer parte do Brasil.</p><p>3 DIVERSIDADE CULTURAL</p><p>A diversidade cultural é amplamente reconhecida como um traço distintivo da</p><p>sociedade brasileira. Desde tempos remotos até os dias de hoje, pesquisadores se</p><p>deparam com uma questão recorrente: é viável buscar</p><p>igualdade em uma sociedade</p><p>onde as pessoas exibem tão notáveis diferenças? A definição de diversidade está</p><p>intrinsecamente ligada aos conceitos de pluralidade e heterogeneidade. Em resumo,</p><p>a diversidade refere-se à abundância de elementos diversos.</p><p>A diversidade tem suas raízes na colonização do Brasil, quando os</p><p>portugueses chegaram, interagindo com as populações indígenas e africanas que já</p><p>habitavam a terra brasileira. Conforme Holanda (1995, p. 43) destaca, os portugueses</p><p>desempenharam um papel pioneiro na missão de colonizar o Brasil, sendo os “[...]</p><p>portadores naturais dessa missão”. Os portugueses que aqui vieram tentaram impor</p><p>aos habitantes desta terra seus costumes, sua religião e suas tradições. No entanto,</p><p>o autor aponta ainda que “pouca coisa se conservou entre nós que não tivesse sido</p><p>modificada ou relaxada pelas condições adversas do meio”. Contudo, manteve-se “[...]</p><p>a obrigação de irem os ofícios embandeirados, com suas insígnias, às procissões</p><p>reais, o que se explica simplesmente pelo gosto do aparato e dos espetáculos</p><p>coloridos, tão peculiar à sociedade colonial” (HOLANDA, 1995, p. 43).</p><p>É relevante notar que não apenas os portugueses, mas também os</p><p>holandeses e outros grupos étnicos deixaram sua marca no Brasil, contribuindo com</p><p>elementos que compõem a rica tapeçaria cultural do país. Além disso, é importante</p><p>reconhecer que as particularidades de cada grupo étnico, suas religiões, festividades</p><p>e costumes, continuaram a existir de maneira distinta. Assim, essa fusão de raças,</p><p>26</p><p>etnias, valores e tradições deu origem à diversidade cultural da sociedade brasileira,</p><p>uma diversidade que apenas se aprofundou ao longo do tempo.</p><p>Agora que você adquiriu uma compreensão mais sólida da ideia de</p><p>desigualdade, leve em consideração a noção de cultura. No artigo 1 da Declaração</p><p>Universal da Diversidade Cultural, datada de 2001, é destacado que a cultura “[...]</p><p>adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta</p><p>na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as</p><p>sociedades que compõem a humanidade” (UNESCO, 2002, p. 2). Essa Declaração</p><p>recebeu a aprovação de 185 Estados-membros e representa o primeiro esforço em</p><p>direção à promoção da diversidade cultural entre as nações e o fomento da</p><p>comunicação entre elas. A criação deste documento foi motivada principalmente pela</p><p>necessidade de preservar as riquezas culturais, mesmo diante do contexto da</p><p>globalização, a qual, devido às suas características, tende a afastar as culturas</p><p>enquanto aproxima exageradamente as pessoas.</p><p>De acordo com Alves (2010), o aumento dos mercados globais gerou a</p><p>impressão generalizada de que o mundo estava passando por um processo de</p><p>uniformização cultural. Nessa perspectiva, surgiram apelos em prol da preservação</p><p>da diversidade e das identidades locais, as quais são caracterizadas por uma ampla</p><p>gama de línguas, crenças, costumes e tradições. Conforme observa o autor, na</p><p>América Latina, o temor de uma homogeneização cultural levou profissionais e</p><p>movimentos sociais a se unirem para pressionar os governos locais a fim de proteger</p><p>e fomentar as identidades regionais.</p><p>Ortiz (1999, p. 83) observa que “[...] afirmar o sentido histórico da diversidade</p><p>cultural é submergi-la na materialidade dos interesses e conflitos sociais (capitalismo,</p><p>socialismo, colonialismo, globalização). A diversidade cultural se manifesta em</p><p>situações concretas”.