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AN02FREV001/REV 4.0 
1 
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA 
Portal Educação 
CURSO DE 
PSICOLOGIA ESCOLAR 
Aluno: 
EaD - Educação a Distância Portal Educação 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
2 
 
 
 
 
 
 
 
CURSO DE 
PSICOLOGIA ESCOLAR 
 
 
 
 
 
MÓDULO I 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este 
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição 
do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido 
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
3 
SUMÁRIO 
 
 
MÓDULO I 
 
1 BREVE REFLEXÃO A RESPEITO DO PAPEL DA EDUCAÇÃO 
2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR 
2.1 PEDAGOGIA LIBERAL 
2.2 PEDAGOGIA PROGRESSISTA 
3 A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDB): UMA 
REFLEXÃO DO SUJEITO FORMADO E FORMADOR 
4 PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS: LIBERTADORA OU ADAPTACIONISTA 
 
MÓDULO II 
 
5 A CRIANÇA E AS ABORDAGENS PSICOLÓGICAS – BREVE INTRODUÇÃO 
6 ABORDAGEM INATISTA-MATURACIONISTA 
6.1 A MEDIÇÃO DA INTELIGÊNCIA E OS ASPECTOS MATURACIONAIS DO 
DESENVOLVIMENTO 
7 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA 
7.1 SKINNER E A MODELAGEM DO COMPORTAMENTO 
8 ABORDAGEM PSICOGENÉTICA DE PIAGET 
8.1 ADAPTAÇÃO E OS PROCESSOS DE ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO 
9 A ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL 
10 UMA SÍNTESE DIDÁTICA: COSTURANDO A PEDAGOGIA E A PSICOLOGIA 
 
MÓDULO III 
 
11 O QUE TANGE À PRÁTICA DO PSICÓLOGO ESCOLAR? 
12 O PACIENTE DO PSICÓLOGO ESCOLAR: REFLEXÕES ACERCA DE UMA 
PRÁTICA 
13 VISÃO SISTÊMICA SOBRE A QUEIXA ESCOLAR: O ALUNO, A FAMÍLIA E A 
ESCOLA 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
4 
13.1 A FAMÍLIA SEGUNDO UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA 
14 QUAL PSICÓLOGO ESCOLAR É NECESSÁRIO PARA ATUAR EM QUAL 
ESCOLA? 
15 DISCUSSÃO DE CASOS 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
5 
MÓDULO I 
 
 
1 BREVE REFLEXÃO A RESPEITO DO PAPEL DA EDUCAÇÃO 
 
 
Embora estejamos iniciando um curso de Psicologia Escolar, incidiríamos 
em um equívoco comum dos profissionais de psicologia que atuam nesse campo, 
que seria desconsiderá-lo. Antes de refletirmos sobre os aspectos práticos da 
atuação do psicólogo na escola, é necessário refletirmos sobre a educação, as 
tendências pedagógicas presentes no campo escolar, fruto de estudos e 
posicionamentos filosóficos, políticos, econômicos e culturais dos seus autores. 
Ao atuar em qualquer campo institucional – escola, hospital, empresa, etc. – 
o psicólogo precisa considerar o contexto em que se encontra, para que a análise 
dos problemas apresentados e oferecidos para sua intervenção seja aprofundada e 
leve em consideração os múltiplos aspectos intervenientes. 
A educação, e as leis que a regulamentam em um dado país, reflete as 
ideias e ideais dos sujeitos que a desenvolveu. Podemos começar por entender a 
etimologia da palavra ‘educação’. Do latim, educare, composto pelo prefixo ex (fora) 
somado a ducere (conduzir), podemos entendê-la como ‘conduzir para fora’. Indo 
um pouco além, a educação seria o processo pelo qual a criança sairia de um 
universo egocêntrico, próprio do primeiro ano de vida, para alcançar um 
conhecimento capaz de colocá-la em interação com o mundo, o qual, a partir de 
trocas sucessivas, permitiria o seu desenvolvimento. Ao entendermos a educação 
como ‘conduzir para fora’, pressupomos a necessidade de um sujeito que ‘conduz’ e 
outro que é ‘conduzido’. Creio, porém que a palavra ‘auxiliador’ ou ‘facilitador’, seria 
mais adequada nesse contexto. Estes sujeitos, na educação formal, se traduzem em 
professor e estudante. Logo, a relação entre estes sujeitos da aprendizagem guiará 
a formação e transformação do estudante. 
Na educação formal, este guia está pautado em um caminho a ser 
percorrido o qual damos o nome de currículo. Currículo este impregnado de valores, 
princípios e de uma compreensão de sujeito que pode ser libertadora ou 
adaptacionista. A seguir, algumas reflexões a respeito do currículo e sua execução 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
6 
na realidade. 
Termo de difícil compreensão, o currículo não pode ser compreendido 
desvinculado de sua representação social, política, econômica e cultural. Ao ser 
compreendido como um projeto pedagógico encontra-se intimamente ligado às 
concepções e ideologias de quem o elaborou. A forma como este projeto é colocado 
em prática também indica quais interesses e que sociedade pretende formar o grupo 
que o concebe. 
Pretende-se que a ideia de currículo seja entendida aqui para além da 
concepção que o entende como um sistema de ações planejadas para a aquisição 
de experiência, ou como o caminho a ser percorrido pelo aluno para a aquisição de 
conhecimento, tendo nas disciplinas a sua fonte e nos métodos didáticos 
pedagógicos a sua forma. O que está inscrito no currículo não é apenas informação 
e sim a organização do conhecimento que corporifica formas diferentes de agir, 
sentir, falar e ver o mundo e o eu. Aprender informações no processo de 
escolarização é também aprender uma determinada maneira de agir, e maneiras de 
conhecer, compreender e interpretar a realidade (SILVA, 1994). 
A tendência em naturalizar os conhecimentos escolares, as práticas 
pedagógicas e avaliativas, característica da teoria educacional que podemos chamar 
de liberal, partia do pressuposto de que esses conhecimentos preexistiam ao 
currículo e que este era um instrumento para desenvolver apenas o pensamento 
conceitual do estudante (Silva, 1999). A sociologia do currículo busca romper essa 
visão quando explica que o currículo é um processo de construção social, 
contingente a um momento histórico e que para conhecer e transformar a realidade 
é necessário que se estabeleçam relações entre o currículo e a sociedade com seus 
valores inerentes. 
 
O currículo não é um conceito; é uma construção cultural, isto é, não é um 
conceito abstrato que possui alguma existência exterior e alguma 
experiência humana. Pelo contrário, é um modo de organizar um conjunto 
de práticas educacionais humanas (PACHECO, 1996: 18). 
 
 
Nesse sentido, o currículo não está pronto nem dado. Idealmente, deve ser 
continuamente construído e reinventado de acordo com as práticas pedagógicas, 
sustentadas por crenças e valores compartilhados entre diretores, professores e 
alunos. Segundo Pacheco (1996: 20), é uma prática pedagógica que resulta da 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
7 
interação e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, econômicas, 
culturais, sociais, escolares etc.) na base das quais existem interesses concretos e 
responsabilidades compartilhadas. 
Na prática, entretanto, o que se constata, na maioria das vezes, são 
decisões e interesses centralizados ora na direção da escola, ora no corpo docente, 
enquanto as vozes e interesses dos estudantes parecem não serem ouvidos. As 
práticas pedagógicas e as responsabilidades raramente são compartilhadas com o 
corpo discente e, muitas vezes, também com o corpo docente – motivo que pode 
explicar a resistência dos professores às mudanças, uma vez que até agora eles 
têm sido considerados como executores de decisões e de propostas de mudança 
que lhes são exteriores. A reinvenção da escola exige que o professor, em vez de 
aplicar a reforma, possa emergir como um produtor de inovações. 
A centralização das decisões educativas, pedagógicas, políticas, sociais, 
entre tantas, por si só já aponta o perfil do futuro cidadão, produto desta escola: 
indivíduos alienados, despolitizados, distantes do poder decisório e manipulados 
pelos poucos que detêm esse poder; esses estudantes, e porque não os 
professores, aprendem a naturalizar essa ordem econômica e social desigual e a 
reproduzi-la nos espaços que ocupam:ou vivem em busca de alcançar o outro lado 
(do poder) e centralizá-lo ou se acomodam insatisfeitos do lado em que a escola os 
colocou. 
O currículo pode ser compreendido, portanto, como projeto e prática. Ou 
seja, a escola torna explícita o seu projeto pelo currículo que concretiza na prática. 
Logo, uma escola com um projeto inovador dificilmente alcançará seus objetivos se 
sua prática consistir em métodos tradicionais de ensino. As práticas pedagógicas 
devem dar sentido ao projeto curricular levando em conta que ele reflete a cultura 
predominante de um dado momento histórico. 
Dessa forma, um estudante com problema de aprendizagem que é levado 
ao psicólogo não pode ser encarado destituído das experiências vivenciadas na 
escola. Este estudante pode estar representando as incoerências presentes no dito 
currículo. Teoricamente, muitas instituições possuem currículos excepcionais e 
inovadores intimamente comprometidos com o respeito à diferença, porém na 
prática cobra a padronização dos estudantes, seja em virtude dos processos 
avaliativos que privilegiam apenas um aspecto do desenvolvimento do estudante, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
8 
seja em virtude de uma relação verticalizada entre professor e o estudante (o 
professor está acima do estudante, pois sabe mais, e o estudante, por pouco ou 
nada saber, deve obediência e ouvir atentamente a transmissão do conhecimento). 
Ao psicólogo cabe analisar profundamente as situações sempre multifacetadas a ele 
apresentadas. 
 
 
2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR 
 
 
De forma a ampliarmos a concepção do leitor a cerca da realidade 
multifacetada em que consiste o trabalho com as questões ligadas à aprendizagem, 
convém apresentarmos as diferentes concepções pedagógicas desenvolvidas e 
ainda vigentes em grande parte das instituições de ensino nas quais o psicólogo 
atua. 
Muitas foram às concepções desenvolvidas a respeito do papel da escola, ao 
longo dos séculos, desde a sua criação enquanto instituição responsável pela 
educação formal dos indivíduos. Embora o tema possa ser considerado de extrema 
relevância, detalhá-lo extrapola os limites aqui traçados. Reconhecendo a 
importância, pois, de situar o leitor nesse contexto mais amplo que afeta a prática da 
psicologia escolar na atualidade, buscamos sintetizar em dois grandes grupos as 
tendências pedagógicas consideradas de maior expressão e influência nas escolas 
brasileiras. 
Tomando como base o autor José Carlos Libâneo e sua obra Democratização 
da escola pública (1985), podemos dividir as tendências pedagógicas em Pedagogia 
Liberal e Pedagogia Progressista: 
1 - Pedagogia Liberal: 
a – tradicional; 
b - renovada progressista; 
c - renovada não diretiva; 
d – tecnicista. 
2 - Pedagogia progressista: 
a – libertadora; 
b – libertária; 
c - crítico-social dos conteúdos. 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
9 
2.1 PEDAGOGIA LIBERAL 
 
 
Embora o termo ‘liberal’ nos remeta a um sentido ligado a "avançado", 
"democrático", "aberto", contrapondo-se ao termo ‘tradicional’, não é bem assim que 
a pedagogia liberal deve ser entendida. A doutrina liberal aparece como justificativa 
do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos 
interesses individuais na sociedade, estabelece uma forma de organização social 
baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada 
sociedade de classes. Lembrando o que dissemos no início deste Módulo, não 
podemos separar a compreensão das teorias pedagógicas da sociedade na qual (ou 
para a qual) elas são produzidas. A pedagogia liberal é uma concepção própria 
daquilo que chamamos de ‘sociedade de classes’. 
Isso quer dizer que a maneira como a pedagogia liberal compreende o 
sujeito a ser formado é traduzida nas práticas, as quais são propostas e 
desenvolvidas pela escola junto aos estudantes. 
A educação brasileira tem sido marcada, nos últimos cinquenta anos pelas 
tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Tais 
tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e na concepção 
pedagógica de muitos docentes, ainda que esse fato não seja reconhecido por 
esses. 
A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar 
os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões 
individuais. Para isso, os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e 
às normas vigentes na sociedade de classes, por meio do desenvolvimento da 
cultura individual. A ênfase dada ao aspecto cultural esconde a realidade das 
diferenças de classes, pois embora esta tendência difunda a ideia de igualdade de 
oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. 
Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, 
por razões que podem ser resumidas na necessidade de reacomodação da 
hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada 
escola nova ou ativa). O que não significou a substituição de uma pela outra, pois 
ambas conviveram e convivem com a prática escolar. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
10 
Na Escola Tradicional, a educação tem completa autonomia em relação à 
realidade social. Nela o professor é o centro de tudo: ele fala, os alunos ouvem e 
absorvem a sua ‘sabedoria’. A transmissão dos conteúdos é privilegiada, não 
havendo a preocupação quanto à assimilação real do conhecimento, apesar do 
objetivo primeiro ser o aprendizado. 
A Escola Nova, por sua vez, não se diferencia substancialmente da Escola 
Tradicional. Os estudiosos que desenvolveram as ideias enquadradas no que se 
convencionou chamar de Escola Nova, creem no poder da escola como elemento de 
harmonização e equilíbrio social. O importante aqui não seria mais o aprender, mas 
o aprender a aprender. 
No Brasil, historicamente, a Escola Nova exerceu um efeito negativo, na 
medida em que deslocou o eixo de preocupação da esfera política para a técnica e 
pedagógica, servindo, pois, aos interesses das classes dominantes. Demerval 
Saviani (1982) denominou este fenômeno de ‘mecanismo de recomposição da 
hegemonia da classe dominante’. 
John Dewey, educador norte americano, foi o primeiro a formular o ideal 
pedagógico próprio da Escola Nova. Para ele a educação continuamente construía a 
experiência concreta, ativa e produtiva de cada um. A educação preconizada por ele 
era essencialmente pragmática, instrumentalista. Embora buscasse a convivência 
democrática não colocava em questão a sociedade de classes sobre a qual nos 
falou Saviani. 
Para o autor Gadotti (2002, p. 144): 
Tratava-se de aumentar o rendimento da criança, seguindo os ‘próprios’ 
interesses vitais dela. Esta rentabilidade servia, acima de tudo, aos 
interesses da nova sociedade burguesa: a escola deveria preparar os 
jovens para o trabalho, para a atividade prática, para o exercício da 
competição. Neste sentido, sob muitos aspectos, acompanhou o 
desenvolvimento e o progresso capitalistas. Representou uma exigência 
desse desenvolvimento. Propunha a construção de um homem novo dentro 
do projeto burguês de sociedade. Poucos foram os pedagogos 
escolanovistas que ultrapassaram o pensamento burguês para evidenciar a 
exploração do trabalho e a dominação política, próprias da sociedade de 
classes. 
 
 
Nessa perspectiva, deixar a criança à educação espontânea da sociedade, 
conforme apregoa os teóricos escolanivistas, é também deixá-la ao autoritarismo de 
uma sociedade nada espontânea. Como aponta Gadotti (2002), o papel do educador 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
11 
é intervir, se posicionar e não se omitir as influências, ora travestidas de democracia, 
de um ideal de homem traduzida nas práticas escolares, que se adapte, e não que 
transforme a sociedade em que vive. A omissão, ainda segundo esse autor, é uma 
forma de intervenção. 
 
