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Prévia do material em texto

ANTROPOLOGIA 
E CULTURA
Ronaldo Queiroz 
de Morais Queiroz
Revisão técnica:
Guilherme Marin
Bacharel em Filosofia
Mestre em Sociologia da Educação
Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147
B277a Barroso, Priscila Farfan.
 Antropologia e cultura / Priscila Farfan Barroso, Wilian
 Junior Bonete, Ronaldo Queiroz de Morais Queiroz ; 
 [revisão técnica: Guilherme Marin]. – Porto Alegre: 
 SAGAH, 2017.
 218 p. : il ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-184-6
 1. Antropologia. 2. Sociologia. 3. Cultura. I. Bonete,
 Wilian. II.Queiroz, Ronaldo Queiroz de Morais. III.Título.
CDU 31
Antropologia e Cultura_Iniciais_Impressa.indd 2 17/11/2017 16:23:27
A cultura africana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Definir o conceito antropológico de cultura africana.
 � Descrever as manifestações culturais afro-brasileiras. 
 � Analisar os problemas referentes à africanidade brasileira.
Introdução
Este capítulo está voltado para o estudo da cultura africana presente na 
sociedade brasileira, visto que somos resultado de práticas carregadas 
de significados que compõe nossa herança cultural. A cultura africana 
está alinhada ao cotidiano brasileiro no quadro de uma longa herança 
cultural construída por inúmeras gerações de afro-brasileiros desde o 
período colonial até o tempo presente. Os africanos foram compul-
soriamente conduzidos ao Brasil no processo de diáspora negra que 
transformou seres humanos, de diversas etnias e culturas, em escravos 
na América Portuguesa. Em contexto adverso e de brutal exploração, os 
afro-brasileiros gestaram uma cultura particular de matriz africana que está 
na base estrutural da cultura popular do Brasil. Toda cultura, no sentido 
antropológico, carrega um universo de práticas sociais e individuais, assim 
a cultura africana refere-se à totalidade de práticas religiosas, musicais, 
hábitos e saberes desenvolvidos por afrodescendentes ao longo da 
história brasileira.
Cultura africana: conceito antropológico
É importante definir o conceito de cultura para que possamos percorrer as 
raízes africanas que estão presente na formação do povo brasileiro. A cultura, 
U N I D A D E 4
Antropologia e Cultura_U4_C15.indd 163 17/11/2017 17:44:30
em essência, representa uma espécie de lente na qual olhamos o mundo e que 
nos condiciona a valores e práticas que compartilhamos com o grupo social 
no qual convivemos (LARAIA, 2008). O conceito de cultura de que nos 
reportamos é o de sentido antropológico. A cultura africana, nessa perspec-
tiva, corresponde, em poucas palavras, à totalidade de práticas carregadas de 
significado, desenvolvidas por grupos sociais africanos e afrodescendentes 
– em unidade na diversidade –que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, 
leis, costumes, ou seja, hábitos adquiridos e presentes nos homens (e em cada 
indivíduo) como integrantes de uma sociedade (MUNANGA, 2009). 
Efetivamente, somos resultado de práticas carregadas de significados que 
compõe nossa herança cultural. A cultura africana está alinhada ao cotidiano 
brasileiro no quadro de uma longa herança cultural construída por inúmeras 
gerações de afro-brasileiros, desde o período colonial até o tempo presente. Os 
africanos foram compulsoriamente conduzidos ao Brasil no processo de diáspora 
negra que transformou seres humanos, de diversas etnias e culturas, em escravos 
na América Portuguesa. Em contexto adverso e de brutal exploração, os afro-
-brasileiros gestaram uma cultura particular de matriz africana que está na base 
estrutural da cultura popular do Brasil. Então, para trilhar nossa caminhada no 
percurso da cultura africana brasileira, vamos desdobrar três estradas que se 
bifurcam em um conjunto orgânico e coerente de práticas que compreendem o 
fazer religioso, musical e os próprios costumes e saberes impregnados na forma 
de ser do povo brasileiro, que amarra laços fortes com o continente africano. 
As influências culturais africanas na cultura 
brasileira
Religiosidade afro-brasileira
As práticas religiosas africanas já estão incorporadas aos ritos de fé no Brasil 
desde o período colonial. No século XVII, já há informações de manifestação 
de cultos africanos. Os atos religiosos iam além do mero ritual sagrado, congre-
gando em si, também, práticas de curas do corpo enfermo e de adivinhação. Os 
rituais religiosos de matriz africana não eram restritos aos negros escravizados, 
havia inclusive brancos que congregavam na mesma fé. A diversidade étnica dos 
negros diasporizados e a presença imperativa do catolicismo ibérico tornaram 
o sincretismo religioso em um ato estratégico a fim de garantir a identidade 
africana. A mistura das tradições religiosas africanas, indígenas e católicas 
possibilitou a emergência da umbanda, culto nativo de religiosidade híbrida. 
A cultura africana164
Antropologia e Cultura_U4_C15.indd 164 17/11/2017 17:44:31
Contudo, na esfera exclusiva da afro-brasilidade, o inovador corresponde ao 
ato de reunião de todos os orixás, no mesmo templo, fomentado pelo can-
domblé, que configura, de fato, a expressão religiosa dos negros brasileiros. 
A religiosidade afro-brasileira, desde o início, foi configurada na margem da 
sociedade, sendo objeto de perseguição por parte da burocracia pública, no 
passado, e de indiferença, no presente. A crescente europeização do país, a 
partir do século XIX, procurou sustentar que os brasileiros são ocidentais e 
cristãos. Como resultado imediato, há, ao longo da história do Brasil, uma 
constante expropriação da tradição cultural africana e baixa tolerância aos 
cultos e demandas religiosas. 
O candomblé possibilitou a reunião de negros escravizados de diversas 
etnias africanas, de línguas e culturas diferentes, em uma mesma matriz 
religiosa. Diferentes deuses celebrados no mesmo espaço religando povos 
africanos distintos a partir da fabricação de religiosidade afro-brasileira. 
A centralidade das práticas religiosas do candomblé no século XIX estava 
no nordeste brasileiro, na cidade de Salvador, Bahia. A estrutura religiosa 
transcendida à figura dos líderes dos cultos correspondia, verdadeiramente, 
à presença de uma comunidade religiosa ampla e de atividade complexa. 
Havia os indivíduos que presidiam os terreiros propriamente, mas também 
grupos de iniciados que conviviam em camadas hierárquicas na organização 
do terreiro. Havia os auxiliares mais próximos dos sacerdotes como, por 
exemplo, o líder dos tocadores de atabaques e os responsáveis pelo ritual de 
sacrifício de animais. Além disso, podemos apontar um conjunto de adivinhos 
e curandeiros que atendiam em casa, deslocados dos terreiros de candomblé. 
A constante perseguição religiosa, no século XIX, e a persistência do 
candomblé como identidade negra – até os dias de hoje – demonstram-nos 
que as práticas religiosas de matriz africana estão alicerçadas na identidade 
brasileira. Ao contrário do catolicismo que adveio do topo da hierarquia 
ibérica para a América Latina, o candomblé nasce como criação popular de 
extensão africana. Realmente, o que caracteriza a cultura afro-brasileira é o 
popular, a africanidade que está no povo. Há uma independência surpreen-
dente dos negros na formação das teias de significados culturais que escapa 
ao poder do Estado. A perseguição aos cultos afro-brasileiros, no século 
XIX, traduz o desconforto das autoridades diante da resistência religiosa dos 
negros posta a partir dos terreiros. As palavras do historiador João José Reis 
são esclarecedoras:
Em 1828, um juiz de paz prendeu mulheres, tanto africanas quanto pretas 
brasileiras, dançando para deuses africanos em Salvador, na freguesia 
165A cultura africana
Antropologia e Cultura_U4_C15.indd 165 17/11/2017 17:44:31
de Brotas. Aquilo representava outro passo largo na formação do can-
domblé baiano: a incorporação ritual dos negros nascidos do lado de 
cá do Atlântico. Considerando sua reação, ojuiz que invadiu o terreiro se 
defrontara com algo novo. Em longos e coléricos relatórios ao presidente 
da província, ele argumentou que a mistura de crioulas (negras brasileiras) 
e africanas para celebrar deuses d’além-mar era a ruptura de uma norma 
comportamental perigosa para a ordem pública; a seu ver, negras nascidas 
no Brasil deviam ser exclusivamente católicas (REIS, 2009, p. 46).
O candomblé, além de ligar o continente africano à América e, de mesma 
forma, africanos aos afro-brasileiros, também produzia uma mistura geral: 
étnica, racial e social. No culto religioso, celebravam africanos de diversas 
etnias, negros nascidos no Brasil e brancos de diversas camadas sociais. No 
entanto, para as elites do país, a expressão religiosa afro-brasileira foi percebida 
como anticristã e tradicionalmente ainda está na margem da religiosidade 
dominante. Os afro-brasileiros, por meio de esforço contínuo, provocaram 
espaços importantes nos terreiros de candomblé para tecer teias culturais de 
formação de identidade própria. Aos poucos, os negros escravizados foram 
adquirindo consciência de grupo e produzindo influência sobre a sociedade 
brasileira. O catolicismo de inclinação popular tem importante influência afri-
cana, na forma festeira e na carregada intimidade, em que o povo expressa sua 
fé. Segundo o antropólogo Gilberto Freyre (2004, p. 367): “[...] no catolicismo 
em que se deliciam nossos sentidos [...], em tudo que é expressão sincera da 
vida, trazemos quase todos a marca da influência negra”. Toda a brutalidade 
exercida pelo sistema escravocrata contra os africanos e afro-brasileiros não 
conseguiu subtrair a humanidade dos corpos explorados. Assim, em esforço 
inaudito de autoreconstrução de si, os negros construíram uma cultura própria 
religando crenças na criação de religiosidade comum. O catolicismo popular 
e o candomblé carregam, até os dias de hoje, traços das práticas religiosas 
d’além-mar, da África e da africanidade que se produziu no Brasil (Figura 1).
A cultura africana166
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Figura 1. Traços da africanidade no Brasil: candomblé é uma das mais importantes práticas 
religiosas. 
Fonte: Brasil (2013).
A musicalidade negra no Brasil
Os laços culturais brasileiros estão impregnados de africanidade. A musica-
lidade popular que ecoa nos centros urbanos é de inclinação negra. O samba 
é o que sintetiza a preferência nacional. Há, também, uma rica musicalidade 
nordestina com danças específicas de matriz africana. O forró, o xaxado, 
baião e maracatu são exemplos importantes do hibridismo cultural com forte 
swing afro-brasileiro. Ao contrário da posição periférica da religiosidade 
afro-brasileira, a expressão musical brasileira tem no centro as batidas e a voz 
da modernidade africana. A massa de negros deslocados do campo para as 
favelas das cidades brasileiras teve que criar um modo de conviver, diante das 
adversidades de uma vida social miserável, com outros negros que já conhe-
ciam a vida urbana e, assim, produziram criatividade singular e musicalidade 
de acordo com o ritmo modernizante das cidades industrializadas. Como 
afirma Darcy Ribeiro (2003, p. 222): “uma cultura feita de retalhos do que o 
africano guardara no peito nos longos anos de escravidão, como sentimentos 
167A cultura africana
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musicais, ritmos, sabores e religiosidade”. A capacidade de adaptação diante 
da brutal adversidade social e a de formar hibridismos culturais fazem dos 
afro-brasileiros, sem dúvida, o componente mais criativo e hegemônico da 
cultura popular brasileira. 
O maracatu é um bom exemplo de expressão de africanidade na cultura 
popular brasileira. Ele envolve um conjunto de práticas culturais de matriz 
afro-brasileira (Figura 2). Nele há, ao mesmo tempo, constituição de iden-
tidade e afirmação religiosa no ato de diversão coletiva. Os maracatus são 
práticas culturais que já eram exercidas por escravos africanos, e, ainda hoje, 
presenciamos grupos de maracatus no carnaval de Recife. Demonstração 
popular independente das forças de agenciamento de mercado da indústria 
cultural, o maracatu, além dos elementos africanos, congrega a brasilidade 
nordestina. Trata-se de fazer e refazer os laços culturais entre o Brasil e a 
África, integrados, exclusivamente, por negros que, no carnaval pernambucano, 
se organizam em torno de uma pequena orquestra de percussão, tambores 
e chocalhos a fim de percorrerem as ruas, cantando, dançando sem uma 
coreografia especial. Algo muito semelhante aos séquitos de negros que no 
passado acompanhavam os reis congos, eleitos por escravos, para coroação 
nas igrejas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário (CASCUDO, 2000). 
Nos anos de 1990, houve um revigoramento com o Movimento Mangue Beat, 
centrado na figura de Chico Science e sua Banda Nação Zumbi, que inseriram 
o maracatu como expressão moderna carregada de elementos eletrônicos do 
Rock contemporâneo (LIMA, 2009). 
A cultura africana168
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Figura 2. O baque solto está associado a forte musicalidade da região canavieira, em Per-
nambuco, entremeado pelo improviso e a rica coreografia dos arreiamás, caboclos e baianas. 
Fonte: Brasil (2014a).
Há também a capoeira, onde, além de canção negra e de presença da 
percussão singular do berimbau, presenciamos movimentos que se asseme-
lham a uma dança de combate, em que os corpos, no jogo, correspondem, 
efetivamente, a uma arte marcial. Ela é uma expressão afro-brasileira, carre-
gada de musicalidade e jinga do corpo, que ainda permanece nas margens da 
indústria cultural (Figura 3). Trata-se de expressão popular não massificada. 
Está ligada à tradição que mobiliza laços identitários com a África. A capo-
eira na memória oral dos mestres tem origem na senzala, entre escravos ou 
por negros quilombolas. Contudo, há na África uma dança semelhante que 
marca a entrada das meninas na vida adulta, a dança da zebra, em que jovens 
galanteadores procuram nos movimentos corpóreos atingir o adversário com 
o pé no rosto. Tudo no campo da sonoridade das palmas e na dança, que imita 
o coice de uma zebra. Dessa forma, faz sentido buscar as raízes da capoeira 
na região do atual Congo e Angola. Há inúmeros relatos de cronistas acerca 
dos exércitos congolês e angolano, com seus guerreiros aperfeiçoados na 
luta corporal, experientes no jogo de corpo que confundia os adversários 
(ASSUNÇÃO; MANSA, 2009). 
169A cultura africana
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Figura 3. A capoeira depende da manutenção da cadeia de transmissão dos mestres para 
sua continuidade como manifestação cultural. 
Fonte: Brasil (2014b). 
O samba é a expressão cultural afro-brasileira mais representativa da 
identidade nacional. Nas primeiras décadas do século XX, o samba foi 
recebido pelas elites brancas do país de forma muito negativa. Era visto 
como imoral, o rebolado dos corpos e a sensualidade exposta abalaram uma 
sociedade republicana conservadora e moralista que desejava se ocidenta-
lizar, eliminando toda e qualquer presença de africanidade no país. Porém, 
a crescente urbanização e a República de Vargas quebraram a dicotomia: 
dança europeia na Casa-Grande e samba africano no terreiro. Na construção 
do Brasil industrial e moderno, o samba da capital (na época, Rio de Janeiro) 
passou a representar a canção popular brasileira a partir da Rádio Nacional 
o que contribuiu para inserir na identidade nacional o elemento negro e, ao 
mesmo, criar a ideia de “democracia racial”. O samba está associado à dança 
de roda. O primeiro samba, no Brasil, registrado pela indústria fonográfica, 
foi gravado em 1916 por Ernesto Sousa (Donga) com o título da canção, 
“Pelo Telefone” (CASCUDO, 2000). De todas as expressões populares de 
referência afro-brasileira, o samba corresponde aos maiores investimentos 
da indústria cultural e dos poderes públicos,visto que sintetiza a identidade 
do Brasil contemporâneo (Figura 4). 
A cultura africana170
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Figura 4. As matrizes referenciais do samba no Rio de Janeiro distinguem-se de outros 
subgêneros de samba criados posteriormente e guardam relação direta com os padrões 
de sociabilidade.
Fonte: Brasil (2014c).
Os saberes e costumes africanos
Fruto da diáspora negra, o Brasil, ao longo da história de sua formação, 
carrega uma população africana de volume superior aos de brancos europeus. 
Assim, não há como negligenciar a africanidade que percorre todo o corpo 
social. As palavras dengo, cafuné, farofa, neném, quitanda, moleque e samba, 
por exemplo, tão presentes na linguagem cotidiana dos brasileiros, são de 
origem africana, da região onde hoje encontramos Congo e Angola. Não é 
tudo. Essas palavras traduzem práticas e sentimentos culturais carregados 
de significados e afetividades. São palavras que, segundo Gilberto Freyre 
(2004, p. 417): “[...] correspondem melhor do que as portuguesas à nossa 
experiência, ao nosso paladar, aos nossos sentidos, às nossas emoções”. Do 
tronco linguístico banto, são palavras que substituíram as de mesmo valor 
existentes na língua portuguesa. A presença de vocábulos africanos, na língua 
portuguesa falada no Brasil, é importante para mensurarmos o impacto da 
cultura africana sobre nós e, também, compreender como a África civilizou 
171A cultura africana
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o Brasil com a inserção de práticas afetivas, saberes e sabores novos. Como, 
por exemplo, conhecimentos técnicos, agrícolas e de mineração, além de 
valores sociais, costumes cotidianos e toda uma culinária que marca nossos 
pratos principais e favoritos (LIMA, 2009). 
O banto é conjunto de populações da África, ao sul do equador, que falam línguas 
da mesma família, mas pertencem a tipos étnicos muito diversos.
A essência da estruturação do imaginário de um povo podemos, certamente, 
creditar à cultura. No caso brasileiro, a cultura do país está impregnada de afri-
canidade. No olhar dos brasileiros afrodescendentes e nas suas mentalidades, 
todos os legados da cultura africana estão postos como patrimônio material 
e imaterial da própria cultura nacional (MUNANGA, 2009). Dessa forma, 
ser brasileiro é compartilhar com os povos africanos práticas e significados 
em comum. O africano e, por extensão, o afro-brasileiro, desde o nascimento 
do Brasil, infiltraram-se, compulsoriamente, na intimidade dos donos do 
poder, dos brancos europeus e da própria sociedade. Em cada lar, há, direta 
ou indiretamente, a presença do negro. Como resultado, há, na intimidade de 
cada brasileiro, traços culturais africanos. É o que explica a preponderância 
da cultura negra sobre a indígena em nossa tradição oral, como também a 
interferência negra na própria cultura portuguesa, transformando a linguagem 
e a religiosidade católica (FERNANDES, 2007). 
Entretanto, o lugar dos afro-brasileiros na estratificação social do país é 
o mais baixo. A hegemonia do poder está localizada em uma elite branca. 
Diante das dificuldades, segundo Darcy Ribeiro (2003, p. 223): “[...] o negro 
aproveita cada oportunidade que lhe é dada para expressar o seu valor”. 
Assim, insere-se com sucesso estrondoso nas atividades que não se exige 
escolaridade, como no futebol e na canção popular, em que os negros são 
os mais representativos do Brasil. Apesar da presença evidente do negro na 
cultura do país, a ideologia do branqueamento, que atravessou o século XX e 
ainda persiste no tempo presente, torna as práticas culturais nacionais vazias 
de africanidade. A África apresenta-se como um continente muito distante 
de nós, quando na realidade estamos impregnados por ela em nossas práticas 
culturais cotidianas. 
A cultura africana172
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De fato, houve, e ainda há, uma crescente expropriação da africanidade 
de cada brasileiro. A auto-identificação, por parte da maioria dos negros 
brasileiros, com a figura do “homem pardo”, nas pesquisas do IBGE, revela o 
esvaziamento da negritude provocada pela política de branqueamento aplicada 
no Brasil. Como resultado imediato, os saberes e costumes de matriz africana 
aparecem descolados do valor simbólico e político da própria negritude que 
poderia atuar como força motriz para as lutas sociais de emancipação, a fim 
de desconstruir a fantasia de democracia racial para, de fato, criar uma política 
real de democracia para a igualdade racial. 
A questão central no processo de transformações de seres humanos em 
coisas está, sem dúvida, na eliminação da memória e, consequentemente, na 
anulação das práticas culturais. Assim, todo o esforço de dominação das elites 
brancas centrou-se na eliminação da História e da cultura africana, pois a África 
deveria desaparecer para os cativos e, posteriormente, para o negro livre. Não 
é à toa que, em Benin, todos os cativos, antes de embarcarem nos navios, para 
a diáspora negra, eram obrigados a dar inúmeras voltas em torno da chamada 
“árvore do esquecimento”, a fim de se desprender de sua memória e cultura 
para sempre. Efetivamente, a resistência fundamental dos afro-brasileiros 
está, como no passado, posto no limite da memória e da cultura originária, 
para afrontar o poder simbólico da árvore do esquecimento.
Quando conferimos a importância da cultura africana para a constituição 
do Brasil, é possível perceber um evidente paradoxo, por um lado, a cultura 
afrodescendente está na intimidade de todos nós, mantém-se em nossos corpos 
e está nas nossas práticas cotidianas e, por outro, há uma espécie de silêncio 
inquietante que procura negligenciar a África que há em cada cidadão brasileiro, 
principalmente naqueles corpos de baixa cidadania: os negros brasileiros. Sem 
dúvida, é resultado de um racismo também muito silencioso, que subtrai a 
história e a cultura africana do corpo de cada um de nós. Somos resultado de 
séculos de escravidão, de coisificação dos negros, a fim de produção de riqueza 
para o Brasil. O fim do sistema escravocrata não resultou em “democracia 
racial”, ele foi substituído por uma república que resolveu esquecer a África 
e a escravidão, sem desenvolver políticas objetivas de integração dos negros 
como cidadãos brasileiros. 
No entanto, há sinais importantes no país de reparação e de constituição 
de cidadania para os afro-brasileiros, no quadro da redemocratização na 
chamada Nova República. Ela começou muito bem com uma nova constitui-
ção, em 1988, que refuta a discriminação de toda a ordem, inclusive racial. 
Constituição promulgada, exatamente, no centenário da abolição da escravidão, 
ano de contínuos debates sobre a questão negra no país. Nesse mesmo ano, 
173A cultura africana
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são reconhecidos os direitos territoriais dos remanescentes das comunidades 
quilombolas, garantindo, assim, a titulação definitiva sobre a terra. No ano 
seguinte, o racismo passa a ser crime inafiançável no Brasil. Dando seguimento, 
em 1995, o Estado brasileiro instituiu o 20 de novembro, que marca a morte de 
Zumbi dos Palmares, como o “Dia da Consciência Negra”. Em 2003, o ensino 
de história e cultura africana e afro-brasileira passou a ser obrigatório com a 
Lei 10.639. Além da Lei das Cotas Raciais, em 2012, que passou a assegurar, 
nas universidades públicas, a entrada de negros por competitividade justa. De 
fato, do Centenário da Abolição para os dias de hoje, avanços significativos 
foram realizados, mas os esforços devem persistir para que, no futuro, o Brasil 
possa ter realmente uma Democracia Racial.
A cultura africana174
Antropologia e Cultura_U4_C15.indd 174 17/11/2017 17:44:34
ASSUNÇÃO, M. R.; MANSA, M. C. A Dança da zebra. In: FIGUEIREDO, L. (Org.). Raízes 
africanas. Rio de Janeiro: Sabin, 2009. 
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.Maracatu de Baque Solto. 
2014a. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/galeria/detalhes/133?eFototeca=1>. 
Acesso em: 24 out. 2017.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Matrizes do samba no 
Rio de Janeiro: partido alto, samba de terreiro e samba-enredo. 2014c. Disponível em: 
<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/64>. Acesso em: 24 out. 2017.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Roda de capoeira. 
2014b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/66>. Acesso em: 
24 out. 2017.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Tombamento do 
Teatro Castro Alves e registro do Terreiro de Candomblé Ilê Axé Oxumaré. 2013. Dis-
ponível em: <https://www.flickr.com/photos/iphanbrasil/11087201663/in/al-
bum-72157638143864163/>. Acesso em: 24 out. 2017.
CASCUDO, L. da C. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2000. 
FERNANDES, F. O Negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007.
FREYRE, G. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global, 2004.
LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 
LIMA, I. M. de F. Tradição mutante. In: FIGUEIREDO, L. (Org.). Raízes africanas. Rio de 
Janeiro: Sabin, 2009. 
MUNANGA, K. Origens africanas do Brasil contemporâneo. São Paulo: Global, 2009.
REIS, J. J. Bahia de todos os santos. In: FIGUEIREDO, L. (Org.). Raízes africanas. Rio de 
Janeiro: Sabin, 2009. 
RIBEIRO, D. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2003.
Leituras recomendadas
FIGUEIREDO, L. (Org.). Raízes africanas. Rio de Janeiro: Sabin, 2009. 
MACEDO, J. R. História da África. São Paulo: Contexto, 2013. 
MUNANGA, K. O Conceito de africanidade no contexto africano e brasileiro. In: CON-
GRESSO AFRICANIDADES E BRASILIDADES, 2., 2014. Anais... Vitória, 2014. 
A cultura africana176
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da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
LITERATURA
POPULAR
Alessandra 
Bittencourt 
Flach
Eliana Cristina 
Caporale 
Barcellos
Literatura popular e 
identidade cultural
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Apontar os mecanismos envolvidos na formação da identidade
cultural.
 � Demonstrar a importância da literatura popular na formação da
identidade cultural.
 � Identificar, na literatura popular, as marcas da identidade cultural.
Introdução
Quando usamos o termo “popular” associado à literatura, estamos 
nos referindo a um conjunto de produções literárias com característi-
cas bem específicas e com uma ampla significação. O que entende-
mos por “povo” é extremamente importante para estudar a literatura 
popular. No entanto, o fundamental é que a literatura, juntamente 
com outras expressões artísticas populares, faz parte de um imenso 
patrimônio cultural, que representa nossa identidade e evidencia um 
importante senso de pertencimento. Neste texto, você vai conhecer 
um pouco mais sobre a relação entre a literatura popular e a identi-
dade cultural.