</p><p>Dessa forma, podemos entender a diversidade cultural como os diversos</p><p>elementos que constituem uma cultura, incluindo tradições, costumes, idiomas,</p><p>estruturas familiares, sistemas políticos, religiões, culinária e outras características</p><p>distintivas de um grupo em um determinado período. Contudo, conforme Ortiz (1999,</p><p>p. 82) salienta, é essencial transcender as diferenças:</p><p>[...] a diversidade cultural não pode ser vista apenas como uma diferença, isto</p><p>é, algo que se define em relação a, que remete a alguma outra coisa. Toda</p><p>“diferença” é produzida socialmente, ela é portadora de sentido simbólico e</p><p>27</p><p>de sentido histórico. Uma análise tipo hermenêutica que considere</p><p>unicamente o sentido corre o risco de isolar-se num relativismo pouco</p><p>consequente.</p><p>Ortiz (1999) também observa que, em certas situações, a diversidade pode</p><p>mascarar relações de poder. É crucial estar ciente dos momentos em que ela</p><p>dissimula questões, como a desigualdade. Para o autor, “[...] se as diferenças são</p><p>produzidas socialmente isso significa que à revelia de seus sentidos simbólicos elas</p><p>serão marcadas pelos interesses e pelos conflitos definidos fora do âmbito do seu</p><p>círculo interno” (ORTIZ, 1999, p. 85). Nesse contexto, Ortiz (1999) acrescenta que a</p><p>diversidade cultural é simultaneamente desigual e distinta, uma vez que está</p><p>permeada por relações de poder e legitimidade, como a distinção entre países mais</p><p>poderosos e menos poderosos, governos nacionais e internacionais, e assim por</p><p>diante. Portanto, falar de "unidade na diversidade" nem sempre é viável,</p><p>especialmente quando se tratam de questões para as quais ainda não existem</p><p>respostas claras. A expressão "diversidade cultural" visa compreender as variações</p><p>entre as diversas culturas existentes, que são componentes da chamada "identidade</p><p>cultural" (ORTIZ, 1999).</p><p>Nesse sentido, o Brasil se destaca por sua notável riqueza nesse aspecto.</p><p>Desde suas origens, o país tem sido marcado pela diversidade em diversas</p><p>dimensões. Cada civilização que aqui chegou contribuiu com sua cultura, modos de</p><p>vida, organização social e perspectivas do mundo, contribuindo para a</p><p>heterogeneidade observada na atualidade. No entanto, Ortiz (1999) ressalta que a</p><p>diversidade cultural no mundo antes do século XV era ainda mais ampla do que a que</p><p>existe atualmente, uma vez que muitas culturas, línguas, economias e costumes</p><p>desapareceram com a expansão do colonialismo, do imperialismo e da</p><p>industrialização.</p><p>Além disso, não podemos ignorar a diversidade cultural notável que existe</p><p>entre as diferentes regiões do Brasil. O Norte, Nordeste, Sul, sudeste e Centro-Oeste</p><p>apresentam características distintas que incluem valores, tradições, idiomas,</p><p>diferenças climáticas e níveis de desenvolvimento.</p><p>Machado (2011, p. 149) argumenta que a diversidade deve ser vista “[...] como</p><p>um fenômeno dinâmico e multidimensional. O que deve ser preservado, portanto, não</p><p>é um dado estado dessa diversidade, mas a possibilidade de direito a ela”. O autor</p><p>também salienta que a diversidade pode servir como uma fonte de criatividade e uma</p><p>28</p><p>base para mudanças necessárias. Além disso, observa que não se deve comprometer</p><p>os direitos humanos em nome do respeito à diversidade. O autor exemplifica que é</p><p>inadequado “[...] violar direitos das mulheres sob o pretexto de convicções religiosas</p><p>ou práticas enraizadas culturalmente” (MACHADO, 2011, p. 149).</p><p>Todas essas observações convergem para uma concepção equilibrada de</p><p>diversidade, que a caracteriza como algo benéfico, desde que as atitudes promovam</p><p>o desenvolvimento de competências e habilidades que estejam abertas às diferenças</p><p>(MACHADO, 2011). Segundo o autor, o enfoque não deve ser apenas reconhecer as</p><p>pessoas em função de suas diferenças, mas sim valorizar a troca, o reconhecimento,</p><p>a curiosidade e o interesse em conhecer o próximo.</p><p>3.1 Cultura, monocultura, policultura e multiculturalismo no Brasil</p><p>A cultura assume uma posição de grande importância na contemporaneidade,</p><p>embora não se possa ignorar sua relevância em épocas históricas anteriores. Dentre</p><p>suas diversas definições, a cultura pode ser compreendida como um conhecimento</p><p>abrangente que abarca a arte, a moral, as crenças, os costumes e as leis que a</p><p>humanidade adquiriu ao longo do tempo. Conforme observado por Miguez (2011, p.