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Paulo Freire em seu devido lugar

Por que Paulo Freire incomoda? A quem? O que esses discursos revelam?
Levamos os questionamentos a alguns especialistas, com o intuito de resgatar parte da história e da contribuição do educador pernambucano, declarado patrono da educação brasileira em 2012, pela Lei Nº 12.612.
O lugar de Paulo Freire
Para o professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, é preciso rigor para falar de Paulo Freire. Ele relembra as incontáveis publicações e referências ao educador, algumas disponíveis na internet, e completa: “ele tem um lugar no mundo garantido pelo reconhecimento do seu trabalho, com contribuições na educação, nas artes, nas ciências e até na engenharia”.
Por isso, avaliá-lo somente como educador não basta, opina o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Miguel Arroyo. “A radicalidade dele tem que ser entendida dentro de nossa história”, garante. Daí a necessidade de se reivindicar o lugar de Paulo Freire. “Sobretudo por parte dos educadores populares que assumem, para além de suas ideias, as concepções de mundo que estão por trás delas”, reflete Gadotti.
Uma pedagogia concreta
O rechaço a Paulo Freire não é novidade e tampouco recente. Tem início já nos fins dos anos 50 e começo da década de 60, momento em que o educador idealiza a educação popular e realiza as primeiras iniciativas de conscientização política do povo, em nome da emancipação social, cultural e política das classes sociais excluídas e oprimidas.
Sua metodologia dialógica foi considerada perigosamente subversiva pelo regime militar, o que rendeu a Freire o exílio. O educador, entretanto, não deixou de produzir e nesse período escreveu algumas de suas principais obras, dentre elas, a Pedagogia do Oprimido.
Arroyo entende que as manifestações atuais contra o educador só mostram que os setores conservadores continuam tão reacionários quanto na época da ditadura. “E isso surge em um momento em que o partido político que está no poder foi eleito, majoritariamente, pelo cidadão pobre, negro, nordestino. A rejeição a Freire, a meu ver, revela uma questão premente de nossa história de reconhecer ou não o povo como sujeito de direitos”, garante, ponto sobre o qual o educador se apoia para chamar a pedagogia freiriana de “pedagogia dos oprimidos concretos”.
“O que caracteriza a nossa história é não reconhecer os indígenas, os negros, os pobres, os camponeses, os quilombolas, os ribeirinhos e os favelados como sujeitos humanos”, condena o educador. Em sua análise, essa crença serviu, ao longo da história, como justificativa ideológica para que as classes dominantes escravizassem e espoliassem esses setores sociais.
“Tudo isso a partir de uma visão de que somos o símbolo da cultura, civilidade, e os outros a expressão da sub-humanidade, subcultura, imoralidade. É isso que nos acompanha ao longo da vida, e Paulo Freire se contrapôs a isso, inverteu esse olhar”, analisa Arroyo.
O que ele considera “como um dos pontos mais radicais e politicamente avançados de Freire” foi a valorização da cultura, das memórias, dos valores, saberes, racionalidade e matrizes culturais e intelectuais do povo, contrapondo-se à lógica de que era necessária a inferiorização de uns para garantir a dominação de outros. Na educação, sobretudo, essa radicalidade implica enfrentamentos.
“Existe a ideia de que nós, cultos, racionais, conscientes, vamos fazer o favor de, através da educação, conscientizar o povo; para Freire não se tratava de conscientizá-los, moralizá-los, mas de reconhecê-los como sujeitos de uma outra pedagogia, capaz de dialogar com essas culturas, identidades e histórias”, esclarece Arroyo.
Paulo Freire em outros contextos
Essa centralidade nos sujeitos, própria da concepção freiriana, também apoiou a organização de trabalhadores. Na cidade de São Paulo, quando à frente da Secretaria Municipal de Educação, na gestão de Luiza Erundina, Paulo Freire aprovou o Estatuto do Magistério, importante não só aos docentes como a todos os profissionais da educação, como avalia a atual chefe de gabinete da deputada estadual Luiza Erundina, Muna Zeyn, que trabalhou com o educador na gestão paulistana. “Para ele, todos estavam em processo de educação, do bedel à faxineira, passando pelo professor”.
Ele influencia também na construção de organizações e movimentos de massa, trazendo conscientização vital para a organização deles, sobretudo em relação à educação. Os indivíduos começaram a se perguntar qual educação queriam. Sabiam que não era aquela que desconhecia o contexto das crianças e as estigmatizava como filhas de ladrões, criminalizando lutas.
Nas escolas, há uma necessidade de que o conhecimento escolar se articule com a realidade e que a educação se estabeleça como elemento de transformação, “libertadora, contra-hegemônica e emancipadora”. Nos acampamentos, onde muitas vezes não há escolas próximas, o movimento busca a auto-organização, pois a educação formal entra em contradição com os processos de luta, quase sempre porque a escola não entende a realidade em que as crianças vivem.
Pela integralidade dos indivíduos
Há quem ataque a pedagogia freiriana, tratando-a como doutrinária. Gadotti explica que a grande questão é entender que Freire reconhecia a educação como ato político, de cultura.
“A primeira aula de alfabetização em Angicos (Rio Grande do Norte) foi sobre cultura”, relembra o educador. “A educação, a formação e até a alfabetização inicial precisam passar pela cultura, pelo reconhecimento do sujeito que conhece, que faz sua leitura do mundo. E é por ser cultural que a educação é política, não no sentido partidário, mas de decidir a vida na pólis (cidade), discutir a vida, o mundo que queremos”.
Ainda de acordo com Gadotti, a educação deve ser vista como um dos elementos de uma cidade educadora, que prevê a educação integral, e não deve se referir só ao conhecimento e ao saber simbólico, mas também ao sensível, ao técnico.
“A integralidade do saber é o tecido técnico, simbólico, político, cultural e implica também a politicidade do ato educativo. Ninguém nega que a educação supõe valores, princípios, ética. É isso que falta discutirmos na educação brasileira hoje”, constata Gadotti.