Cultura e identidade cultural
Você já sabe que o homem é, por natureza, um ser social, um produto cultural. 
Mas o que isso quer dizer?
Durante muito tempo, a ideia de cultura e identidade esteve associada a 
uma visão nacionalista – cultura brasileira, identidade brasileira, povo brasi-
leiro e, por extensão, uma literatura popular brasileira. Tal abordagem chegou 
até a despertar um senso de patriotismo (valorizar e exaltar o que é nacional). 
Além disso, chamou a atenção para a importância de estudar melhor aquilo 
que pertence ao país, em vez de buscar imitar modelos. Em contrapartida, 
tal enfoque apresenta alguns riscos, em especial o risco de homogeneizar ou 
simplificar conceitos como cultura, identidade e até de nação. Também pode 
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levar a desconsiderar algumas práticas por não se enquadrarem numa defi-
nição restrita de cultura ou povo.
Desde o início do século XIX, quando essas visão nacionalista ganhou 
força, até os dias de hoje, ampliaram-se bastante esses conceitos. Quando 
atualmente tratamos do assunto, devemos considerar uma série de questões, 
como, por exemplo, a diversidade cultural e a importância de haver espaço 
para todo tipo de expressão cultural, sem que alguém ou alguma instituição 
imponha parâmetros ou delimitações a isso.
Quanto à literatura, sabemos que ela é produto do seu meio – mesmo que 
um autor crie uma história que se passe em época diferente da sua ou mesmo 
em outro planeta, ainda assim, aspectos de seu contexto cultural estarão evi-
denciados.
Na literatura popular, porém, esse processo se dá de um modo mais parti-
cularizado. A literatura, assim como a música, a pintura, a escultura, a dança, 
as festas e outros expressões populares, são produzidas e divulgadas a partir 
de um vínculo cultural e identitário bem significativo.
Inicialmente, essas manifestações artísticas tinham vínculo com rituais 
e crenças compartilhados por certos grupos. Aos poucos, modificaram-se e 
ampliaram-se, tornando-se produtos estéticos, com fins de entretenimento. 
Contudo, conservam resquícios dessas práticas.
Figura 1. Festa de São João.
Fonte: Bricolage/Shutterstock.com
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A cultura popular conserva uma relação muito estreita com os hábitos 
de vida, com crenças e valores. Você percebe isso nos contos, nos folhetos 
de cordel, na música, nas festas. Veja, por exemplo, que as comemorações 
juninas celebram a vida do homem sertanejo e suas atividades diárias. A festa 
é recheada de simbologias e significações.
A cultura popular está associada a essas relações de trabalho e vida sim-
ples, a um tempo em que as relações se davam por meio da presença, do con-
tato olho no olho. Os códigos de conduta e os ensinamentos eram transmitidos 
através da palavra, a qual tinha força de lei. 
De certa forma, há um conservadorismo nesse processo. Como práticas 
sagradas, elas tendem a se reproduzir mais ou menos preservando as formas 
originais (daí os resquícios dos rituais). Não significa que essas práticas cultu-
rais não se atualizem e se adaptem às naturais transformações do mundo. Isso 
acontece, sim. Por isso é que a cultura popular é complexa e rica de significa-
ções e ainda hoje tem razão de existir.
E também, por estabelecerem um vínculo cultural, não precisamos temer 
que vão desaparecer diante de novos hábitos e tecnologias. Elas se adaptam 
(ainda que em um processo mais lento). Se não forem mais significativas, 
essas práticas culturais desaparecem ou são substituídas naturalmente.
Para estudar os produtos dessa cultura – como a literatura popular –, é 
preciso reconhecer as várias marcas de tempos passados e modos de vida que 
se transformam. Mais do que isso: qualquer produção literária popular reflete 
os interesses e os valores desse grupo, atende a certa expectativa. 
A aceitação, o reconhecimento e a reprodução dessas produções literárias 
se dão em um processo de identificação cultural, reforçando as marcas de 
uma coletividade, atendendo a uma necessidade de pertencimento, de vín-
culo, tão indispensável em nossas relações sociais.
Diversidade cultural 
Diversidade cultural é um conceito relativamente recente, como são re-
centes as leis que determinam promover e valorizar a diversidade cul-
tural. Com isso, a cultura popular e suas manifestações ganham amparo e in-
centivo, um meio de fazer com que chegue a mais pessoas e seja reconhecida 
como parte da nossa identidade.
Isso tem relevância porque,por muito tempo, o mais valorizado era a cul-
tura “estrangeira”. No século XIX, por exemplo, quando o Brasil ainda era 
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colônia de Portugal, difundia-se a ideia de que a cultura boa e de prestígio 
era a europeia e que a “boa formação” só poderia vir dos livros e do domínio 
da arte erudita – ópera, orquestra, teatro, literatura. Por extensão, a cultura 
popular era desprestigiada, considerada coisa de pobre e iletrado. 
A diversidade cultural sempre existiu, mas, em algumas épocas, essa mes-
tiçagem era vista como algo negativo. Valorizava-se a pureza da raça e a 
fidelidade e processos estéticos padronizados. 
No final do século XIX, houve, no mundo todo, um importante avanço das ciências natu-
rais, com descobertas significativas e uma valorização do olhar cientificista. Teorias como 
o evolucionismo de Charles Darwin e o determinismo de Hippolyte Taine defendiam a 
importância da adaptação do homem ao meio, destacavam as reações instintivas e indi-
cavam que a genética tinha grande interferência nesse processo. Daí interpretações um 
tanto equivocadas que priorizavam a importância de uma pureza de raça
Figura 2. Evolucionismo.
Fonte: williammpark/Shutterstock.com
O brasileiro, sob essa perspectiva, era visto como mais fraco, mas susce-
tível (física e moralmente), porque produto de uma diversidade, diversidade 
essa que ainda contava com a influência africana, também menosprezada.
E a literatura? Bem, a literatura erudita, de alguma forma, submeteu-se a 
essa perspectiva, e isso se deu de duas formas – menosprezando o elemento 
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local e valorizando a imitação de modelos europeus ou olhando para o ele-
mento nacional como algo exótico e frágil. 
A literatura popular, como produto de uma coletividade, fica alheia a tudo 
isso. Porém, são os estudiosos que vão olhar para ela de um modo diferente, 
com consequências importantes. As manifestações literárias populares serão 
classificadas a partir das influências raciais e culturais, o que é uma forma 
bem simplista de análise, ainda que condizente com o pensamento do período.
Como uma influência do Romantismo, que valorizava o saber do povo, 
houve um interesse pelo estudo das produções populares. Mais tarde, no final 
do século XIX, sob o viés cientificista, essas produções continuaram a ser 
estudadas e classificadas.
Sílvio Romero, um pesquisador dessa época, publicou uma recolha de 
contos (Contos populares do Brasil, de 1897), os quais foram divididos em 
três categorias – contos de origem europeia, contos de origem indígena e 
contos de origem africana e mestiça. Essa divisão é condizente com esse 
olhar determinista da época. Ao fazer essa divisão, podemos perceber o que 
o pesquisador considera como elementos constituintes da cultura brasileira. 
Os contos de origem europeia são aqueles que envolvem elementos má-
gicos, reis e príncipes. Os contos de origem indígena são as histórias de ani-
mais (não aparecem indígenas!) e os contos de origem africana e mestiça com-
preendem também histórias de animais (em especial, o macaco) e facécias, 
ou seja, histórias que provocam riso, expondo personagens bobos, pregui-
çosos, ladrões, o que é um indicativo do que se pensava em relação ao povo 
de origem mestiça. Vejamos um exemplo deste último ponto.
O NEGRO PACHOLA
 Havia uma senhora de engenho casada e sem filhos. Adoecen-
do o marido e morrendo, ficou em lugar dele um preto africano, 
chamado Pai José. Assim que Pai José ouviu dizer que ia governar 
o engenho, ficou muito orgulhoso.
 Logo que foi distribuir o serviço com os outros ne-
gros, passou ordem a eles que, de ora em diante, não o 
tratassem mais por Pai José, e sim Sinhô Moço Cazuza. 
 Os negros lhe obedeceram. E, quando o viam, diziam: “A 
bença, Sinhô Moço Cazuza.” O negro, muito concha, respondia: 
“Bênção de Deus.”
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 Não ficou só aí o orgulho do negro. Quando chegou à casa, 
disse para a senhora: “Meu sinhá, quando Sinhô Moço Cazuza 
chegava em casa cansado, meu sinhá não mandava logo botar 
banho para ele? Pois eu também quer.” A senhora, coitada, não 
teve outro remédio senão mandar botar banho para Pai José.
 Não satisfeito ainda, disse o negro: “Meu sinhá, não mandava 
mulatinha esfregar costa de meu sinhô? Pois eu também quer.” A 
senhora mandou a mulatinha esfregar as costas de Pai José. Este 
ainda continuou: “E meu sinhá não dava camisa gomada pra meu 
sinhô vestir? Pai José também quer.” A pobre mulher foi buscar 
uma camisa engomada, deu a Pai José para vestir. E, vendo que 
devia acabar com as pacholices daquele negro, falou com dois 
criados, muniu-se de dois bons chicotes e mandou-os esconde-
rem-se no quarto. Esperou que o negro pedisse mais alguma coi-
sa. E não tardou que ele dissesse: “Meu sinhá, quando meu sinhô 
acabava de tomar banho e de vestir a camisa grosmada, ia para o 
quarto pra meu sinhá catar piolho nele? Pai José também quer.”
A moça não teve dúvida. Mandou-o entrar para o quarto e deu 
ordem aos criados que empurrassem o chicote.
Se ela bem ordenou, melhor executaram os criados. Pai José apa-
nhou tanto que escapou de morrer.
No outro dia, bem cedo, o negro foi para a roça ainda muito ma-
goado das pancadas. E, quando os negros o saudaram: “A ben-
ça, Sinhô Moço Cazuza”, ele muito zangado respondeu: “Cazu-
za, não, eu sou Pai José.” E deu ordem para o tratarem pelo seu 
próprio nome. Os negros muito admirados ficaram sem saber a 
causa daquela mudança.
Nunca mais Pai José pediu banho, nem camisa engomada, nem 
à senhora para catar piolhos. 
(ROMERO, 1985, p. 194)
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O conto mostra as relações sociais de poder e dominação, através da lição 
dada ao “pai José”. Mostra também a vida nos engenhos, a escravidão e al-
gumas práticas cotidianas. Na moral do conto, percebe-se certa visão precon-
ceituosa e a valorização dos brancos, em detrimentos dos negros.
Leia a análise da literatura popular feita pelo próprio Sílvio Romero, à 
época:
As relações da raça superior com as duas inferiores tiveram dois 
aspectos principais: a) relações meramente externas, em que os 
portugueses não poderiam, como civilizados, modificar sua vida 
intelectual que tendia a prevalecer e só poderiam contrair um ou 
outro hábito, e empregar um ou outro utensílio na vida cotidiana 
ordinária; b) relações de sangue, tendentes a modificar as três ra-
ças e a formar o mestiço. 
(ROMERO, 1985, p. 16)
través dela, notamos o reconhecimento de um multiculturalismo brasi-
leiro, representado pelo mestiço, mas, ao mesmo tempo, uma noção que su-
pervaloriza uma cultura em detrimento de outras, consideradas inferiores e 
desprovidas de “civilidade”.
Felizmente, o que era considerado uma fraqueza – a mestiçagem – foi 
sendo percebido como uma riqueza, uma fonte inesgotável de criação, desper-
tando interesses legítimos em termos de estudos, especialmente a partir dos 
anos 1920, com o Modernismo brasileiro.
Atualmente, a diversidade cultural é mais valorizada, porque há um 
maior reconhecimento da complexidade de elementos e inf luências em 
nosso meio. Até mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais, um do-
cumento que normatiza o ensino no Brasil, reforça a importância de co-
nhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro. 
Algumas leis preveem o ensino da cultura afro-brasileira e o contato com 
as culturas indígenas, em uma tentativa de nos reconhecermos como pro-
duto de uma sociedade que valoriza a liberdade de criação e de expressão 
cultural. 
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O contador de histórias – um mediador 
da cultura
Para deixar mais clara a relação entre a cultura e a literatura popular, 
vamosanalisar agora um aspecto essencial na literatura – o contador de his-
tórias, ou cantador, ou poeta.
Como dissemos anteriormente, a literatura popular conserva resquí-
cios de rituais, que celebravam momentos importantes da vida em comu-
nidade – colheitas, nascimentos, conquistas e até tragédias. Desde tempos 
imemoriais, as comunidades mais primitivas se organizavam em torno 
de líderes, responsáveis pelos ensinamentos e pela ordem. Em geral, esse 
papel era ocupado pelos mais velhos – os sacerdotes, os xamãs. Essas 
figuras estabeleciam uma ligação entre o sagrado e o cotidiano. Eram de-
tentores do poder da palavra.
Como sabemos, a literatura popular tem como suas bases a oralidade, daí 
o impacto da voz, daquilo que é proferido como valor-verdade.
A partir desse conceito, podemos relacionar a função do xamã com a do 
poeta popular, que domina um código social, que conhece o seu grupo, que 
recorre à palavra para divulgar e transmitir os saberes de seu grupo. Ele faz a 
mediação entre a cultura e as pessoas, através da literatura.
É por isso que, nas histórias populares, comumente percebemos o narrador 
se colocar como testemunha dos fatos, para reforçar a importância do que está 
sendo apresentado. Ao contar uma história, faz isso levando em consideração 
seu papel de mediador da cultura, o que exige conhecimento e experiência, 
mas também sensibilidade, para atingir seu interlocutor. Torna-se, de certa 
forma, a memória vida de sua cultura.
Observe os exemplos a seguir, que evidenciam o papel do contador de 
histórias como um transmissor da cultura.
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EXEMPLO 1 – O BOI LEIÇÃO
Informante: José Maria de Melo, Alagoas
E no dia do casamento houve uma festa tão grande que abalou todo o pessoal da 
redondeza. Dançou-se sete dias com sete noites “encastoados”. Naquele tempo eu 
ainda era solteiro, e meti-me no meio e dancei tanto que quase me acabo!… A festa 
só acabou no fim do sétimo dia; assim mesmo porque os dedos do tocador de harmô-
nico, de tão inchados que estavam de tocar, não podiam mais arrastar o fole. 
(CASCUDO, 2003, p. 184)
EXEMPLO 2 – LAMPEÃO ARREPENDIDO DA VIDA DE CANGACEIRO
Autoria: Laurindo Gomes Maciel
Virgolino Lampeão
Se achar meu verso ruim
Deus queira que o Governo
Brevemente dê-lhe fim
Falei somente a verdade
Lampeão por caridade
Não tenha queixa de mim.
Terminei caro leitor
O verso de Lampeão
Descrevi divinamente
O que ele fez no sertão
Nada mais tenho a dizer,
Quando Lampeão morrer
Faço outra narração. 
(PROENÇA, 1986, p. 375)
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EXEMPLO 3 – MINHOCÃO
Entrevistado: Vadô
Outro dia, foi dois dia de festa, dois dia de festa. Dois, três dia que nós ia embora pra 
buscar padre que tinha lá, pra nós fazer essa brincadeira. Não, mas diz que é, eu tô 
falando pro senhor, é realidade! O que eu falo o senhor escreve, eu assino. Então, o 
senhor vê como é. Então tá.
Bandeira ficava quadro, cinco dia. Comia capivara, peixe, o que tiver, né? Ah! Nesse 
tempo, mandioca tinha todo dia na beira do rio aí. Passava aquela lancha aí, a Cabuxio, 
a Panamericana, tudo. No tempo que matava capivara, sabe? Matava jacaré. [...]
Aí, nós tomando umas pinga e tal... Aí o companheiro falou:
– Ah! Rapaz, eu tô cum uma fome muito forte! Eu vou matar uma capivara!
Falei: 
– Vamos, eu vou cum vocês.
Outro falou:
– Eu também vou! Vamos caçar aí, matar umas capivara aí, lontra, qualquer coisa, né? 
E eu tava enjoado dos remédio e bem passado da bebida. Pegamos essa canoa. 
Aaooô rapaz! [...]
E esse rapaz caçava, esse que num quis pegar a bandeira, caçava também. Foi e 
atirou nesse bicho. Mas atirou: pá! [...]
Aí o pessoal me disseram:
– Cê sabe o que que é? Esse é o bicho que ele atirou. Esse é o minhocão. 
(FERNANDES, 2002, p. 168-169)
No Exemplo 1, temos um trecho de um conto coletado por Câmara Cas-
cudo. Trata-se do final da história. Em primeira pessoa, o narrador, para le-
gitimar o teor do narrado, coloca-se como testemunha e descreve detalhes da 
festa em comemoração ao final feliz.
No Exemplo 2, o final de um folheto de cordel. Como é muito comum 
nesse gênero literário, as últimas estrofes fazem referência ao interlocutor, 
motivando-o a comprar o folheto. Neste caso, em particular, o poeta dirige-
-se, primeiramente, a Lampeão, receoso do impacto da narrativa; em seguida, 
dirige-se ao leitor, atestando seu conhecimento sobre o assunto e prometendo 
tornar a versejar sobre o tema.
No Exemplo 3, temos a transcrição de um depoimento de um pantaneiro 
sobre sua vida de vaqueiro. No trecho, fica evidente a preocupação em ga-
rantir a veracidade do narrado (como nos outros dois exemplos) a partir da 
legitimação da própria palavra (“O que eu falo o senhor escreve, eu assino”). 
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Também podemos conhecer mais sobre a vida no Pantanal, os hábitos e o 
imaginário – como o Minhocão, a cobra que, em noites de lua cheia, suga o 
sangue das pessoas.
Nos três casos, há um comprometimento de quem conta com aquilo que 
é contado, evidenciando domínio do contexto onde se desenvolve a história. 
Através de seu relato, temos as explicações e as informações sobre as práticas 
culturais, sobre os modos de relacionar o cotidiano ao discurso literário.
Os textos populares estão repletos de exemplos de modos de ser e de 
pensar. Conhecer a literatura popular, entre muitas vantagens, permite co-
nhecermos expressões culturais e, mais do que isso, estreita nossos vínculos 
identitários, porque nos reconhecemos nessas histórias.
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CASCUDO, L. da C. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed. São Paulo: Global, 2003.
FERNANDES, F. A. G. Entre histórias e tererés: o ouvir da literatura pantaneira. São Paulo: 
EDUNESP, 2002.
JOLLES, A. Formas simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável, con-
to, chiste. São Paulo: Cultrix, 1975.
MEYER, M. (Org.). Autores de cordel: literatura comentada. São Paulo: Abril Educação, 
1980.
PROENÇA, M. C. Literatura popular em verso (antologia). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/
EDUSP, 1986.
ROMERO, S. Contos populares do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1985.
Leituras recomendadas
BERND, Z.; UTÉZA, F. (Orgs.) Produção literária e identidades culturais: estudos de literatura 
comparada. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1997.
ONG, W. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. São Paulo: Papirus, 1998.
ZUMTHOR, P. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Conteúdo:
LITERATURA
POPULAR
Conteúdo:
Alessandra 
Bittencourt 
Flach
Eliana Cristina 
Caporale 
Barcellos
 
U N I D A D E 2
Gêneros poéticos (romance, 
cantoria e folheto)
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Identificar o contexto de produção e circulação das narrativas em
verso.
 � Conceituar os gêneros poéticos.
 � Analisar gêneros poéticos populares.
Introdução
Os gêneros poéticos populares em versos – romances ou folhe-
tos em geral – estão estreitamente relacionados à voz, ao canto e a 
todo um sistema que envolve a interação entre quem produz o texto 
e aquele que o recebe. Nesses pequenos livros de tiragem limi-
tada e produção amadora e quase artesanal, circulam grandes 
histórias vivas da nossa tradição popular.
Origem e desenvolvimento da poesia popular
Cordel é um termo de origem portuguesa usado para designar o que hoje 
chamamos de literatura de cordel. O termo faz referência ao modo como tra-
dicionalmente esses textos eram expostos para venda – fixados em barbantes, 
em uma espécie de varal. No Brasil, o uso de cordéis não se consagrou, ainda 
que você possa encontrar por aí livros expostos dessa forma. Os pequenos 
livretos, ou folhetos, são vendidos por seus produtores em feiras livres,nas 
ruas ou mesmo de porta em porta. A trajetória dessa literatura remete ao pe-
ríodo em que se popularizou, na Europa, o uso da impressão de relatos.
Para saber um pouco mais sobre a origem dos gêneros poéticos em versos, é 
importante que você entenda o contexto de produção e circulação desses textos.
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Quando falamos em literatura, muitas vezes temos em mente aquela pro-
duzida por escritores famosos, obras ricamente editadas e vendidas em livra-
rias ou comércio especializado. No entanto, juntamente à tradição literária 
erudita, uma outra, popular, de origem oral, “não oficial”, tem deixado sua 
marca ao longo dos tempos.
Seja pela forma de divulgação, seja pelo conteúdo – sempre envolvente e 
renovado –, seja pelas capas com títulos chamativos e gravuras expressivas, a 
literatura de cordel ganha cada vez mais apreciadores. Em vez de ser esque-
cido ou superado por novas tecnologias da comunicação, esse tipo de literatura 
consolidou seu espaço e tem despertado a curiosidade do meio acadêmico.
Xilogravura é uma impressão iconográfica obtida a partir de uma técnica de gravura 
entalhada em relevo sobre madeira, uma espécie de carimbo. As xilogravuras cos-
tumam estar associadas à literatura de cordel. Estampam as capas dos folhetos e cons-
tituem mais um atrativo ao seu consumo.
Figura 1. Exemplo de xilogravura.
Fonte da imagem: jottafernandes / Shutterstock.com
Muitos poetas populares, que usavam sua voz e sua memória para 
contar histórias e causos, passaram a grafar essas composições, com o 
intuito de registrar suas produções e divulgá-las a um número maior de 
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interessados. Esses folhetos constituíam uma forma barata e acessível de 
literatura, atingindo muitos leitores. Para os artistas, representavam um 
meio extra de ganhar dinheiro.
O público a quem se destinam esses textos é composto, em geral, por pes-
soas de classes mais humildes, semialfabetizadas, muitas vezes. Não é raro 
que essas obras sejam o primeiro (ou principal) acesso à literatura para os 
leitores em formação.
No Brasil, a literatura de cordel pode ser vista e adquirida em vários lo-
cais, desde cidades do interior até grandes centros urbanos, ou mesmo na in-
ternet. Porém, sua origem e maior consolidação está no Nordeste. Tal fato tem 
fundo histórico e remete às condições sociais da própria história da região.
Os serões e os encontros para ouvir e contar histórias eram comuns nas 
varandas das fazendas de gado, nos engenhos e na roça. Esse costume decorre 
da tradição ibérica dos romances de cavalaria. Em um país como o Brasil, cuja 
taxa de analfabetismo sempre foi significativa, a leitura coletiva, ou mesmo a 
contação de histórias, tinha espaço garantido nesses locais.
As histórias, portanto, envolviam temas vinculados ao dia a dia do povo, 
ao trabalho com o gado, às lutas entre famílias, às festas, aos períodos de seca 
e até à presença de cangaceiros e bandidos. Tudo era assunto para as histórias. 
Por tratarem de elementos do cotidiano e práticas sociais compartilhadas por 
muitos, as narrativas ganhavam fama, sendo recontadas e reinventadas até se 
tornarem parte de uma tradição.
Nesse contexto, a figura de cantores e contadores de histórias vai se con-
solidando. Esses artistas ambulantes frequentavam as fazendas, as feiras, di-
vulgavam as notícias, envolviam-se em disputas orais de trovas, improvisos 
e repentes. Essa tradição, inicialmente oral, vai se fixando nesses livretos e, 
assim, adquire uma nova via de acesso ao público. Consolida-se aí uma cul-
tura da voz, constituída a partir dos versos desses artistas, que dão origem a 
uma literatura com traços marcantes e bem peculiares.
Os interessados em narrativas em versos, além de manusear os folhetos e 
escolher aquele cujo tema mais agrade, têm a oportunidade de ouvir os versos 
cantados pelo próprio poeta. Como você pode perceber, esse é um privilégio 
dificilmente encontrado em outros gêneros literários.
37Gêneros poéticos (romance, cantoria e folheto)
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Romance, cantoria e folheto
No século XX, a partir dos anos 1930, a literatura de cordel se consolida no 
Brasil. Porém, com o tempo e com as mudanças sociais e culturais, passa por 
transformações importantes.
Os primeiros folhetos abordavam as histórias tradicionais sobre reis e 
príncipes, as lendas, as histórias de animais. Em geral, esses temas eram co-
nhecidos da tradição oral e recebiam uma versão escrita, em cordel. Com o 
passar dos anos, assuntos do cotidiano nordestino, como a seca, o cangaço, 
o progresso e a política, vão ganhando espaço. Até mesmo o surgimento da 
televisão teve seu papel na literatura de cordel: por um lado, conquistou uma 
parte do público do gênero; por outro, serviu de tema e inspiração para os 
poetas, que reescreviam as tramas das novelas em formato de cordel.
Mas o que se manteve mais ou menos do mesmo jeito ao longo de toda essa 
história foi o modo de transmissão e divulgação. Junto com o texto impresso 
em livretos, está o poeta, que divulga sua arte declamando trechos de suas 
histórias e fazendo propaganda de seu trabalho.
É fundamental entender a relação entre cantadores e poetas. Cantadores 
são aqueles artistas que se dedicam a improvisar ou declamar suas histórias, 
sem o auxílio do papel, ou mesmo partindo do texto escrito. Costumam andar 
pelo sertão, pelas fazendas, pelas feiras, declamando textos próprios ou de ou-
tros poetas. Muitas vezes, envolvem-se em desafios, ou repentes, competindo 
verbalmente com outro artista popular, colocando em evidência sua capaci-
dade de improvisar e rimar.