</p><p>18):</p><p>Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a</p><p>constituição da sociedade moderna,</p><p>tendo em conta o papel que a cultura</p><p>desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu,</p><p>como uma de suas mais importantes características, a emergência de um</p><p>campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos,</p><p>como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou</p><p>seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a exemplo</p><p>dos campos político e econômico.</p><p>O autor reforça esta análise ao afirmar que a cultura se expandiu para outros</p><p>domínios da vida em sociedade, não significando o fim da cultura como uma área</p><p>específica, mas sim a sua definição como uma área transversal que abrange muitos</p><p>outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser um domínio</p><p>exclusivo das ciências como sociologia e antropologia e passou a ser incorporada em</p><p>pesquisas de várias áreas do conhecimento. Ele também destaca que a cultura</p><p>passou a ser utilizada como um recurso no desenvolvimento de programas</p><p>assistenciais que visam à inclusão social, transferência de renda, geração de</p><p>empregos, entre outros.</p><p>29</p><p>Isso sugere que o termo "cultura" pode ter várias definições, sendo a mais</p><p>comum aquela associada à antropologia e à sociologia, envolvendo conhecimentos,</p><p>crenças, costumes e hábitos adquiridos ao longo do tempo. No entanto, o significado</p><p>do termo pode variar de acordo com a área de interesse. Assim, palavras como</p><p>"monocultura," "policultura," e "multiculturalismo" também adquirem significados</p><p>diferentes dependendo do contexto em que são usadas.</p><p>Por exemplo, o termo "monocultura" está relacionado à produção de um único</p><p>tipo de produto. Em um contexto das ciências sociais, não podemos afirmar que o</p><p>Brasil seja uma monocultura, dado sua rica diversidade cultural, com uma ampla</p><p>variedade de costumes, hábitos e crenças. Em contraste, países como o Japão e a</p><p>China adotam o monoculturalismo para preservar sua cultura, excluindo influências</p><p>externas, uma estratégia mais viável em sociedades mais homogêneas e</p><p>nacionalistas, o que não é o caso do Brasil.</p><p>"Policultura," por outro lado, refere-se ao cultivo de diversos tipos de produtos</p><p>em um mesmo terreno, uma técnica amplamente utilizada por povos indígenas e</p><p>quilombolas para diversificar sua produção. Enquanto isso, o "multiculturalismo"</p><p>representa a coexistência de várias culturas em uma região ou país, com uma cultura</p><p>predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália adotam o multiculturalismo,</p><p>mas críticos argumentam que isso pode levar à desvalorização e indiferença em</p><p>relação àqueles que não compartilham a mesma cultura, o que pode ocorrer em</p><p>países que adotam esse sistema devido à percepção da diversidade cultural como</p><p>uma ameaça à identidade nacional.</p><p>De acordo com Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo simboliza a</p><p>“[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas</p><p>diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a movimentos</p><p>emancipatórios e à defesa das diferenças. Taylor (1997) argumenta que as</p><p>sociedades estão se tornando progressivamente mais multiculturais e permeáveis, o</p><p>que levanta preocupações sobre a prevalência de uma cultura sobre as demais. A</p><p>discussão sobre multiculturalismo e a hegemonia cultural também nos leva a</p><p>considerar o papel do Estado nessa questão. Além disso, é crucial enfatizar que o</p><p>multiculturalismo demanda tolerância, incluindo a aceitação das diferenças e a</p><p>compreensão empática e respeitosa do outro. A falta dessa tolerância pode resultar</p><p>em conflitos, desentendimentos e violência. O Estado desempenha um papel</p><p>30</p><p>fundamental ao garantir que as leis sejam efetivamente aplicadas e ao implementar</p><p>medidas para prevenir situações decorrentes das desigualdades presentes na</p><p>sociedade.