 
2.2 PEDAGOGIA PROGRESSISTA 
 
 
O termo é utilizado para designar as tendências que, partindode uma 
análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades 
sociopolíticas da educação. Parece claro, porém, que a Pedagogia Progressista não 
tem como se institucionalizar numa sociedade capitalista; mas pode ser um 
instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais. 
Tomando esta tendência como base, a educação escolar deve recuperar 
sua unidade por meio de uma perspectiva integradora. Na verdade, é dessa 
integração que resultarão os princípios de um novo projeto de fazer pedagógico. 
Sem essa dimensão explícita da ação pedagógica escolar – a perspectiva 
integradora no ato educativo -, a escola deixa de ter sentido. 
Em uma perspectiva de educação crítica, direcionada para uma pedagogia 
social que privilegia uma educação de classe no rumo de um novo projeto de 
sociedade, a escola – principalmente pública - possui papel relevante e 
indispensável. Para isso, é preciso de organização: dar aulas, fazer planos, controlar 
a disciplina, manejar a classe, dominar o conteúdo e acima de tudo, entender o 
caráter social dos processos educativos, principalmente aqueles que acontecem na 
instituição escola. Para tanto, a instrumentação teórico-prática é necessária, para 
que os professores tomem consciência do lado político de sua prática. 
O leitor pode estar se questionando o que de tão importante tem a relação 
da escola com a sociedade em que vivemos e, consequentemente com a prática do 
psicólogo neste âmbito. Se o leitor compreende-se como um ator social, precisa ficar 
muito atento ao papel que desempenha neste cenário, sob o risco de – com um 
rótulo diferente – assinar laudos que ‘sentencie’ como problema emocional ou 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
12 
psicológico, uma queixa ou um desequilíbrio do sistema no qual um suposto 
‘estudante-problema’ não se ‘enquadre’. 
Não se pode perder de vista que em uma sociedade de classes, o saber 
(também produzido no e pelo sistema educacional) relaciona-se intrinsecamente 
com o poder e dominação. Se a educação apenas reproduzir essa sociedade, 
dificilmente possibilitará a ascensão da classe dominada ao poder, para que essas 
tenham, enfim uma vida digna, produto de sua luta consciente por oportunidades 
iguais. 
No tópico seguinte, tentaremos desvendar sobre qual sujeito nos fala a Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do nosso país. Antes, porém, com o 
intuito de facilitar o aprendizado, apresentamos um quadro resumido com as 
principais tendências pedagógicas, suas características e autores mais expressivos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
13 
 Quadro das tendências pedagógicas na prática escolar 
Nome da 
Tendência 
Pedagógica 
Papel da Escola Conteúdos Métodos 
Professor 
x 
aluno 
Aprendizagem Manifestações 
Pedagogia 
Liberal 
Tradicional. 
Preparação 
intelectual e moral 
dos alunos para 
assumir seu papel 
na sociedade. 
São 
conhecimentos e 
valores sociais 
acumulados por 
meio dos tempos 
e repassados aos 
alunos como 
verdades 
absolutas. 
Exposição e 
demonstração 
verbal da matéria 
e/ou por meios de 
modelos. 
Autoridade do 
professor que 
exige atitude 
receptiva do 
aluno. 
A aprendizagem é 
receptiva e 
mecânica, sem se 
considerar as 
características 
próprias de cada 
idade. 
Nas escolas que 
adotam filosofias 
humanistas 
clássicas ou 
científicas. 
Tendência 
Liberal 
Renovadora 
Progressiva. 
A escola deve 
adequar às 
necessidades 
individuais ao meio 
social. 
Os conteúdos são 
estabelecidos a 
partir das 
experiências 
vividas pelos 
alunos frente às 
situações 
problemas. 
Por meio de 
experiências, 
pesquisas e 
métodos de 
solução de 
problemas. 
O professor é 
auxiliador no 
desenvolvimento 
livre da criança. 
É baseada na 
motivação e na 
estimulação de 
problemas. 
Montessori Decroly 
Dewey 
Piaget 
Lauro de oliveira 
Lima 
 Tendência 
Liberal 
Renovadora não 
diretiva (Escola 
Nova) 
Formação de 
atitudes. 
Baseia-se na 
busca dos 
conhecimentos 
pelos próprios 
alunos. 
Método baseado 
na facilitação da 
aprendizagem. 
Educação 
centralizada no 
aluno e o 
professor é quem 
garantirá um 
relacionamento 
de respeito. 
Aprender é 
modificar as 
percepções da 
realidade. 
Carl Rogers, 
"Sumermerhill" 
escola de A. Neill.
Tendência É modeladora do São informações Procedimentos e Relação objetiva Aprendizagem Leis 5.540/68 
 AN02FREV001/REV 4.0 
14 
Liberal 
Tecnicista. 
comportamento 
humano por meio 
de técnicas 
específicas. 
ordenadas numa 
sequência lógica 
e psicológica. 
técnicas para a 
transmissão e 
recepção de 
informações. 
onde o professor 
transmite 
informações e o 
aluno vai fixá-las.
baseada no 
desempenho. 
e 
5.692/71. 
 Tendência 
Progressista 
Libertadora 
Não atua em 
escolas, porém visa 
levar professores e 
alunos a atingir um 
nível de consciência 
da realidade em que 
vivem na busca da 
transformação 
social. 
Temas geradores.
Grupos de 
discussão. 
A relação é de 
igual para igual, 
horizontalmente. 
Resolução da 
situação problema.
Paulo Freire. 
Tendência 
Progressista 
Libertária. 
Transformação da 
personalidade num 
sentido libertário e 
autogestionário. 
As matérias são 
colocadas, mas 
não exigidas. 
Vivência grupal 
na forma de 
autogestão. 
É não diretiva. O 
professor é 
orientador e os 
alunos livres. 
Aprendizagem 
informal em grupo.
C. Freinet
Miguel Gonzales
Arroyo. 
Tendência 
Progressista 
"crítico social 
dos conteúdos 
ou "histórico-
crítica" 
Difusão dos 
conteúdos. 
Conteúdos 
culturais 
universais que 
são incorporados 
pela humanidade 
frente à realidade 
social. 
O método parte 
de uma relação 
direta da 
experiência do 
aluno 
confrontada com 
o saber
sistematizado. 
Papel do aluno 
como 
participador e do 
professor como 
mediador entre o 
saber e o aluno. 
Baseadas nas 
estruturas 
cognitivas já 
estruturadas nos 
alunos. 
Makarenko 
B. Charlot
Suchodoski
Manacorda
G. Snyders
Demerval Saviani.
FONTE: Disponível em: <www.manufaturademim.blogspot.com>. Acesso em: 08 dez.2011. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
15 
 
 
3 A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDB): UMA 
REFLEXÃO DO SUJEITO FORMADO E FORMADOR 
 
 
Antes de tecermos breves comentários a respeito da LDB mais recente, 
alguns trechos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, considerados mais 
importantes ou que pelo menos se aproxime daquilo que é esperado da educação 
no Brasil, serão expostos a seguir. 
 
Com relação à educação básica: 
Seção I 
Das Disposições Gerais 
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-
lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe 
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. 
 
Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes 
diretrizes: 
 
I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos 
cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; 
 
Com relação ao Ensino Fundamental: 
 
O ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola 
pública, iniciando-se aos seis anos de idade, terá por objetivo a formação básica do 
cidadão, mediante: 
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o 
pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; 
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, 
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
16 
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição 
de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; 
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e 
de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. 
 
Com relação ao Ensino Médio: 
 
Art. 35. O ensino médio, etapa finalda educação básica, com duração mínima de 
três anos, terá como finalidades: 
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino 
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; 
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar 
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas 
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; 
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação 
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; 
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos 
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. 
Art. 36. 
I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da 
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade 
e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao 
conhecimento e exercício da cidadania; 
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos 
estudantes; 
III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, 
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das 
disponibilidades da instituição; 
IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas 
as séries do ensino médio. 
§ 1o Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de 
tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
17 
I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção 
moderna; 
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; 
 
Com relação à Educação Superior 
 
Art. 43. A educação superior tem por finalidade: 
I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do 
pensamento reflexivo; 
II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção 
em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade 
brasileira, e colaborar na sua formação contínua; 
III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao 
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, 
desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; 
IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que 
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino, de 
publicações ou de outras formas de comunicação; 
V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e 
possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão 
sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de 
cada geração; 
VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os 
nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer 
com esta uma relação de reciprocidade; 
VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão 
das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e 
tecnológica geradas na instituição. 
 
Fazendo uma breve análise, se por um lado parece haver certa liberdade 
para as instituições de ensino colocar em prática as diretrizes formuladas pela LDB, 
esta mesma liberdade pode também ser vista como falta de um norteador que 
busque delimitar os processos pedagógicos que facilite o desenvolvimento de um 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
18 
projeto de cidadão. 
Embora defenda o desenvolvimento do educando e ainda “a difusão de 
valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de 
respeito ao bem comum e à ordem democrática”, não explicita quais são esses 
interesses sociais nem os valores fundamentais que sustentam a ideia de 
homem presente no documento. Esta pseudoliberdade dá margem para que os 
agentes educacionais – diretores, professores, orientadores – interpretem o 
documento de maneira que melhor consolide seus interesses. Mesmo que se 
pretenda formar um sujeito consciente das questões colocadas pela realidade na 
qual se encontra inserido, não é missão fácil para o corpo docente, sem preparo e 
formação adequada, realizar este projeto. E, mais uma vez o documento não 
explicita ou dá pistas sobre os melhores caminhos de concretização da formação de 
um sujeito cônscio de seus direitos e deveres. 
Os professores como visto anteriormente, embora precisem ter formação 
superior para atuar na educação fundamental, por exemplo, não possuem preparo e 
conhecimento para abordar tantas questões colocadas pela prática escolar. Além 
disso, a baixa remuneração é um estímulo a menos na busca pelo seu 
aperfeiçoamento profissional. E, mais uma vez, o estudante que não aprende é 
interpretado à luz de suas dificuldades individuais, passando longe dos aspectos 
institucionais a compreensão de suas ‘queixas’. 
O conceito de competência pode iluminar um pouco os professores e 
coordenadores pedagógicos, na medida em que traz contribuições importantes a 
respeito do sujeito a ser formado pelas instituições de ensino e o sujeito formador. 
Este conceito encontra-se presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), 
documento oficial que orienta alguns cursos de graduação. É sobre o conceito de 
competência que nos debruçaremos a seguir. 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
19 
 
 
4 PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS: LIBERTADORA OU ADAPTACIONISTA 
 
 
Como vimos anteriormente, qualquer processo educativo com suas diretrizes 
e leis fundamentais reflete o projeto de sociedade que uma nação possui. Muitas 
vezes, há um discurso muito bem estruturado e ‘maquiado’ e que, caso o leitor não 
esteja atento às entrelinhas, pode ser facilmente ludibriado com ideias 
aparentemente libertadoras e democráticas, mas na verdade extremamente 
‘aprisionantes’. O conceito de competência, por ser polissêmico, é um claro exemplo 
nesta direção. Muitas modificações nas leis que regulamentam a educação formal 
no Brasil vêm ocorrendo e muitas propõem como eixo estruturante a ideia de formar 
profissionais, alunos, competentes. Mas vejamos com mais cuidado o que isso 
significa. 
Inegáveis são as mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, e 
importante é pensarmos de que maneira os trabalhadores devem responder a essas 
modificações. Nesse contexto, o conceito de competência ganha força como um 
caminho para desenvolvimento de uma “nova” pedagogia. Entretanto, o que muitos 
se perguntam é se a utilização do termo competência por educadores, gerências de 
pessoal nas empresas e no mundo do trabalho serve a um processo de 
transformação da realidade socioeconômica mundial, ou serve a um processo 
adaptativo ao capitalismo em tempos globalizados. Estaria vinculado a critérios de 
qualificação estabelecidos pela lógica, por vezes perversa, do sistema capitalista ou 
estaria, de fato, inaugurando uma reflexão sobre as práticas pedagógicas e seu 
papel no desenvolvimento de forças produtivas mais conscientes e autônomas? 
 
A noção de competência é, de fato, uma noção forte e deve ser recuperada, 
mas numa perspectiva que rompa (...) os critérios que a estão orientando na 
atualidade: o fatalismo da disputa competitiva (...). Do mundo do trabalho 
vem o “modelo de competência” com todas as contradições que ele suscita. 
Vem também a constatação de que ser competente representa, também, 
saber transgredir (MACHADO in: MARKERT, 2002, p. 205). 
 
 
 
 
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20 
O termo competência vem ocupando espaço na reestruturação de práticas 
pedagógicas e pode ser entendido como eixo estruturante das Diretrizes 
Curriculares Nacionais (DCN), mas sua compreensão está longe de ser consensual 
e aí pode residir a sua força, como também sua fragilidade.Força, pois tem levado a 
inúmeras discussões, debates e reflexões o que já indica o potencial intrínseco que 
o termo traz no sentido da construção coletiva do conhecimento. No entanto, a falta 
de consenso pode levar à incorporação utilitária de seu significado por parte das 
instituições educacionais, governamentais e empresariais e a um consequente 
esvaziamento de seu sentido transformador. 
Por sua polissemia, a noção de competência é compreendida de diferentes 
maneiras pelas diversas correntes e tendências que jogam sobre ela inúmeras 
interpretações. Sem pretender esgotar este estudo, faz-se necessário apontar 
algumas das correntes que buscam explicar o significado do termo e os 
determinantes políticos e econômicos que se encontram presentes – de maneira, 
por vezes, velada - na sua compreensão. 
 
(...) esta polissemia se origina das diferentes visões teóricas que estão 
ancoradas em matrizes epistemológicas diversas e que expressam 
interesses, expectativas e aspirações dos diferentes sujeitos coletivos, que 
possuem propostas e estratégias sociais diferenciadas e buscam a 
hegemonia de seu projeto político (DELUIZ, 2001, p. 23). 
 
 
Deluiz (2001) reconhece quatro matrizes teórico-metodológicas referentes 
ao termo competência, a saber: a) matriz condutivista, que tem como objeto de 
análise o posto de trabalho e a tarefa para definir o currículo de formação, sendo os 
conteúdos da análise transpostos linearmente para o currículo ficando os processos 
de aprendizagem submetidos aos comportamentos e desempenhos observáveis na 
ação; b) matriz funcionalista, na qual o currículo é constituído com base em funções 
e tarefas especificadas nas normas de competência e a aprendizagem se restringe 
às atividades e não aos seus fundamentos científico-tecnológicos; relaciona-se com 
o produto (o trabalhador) esperado pela empresa em termos de desempenho de 
tarefas específicas; c) matriz construtivista, que atribui importância não só às 
competências voltadas para o mercado, mas direcionadas aos objetivos e 
potencialidades do trabalhador; considera a construção do conhecimento como algo 
individual e subjetivo, de desenvolvimento de estruturas cognitivas sem, no entanto, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
21 
considerar o papel do contexto social para além da esfera do trabalho na 
aprendizagem dos sujeitos; d) matriz crítico-emancipatória, a qual considera a noção 
de competência como multidimensional, envolvendo aspectos que vão desde o 
individual ao sociocultural, situacional e processual, não podendo ser concebida 
como mero desempenho; é uma construção balizada por parâmetros socioculturais 
e históricos. 
Utilizamos neste estudo, a noção de competência que traz em sua essência 
uma concepção dialética, uma vez que, por um lado, pode ser compreendida como 
uma adaptação às novas configurações do mundo globalizado do trabalho, mas por 
outro, como um dos caminhos capazes de transgredir e transformar as relações 
estabelecidas por este mundo. Entendemos que essa concepção se aproxima da 
matriz crítico-emancipatória sobre a qual se refere Deluiz. 
Dialeticamente, segundo Markert (2002), a formação do homem integral 
pode beneficiar-se do progresso do capitalismo; porém, esse só poderá ser 
superado pela associação de homens autoconscientes. Da mesma forma, os 
homens serão autoconscientes na medida em que as condições de sua produção 
apresentar-se como uma barreira à sua força produtiva, obrigando-os a administrar 
conflitos, a exercitar a reflexão e, em consequência, ampliar a consciência de si 
próprio e do mundo que os cerca. 
Logo, para o autor, o sistema capitalista, sob este aspecto, constitui-se em 
contexto que pode promover o desenvolvimento de homens integralmente 
competentes, considerando que a indústria moderna guarda em sua base um 
potencial revolucionário, por estar em constante transformação obriga os 
trabalhadores a terem mobilidade, a serem flexíveis, a desenvolverem novos 
potenciais ao ocuparem novas funções, enfim, produz dinamismo. No entanto, a 
utilização que se faz desse dinamismo - meio de produção/força produtiva - serve 
aos interesses lucrativos daqueles que detêm o capital e que concentram a renda. 
Voltemos ao nosso questionamento inicial a respeito do uso que se faz do 
conceito de competência. Markert (2000) afirma que podemos encontrar no termo 
competência um conceito pedagógico universal que reflete o novo patamar dos 
conceitos de produção, baseado na visão dialética do desenvolvimento das forças 
produtivas. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
22 
Nesse sentido, a qualificação depende não só de condições objetivas, mas 
de disposições subjetivas que servem de base para a construção da 
profissionalidade dos trabalhadores, na luta pelo seu reconhecimento e efetivação 
de seu poder. Para isso, tanto os aspectos cognitivos como os comportamentais, as 
posturas e os valores fazem-se valer (Machado apud Markert, 2000, p. 22). 
O trabalhador moderno não representa somente força de trabalho e 
conhecimento técnico específico para sua função; há um papel político e social a ser 
desempenhado: “o ponto crucial das novas competências deverá manifestar-se na 
capacidade e disposição do trabalhador para assumir a gestão autônoma e coletiva 
do processo de produção e de vida” (MARKERT, 2000). 
O autor coloca a competência técnica (trabalho) e a competência 
comunicativa, direcionadas às relações humanas como categorias centrais do 
conceito integral de competência. Dessa forma, ter conhecimento técnico e saber 
interagir com o grupo de trabalho constitui-se em requisitos indispensáveis para um 
bom desempenho profissional, e para garantir autonomia e poder de decisão aos 
trabalhadores no contexto produtivo, ou seja, na sua experiência concreta de 
trabalho. Para Negt (apud Markert, 2000), a experiência é a categoria central para a 
educação e a aprendizagem dos homens que, embora construída pelo homem em 
sua particularidade, é um momento coletivo, mediado pela linguagem em relação 
direta com a realidade social; a noção de experiência tem sempre um componente 
geral que extrapola os sentimentos particulares. 
Markert acredita que é com base na aprendizagem orientada pelas/para 
experiências que se conseguirá desenvolver competências-chave com o objetivo de 
superar o processo de dissolução e segmentação social, determinado, em muito, 
pela maneira fragmentada de olhar e pensar o mundo. 
 