Já os poetas populares compõem as histórias, mas não costumam ser 
repentistas. Sua arte está ligada à escrita do texto. Caso não sejam alfabeti-
zados, ditam suas obras a alguém que faça o registro.
Os poetas podem ou não ter sua própria tipografia. Alguns vivem de 
vender folhetos. Outros fazem disso uma atividade paralela.
Leandro Gomes de Barros (1865-1918) foi um dos pioneiros da literatura de cordel no Brasil. 
Seus primeiros impressos começaram a circular em 1893. Escrevia, imprimia e vendia os 
próprios folhetos. Teve grande sucesso nessa arte. Com mais de 240 folhetos publicados e 
milhões de cópias vendidas, lançou as bases para seus seguidores. Atualmente, seus textos 
estão reunidos em coletâneas, mas ainda é possível encontrá-los no formato de livretos.
Literatura popular38
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Uns e outros produzem textos narrativos em versos rimados, recurso 
formal que facilita a memorização. E todos eles fazem de sua arte uma ex-
pressão da cultura popular, de seu modo de viver e de pensar.
Para fins didáticos, você pode dividir a literatura de cordel em dois seg-
mentos: os romances e os folhetos, propriamente. Os romances nada mais são 
do que histórias divulgadas em folhetos também. No entanto, recebem uma 
nomenclatura própria porque contemplam as narrativas ficcionais, em geral 
de origem europeia, como História da Donzela Teodora, O pavão misterioso 
e Carlos Magno e os 12 pares de França. Em seus enredos, há a presença 
do maravilhoso e a referência à cultura medieval. Em termos de extensão, 
possuem entre 16 e 64 páginas. Ou seja, são muito maiores do que os folhetos 
tradicionais. Nos séculos XVII e XVIII, no Brasil, circulavam grandes edi-
ções portuguesas de livros que reuniam romanceiros europeus. A hipótese é 
que esses romances eram lidos e depois recontados e, então, passaram a ser 
novamente escritos (já com adaptações) em versões menores – nos folhetos.
A palavra romance data do início da Idade Média (em torno do século IX). Referia-se 
a um gênero literário popular, escrito em romanço, que era uma língua formada pela 
mistura entre o latim (até então a língua de prestígio) e variantes de línguas locais na 
Europa. Essa língua é que vaidar origem às línguas neolatinas, como o português, o 
italiano, o espanhol. Nessas histórias em língua popular, narravam-se os amores entre 
camponeses, além de suas atividades diárias, em oposição ao gênero literário clássico, 
que era a epopeia, poema narrativo que contava as histórias de heróis.
Sob a nomenclatura de folhetos, há poemas narrativos de diversos temas: 
notícias, causos humorados, adivinhas, fatos históricos, histórias do Nor-
deste, o ciclo do gado, personalidades do imaginário popular, superstições. 
A extensão pode variar de oito a 48 páginas. Nesses folhetos, você consegue 
perceber a criatividade e a riqueza de composições possíveis.
As cantorias, que podem tematizar o próprio ato de compor versos e as ha-
bilidades do poeta, estão associadas à divulgação tanto dos romances quanto 
da diversidade de tópicos contemplados nos folhetos. O cantador é, assim, 
descendente dos aedos gregos, dos trovadores medievais, e faz uma espécie 
de registro cantado da sociedade em que se insere.
39Gêneros poéticos (romance, cantoria e folheto)
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Os aedos eram artistas da Grécia Antiga. Eles cantavam epopeias acompanhados de 
instrumentos musicais. Os trovadores medievais, por sua vez, declamavam cantigas. 
Eles atuavam especialmente no Sul da França, durante a Idade Média.
A palavra em verso e voz
Como você leu há pouco, os temas e os meios de produção e divulgação da 
literatura de cordel são diversos. No entanto, sua forma segue alguns padrões 
bem característicos, independentemente de o texto ser produzido para ser de-
clamado ou para ser lido.
Sabemos que os primeiros textos literários narrativos foram escritos em 
verso. Esse recurso evidencia uma estreita relação entre a oralidade e a me-
morização dos fatos. E as quadras (estrofes de quatro versos) são a forma mais 
popular de métrica (de mais fácil fixação na memória).
O grande poeta português Fernando Pessoa escreveu um livro chamado 
Quadras ao gosto popular, em que reproduz o estilo popular desse tipo de mé-
trica, associado, muitas vezes, a temas do cotidiano. Veja uma dessas quadras:
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
Com rimas simples e sete silabas poéticas, o poeta destaca a importância 
desse modo de fazer versos ao estilo popular.
Ainda que as quadras sejam comuns em adivinhas e provérbios, no cordel 
predominam as sextilhas (estrofes de seis versos). Em alguns casos, podemos 
encontrar 10 versos por estrofe (décimas). Em geral, são sete sílabas poéticas. 
Mas como algumas formas são improvisadas, isso não é tão rígido assim.
O mais importante, porém, nos versos narrativos da literatura de cordel, em 
quatro, seis ou 10 estrofes, é o ritmo do verso, que nem sempre segue um rigor 
métrico, mas sempre prevê o ritmo das rimas. Assim, nas cantorias, por exemplo, 
não há uma música feita para aqueles versos e, muitas vezes, o poeta desafina ou 
não tem boa voz. O que importa mesmo é o ritmo do verso. Perceba isso neste 
trecho de História da Donzela Teodora, de Leandro Gomes de Barros:
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Caro leitor escrevi
Tudo que no livro achei
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei
Na história grande dela
Muitas coisas consultei.
Nem todos os versos têm rima, porém há certo ritmo, conquistado pelo nú-
mero de palavras nos versos, pela ordem nas palavras, por algumas inversões 
(“história grande”).
Os diálogos também são organizados de maneira a integrar o ritmo dos versos. 
Observe isso em outro trecho do mesmo texto de Leandro Gomes de Barros:
O sábio disse: – Donzela
Tens falado muito além
Me diga que condições
O homem no mundo tem?
Disse a donzela: – Tem todas
Para o mal e para o bem.
(BARROS, 2004, p. 78-79)
Nos dois trechos (assim como no restante da história), os versos 2, 4 e 6 
rimam. Você também pode notar certa pausa interna nos versos: pelo uso do tra-
vessão ou pela disposição dos sons consonantais em relação aos sons vocálicos.
O mesmo ritmo e estratégias semelhantes são percebidos nos versos de 
outro poeta, Cícero Vieira da Silva, no folheto Os martírios do nortista via-
jando para o Sul:
A carestia do Norte
Vivente nenhum aguenta
Cada dia que se passa
O custo da vida aumenta
Por isso o pai de família
Grande sacrifício enfrenta. 
(MEYER, 1980, p. 79)
É realmente incrível constatar a grande riqueza de temas, a capacidade de 
adaptação e versificação e o talento desses poetas orais. Eles são incansáveis 
divulgadores de uma cultura em contínua transformação e em sintonia com o 
seu tempo e a sua gente.
41Gêneros poéticos (romance, cantoria e folheto)
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1. O que o termo cordel significa?
a) O estilo musical associado à 
literatura, remetendo às cordas 
do violão.
b) Um termo de origem portuguesa 
de compreensão pouco precisa.
c) A simbologia das cordas que 
amarram um conjunto de 
folhetos de mesmo tema ou 
mesmo poeta.
d) Uma referência à corda onde os 
folhetos são fixados para expo-
sição e venda ao público. 
e) Um sinônimo de poesia oral, de 
divulgação exclusiva via cantoria.
2. “Compõem um conjunto de poemas 
narrativos em verso que referem 
histórias tradicionais de origem 
europeia com adaptações brasileiras”. 
A que essa definição se refere?
a) A toda a literatura de cordel.
b) Ao romance, um estilo de litera-
tura de cordel.
c) A qualquer expressão literária que 
trate de amor.
d) Aos folhetos do ciclo do gado no 
Brasil.
e) A repentes e desafios improvi-
sados.
3. Qual a opção que melhor representa 
a interpretação destes versos de João 
Ferreira Lima?
– Boa noite seu Azulão
Atrás de quem eu andava,
Há tempo que procurava
Pelas zonas do sertão
Chegou hoje a ocasião,
Que desfruto o meu destino
Sou o Borborema ferino,
Que gloso por linha reta
Eu faço medo a poeta
Como boi faz a menino
– Sou Benedito Azulão
Da Paraíba do Norte, troco a vida pela 
morte
Volto o que for de razão
Pego o curisco com a mão
Deixo o fogo apagado
Quando estou aperriado,
No debate mais tirano,
Mergulho no oceano,
Vou sair do outro lado.
(PROENÇA, 1986, p. 286)
 
a) Evidencia-se, nesses versos, um 
tema tradicional do cordel: a dis-
puta de versos entre dois poetas. 
Cada um a seu modo demonstra 
suas habilidades de rimar.
b) Nota-se uma comparação entre 
os diferentes temas presentes na 
literatura de cordel, desde os mais 
ficcionais até os mais próximos do 
cotidiano.
c) Tem-se um exemplo de como 
a literatura de cordel necessita 
da escrita para existir, já que os 
versos são claramente produto de 
uma reflexão autoral individual.
d) As rimas não são perfeitas, o que 
compromete o ritmo dos versos 
e denota pouca habilidade do 
poeta.
e) O uso de travessões indicando 
diálogos é um recurso pouco 
utilizado na literatura de cordel, já 
que o poeta assume o papel de 
narrador e não costuma dar voz 
às “personagens”.
4. Sobre a divulgação da literatura de 
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cordel, assinale a alternativa correta.
a) A sua principal fonte é a cantoria, 
em que um grupo de cantores 
narra os versos de cordel e, assim, 
recebe algum dinheiro. É uma 
produção literária escrita para ser 
cantada.
b) Os folhetos, em sua maioria, são 
ditados pelos poetas, que não 
possuem domínio da escrita. 
Portanto, em relação ao cordel, 
temos uma produção compar-
tilhada, ou seja, envolve quem 
conta e quem escreve o texto.
c) Está associada a um sistema de 
impressão tipográfica quase 
artesanal, em geral feita pelos 
próprios artistas, prática que se 
difundiu com a popularização das 
prensas.
d) As xilogravuras que ilustram as 
capas dos folhetos constituem 
uma estratégia das grandes 
editoras para conferir um aspecto 
mais artístico a essas obras, que, 
sem essa arte pictórica, não inte-
ressariam ao público.
e) O cordel desenvolveu-se apenas 
no Brasil, como resultado de uma 
literaturaproduzida entre ile-
trados e pobres, que não tinham 
condições nem de aprender as 
letras, nem de adquirir livros.
5. A vivacidade e a criatividade são 
elementos próprios da literatura de 
cordel. Os poetas são sensíveis àquilo 
que acontece à sua volta. Tudo pode 
ser transformado em versos. Assinale 
a alternativa que contém nos versos 
um exemplo dessa originalidade. 
a) Eu vou contar uma história 
De um Pavão Misterioso 
Que levantou voo na Grécia 
Com um rapaz corajoso 
Raptando uma condessa 
Filha dum conde orgulhoso. 
(SILVA, J. M. O pavão misterioso. In: 
MEYER, 1980, p.14.)
b) No reino da Pedra Fina 
Havia uma princesa 
Misteriosa, encantada, 
Uma obra da natureza 
Com ela duas irmãs 
Que eram flor da beleza. 
(ATHAYDE, J. M. In: MEYER, 1980, 
p. 30.)
c) A Donzela respondeu: 
– Com licença do El-rei 
Tudo que me perguntares 
Aqui te responderei 
Com brevidade e acerto 
Tudo vos explicarei. 
(BARROS, L. G. História da Donzela 
Teodora. In: BARROS, 2004, p.62.)
d) Deixemos agora a terra 
Num clima de confusão 
Para falar de Getúlio 
Na celestial mansão 
Como foi seu julgamento 
Vamos dar a descrição. 
(CAVALCANTE, R. Getúlio Vargas no 
céu. In: PROENÇA, 1986, p. 367.)
e) Eram doze cavalheiros 
Homens muito valorosos 
Destemidos e animosos 
Entre todos os guerreiros 
Como bem, fossem Oliveiros 
Um dos pares de fiança 
Que sua perseverança 
Venceu todos os infiéis 
Eram uns leões cruéis 
Os doze pares de França. 
(BARROS, L. G. A batalha de 
Oliveiros com Ferrabraz. In: MEYER, 
1980, p. 72.)
43Gêneros poéticos (romance, cantoria e folheto)
Literatura_popular_U2_C04.indd 43 21/09/2016 14:45:32
BARROS, L. G. História do boi misterioso. São Paulo: Hedra, 2004.
MEYER, M. (Org.). Autores de cordel: literatura comentada. São Paulo: Abril Educação, 
1980.
PESSOA, F. Quadras ao gosto popular. 4 ed. Lisboa: Ática, 1979.
Leituras recomendadas
CASCUDO, L. C. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Global, 2005.
PROENÇA, M. C. Literatura popular em verso (antologia). Belo Horizonte/São Paulo: Ita-
tiaia/EDUSP, 1986.
Literatura popular44
Literatura_popular_U2_C04.indd 44 21/09/2016 14:45:32
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para 
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual 
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
LITERATURAS 
AFRICANAS EM 
LÍNGUA 
PORTUGUESA
Gustavo Henrique Rückert
Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
F722l Forli, Cristina Arena.
 Literaturas africanas em língua portuguesa / Cristina 
 Arena Forli, Gustavo Henrique Rückert ; revisão técnica:
 Gabriela Semensato Ferreira. – Porto Alegre : SAGAH,
 2017. 
 132 p. : il. ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-106-8
 1. Literatura africana – Língua portuguesa. 2. Qualidade 
 ambiental. I. Rückert, Gustavo Henrique. II. Título. 
CDU 821.134.3(6)
Revisão técnica:
Gabriela Semensato Ferreira
Mestra em Letras com ênfase em Literatura Comparada (UFRGS)
Graduada em Licenciatura em Letras (UFRGS)
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_Iniciais_Impressa.indd 2 03/07/2017 14:41:17
Literatura de prosa
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 n Identi� car as especi� cidades dos textos em prosa nas literaturas afri-
canas em língua portuguesa.
 n Reconhecer a importância da oralidade e da escrita para a narrativa 
africana.
 n Sintetizar a contribuição de Luandino Vieira, Manuel Ferreira e Luís 
Bernardo Honwana para a construção de um estilo próprio na prosa 
literária africana em língua portuguesa.
Introdução
Certamente, você já ouviu falar bastante acerca da literatura de prosa no 
ocidente. Contos, novelas e romances franceses, ingleses, russos, alemães, 
italianos e estadunidenses são presença frequente nas prateleiras de 
estudiosos e interessados em literatura. No entanto, você já parou para 
pensar nas características que a prosa assume na África? Quais escritores 
e obras foram fundamentais para a consolidação de um estilo africano de 
prosa em língua portuguesa? Neste texto, você irá explorar essas questões.
A prosa africana entre a letra e a voz
Narrar é uma habilidade que acompanha a humanidade desde o domínio da 
linguagem. A partir da exposição de signos em sequência (sejam eles dese-
nhos ou palavras), adquirimos a capacidade de contar histórias (sejam elas 
reais ou fi ctícias). Contando histórias, passamos a organizar a compreensão 
temporal de nossas vidas, e consequentemente, carregá-las de sentidos. Por 
isso, a narrativa tornou-se aspecto fundamental da história humana e está 
presente em diversos textos do nosso cotidiano: fi lmes, notícias de jornais ou 
telejornais, mitos religiosos, textos historiográfi cos, relatórios, depoimentos, 
casos populares, anedotas e tantos outros. 
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U2_C05.indd 74 03/07/2017 14:30:39
Na literatura ocidental, as narrativas iniciaram sua trajetória sendo escritas 
em verso nas famosas epopeias, como a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Até a 
Idade Média, as narrativas mantiveram-se predominantemente em versos, pois 
essa estrutura favorecia a memorização dos textos – que tinham como destino a 
declamação em reuniões públicas. No entanto, já havia a manifestação de algumas 
narrativas em prosa, ou seja, dispostas em parágrafo de maneira contínua, sem 
a marcação de ritmos regulares. É na modernidade, contudo, com o advento da 
imprensa e a popularização do hábito da leitura individual e silenciosa, que as 
narrativas literárias passaram a ser escritas predominantemente em prosa. Assim, 
os escritores passaram a escrever romances e coletâneas de contos que seriam 
posteriormente publicados e lidos em grande escala. Até os dias atuais, a prosa 
tem sido o formato preponderante das narrativas literárias.
Quando as narrativas literárias ocidentais chegaram em solo africano sob a 
forma moderna do livro impresso, encontraram outra tradição narrativa no coti-
diano das populações: a contação oral de histórias. Difundido nas mais diversas 
culturas da África, esse hábito é fundamental na organização da vida social. É por 
meio de histórias contadas pelos mais velhos que se ensinam as regras morais de 
uma sociedade, os seus princípios religiosos, a sua história, os seus hábitos etc. 
Passaram, então, a conviver duas formas narrativas no continente: a narrativa 
escrita (moderna e trazida pelo colonizador), e a narrativa oral (tradição milenar 
local). Apesar de alguns escritores africanos, como Castro Soromenho, autor do 
clássico Terra morta (1949), apropriarem-se da linguagem e das técnicas narrativas 
ocidentais para escrever sobre o cotidiano africano de língua portuguesa, é justa-
mente a união das duas formas que caracteriza o estilo africano de prosa literária. 
Desse modo, a narrativa literária ocidental e a narrativa oral africana 
são as principais influências das literaturas de prosa nos países africanos de 
língua portuguesa. A caracterização de um estilo próprio a partir desses ele-
mentos se dá, principalmente, por meio de três escritores que você conhecerá 
neste texto: Luandino Vieira, Manuel Ferreira e Luís Bernardo Honwana. 
No início da década de 1960, intensificaram-se os movimentos de independência 
em países como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Além da luta armada, parte 
fundamental da empreitada anticolonial era a busca por uma cultura que sintetizasse 
o sentimento nacional. É nesse contexto que os autores ressaltados inovaram ao 
consolidar características próprias à literatura de prosa escrita em seus países.
75Literatura de prosa
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U2_C05.indd 75 03/07/2017 14:30:39
Luandino Vieira
Você já deve ter se perguntado: por que os escritores de países colonizados por 
Portugal optam por escrever em língua portuguesa? Em discussão semelhante, 
o escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o (1986) defendeu que as literaturas 
africanas não deveriam ser escritas nas línguas coloniais, e simnas línguas 
locais. Se pensarmos no contexto específi co da colonização portuguesa, ve-
remos que, apesar da língua do colonizador ter sido imposta como língua 
ofi cial, não houve preocupação com a escolarização dos colonizados. Dessa 
forma, as sociedades coloniais eram formadas por pessoas que possuíam 
diferentes etnias e, consequentemente, diferentes línguas que não o português. 
Por esse motivo, apropriar-se da língua portuguesa foi fundamental para a 
construção da unidade entre as diferentes etnias e, posteriormente, para luta 
contra a colonização. 
No campo da literatura, um dos principais nomes a resolver o dilema 
estético da língua de expressão do africano colonizado por Portugal foi José 
Vieira Mateus da Graça, que assumiu o nome de escrita de Luandino Vieira. 
Luandino, que você pode ver na foto da Figura 1, nasceu em 1935 em Portugal. 
No entanto, aos três anos mudou-se para a periferia de Luanda com os pais.
Figura 1. Luandino Vieira.
Fonte: Fenske (2016).
Tendo crescido em Angola, Luandino assumiu-se angolano e passou a 
colaborar com a luta de independência. A partir da década de 1950, publicou 
Literaturas africanas em língua portuguesa76
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textos em jornais e revistas que discutiam a questão do país, amadurecendo, 
assim, uma das escritas que marcaria a produção em prosa na África de língua 
portuguesa. 
Em 1963, o autor publica Luuanda, coletânea de três contos sobre a vida 
cotidiana nos musseques (termo local para definir as zonas periféricas) 
da capital angolana (VIEIRA, 2004). O impacto dessa publicação é tão 
grande que em 1965 a coletânea é premiada pela Sociedade Portuguesa de 
Escritores, tendo sido a primeira obra literária africana a receber premiação 
portuguesa. O reconhecimento da originalidade da prosa de Luandino 
(à época prisioneiro político) gerou perseguição e censura por parte da 
ditadura salazarista. 
Devido à sua posição política a favor da libertação de Angola, Luandino Viera foi 
detido pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e condenado a 14 anos 
de prisão. Após cumprir os primeiros anos em Luanda, foi transferido para a Colónia 
Penal do Tarrafal (Cabo Verde) – campo de concentração para onde eram enviados 
os principais dissidentes políticos da ditadura salazarista. No Tarrafal, Luandino ficou 
preso por oito anos. Grande parte de sua produção literária foi escrita durante esse 
período de reclusão.
Mas, afinal, o que havia de tão perturbador ao sistema colonial em Luuanda? 
A obra apresenta três contos: “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, “Estória 
do ladrão e do papagaio” e “Estória da galinha e do ovo” (VIEIRA, 2004). 
Os três contos têm localização espacial na periferia de Luanda e apresentam 
enredos baseados no cotidiano de pessoas humildes. O primeiro conto trata 
dos dilemas do jovem Zeca, que vive junto de sua avó. Ao mesmo tempo 
em que o protagonista faz suas descobertas amorosas, descobre também a 
dura realidade social em que está inserido. Já o segundo conto se ambienta 
em uma prisão da capital, na qual personagens como o angolano Xico Futa 
e o cabo-verdiano Lomelino dos Reis conversam sobre os motivos que os 
levaram à prisão. Surgem assim detalhes sobre a vida cotidiana, reflexões 
metanarrativas e a compreensão da realidade colonial. Lomelino, por exemplo, 
casado e com dois filhos, explica que roubava patos porque não era permitido 
a ter um trabalho honrado. Por fim, o último conto da coletânea apresenta 
a problemática de um caso popular em uma comunidade. A galinha de nga 
77Literatura de prosa
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Zefa botou um ovo no quintal de Bina, que lhe dava milho. Agora a quem 
deveria pertencer o ovo? Após consulta popular a diversos personagens, a 
polícia havia tomado para si não só o ovo como a galinha. É somente com a 
sagacidade das crianças do local que a galinha é recuperada. Dessa forma, 
em alusão figurativa à questão colonial, a comunidade compreende que deve 
se unir para que as disputas internas não favoreçam a exploração externa 
daquilo que pertence a elas. 
Para contar essas histórias, ou estórias, como o livro propõe, Luandino 
recorre a elementos característicos dos narradores orais da cultura local. Em 
“Estória da galinha e do ovo” (VIEIRA, 2004), por exemplo, antes de iniciar 
a narração propriamente dita, o narrador contextualiza: “Estes casos passa-
ram no musseque Sambizanga, nesta nossa terra de Luanda”. Ao encerrar a 
narração, afirma: “minha estória”. “Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem. 
Eu só juro não falei mentira e estes casos passaram na nossa terra de Luanda.” 
(VIEIRA, 2004, p. 152). O narrador literário representa, portanto, a figura do 
narrador oral e encena a situação de interlocução em que apresenta a narrativa 
à comunidade. A reiteração de que os casos se passaram na terra de Luanda 
(com direito a pronome possessivo), por fim, ainda cria o elo entre narrativa 
e comunidade. 
No que diz respeito à linguagem, o narrador narra em língua portuguesa. No 
entanto, não utiliza a língua conforme a gramática do colonizador, optando por 
utilizar a língua portuguesa conforme é utilizada por pessoas de comunidades 
periféricas de Luanda, com forte influência do quimbundo – uma das línguas 
locais. Assim, a presença do quimbundo altera o português em todas as suas 
estruturas: lexicais, morfológicas e sintáticas, criando uma estética única e 
que remete à fala dos sujeitos populares. A epígrafe da obra, por exemplo, é 
retirada de um conto popular local e citada na língua original: “Mu’xi ietu 
ia Luuanda mubita ima ikuata sonii...” (VIEIRA, 2004, p. 9). Em tradução, 
“[...] na nossa terra de Luanda acontecem coisas que envergonham...”. 
É dessa forma que Luandino Vieira (2004) subverte o colonizador em sua 
própria língua. O tão celebrado patrimônio português passa, assim, a ser visto 
como um aspecto que não é exclusivo da cultura lusitana. Faz parte também 
de tantos outros povos que o modificam à sua maneira. Luandino resolve, 
com isso, o principal problema estético das literaturas africanas em língua 
portuguesa: como ser africano escrevendo em português? É por isso que 
Luuanda (VIEIRA, 2004) é uma das mais fundamentais obras em prosa dos 
países africanos colonizados por Portugal, tornando-se referência obrigatória 
para as gerações posteriores. 
Na Figura 2, você pode observar a capa de uma das edições de Luuanda.
Literaturas africanas em língua portuguesa78
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Figura 2. Edição rara de Luuanda, impressa clandestinamente em Angola.
Fonte: Martins (2015). 
Manuel Ferreira
Manuel Ferreira, foi um nome de importância ímpar para a consolidação das 
literaturas africanas em língua portuguesa, veja a foto na Figura 3. Assim 
como Luandino, Ferreira nasceu em Portugal –especifi camente em 1917. 
Expedicionário do exército português, ele foi enviado para diversas colônias, 
como Angola e Goa, na Índia. Apesar da proximidade que desenvolveu com as 
demais colônias, foi em Cabo Verde que afl orou seu sentimento de pertença. 
Lá, participou ativamente de movimentos intelectuais e constituiu família 
com a também escritora Orlanda Amarílis. É a partir de suas experiências no 
arquipélago africano que escreveu Hora di bai (1962), um dos romances que 
revela ao mundo o drama insular vivido pelos habitantes locais. 