</p><p>Na seção anterior, abordamos os conceitos de cultura, monocultura,</p><p>policultura e multiculturalismo. Cada conceito tem suas particularidades, mas, de</p><p>maneira geral, a ênfase deve recair sobre o reconhecimento das diferenças. Dessa</p><p>forma, grupos considerados minoritários podem reivindicar seu valor e lutar por sua</p><p>representatividade, promovendo a construção de suas identidades.</p><p>Nesse contexto, o multiculturalismo deveria prevalecer sobre o</p><p>monoculturalismo, uma vez que todas as culturas, cada uma com suas</p><p>especificidades, merecem reconhecimento com base em suas diferenças. Isso implica</p><p>que nenhuma cultura deve impor seus princípios, valores e crenças às demais, a fim</p><p>de evitar opressão ou extinção. Quanto ao papel do Estado, ele deve reconhecer a</p><p>diversidade cultural e tratá-la com base nos princípios dos direitos humanos,</p><p>dignidade individual e respeito pelas diferenças.</p><p>3.2 O alargamento das desigualdades sociais no Brasil</p><p>Conforme observamos, o Brasil é caracterizado por sua vasta diversidade</p><p>cultural, e o mesmo se aplica às disparidades sociais. Existe uma conexão entre esses</p><p>dois aspectos, como enfatizado por Machado (2011, p. 147):</p><p>No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade</p><p>cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande</p><p>parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade produz</p><p>uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens imateriais seria</p><p>perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as populações</p><p>tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do acesso ao</p><p>mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra indagação</p><p>permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de</p><p>reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor</p><p>unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo</p><p>colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que</p><p>serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço público</p><p>da cidadania? A defesa intransigente da diversidade cultural não estaria</p><p>levando mais à separação do que à aproximação entre as pessoas?</p><p>É fundamental considerar que a maioria das sociedades enfrenta</p><p>desigualdades que se manifestam em várias formas, como poder, renda, prestígio e</p><p>outras. Além disso, as origens dessas desigualdades são variadas, e suas</p><p>manifestações são diversas. É importante compreender que as desigualdades sociais</p><p>31</p><p>são construções sociais, não meros fatos naturais; elas dependem em grande parte</p><p>de escolhas políticas feitas ao longo do tempo (SCALON, 2011). A autora ressalta que</p><p>o Brasil é um exemplo de país onde as desigualdades históricas persistem, mesmo</p><p>em meio a um desenvolvimento acelerado, com destaque para a grande discrepância</p><p>de renda entre a população.</p><p>Atualmente, há diversos exemplos que ilustram a desigualdade social na</p><p>sociedade brasileira. Por exemplo, a questão da habitação, com muitas pessoas</p><p>vivendo em condições precárias, em áreas que incluem favelas; e a carência de</p><p>saneamento básico, que afeta muitas regiões do país e coloca em risco a saúde dos</p><p>moradores. Além disso, as desigualdades sociais também se manifestam na</p><p>inadequação da alimentação (enquanto alguns desperdiçam alimentos, outros mal</p><p>têm o que comer), na educação e saúde precárias, e nas dificuldades de acesso a</p><p>outros serviços públicos essenciais.</p><p>Essas desigualdades sociais se agravaram ao longo do tempo. Para entender</p><p>esse processo, é necessário considerar o período da colonização, marcado pelas</p><p>tentativas dos colonizadores portugueses de escravizar índios e negros ou de fazê-</p><p>los assimilar os costumes europeus em detrimento de suas próprias tradições. Em um</p><p>momento, por volta de 1700, houve tentativas de homogeneizar a população por meio</p><p>de casamentos entre índios e portugueses, promovendo a valorização dos filhos</p><p>nascidos dessas uniões. A relação entre portugueses e indígenas é apenas um</p><p>exemplo de como a desigualdade, em sua relação com a diversidade, afetou a vida</p><p>das pessoas.