Para que se estruture um currículo baseado em competência - o que aponta 
também para uma aprendizagem orientada para e pela experiência - importa que os 
docentes reflitam sobre suas práticas pedagógicas e suas formas de interlocução 
com os sujeitos da aprendizagem, estabelecendo uma relação dialógica com seu 
público. 
A aprendizagem orientada para experiência representa uma tentativa de 
resgate da capacidade de pensar e compreender integralmente o contexto social, 
sendo um projeto não só pedagógico como também político. Ser competente, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
23 
portanto, não é tão somente saber sobre algo, mas ser capaz de atuar sobre este 
algo, transformá-lo quando necessário, flexibilizá-lo, integrá-lo a outros saberes, a 
outras interlocuções sempre em busca de um saber e um fazer situados, 
teoricamente sustentados e socialmente úteis. 
 
As categorias norteadoras de um conceito de competência deveriam evitar 
que os conceitos pedagógicos aplicados se tornem uma nova moda 
pedagógica, ou ajustem somente as capacidades laborais e interações 
intersubjetivas dos homens à nova ideologia do “capital progressista”, mas 
ao contrário, contribuam para um entendimento de “politecnia”, de formação 
integral do homem (...) (MARKERT, 2002, p. 206). 
 
Ramos (2002) chama a atenção para as armadilhas que podem levar a uma 
compreensão equivocada de competência e do valor da experiência na construção 
das competências. Ao fazer uma crítica às Diretrizes e Referenciais CurricularesNacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, a autora ressalta a existência 
de alguma confusão no que se refere à discriminação dos conceitos de habilidade, 
capacidade, atividade e competência. Competência, nesse caso, é compreendida 
como um mecanismo acionador de procedimentos e esquemas mentais, com 
estrutura e funcionamento dinâmicos, caracterizados pela inteligência prática e pela 
inteligência formalizadora: a inteligência prática configurada com base nas ações, 
enquanto a inteligência formalizadora entendida como o processo por meio do qual 
se desenvolve o pensamento abstrato. A autora por fim conclui que, nos 
documentos oficiais, a competência é descrita como ações específicas 
constituidoras das atividades profissionais, nas quais procedimentos e esquemas 
mentais são reunidos em uma única instância: a inteligência prática. 
Adiante, veremos que os aspectos cognitivos devem estar sempre em 
relação ao mundo que cerca o sujeito. São necessárias, principalmente, a 
inteligência, a percepção e a memória, mas não somente. Entendemos que 
competência tem a ver com esquemas mentais sim, mas que seu conceito fica 
incompleto se reduzido a isso. Assim, como a integralidade no cuidado, a 
competência só poderá ser “avaliada” na prática, circunscrita a um contexto 
sociopolítico, econômico e cultural. 
A armadilha sobre a qual fala Ramos (2002) é exatamente de retornarmos 
para uma concepção condutivista do conceito de competência, uma vez que é dessa 
concepção que mais se aproximam os documentos oficiais. Na tentativa de objetivar 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
24 
a aprendizagem e a prática profissional, Ramos entende que as competências foram 
reduzidas às habilidades requeridas para a natureza do trabalho. 
Ramos (2002, p. 413) nos alerta que “(...) a concepção (neo) pragmática do 
conhecimento pode vir a legitimar construções curriculares centradas na prática, que 
subordinam os conceitos aos limites de sua instrumentalidade ou das formulações 
espontâneas”. O que observamos na fala anterior, entretanto, é menos essa 
subordinação, e mais a tendência em transformar a prática em algo burocrático e 
não em cenários de aprendizagem nos quais a teoria possa ser concretizada, 
discutida, reformulada de modo que essa díade - teoria/prática - seja garantida. 
De fato, não podemos conceber que as práticas pedagógicas estruturem-se 
exclusivamente com base na experiência do estudante, mas não há como discordar 
de que a aprendizagem que se constrói na inter-relação do conhecimento científico 
com a sua instrumentalização tem muito mais potência e possibilita uma 
compreensão integral do objeto do conhecimento. Mesmo que tenhamos um 
processo de ensino crítico, reflexivo e inovador, na maioria das vezes só fará sentido 
político e social para o estudante se romper os muros escolares; não com base em 
uma prática adaptativa, que aprisione, mas que seja transgressora, que liberte. Com 
isso, não queremos dizer que as ações (a experiência) devam ter preeminência 
sobre os conceitos (conhecimento teórico), mas que seja possível construir a 
inteligência formalizadora e a inteligência prática em conjunto, integradamente, 
buscando reduzir uma possível hierarquia de uma sobre a outra. 
 
A competência não se limita ao conhecer, mas vai além porque envolve o 
agir numa situação determinada. O agir competente, portanto, inclui decidir 
e agir em situações imprevistas, mobilizar conhecimentos, informações e 
hábitos, para aplicá-los com capacidade de julgamento, em situações reais 
e concretas, individualmente e com sua equipe de trabalho (RAMOS, 2001, 
p. 31). 
 
Portanto, a noção de competência discutida aqui é defendida como uma 
possibilidade de libertação, mas não de adaptação ao sistema capitalista que 
exacerba a desigualdade entre as classes pode significar uma nova perspectiva no 
âmbito educacional e, mais especificamente nas escolas onde o psicólogo escolar, 
presumidamente trabalha. 
Pensar a educação sob o viés da competência amplia a visão de todos os 
envolvidos no processo pedagógico. Ao ir além do simples saber sobre um objeto, 
passam a serem valorizadas as atitudes daquele que aprende, mas também daquele 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
25 
que ensina. Essa talvez seja a maior dificuldade que os educadores, mesmo que 
concordes com esse referencial enfrentam. Como funcionar segundo uma lógica 
muito diferente da qual eles foram educados e, posteriormente, formados? 
Desenvolver estudantes competentes requer que os educadores sejam igualmente 
competentes, de acordo com a perspectiva aqui adotada. Para que isso aconteça é 
necessário que se faça uma reflexão a respeito do real objetivo das práticas 
pedagógicas. Se esse for ao encontro de cumprir um currículo recheado de 
disciplinas obrigatórias e, por vezes desinteressantes é fundamental uma ruptura de 
paradigma para que seja possível pensar as práticas pedagógicas com o intuito de 
desenvolver seres humanos, investigando suas virtudes e possibilidades e 
potencializando-as em busca de um melhor saber - e – fazer. 
Insiste-se, pois, que a própria prática docente seja questionada e a formação 
exigida para ocupar esse lugar, reavaliada. Sem isso, não adiantará a boa vontade 
de alguns de um lado e os documentos oficiais do outro. E, pelo que tem nos 
mostrado a realidade escolar, parece estarmos distantes de repensar ou reinventar 
as práticas pedagógicas e a sua finalidade. Nesse contexto complexo, vale 
acrescentar, que o psicólogo escolar precisa estar muito atento a respeito do que 
sua prática está a serviço. 
No próximo módulo ficará claro como por detrás das abordagens 
psicológicas esconde-se uma visão de mundo e de sujeito circunscrito ao contexto 
sociopolítico e econômico de uma dada sociedade. Os conhecimentos produzidos 
são produzidos em um dado momento histórico e, mesmo que, aparentemente 
neutros politicamente, não podemos ser ingênuos a ponto de não levarmos em 
conta as condições sobre as quais um conhecimento é produzido. 
Será possível perceber, por exemplo, que a abordagem inatista-
maturacionista tem um olhar sobre o sujeito diferente da abordagem 
comportamentalista que também se diferencia das ideias de Piaget sobre o sujeito – 
mesmo que sua intenção primeira, como veremos, fosse buscar como se origina o 
conhecimento - que também é nitidamente distinta do sujeito compreendido por 
Vygotsky. 
Experimente, pois, fazer esse exercício. Tente responder, na medida em que 
vá construindo sua compreensão a respeito das abordagens apresentadas no 
módulo seguinte, qual compreensão de sujeito e de mundo está por trás daquele 
 
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26 
posicionamento teórico. Talvez o leitor surpreenda-se com aquilo que está nas 
nossas vistas, mas nunca prestamos a atenção. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FIM DO CURSO! 
 
 
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29 
MÓDULO II 
 
 
5 A CRIANÇA E AS ABORDAGENS PSICOLÓGICAS – BREVE INTRODUÇÃO 
 
 
Ao pensarmos em teorias da aprendizagem infantil é necessária uma breve 
situada no que se refere à relação da criança com o ensino formal, que tem na 
escola o seu locus principal. 
É importante lembrar que a concepção de criança que temos hoje começa a 
ser construída a partir do século XVII. Até esse momento histórico a criança era 
concebida como um pequeno adulto (homúnculo) e, portanto, deveria, a partir de 
certa idade, ter as mesmas funções do adulto ou pelo menos acompanhá-los em 
suas atividades cotidianas. Podemos observar esta afirmativa, a partir das pinturas 
da época, onde o corpo infantil era representado com as mesmas proporções e 
tamanho do corpo adulto. Não havia a noção de que a criança possuía uma série de 
peculiaridades que deveriam ser levadas em consideração para a sua compreensão 
e seu processo de desenvolvimento. Naquela época, as crianças que 
sobrevivessem, já que a expectativa de vida era bem baixa, já deveriaestar inserida 
no mundo adulto. Não havia, pois, o reconhecimento da infância como uma fase do 
desenvolvimento humano. 
O avanço das descobertas científicas permitiu o prolongamento da vida e a 
diminuição da mortalidade infantil. A partir do século XVII, passou-se a considerar o 
fato da criança ser diferente do adulto e que, portanto mereceria um maior preparo 
para a vida. Aos pais, então, cabia não apenas garantir a sua sobrevivência, mas 
também seriam responsáveis pela sua formação, entendida aqui como moral e 
espiritual. 
Esta concepção afasta a criança do convívio direto com os adultos – onde 
sua socialização acontecia, na medida em que ao auxiliar os mais velhos, ela 
aprendia seus valores e costumes - colocando-a junto à família e à escola; esses 
passam a ser os responsáveis pela formação da criança, neste momento histórico. 
A criança passa a ser objeto central de interesse, atenção e cuidado dos 
adultos. 
 
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30 
Os pais que se preocupam com a educação de suas crianças merecem 
mais respeito do que aqueles que se contentam em pô-las no mundo. Eles 
lhes dão não apenas a vida, mas uma vida boa e santa. Por esse motivo, 
esses pais têm razão em enviar os filhos, desde a mais tenra idade, ao 
mercado da verdadeira sabedoria (o colégio), onde eles se tornarão os 
artífices de sua própria fortuna... (ARIÈS apud FONTANA e CRUZ, 1997: 7) 
 
 
O afastamento da criança do mundo adulto modificou a maneira da 
sociedade pensar sobre elas. Foi sendo reconhecido um mundo próprio a criança e 
que sua mente funcionava de modo diferente da mente do adulto. 
Refletir, mesmo que brevemente sobre isso, pode ser surpreendente, uma 
vez que somos levados a crer que todo conhecimento já é dado e não construído. 
Pode parecer óbvio com todo conhecimento do qual dispomos atualmente sobre a 
criança de que ela é diferente do adulto, que seu funcionamento mental e formas de 
organização do conhecimento são peculiares, mas foi somente no século XX que se 
iniciou efetivamente o estudo científico da criança e do desenvolvimento infantil. 
Diversas abordagens foram desenvolvidas com vistas a explicar o 
comportamento/funcionamento infantil que colocaram luz em diferentes aspectos, de 
acordo com o interesse científico em questão, tais como: a inteligência, a motivação, 
a maturação, a influência do meio, a aprendizagem, o processo de construção do 
conhecimento entre outros. Essas abordagens têm exercido considerável influência 
nos meios educacionais e levado a reflexões sobre as metodologias e conteúdos do 
ensino escolar. 
A psicologia é uma das ciências que estuda sobre a educação escolar. 
Sendo uma das ciências que estuda o homem, a psicologia se debruça sobre o 
estudo dos mais variados temas, tais como: a afetividade, o desenvolvimento da 
criança, a velhice, a psicopatologia, as relações institucionais etc. No entanto, todos 
os estes estudos psicológicos, que ‘alimentaram’ as práticas pedagógicas, não 
foram desenvolvidas com este objetivo, foram adaptadas para este fim. Entendemos 
que as contribuições da psicologia fundamentais à prática educativa são aquelas 
que podem lançar luz sobre aspectos do ensinar e aprender. 
 
 
A maior parte do conhecimento produzido nesta área diz respeito à relação 
entre desenvolvimento e aprendizagem, já que desenvolvimento e aprendizagem 
são processos, de alguma forma, inter-relacionados. 
 