79Literatura de prosa
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Figura 3. Manuel Ferreira.
Fonte: Blog da Rua Nove (2016).
Além de ser um dos principais ficcionistas das literaturas africanas em língua portuguesa, 
Manuel Ferreira é um dos principais críticos dessas literaturas. Seu estudo Literaturas 
africanas de expressão portuguesa, de 1977, é uma das primeiras historiografias literárias 
sobre essas literaturas. Como professor da Faculdade de Letras da Universidadede 
Lisboa, Ferreira também foi pioneiro na década de 1970, introduzindo a disciplina de 
literaturas africanas na instituição, uma das principais de Portugal. 
Em virtudes das peculiaridades de Cabo Verde, sua história e sua cultura 
são bastante distintas das dos demais países africanos colonizados por Por-
tugal. Geograficamente, é importante considerar que o país se situa fora do 
continente, uma vez que é constituído por um arquipélago de dez ilhas. Essas 
ilhas, pequenas, montanhosas, pedregosas e com alta salinidade, são pouco 
receptivas à vida. Quando o colonizador chegou ao local, não havia populações 
lá. A população cabo-verdiana foi formada a partir do abandono de escravos 
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rebeldes e doentes no local e do degredo de sujeitos indesejados em Portugal. 
Dessa forma, a cultura cabo-verdiana apresenta fortes traços decorrentes de 
suas peculiaridades: migração, solidariedade, receptividade, hospitalidade, 
criatividade e musicalidade. 
Em Hora di bai, Manuel Ferreira (1980) procurou dar conta justamente 
dessas questões, em uma prosa que fosse representativa do povo de Cabo 
Verde. O título da obra, em crioulo local, indica essa preocupação, seja na 
questão linguística, seja na questão temática da partida, tão comum à vida 
cabo-verdiana. O romance pode ser divido em dois grandes movimentos. 
No primeiro, os habitantes das ilhas, atingidos pela miséria, pela fome e 
pelo desemprego, veem-se obrigados a migrar para tentar sobreviver. No 
segundo, cresce em meio ao povo a percepção de que não só as adversi-
dades geográficas são responsáveis pela miséria, mas também o descaso 
do sistema colonial português. Assim, passa a prevalecer o sentimento de 
antievasão e luta por melhores condições de vida no arquipélago. Os dois 
movimentos da obra também correspondem a dois movimentos intelectuais 
da história do país, o movimento Claridade (evasionista) e o movimento 
Certeza (antievasionista). 
Apesar de não buscar representar na linguagem de seu narrador a fala 
da população local, como Luandino, Ferreira (1980) também traz impor-
tantes inovações à prosa africana em língua portuguesa. Um dos aspectos 
que chama atenção é a frequente citação de canções populares locais – as 
chamadas mornas. Assim, a voz narrativa vai sendo formada também pela 
voz da sabedoria popular e de seu ritmo, tão bem expressos nesse gênero 
musical. No entanto, é na questão do foco narrativo que está a principal 
contribuição do autor. O foco da obra acompanha o trânsito de personagens 
entre as ilhas cabo-verdianas. No entanto, a partir da referência das histórias 
dessas personagens, tão acostumadas ao trânsito, é constante a menção às 
demais colônias e à metrópole. Dessa forma, o próprio foco narrativo da 
obra remete ao eterno dilema ir/ficar dos habitantes locais, criando assim 
a perspectiva de uma narrativa que ora enfatiza o movimento ora a imo-
bilidade. Dessa maneira, Manuel Ferreira contribui decisivamente para a 
prosa literária africana, com a característica marcadamente cabo-verdiana 
do ponto de vista cambiante entre a população local. 
A Figura 4 apresenta a capa da primeira edição de Hora di bai.
81Literatura de prosa
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Figura 4. Primeira edição de Hora di bai.
Fonte: Blog da Rua Nove (2010).
Luís Bernardo Honwana
No prefácio da primeira edição de Nós matámos o Cão-Tinhoso, Luís Bernardo 
Honwana (2008, p. 9) afi rma: “Não sei se realmente sou escritor. Acho que 
apenas escrevo sobre coisas que, acontecendo à minha volta, se relacionam 
intimamente comigo.”. A coletânea de contos em questão é a única obra 
publicada pelo autor, que anteriormente havia redigido textos esparsos em 
jornais e revistas. No entanto, apesar de não ter se dedicado a outras obras, 
pode-se afi rmar que Honwana, veja a foto na Figura 5, é um escritor bastante 
decisivo nas literaturas africanas em língua portuguesa. 
Literaturas africanas em língua portuguesa82
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Figura 5. Luís Bernardo Honwana.
Fonte: Honwana... (2015). 
Nascido em Lourenço Marques (após a independência denominada Maputo), 
em 1942, o moçambicano Luís Augusto Bernardo Manuel passou a infância 
em Moamba. Após tornar à capital para estudar e trabalhar como jornalista, 
engajou-se no projeto de independência da Frente de Libertação de Moçambique 
(FRELIMO). Devido à sua participação nos ideais independentistas, passou 
três anos preso. Seu talento literário foi percebido pelo poeta José Craveirinha, 
que incentivou a produção literária do seu conterrâneo. Assumindo o nome 
literário de Luís Bernardo Honwana, publicou em 1964 seus contos sob o 
título “Nós matámos o Cão-Tinhoso”.
Logo após sua publicação pela Sociedade de Imprensa de Moçambique, em 1964, a 
coletânea Nós matámos o Cão-Tinhoso foi apreendida pela PIDE. Apesar de proibida de 
circular em Portugal e em suas colônias portuguesas, a obra logo se tornou conhecida 
internacionalmente por conta de sua tradução para o inglês, publicada em 1969, como 
você pode ver na Figura 6. 
83Literatura de prosa
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Figura 6. Edição em língua inglesa de Nós matámos o Cão-Tinhoso.
Fonte: Kinna (2011). 
Nós matámos o Cão-Tinhoso é composto por sete contos. Diferentemente de 
Manuel Ferreira e, sobretudo, Luandino Vieira, Honwana (2008) não explora 
tanto a relação do português com as línguas locais em sua linguagem. Com um 
estilo bastante diferente desses autores, seus contos primam por uma narrativa 
objetiva, econômica e bastante visual. O principal tema abordado em suas 
histórias é o preconceito racial na sociedade colonial de Moçambique. Para 
isso, seus contos focalizam o cotidiano de personagens de diferentes posições 
sociais. Não raro, são crianças que assumem o foco ou até a voz narrativa. Dessa 
forma, por meio do desejo de descoberta do olhar infantil, revela-se o abismo 
social alimentado pelo preconceito racial do país, então colônia portuguesa. 
Entre os contos (HONWANA, 2008), há especial destaque ao conto homô-
nimo ao livro. A narrativa tem como narrador Ginho, menino negro e pobre. 
Apegado ao Cão-Tinhoso – como fora apelidado um cão velho, doente e de 
olhos azuis –, Ginho se depara com a vontade do veterinário Duarte de matar 
o animal. Duarte convence a turma de crianças da localidade a matar o animal, 
instalando, dessa forma o conflito do protagonista, que vive o dilema de não 
querer matar o cão e, ao mesmo tempo, não querer ser visto como covarde 
pelo restante da turma. Para alguns críticos (entre eles se destaca Inocência 
Mata), o cão representa a própria decadência do colonialismo português, ou 
seja, apesar da difícil decisão, o contexto apresenta a necessidade de agir com 
violência para romper os laços coloniais. Já para outros (entre eles se destaca 
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Maria Lúcia Dal Farra), o cão representa o ser colonizado, que mal visto pelos 
poderes coloniais, é marginalizado e violado. 
O legado
Portanto, é de diferentes formas que Luandino Vieira, Manuel Ferreira e Luís 
Bernardo Honwana exploram as relações entre a moderna narrativa literária 
ocidental e a tradição oral africana. Luandino (VIEIRA, 2004) subverte a 
palavra, dando o ritmo da fala das periferias de Luanda a sua escrita. Ferreira 
(1980) torna a narrativa em prosa migrante em seu foco como o próprio dilema 
do povo cabo-verdiano. Já Honwana (2008) empresta uma imagem objetiva 
aos casos de violência racial que afl igem a sociedade de Moçambique. É 
por marcarem a prosa literária com as cores locais nos anos de 1960 que se 
tornaram então referência para tantos outros prosadores que marcaram a 
vida literáriados países africanos de língua portuguesa, como os casos de 
Abdulai Sila, Boaventura Cardoso, Eduardo Agualusa, Germano Almeida, 
João Melo, João Paulo Borges Coelho, Manuel Rui, Mia Couto, Orlanda 
Amarílis, Paulina Chiziane, Pepetela, Ondjaki, Uanhenga Xitu, Ungulani Ba 
Ka Khosa e tantos outros. 
85Literatura de prosa
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BLOG DA RUA NOVE. Manuel Ferreira: Hora di bai. [S.l.]: Literatura Colonial Portuguesa, 
2010. Disponível em: <http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/5834.html>. 
Acesso em: 31 maio 2017.
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Disponível em: <http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/cabo+verde>. 
Acesso em: 31 maio 2017.
EVARISTO, C. Luís Bernardo Honwana: da afasia ao discurso insano em Nós matamos 
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FERREIRA, J. O nível metafórico e narrativo da Hora di bai de Manuel Ferreira. Revista 
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FERREIRA, M. Hora di bai. São Paulo: Ática, 1980.
89Literatura de prosa
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FERREIRA, M. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura 
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HONWANA: a independência está tão desvalorizada. Folha de Maputo, Maputo, 21 
ago. 2015. Disponível em: <http://www.folhademaputo.co.mz/pt/noticias/vida-e-
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HONWANA, L. B. Nós matámos o Cão-Tinhoso. Lisboa: Cotovia, 2008. 
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LOPES, J. S. M. Cultura acústica e cultura letrada: o sinuoso percurso da literatura em 
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VIEIRA, J. L. Luuanda. Lisboa: Caminho, 2004.
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Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
F722l Forli, Cristina Arena.
 Literaturas africanas em língua portuguesa / Cristina 
 Arena Forli, Gustavo Henrique Rückert ; revisão técnica:
 Gabriela Semensato Ferreira. – Porto Alegre : SAGAH,
 2017. 
 132 p. : il. ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-106-8
 1. Literatura africana – Língua portuguesa. 2. Qualidade 
 ambiental. I. Rückert, Gustavo Henrique. II. Título. 
CDU 821.134.3(6)
Revisão técnica:
Gabriela Semensato Ferreira
Mestra em Letras com ênfase em Literatura Comparada (UFRGS)
Graduada em Licenciatura em Letras (UFRGS)
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Autores africanos 
no século XX
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 n Reconhecer as especi� cidades políticas do século XX.
 n Identi� car os principais autores e obras das literaturas angolana, mo-
çambicana e cabo-verdiana do século XX.
 n Relacionar a obra � ccional de Pepetela aos principais acontecimentos 
da história angolana do século XX.
Introdução
O século XX foi repleto de intensas disputas pelo controle político de 
diversos territórios. Na África, não foi diferente. Angola, Moçambique e 
Cabo Verde vivenciaram a organização de movimentos revolucionários 
contra a opressão colonial e as guerras civis pós-independências (no caso 
dos dois primeiros). Como a literatura desses três países se articula em 
meio a esses acontecimentos? De que forma os representa? Quem são 
seus principais autores e obras? Neste texto, você irá estudar os principais 
autores africanos em língua portuguesa do século XX.
Século XX: o século da potência e da fragilidade 
humanas
Em meio aos destroços da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o fi lósofo 
judaico-alemão Walter Benjamin (1994, p. 115) escrevia: 
U N I D A D E 4 
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Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-
-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas 
nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões 
destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. 
De fato, o século XX foi um século de traumas na história da humanidade. 
Se no seu início revelou toda a criatividade humana por meio da ebulição 
cultural da Belle Époque, do desenvolvimento das grandes metrópoles, dos 
grandes inventos, como o avião; em sua sequência revelou a sua face mais 
violenta, com grandes guerras e intermináveis disputas pelo poder. Dessa 
forma, o século XX é o século das vanguardas artísticas, do desenvolvimento 
científico e tecnológico, das grandes guerras, dos massacres, dos governos 
totalitários e dos embates ideológicos.
O historiador Eric Hobsbawm define o século XX, marcado de 1914 a 1991 por grandes 
crises, catástrofes e incertezas, como o século dos extremos. Confira em A era dos 
extremos: o breve século XX, 1914-1991 (HOBSBAWM, 1995). 
Quando pensamos o século XX na África, não é diferente. Seu início é 
marcado pelas disputas territoriais dos colonizadores europeus (um dos motivos 
desencadeadores da Primeira Guerra Mundial), tráfico ilegal de escravos (mesmo 
após as abolições), exploração de recursos naturais e massacre de populações 
revoltosas. Os países africanos que eram colônias portuguesas passaram ainda 
pelo regime fascista do Estado Novo (comandado em quase sua totalidade 
por António Salazar); massacres entre colonos e populações locais; despertar 
de uma consciência política mais unificada; prisões, torturas e perseguições 
políticas; quase dez anos de luta pela independência; governos totalitários no 
pós-independência; falência das ideologias europeias em solo africano; e guerras 
civis impulsionadas pelas potências internacionais da Guerra Fria. 
Como era de se esperar, diante de um século em que o homem revela tanto 
a sua potência como a sua fragilidade, em que a vida de um grande estadista 
é representativa da vida de toda uma nação, e a vida de um simples soldado 
em campo de batalha é reduzida à inutilidade, a literatura (bem como outras 
artes) toma para si o papel de humanizar, procurando sensibilizar o leitor a 
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partir da experiência individual de cada sujeito histórico. É no conturbado 
contexto do século XX que as literaturas de Angola, Moçambique e Cabo 
Verde se consolidam como literaturas nacionais, comprometendo-seaté a 
última letra com a vida social daqueles que sofreram seus excessos políticos. 
Literaturas africanas antes das independências
O despertar de uma consciência coletiva crítica em relação ao colonialismo 
português (que, por sua vez, levaria à consciência nacional) é a base da for-
mação de um sistema literário em Angola, Moçambique e Cabo Verde. Boa 
parte dessa consciência começou a se materializar em publicações como a 
revista Brado literário (1918), de Moçambique; as revistas Claridade (1936) e 
Certeza (1944), ambas de Cabo Verde; o boletim Mensagem (1948), da Casa dos 
Estudantes do Império, em Lisboa; e a revista Mensagem – a voz dos naturais 
de Angola (1951), de Angola. É por meio desses veículos que começaram a se 
difundir textos de escritores que viriam a ser fundamentais na consolidação 
dessas literaturas. A seguir, você ver alguns deles.
Literatura angolana
Em Angola, ganha destaque a publicação do romance Terra morta (1949), de 
Castro Soromenho. Embora com uma linguagem bastante lusitana, a obra 
chama a atenção para os confl itos envolvendo a terra e a exploração de mão 
de obra na vila do Camaxilo. À visão crítica de Soromenho, escritores como o 
prosador Luandino Vieira e o poeta Agostinho Neto acrescentam uma maior 
preocupação com uma linguagem que melhor dialogasse com a oralidade local. 
Nesse sentido, a narrativa de Luandino Vieira foi fundamental às literaturas 
africanas, pois aproximava a língua portuguesa da oralidade dos musseques 
(bairros periféricos) em obras como A vida verdadeira de Domingos Xavier 
(1961), Luuanda (1963) e Nós, os do Makulusu (1974). 
Já Agostinho Neto, que viria a se tornar o primeiro presidente angolano, 
publicou diversos poemas esparsos, que utilizavam das perspectivas da ne-
gritude e do pan-africanismo para revelar a exploração do negro pelo mundo 
e, profeticamente, convocá-los à luta pela libertação. Esses poemas foram 
reunidos posteriormente na coletânea Sagrada esperança (1974). Aos poemas 
de Agostinho, somaram-se os dos poetas Alda Lara, António Jacinto, Viriato 
da Cruz, Arlindo Barbeitos, entre outros que, de diferentes formas, defen-
deram o fim da exploração dos povos angolanos e a luta pela independência. 
107Autores africanos no século XX
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Literatura moçambicana
Em Moçambique, o despertar de uma consciência nacional por meio da escrita 
literária passou fundamentalmente por nomes como Luís Bernardo Honwana, 
José Craveirinha e Noémia de Sousa. 
Contista, Luís Bernardo Honwana destacou-se pela antologia de contos 
Nós matamos o Cão-Tinhoso (1964), na qual se utilizou frequentemente do 
ponto de vista infantil para denunciar o abismo social e a violência racial na 
sociedade da então colônia portuguesa. Por meio da poesia, José Craveirinha 
– em textos reunidos em Xigubo (1964) e em Karingana ua karingana (1974) 
– e Noémia de Sousa – em textos reunidos posteriormente em Sangue negro 
(2001) – denunciaram a violência sofrida por homens e mulheres negros no 
regime colonial e defenderam a importância da luta pela independência. Na 
defesa dos ideais moçambicanos, somaram-se a eles as vozes dos poetas Rui 
Knopfli, Rui Nogar e Marcelino Santos, entre outros. 
Observe abaixo a crítica ao racismo e à exploração da mão de obra no poema “Nin-
guém”, publicado inicialmente em Karingana ua karingana, de José Craveirinha (1999, 
p. 92). 
Andaimes
até ao décimo quinto andar
do moderno edifício de betão armado.
O ritmo
florestal dos ferros erguidos
arquitectonicamente no ar
e um transeunte curioso
que pergunta:
– Já caiu alguém dos andaimes?
O pousado ronronar
dos motores a óleos pesados
e a tranquila resposta do senhor empreiteiro:
– Ninguém. Só dois pretos.
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Literatura cabo-verdiana
Devido às suas particularidades históricas, geográfi cas e culturais, o contexto 
de consolidação de uma literatura cabo-verdiana no século XX é um pouco 
diferente dos contextos angolano e moçambicano. No lugar da negritude e da 
oposição ao colonialismo português, tem-se inicialmente a denúncia das delicadas 
situações de seca, de fome e de migrações. O primeiro movimento a atentar 
mais criticamente para essas questões é o surgido da revista Claridade (1936). 
Manuel Lopes, Baltazar Lopes (que, nos poemas, assinava Osvaldo 
Alcântara) e Jorge Barbosa, por exemplo, utilizaram tanto da prosa como 
da poesia para denunciar a experiência do circunstancialismo do homem 
cabo-verdiano. Encontraram no romance de 30 brasileiro, sobretudo de nor-
destinos como Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Rachel 
de Queiroz, o diálogo estético necessário para dar conta do que pretendiam. 
O romance Chiquinho (1947), de Baltazar Lopes, é considerado um dos textos 
inaugurais da literatura cabo-verdiana. 
À criticidade na leitura social dos claridosos, somou-se a denúncia do des-
caso colonial e a defesa da independência cabo-verdiana por parte daqueles que 
passaram a publicar na revista Certeza (1944). Surgiam, assim, nomes como os 
do poeta Ovídio Martins, que se opunha radicalmente à visão evasionista de 
seus antecessores, e o do prosador Manuel Ferreira, autor do clássico Hora 
di bai (1962), romance fundamental na história da literatura cabo-verdiana e 
que sedimentou a visão anticolonial no arquipélago. 
Deve-se destacar ainda Orlanda Amarílis, que, apesar de consolidar-se no 
pós-independência, publicou em 1974 a coletânea de contos Cais-do-Sodré té 
Salamansa, importantíssima para o despertar de uma consciência nacional por 
meio da representação do cotidiano local e do cotidiano dos emigrados em Portugal.
As literaturas africanas após as independências
Como se sabe, as independências dos países africanos colonizados por Portugal 
(em sua maioria no ano de 1975) não resolveram os problemas oriundos do 
legado de mais de cinco séculos de exploração. 
Logo que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente 
de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o Partido Africano da Indepen-
dência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) assumiram o governo, os povos de 
Angola, Moçambique e Cabo Verde sofreram com inúmeros martírios, entre 
eles guerras civis financiadas pelas potências da Guerra Fria, governos totali-
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tários, perseguições políticas, burocratização do aparelho estatal, exploração 
da mão de obra local e dos recursos naturais por indústrias multinacionais, 
fome, estiagens, entre outros. 
Dessa forma, a literatura de tom utópico do pré-independência deu lugar 
à literatura de tom distópico do pós-independência, que apontou o triste con-
traste entre o sonho da geração da Casa dos Estudantes do Império e a dura 
realidade que teimava em assolar os africanos.
Em Angola, ganhou destaque o nome de Uanhenga Xitu. Embora com 
algumas publicações pré-independência, é no pós-independência que esse 
escritor se consolidou por meio de narrativas despidas de hermetismo literá-
rio e bastante próximas do estilo oral da tradição local. É autor de Vozes na 
sanzala (1976), Maka na sanzala (1979) e Os discursos do mestre Tamoda 
(1984), entre outros. 
Os anos de 1980 são marcados pela descrença e pela incerteza denunciadas 
tanto na prosa quanto na poesia de escritores como Boaventura Cardoso, 
Manuel Rui e Ruy Duarte de Carvalho. São deles, respectivamente, os 
clássicos A morte do velho Kipacaça (1987), Quem me dera ser onda (1982) 
e Ondula, savana branca (1982). Ana Paula Tavares, por sua vez, abor-
dou a questão da difícil condição feminina nas sociedades tradicionais. 
Desatacam-se os poemas de Ritos de passagem (1985) e as crônicas de 
Sangue da bungavília (1998). 
No final do século, surgiu ainda a voz do romancista José Eduardo Agua-
lusa, que em Estação das chuvas (1996) criticou de maneiracontundente a 
atuação do MPLA e em Nação crioula: correspondência secreta de Fradique 
Mendes (1997) transitou entre Portugal, Angola e Brasil do século XIX. 
Em Moçambique, Ungulani Ba Ka Khosa publicou, em 1987, o romance 
Ualalapi, cujo enredo se passa no fim do século XIX e evidencia os conflitos 
entre as sociedades tradicionais e o poder colonial. Na poesia, destacaram-se 
Eduardo White e Luís Carlos Patraquim. O primeiro é autor de Amar sobre o 
Índico (1984) e Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave (1992). 
O segundo, de A inadiável viagem (1985) e Vinte e tal novas formulações e 
uma elegia carnívora (1992). Em comum a ambos, a poesia ganhou tons mais 
autorreferenciais e metafóricos. 
Mia Couto, o grande autor moçambicano pós-independência, ganhou 
relevância com as coletâneas de contos Vozes anoitecidas (1986) e Estórias 
abensonhadas (1994) e os romances Terra sonâmbula (1992), A varanda do 
Frangipani (1996) e Vinte e zinco (1999). Couto deu destaque a temas como 
a guerra civil, a memória do passado moçambicano e o conflito entre as 
culturas locais e globais. 
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Por fim, os últimos anos do século revelaram a escritora Paulina Chiziane, 
uma das mais destacadas vozes africanas no enfoque de gênero. Em Balada 
de amor ao vento (1990) e Ventos do apocalipse (1993), a primeira mulher a 
publicar um romance em Moçambique revelou a desigualdade de gênero nas 
instituições do país, sejam elas tradicionais ou modernas. Vale ressaltar que 
Couto e Chiziane viriam a ter larga publicação no século XXI, desenvolvendo 
seus projetos literários iniciados nas décadas de 1980 e 1990.
Autorreferência ou metaliteratura é a reflexão sobre as condições do texto literário 
contidas no próprio texto literário. Dessa forma, a literatura torna-se o tema de sua 
própria representação. 
Em Cabo Verde, Orlanda Amarílis tornou-se a escritora de maior destaque 
após a independência. Suas antologias de contos Ilhéu dos pássaros (1983) e 
A casa dos mastros (1989) seguiram a tradição realista de denúncia social da 
literatura do país, no entanto, inovaram ao focalizar a condição da mulher e 
ao levar elementos do fantástico para a prosa local. 
Já Arménio Vieira destacou-se tanto pelos seus Poemas (1981) como pelo 
seu romance O eleito do sol (1990). Nos seus poemas, buscou dialogar com a 
tradição não só local, mas universal. No romance, por meio da história de um 
escriba egípcio que inventou seu passado para se tornar faraó, representou 
metaforicamente a história cabo-verdiana (sem passado anterior à colonização). 
Dessa forma, pensar o passado do país significa pensar a sua identidade presente. 
Corsino Fortes, que já publicara Pão & fonema (1974) no pré-indepen-
dência, deu continuidade à sua produção poética e publicou Árvore & tambor 
(1986) e Pedras de sol & substância (2001). O conjunto de seus livros de poemas 
forma a trilogia A cabeça calva de Deus, que difere bastante do estilo mais 
realista da literatura cabo-verdiana pela grande capacidade simbólica e pelo 
estilo hermético. Dina Salústio, importante figura na política e na literatura 
do arquipélago, publicou em 1994 a aclamada coletânea de contos Mornas 
eram as noites, voltada ao público infantil. 
Por fim, ganhou grande destaque no período pós-independência Germano 
Almeida, autor dos romances O meu poeta (1989) e O testamento do Sr. Na-
pumoceno da Silva Araújo (1991). Responsável por inaugurar a característica 
111Autores africanos no século XX
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do humor na narrativa literária de Cabo Verde, Almeida revela a permanência 
dos mecanismos coloniais de poder no pós-independência. 
Observe o primeiro parágrafo do romance Terra sonâmbula, de Mia Couto, 
o qual aborda o violento contexto da guerra civil moçambicana nos anos 1980 
(COUTO, 2007, p. 9): 
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as 
hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se 
mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Em 
cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da 
ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui o céu se tornara impossível. E os 
viventes se acostumaram ao chão. Em resignada aprendizagem da morte.