Disponível em . Acesso em 24 ago. 2025 (com adaptações).

Com base na leitura e considerando a construção de uma prática pedagógica que promova os princípios educacionais propostos por Paulo Freire, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.
I. A valorização da cultura, das memórias, dos valores, dos saberes, da racionalidade e das matrizes culturais e intelectuais do povo acaba escamoteando a lógica de que é necessário haver inferiorização de uns para garantir a dominação de outros.

PORQUE

II. A educação deve estar articulada com a realidade e estabelecer-se como elemento de transformação, libertador, contra-hegemônico e emancipador.

Assinale a alternativa correta.

a.
As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

b.
As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

c.
A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.

d.
A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.

e.
As asserções I e II são falsas.
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Michelly Araujo

há 2 meses

Respostas

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há 2 meses

Vamos analisar as asserções: I. A valorização da cultura, das memórias, dos valores, dos saberes, da racionalidade e das matrizes culturais e intelectuais do povo acaba escamoteando a lógica de que é necessário haver inferiorização de uns para garantir a dominação de outros. Essa afirmação é verdadeira, pois a valorização da cultura e dos saberes do povo se opõe à ideia de inferiorização, que é uma lógica de dominação. II. A educação deve estar articulada com a realidade e estabelecer-se como elemento de transformação, libertador, contra-hegemônico e emancipador. Essa afirmação também é verdadeira, pois reflete os princípios da pedagogia freiriana, que busca uma educação que transforme a realidade e emancipe os indivíduos. Agora, vamos verificar a relação entre as duas asserções. A asserção II justifica a I, pois ao afirmar que a educação deve ser um elemento de transformação e libertação, isso reforça a ideia de que a valorização da cultura e dos saberes do povo é uma forma de combater a lógica de dominação e inferiorização. Portanto, a alternativa correta é: a. As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

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