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31 
Quando dizemos que para uma criança aprender determinado conteúdo 
precisa amadurecer ou atinja certa idade, estamos subordinando a aprendizagem ao 
desenvolvimento. Por outro lado, não são raras as vezes que ouvimos que o ensino 
deve estimular o desenvolvimento da criança. Distintas abordagens lançam olhares 
também distintos sobre estas questões; questões estas que, dependendo do 
enfoque dado a um ou outro aspecto, influenciam sobremaneira as práticas 
pedagógicas de uma escola. 
A discussão sobre a evolução psíquica do ser humano é alvo de um debate 
que teve início no final do século XIX e continua até os dias de hoje. Diferentes 
autores, teorias e modelos explicativos tentaram formular uma explicação 
convincente, especialmente para a relação entre o desenvolvimento e aprendizagem 
humana. Dentre elas, três posições tornaram-se clássicas: 
 
• O desenvolvimento seria um processo relativamente independente e 
dissociado das diversas aprendizagens e, portanto, das práticas educativas. Como 
consequência do desenvolvimento biológico, seguiria um percurso de mudanças 
mais ou menos estável e, até certo ponto, pré-programado; 
• O desenvolvimento e a aprendizagem seriam processos coincidentes. 
A ênfase é dada à aprendizagem. O ambiente e a experiência são determinantes do 
comportamento. O desenvolvimento nada mais é do que o resultado das 
aprendizagens acumuladas durante a vida. Dessa forma, os dois processos não se 
distinguem; 
• O desenvolvimento e a aprendizagem são dois processos que se inter-
relacionam. O desenvolvimento é visto como um processo mediado, ou seja, as 
mudanças que ocorrem ao longo da vida estão marcadas pela interação que as 
pessoas estabelecem com seu meio social e cultural. Considera-se o 
desenvolvimento biológico como um dos fatores do desenvolvimento psicológico, na 
medida em que este se relaciona com o meio sociocultural. Dito de outra maneira, o 
"programa biológico" das pessoas pode concretizar-se, porém, está submetido ao 
"filtro" social e cultural. 
Dentre estas posições, destacamos a abordagem inatista-maturacionista, a 
comportamentalista, a piagetiana e a histórico-cultural. É sobre estas abordagens 
que nos deteremos a seguir. 
 
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32 
 
 
6 ABORDAGEM INATISTA-MATURACIONISTA 
 
 
FIGURA 1 - FILHO DE PEIXE, PEIXINHO É? 
 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.minilua.com>. Acesso em: 30 ago. 2011. 
 
 
 
 
Muitos já ouviram este questionamento a respeito da herança genética. 
‘Manuela é tão observadora, puxou a mãe’, ‘João tem uma incrível aptidão para 
línguas’, também são comentários que colocam em evidência a influência dos 
aspectos genéticos no comportamento dos descendentes. Maturidade, aptidão, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
33 
inteligência são temas estudados pela psicologia e que conferem um papel central 
aos aspectos biológicos no desenvolvimento da criança. A perspectiva chamada 
inatista-maturacionista (Fontana e Cruz, 1997) considera que os fatores hereditários 
ou maturacionais são mais importantes que a experiência e a aprendizagem para o 
desenvolvimento infantil e para determinação das capacidades da criança. 
Esta abordagem afirmaria sem duvidar que o fato de filhos de artistas 
tornarem-se artistas, filhos de esportistas tornarem-se esportistas, filhos de médicos, 
tornarem-se médicos estaria ligado à hereditariedade e à maturação. 
Mas o que entendemos por hereditariedade e maturação? 
Características da criança que foram herdadas de seus pais (cor dos olhos, 
dos cabelos, o tipo sanguíneo, dentre outras), fazem parte da herança genética 
individual que cada um de nós recebe desde a concepção. A hereditariedade pode 
ser entendida então, como o conjunto de características ou qualidades que estão 
fixadas na criança, já no nascimento. 
Já a maturação pode ser compreendida como o padrão comum de 
mudanças que se dão em todos os membros de uma mesma espécie. Estas 
mudanças ocorrem em uma sequência predeterminada que, de forma geral, 
independe de fatores externos. 
E qual a relação destes temas com a questão da inteligência e da 
aprendizagem? 
Teóricos desta abordagem acreditam que o desenvolvimento psicológico 
acontece do mesmo modo que o desenvolvimento biológico. Dessa forma, segundo 
esta perspectiva, 
• A inteligência e as aptidões individuais seriam herdadas dos pais e já 
estariam predeterminadas por ocasião do nascimento. Dessa forma, o 
comportamento e as habilidades das crianças seguiriampadrões mais ou menos 
fixos, governados pelos processos de maturação, que seriam independentes da 
aprendizagem ou da experiência. 
• Características psicológicas como nível de inteligência e habilidades de 
escrita, leitura, cálculo, entre outras, seriam transmitidas de pai para filho por meio 
da herança biológica. 
Voltemos um pouco em nossa introdução. Se até o século XVII, a criança 
não tinha grandes diferenças em relação ao adulto, aqui os pesquisadores começam 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
34 
a perceber que além de serem diferentes do adulto, as crianças também são 
diferentes entre si, se transformando ainda em adultos com diferenças individuais. 
Estes pesquisadores passam a se interessar pela seguinte questão: Por que as 
pessoas/crianças diferem – quanto a traços de personalidade, de habilidades, de 
desempenho intelectual, etc. – uma das outras? O que determina esta diferença? 
Passaram a constatar que pessoas com uma aptidão especial geralmente 
tinham familiares com o mesmo tipo de aptidão. Comparando irmãos gêmeos, 
também constataram que estes possuíam nível intelectual com um grau de 
semelhança maior do que aquele encontrado entre irmãos não gêmeos. 
No entanto, 
 
(...) essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que os 
fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais 
e do grau em que estas podem se desenvolver do que a experiência, o meio 
social e a educação. (FONTANA e CRUZ, 1997, p.12) 
 
Dessa forma, não fica difícil perceber que os pesquisadores desta 
abordagem delegavam um papel secundário ao meio no desenvolvimento das 
habilidades e inteligência da criança. Portanto, se o filho de um ator possui a mesma 
aptidão de seu pai e se transforma em um grande ator, isto está diretamente ligado à 
herança genética recebida por ele e ao seu processo de maturação, que, no seu 
tempo, fez surgir o ‘peixinho’. O fato de a criança ter se desenvolvido em um 
ambiente onde teve contato intenso com a profissão do pai, ter tido um meio cultural 
propício e oportunidade para tal, não são considerados por estes estudiosos. 
 
 
 
 
 
 
 
6.1 A MEDIÇÃO DA INTELIGÊNCIA E OS ASPECTOS MATURACIONAIS DO 
DESENVOLVIMENTO 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
35 
Com o objetivo principal de compreender as diferenças individuais, se 
desenvolveram os primeiros estudos psicológicos que visavam avaliar a inteligência. 
Alfred Binet (1857-1911), pioneiro nestes estudos, interessou-se principalmente pelo 
desenvolvimento de testes que pudessem medir a inteligência. 
Para Binet a inteligência era concebida como uma aptidão geral que 
independe das informações e experiências adquiridas ao longo da vida de um 
indivíduo. As principais características da inteligência, segundo este autor, seriam as 
capacidades de atenção, de julgamento e de adaptação do comportamento a 
objetivos; estaria também ligada ao bom-senso, ao ‘bom’ raciocínio. Dessa forma, o 
que define a inteligência, não é a quantidade de conhecimento que um indivíduo 
possui, mas sua capacidade de raciocinar, julgar e compreender. Todas estas 
características já se encontram presentes no indivíduo ao nascer, aguardando a 
maturação necessária para aparecer. 
Teorias mais modernas da inteligência ampliam sobremaneira a sua 
concepção, conferindo a esta inteligência definida por Binet, uma noção 
complementar, já que a entendem como uma inteligência entre muitas possíveis. 
Ao mesmo tempo em que os estudiosos pesquisavam a respeito das 
diferenças individuais, percebiam que também havia semelhanças no curso do 
desenvolvimento. Um bebê, por exemplo, possui fases desenvolvimentais que 
seguem mais ou menos um mesmo padrão: a maioria dos bebês torna-se capaz de 
sentar, antes de ser capaz de se arrastar, engatinhar e depois andar. Essas 
sequências parecem se repetir sempre em relação à maioria das crianças. Um dos 
primeiros psicólogos que se interessou por estes padrões no desenvolvimento 
infantil foi Arnold Gessel, nos Estados Unidos. 
Este teórico defendia a primazia dos fatores de maturação sobre os fatores 
de aprendizagem. Para ele o que explica a existência de um padrão no 
desenvolvimento das crianças seria o processo de maturação biológica. Da mesma 
forma que o desenvolvimento biológico, o psicológico também se daria na medida 
em que o cérebro e suas estruturas fossem se desenvolvendo e ampliando as 
possibilidades de novos padrões de comportamento, próprios a uma determinada 
faixa etária. 
Mas qual seria o papel do meio para estes estudiosos? Tanto fazia esta 
criança nascer em uma cultura ou em outra, em um meio social eu em outro? 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
36 
 
 
 FIGURA 2 
 
FONTE: Disponível em: <www.baby-in-hollywood.blogspot.com>. Acesso em: 30 ago. 2011. 
 
 
FIGURA 3 
 
FONTE: Disponível em: <www.ensaiosantropologicos.blogspot.com>. Acesso em: 30 ago. 2011. 
 
 
Para esta abordagem, a influência do meio social se dá apenas no sentido 
de facilitar ou dificultar o processo de maturação. Por exemplo, uma criança que 
raramente é retirada do berço terá retardado o seu processo de engatinhar, mas se 
a mesma estiver em condições adequadas, seu desenvolvimento aconteceria na 
sequência e ritmo determinados pela maturação. 
Tanto Binet quanto Gessel estavam interessados em definir comportamentos 
típicos a cada faixa etária, seguindo o padrão de maturação observado na infância e 
adolescência. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
37 
Binet interessou-se em observar comportamentos que indicassem o nível de 
inteligência numa determinada idade da criança, enquanto Gessel dedicou-se a 
observar a evolução ou o desenvolvimento de comportamentos considerados 
típicos. 
Esses autores acreditavam que os fatores hereditários e a maturação 
biológica seriam determinantes na evolução psicológica da criança. Os testes de 
inteligência e as escalas de desenvolvimento permitiriam construir padrões de 
"normalidade“, o que possibilitaria avaliar se uma criança está se desenvolvendo 
normalmente. 
Como para esses autores o desenvolvimento da criança independe dos 
fatores externos, dada à importância da hereditariedade no processo, não importava 
o lugar sociocultural e a época em que a criança viva ou as condições materiais e as 
possibilidades educacionais a que tenha acesso: a criança tida com ‘normal’ deve 
apresentar tais comportamentos. 
Vale ressaltar, no entanto, que eles chegaram à definição de padrões 
comportamentais de cada faixa etária, a partir de estudos realizados na primeira 
década do século XX com crianças francesas e norte-americanas. Foi a partir daí 
que se definiu o que é normal ou não. De acordo com esta abordagem, então, já que 
o desenvolvimento segue determinados padrões geneticamente e biologicamente 
orientados, uma criança que não se enquadra nas escalas de desenvolvimento dos 
comportamentos típicos, não pode ser considerada como se desenvolvendo 
‘normalmente’, não importando se esta nasceu e cresceu na classe média europeia 
ou no interior do nordeste brasileiro. 
Estudos mais recentes realizados com crianças adotivas questionam essa 
‘fatalidade’ genética, uma vez que têm mostrado que crianças com a mesma carga 
genética de seus pais, criadas em lares mais ‘nutritivos’ social e psicologicamente, 
possuem QI mais alto do que de seus pais biológicos, embora ainda assim menores 
que os filhos biológicos de seus pais adotivos. 
Daí, podemos nos perguntar: O desenvolvimento de uma criança é 
governado por um padrão inato no nascimento ou ele é moldado pelas experiências 
posteriores ao nascimento? 
Parece que a posição mais razoável frente o dilema influência genética X 
influência do meio é considerar que embora alguns padrões temperamentais e de 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
38 
inteligência possam ser herdados, eles podem ser modificados pelo estilo de 
cuidado recebido pela criança; Ou seja, nenhum aspecto do desenvolvimento é 
inteiramenteuma coisa ou outra. 
Porém, retomando as ideias desenvolvidas na abordagem inatista-
maturacionista, cabe perguntarmos: se o ritmo ou sequência do desenvolvimento 
são biologicamente determinados, qual a sua relação com a aprendizagem? 
Essa abordagem sustentou o que podemos denominar de “Ideologia do 
dom”, onde as diferenças no desempenho de determinada tarefa ocorrem em razão 
de uma herança genética ou mesmo de características étnicas, e não por causa de 
diferenças culturais ou de oportunidades. 
Segundo Patto (1984, p. 98), 
 
(...) a quantificação quase mágica, realizava o sonho da sociedade industrial 
capitalista de poder basear-se num critério numérico, objetivo, para 
classificar seus membros. (...) este foi o domínio em que a Psicologia 
americana mais se distinguiu: (...), explicar o insucesso escolar e garantir, 
assim, a crença no mito da igualdade de oportunidades. 
 
 
Os testes de ‘prontidão’ e de inteligência têm amplamente utilizado para a 
avaliação das crianças em idade escolar, muitas vezes, penalizando-as. O resultado 
destes testes tem afastado muitas crianças da escola, impedindo-a do acesso ao 
conhecimento, por fornecerem indicadores de que a criança ‘ainda não está pronta’ 
para aprender por ser ainda ‘imatura’, biologicamente falando. Essa ideia corrobora 
com o apontamento de Patto (1984), uma vez que desconsidera as diferentes 
oportunidades entre as crianças. 
Por outro lado, é necessário que reconheçamos que esta abordagem, 
inaugura o diálogo entre a psicologia científica e a educação. A construção dos 
testes de inteligência, por exemplo, responde a demanda emergente dos meios 
educacionais franceses de identificar as crianças mentalmente deficientes e 
estabelecer métodos de ensino acessíveis a elas. 
A ideia de que a criança possui atributos universais levou a crer que à escola 
caberia fazer aflorar estes atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do 
educando de forma ‘harmoniosa’. Isto colocou luz nas especificidades das crianças 
(bem diferente daquela concepção do século XVI), nas capacidades, potencialidades 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
39 
e características da criança, colocando destaque nas noções de prontidão, 
maturidade e aptidão. 
No entanto, essa abordagem limita a possibilidade de aprendizagem a certo 
nível de desenvolvimento da criança, quando certas capacidades já estivessem 
desenvolvidas. Somente a partir daí o aprendizado poderia se dar. Ou seja, haveria 
uma idade bem precisa para aprender determinado conteúdo, ou ainda, que o 
proveito que a criança tira da aprendizagem estaria ligado ao seu nível de prontidão 
ou maturidade. 
De maneira resumida, o papel da escola, segundo esta abordagem, seria a 
de promover um desenvolvimento harmonioso das capacidades infantis, desde que 
não houvesse "imaturidade". Daí a ideia de que as crianças "não estão prontas" para 
a alfabetização ou mesmo que "não têm condições intelectuais" para acompanharem 
as classes de alunos ditos normais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
40 
 
Ao contrário da abordagem anterior que coloca ênfase nos aspectos 
biológicos para o desenvolvimento das habilidades, a abordagem 
comportamentalista entende que estas habilidades são determinadas por suas 
relações como meio em que se encontram. 
Jonh B. Watson foi o fundador do movimento comportamentalista na 
psicologia, definindo-a como a ciência do comportamento, sendo este um ramo 
objetivo e experimental das ciências naturais. Ao enquadrar a psicologia como um 
ramo das ciências naturais, Watson considera a existência na continuidade entre o 
animal e o homem. Para os comportamentalistas, embora haja um maior requinte e 
complexidade no comportamento do homem em relação ao comportamento animal, 
ambos podem ser explicados pelos mesmos princípios. Dessa forma, o objeto de 
pesquisa do comportamentalismo é o comportamento, humano e animal. 
 
FIGURA 4 
 
FONTE: Disponível em: <www.olharbeheca.blogspot.com>. Acesso em: 5 out. 2011. 
 
 
Para nortear as ideias desta abordagem é importante esclarecer o que os 
teóricos desta abordagem entendem por comportamento. 
Comportamento = resposta do organismo a um estímulo externo (meio 
ambiente). 
Estímulo = toda alteração do ambiente captada pelos órgãos receptores (dos 
sentidos). 
Resposta = alterações que ocorrem no organismo em função de estímulos 
externos. 
Exemplificando... 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
41 
Imaginemos um gato bebendo água. Ao ouvir um latido, o gato sai correndo. 
Podemos dizer que ao ouvir o estímulo latido, o gato emitiu uma resposta: o ato de 
correr. Isto é, um determinado estímulo provocou uma determinada resposta. 
O que interessa à psicologia, portanto, é a relação entre estímulos e 
respostas, aspectos que podem ser empiricamente observados. Os 
comportamentalistas não desconsideram a existência de processos internos 
relacionados ao comportamento, mas atribuem o seu estudo à área da fisiologia, 
uma vez que não podem ser observados. 
Logo, a preocupação dos comportamentalistas pode ser resumida em: 
 
• Prever a resposta quando se conhece o estímulo; 
• Identificar o estímulo quando se conhece a resposta. 
 