</p><p>À primeira vista, pode parecer que o contato entre diferentes grupos, as</p><p>tentativas de homogeneização e outros fatores enriqueceram a diversidade cultural</p><p>do Brasil, especialmente no que se refere a práticas, costumes e valores. No entanto,</p><p>é crucial lembrar que a escravidão imposta a negros e índios teve consequências</p><p>significativas para a estrutura social, ampliando as divisões de classes e afastando os</p><p>negros (frequentemente pobres e marginalizados) do acesso a bens e serviços,</p><p>resultando em preconceito e discriminação que persistem até hoje. Além disso, a</p><p>sociedade capitalista acentuou as desigualdades, com o domínio dos interesses</p><p>ligados ao capital e ao lucro, diminuindo o acesso da classe trabalhadora aos bens e</p><p>serviços produzidos e colocando-a em desvantagem.</p><p>32</p><p>Ao refletir sobre a questão das desigualdades e diversidades, é importante</p><p>observar que a diferença entre as pessoas desempenha um papel fundamental na</p><p>geração de desigualdades (SCOTT; LEWIS; QUADROS, 2009). Anteriormente, a</p><p>diversidade era vista apenas como uma pluralidade de culturas humanas, mas hoje</p><p>tem implicações políticas. Essas implicações são visíveis nas relações entre grupos</p><p>que enfrentam desigualdades evidentes, especialmente em termos de poder e</p><p>resistência.</p><p>Silva, Guimarães e Moretti (2017) indicam que as desigualdades resultantes</p><p>da diversidade muitas vezes levam a atitudes discriminatórias, frequentemente de</p><p>maneira sutil e disfarçada, frequentemente sob a justificativa do tratamento igualitário.</p><p>De acordo com os autores, quando determinadas características são identificadas e</p><p>as pessoas ou grupos são rotulados, isso pode dar origem a comportamentos</p><p>segregadores. Em situações em que as pessoas ou grupos já estão em desvantagem</p><p>social, é comum que elas também internalizem essa inferioridade e se vejam em uma</p><p>posição subalterna, em vez de reagir à desigualdade.</p><p>Hobsbawm (2007, p. 11), em contrapartida, concebe a desigualdade como</p><p>uma consequência do mundo globalizado:</p><p>A globalização, acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga,</p><p>trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e</p><p>sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa</p><p>polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma</p><p>diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade,</p><p>especialmente em condições de extrema instabilidade econômica, como as</p><p>que se criaram com os mercados livres globais desde a década de 1990, está</p><p>na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século. O</p><p>impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se beneficiam</p><p>dela.</p><p>Como destacado ao longo deste módulo, a globalização também contribui para</p><p>o aumento das desigualdades sociais. Além disso, no Brasil, um país de proporções</p><p>tão vastas quanto suas disparidades e contradições, a interligação entre diversidade</p><p>e desigualdades sociais é evidente. Com o passar do tempo, essas desigualdades e</p><p>diversidades têm se acentuado. Na atualidade, romper com esse ciclo não é uma</p><p>tarefa trivial e requer motivação individual, tolerância, conhecimento e, além disso, a</p><p>colaboração do Estado para enfrentar essas questões.</p><p>33</p><p>4 CULTURA E IDENTIDADE CULTURAL</p><p>Você já está ciente de que o ser humano é, por sua natureza, um ser social e</p><p>um produto da cultura. Mas o que exatamente isso significa?</p><p>Por um longo período, a noção de cultura e identidade estava estreitamente</p><p>ligada a uma perspectiva nacionalista - cultura brasileira, identidade brasileira, povo</p><p>brasileiro e, consequentemente, uma literatura popular brasileira. Essa abordagem até</p><p>inspirou um senso de patriotismo (a valorização e exaltação do que é nacional). Ela</p><p>também destacou a importância de explorar com mais profundidade o que pertence</p><p>ao país, em vez de imitar modelos estrangeiros. No entanto, essa abordagem também</p><p>apresenta alguns riscos, especialmente o perigo de simplificar ou uniformizar</p><p>conceitos como cultura, identidade e até nação. Além disso, pode levar a negligenciar</p><p>práticas que não se encaixam em uma definição estrita de cultura ou povo.