Pepetela e a representação da história angolana 
do século XX
Como você pôde perceber a partir do breve panorama até aqui exposto, muitos 
foram os escritores africanos que se ocuparam da representação dos principais 
acontecimentos de seus países no século XX (elencamos uma pequena par-
cela deles). No entanto, apesar da destacada qualidade de suas obras, poucos 
escritores internalizaram tanto o século XX de seu país como Pepetela (que 
você pode ver na Figura 1) incorporou o de Angola.
Figura 1. Pepetela.
Fonte: Agência Lusa (2014).
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Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (nome civil do escritor) nasceu 
em Benguela no ano de 1941. Após frequentar a Casa dos Estudantes do 
Império no final da década de 1950 e no início de 1960, tornou-se militante 
do MPLA em 1963. Durante a guerra de independência, Pepetela retornou 
à África, estabelecendo-se em Argel. Lá trabalhou ativamente no Centro de 
Estudos Angolanos. Em 1969, transferiu-se para Brazzaville, uma importante 
base do MPLA na República do Congo, próximo à fronteira norte de Angola. 
A partir de então, teve importante atuação na guerrilha contra a colonização 
portuguesa e na alfabetização dos guerrilheiros e das comunidades próximas. 
Para o projeto de alfabetização do povo angolano, Pepetela escreveu sua primeira 
obra publicada, a novela As aventuras de Ngunga (1972). O texto tinha como objetivo 
servir de material de estudo para as aulas. 
Com a independência de Angola em 1975, Pepetela passou a integrar o 
quadro de governo do MPLA, tornando-se Ministro da Educação do presidente 
Agostinho Neto. Após exercer o mandato por sete anos, optou por desligar-se 
do governo e dedicar-se mais atentamente à sua carreira literária. O conjunto de 
sua obra é um dos maiores estudos sobre a história do país. Se a história oficial 
fora marcada pela perspectiva colonial, a ficção permitiu ao autor reescrever 
a história moderna de Angola por uma perspectiva crítica, a do colonizado. 
Em Yaka (1985), Pepetela retoma a história dos colonizadores portugueses no 
século XIX, tema caro à compreensão do século XX no país. Mayombe (1980) 
é um romance fragmentado, escrito durante sua experiência como guerrilheiro 
na fronteira norte do país, e retrata o cotidiano dos grupos de guerrilha. Uma 
de suas obras mais aclamadas, revela a dificuldade de se criar um sentimento 
de unidade em meio a disputas dos diferentes grupos étnico-raciais angolanos 
e ao uso do poder para interesses individuais por parte de algumas lideranças 
do partido. Tudo isso ocorre no ambiente da luta de libertação, diagnosticando, 
assim, os futuros problemas que enfrentaria Angola independente.
Sua peça de teatro A corda (1980) centra-se em uma disputa de cabo de guerra. 
De um lado, os interesses estadunidenses com seu apoio à União Nacional para a 
Independência Total de Angola (UNITA); e de outro, a resistência do MPLA, apoiado 
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O prêmio ao vencedor: 
113Autores africanos no século XX
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Angola. A obra encena assim os conflitos da guerra civil no pós-independência. No 
romance O cão e os caluandas (1985), o autor chama atenção para o cotidiano dos 
habitantes de Luanda após a independência. Em Lueji (1990), há duas narrativas 
paralelas: a da princesa Lueji, no século XVIII, e a de uma bailarina que a repre-
sentava na contemporaneidade. O desejode Kianda (1995) é uma de suas obras 
com tom mais desiludido em relação aos rumos do país no pós-independência. 
No século XXI, Pepetela segue dando continuidade a seu grande projeto de 
escrita literária da história de Angola. No romance Predadores (2005), aponta 
a perversa relação entre a classe empresarial e o governo. Em O planalto e a 
estepe (2009), narra a relação de um angolano e uma mongol. A alteridade com 
a mongol serve de mote para revisar a história angolana a partir da memória 
da vida do personagem angolano na província de Huila. Em A sul, o sombreiro 
(2011), volta a ambientar sua narrativa na Angola dos séculos XVI e XVII, 
desvelando as disputas de interesse pela empreitada colonial.
Entre as numerosas obras do autor, sem dúvida aquela que melhor dá 
conta da história do país no século XX é A geração da utopia (1992), romance 
dividido em quatro partes: a casa, a chana, o polvo e o templo (PEPETELA, 
2000). Veja a imagem da capa deste romance na Figura 2.
Figura 2. A geração da utopia, 2ª edição.
Fonte: Alfarrabista (c2003-2013).
 “A casa” focaliza um grupo de angolanos (Sara, Aníbal, Vitor e Malongo) no 
contexto da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. Em meio aos debates 
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de suas distintas visões políticas, destaca-se o despertar de uma consciência 
revolucionária e a utopia de construir um país justo e igualitário. 
“A chana” está centrada nas guerrilhas pela independência do país. Com o 
foco em Vitor, que se torna comandante de guerra, o capítulo revela o quanto 
os ideais construídos nas décadas anteriores dão lugar a disputas internas e à 
busca por privilégios individuais. 
“O polvo”, já com Angola independente nos anos de 1980, tem seu foco em 
Aníbal, que desiludido com a corrupção no governo angolano e sentindo-se 
impotente frente ao novo quadro, passa a viver isolado na praia da Caotinha. 
Uma das cenas mais simbólicas da obra é quando ele mata um grande polvo, 
representando a ruptura com o passado utópico. 
Por fim, “O templo” revela o decadente contexto angolano da década de 
1990. Malongo, o personagem apolítico do primeiro capítulo, torna-se um 
importante empresário que troca privilégios com os governantes do país. Ele 
e Vítor se juntam então a Elias, um ex-integrante da União das Populações 
de Angola (UPA), grupo revolucionário contrário ao MPLA, para fundar a 
Igreja da Esperança e da Alegria do Dominus, aproveitando-se da fragilidade 
social do povo angolano para enriquecer. 
Observe a reflexão do personagem Mukindo, de A geração da utopia: “Todos falam do 
povo, mas ninguém pensa nele. O povo é como tronco de árvore. Todos se apoiam 
a ele, sobem por ele, para apanhar os frutos que estão lá em cima. Não é o povo que 
lhes interessa. Só os frutos.” (PEPETELA, 2000, p. 209). 
Dessa forma, Pepetela (2000) aborda em seu romance grande parte da 
história angolana do século XX, fazendo isso de forma complexa e revelando 
que a história não é linear e que muitos dos problemas da Angola independente 
já estavam postos antes mesmo de sua independência. A narrativa dessa 
história ganha os tons autobiográficos de quem não apenas testemunhou, 
como de fato participou dos principais eventos da história moderna do país. 
É por unir essa singular experiência com capacidade crítica, apurada técnica 
narrativa e a incessante vontade de reescrever a história colonial e pós-colonial 
angolana por meio da literatura, que a obra de Pepetela é uma das mais ricas 
e complexas produções acerca do século XX africano. 
115Autores africanos no século XX
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1. Assinale a descrição que melhor 
caracteriza o século XX. 
a) Um século caracterizado por 
intensas disputas territoriais, 
políticas e ideológicas.
b) Um século de estabilidade 
política e pacifismo nas 
relações internacionais.
c) Um século caracterizado 
pela dominação da igreja 
sobre o estado.
d) Um século de pouca influência 
do estado sobre a sociedade.
e) Um século marcado por 
guerras de teor religioso.
2. Sobre a produção literária dos países 
africanos de língua portuguesa 
antes de suas independências, 
é correto afirmar que:
a) Em Angola, Luandino Vieira, Alda 
Lara e António Jacinto ficaram 
mais conhecidos por sua obra 
poética, a qual defendia o fim da 
exploração dos povos angolanos 
e a luta pela independência.
b) Em Angola, Castro Soromenho, 
Luandino Vieira e Agostinho Neto 
evidenciaram em seus romances 
a preocupação com a exploração 
da terra e com o uso de uma 
linguagem que estabelecesse 
diálogo com a oralidade.
c) Em Moçambique, José 
Craveirinha e Noémia de 
Sousa denunciaram em seus 
poemas a violência sofrida 
pelos sujeitos negros no 
regime colonial e defenderam 
a luta pela independência.
d) Os poetas moçambicanos 
Rui Knopfli, Rui Nogar e 
Luís Bernardo Honwana 
defenderam os ideais 
moçambicanos em suas obras.
e) O poeta cabo-verdiano 
Ovídio Martins apresenta 
uma visão evasionista em 
seus textos, criticando seus 
antecessores alinhados aos 
ideais da revista Claridade.
3. Assinale a alternativa correta sobre 
as literaturas africanas em língua 
portuguesa produzidas após as 
independências de seus países.
a) É uma característica das 
obras desse período o tom 
de descrença e incerteza 
devido à falência dos projetos 
sociais tão sonhados para 
as independências.
b) Tanto Ana Paula Tavares 
quanto Paulina Chiziane 
problematizam a condição da 
mulher em seus romances.
c) Paulina Chiziane e Orlanda 
Amarílis inovam por trazer 
a questão da condição 
feminina em suas produções 
e por incluir elementos do 
fantástico na prosa local.
d) Os poemas de Eduardo 
White e de Luís Carlos 
Patraquim têm em comum 
o fato de aproximarem-se da 
oralidade e, portanto, serem 
de fácil acesso ao leitor.
e) José Eduardo Agualusa 
e Ungulani Ba Ka Khosa 
criticaram severamente a ação 
do MPLA em suas obras.
4. Manuel Alegre (1995, p. 19) 
considera que “Pepetela não é 
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só o maior romancista da África 
que se exprime literariamente 
em português. Ele é o escritor 
da língua portuguesa que mais 
intensamente e melhor do que 
nenhum outro fixou nos seus 
livros o itinerário e o perfil de uma 
geração.”. Qual dos trechos abaixo, 
retirados do romance A geração 
da utopia, melhor exemplifica a 
reflexão de Manuel Alegre?
a) “Portanto, só os ciclos eram 
eternos.” (PEPETELA, 2000, p. 9).
b) “Claro que me interessa saber 
o que se passa na terra. Mas só 
isso. Não tenho nada que me 
meter em organizações, sei lá 
porquê uma é melhor que a 
outra. Acho que temos coisas 
mais importantes para fazer 
juntos.” (PEPETELA, 2000, p. 46).
c) “E é triste sentir que a nossa 
geração, que vos deu apesar 
de tudo a independência, logo 
a seguir vos tirou a capacidade 
de a gozar. Como um pai que, 
ao oferecer um brinquedo 
ao filho, o monopoliza, só ele 
brinca com ele, com o pretexto 
de que o filho o vai estragar. 
Não é mesmo tragicabsurdo?” 
(PEPETELA, 2000, p. 361).
d) “Há duas Angolas, elas se 
defrontam. Duas Angolas 
provenientes dessa cisão da 
elite, a urbana e a tradicional. 
Isto de forma grosseira, é 
evidente, porque sempre houve 
pontos de passagem entre os 
diferentes sectores. Felizmente 
nesta guerra houve empate, 
nenhuma destruiu a outra. Mas 
continua a haver duas Angolas.” 
(PEPETELA, 2000, p. 364).
e) “E de qualquer modo tinham um 
vasto terreno comum, o ódio à 
ditadura de Salazar e a esperança 
na independência das colónias. 
Opunham-se nos métodos e na 
maneira de prever a sociedade 
futura. Uma sociedade onde 
o Estado ia abolir as classes, 
segundo Aníbal, uma sociedade 
sem Estado pois este tendia a 
ser o manto sob o qual novas 
classes se criariam, segundo 
Marta.” (PEPETELA, 2000, p. 86).
5. “Para dizera verdade, tinha vontade 
de criar o MMP, Movimento dos 
Marginalizados do Processo. Como 
único programa, ser oposição ao 
futuro governo eleito, qualquer seja. 
Porque marginalizados só podem ser 
oposição, nunca ganham eleições, 
mesmo sendo a esmagadora maioria 
da população. Se por um azar o 
Movimento conseguisse a maioria 
dos votos, o que correspondia a 
uma impressionante tomada de 
consciência do povo, dissolvia-se 
automaticamente, para não ser 
corrompido pelo uso do poder.” 
(PEPETELA, 2000, p. 366).
A proposta fictícia de partido 
para tomada de consciência dos 
marginalizados do personagem 
Aníbal, do romance A geração 
da utopia, opõe-se à corrupção 
pelo uso do poder de qual 
dos seguintes governos?
a) Governo do Estado Novo, 
comandado pelo sucessor de 
Salazar, Marcello Caetano.
b) Governo do Estado Novo, 
comandado por António Salazar.
c) Governo da FRELIMO.
d) Governo do MPLA.
e) Governo do PAIGC.
117Autores africanos no século XX
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AGÊNCIA LUSA. Pepetela e o 25 de Abril. Luanda: Rede Angola, 2014. Disponível em: 
<http://www.redeangola.info/pepetela-e-o-25-de-abril/>. Acesso em: 30 jun. 2017.
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<http://www.alfarrabista.com/E/1041159/Livro/A%20Gera%C3%A7%C3%A3o%20
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BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da 
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COUTO, M. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 
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PEPETELA. A geração da utopia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
Literaturas africanas em língua portuguesa118
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http://www.redeangola.info/pepetela-e-o-25-de-abril/
http://www.alfarrabista.com/E/1041159/Livro/A%20Gera%C3%A7%C3%A3o%20
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para 
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual 
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
F722l Forli, Cristina Arena.
 Literaturas africanas em língua portuguesa / Cristina 
 Arena Forli, Gustavo Henrique Rückert ; revisão técnica:
 Gabriela Semensato Ferreira. – Porto Alegre : SAGAH,
 2017. 
 132 p. : il. ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-106-8
 1. Literatura africana – Língua portuguesa. 2. Qualidade 
 ambiental. I. Rückert, Gustavo Henrique. II. Título. 
CDU 821.134.3(6)
Revisão técnica:
Gabriela Semensato Ferreira
Mestra em Letras com ênfase em Literatura Comparada (UFRGS)
Graduada em Licenciatura em Letras (UFRGS)
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Autores contemporâneos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 n Relacionar o conceito de contemporaneidade à capacidade de revelar 
as “trevas de seu tempo”.
 n Identi� car os principais autores e obras das literaturas angolana, mo-
çambicana e cabo-verdiana do século XXI.
 n Reconhecer a importância dos autores africanos para a renovação da 
tradição literária universal.
Introdução
A consolidação das literaturas de Angola, Moçambique e Cabo Verde 
está bastante associada a seus processos de independência, ocorridos 
na segunda metade do século XX. No entanto, você já se perguntou 
sobre os rumos que essas literaturas tomaram no século XXI? Quem são 
seus principais autores e obras? Quais suas principais temáticas? Neste 
texto, você vai refletir sobre essas questões para compreender um pouco 
da contemporaneidade das literaturas africanas em língua portuguesa.
As letras africanas no século XXI
No século XX, as literaturas africanas em língua portuguesa consolidaram-
-se como sistemas literários, atuaram de maneira decisiva na formação da 
consciência nacional e nas lutas pelas independências, criticaram incisiva-
mente os regimes autoritários instalados no pós-independência, repensaram 
a condição da mulher nas sociedades africanas e revisitaram criticamente o 
passado colonial. Mas, e no século XXI? O que essas literaturas têm dito? 
Quais autores têm se destacado? Quais suas principais tendências? A seguir, 
você vai ver como alguns dos principais autores de Angola, Moçambique e 
Cabo Verde têm lido “as trevas do seu tempo”. 
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Literaturas africanas em língua portuguesa120
Ao se perguntar sobre o que é ser “contemporâneo”, o teórico Giorgio Agamben (2009, 
p. 60) formulou uma das mais criativas definições para o conceito, defendendo que a 
contemporaneidade está na capacidade de revelar “as trevas” de seu próprio tempo.
Angola
O século XXI trouxe novas perspectivas para a literatura produzida pelos 
escritores angolanos. A condição da mulher, a revisão do passado, a co-
munidade lusófona e o riso por meio da estética pós-moderna passaram a 
frequentar as páginas dos textos contemporâneos do país. Neste sentido, alguns 
autores, já consagrados das últimas décadas do século anterior e outros novos 
no cenário, têm renovado a história da literatura angolana. 
Ana Paula Tavares, já destacada no fim do século XX com poemas e 
crônicas que retratam sobretudo a questão da mulher africana, segue sendo 
nome imprescindível nesse assunto, em obras como Dizes-me coisas amargas 
como os frutos (2001) e Manual para amantes desesperados (2007). Os sig-
nificados do feminino nas culturas locais são bastante explorados, revelando 
a condição feminina nessas sociedades. 
José Eduardo Agualusa, que também já vinha se destacando como 
romancista nos anos anteriores, consolida seu trabalho no século XXI. 
Seus romances como Um estranho em Goa (2000) e O ano em que Zumbi 
tomou o Rio (2001) confirmam a tendência de Nação crioula (1997) para 
uma perspectiva literária viajante e lusófona. Você pode notar, assim, que 
muitos enredos do escritor se passam no trânsito entre países que outrora 
formaram o império português. Já as obras como O vendedor de passados 
(2004) e Teoria geral do esquecimento (2012) revelam a preocupação com 
o passado angolano, que é entendido não como meramente factual, mas 
sim como sujeito aos mecanismos da narrativa e da imaginação. Por fim, 
destaca-se o romance Rainha Ginga (2014), em que o autor tematiza o mito 
da grande rainha dos reinos Ndongo e Matamba que resistiu ao colonialismo 
português no século XVII. 
Entre os escritores surgidos no século XXI, merece destaque também o 
nome de Ondjaki. Em romances como Bom dia, camaradas (2001) e Avó 
Dezanove e o segredo do soviético (2008) e a coletânea de contos Os da 
minha rua (2007) o autor segue o caminho iniciado pelo moçambicano Luís 
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121Autores contemporâneos
Bernardo Honwana da representação social por meio do olhar infantil. No 
entanto, seu contexto não é mais o colonial, e sim o pós-independência. 
Dessa forma, o leve humor característico dessa faixa etária conduz o 
olhar para os símbolos do passado de luta pela independência. Ondjaki 
ainda se destaca pela sua literatura para crianças, como é o caso da peça 
teatral Os vivos, o morto e o peixe-frito (2009), nessa obra, mais uma vez 
pela perspectiva bem-humorada, a condição de imigrantes africanos em 
Portugal é retratada. 
Entre os novos escritores da literatura de Angola, tem sido ressaltado o 
nome de João Melo, que você pode ver na Figura 1. Apesar de intensa obra 
poética publicada nos anos 1980 e 1990, a partir dos anos 2000 ele se con-
solidacomo contista. Merecem atenção suas coletâneas Os filhos da pátria 
(2001), The Serial Killer e outros contos risíveis ou talvez não (2004) e O dia 
em que o Pato Donald comeu pela primeira vez a Margarida (2006). Suas 
narrativas são extremamente marcadas pelos dilemas culturais envolvendo 
a globalização, pela metanarrativa e pela ironia ao estilo pós-moderno. 
Assim, problematiza por meio de seu humor tanto o passado heroico da luta 
pela independência como a dúvida e a incerteza que permeiam a atualidade 
de seu país. 
Figura 1. João Melo.
Fonte: João... (2015).
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Literaturas africanas em língua portuguesa122
Para elucidar de maneira mais específica a produção literária de João Melo, 
abordaremos o conto “O pato revolucionário e o pato contra-revolucionário”, 
publicado em O dia em que o Pato Donald comeu pela primeira vez a Marga-
rida (MELO, 2006). O narrador do conto, em discurso marcado pela ironia e 
pelas reflexões metanarrativas, conta a história de um guerrilheiro angolano, 
denominado Agostinho (mesmo nome do principal herói nacional), que foi 
enviado na década de 1960 à Coreia do Norte para realizar treinamento militar. 
Agostinho importuna seu instrutor Lee com a seguinte problemática: se um 
pato coloca um ovo na fronteira entre as duas coreias, a quem ele pertencerá? 
Após Lee muito conjecturar sobre as prováveis origens capitalista ou comunista 
do pato, o angolano atesta o erro de seu professor ao afirmar que patos não 
colocam ovos. O comportamento do guerrilheiro (que para o narrador antecipou 
Lyotard nas reflexões sobre o pós-modernismo, revelando a fragilidade das 
grandes narrativas – no caso, socialismo e capitalismo) foi condenado pelas 
lideranças socialistas norte-coreanas, que o enviaram de volta para Angola. 
Por fim, o narrador ressalta que o professor Lee fugiu para a Coreia do Sul, 
onde se tornou um importante empresário. Agostinho, após a independência 
do país africano, não teve sucesso no ramo empresarial como outros líderes 
revolucionários, sendo apenas técnico de uma empresa privada. Após par-
ceria com os sul-coreanos, por fim, Agostinho torna-se assalariado de Lee. 
O último detalhe elucidado pelo narrador é que se trata de uma empresa de 
criação de patos. 
A ambiguidade da palavra “patos”, que remete àqueles que acreditaram nas 
grandes ideologias que pautaram as disputas políticas do século XX, revela, a 
partir de Melo, uma transformação bastante significativa da literatura angolana. 
Se ela começou utópica e esperançosa nos versos de Agostinho Neto no século 
XX, chega ao século XXI com os típicos traços de ironia e de ceticismo da 
literatura produzida na pós-modernidade. 
O filósofo francês Jean-François Lyotard é um dos principais pensadores do pós-
-modernismo. Em sua obra mais conhecida, A condição pós-moderna (LYOTARD, 1989), 
definiu a condição da pós-modernidade a partir da falência das grandes narrativas da 
modernidade, como as ideologias do século XX. 
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U4_C08.indd 122 03/07/2017 14:30:15
123Autores contemporâneos
Moçambique
Da mesma forma como ocorreu com a literatura angolana, a literatura produzida 
em Moçambique também passou por signifi cativas modifi cações no século 
XXI. Já nos seus primeiros anos, o novo século traz à literatura do país uma de 
suas obras mais emblemáticas: Niketche: uma história de poligamia (2002), de 
Paulina Chiziane. A autora já havia publicado dois romances na década de 1990. 
Entre eles, Balada de amor ao vento (1990), considerado o primeiro romance 
escrito por uma mulher no país. Em Niketche, a autora desvela o cotidiano 
familiar moçambicano, explorando as diferenças culturais entre o norte e o sul, 
as sociedades tradicionais e os setores mais “ocidentalizados”. Em comum a 
eles, está a institucionalização da violência à mulher na cultura, na religião, nas 
leis e nos demais setores da sociedade. Esses temas também são explorados em 
obras como O alegre canto da perdiz (2008) e As andorinhas (2009).
Se o projeto de independência da Frente de Libertação de Moçambique 
(FRELIMO) passou pela unificação da heterogeneidade étnica, linguística 
e cultural do país, João Paulo Borges Coelho trata de se voltar ao sentido 
contrário e evidenciar a pluralidade que compõe Moçambique. Suas coletâneas 
de contos Índicos indícios I (2005) e Índicos indícios II (2005), divididos pelos 
respectivos subtítulos setentrião e meridião, são exemplos claros desse projeto 
de defesa da diversidade. 
Apesar do surgimento e da consolidação de novos escritores, o grande 
destaque da literatura contemporânea do país continua sendo Mia Couto – o 
escritor africano de língua portuguesa mais aclamado internacionalmente, 
que você pode ver na Figura 2. No fim do século XX, o autor já havia con-
sagrado o seu nome por meio de obras como Vozes anoitecidas (1986), Terra 
sonâmbula (1992), Estórias abensonhadas (1994), A varanda do frangipani 
(1996) e Vinte e zinco (1999). No século XXI, em O último voo do flamingo 
(2000), O outro pé da sereia (2006) e Venenos de deus, remédios do diabo 
(2008) dá prosseguimento a questões marcantes de sua obra, como a prosa 
poética que busca elementos de línguas locais e neologismos para alcançar 
lirismo, o deslumbramento com a atividade da contação de histórias, o limiar 
entre fato e ficção na narrativa do passado, o choque de culturas tradicionais e 
modernas no pós-independência. Já na coletânea de contos O fio das missan-
gas (2004) e nos romances A confissão da leoa (2012) e Mulheres de cinzas 
(2015), inova na temática de sua própria obra ao representar a condição da 
mulher moçambicana. 
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Literaturas africanas em língua portuguesa124
Figura 2. Mia Couto.
Fonte: Trefaut (2015).
Para abordar de maneira mais específica a obra de Mia Couto, iremos 
refletir sobre o romance Venenos de deus, remédios do diabo (COUTO, 2008). 
A narrativa está localizada no vilarejo fictício denominado Vila Cacimba. A 
vila moçambicana, remota e sempre encoberta pela cacimba, é ambiente onde 
não é possível distinguir a fantasia da realidade. Natural do local, Deolinda 
desperta a curiosidade do médico português Sidónio na antiga metrópole, 
que parte então para Vila Cacimba em busca da bela jovem que conhecera 
em Portugal. No vilarejo africano, Sidónio não encontra Deolinda – sempre 
ausente da narrativa –, mas Bartolomeu Sozinho e Dona Munda, seus pais. 
Trabalhando como médico voluntário, Sidónio tenta curar os males de 
Bartolomeu, que, por sua vez, vivia trancado em um quarto escuro com suas 
ferramentas – ambiente que remete ao porão do navio transatlântico onde 
trabalhava no período colonial. O fato de ser o único negro a trabalhar no navio 
orgulhava Bartolomeu, que se sentia saudoso em relação ao colonialismo. Ao 
buscar compreender seu universo, Sidónio envolve-se em uma rede de memórias 
de difícil compreensão. Dona Munda, mulher e mulata (portanto desvalorizada 
pelos brancos colonialistas e pelos negros da vila), é acusada pelo marido de 
feitiçaria. É através da enigmática relação com Munda que Sidónio entende 
a ausência de Deolinda, que teria partido do local após ser abusada pelo pai. 