O estudo do comportamento deve, pois, explicar a relação entre estímulo-
resposta (S-R), das quais ele é resultado. Cabe aos comportamentalistas descobrir 
quais são os estímulos que provocam determinado comportamento. Para os 
estudiosos desta abordagem o comportamento – animal ou humano - é sempre uma 
adaptação aos estímulos, às alterações que se processam no ambiente. 
Então, qual seria o papel da aprendizagem para esta abordagem? 
Não fica difícil perceber que, se para os inatistas a aprendizagem ocupa 
pouco lugar no desenvolvimento de certas habilidades, para os comportamentalistas 
a aprendizagem ocupa um papel central. O mais importante na determinação do 
comportamento são as experiências, aquilo que foi aprendido durante a vida. A 
preocupação básica do comportamentalismo é explicar como os comportamentos 
são aprendidos. 
Burrhus Frederic Skinner, importante psicólogo comportamentalista, dando 
continuidade às ideias de Watson distinguiu dois tipos de aprendizagem: por 
condicionamento clássico e por condicionamento operante. 
 
 Aprendizagem por condicionamento clássico: quando um determinado 
estímulo externo provoca um determinado comportamento; envolve uma reação do 
organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
42 
Tomemos novo exemplo: 
 
Mônica é apaixonada pelo Renatinho. Numa determinada história (em quadrinhos), 
ele a convidou para tomar sorvete. Mônica, toda feliz, vai ao encontro de seu 
pretendente e o espera ansiosa. Mas ele não pode ir e lhe manda um recado pela 
Carminha Frufru, que é concorrente dela. Para criar um clima de ciúmes, Carminha 
diz que o Renatinho não pôde vir ao seu encontro e que o viu de mãos dadas com 
uma menina. Mônica começa a chorar, copiosamente. Na sorveteria tocava a 
música: "Diga que não sou o seu amor". Cebolinha, percebendo a situação, 
rapidamente elabora um plano para derrotar a Mônica. Quando esta se refaz e sai 
caminhando em direção à sua casa, encontra-se com Cebolinha, que liga um 
gravador onde toca a mesma música da sorveteria. Ao ouvir o estímulo musical, 
Mônica se derrete em lágrimas. Quanto mais a música toca, mais a Mônica chora. 
Cebolinha aproveita-se da situação e a obriga a dizer que não é mais a "dona da 
rua". Quando está prestes a ceder a liderança para o Cebolinha, chega o Renatinho, 
desculpando-se por não ter ido ao seu encontro. Mônica percebe que ele está de 
mãos dadas com uma menininha: sua irmãzinha caçula. Ela, então, compreende a 
provocação de Carminha e o final todos já sabem... sobra pancadaria para o 
Cebolinha. 
 
S (desprezo) – R (choro) 
 
 
 
Sc (música) – R (choro) 
 
Podemos dizer, comrelação ao exemplo dado, que o ‘desprezo’ é um 
estímulo externo que provoca a reação de choro do organismo. Esta reação não é 
considerada uma resposta aprendida. À medida que o desprezo é associado à 
música, essa música passa a servir de estímulo para provocar a resposta de chorar. 
Nesse caso, a música é chamada pelos comportamentalistas como estímulo 
condicionado, uma vez que provoca a reação de chorar por ter se associado ao 
desprezo, mas que sem esta associação não provocaria tal resposta; é um estímulo, 
pois, condicionado à reação de desprezo. 
Por condicionamento podemos entender o processo de associar, pela 
repetição, um estímulo a uma reação não natural dele, de tal modo que a exposição 
a tal estímulo passe a provocar essa reação (p.ex., se durante algum tempo se toca 
uma sineta toda vez que o alimento é servido a um animal, o soar da sineta sozinho 
passa a provocar no animal salivação e maior produção de suco gástrico, reações 
que são inatas quando o alimento é percebido pela visão, olfato ou gustação). 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
43 
Este tipo de condicionamento, o clássico, não implica em nenhuma iniciativa 
por parte de quem aprende. Ou seja, a pessoa aprende a chorar ao ouvir uma 
determinada música, porque sua reação original acabou se associando a um novo 
estímulo. 
Diferente deste tipo de condicionamento, o condicionamento operante não 
se apoia em reações provocadas por estímulos, mas em comportamentos emitidos 
pelo próprio organismo que são seguidos de uma consequência. Se esta 
consequência é agradável, o comportamento tende a se repetir. Ao contrário, se a 
resposta for desagradável o comportamento tem menos probabilidade de se repetir. 
Essas consequências são chamadas pelos comportamentalistas de reforçadores e 
esses modelam o comportamento dos indivíduos, criando os hábitos. Segundo 
Skinner, grande parte do comportamento humano é aprendido por condicionamento 
operante. 
A birra de uma criança, por exemplo, segundo os comportamentalistas, é um 
comportamento aprendido. Se a criança, ao chorar, a mãe dar algo que ela goste 
(refrigerante, colo) o comportamento da criança é reforçado e o choro tende a se 
repetir, levando a um hábito e àquilo que conhecemos como birra. Caso seja 
repreendida, o comportamento tem menos chance de acontecer novamente. 
Para provar que os comportamentos e as habilidades dos indivíduos são 
sempre aprendidos a partir da influência do meio ambiente, muitas pesquisas foram 
desenvolvidas. Estas pesquisas tinham como objetivo desenvolver um método que 
permitisse prever e controlar cientificamente o comportamento humano e animal. 
Trataremos aqui, brevemente, das pesquisas mais famosas de Watson e Skinner. 
 
 
 
 
 
 
 
A pesquisa de Watson com a aprendizagem de comportamentos emocionais 
 
FIGURA 5 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
44 
 
FONTE: Disponível em: <www.comportamental-brasil.blogspot.com>. Acesso em: 4 out. 2011. 
 
 
Watson direcionou suas pesquisas na direção de descobrir como as crianças 
aprendiam comportamentos emocionais. Para isso, estudou crianças com idades 
entre quatro meses e um ano, criadas em hospitais, sem familiaridade alguma com 
animais ou objetos usados no experimento. Diversos animais foram apresentados às 
crianças não se verificando qualquer reação de medo nelas. Ele havia também 
observado que a exposição a um ruído forte, perda do equilíbrio ou sensação de dor 
provocavam reações de medo nas crianças. Na verdade estas seriam, segundo 
Watson, as sensações originais geradoras de medo. 
Para ele, os medos que verificamos em crianças grandes e até mesmo em 
adultos, de cachorro, escuridão, altura, são sentimentos aprendidos por 
condicionamento. 
Buscando verificar se era possível produzir em laboratório a reação de medo 
ele estudou uma criança de 11 meses que, inicialmente não expressava nenhuma 
reação de medo frente a animais peludos como o coelho e o rato branco. Quando, 
na situação de laboratório, era apresentado um rato branco à criança e ela o tocava 
um ruído forte era produzido. A criança apresentava, então, reações de medo: 
estremecia e chorava. Após várias repetições desse procedimento, a criança passou 
a expressar medo toda vez que via um rato branco quando este lhe era apresentado 
sem o ruído. Essa reação se estendia a outros animais e objetos que se 
assemelhassem ao rato branco. Concluiu-se que a reação de medo foi aprendida 
por condicionamento clássico. Com este experimento Watson buscava comprovar 
que a maioria das reações emocionais de um indivíduo é aprendida a partir da 
influência do meio. 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
45 
 
7.1 SKINNER E A MODELAGEM DO COMPORTAMENTO 
 
 
Skinner focou seu interesse no papel dos reforçadores na modelagem do 
comportamento humano ou animal. Iniciou seus estudos em laboratório, inicialmente 
com ratos e pombos e, mais tarde, com seres humanos. O experimento de maior 
visibilidade de Skinner foi aquele no qual ele estuda o ratinho dentro de uma caixa, 
privado de água, condicionando seu comportamento com reforçadores até que o 
ratinho aprendesse a pressionar a alavanca para obter água. Este experimento ficou 
conhecido como a ‘Caixa de Skinner’, conforme representado na imagem abaixo. 
 
 
FIGURA 6 
 
FONTE: Disponível em: <www.notapositiva.blogspot.com>. Acesso em: 20 set. 2011. 
 
 
Não convém aqui explicitar detalhadamente os procedimentos utilizados 
neste experimento. O que nos interessa, neste momento, é clarificar como Skinner e 
estudiosos desta abordagem conseguiram ‘provar’ com suas pesquisas a influência 
dos fatores ambientais na modelagem do comportamento humano, o que confere, 
pois, a pais e educadores papel central no desenvolvimento de certas habilidades e 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
46 
ações nas crianças. A modelagem é obtida proporcionando-se reforçadores após 
respostas que gradativamente se aproximam da resposta que se deseja obter. Este 
método envolve nitidamente princípios do condicionamento operante, descrito aqui 
anteriormente. 
Que semelhanças podem perceber entre os experimentos de Watson e 
Skinner? 
Podemos dizer que há em comum a busca pelo controle do comportamento, 
manipulando elementos do ambiente que o precedem (os estímulos), como no caso 
do condicionamento clássico, ou que o sucedem (os reforçadores), como visto no 
condicionamento operante. 
Dessa forma, os princípios descobertos nas situações simuladas de 
laboratório se aplicam e explicam os comportamentos aprendidos nas situações 
cotidianas, ao longo da vida de um indivíduo. 
Segundo Fontana e Cruz (1997, p. 30), podemos dizer que “pais e 
educadores, por exemplo, modelam o comportamento da criança por meio de 
procedimentos que correspondem ao condicionamento operante”. 
De forma resumida, podemos afirmar que esta abordagem concebe o ser 
humano como nascendo como uma ‘folha em branco’, aonde vão sendo impressas 
as aprendizagens a partir da relação com o meio ambiente, moldando os 
comportamentos que observamos. 
Para os comportamentalistas, portanto, desenvolvimento e aprendizagem 
não se distinguem, são processos coincidentes; eu me desenvolvo, pois aprendo e 
aprender é desenvolver-se. O que chamamos de desenvolvimento é visto como o 
acúmulo de aprendizagens adquiridas ao longo da vida. 
A ideia de que os comportamentos são aprendidos em função de 
contingências externas/ambientais e a noção de modelagem do comportamento têm 
influenciado as práticas educativas até os dias atuais. 
Podemos elencar as seguintes características desta abordagem e sua 
influência no processo de aprendizagem: 
 
• Elaboração de uma maneira sistemática de planejar, conduzir e avaliar 
o processo total de ensino e aprendizagem com objetivos específicos, para produzir 
uma instrução mais eficiente; 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
47 
 
• A individualização do ensino é possibilitada por uma adaptação de 
procedimentos paraque se ajustem às necessidades, ritmo e objetivos de cada 
aluno de forma a maximizar sua aprendizagem (especificação de objetivos, 
envolvimento do aluno, controle de contingências, feedback constante, apresentação 
do material em pequenos passos e respeito ao ritmo individual de cada aluno); 
 
• As estratégias desta abordagem visam permitir que um número maior 
de alunos atingisse altos níveis de desempenho; 
 
• Especificação dos objetivos em termos comportamentais, 
especificação dos meios para se determinar se o desempenho está de acordo com 
os níveis indicados de critérios, fornecimento de uma ou mais formas de ensino 
pertinentes aos objetivos; 
 
• Não há a preocupação em justificar porque o aluno aprende, mas em 
fornecer uma tecnologia capaz de fazê-lo estudar e produzir mudanças 
comportamentais. 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
48 
 
 
8 ABORDAGEM PSICOGENÉTICA DE PIAGET 
 
 
Saindo dos dois extremos que vimos anteriormente, mas sem desconsiderar 
as suas valiosas contribuições para a construção do conhecimento a respeito da 
relação entre desenvolvimento e aprendizagem, veremos com a abordagem 
piagetiana o surgimento de uma compreensão que considera a multiplicidade de 
fatores que se relacionam para que o desenvolvimento aconteça. 
Longe de esgotar as ideias de Piaget, o objetivo maior é proporcionar uma 
visão ampliada sobre a teoria por ele desenvolvida, buscando marcar as diferenças 
entre ela e as abordagens inatistas e comportamentalista. 
Convêm nos determos brevemente sobre a formação de Piaget para que 
alcancemos o caminho que o mesmo percorreu até a construção de sua abordagem. 
Jean Piaget sempre se interessou por questões científicas, podemos dizer 
que foi um cientista prodígio. Graduou-se em Ciências Naturais e doutorou-se nesta 
área. Dedicou grande parte de sua vida para investigar a origem do conhecimento, 
como o ser humano elabora seus conhecimentos sobre a realidade, área conhecida 
como epistemologia. Diferente do que podemos pensar, Piaget não se interessou 
pela infância propriamente dita, e não elaborou sua teoria enfocando questões 
especificamente psicológicas; seu olhar buscava onde nascia e se desenvolvia o 
conhecimento, fato este que o levou a dedicar especial atenção à infância, fase onde 
esta construção iniciava-se. 
Piaget desenvolveu o que chamou de Psicologia Genética. Embora a 
palavra genética possa nos remeter à primeira abordagem por nós aqui estudada, 
justifica-se pela busca das origens e dos processos de formação do pensamento e 
do conhecimento. Em virtude de sua formação, Piaget buscou compreender o 
desenvolvimento do conhecimento com base na biologia. Na concepção deste autor, 
conhecer é ‘organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se 
vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento’ (FONTANA e CRUZ, 
1997: 45). Diferente do que nos leva a interpretar a abordagem comportamentalista, 
experiência não é a mesma coisa que conhecimento. Para conhecer é necessário 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
49 
experienciar, mas a construção do conhecimento requer um conjunto de operações 
mentais complexas, as quais conforme o conhecimento também se dificulta. O 
conhecimento pressupõe a organização da experiência num sistema de relações. 
A ideia fundamental da teoria de Piaget é de que o conhecimento se 
desenvolve com base nas relações de troca que o indivíduo estabelece com o meio, 
logo, conhecer implica agir sobre a realidade, física ou mentalmente. A ação do 
sujeito é a principal fonte do conhecimento, quando o indivíduo incorpora a si 
elementos que pertencem ao meio, transformando-os. Daí surge às noções de 
assimilação, acomodação e adaptação, conforme veremos a seguir. 
 