</p><p>Desde o início do século XIX, quando essa perspectiva nacionalista ganhou</p><p>força, até os dias atuais, esses conceitos se expandiram consideravelmente. Quando</p><p>abordamos o assunto nos dias de hoje, é essencial considerar uma série de questões,</p><p>como a diversidade cultural e a importância de permitir espaço para todas as formas</p><p>de expressão cultural, sem que alguém ou alguma instituição imponha limitações ou</p><p>padrões a isso.</p><p>No que diz respeito à literatura, sabemos que ela é influenciada pelo ambiente</p><p>em que é criada - mesmo que um autor elabore uma história ambientada em uma</p><p>época diferente da sua ou até mesmo em outro planeta, ainda assim, aspectos de seu</p><p>contexto cultural serão evidentes.</p><p>No caso da literatura popular, esse processo ocorre de forma mais particular.</p><p>A literatura, assim como a música, a pintura, a escultura, a dança, as festas e outras</p><p>formas de expressão populares, são produzidas e divulgadas com base em um vínculo</p><p>cultural e identitário muito significativo.</p><p>Inicialmente, essas manifestações artísticas estavam ligadas a rituais e</p><p>crenças compartilhados por grupos específicos. Com o tempo, elas se transformaram</p><p>e se expandiram, tornando-se produtos estéticos com fins de entretenimento. No</p><p>entanto, ainda mantêm traços dessas práticas originais.</p><p>34</p><p>Figura 1. Festa de São João.</p><p>Fonte: Bricolage/Shutterstock.com</p><p>A cultura popular mantém uma estreita ligação com os estilos de vida, crenças</p><p>e valores. Isso se evidencia nos contos, nos folhetos de cordel, na música e nas festas.</p><p>Por exemplo, nas festas juninas, podemos observar a celebração da vida do homem</p><p>sertanejo e suas atividades cotidianas, repletas de simbolismo e significado.</p><p>Essa cultura popular está intrinsecamente relacionada às práticas de trabalho</p><p>e à vida simples, a um tempo em que as relações eram baseadas na presença física</p><p>e na comunicação direta. Os códigos de comportamento e ensinamentos eram</p><p>transmitidos oralmente e tinham um peso semelhante ao da lei.</p><p>Em certo sentido, há um aspecto conservador nesse processo. Como práticas</p><p>consideradas sagradas, tendem a ser preservadas em grande medida em suas formas</p><p>originais, daí a persistência de vestígios de rituais. No entanto, isso não impede que</p><p>essas manifestações culturais evoluam e se adaptem às mudanças naturais do</p><p>mundo. É por isso que a cultura popular é complexa, rica em significado e continua a</p><p>ter relevância nos dias de hoje.</p><p>Além disso, como estão enraizadas em um contexto cultural, não há motivo</p><p>para temer que desapareçam diante de novos hábitos e tecnologias. Elas se adaptam,</p><p>mesmo que esse processo ocorra de forma gradual. Se essas práticas culturais</p><p>deixarem de ser significativas, naturalmente desaparecerão ou serão substituídas.</p><p>Para analisar os produtos culturais dessa tradição, como a literatura popular,</p><p>é essencial reconhecer as marcas do passado e os estilos de vida em evolução. Além</p><p>35</p><p>disso, é importante compreender que qualquer produção literária popular reflete os</p><p>interesses e valores do grupo que a cria, atendendo às expectativas desse público.</p><p>A aceitação, o reconhecimento e a preservação dessas produções literárias</p><p>ocorrem por meio de um processo de identificação cultural, fortalecendo as</p><p>características de uma comunidade e suprindo a necessidade de pertencimento e</p><p>vínculo, que são fundamentais em nossas interações sociais.</p><p>4.1 Diversidade cultural</p><p>O conceito de diversidade cultural é relativamente recente, assim como as leis</p><p>que foram recentemente estabelecidas para promovê-la e valorizá-la. Como resultado,</p><p>a cultura popular e suas manifestações agora contam com apoio e incentivo, tornando-</p><p>se meios para que alcancem um público mais amplo e sejam reconhecidas como</p><p>componentes essenciais de nossa identidade cultural.</p><p>Isso é significativo porque, por muito tempo, a cultura "estrangeira"</p>

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