Outra personagem fundamental para a trama é Suacelência, o corrupto 
administrador de Vila Cacimba. Nacionalista, Suacelência é o personagem que 
se opõe ao colonialista Bartolomeu. Seu totalitarismo, no entanto, deixa claro 
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125Autores contemporâneos
que, embora seja contrário ao regime colonial português, acaba por governar 
a partir dos mesmos mecanismos de poder que o colonizador. 
Portanto, por meio de uma confusa névoa formada pela memória de di-
ferentes personagens, o médico português se depara com as contradições 
de Moçambique do período pós-independência, passando por temas como 
AIDS,violência doméstica, abuso sexual, machismo, corrupção, burocracia 
e tantos outros. Assim, é como se a enigmática Vila Cacimba, situada entre 
a tradição africana e a modernidade ocidental, fosse metonímia do próprio 
país, vagando em busca de memórias que resolvam seu conflito identitário. 
Ao fim da narrativa, são espalhadas “flores do esquecimento” no local. Resta 
a Moçambique, portanto, reinventar sua identidade para voltar-se ao futuro, 
e não ao passado colonial. 
Cabo Verde
Assim como as literaturas de Angola e de Moçambique, a de Cabo Verde 
também apresenta novidades no que diz respeito à sua produção no século 
XXI. Arménio Vieira, já consagrado com seus Poemas (1981) e O eleito do 
sol (1990), continua seu projeto de uma literatura repleta de referências à cul-
tura universal, porém de forma a sempre debater metaforicamente a situação 
do arquipélago. Seu conjunto O Brumário (2013), Derivações do Brumário 
(2013) e Fantasmas e fantasias do Brumário (2014), formado por aquilo que 
denomina poemas em prosa, faz referência tanto à Revolução Francesa, que 
empresta o ideário revolucionário à modernidade, como às brumas com que 
descreve Cabo Verde. 
Outro nome que se consolida nas letras cabo-verdianas durante o século 
XXI é o de Vera Duarte, da qual devem ser destacadas as coletâneas de 
poemas O arquipélago da paixão (2001), Preces e súplicas ou os cânticos 
da desesperança (2005) e Exercícios poéticos (2010), que revelam, por meio 
do olhar feminino, o cotidiano vivido nas ilhas. Duarte expressa sua ampla 
defesa pelos direitos humanos, atividade que também lhe rende importante 
destaque no campo jurídico. 
Entre os escritores que já haviam se consagrado na literatura cabo-verdiana 
do século XX e dão prosseguimento à sua obra no século XXI, destaca-se o 
nome de Germano Almeida, que você pode ver na Figura 3. Em O meu poeta 
(1989) e O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo (1991), o autor havia 
inovado a literatura do país, marcada pelo tom dramático em relação à seca, à 
miséria e à fome, com a utilização do humor como recurso estético. A partir 
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Literaturas africanas em língua portuguesa126
da virada do século, em As memórias de um espírito (2001), Eva (2006) e A 
morte do ouvidor (2010), prossegue satirizando o poder e o cotidiano local. 
Se nas suas primeiras obras o objeto da crítica era o regime totalitário do 
pós-independência, agora se concentra no poder empresarial proporcionado 
pelo neoliberalismo. 
Figura 3. Germano Almeida.
Fonte: Loures (2013).
Para refletir sobre a produção de Germano Almeida, abordaremos em 
particular a obra Eva (ALMEIDA, 2006), romance centrado em três per-
sonagens: Luís Henriques, Reinaldo e Eva. Os dois primeiros são amigos e 
dividem intensa paixão pela mesma mulher: a protagonista Eva. A narrativa 
desenvolve-se em três momentos históricos distintos: os anos de 1960 em 
Lisboa, o pós-independência (1975) em Cabo Verde e, por fim, a atualidade 
novamente em Lisboa. 
Personagem central da obra, movimentando-a em ausência, visto que sua 
descrição é realizada por meio da memória de Luís Henriques e Reinaldo em 
Lisboa, Eva foge completamente à identidade imposta socialmente às mulheres. 
Ela nega a objetificação da mulher para a satisfação masculina, prezando pela 
sua liberdade sexual. Dessa forma, mesmo casada com Zé Manuel, mantém 
relações com mais dois homens, Luís Henriques e Reinaldo, sem deixar de 
amar nenhum dos três. 
Eva (ALMEIDA, 2006) é uma obra que trata de transformações nas relações 
amorosas ao longo do tempo. Isso ocorre também em relação a Cabo Verde. 
O confronto instala-se entre dois tempos extremos: a certeza e a utopia da 
juventude nos anos de 1960, com a dúvida e a reflexão da maturidade, nos 
dias atuais. Assim, o país igualitário sonhado pelos jovens revolucionários dá 
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127Autores contemporâneos
lugar a diversos conflitos do presente referenciados pela obra: uma sociedade 
patriarcal, racista e ainda pobre. Um dos pontos mais dramáticos dessa reali-
dade está nas entrevistas que Reinaldo faz com os cabo-verdianos contrários 
à independência que se encontram exilados em Portugal sem possibilidade 
de regresso. Dessa forma, a obra insere-se no século XXI com o importante 
movimento de avaliar os efeitos do acontecimento mais importante do país 
africano no século XX: a sua independência. 
Os africanos colonizam a literatura portuguesa
Boaventura de Sousa Santos (2010) sempre chamou atenção para o fato de 
que, apesar da violência colonial, o colonizador português acabava, inevita-
velmente, herdando traços culturais africanos dessa relação. No século XXI, 
um dos elementos mais evidentes da colonização cultural do português pelos 
africanos está na literatura portuguesa, visto que alguns de seus principais 
escritores são nascidos em países como Angola, Moçambique e Cabo Verde. 
Esses autores, embora se assumam portugueses, possibilitam um outro olhar 
sobre África, Portugal e a colonização na história da literatura portuguesa. 
Um dos escritores mais importantes nesse sentido é Helder Macedo, que 
nasceu na África do Sul, passou a infância em Moçambique e a adolescência 
em Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe. No final do século XX, com seu 
romance Partes de África (1991), no qual critica o sistema colonial a partir da 
narrativa ficcionalizada de suas vivências no continente africano, tornou-se uma 
das principais vozes literárias na crítica ao colonialismo português. No século 
XXI, destaca-se pelos romances Vícios e virtudes (2000) e Natália (2009). É 
importante mencionar ainda que Helder Macedo é professor de literaturas em 
língua portuguesa no King’s College, em Londres, sendo reconhecido como 
um dos principais críticos dessas literaturas. 
No século XXI, um dos escritores portugueses mais aclamados interna-
cionalmente é Gonçalo Tavares, nascido em Angola. É autor das obras Um 
homem: Klaus Klump (2003), Jerusalém (2004) e da série O bairro (2002-
2010). No entanto, no que diz respeito à sua contribuição crítica em relação 
à colonização portuguesa, sua principal obra é a epopeia pós-moderna Uma 
viagem à Índia (2010). Em laborosa paródia do clássico camoniano Os lusía-
das, do século XVI, o autor acaba por ironizar o imaginário desbravador que 
alimentou o passado lusitano. 
Outro escritor bastante destacado na literatura portuguesa do século XXI 
é o também nascido em Angola Valter Hugo Mãe. Entre as obras do autor 
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Literaturas africanas em língua portuguesa128
estão O remorso de Baltazar Serapião (2006), O apocalipse dos trabalha-
dores (2008) e A máquina de fazer espanhóis (2010). Sua mais destacada 
contribuição na crítica ao colonialismo português é O nosso reino (2004). 
Narrado por um menino de oito anos em uma aldeia portuguesa na década 
de 1970, o romance acaba desvelando toda a brutalidade social do racismo e 
da violência de gênero presente no cotidiano lusitano, passando, em grande 
parte, pela instituição da igreja católica. 
Outra grande surpresa do novo século nas letras portuguesas é Isabela 
Figueiredo. Nascida em Moçambique e, após a independência, tendo se 
mudado para Portugal, Figueiredo manteve ativo uma espécie de caderno de 
notas no seu blogue “Novo Mundo”, no qual compartilhava as memórias dos 
tempos coloniais com sua família em terras moçambicanas. As narrativas do 
sítio eletrônico transformaram-se no aclamado Caderno de memórias coloniais 
(2009), que problematiza questões como as violências culturais, religiosa, de 
gênero e de raça durante o período colonial, bem como o entrelugar indenti-
tário daqueles que, tendo vivências nas antigas colônias e metrópoles, acabam 
não se sentindo pertencentes a Portugal nem à África. 
Para o teórico indiano Homi Bhabha (2013), o entrelugar está relacionadoàs fronteiras 
culturais. Estas são vistas não como ponto de segregação, e sim como ponto de contato 
entre diferentes culturas. Assim, os sujeitos pertencentes a um entrelugar identitário 
não podem ser definidos pelas culturas aquém ou além fronteira, pois configuram 
uma terceira cultura, a do interstício, do limiar, do trânsito.
Conclusão
É a partir da renovação das literaturas angolana, moçambicana, cabo-verdiana 
e até portuguesa, que os escritores africanos inovam a própria literatura 
universal. Se desde a antiguidade grega, com as epopeias de Homero, muitas 
foram as transformações ocorridas na tradição literária ocidental, no século 
XXI os africanos tratam de enriquecer essa história com a sua forma de ver 
a atualidade. O mundo ganha assim a valiosa contribuição daqueles capazes 
de revelar muitas das “trevas de nosso tempo” (AGAMBEN, 2009) por meio 
de suas páginas. 
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129Autores contemporâneos
1. De acordo com as ideias do 
teórico Giorgio Agamben 
(2009), o contemporâneo na 
literatura está ligado a qual 
das seguintes ideias? 
a) Atualidade das obras publicadas.
b) Capacidade de inovar a 
estrutura do texto literário.
c) Abordagem de temas atuais.
d) Visão crítica do próprio tempo.
e) Originalidade de estilo.
2. Nas alternativas a seguir, estão 
listadas características que Maria 
Alzira Seixo (1999, p. 91-100) atribui 
à literatura pós-moderna. Assinale 
a característica que é mais evidente 
no trecho a seguir do conto “O pato 
revolucionário e o pato contra-
revolucionário”, de João Melo (2006). 
“Os angolanos, além de gostarem 
de makas, de farrar até de manhã, de 
chegar tarde aos seus compromissos 
e de usar e abusar do humor, 
inclusive contra eles mesmos, 
também sempre foram pós-
modernos avant la lettre.” 
a) A obra faz uma releitura ficcional 
da história oficial, confrontando 
assim os dois discursos.
b) Propõe um diálogo da 
literatura consigo mesma.
c) Fazendo uso da ironia em 
intrusões do narrador, transfere o 
foco narrativo para os excluídos.
d) A obra insere-se na renovação 
narrativa do século XX, 
que associa os elementos 
do tempo e do espaço ao 
pensamento humano.
e) Nenhuma das características 
anteriormente mencionadas 
encontra-se no trecho do 
conto de João Melo.
3. Sobre o romance Venenos 
de deus, remédios do diabo, 
de Mia Couto (2008), é 
correto afirmar que: 
a) Há um esforço na narrativa 
por manter bem marcados os 
dois planos existentes para a 
diferenciação do leitor: o da 
fantasia e o da realidade.
b) Bartolomeu Sozinho, pai de 
Deolinda, devido à sua vivência 
no período colonial em um 
navio transatlântico, condena 
esse sistema e, por isso, vive 
trancado em um quarto escuro 
com suas ferramentas.
c) Suacelência, administrador 
da Vila Cacimba, compartilha 
dos ideais nacionalistas de 
Bartolomeu, o que se configura 
em uma contradição, pois usa 
os mesmos mecanismos do 
colonizador para governar.
d) O médico Sidónio, ao chegar 
em Moçambique, se depara 
com as contradições do país no 
período pré-independência.
e) Vila Cacimba pode ser 
considerada a metonímia de 
Moçambique, que tal como a 
comunidade vaga procurando 
por memórias que resolvam 
seu conflito identitário.
4. Assinale a alternativa verdadeira 
acerca do romance Eva, 
do escritor cabo-verdiano 
Germano Almeida (2006). 
a) As ações da narrativa transcorrem 
no espaço de Cabo Verde.
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Literaturas africanas em língua portuguesa130
b) Eva é descrita como uma 
personagem que rompe com 
a identidade social imposta às 
mulheres, assumindo a posição 
de sujeito de suas relações.
c) O núcleo do romance 
consiste nas disputas entre 
Luís Henriques e Reinaldo, 
ambos apaixonados por Eva.
d) Reinaldo, jornalista, 
realiza entrevistas com os 
cabo-verdianos exilados 
por serem favoráveis à 
independência do país.
e) O romance apresenta 
o encontro de seus três 
personagens principais, Eva, 
Luís Henriques e Reinaldo, 
em Lisboa na atualidade.
5. Acerca da literatura produzida 
por escritores portugueses 
que acabaram herdando 
traços culturais africanos, 
podemos dizer que: 
a) As narrativas Partes de África, 
Uma viagem à Índia, O nosso 
reino e Caderno de memórias 
coloniais tecem críticas ao 
colonialismo português. O 
primeiro e o último o fazem 
a partir de experiências 
autobiográficas; já o segundo 
e o terceiro, a partir de 
experiências mais ficcionais.
b) Helder Macedo, autor nascido 
na África e identificado como 
cidadão português, alterna 
da perspectiva favorável ao 
colonialismo em seu primeiro 
romance, Partes de África, 
para a perspectiva crítica nos 
seus romances seguintes.
c) O nosso reino, romance de 
Gonçalo Tavares, traz à tona a 
memória da infância de uma 
menina, problematizando 
questões culturais, religiosas, 
de gênero e de raça.
d) Valter Hugo Mãe, com a epopeia 
pós-moderna Uma viagem à 
Índia, realiza uma paródia do 
clássico Os lusíadas, de Luís 
Vaz de Camões, ironizando o 
imaginário desbravador que fora 
tão exaltado no passado lusitano.
e) Isabela Figueiredo, com 
Caderno de memórias coloniais, 
centra sua crítica apenas em 
questões de gênero durante o 
período colonial, mostrando 
uma perspectiva antes não 
abordada pela literatura.
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131Autores contemporâneos
AGAMBEN, G. O que é contemporâneo?: e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
ALMEIDA, G. Eva. Lisboa: Caminho, 2006.
BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2013.
COUTO, M. Venenos de deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba. 
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JOÃO Melo: a literatura angolana hoje já não precisa de pedir licença a ninguém. 
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LOURES, C. Um grande escritor de Cabo Verde: Germano Almeida. [S.l.]: A Viagem dos 
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TREFAUT, M. P. Mia Couto: “É o racismo que inventa a raça”. Planeta, São Paulo, 07 maio 
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-que-inventa-a-raca/>. Acesso em: 19 jun. 2017.
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http://www.africa21online.com/artigo.
https://aviagemdosargonautas.net/2013/01/18/
http://www.revistaplaneta.com.br/mia-couto-e-o-racismo-
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para 
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual 
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
 
Conteúdo:
Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
F722l Forli, Cristina Arena.
 Literaturas africanas em língua portuguesa / Cristina 
 Arena Forli, Gustavo Henrique Rückert ; revisão técnica:
 Gabriela Semensato Ferreira. – Porto Alegre : SAGAH,
 2017. 
 132 p. : il. ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-106-8
 1. Literatura africana – Língua portuguesa. 2. Qualidade 
 ambiental. I. Rückert, Gustavo Henrique. II. Título. 
CDU 821.134.3(6)Revisão técnica:
Gabriela Semensato Ferreira
Mestra em Letras com ênfase em Literatura Comparada (UFRGS)
Graduada em Licenciatura em Letras (UFRGS)
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Comparação entre 
literatura brasileira 
e africana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados.
 n Reconhecer a importância da intertextualidade na constituição dos 
textos literários.
 n Identi� car as relações intertextuais entre obras literárias africanas e 
brasileiras.
 n Avaliar os sistemas literários enquanto laços comunitários transnacionais.
Introdução
Você sabia que autores brasileiros como Jorge Amado, Guimarães Rosa 
e Manuel Bandeira foram indispensáveis para o desenvolvimento das 
literaturas africanas em língua portuguesa? Embora ainda não tenham o 
devido reconhecimento em nosso país, essas literaturas têm muito mais a 
ver conosco do que imaginamos. Neste texto, você vai estudar um pouco 
mais sobre as relações entre a literatura brasileira e as literaturas africanas.
Diálogos para além do Atlântico
Você já parou para pensar como é feito um texto literário? Os românticos 
defenderam que é a partir da expressão da subjetividade de seu autor. O texto 
seria, assim, produto de uma individualidade. No entanto, a literatura compa-
rada nos mostrou que, diferentemente da perspectiva romântica, um texto é 
sempre formado por várias vozes. Para a teórica Julia Kristeva (1974, p. 74), 
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“[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e 
transformação de um outro texto.”. Concluímos assim que a criação de uma 
obra literária se faz sempre pela utilização de outras obras literárias como 
referência, seja para a manutenção ou para a ruptura de características.
O diálogo explícito ou implícito de uma obra literária com outras, formando uma 
comunidade textual, foi definido por Kristeva (1974) com o conceito de “intertextuali-
dade”. Tania Franco Carvalhal (2001, p. 54), por sua vez, explicou que sempre que isso 
ocorre, “[...] a repetição sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o (e por 
que não dizê-lo?) o re-inventa.”. 
Nesse sentido, você já se perguntou que textos foram utilizados como referência 
para a constituição das literaturas africanas? Devido ao fato de essas literaturas 
configurarem importantes passos rumo à independência (não só política, como 
cultural) desses países, colonizados por Portugal, a literatura portuguesa deixou 
de ser seu grande norte referencial. Ao elencar suas leituras fundamentais, então, 
os escritores africanos de língua portuguesa passaram a observar o Brasil como 
possibilidade de diálogo mais que possível, indispensável. Em meados do século 
XX, a literatura brasileira já havia passado pela ruptura conceitual proposta 
pelos modernistas de 1922, pela perspectiva marxista do romance de 30 e pela 
solução linguística que Guimarães Rosa apresentou ao problema da distância 
entre a linguagem literária e a linguagem cotidiana do país. Os escritores afri-
canos perceberam então que os diálogos entre África e Brasil, que remontam ao 
tráfico escravista do período colonial, renderiam no seu presente importantes 
frutos para a independência cultural de países como Angola, Moçambique, Cabo 
Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Nas próximas seções iremos abordar 
alguns pontos decisivos desse diálogo literário transatlântico. 
O romance de 30 – uma perspectiva crítica da 
sociedade
A partir do fi nal da década de 1920, iniciou no Brasil um dos mais importantes 
movimentos de regionalização da literatura: o neorrealismo, ou romance de 30, 
Literaturas africanas em língua portuguesa92
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como fi cou mais conhecido no país. Escritores como Jorge Amado, Graciliano 
Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Erico Verissimo procuraram 
evidenciar as condições de trabalho no interior do país. Para isso, optaram 
frequentemente por narrativas lineares, narradores em terceira pessoa e 
linguagem objetiva. A partir dessa estrutura, puderam evidenciar as relações 
entre a propriedade privada das terras e a exploração da mão de obra dos 
trabalhadores. É importante mencionar que a sociologia brasileira produzia 
à época algumas de suas mais basilares obras, como Casa grande & senzala 
(1933), de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de 
Hollanda. Em consonância com esses estudos, os romances de 30 acabavam por 
defender uma tese sobre a estruturação social do país, pautada na exploração 
da mão de obra daqueles que não detêm a propriedade de terras.
A descoberta de uma literatura que possibilitava a observação da estru-
tura social em um país também colonizado por Portugal e que passou pela 
experiência traumática da escravidão foi fundamental para a consolidação 
das literaturas africanas em língua portuguesa. O escritor africano que mais 
dialogou com a perspectiva do romance de 30 brasileiro foi o angolano Castro 
Soromenho. Em 1949, ele publicou o romance Terra morta, que aborda a deca-
dência de brancos, mulatos e negros na vila do Camaxilo. A partir da presente 
exploração do algodão, retoma as explorações do diamante, da borracha e do 
marfim – condenando o capitalismo predatório do sistema colonial como o 
causador da morte da terra. 
À aplicação do neorrealismo às questões africanas de Soromenho, segui-
ram vários outros escritores. Em Cabo Verde, por exemplo, a contribuição 
do romance de 30 brasileiro foi decisiva para o movimento Claridade (1936), 
encabeçado por Osvaldo Alcântara, Jorge Barbosa e Manuel Lopes. Esse mo-
vimento foi um divisor de águas na literatura do arquipélago, pois iniciou um 
processo de denúncia à precariedade das condições de vida na então colônia 
portuguesa. À ruptura do movimento de 1933, segue a Certeza (1944). É no 
desenvolvimento desse segundo movimento que se destacam os nomes de 
Manuel Ferreira e Orlanda Amarílis. Ferreira é autor de Hora di bai (1962), 
romance que inova em relação à linguagem neorrealista alimentando-se 
da cultura migrante local e da musicalidade da morna, como é conhecido 
o gênero musical popular do país. No entanto, em relação à denúncia da 
exploração social ocorrida no período colonial, sua obra revela profundo 
diálogo com nomes como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Amarílis, em 
obras como Cais-do-Sodré té Salamansa (1974), denuncia a realidade social, 
com especial enfoque na condição da mulher, também pela perspectiva 
neorrealista. 
93Comparação entre literatura brasileira e africana
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Em Angola e Moçambique, Luandino Vieira e Luís Bernardo Honwana 
revelam também a importância do romance de 30 para suas obras. Luandino, 
apesar de adotar uma perspectiva linguística bastante distinta da estética 
neorrealista, denuncia em obras como A vida verdadeira de Domingos Xavier 
(1961) e Luuanda (1963) a violência do sistema colonial na periferia de Angola. 
Honwana, por sua vez, com linguagem muito mais sintética que os neorre-
alistas, revela o quanto o racismo e a violência estão arraigados à estrutura 
social moçambicana. Apesar das diferenças linguísticas, a representação da 
sociedade colonial na produção desses autores deve muito à proposta dos 
escritores brasileiros. 
Por isso, o romance de 30 brasileiro foi fundamental à consolidação das 
literaturas africanas em língua portuguesa, sendo relevante não apenas aos 
autores mencionados, mas às gerações que os seguem. Em nomes como Jorge 
Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Erico 
Verissimo, os africanos encontraram o grande contributo para a leitura e a 
representação de sua realidade social, emprestando uma visão mais crítica 
aos textos literários. No caso do escritor baiano,sobretudo, encontraram 
uma referência de valores inestimáveis, visto que, além do alcance social de 
sua obra, havia maior interesse pelos aspectos da cultura afrodescendente e 
uma maior proximidade da linguagem popular em comparação aos demais 
neorrealistas. 
Guimarães Rosa e a solução para a problemática 
da linguagem narrativa
Um dos principais problemas da literatura regionalista brasileira do século 
XIX consistia no abismo linguístico entre os narradores e os homens re-
presentados na condição de personagens. Aqueles, com linguagem cientifi -
cista e ponto de vista predominantemente urbano, acabavam reproduzindo 
preconceitos para descrever estes. Um dos primeiros escritores a resolver 
esse problema é Simões Lopes Neto, que cria Blau Nunes, uma espécie 
de contador de causos do interior do Rio Grande do Sul para assumir a 
condição de narrador de seus contos. Assim, a literatura aproximava-se da 
linguagem e da visão de mundo do homem interiorano. Já em meados do 
século XX, João Guimarães Rosa consolida a postura iniciada por Lopes 
Neto. Em seus contos e romances, Guimarães Rosa recorre a narradores 
que remontam sertanejos do norte de Minas Gerais. Se os regionalistas de 
outrora haviam descrito com preconceitos os sujeitos dos sertões do país, 
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Rosa levava à excelência uma literatura que ia em sentido oposto: revelava 
poeticidade na narrativa oral desses sujeitos e densidade fi losófi ca na 
sua representação de mundo.
Nas literaturas africanas, uma das discussões centrais sempre foi a ques-
tão linguística. Escrever em português significaria escrever na língua do 
colonizador. No entanto, as línguas locais chegam a dezenas em cada um 
dos países – muitas delas sem registros gráficos. Dessa forma, essas línguas 
mostravam-se insuficientes para literatura, considerando o número de leitores 
que teriam acesso às obras. Apropriar-se da língua portuguesa foi, então, tarefa 
fundamental na literatura e na política desses países. No campo político, essa 
apropriação possibilitou a criação de uma unidade entre os diferentes povos 
que habitavam os futuros países. No campo literário, a partir da leitura de 
obras como Sagarana (1946), Grande sertão: veredas (1956) e Primeiras 
estórias (1962), de Guimarães Rosa, os escritores africanos perceberam que 
era possível utilizar a língua portuguesa como expressão da cultura popular 
local em suas narrativas. 
O escritor decisivo para o diálogo entre o sertanejo do norte de Minas e a 
África foi o angolano José Luandino Vieira. A partir da experiência de Rosa, 
Vieira percebeu a viabilidade da voz de sujeitos populares ser explorada 
literariamente. Assim, buscou no português hibridizado com o quimbundo, 
linguagem comum à oralidade de muitos musseques (bairros periféricos) da 
capital Luanda, o estilo de seus narradores. Obras como sua novela A vida 
verdadeira de Domingos Xavier (1961), seu romance Nós, os do Makulusu 
(1974) e, especialmente, sua coletânea de contos Luuanda (1963) – este último 
o primeiro livro africano premiado em Portugal – foram fundamentais à ques-
tão linguística nas literaturas africanas em língua portuguesa, tornando-se 
referência indispensável à sua geração e às seguintes. 