 
8.1 ADAPTAÇÃO E OS PROCESSOS DE ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO 
 
 
Para Piaget não é possível conceber os indivíduos como uma ‘folha em 
branco’ conforme postulou a abordagem comportamentalista, nem que nascemos 
com nossas possibilidades prontas, aguardando o processo de maturação para 
desabrocharem, como defendia os inatistas-maturacionistas. Para ele, o 
desenvolvimento e a aprendizagem estão em contínuo processo de construção. 
Podemos afirmar que segundo a epistemologia genética de Piaget, 
nascemos com certo ‘aparelhamento’ cognitivo e alguns esquemas de ação e, a 
partir de nossa ação no meio, estas estruturas vão se desenvolvendo, ampliando-se, 
coordenando-se e tornando-se cada vez mais complexas. Existiria, pois, uma 
propensão inata do organismo de manter-se em equilíbrio e ao deparar-se com uma 
dificuldade proveniente do ambiente que desequilibra o organismo, este buscaria, 
aperfeiçoando as estruturas já existentes, superá-las visando alcançar um novo 
equilíbrio e, assim sucessivamente. 
Pensemos no caso do tema sobre o qual estamos falando. 
Desenvolvimento, aprendizagem, comportamento, inatistas, comportamentalistas, 
Piaget etc. Muitos de vocês já possuem dentro de vocês uma noção sobre alguns 
destes temas. Nesse momento estão assimilando novas informações e buscando 
relacioná-las com as já existentes no esquema mental ‘Desenvolvimento’, por 
exemplo. Porém, no processo de assimilar e incorporar estas informações nas 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
50 
estruturas já existentes, também modificamos a estrutura/esquema 
‘Desenvolvimento’, promovendo então uma acomodação. Todo esse processo que 
acontece o tempo todo em várias direções, damos o nome de Adaptação. O 
esquema abaixo exemplificará melhor: 
 
 
Mecanismo de Adaptação 
 
 
 
 
 
 
Mas como se dá esta adaptação? 
A partir dos mecanismos de Assimilação e Acomodação 
 
 
 
Dessa forma, podemos entender a inteligência como assimilação e 
acomodação. Segundo Azenha (apud Cruz e Fontana, 1997), a adaptação 
intelectual resulta do equilíbrio progressivo entre o mecanismo de assimilação e a 
acomodação complementar. Assim, ao adaptar-se ao meio, o funcionamento 
cognitivo vai se estruturando, se desenvolvendo e se organizando. Segundo Piaget, 
a primeira forma de organização cognitiva é o esquema. 
Podemos entender o esquema da seguinte forma: 
incorporação de 
coisas/fatos do 
meio que são 
inseridos num 
sistema de 
relações que 
adquirem 
significação 
para o indivíduo 
modificação que 
acontece nas 
estruturas de 
pensamento do 
indivíduo, após 
a assimilação de 
um novo objeto 
(coisas ou fatos) 
 
O funcionamento cognitivo é originado do 
modelo biológico no qual Piaget se baseou: o 
organismo vive administrando o desequilíbrio 
ocasionado por uma necessidade ainda não 
satisfeita, em busca da satisfação. Um 
organismo adaptado ao meio é aquele que 
mantém um equilíbrio em suas trocas com o 
meio.
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
51 
Ao nascermos, já somos dotados de reflexos, que na relação com o mundo 
serão expressos como respostas a determinados estímulos. Reflexos como o sugar 
e a preensão intermediam as primeiras interações do bebê com o mundo. É a partir 
destes que elementos como a mamadeira, a chupeta e o próprio seio são 
assimilados pela criança. Estas assimilações sucessivas vão transformando estes 
reflexos originais, que vão se diferenciando e se tornando mais complexos, deixando 
de serem simples respostas estereotipadas para tornarem-se esquemas de ação 
como pegar, apertar, puxar, empurrar etc. 
 
 
FIGURA 7 
 
FONTE: Disponível em: <www.construirnoticias.com.br>. Acesso em: 10 out. 2011. 
 
 
Um esquema de ação pode ser entendido como aquelas características que 
podem ser generalizáveis em uma ação, permitindo diferenciá-las de outras. Não 
são simplesmente ações e sim esquemas de ação, porque pressupõe um conjunto 
sutil de movimentos que se encadeiam e transforma-se naquilo que vemos como 
ação. Então, o esquema ‘puxar’ pressupõe certa pressão nos dedos, a preensão de 
um objeto e o movimentá-lo para si. Embora possua elementos do esquema ‘pegar’ 
é diferenciado deste porque possui também outroselementos. É por meio dos 
esquemas de ação que a criança começa a conhecer e a explorar a realidade e, 
consequentemente, atribuir-lhe significado. No primeiro contato com a mamadeira, 
por exemplo, a criança pega-a. Em seguida, percebe que é um objeto do meio que 
conjuga os esquemas ‘pegar e ‘sugar’. Ao assimilar este objeto, a criança processa 
transformações nos esquemas citados e estes acabam por se coordenar. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
52 
Mediante sucessivas assimilações e acomodações a criança vai 
organizando os objetos do seu mundo nos diferentes esquemas que foram se 
desenvolvendo, a partir de sua ação no meio. A organização do mundo real por meio 
dos esquemas de ação marca o início do desenvolvimento cognitivo da criança. De 
acordo com Piaget, “Os esquemas de ação ampliam-se, coordenam-se entre si, 
diferenciam-se e acabam por se interiorizar transformando-se em esquemas mentais 
dando origem ao pensamento” (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 47). 
A partir das ideias expostas até aqui e traçando uma diferenciação no que se 
refere às abordagens estudadas anteriormente, podemos dizer que para Piaget o 
processo de desenvolvimento acontece em função de quatro fatores primordiais: 
• Fatores internos ligados à maturação; 
• Transmissão social; 
• Experiência adquirida pela criança no contato com o meio; 
• Processo de autorregulação = equilibração. 
Embora Piaget considerasse todos os aspectos acima, conferiu especial 
importância ao mecanismo de equilibração ou autorregulação do organismo. É por 
meio dele que se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação em relação ao 
meio. 
Toda vez que, em nossa relação com o meio, surgem conflitos, contradições 
e outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de autorregulação ou equilibração 
entra em ação no sentido de superá-los. Logo, durante a exploração da criança 
sobre o meio, obstáculos irão se apresentar a ela o que gerará um estado 
momentâneo de desequilíbrio organísmico, já que ela não consegue, de início, 
superar aquela dificuldade, por ser nova para ela. Conforme a criança vai 
explorando o meio, ela descobrirá formas de superar as dificuldades encontradas, 
levando o organismo a retornar a um estado equilibrado, até que esse se confronte 
com novos desafios. Este ‘retorno’ não acontece voltando-se para o estado anterior, 
inicial, mas sempre a um estado superior. Neste processo o organismo já se 
desenvolveu um pouco mais, na medida em que assimilou novos elementos, 
acomodou-os aos esquemas existentes, transformando-os e ampliando-os. 
Para Piaget, o desenvolvimento seria então um processo de sucessivas 
adaptações e equilibrações que conduzem a formas mais e mais complexas de agir 
e de pensar. Esse processo é apresentado em períodos definidos caracterizados por 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
53 
formas diferentes de organização mental. Os estágios se sucedem numa ordem fixa 
de desenvolvimento, sendo um estágio sempre integrado ao seguinte. Em cada 
estágio a criança apresenta uma maneira típica de agir e de pensar, constituindo 
uma forma especial de equilibração em relação ao meio. A criança passa, portanto, 
para um novo estágio, quando aquela maneira de agir e de pensar anterior é 
inadequada para enfrentar as dificuldades que surgem em relação com o meio, 
levando a um desequilíbrio do organismo. Isso leva a criança a desenvolver novos 
modos de agir e pensar mais elaborados. 
Como extrapola o objetivo deste curso detalhar a teoria piagetiana sobre a 
origem do conhecimento, citaremos brevemente os períodos destacados por Piaget, 
elencando algumas de suas características. Os quatro principais estágios que Piaget 
denominou a partir de seus estudos e observações foram: 
- Estágio sensório-motor (do nascimento até aproximadamente dois anos); 
 Início do processo de diferenciação eu-mundo; 
 Construção da noção da permanência do objeto (um objeto ou pessoa, 
ao desaparecer da visão da criança, continua existindo, percepção diferente daquela 
do período neonatal, onde um objeto ao desaparecer de sua vista, não existia mais); 
 Início das primeiras imagens mentais do objeto ausente, 
proporcionando o desenvolvimento da função simbólica. 
 
FIGURA 8 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.mentedinamica.webnode.com>. Acesso em: 4 out. 2011. 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
54 
 
 
FIGURA 9 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.silstarsil.blogspot.com>. Acesso em: 10 out. 2011. 
 
 
- Estágio pré-operatório (dos dois aos sete anos): 
 Interiorização do mundo externo e de suas próprias ações; 
 Centrada em seu próprio ponto de vista, ainda não consegue se 
colocar no lugar do outro nem avaliar seu próprio pensamento; 
 Não considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tempo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
55 
 
FIGURA 10 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.romenia-imaginaoviva.blogspot.com>. Acesso em: 5 out. 2011. 
 
 
- Estágio operatório concreto (dos 7 aos 11 anos): 
 Pensamento começa a assumir a forma de operações intelectuais. 
Essas são ações mentais voltadas para a constatação e a explicação; 
 Capaz de compreender o ponto de vista de outra pessoa; 
 Reversibilidade do pensamento, possibilitando à criança construir a 
noção de conservação de massa, volume, etc. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
56 
 
 
FIGURA 11 
 
FONTE: Disponível em: <www.construirnoticias.com.br>. Acesso em: 4 out. 2011. 
 
 
- Estágio operatório formal (dos 11 aos 15 anos): 
 Desenvolvimento do pensamento abstrato, refletindo sobre situações 
hipotéticas, sem a necessidade do objeto concreto; 
 Capacidade de transformar os dados concretos experienciados em 
formulações organizadas e desenvolve conexões lógicas entre elas; 
 Capacidade de pensar sobre seu próprio pensamento, tornando-se 
cada vez mais consciente de sua forma de pensar e das operações mentais 
utilizadas para tal; 
 O adolescente diante de um problema concreto, não considera 
somente os dados reais do presente, mas também prevê todas as situações e 
relações causais possíveis entre seus elementos. Uma vez analisadas de maneira 
lógica procurará contrastá-las com a realidade por meio da experimentação: real 
subordinado ao possível. Capacidade de combinar todos os elementos do problema 
de todas as maneiras possíveis, para determinar suas possíveis relações causais; 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
57 
 Caráter hipotético-dedutivo – pensamento teórico e abstrato. As 
abstrações adquirem a forma de hipóteses que serão mais tarde testadas por meio 
da confirmação empírica. Ação comprobatória requer um raciocínio dedutivo; 
 Caráter proposicional – as proposições são basicamente afirmações 
sobre o que é possível, trabalhando não só com objetos reais, mas também com 
representações proposicionais dos objetos. A linguagem é o veículo ideal para estas 
representações; 
 Esquemas operacionais formais - Esquema pode ser entendido como 
uma unidade básica por meio da qual representamos nosso conhecimento, uma 
realidade que vai se modificando conforme nossas experiências. Esquemas formais: 
combinatória, as proporções, o equilíbrio mecânico e as correlações. 
 
FIGURA 12 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.pixmac.com.br>. Acesso em: 5 out. 2011. 
 
 
Cabe uma consideração a respeito da teoria Piagetiana, principalmente com 
relação ao período operatório formal, fase que se chega a adolescência e a última a 
ser alcançada no que se refere ao desenvolvimento de maneiras de pensar a 
realidade e adquirir conhecimento. As crianças e especificamente os adolescentes 
sobre os quais Piaget se debruçou para suas observações, são sujeitos circunscritos 
a um dado país, num dado momento histórico. Ao desconsiderar o contexto no qual 
esses sujeitos se desenvolvem, pressupõe-se que o desenvolvimento acontecerá de 
forma mais ou menos igual, independente do contexto, já que essa é uma tendência 
 
 AN02FREV001/REV4.0 
58 
natural do organismo. Entretanto, não é o que temos visto na prática. Essa realidade 
discordante tem dado margem a alguns estudos pós-piagetianos que produz alguns 
apontamentos que listamos a seguir: 
 Demonstram que, de fato, na adolescência vai se adquirindo 
paulatinamente um tipo de pensamento cujas características se assemelhavam às 
descritas para o pensamento formal; 
 Diferentes tarefas formais não apresentam a mesma dificuldade. Isso 
aponta que é difícil afirmar que o pensamento formal fosse uma estrutura de 
conjunto que pudesse ser aplicada igualmente sobre qualquer conteúdo; 
 O conteúdo da tarefa se mostrou de fato como uma variável que 
influenciava em sua resolução, isto é, a utilização do pensamento formal é 
claramente influenciada pelos conteúdos concretos; 
 Segundo estes estudos, apenas 50% dos alunos possuíam um 
pensamento claramente formal (resultados similares entre os adultos); 
 Críticas à consideração do pensamento formal como o apogeu do 
funcionamento intelectual. Trabalhos recentes indicam formas de pensamento 
qualitativamente diferente do pensamento formal que seria o pensamento pós-
formal. 
Diante do que vimos até agora, é possível que nos perguntemos qual a 
influência das ideias de Piaget na escola e qual a importância dada por este autor à 
aprendizagem. 
Embora não possamos comparar as ideias deste autor com aquelas vistas 
na abordagem inatista-maturacionista ou comportamentalista, Piaget coloca ênfase 
nos processos internos do desenvolvimento para a aquisição, ou melhor, construção 
do conhecimento na criança. No entanto, esses fatores internos e fundamentais para 
a construção do conhecimento são possibilitados pela interação da criança com o 
meio. Mas este ‘meio’ por si só e as vivências tidas nele, não configuram 
aprendizagem, como defenderia a abordagem comportamentalista. A assimilação 
deste meio e a aprendizagem que ele poderá produzir dependerão dos fatores 
internos ligados, principalmente, ao processo de equilibração. 
Para Piaget o desenvolvimento da criança ocorre em função das sucessivas 
equilibrações, entendida como a capacidade natural de autorregulação do 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
59 
organismo. Logo, a aprendizagem praticamente não interfere no desenvolvimento, 
ela depende deste. 
Ao considerar a criança como um pequeno cientista, que já nasce com 
potencial para a investigação do mundo ao seu redor e, ao mesmo tempo, ao definir 
os quatro estágios do desenvolvimento infantil, pressupondo certas condições 
internas para a assimilação de determinados conhecimentos, Piaget deixa para a 
escola um papel pouco expressivo para a aprendizagem da criança. Porém, 
curiosamente, é um dos autores mais utilizados na estruturação das práticas 
pedagógicas. Ao destacar o papel ativo da criança no processo de construção do 
conhecimento, tem sido responsável por ideias dentro da escola, tais como: 
- O papel da escola é dar a criança oportunidade de agir sobre os objetos de 
conhecimento; 
- Papel do professor deve ser o de agente facilitador e desafiador dos seus 
processos de elaboração; 
- A criança é construtora do seu próprio conhecimento. 
 
 
9 A ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL 
 
 
Diferentemente de todas as abordagens anteriores, a abordagem histórico-
social privilegia a importância das interações sociais para o desenvolvimento do 
indivíduo. A aprendizagem obtida na relação das crianças com os adultos, outras 
crianças impulsionariam o desenvolvimento da criança. As outras abordagens não 
consideram de forma crucial a vivência da criança no meio social e cultural como 
fator indispensável para o desenvolvimento do ser humano. 
Lev Semenovich Vygotsky, que morreu prematuramente, vítima de 
tuberculose, foi o grande idealizador desta abordagem e dos estudos que buscaram 
comprovar a influência das interações sociais no desenvolvimento. Ele e seus 
colaboradores partiram do pressuposto de que o conhecimento é construído nas 
interações que o sujeito estabelece com seu meio sociocultural e passaram a 
investigar apor meio de quais processos o ser humano se apropria de sua cultura ao 
mesmo tempo em que a produz. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
60 
O princípio que orienta esta abordagem é de que desde o nascimento, a 
partir das interações com o outro, a criança vai se apropriando dos significados 
construídos socialmente e aprendemos a ser humanos, fazendo parte de uma 
cultura humana; isto não aconteceria naturalmente. O ser humano seria constituído 
do meio cultural em que nasce. 
Para Vygotsky existiriam duas linhas do desenvolvimento humano, a saber: 
- Desenvolvimento biológico – esse dependeria da herança natural da 
espécie humana. Faz parte desta herança o que Vygotsky denominou de funções 
mentais elementares que seriam compostas pela memória, inteligência prática, 
percepção, atenção etc. Operam espontaneamente, sem intencionalidade e 
independente da vontade da criança. Seria a expressão destas funções sem o 
controle que será obtido posteriormente, a partir da interação com o outro, 
característica da transformação do ser humano, de ser biológico em ser 
sociocultural; 
 
- Desenvolvimento sociocultural – por meio da interação com o meio 
cultural, mediado pelas pessoas, às funções elementares transformam-se em 
funções mentais superiores, que seriam processos psicológicos usados 
intencionalmente pelo ser humano ao longo de todo o seu desenvolvimento. Assim, 
o sujeito é capaz de controlar sua percepção, atenção e vontade. 
No entanto, para que haja esta interação do homem com o meio cultural e o 
seu desenvolvimento é necessário que haja uma mediação, outro conceito 
fundamental para esta teoria. 
Mas o que podemos entender como mediação, à luz desta abordagem? 
Mediar está ligado a algo que está no meio de. No que se refere à 
abordagem histórico-cultural, dizemos que há sempre um signo ou instrumento que 
está no meio da relação entre o sujeito e o mundo. 
Podemos clarear esta ideia, buscando uma analogia: ao nos comunicarmos 
com alguém que está distante de nós, atualmente usamos o telefone, embora já 
tenhamos usado o telégrafo, a carta etc. Estes instrumentos podem ser entendidos 
como mediadores. Da mesma forma que o homem usa instrumentos externos, 
também cria outros internos. Estes seriam os sistemas simbólicos. Os diferentes 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
61 
tipos de linguagens (verbal, de gestos, de sinais, de trânsito, etc.) são considerados 
sistemas simbólicos. 
Segundo Vygotsky o uso dos sistemas de símbolos é que nos torna seres 
tipicamente humanos, pois com o uso dos símbolos somos capazes de ordenar 
nossas ações, regular nossa conduta de forma ativa, consciente e dar significado ao 
mundo que nos rodeia. As funções mentais superiores nos permitem ultrapassar o 
controle do ambiente e chegar ao controle do indivíduo, o que significa conseguir 
realizar esses processos de maneira consciente. 
Para Vygotsky, o desenvolvimento é entendido como a internalização dos 
modos de pensar e agir de uma dada cultura. É um processo que se inicia na 
infância a partir das interações com os adultos, crianças, nas brincadeiras, no 
cotidiano, onde são compartilhadas formas de agir e de pensar. Essas formas vão 
sendo progressivamente internalizadas. Segundo esta abordagem, existe a Lei do 
duplo desenvolvimento, na qual todas as funções no desenvolvimento da criança 
acontecem duas vezes: uma no nível interpsicológico (entre as pessoas) e outra no 
nível intrapsicológico (no interior da criança). 
 
FIGURA 13 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.sempredisposto-mestre.blogspot.com>. Acesso em: 5 out. 2011. 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
62 
Tomemos como exemplo o ato de ‘pegar no ar’ da criança. A criança olha 
para um objeto interessante e move as mãos como se fosse pegá-lo. O adulto, 
intermediando essa relação, compreende que o ‘pegar no ar’ da criança refere-se ao 
‘apontar’que a criança ainda não está apropriada. O ato indiscriminado de ‘pegar no 
ar’ em direção a algum objeto, é transformado, por intermédio da relação com o 
adulto, em ato de apontar. Em um próximo momento, a criança ao invés de ‘pegar 
no ar’ o objeto, interagirá com o adulto, apontando para um objeto, como quem diz 
‘me dá aquele objeto’. 
 
FIGURA 14 
FIGURA 
 
wwwwww 
 
FONTE: Disponível em: <www.pt.dreamstime.com>. Acesso em: 15 set. 2011. 
w 
 
 
Embora alguns possam interpretar desta forma, o nível de desenvolvimento 
intrapsicológico não é uma mera cópia da realidade cultural, mas uma atividade 
complexa interna, na qual o sujeito reconstrói a realidade, inserindo-a em um 
sistema de significações. 
Diante do que vimos, parece ter ficado claro que, diferente de Piaget, a 
abordagem histórico-cultural entende que o desenvolvimento é impulsionado pelas 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
63 
aprendizagens que acontecem no meio cultural, mediadas pelos sistemas 
simbólicos. 
 
 
FIGURA 15 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.online.org.br>. Acesso em: 10 out. 2011. 
 
 
Assim, segundo Vygotsky, o conhecimento do mundo pela criança, passa 
necessariamente pelo outro, adquirindo então a educação um papel fundamental 
para esta teoria, uma vez que a considera: 
 
(...) o traço distintivo fundamental da história do pequeno ser humano. A 
educação pode ser definida como sendo o desenvolvimento artificial da 
criança. Ela é o controle artificial dos processos de desenvolvimento natural. 
A educação faz mais do que exercer influência sobre um certo número de 
processos evolutivos: ela reestrutura de modo fundamental todas as 
funções do comportamento (Vygotsky, 1985, p. 45). 
 
Desse modo, o desenvolvimento psicológico, sendo um processo 
culturalmente constituído, depende das condições sociais e culturais, além dos 
modos como as relações sociais cotidianas se organizam. Concepção essa bem 
distinta das outras, já que considera os atravessamentos produzidos pela 
organização social, cultural e podemos ir mais além, econômica, na qual o processo 
de desenvolvimento acontece. 
Ainda com relação ao desenvolvimento, Vygotsky compreendia que havia 
dois níveis de desenvolvimento: 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
64 
1. Nível de desenvolvimento real que seria relativo a atividades ou tarefas 
que a pessoa é capaz de realizar sozinha; 
2. Nível de desenvolvimento proximal relativo a atividades ou tarefas que a 
pessoa é capaz de realizar com a ajuda de alguém mais experiente. 
Segundo a análise de Vygotsky, a aprendizagem ao impulsionar o 
desenvolvimento, cria o que ele denominou de zona de desenvolvimento proximal, 
que pode ser entendida como a distância entre o que a criança pode fazer sozinha e 
o que faz com a ajuda de outra pessoa. 
“Zona de desenvolvimento proximal (...) é a distância entre o nível de 
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução 
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, 
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um 
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VYGOTSKY, 
1994, p.112). 
 
Logo, aquilo que a criança faz com a ajuda de alguém hoje – nível de 
desenvolvimento proximal – será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, 
será capaz de fazer sozinha. Da mesma forma, a simples observação da criança da 
ação de um adulto, ou o mero contato com objetos de conhecimento e sua imersão 
em ambientes estimuladores, não garantem a aprendizagem, nem promovem 
necessariamente o desenvolvimento. Necessária, pois, é a participação do adulto 
como pai ou professor para que a criança consiga elaborar a aprendizagem. 
Qual é o papel da escolarização para esta abordagem? 
Quando a criança chega à escola, ela não é uma ‘folha em branco’. Já 
possui conhecimento adquirido, informalmente, na relação com as pessoas que 
fazem parte do seu universo social e cultural. Embora muitos destes conhecimentos 
não sejam intencionalmente desenvolvidos, eles são produtos da vivência da criança 
nos diversos ambientes que interage. Na escola inicia-se o processo de educação 
formal, onde uma gama de conhecimentos deve ser aprendida pela criança num 
determinado espaço de tempo. As interações que acontecem, principalmente entre 
professor e aluno, visam um objetivo maior que é promover o conhecimento ligado a 
determinados conteúdos. 
Dessa forma, a professora orienta a criança na sua atenção, destacando 
elementos que considera importante para a compreensão de determinados 
conhecimentos, analisa situações com a criança, levando-a a classificar, ordenar, 
comparar, estabelecer relações lógicas, ensina como utilizar o mapa, ou qualquer 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
65 
outro instrumento que auxilie na aprendizagem. Essas ações levam a criança a 
aprender significados, formas diferentes de pensar e raciocinar e também de agir 
frente a determinadas situações. Também reestrutura significados e começa a se 
dar conta das atividades mentais que realiza. Fica clara, a importância do papel do 
professor no desenvolvimento do indivíduo. 
 
 
FIGURA 16 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.educador.brasilescola.com>. Acesso em: 2 nov. 2011. 
 
 
Fazendo junto, contribuindo com o novo aprendizado, colaborando, dando 
pistas, o professor interfere no desenvolvimento proximal, contribuindo com 
processos de elaboração e desenvolvimento que não aconteceriam 
espontaneamente. 
A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indivíduos com 
os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo a eles instrumentos 
para elaborá-los, mediatiza seu processo de desenvolvimento. (FONTANA e 
CRUZ, 1997, p. 66) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
1 
 
 
 
5. Quadro comparativo entre as abordagens 
 
 
Abordagem inatista-
maturacionista 
Abordagem 
comportamentalista 
Abordagem Piagetiana Abordagem histórico-
cultural 
 
Papel dos fatores 
internos e externos no 
desenvolvimento 
 
Ênfase total nos fatores 
internos. O 
desenvolvimento é 
compreendido como um 
processo que acontece 
naturalmente, de acordo 
com nosso processo 
maturacional. 
Não considera os 
fatores internos como 
determinantes para o 
comportamento. 
Acredita que qualquer 
pessoa é capaz de 
desenvolver-se de um 
jeito ou de outro, a partir 
das aprendizagens 
acumuladas durante a 
vida nas relações com o 
ambiente. 
Tanto os fatores 
internos, quanto os 
fatores externos, seriam 
responsáveis pelo 
desenvolvimento e 
aprendizagem. Maior 
ênfase aos aspectos 
internos explicitados 
pelo processo de 
equilibração sucessivo 
e permanente. O meio 
(interações sociais, 
cultura e meio físico) 
teria uma relativa 
importância, 
Ênfase aos aspectos 
externos, sobretudo às 
interações sociais que 
se produzem entre os 
humanos e os 
significados culturais 
que são construídos por 
meio dos instrumentos 
e signos. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
2 
contribuindo com os 
instrumentos 
necessários para as 
equilibrações naturais 
do organismo. 
 
Relação entre 
desenvolvimento e 
aprendizagem 
 
A aprendizagem, no 
máximo, contribui para 
a harmonia daquele 
desenvolvimento pré-
programado. Mesmo 
para determinado 
aprendizado era 
necessário estar pronto 
ou já estar 
desenvolvido. 
 
A noção de 
desenvolvimento e 
aprendizagem se 
confunde, já que nos 
desenvolvemos porque 
aprendemos. 
Sendo a criança uma 
‘construtora natural’ do 
seu conhecimento a 
aprendizagem desta 
depende do nível de 
desenvolvimento de 
suas estruturas 
cognitivas, obtido 
naturalmente pelo 
processo de 
autorregulação do 
organismo. 
A aprendizagem suscita 
e estimula o 
desenvolvimento. O 
desenvolvimento ocorre 
primeiro num nível 
interpsicológico, na 
interação com um 
adulto e depois se 
internaliza. 
Principais 
representantes 
Binet, Simon, Gessel 
 
Watson, Skinner PiagetVygotsky 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
3 
 
 
Contribuições para 
prática pedagógica 
 
 
Identificação de 
crianças mentalmente 
deficientes e 
desenvolver métodos 
para tornar o ensino 
acessível a elas. Teste 
para avaliar a prontidão 
para alfabetização das 
crianças. 
 
 
 
Valorização do 
planejamento de 
ensino, chamando a 
atenção para a 
necessidade de se 
definir com clareza os 
objetivos que se 
pretende atingir com o 
ensino, com base na 
modelagem do 
comportamento. 
Professor como agente 
facilitador dos seus 
processos de 
elaboração e a escola 
tem o papel de dar 
oportunidades à criança 
de agir sobre os objetos 
de conhecimento 
Grande importância 
colocada no 
desenvolvimento 
proximal que 
posteriormente se 
transforma naquilo que 
a criança é capaz de 
fazer, sempre mediada 
por um adulto, no caso 
da escola o professor. 
 
 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
69 
 
 
10 UMA SÍNTESE DIDÁTICA: COSTURANDO A PEDAGOGIA E A PSICOLOGIA 
 
 
Após a apresentação das quatro principais correntes psicológicas que, 
mesmo com objetivos distintos, versam sobre a relação entre desenvolvimento e 
aprendizagem, podemos nos perguntar qual a relação de tudo isso com as práticas 
pedagógicas e também com a prática do psicólogo no campo escolar. 
Na verdade, isto nos remete à relação entre teoria e prática e convém 
deixarmos claro que a prática alimenta e é alimentada pela teoria e vice-versa. 
Quando estamos imersos no mundo prático, nossas ações não estão o tempo todo 
pautadas em uma determinada teoria. Por outro lado, seria ingenuidade não 
considerar que nossos atos e posicionamentos profissionais estão impregnados de 
nossa visão de mundo. 
No caso do trabalho na instituição escolar, nossas intervenções, 
posicionamentos e decisões estão norteados pela nossa forma de ver as pessoas, a 
sociedade e a própria educação. Dessa forma, ao lançarmos olhar sobre o nosso 
campo de trabalho (aluno, professor, escola, relações institucionais, etc.), utilizamos 
a lente teórica que mais se adéqua a nossa visão de mundo e de sujeito. 
No entanto, não podemos afirmar que a prática é aplicação de uma teoria. 
Na prática escolar, por exemplo, as crianças riem, brincam, choram, brigam, 
inventam e os professores perdem a paciência, divertem-se, passam tarefas, 
desentendem-se, estão satisfeitos ou não com o processo de trabalho, e todas as 
experiências são práticas cotidianas e não aplicação de uma teoria. 
Vivemos a prática cotidiana sem refletir a respeito dela. Só paramos para 
refletir quando nos deparamos com um problema. Um problema suscita questões 
que requerem explicações. Exigem, pois, que nos afastemos da realidade em 
questão buscando compreender seus aspectos e elementos essenciais. 
Buscamos organizar nosso processo de reflexão sobre nossas vivências 
num sistema explicativo coerente. Logo a prática não pode ser considerada 
aplicação da teoria, mas base para sua construção. E a teoria elaborada, por sua 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
70 
vez, seria a sistematização sobre aspectos da prática que nos ajudam a 
problematizá-la e redefini-la, revelando o movimento dinâmico entre teoria e prática. 
A maneira como um professor lida com a complexidade da prática relaciona-
se com a compreensão que ele tem dela, sendo esta compreensão, muitas vezes, 
mediada pela teoria, na articulação entre teoria e prática. 
Voltando às teorias anteriormente apresentadas, não precisamos nos 
posicionar de forma excludente, isto é, escolher entre uma e outra. Percebemos que 
cada teoria explica, se dedica a aspectos diferentes do tema desenvolvimento e 
aprendizagem. 
Se tomemos como exemplo as dificuldades de aprendizagem no âmbito 
escolar, lentes diferentes para apreendermos esta realidade nos farão olhar de 
formas diferentes para esta questão, produzindo intervenções também 
diferenciadas. Assim, se uma criança encontra-se com dificuldade em aprender 
determinado conteúdo e nos baseamos na abordagem maturacionista, diremos que 
isso se deve à falta de maturidade da criança ou a algum atraso no seu 
desenvolvimento. 
Mas, se utilizamos a abordagem histórico-cultural, compreenderíamos a 
dificuldade de aprendizagem não como algo inerente à criança, mas às suas 
condições de produção no contexto interativo na qual ela se insere, uma vez que 
para esta teoria tanto a aprendizagem como o desenvolvimento são processos que 
ocorrem no plano das interações sociais. 
Vimos que os problemas existentes no cotidiano escolar são compreendidos 
de forma bastante distintas, dependendo da abordagem que utilizamos. É 
conveniente, portanto, ao analisarmos as questões colocadas pela prática escolar, 
que utilizemos as diferentes abordagens teóricas para apurarmos nossa 
compreensão sobre suas idiossincrasias. 
No próximo módulo, nos debruçaremos sobre a prática do psicólogo na 
escola, entendendo que esta prática, longe de ser neutra, muitas vezes, contribui 
para a institucionalização de um problema emocional, que muitas vezes tem seu 
cerne nas relações estabelecidas no interior da própria escola. Portanto, o psicólogo 
para atuar neste campo, e em tantos outros, precisa ampliar o seu olhar clínico até 
incluir o contexto onde os ditos ‘problemas de aprendizagem’ acontecem, sob o sério 
risco de estigmatizar a criança. 
 