Na esteira do diálogo entre Luandino Vieira e Guimarães Rosa está um 
dos autores africanos mais reconhecidos da atualidade: o moçambicano Mia 
Couto. Nas suas obras, prevalece o poder da fabulação que uma narrativa 
pode oferecer. Para obter essa força do contar histórias, Couto também 
recorre aos narradores orais populares de Moçambique, recriando seus 
universos linguísticos entre o português e as línguas locais, mas, assim 
como Guimarães Rosa, também utilizando bastante de neologismos. É 
autor, entre outros, de Vozes anoitecidas (1986), Terra sonâmbula (1992) – 
considerado um dos doze livros mais importantes do continente africano no 
século XX –, Estórias abensonhadas (1994) e O outro pé da sereia (2006) 
– obras aclamadas pela crítica e comumente elogiadas no que diz respeito 
ao aspecto linguístico.
95Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 95 29/06/2017 18:15:53
Observe o seguinte trecho da entrevista de Mia Couto concedida a Paulo Hebmüller (2016):
Entrevistador: Quando o senhor começou a achar que era hora de transpor 
essas vozes para a escrita? Mia Couto: Essa África onde eu vivo é uma sociedade que 
escuta. As pessoas escutam os outros e, na conversa, há uma distribuição de tempos: 
o tempo da fala e o tempo da escuta, como se por turnos as pessoas soubessem o 
que têm de fazer.
Acho que houve um momento em que eu, já jornalista, fui tentado a escrever as 
histórias que escutava. Essas histórias estavam tão vivas, tinham tanta força, que pediam 
que fossem transportadas dessa oralidade para a escrita.
Mas aí percebi que a própria escrita tinha de mudar. Aquela que eu sabia e reconhecia 
não acomodava essa riqueza, essa coloração e, sobretudo, a música, a prosódia. Comecei 
à procura de uma escrita que fosse plástica e permitisse essa inundação da oralidade.
Fiz um primeiro livro (Vozes Anoitecidas, 1987) já muito influenciado por um angolano 
chamado Luandino Vieira, que abriu portas à oralidade da sua cidade, Luanda, e li uma 
entrevista em que ele fazia referência à influência de João Guimarães Rosa em seu 
trabalho. Então, fui à procura de Guimarães Rosa. Nos meus livros seguintes, como 
Estórias Abensonhadas (1994), já tive esse encontro, que realmente foi importante porque 
havia ali uma legitimação: é possível fazer isso, é possível deixar entrar essas vozes.
Pasárgada no imaginário cabo-verdiano 
Se a literatura brasileira foi referência fundamental às literaturas africanas em 
língua portuguesa, no caso específi co da literatura cabo-verdiana foi ainda 
maior. Por questões históricas, como a grande pluralidade étnica, sobretudo 
a partir da diáspora negra, a cultura de Cabo Verde apresenta traços muito 
evidentes de semelhanças culturais com o Brasil, como na religiosidade ou 
na musicalidade, por exemplo. Dessa forma, a literatura brasileira foi muito 
lida nas ilhas que compõem o arquipélago. Como você já viu anteriormente, 
o romance de 30, sobretudo de nordestinos como Jorge Amado, Graciliano 
Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, uma vez que também retra-
tavam do drama da seca, foram imprescindíveis aos movimentos literários 
cabo-verdianos no século XX. No entanto, um poeta modernista brasileiro 
fi cou marcado na cultura local de forma bastante singular: Manuel Bandeira. 
O recifense Manuel Bandeira é um dos principais poetas da história brasi-
leira. Como poucos, conseguiu unir cultura popular à tradição lírica, criando 
uma voz poética de rara sensibilidade e beleza. É essa percepção da estética 
possível, a partir da oralidade popular, que encantou seu público africano. Um 
poema em específico, “Vou-me embora pra Pasárgada”, acabou compondo a 
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concepção cabo-verdiana dos espaços estrangeiros e locais. O poema, publicado 
na coletânea Libertinagem (1930), cria a ideia de um lugar idílico, Pasárgada, 
onde seria possível a realização de tudo aquilo que não seria no plano real. Há, 
dessa forma, uma erotização das possibilidades mencionadas pelo eu-lírico 
nesse plano imaginário. Observe (BANDEIRA, 2007, p. 146-147): 
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
 
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
97Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 97 29/06/2017 18:15:53
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
 
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada. 
O movimento Claridade (1936) foi fundamental na denúncia das condições 
de miséria pelas quais passavam os cabo-verdianos. Uma das formas de ressaltar 
essa questão era enfatizar a expectativa por condições melhores fora do país. Nesse 
contexto, Osvaldo Alcântara se apropriou do lugar ficcional criado por Bandeira 
para ressignificá-lo no imaginário local. Pasárgada, então, passava a significar 
qualquer terra estrangeira onde pudessem residir os sonhos de melhores con-
dições de vida, com emprego, moradia, alimentação, água etc. Observe a seguir o 
poema “Itinerário de Pasárgada” (ALCÂNTARA apud ANDRADE, 1975, p. 32): 
Saudade fina de Pasárgada... 
Em Pasárgada eu saberia 
Onde é que Deus tinha depositado 
O meu destino...
 
E na altura em que tudo morre... 
(cavalinhos de Nosso Senhor correm no céu; 
a vizinha acalenta o sono do filho rezingão; 
Tói Mulato foge a bordo de um vapor; 
O comerciante tirou a menina de casa; 
Os mocinhos de minha rua cantam
Indo eu, indo eu, 
A caminho de Vizeu...) 
Na hora em que tudo morre, 
Essa saudade fina de Pasárgada 
É um veneno gostoso dentro do meu coração. 
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É interessante perceber que o cotidiano cabo-verdiano é descrito com 
uma interpolação do verso “E na hora em que tudo morre”. Se Cabo Verde 
se caracteriza a partir do “tudo morre”, por oposição as terras estrangeiras 
(Pasárgada) são a promessa de vida. O movimento Certeza (1944) seguiu a 
perspectiva de denúncia das condições locais dos claridosos. No entanto, 
adotou uma perspectiva fundamentalmente oposta: o antievasionismo. Assim, 
a despeito da miséria, das condições climáticas e do descaso colonial, adotava 
a postura de ficar nas ilhas para construir a nação cabo-verdiana. Ovídio 
Martins, nesse sentido, respondeu ao poema de Osvaldo Alcântara, mantendo 
o mesmo significado para Pasárgada, no entanto adotando uma perspectiva 
completamente oposta em relação a ele. Observe o poema “Antievasão” 
(MARTINS apud ANDRADE, 1975, p. 48):
Pedirei 
Suplicarei 
Chorarei
Não vou para Pasárgada 
Atirar-me-ei ao chão 
E prenderei nas mãos convulsas 
Ervas e pedras de sangue 
Não vou para Pasárgada 
Gritarei 
Berrarei 
Matarei 
Não vou para Pasárgada. 
Ressalta-se que a vontade de permanecer em Cabo Verde (não ir para 
Pasárgada) é tão grande que a gradação de ações expressas nos versos chega 
ao extremo: “matarei”. Os versos “[...] atirar-me-ei ao chão/ E prenderei nas 
mãos convulsas/ Ervas e pedras de sangue [...]” revelam que esse permanecer 
nas ilhas está ligado a assumir uma identidade cabo-verdiana, amalgamando 
o ser e o espaço geográfico em que vive. 
A apropriação do lugar criado por Manuel Bandeira ressalta, portanto, a 
decisiva contribuição do autor para as discussões literárias, sociais e políticas 
99Comparação entre literatura brasileira e africana
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do local. A ideia de Pasárgada ficou tão arraigada à cultura local que os escri-
tores ligados aos movimentos Claridade e Certeza também são comumente 
mencionados como pasargadistas e antipasagardistas.
Conclusão: um sistema literário transnacional e 
descolonizante
Como você pôde perceber, a literatura brasileira foi fundamental à consoli-
dação das literaturas africanas de língua portuguesa. De maneira especial, 
o modernismo brasileiro, nas suas mais variadas manifestações, ofereceu 
intertexto necessário para que essas literaturas afi rmassem o compromisso 
com as culturas locais. Vale lembrar que o modernismo foi o grande movi-
mento de ruptura da literatura nacional com os laços lusitanos, tão comuns 
às estéticas anteriores. Por isso, a voz e o cotidiano das camadas populares 
do país passaram a integrar, de diferentes formas, nossa estética literária. É 
possível entender, dessa forma, que as relações intertextuais que foram aqui 
abordadas confi guram alguns elementos de um grande sistema literário 
transnacional. Esse sistema buscou, por meio da solidariedade entre dife-
rentes países da comunidade lusófona, criar elementos que possibilitassem 
sua descolonização cultural. 
É importante mencionar, no entanto, que esse diálogo ainda ocorre so-
bretudo em mão única. Se os africanos tomaram a literatura brasileira como 
referência indispensável para pensar os seus países, o movimento contrário 
ainda é muito pouco explorado no Brasil. Apesar dos destacados esforços de 
alguns escritores, pesquisadores e movimentos sociais, a literatura produzida 
em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe 
ainda é muito pouco conhecida no país. Nesse sentido, a atividade dos atuais 
e futuros docentes de literatura é fundamental para reverter esse quadro. 
Afinal, conhecer nossas origens para além do Atlântico é primordial para 
conhecermo-nos. 
Literaturas africanas em língua portuguesa100
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1. Assinale a alternativa que 
corresponde à contribuição do 
romance de 30 brasileiro para 
a consolidação das literaturas 
africanas em língua portuguesa.
a) O romance de 30 resolve o 
problema do abismo linguístico 
entre o narrador e os personagens 
representados, possibilitando às 
literaturas africanas a inserção 
da oralidade de sujeitos 
populares à narrativa literária.
b) Ao evidenciar as relações entre 
a propriedade privada das terras 
e a exploração da mão de obra 
dos trabalhadores, o romance 
de 30 ofereceu às literaturas 
africanas a possibilidade de uma 
visão mais crítica da sociedade.
c) Em virtude de seu rebuscamento 
formal, com inversões 
cronológicas, fragmentação e 
linguagem hermética, o romance 
de 30 possibilitou a renovação 
estética das características 
formais dos romances africanos.
d) O romance de 30, por meio 
da representação crítica dos 
grandes líderes estatistas, 
acabou por emprestar às 
literaturas africanas novas 
possibilidades de representação 
dos dilemas coloniais.
e) O romance de 30 emprestou 
novos significados às 
concepções cabo-verdianas dos 
espaços estrangeiros e locais.
2. Observe o seguinte trecho, 
retirado de uma entrevista 
concedida por Guimarães Rosa 
a Günter Lorenz (1973):
“Nós, os homens do sertão, somos 
fabulistas por natureza. Está no 
nosso sangue narrar estórias; já 
no berço recebemos esse dom 
para toda a vida. Desde pequenos, 
estamos constantemente escutando 
as narrativas multicoloridas dos 
velhos, os contos e lendas [...]. Eu 
trazia sempre os ouvidos atentos, 
escutava todo o que podia e 
comecei a transformar em lenda 
o ambiente que me rodeava, 
porque este, em sua essência, era 
e continua sendo uma lenda.” 
(ROSA apud LORENZ, 1973, p. 315).
Qual dos seguintes trechos de 
obras literárias africanas mais se 
assemelha à concepção criativa 
explicada por Guimarães Rosa?
a) “Estes casos passaram no 
musseque Sambizanga, nesta 
nossa terra de Luanda.” “Minha 
estória. Se é bonita, se é feia, 
vocês é que sabem. Eu só juro 
não falei mentira e estes casos 
passaram na nossa terra de 
Luanda.” (VIEIRA, 2008, p. 152).
b) “‘Portanto, só os ciclos eram 
eternos.’ (Na prova oral de 
Aptidão à Faculdade de Letras, 
em Lisboa, o examinador 
fez uma pergunta aofuturo 
escritor. Este respondeu 
hesitantemente, iniciando com 
um portanto. De onde é o 
senhor, perguntou o professor, 
ao que o escritor respondeu 
de Angola. Logo vi que não 
sabia falar português, então 
desconhece que a palavra 
portanto só se utiliza como 
101Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 101 29/06/2017 18:15:53
conclusão dum raciocínio?” 
(PEPETELA, 1992, p. 11).
c) “Os angolanos, além de gostarem 
de makas, de farrar até de 
manhã, de chegar tarde aos 
seus compromissos e de usar 
e abusar do humor, inclusive 
contra eles mesmos, também 
sempre foram pós-modernos 
avant la lettre. Iconoclastas, 
não levam nada demasiado a 
sério, chegando ao ponto de 
abandalhar – este termo pode 
ser pouco literário, mas, enfim, o 
que fazer, se o próprio escritor é 
angolano?” (MELO, 2006, p. 33).
d) “Titina acordou e estava a gozar 
a sabura da cama. Virou-se 
para a parede. As maçanetas 
tremeram e Titina enroscou-se 
melhor sobre si mesma. Branca, 
a camita de ferro, tanto à 
cabeceira como nos pés era 
rematada com um rendilhado 
– pareciam as lérias da titia, 
tendo ao centro, também 
em ferro, um desgracioso 
ramo de folhas pendentes 
em leque, pintado a esmalte 
verde.” (AMARÍLIS, 1991, p. 99).
e) “– Faustino só tirava o 
dedo do botão quando 
o elevador aparecia. 
– Como é? Porco no elevador? 
– Porco não. Leitão, 
camarada Faustino. 
– Dá no mesmo em matéria 
de interpretação de leis.
– Quais leis? 
– O problema é o que a gente 
combinou na assembleia 
de moradores e o camarada 
estava presente. Votação por 
unanimidade. Aqui no elevador 
só pessoas. E coisas só no 
monta-cargas.” (RUI, 1991, p. 7).
3. Entre as alternativas a seguir, 
assinale a que apresenta uma 
afirmação correta sobre a 
apropriação da imagem de 
Pasárgada nas literaturas africanas 
em língua portuguesa:
a) Ovídio Martins ressignifica 
Pasárgada como um lugar 
idílico, onde seria possível 
a realização do que não 
aconteceria no plano real.
b) Pasárgada, para Osvaldo 
Alcântara, passa a ter um 
sentido que sugere a 
erotização das possibilidades 
no plano imaginário.
c) Para Martins, ao contrário de 
Alcântara, Pasárgada passa 
a significar qualquer terra 
estrangeira em que os cabo-
verdianos pudessem ter 
melhores condições de vida.
d) Alcântara se vale da imagem 
de Pasárgada como a terra da 
promessa de vida para criticar 
a visão evasionista de Martins.
e) Martins mantém a imagem de 
Pasárgada criada por Alcântara, 
no entanto inverte a postura 
de seu eu-lírico, enfatizando 
uma visão evasionista.
4. Assinale o conjunto de obras que 
estabelece relações mais evidentes 
entre suas propostas estéticas.
a) Cacau (1933), Jorge Amado. 
Terra morta (1949), Castro 
Soromenho. Grande sertão: 
veredas (1956), Guimarães Rosa.
b) Sagarana (1946), Guimarães 
Rosa. Luuanda (1963), 
Luandino Vieira. Terra morta 
(1949), Castro Soromenho.
Literaturas africanas em língua portuguesa102
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c) “Vou-me embora pra Pasárgada” 
(Libertinagem) (1930), Manuel 
Bandeira. Sagrada Esperança 
(1974), Agostinho Neto. Gritarei, 
Berrarei, Matarei – Não vou para 
Pasárgada (1973), Ovídio Martins.
d) Terras do Sem-Fim (1943), 
Jorge Amado. O quinze (1930), 
Rachel de Queiroz. Terra morta 
(1949), Castro Soromenho.
e) Vidas secas (1948), Graciliano 
Ramos. Primeiras estórias (1962), 
Guimarães Rosa. Estórias 
abensonhadas (1994), Mia Couto.
5. Sobre as relações de intertextualidade 
envolvendo a literatura brasileira 
e as literaturas africanas em língua 
portuguesa, é correto afirmar que:
a) as literaturas africanas de língua 
portuguesa consolidam-se 
ao romper os laços 
intertextuais com as literaturas 
portuguesa e brasileira.
b) as literaturas africanas em 
língua portuguesa têm sido, 
desde o século XIX, uma das 
principais referências para as 
obras literárias brasileiras.
c) para romper com a literatura 
do colonizador, as literaturas 
africanas optam por copiar a 
literatura brasileira, pois essa 
já havia realizado tal ruptura 
com o modernismo.
d) as relações estabelecidas 
entre a literatura brasileira e as 
literaturas africanas no século 
XX contribuem decisivamente 
para a luta contra a colonização, 
seja em sua manifestação 
política ou cultural.
e) a grande contribuição da 
literatura brasileira às 
literaturas africanas diz 
respeito à linguagem, com 
especial destaque ao 
trabalho de Guimarães Rosa, 
já que as temáticas de nosso 
país pouco contribuíram 
para esse diálogo.
103Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 103 29/06/2017 18:15:54
AMARÍLIS, O. Cais-do-Sodré té Salamansa. Lisboa: ALAC, 1991. 
ANDRADE, M. P. Antologia temática da poesia africana I: na noite grávida de punhais. 
Lisboa: Sá da Costa, 1975. v. 1.
BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 
CARVALHAL, T. F. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2001.
HEBMÜLLER, P. Mia Couto: a tribo dos contadores de histórias. Porto Alegre: Fronteiras 
do Pensamento, 2016. Disponível em: <http://www.fronteiras.com/entrevistas/mia-
-couto-a-tribo-de-contadores-de-historias>. Acesso em: 06 jun. 2017.
KRISTEVA, J. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
LORENZ, G. João Guimarães Rosa. In: LORENZ, G. Diálogo com a América Latina: pa-
norama de uma literatura do futuro. São Paulo: E.P.U., 1973. p. 315-355.
MELO, J. O dia em que o Pato Donald comeu pela primeira vez a Margarida. Lisboa: 
Caminho, 2006.
PEPETELA. A geração da utopia. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
RUI, M. Quem me dera ser onda. Lisboa: Cotovia, 1991.
VIEIRA, J. L. Luuanda. Lisboa: Caminho, 2008.
Leituras recomendadas
ABDALA JUNIOR, B. Literatura, história e política: literaturas de língua portuguesa no 
século XX. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. 
FERREIRA, M. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987. 
(Fundamentos).
Literaturas africanas em língua portuguesa104
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 104 29/06/2017 18:15:54
http://www.fronteiras.com/entrevistas/mia-
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para 
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual 
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
ESTUDOS DE 
LITERATURA - 
ANÁLISE DA 
NARRATIVA EM SUAS 
DIVERSAS 
MANIFESTAÇÕES
Elisa Lima Abrantes
Raça e cor nos 
textos em prosa 
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Definir raça, cor e identidade no contexto da literatura. 
  Discutir possibilidades de interpretação a partir de conceitos como 
raça, cor e identidade.
  Analisar obras de Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus e 
Conceição Evaristo. 
Introdução
Na contemporaneidade, conceitos como os de identidade e discursos que 
procuram representá-la passam por categorias como raça, cor, gênero e 
sexualidade. A literatura, como expressão artística de seu tempo, articula 
os mundos possíveis da imaginação com os contextos históricos a que 
todos estamos submetidos, e, naturalmente, essas questões, próprias da 
contemporaneidade, são abordadas. Os estudos culturais e pós-coloniais 
se dedicam a estudar essas questões identitárias, aliadas à revisão de 
noções como cultura e história, para compreender o mundo de uma 
maneira mais plural.
Neste capítulo, você será apresentado aos conceitos de raça, cor e 
identidade no contexto da literatura, examinará as possibilidades de 
interpretação a partir desses conceitos e conhecerá um pouco da obra 
de escritoras brasileiras negras, como Maria Firmina dos Reis, Carolina 
Maria de Jesus e Conceição Evaristo. 
1 Raça, cor e identidade no contexto da literatura
Antes de mais nada, biologicamente falando, não existem diferentes raças 
humanas, pois não há diferenças genéticas signifi cativas entre os vários grupos 
étnicos. Portanto, quandofalamos “raça”, estamos nos referindo, na verdade, à 
etnia, que é uma categoria de pessoas que se identifi cam mutuamente com base 
em uma genealogia ou ancestralidade comum presumida e em semelhanças de 
aparência física, de língua, história, sociedade, cultura ou nação em comum. 
O conceito de raça é muito usado, contemporaneamente, de forma política e 
social. A esse respeito, vejamos o que a historiadora Lilia Schwarcz (2012, p. 
34) comenta sobre o conceito: 
A bem da verdade, trata-se de um conceito construído histórica e socialmente, 
embora ele persista como uma representação poderosa, como um marcador 
social de diferença — ao lado de categorias como gênero, classe, religião e 
idade, que se relacionam e se retroalimentam — a construir hierarquias e 
delimitar discriminações. Raça é, pois, uma categoria classificatória que 
deve ser compreendida como uma construção local, histórica e cultural, 
que tanto pertence à ordem das representações sociais — assim como são 
as fantasias, mitos e ideologias — como exerce influência real no mundo, 
por meio da produção e reprodução de identidades coletivas e de hierarquias 
sociais politicamente poderosas.
Ou seja, o termo “raça” persiste na literatura, pois esta lida com repre-
sentações, e, como afirma Schwarcz, raça é uma representação (política) 
poderosa e marca social de diferença. Nesse contexto, cor, outro elemento 
ao qual também nos referimos na literatura contemporânea, não é o mesmo 
que o conceito de regionalismo, ou cor local, que se refere a características 
especificas de uma determinada região ou época, muito adotado no período 
do romantismo brasileiro, em que os escritores incluíam dialetos, detalhes 
de história e topografia para criar uma atmosfera que refletisse, em certos 
aspectos, a realidade daquele momento ou daquela área geográfica. 
Quando falamos de cor, nos referimos aqui à cor da pele, clara ou escura, 
que podemos associar aos termos ideologicamente opostos: a tese racista 
do branqueamento no Brasil imperial do século XIX e, de outro lado, o 
movimento da negritude no século XX. O primeiro tinha por princípio a 
eugenia, que visava “aprimorar” as qualidades das futuras gerações, física 
ou mentalmente, e, acreditando na superioridade do homem branco, buscava 
o branqueamento dos brasileiros por meio do incentivo à imigração europeia 
com financiamentos do governo e por meio da miscigenação, com o intuito 
declarado de reduzir a população negra no país. O segundo termo, ao contrário, 
trata do orgulho de ser negro. 
Raça e cor nos textos em prosa2
O termo negritude surgiu pela primeira vez por volta de 1934 em Paris e foi definido, 
segundo Zilá Bernd (1988a), como uma revolução na linguagem e na literatura, que 
permitia reverter o sentido pejorativo da palavra negro para dele extrair um sentido 
positivo. O conceito de negritude ingressou na literatura em 1939, quando foi usado 
em um poema do caribenho Aimé Césaire (1913–2008), poeta, ensaísta, político e 
ideólogo da negritude. 
Nas palavras de pesquisadoras do assunto, como Zilá Bernd e Maria Na-
zareth Fonseca, temos que:
Historicamente, a negritude, considerada em seu sentido amplo, isto é, como 
momento primeiro de tomada de consciência de uma situação de dominação 
e/ou discriminação, pode ser situada em solo americano quase que simul-
taneamente à chegada dos primeiros escravos oriundos da África. Nesta 
medida, podem ser consideradas como manifestações da negritude a revolta 
dos escravos no Haiti, onde liderados por Toussaint Louverture os negros 
chegaram a obter a independência do país em 1804, e os quilombos brasileiros, 
que representaram o primeiro sinal de revolta contra o dominador branco 
(BERND, 1988a, p. 21).
Fonseca e Duarte (2011, documento on-line) complementam o conceito de 
negritude ao afirmar que:
Os movimentos literários da negritude definirão fortemente os traços mais 
significativos do conceito. São eles: a celebração de concepções e valores 
próprios de diferentes culturas africanas; e a busca de uma origem africana, 
que redundará por vezes na representação de uma África mítica, imaginada 
e, até mesmo, na retomada de alguns clichês sobre o exotismo do continente. 
Essa valorização de culturas africanas tem a ver com o fato de tratar-se 
de culturas que resistiram à assimilação do colonizador europeu. Para Bernd 
(1988, p. 52–53), a negritude foi um movimento que “[...] pretendeu provocar 
uma ruptura com um padrão cultural imposto pelo colonizador como único e 
universal”. Portanto, a literatura negra, para além dos procedimentos estéticos, 
expressa a consciência social do negro e se estabelece como um processo 
contínuo de afirmação identitária, culturalmente entendida. 
3Raça e cor nos textos em prosa
Por identidade cultural, de acordo com Rovira (2008, p. 3), temos que: 
[...] a identidade cultural abrange tudo o que se relaciona à pessoa, a seu sentido 
de pertença, a seu sistema de crenças, a seus sentimentos de valor pessoal. É 
a soma total dos modos de vida forjados por um grupo de seres humanos e 
transmitidos de geração em geração. A identidade cultural sou eu, e tenho o 
direito de conhecê-la e entendê-la. E, ao dar-me conta de quem sou, é provável 
que minha conduta manifeste traços positivos de identidade.
Sendo assim, a identidade cultural é a consciência de se pertencer a uma 
identidade coletiva, compartilhando com um determinado grupo valores, 
atitudes e características; envolve também se definir a partir da relação de 
diferença com outras identidades. Daí percebemos que a identidade também 
é uma construção histórica e social, como raça e cor, que tratamos anterior-
mente nesta seção.
Analisando esses contextos, torna-se mais fácil entender a representação e 
a imbricação de raça, cor e identidade na literatura brasileira, de estereótipos 
criados por autores brancos, como analisados nos estudos de David Brookshaw 
(1983), Raça e cor na literatura brasileira, e Domício Proença Filho (2004), 
A trajetória do negro na literatura brasileira, até a literatura afro-brasileira, 
produzida por escritores negros e que conta com nomes como Maria Firmina 
dos Reis, considerada a primeira romancista negra brasileira, e as hoje consa-
gradas Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, 
entre muitos outros autores e autoras afrodescendentes. Para confirmar que 
exemplos da literatura afrodescendente podem ser examinados desde o século 
XIX, vejamos o que diz Eduardo de Assis Duarte (2011, p. 1):
No alvorecer do século XXI, a literatura afro-brasileira passa por um momento 
extremamente rico em realizações e descobertas, que propiciam a ampliação 
de seu corpus, tanto na prosa quanto na poesia, paralelamente ao debate em 
prol de sua consolidação acadêmica enquanto campo específico de produção 
literária — distinto, porém em permanente diálogo com a literatura brasileira 
tout court. Enquanto muitos na academia ainda indagam se a literatura afro-
-brasileira realmente existe — e assinalemos aqui até mesmo a perversidade 
de uma pergunta que às vezes não deseja ouvir resposta —, a cada dia a 
pesquisa nos aponta para a vigor dessa escrita: ela tanto é contemporânea, 
quanto se estende a Domingos Caldas Barbosa, em pleno século XVIII; 
tanto é realizada nos grandes centros, com dezenas de poetas e ficcionistas, 
quanto se espraia pelas literaturas regionais, a nos revelar, por exemplo, uma 
Maria Firmina dos Reis escrevendo, em São Luiz do Maranhão, o primeiro 
romance afrodescendente da língua portuguesa — Úrsula — no mesmo ano 
de 1859 em que Luiz Gama publica suas Trovas burlescas.[...] Enfim, essa 
Raça e cor nos textos em prosa4
literatura não só existe como se faz presente nos tempos e espaços históricos 
de nossa constituição enquanto povo; não só existe como é múltipla e diversa 
(FONSECA; DUARTE, 2011, p. 1).
A existência de uma literatura afro-brasileira se distingue de uma litera-
tura que apenas tematiza o negro. Para Bernd (1988b), trata-se de um tipo de 
literaturaque se caracteriza pelo surgimento de um eu enunciador que se 
quer negro, assumindo posicionamentos políticos e ideológicos. Essa seria a 
marca que diferencia o discurso sobre o negro, bastante presente na literatura 
brasileira, como veremos mais adiante, e um discurso do negro, que é um 
discurso de identidade. Esse discurso pretende compreender o significado de 
ser negro no Brasil por meio do resgate de uma tradição e de uma história de 
lutas, conquistas e retrocessos que não está nos livros didáticos.
Passemos então, brevemente, ao discurso sobre o negro na literatura, que 
foi construído a partir de estereótipos, como apresentado por Gama (2004) 
em seu estudo sobre a trajetória do negro na literatura brasileira. Para esse 
autor, embora tal discurso tenha se manifestado mais fortemente no século 
XIX, já estava presente nos versos satíricos de Gregório de Matos no século 
XVII, que retratava o negro como objeto e o inferiorizava. 
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
[...]
Quem são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos (GAMA, 2004, p.162).
Já no século XIX, são recorrentes os estereótipos, os quais Gama (2004) 
classifica como “escravos nobres”, que vencem por conta de seu branque-
amento, como em Escrava Isaura (1872), de Bernardo Guimarães, de pele 
clara e tendo recebido educação de seus senhores, e o personagem Raimundo, 
mulato de olhos azuis do romance O mulato (1881), de Aluísio de Azevedo. 
Essa “nobreza” de caráter se alinha à aceitação da submissão, como Isaura, que 
diz para sua senhora saber reconhecer o seu lugar, e por isso não reclama da 
sorte, ou Raimundo, que por ser filho de uma escrava enfrenta o preconceito 
5Raça e cor nos textos em prosa
da família da mulher amada e se pergunta como poderia apagar a própria 
história da lembrança das pessoas que o detestam. 
O “negro vítima”, principalmente no seu sofrimento como escravo, é outro 
estereótipo muito recorrente, como no poema “Navio negreiro”, de Castro 
Alves: “Era um sonho dantesco... o tombadilho / Que das luzernas avermelha 
o brilho. / Em sangue a se banhar. / Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões 
de homens negros como a noite, / Horrendos a dançar” (O NAVIO..., c2020, 
documento on-line). Apesar de aqui o sofrimento do negro ser enfatizado e 
entendido como denúncia dessa realidade, outras dimensões de sua existência 
como sujeito não são mencionadas.
Há também o “negro infantilizado, serviçal e subalterno”, como em O 
demônio familiar, de José de Alencar. Outra construção é o “negro pervertido”, 
como no romance O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, trazendo à luz 
uma história de homossexualismo, e em A carne (1888), de Júlio Ribeiro, em 
que a protagonista Lenita apresenta um comportamento mais livre, segundo 
o narrador, pela convivência com os escravos. Temos ainda estereótipos do 
negro fiel e do exilado da cultura brasileira.
Por outro lado, para além do estereótipo, na década de 1980 surgem obras 
que resgatam a figura do negro, mas o fazem de maneira um tanto distan-
ciada, geralmente a partir de narradores em terceira pessoa, como no romance 
Tambores de São Luís (1985), de Josué Montello, que se aproxima de um 
romance histórico. Outro exemplo é João Ubaldo Ribeiro que, em Viva o 
povo brasileiro (1984), traz considerações a respeito da formação histórica 
do brasileiro em relação à sua identidade e a respeito da busca por liberdade e 
igualdade de negros e mestiços na sociedade. José Lins do Rego, por sua vez, 
em seus romances do ciclo do açúcar (1932–1936) retrata o papel do trabalho 
negro nas usinas. 
Essas representações, entre muitas outras, chamam a atenção para um 
certo distanciamento entre autor e personagens, ao contrário da literatura 
afro-brasileira contemporânea, que é uma literatura identitária e que reflete 
sobre as questões do ser negro na sociedade brasileira. Um dos mais impor-
tantes autores brasileiros de todos os tempos, Machado de Assis, levanta 
hipóteses acerca da falta de aspectos ideológicos afirmativos em relação à 
etnia em sua obra ficcional. Machado, mulato, não trata da temática negra, 
e parece até mesmo indiferente a ela. Seus personagens negros e mestiços 
participam como figurantes nas histórias, como se fossem apenas parte da 
paisagem humana que constitui a realidade social que pretende retratar. No 
entanto, há algumas exceções, como no conto “Pai e mãe”, em que, embora 
a escrava seja uma personagem secundária, sua situação e a violência a que 
Raça e cor nos textos em prosa6
é submetida são centrais para o desenvolvimento da trama. O final do conto 
causa mais impacto, já que existe a troca de uma vida por outra. O bebê da 
escrava morre e o do branco sobrevive.
Já Cruz e Sousa (1861–1898), poeta simbolista brasileiro, negro, filho de 
escravos alforriados, com nome, sobrenome e educação esmerada ganhos dos 
senhores de seus pais, tendo sofrido amargamente a violência, traz em sua 
obra as marcas do conflito que experimentava. Assim, assumiu a luta contra 
a opressão racial e, entre outras atividades, dirigiu o jornal O Moleque, além 
de deixar poemas e textos em prosa comprometidos com a causa abolicionista. 
Essa vertente literária de escritores negros, que lida com as causas importantes 
para esse grupo de forma compromissada, tem representantes desde o século 
XIX. A seguir, veremos algumas possibilidades de interpretação literária a 
partir dos conceitos de raça, cor e identidade.
2 Possibilidades de interpretação a partir 
dos conceitos de raça, cor e identidade 
Desde a segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial 
(1939–1945), o mundo vem passando por transformações rápidas e intensas. 
A noção e percepção que o sujeito tem de si e do mundo vem sendo modifi -
cada, juntamente com os grandes movimentos sociais que impulsionaram as 
discussões sobre as relações de poder. Sensíveis às questões de raça, classe 
social, gênero e ideologia, os estudos culturais refl etem sobre relações de 
poder, identidade, sexualidade e etnicidade. Os estudos pós-coloniais, por sua 
vez, que se ocupam do imperialismo, do pós-modernismo e do capitalismo 
tardio, vinculam-se aos estudos culturais para análises que integram esses 
diferentes aspectos, a fi m de compreender melhor os processos de formação 
de identidade e as relações existentes entre a margem e o centro. 
Desde a década de 1950 na Inglaterra, os estudos culturais vêm se de-
bruçando incisivamente sobre discussões acerca do conceito de cultura, 
destacando seu significado político, porque “[...] trata[va]-se de considerar 
esta em sentido amplo, antropológico”, ou seja, “passar de uma reflexão 
centrada sobre o vínculo cultura–nação para uma abordagem da cultura dos 
grupos sociais” (MATTELART; NEVEU, 2006, p. 14, acréscimo nosso). 
Percebe-se que, desde então, houve rupturas significativas, em que velhas 
correntes de pensamento são rompidas e elementos novos se aliam aos velhos, 
reagrupando-se em torno de uma nova gama de premissas e temas (HALL, 
2006). A partir daí, começam a surgir mudanças no modo de conceber certos 
7Raça e cor nos textos em prosa
conceitos que circulam por essa área do conhecimento, na forma de estudos 
que puseram em discussão questões de gênero, étnico-raciais, entre outras, a 
partir de um novo ângulo de análise, provocando efeitos que contribuíam para 
mudanças sociais e acadêmicas. Esses estudos surgiram a partir de visões não 
eurocêntricas, provavelmente vinculados à inserção na academia de sujeitos 
oriundos de fora dos centros europeus.
Sendo assim, e voltando às questões de raça e cor na literatura, podemos 
perceber que as literaturas de etnias ainda não fazem parte do cânone literário, 
desconsiderando-se seu valor histórico, político e social, e as abordagensdos 
estudos culturais e pós-coloniais são válidas no sentido de melhor entender 
o papel da cultura dentro da obra literária e de analisar aspectos políticos, 
sociais e econômicos do universo ficcional e sua relação com o real extratex-
tual, retratando relações entre culturas, entre centro e margem, oprimido e 
opressor, e desfazendo preconceitos das classes hegemônicas. Nesse sentido, 
Said (1999, p. 12) afirma que:
[...] cultura designa todas as práticas, como as artes de descrição, comunicação 
e representação, com certa autonomia nos campos econômico, social e políti-
co, e que existem sob formas estéticas, sendo o prazer um de seus principais 
objetivos. Formas culturais como o romance são fundamentais na formação 
de referências e experiências. 
No romance, por exemplo, os personagens da trama formam uma ideia 
de povo e de como a nação vê a si. Cabe verificar estereótipos, como co-
mentamos na seção anterior, a fim de compreender a dinâmica das relações 
apresentadas nos textos e promover a reflexão acerca de questões relevantes 
para as sociedades retratadas. 
Em relação à literatura afro-brasileira, aqui entendida como aquela produ-
zida por sujeitos que se afirmam ideológica e identitariamente como negros, 
a encontramos com vigor na contemporaneidade, mas cabe destacar que já no 
século XVIII identificamos exemplos desse tipo de escrita, como Domingos 
Caldas Barbosa (1739–1800), filho de pai português e mãe negra, escrava 
alforriada. Esse poeta e músico trazia em seus lundus e modinhas referências 
à África e à sua cultura. No início do século XX, destaca-se Lima Barreto 
(1881–1922), mulato, ficcionista da realidade social urbana e suburbana do 
Rio de Janeiro. Como exemplo disso, temos a dor realista carregada de vi-
vência pessoal e muitos aspectos autobiográficos no romance Recordações 
de Isaías Caminha (1909), com temática do racismo, assim como o romance 
Clara dos Anjos, escrito em 1922, que conta a história de uma mulata, filha 
Raça e cor nos textos em prosa8
de um carreteiro de subúrbio, iludida, traída e sofrida por causa de sua cor. 
A fala final da personagem, impotente diante da injustiça, impacta pelo tom 
desesperançado: “— Nós não somos nada nesta vida”. No entanto, o posicio-
namento engajado só começaria a se materializar a partir dos anos de 1930 
e 1940, ganhando força nos anos 1970 e 1980 com a presença destacada de 
grupos de escritores assumidos ostensivamente como negros ou descendentes 
de negros, preocupados com marcar, em suas obras, a afirmação cultural da 
condição negra na realidade brasileira. Essas vozes perseveraram pelos nos 
anos 1990 até chegarem à atualidade.
Para que pensemos possibilidades de interpretação de obras literárias a 
partir dos conceitos de cor e raça, podemos adotar a visão de Terry Eagleton 
(2006), que sustenta que a definição de literatura dependerá do olhar, da forma 
pela qual “[...] alguém resolve ler e não da natureza do que é lido” (EAGLETON, 
2006, p. 12). Portanto, a interpretação não dependeria da materialidade do 
texto, mas do modo como as pessoas se relacionam com ele, como o enxergam. 
Para Eagleton (2006, p. 24), “[...] os juízos de valor que constituem a literatura 
são historicamente variáveis, mas esses juízos têm uma estreita relação com 
as ideologias sociais”. 
Na literatura afro-brasileira, tudo adquire um sentido político, e um caso 
individual liga-se a outros. Trata-se de uma literatura com implicações do 
pessoal no político, como, por exemplo, no feminismo. E aí inclui-se o resgate 
de obras que no passado não foram reconhecidas e por isso foram apagadas 
da historiografia literária afro-brasileira, como da escritora negra Maria 
Firmina dos Reis (1825–1917), primeira romancista negra brasileira, e seu 
romance Úrsula (1859). Maria Firmina transcendeu a formação das mulheres 
de seu tempo, o que se revela em seus escritos sobre a condição feminina 
e a constituição histórica da mulher no século XIX no Brasil. Professora e 
abolicionista, aos 54 anos a maranhense fundou uma escola mista e gratuita 
para alunos que não podiam pagar, e lecionava pessoalmente, no barracão de 
propriedade de um senhor de engenho, usando um carro de boi para chegar 
à escola todas as manhãs. 
Em Úrsula, há a denúncia de injustiças praticadas livremente em uma 
sociedade autoritária e patriarcal que, no Brasil, era percebida por alguns 
intelectuais e, sobretudo, pelas minorias mais afetadas, como o negro e a 
mulher. De acordo com Telles (1997), o que mais distingue o livro não é o 
enredo romântico de amor, dor, incesto e morte, temas comuns ao romance 
do século XIX, e sim o tratamento que foi dado à questão do escravo. Por essa 
razão, a obra se distingue das outras e, sobretudo, das produções literárias 
de seu tempo. 
9Raça e cor nos textos em prosa
Nos dias de hoje, os sujeitos são multifacetados, vivem em trânsito entre 
lugares, se veem a partir do olhar do outro, do que se esperam que sejam. 
O resultado desses deslocamentos, migrações e diásporas é o sujeito entre-
cortado pelas culturas e identidades que o perpassam. E na discussão entre 
a forma de se construir e desconstruir os espaços e discursos a partir dos 
deslocamentos e estranhamentos com novas línguas e novas culturas, se 
situa o romance Um defeito de cor (2006), da escritora e pesquisadora Ana 
Maria Gonçalves. A obra é fruto de pesquisa acerca da sociedade brasileira 
escravista do século XIX. A história é narrada por Kehinde, que até os 8 
anos de idade vivia em Savalu, África. Após a morte da mãe e do irmão, ela, 
junto da avó e de Taiwo, sua irmã gêmea, viaja sem rumo e chegam a Uidá. 
Nessa cidade, as três são capturadas e jogadas em um navio negreiro com 
destino ao Brasil. Ao fim da viagem, resta Kehinde como única sobrevivente 
da família. A nova escrava vai trabalhar em uma fazenda na ilha de Itaparica. 
O mar mapeia o trânsito da personagem.
Pode-se notar que Kehinde, ao ser retirada de sua terra para ser escravi-
zada, passa a se estranhar, a viver em busca de algo, a ver na travessia um 
motivo para viver. A condição de viajante leva a personagem a profundas 
reflexões sobre quem era e como a viam. A consciência de si passa sempre 
pelo olhar do outro. A cada novo lugar, surge uma nova concepção de vida e 
de personalidade. Assim, percebemos como sua identidade (ou a tentativa de 
compreende-la como algo sempre em construção) está associada à sua raça 
e, como o título dá a entender, a uma cor. 
No romance, a personagem-narradora explica essa concepção ao enfatizar 
o desejo de “[...] mudar de fase, mudar de lugar como se isso representasse um 
novo começo, em que as esperanças se renovam. Sempre fui assim [...] poder 
começar de novo, em outro lugar, com outras pessoas, com novos planos é 
algo que não recuso nunca” (GONÇALVES, 2006, p. 718). Pertencer a lugar 
nenhum é uma característica importante do estrangeiro diaspórico. Uma 
vez retirado de seu local, ela constrói e reconstrói vários locais, não vendo 
necessidade de se fixar em nenhum deles. 
Na próxima seção, examinaremos um pouco da obra das escritoras afro-
descendentes Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus e Conceição 
Evaristo.
Raça e cor nos textos em prosa10
Se você quiser se aprofundar nos estudos de crítica literária das obras afro-brasileiras, 
leia o artigo “Literatura e afrodescendência no brasil: condições e possibilidades de 
emergência de um novo campo de estudos”, de Rafael Balseiro Zin.
3 Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria 
de Jesus e Conceição Evaristo 
Como analisamos na seção anterior, Maria Firmina dos Reis (1825–1917) 
escreveu sua obra no século XIX. Em 1859, a autora publicou o romance 
Úrsula, atribuindo aos escravos participação importante no enredo. A autora 
condenava a escravidão como instituição, remetendo ao discurso da religião, 
de que somos todos irmãos, porém mostrando como este refl etia a hegemonia 
branca, e o fato de que a própria igreja respaldava o sistema escravista. 
Senhor Deus! Quando calará no peitodo homem a tua sublime máxima — ama 
a teu próximo como a ti mesmo — e deixará de oprimir com tão repreensível 
injustiça ao seu semelhante!... a aquele que também era livre no seu país... 
aquele que é seu irmão?! E o mísero sofria; porque era escravo, e a escravidão 
não lhe embrutecera a alma; porque os sentimentos generosos, que Deus lhe 
implantou no coração, permaneciam intactos, e puros como sua alma. Era 
infeliz; mas era virtuoso; e por isso seu coração enterneceu-se em presença 
da dolorosa cena, que se lhe ofereceu à vista (REIS, 2004, p. 23). 
Para a época, em meados do século XIX, no Maranhão, era bastante ino-
vador o combate aberto à escravatura, e também a representação do negro 
com protagonismo e valores nobres, em um período em que as teorias raciais 
afirmavam a supremacia branca e a inferioridade dos negros. Além do romance, 
segundo Zahidé Muzart (2000, p. 264), “Maria Firmina dos Reis colaborou 
assiduamente com vários jornais literários, tais como A Verdadeira Marmota, 
Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Pacotilha, O Federalista e outros”.
Sua vida foi dedicada a ler, escrever, pesquisar e ensinar. Atuou como 
folclorista, na coleta e preservação de textos da cultura e da literatura oral, e 
também como compositora, tendo composto um hino em louvor à abolição 
11Raça e cor nos textos em prosa
da escravatura. Quanto à ficção, além de Úrsula, publicou em capítulos, na 
imprensa local, Gupeva, de 1861, narrativa curta de temática indianista, e o 
conto “A escrava”, de 1887, texto abolicionista. Seu volume de poemas Cantos 
à beira-mar, cuja primeira edição é de 1871, traz textos marcados por forte 
inquietação e por uma subjetividade feminina às vezes melancólica diante da 
realidade oitocentista marcada pelo patriarcado escravocrata.
Outra escritora de destaque é Carolina Maria de Jesus (1914–1977), que 
viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte da cidade 
de São Paulo, sustentando a si e a seus três filhos como catadora de papéis. 
Leitora voraz de livros, logo começou a escrever. Assim, iniciou sua trajetória 
de memorialista, passando a registrar o cotidiano do “quarto de despejo” 
da capital nos cadernos que recolhia do lixo e que se transformariam mais 
tarde nos “diários de uma favelada”. Nesses diários, a autora contava o dia-
-a-dia na favela e as condições de vida naquele lugar de extrema pobreza. As 
dificuldades de manter a si e aos filhos, e a fome, uma realidade constante, 
aparecem na sua escrita, que possui marcas de oralidade aliadas a um tom 
crítico, de denúncia, assim como poético: “17 de julho [...] Fui buscar agua. 
Fiz café. Tendo só um pedaço de pão e 3 cruzeiros. Dei um pedaço a cada 
um [...]. Os filhos pediram pão” (JESUS, 1960, p. 15). E nesse outro trecho: 
“Como é horrível ver um filho comer e perguntar: ‘tem mais?’. Esta palavra 
‘tem mais’ fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as panelas 
e não tem mais” (JESUS, 1960, p. 39).
Em 1960, teve o seu diário publicado sob o nome Quarto de despejo, 
com auxílio do jornalista Audálio Dantas. O livro, de caráter documental e 
de contestação social, fez um enorme sucesso e chegou a ser traduzido para 
14 línguas. Seus livros seguintes foram Casa de alvenaria (1961), Pedaços 
de fome (1963), Provérbios (1963) e, postumamente, Diário de Bitita (1986). 
Embora seus livros tenham tido boa aceitação, Carolina morreu pobre, es-
quecida pelo público e pela imprensa. Estudos que resgataram a relevância 
da sua obra só começaram a se desenvolver em meados da década de 1990, 
com a publicação, em 1994, de Cinderela negra, de autoria do pesquisador 
José Carlos Sebe Bom Meihy, em que discute a vida e a obra da autora. Em 
1997, Meihy reuniu e publicou um conjunto de seus poemas inéditos, sob o 
título Antologia pessoal. 
Por fim, Conceição Evaristo, hoje consagrada pelo público e pela crítica, 
tendo sido até indicada para a Academia Brasileira de Letras (ABL), nasceu 
em 1946 em Belo Horizonte, criada em família pobre, filha de lavadeira e a 
Raça e cor nos textos em prosa12
segunda de nove irmãos. Foi a primeira de sua família a obter um diploma 
universitário. Graduou-se em Letras pela UFRJ. Nos anos 1970, mudou-
-se para o Rio de Janeiro, começando a escrever apenas na década de 1990, 
quando passou a publicar seus contos e poemas na série Cadernos negros. 
Ela concluiu seu mestrado em Literatura Brasileira na PUC-RJ em meados 
da década de 1990 e seu doutorado em Literatura Comparada pela UFF em 
2010. Em suas pesquisas de doutorado, estudou as relações entre a literatura 
afro-brasileira e as literaturas africanas de língua portuguesa. No mestrado, 
havia estudado a produção literária de artistas negros brasileiros, e em seu 
artigo “Literatura negra: uma poética da nossa afrobrasilidade”, ela reflete 
criticamente sobre essa questão: 
A literatura brasileira é repleta de escritores afro-brasileiros que, no entanto, 
por vários motivos, permanecem desconhecidos, inclusive nos compêndios 
escolares. Muitos pesquisadores e críticos literários negam ou ignoram a 
existência de uma literatura afro-brasileira. Nomes como o de Solano Trin-
dade, dentre outros, deveria figurar na história da literatura brasileira, como 
poeta modernista. Os vários estudos sobre o modernismo brasileiro não 
incorporam o nome desse importante poeta negro, a não ser a produção 
de pesquisadores isolados, tanto na área da literatura como na da história 
(EVARISTO, 2009, p. 27).
A reflexão de Evaristo espelha a realidade das três escritoras aqui desta-
cadas, a própria Evaristo, Maria Firmina dos Reis e Carolina de Jesus, que 
demoraram a ter suas obras estudadas e reconhecidas pela crítica literária.
Em 2003, Evaristo publicou o romance Ponciá Vicêncio, que é uma narrativa 
que interliga história, tempo e espaço pela memória de Ponciá. Aqui temos a 
memória individual e a coletiva, com as lembranças da protagonista trazendo à 
tona fatos e circunstâncias históricas da população afrodescendente brasileira.
Seu segundo romance, Becos da memória, foi escrito entre os anos 1970 e 
1980 e ficou engavetado por mais de 20 anos. Seus fragmentos aliam denúncia 
social ao lirismo de um mundo íntimo trágico e terno. O texto mistura romance 
e escrita de si, e os dados autobiográficos constituem o que Evaristo chama 
de “escrevivência”, ou seja, a escrita de um corpo, de uma condição, de uma 
experiência da mulher negra no Brasil. O lugar de enunciação de Evaristo é 
solidário e identificado com as chamadas “minorias”, aqueles que não tiveram 
voz por um longo período, na história e na literatura, especialmente no caso 
da obra dessa escritora, as mulheres negras. 
13Raça e cor nos textos em prosa
Acessando o canal Instituto de Arte Tear no YouTube, procure pelo vídeo intitulado 
“Escrevivência - Episódio 01 da série Ecos da Palavra”. Nele você poderá assistir a um 
trecho de uma entrevista com Conceição Evaristo, em que ela explica o conceito 
de escrevivência, falando do resgate da tradição oral das mulheres negras como 
contadoras de história para as crianças brancas da casa grande. Segundo ela, essas 
histórias, que as faziam dormir, agora servem para fazer-nos acordar, despertando 
nossa atenção para discursos que unem uma vivência à possibilidade de reaproximar 
a oralidade da escrita. 
O livro conta a história dos moradores de uma favela em processo de ser 
demolida para a construção de um empreendimento imobiliário. A narração 
é feita a partir da perspectiva da menina Maria-Nova, que ouvia as histórias 
dos mais velhos, pensando que “[...] quem sabe escreveria esta história um 
dia? Quem sabe passaria para o papel o que estava escrito, cravado e gravado 
no seu corpo, na sua alma, na sua mente” (EVARISTO, 2006, p. 138). 
Além de poesia, Evaristo constrói narrativas em prosa com muito lirismo, 
ao utilizar uma linguagem poética e ao criar neologismos, a maioria deles por 
composição, como “sangue-raiz”, “vida-liberdade”, “útero-terra”, “escrevi-
vência”, mencionado anteriormente,entre outros. 
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15Raça e cor nos textos em prosa
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Raça e cor nos textos em prosa16
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	Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U4_C08
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