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71 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 FIM DO MÓDULO II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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74 
MÓDULO III 
 
 
 
11 O QUE TANGE À PRÁTICA DO PSICÓLOGO ESCOLAR? 
 
 
Pela sua pouca idade, a psicologia escolar ainda está em busca de 
identidade. Os entraves colocados pela prática institucional requerem que os 
profissionais desta área se questionem cotidianamente a respeito do sentido de sua 
prática. Fica claro que o sujeito da clínica não é o mesmo sujeito da instituição, pois 
buscando ‘enquadrar’ o estudante nas teorias da personalidade o psicólogo escolar 
comete um grande equívoco ao descartar as interferências dos atores sociais 
presentes na escola. 
Durante o seu percurso institucional, a psicologia escolar reafirmou as 
ideologias próprias do sistema liberal que viam na sua prática a possibilidade de 
reforçar a função corretiva dos professores sobre os estudantes. A ideologia liberal 
defende a ideia de que todos possuem igualdade de oportunidade no mundo 
capitalista e que as diferenças existem em função de questões de ordem individual. 
A psicologia escolar, portanto, concentra seus esforços sobre os problemas de 
aprendizagem da criança. Sua prática corrobora com a ideia de que aluno-problema 
é problema do aluno. Testando, medindo, psicodiagnosticando, assinando laudos o 
psicólogo escolar profetiza destinos e estigmatiza indivíduos e delimita futuros. 
Ocupa-se, pois, em manter os excluídos, excluídos. 
Pode parecer algo contundente as afirmações feitas acima, mas é 
necessário que os profissionais que atuam na instituição tenham um conhecimento 
muito mais amplo do que aquele que nos fala dos desejos ou das fases do 
desenvolvimento infantil, ou de uma teoria do desenvolvimento. Ao atuar além dos 
muros do consultório particular, o psicólogo precisa reconhecer que seu arcabouço 
teórico não dá conta de ‘ler’ a realidade que lhe é apresentada. 
Após algum tempo atuando na zona de conforto de subjetivação das queixas 
escolares sobre o ponto de vista dos conflitos intrapsíquicos, o psicólogo começa a 
sentir um incômodo, uma vez que a sua atuação é pouco valorizada e compreendida 
por pais, estudantes, professores e diretores. Ao levantar-se da poltrona confortável 
 
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75 
do consultório particular e circular por salas e corredores de uma escola, o psicólogo 
reconhece a diversidade do universo que a escola teima em reduzir à queixa ‘aluno-
problema’. 
Podemos reconhecer fortemente que a ideologia liberal ao reduzir as 
diferençasa um problema individual reforça e é reforçada pelas ideias próprias da 
abordagem inatista-maturacionista sobre a qual falamos no módulo anterior. E, ao 
reconhecer que a ação dos professores deveria ser ‘corretiva’ também entra em 
concordância com a abordagem comportamentalista. Não se trata aqui de nos 
posicionarmos a favor ou contra qualquer teoria que busque compreender o 
processo de aprendizagem. A questão é polarizar nossa posição profissional. 
Quando nos encontramos em um polo ou em outro, perdemos a riqueza daquilo que 
está ‘entre’ os pólos. 
Porém, ao assumir um papel problematizador das queixas, o psicólogo, 
segundo Kupfer (In Machado e Souza, 1997) passa a enfrentar dois problemas: o da 
demanda e o da técnica. Como participar ativamente do universo escolar se o lugar 
escolhido para a psicóloga é o de testar, discriminar e expulsar as crianças com 
problemas comportamentais ou de aprendizagem? Além disso, como sustentar outra 
prática sem visualizar os instrumentos teóricos e metodológicos necessários para 
tal? Esses questionamentos são próprios ao processo de transição, onde sabemos 
que é necessário sair de um lugar conhecido, mas pouco funcional e migrar para 
outro lugar que não sabemos qual nem como é. É comum neste processo, 
recuarmos e voltarmos ao antigo lugar, pois pelo menos nele nós sabemos o que e 
como fazer. Podemos ilustrar esta ideia com a fala de Kupfer (In Machado e Souza, 
1997, p. 52): 
(...) Sua voz oscila frequentemente de um registro grave para um agudo, o 
que decididamente não facilita sua participação no coro da escola! Ou seja, 
ora aceita o seu antigo lugar de psicometrista, ora deseja participar de uma 
reunião de professores, ‘interpreta-os’. Quer agora ocupar o lugar do 
maestro do coro... A escola se fecha, o trabalho do psicólogo escolar sofre 
uma retração. 
 
Por outro lado, a busca por uma teoria que propicie uma leitura não 
adaptacionista da realidade escolar e dos problemas a ela atrelados se faz urgente, 
pois o que esperar de uma instituição voltada para o igual? O que esperar de uma 
instituição que não considere as diferenças entre os seres, premissa básica do 
humano? O que esperar de uma instituição que busca a unificação dos desejos e 
 
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76 
necessidades como se isso fosse realmente possível e predeterminado, como se 
houvesse um lugar certo para se chegar, igual para todos os estudantes, 
humanamente diferentes? 
As respostas a esses questionamentos não são nada animadoras. Quando 
só a repetição existir e os discursos estiverem cristalizados, os sujeitos não mais irão 
manifestar-se, não poderão oxigenar-se e morrerão asfixiados por uma 
pseudonecessidade de homogeneização para um maior controle dos sujeitos 
sociais permeados de desejos e necessidades. Não haverá a riqueza presente nos 
processos de mudança e de transformação, não havendo espaço para novas falas. 
Mais uma vez Kupfer (In Machado e Souza, 1997) completa nossas ideias: 
 
(...) O passo seguinte é a fixação das crianças em estereotipias, em 
modelos que lhe são prefixados; vem a inibição intelectual, o fracasso 
escolar. Para os demais grupos da instituição escolar onde não houver 
circulação discursiva, o resultado será a falta de oxigenação e a 
consequente necrose do tecido social. A falta de circulação discursiva é o 
início do fim de uma instituição, já que, não podendo jamais ficar parada, 
não lhe restará outra alternativa a não ser recuar, e iniciar a sua atrofia. 
Independente dos alvos a que se propõe esta instituição, eles não serão 
atingidos. 
 
 
FIGURA 17 
 
FONTE: Disponível em: <www.psicofaces.blogspot.com>. Acesso em: 20 out. 2011. 
 
 
 
 
 
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77 
Buscando responder à pergunta que titula este capítulo sobre o que tange à 
prática do psicólogo escolar, parece-nos claro, após estas reflexões, que o lugar do 
psicólogo neste campo de atuação ainda se encontra em construção, e, portanto, 
inacabado. No entanto, alguns apontamentos a respeito da prática do psicólogo na 
escola podem ser descritos, visando uma melhor compreensão para o nosso 
propósito. 
 
 Necessidade de ampliar o arcabouço teórico para promover uma 
leitura sistêmica da realidade escolar; 
 Compreensão da queixa escolar como bode expiatório de uma 
questão que é por si multideterminada; 
 Negação do lugar profético da profissão que se reforça, a partir dos 
encaminhamentos nomeados de ‘problemas de aprendizagem’; 
 Importância de ocupar o espaço da escola, onde as subjetividades 
são produzidas, levantando-se das ‘salas de atendimento’ e de ‘medição de 
normalidade’; 
 Desenvolvimento de ações profiláticas, propiciadas pelas inter-
relações presentes na escola; 
 Ruptura com o que podemos chamar de certa ‘ingenuidade social’, 
compreendendo que nossos atos são sempre atos políticos. 
 
 
FIGURA 18 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.psico-coisas.blogspot.com>. Acesso em: 23 out. 2011. 
 
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78 
 
 
12 O PACIENTE DO PSICÓLOGO ESCOLAR: REFLEXÕES ACERCA DE UMA 
PRÁTICA 
 
 
A partir do que apresentamos no capítulo anterior, podemos afirmar que 
existe o que Andaló (1984) nomeou de psicólogo clínico escolar, tendo como 
paciente o estudante com seus problemas de aprendizagem e que conta também 
com a participação dos familiares deste ‘inadaptado’. Mas podemos ter também, 
segundo a mesma autora, o psicólogo como agente de mudanças. Nesse caso, o 
paciente do psicólogo seria a análise das relações institucionais: professor-
estudante, professor-professor, diretor-professor, diretor-estudante, currículo-sala de 
aula, currículo-estudante, currículo-professor, escola-família, professor-família e 
estudante-família. 
É necessário, porém, que o psicólogo no lugar de agente de mudanças, 
incorpore em sua compreensão sobre a realidade que irá intervir, a análise 
institucional, conhecimentos sobre o sistema educacional brasileiro, conhecimento 
das séries especiais, conhecimentos sobre os processos pedagógicos e, 
principalmente enxergar a realidade de forma sistêmica e integrada. Falaremos mais 
sobre a visão sistêmica no próximo capítulo. Andaló (1984) reforça esta perspectiva 
quando afirma que o psicólogo como agente de mudanças funcionaria como 
elemento catalizador de reflexões, um conscientizador dos papéis representados 
pelos vários grupos de compõem a instituição. 
Vale ressaltar, porém, que estar no lugar de psicólogo como agente de 
mudanças, não invalida e não descarta as contribuições que uma visão mais clínica 
nos fornece. Um conhecimento não exclui o outro. Diante da complexidade da 
tarefa, a maior gama de conhecimentos só auxiliará na prática deste profissional no 
campo escolar. Porém, este novo lugar precisa ser reformulado, delimitado e 
redefinido com muita disciplina, pois a tendência natural da própria instituição é 
encaminhar para o psicólogo ou para o serviço de psicologia mais próximo da escola 
os casos considerados desadaptados ou desviantes. Embora o psicólogo escolar 
faça parte, preferencialmente, do cotidiano escolar, os psicólogos clínicos, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
79 
continuam recebendo os ditos encaminhamentos e tratando-os como problemas 
individuais. 
A maioria das conclusões obtidas com o psicodiagnóstico é no sentido de 
encaminhar os pais para a orientação, a criança para a psicoterapia, não fazendo 
qualquer sugestão ou orientação a respeito de estratégias que podem ser 
desenvolvidas pelo professor ou pela escola no sentido de minimizar as dificuldades 
de aprendizagem, motivo da maioria das queixas e encaminhamentos. O psicólogo, 
em sua maioria, aceita e se seduz pelas queixas, psicologizando-as e não as 
contextualizando. Ora, qualquer sintoma que aparece em qualquer indivíduo, 
embora apareça no indivíduo, diz respeito a uma busca, mesmo que disfuncional, do 
indivíduo lidar com algum desequilíbrio. Se este sintoma está circunscritoao âmbito 
escolar (desatento, não consegue ler e/ou escrever, não faz dever, não se interessa, 
desconcentra a turma, é agressivo com os colegas, não aprende a matéria, etc.) ele 
só pode ser compreendido a partir do contexto no qual ele é produzido, entendendo 
este contexto como uma teia relacional do cotidiano da criança. 
Os laudos produzidos com base nos psicodiagnósticos a respeito das 
crianças com dificuldades escolares possuem muita força, na maioria das vezes, 
desconhecidas pelos psicólogos que o emitem. Alguns psicólogos acreditam 
inquestionavelmente nesse instrumento a ponto de escrever em seus relatórios 
sobre as avaliações feitas que a criança é definitivamente deficiente mental 
(???!!!!). Não é de se surpreender as consequências da utilização desses 
instrumentos na escola: todas elas contrárias ao fortalecimento do aprendizado e 
reforçadoras da estigmatização já sofrida pelas crianças na escola. 
Ao selar destinos com seus laudos, encaminhando as crianças para as 
classes especiais, o psicólogo com ênfase na clínica, sequer conhece essas classes 
e em quais condições ela deve ser indicada (uma criança precisa ter no mínimo 
duas repetências na mesma série e ser portadora de uma deficiência mental leve 
para pertencer a uma classe especial). Esses profissionais que emitem laudos que 
sugerem as classes especiais para certos alunos, imaginam uma classe especial 
hipotética com professores idealizados, muito diferentes daquela que encontramos 
na realidade da escola pública brasileira. 
Embora o lugar do psicólogo escolar como agente de mudanças nos pareça 
o mais adequado e coerente, na medida em que reconhecemos o papel da 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
80 
psicologia como libertador que remeta o indivíduo ao encontro com as suas 
necessidades e desejos, ainda é comum vermos os psicólogos individualizando as 
queixas escolares e não buscando informações importantes sobre a história escolar 
do estudante encaminhado para avaliação e tratamento psicológico, como número 
de repetência, ano de ingresso naquela escola onde se produziu a queixa. 
Segundo Souza (1997, p. 27-28), 
 
(...) a causa do fracasso escolar na maioria das práticas pedagógicas é 
entendida como um problema de âmbito emocional, que revela no início do 
processo de escolarização em função dos desafios apresentados nesse 
momento do desenvolvimento da criança. Aquilo que se passa com a 
criança na escola é um sintoma dos conflitos vividos internamente por ela. 
 
Naturaliza-se, portanto, a ideia de que problemas de aprendizagem estão 
diretamente ligados a problemas emocionais. Essa visão causal não foi 
demonstrada de forma convincente por nenhuma pesquisa, porém é encarada como 
verdade por professores, diretores, pais e reforçada pelo psicólogo. Esta visão 
enfatiza a importância do mundo interno do indivíduo, constituído de fantasias, 
desejos, habitados por mecanismos de projeção e introjeção, determinado pelas 
relações vivenciadas no sistema familiar primário. 
O principal instrumento psicológico nesse processo avaliativo são os testes 
psicológicos: de nível intelectual, de percepção visomotora, projetivos ou ainda de 
prontidão. Logo, os procedimentos psicológicos para explicar e atender as queixas 
escolares são os mesmos instrumentos psicológicos utilizados para queixas de outra 
natureza. 
Dessa forma, os acontecimentos vividos pela criança na escola são 
interpretados como um sintoma de conflitos de seu mundo interno e de sua relação 
familiar que por ser insuficiente ou inadequada traz consequências que são 
manifestadas no processo de aprendizagem. 
Sobre este tema, Patto (1990, p. 296) sinaliza que: 
 
(...) mesmo no caso de identificação de uma psicodinâmica familiar 
dificultadora do bom rendimento escolar, não se pode entender o 
comportamento escolar de uma criança sem levar em conta a maneira 
como a escola se relaciona com sua subjetividade. 
 
 
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81 
A adesão dos psicólogos a um modelo psicologizante ou medicalizante das 
queixas escolares é fato. Essa postura pode ser considerada como reflexo de uma 
visão de mundo que “explica a realidade a partir de estruturas psíquicas e nega as 
influências e/ou determinações das relações institucionais e sociais sobre o 
psiquismo encobrindo as arbitrariedades, os estereótipos e preconceitos” (...) 
(SOUZA, 1997, p. 31). 
 
 
FIGURA 19 
 
FONTE: Disponível em: <www.ihaa.com.br>. Acesso em: 10 nov. 2011. 
 
 
Tomemos como exemplo o estudante que não aprende. Segundo Machado 
e Souza (1997), o destino dele é variado: pode ser aluno repetente, ser aluno 
especial ou parar de estudar (parar de ser aluno). A prática de encaminhamento de 
crianças com problemas de aprendizagem e comportamento para psicólogos se 
apoia em uma série de práticas paralelas, a saber: psicólogos fazendo avaliações 
diagnósticas para encaminhamento, professores compreendendo os problemas das 
crianças como algo individual que nada tem a ver com as práticas escolares, a 
exigência de um laudo psicológico para o encaminhamento às classes especiais, 
entre outros. Esta estrutura impede a emergência das diferenças, cristaliza atos e 
falas e asfixia o espaço escolar, local que deveria manter-se aberto à criatividade, 
própria das diferentes subjetividades. Estas subjetividades buscam ser 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
82 
compreendidas dentro de uma lógica de objetividade que chama de problema ou 
desviante aqueles estudantes cujo comportamento não se adéqua ao que é 
esperado. 
Diante de inúmeros encaminhamentos das crianças aos consultórios psi, 
não deveria a escola se questionar a respeito de suas práticas? Será que estas 
estão de acordo com a realidade destas crianças? O que acontece que tantas 
crianças apresentem problemas de aprendizagem? Ou será mais fácil naturalizar 
esses problemas? 
Infelizmente, parece que a resposta é positiva para o último questionamento. 
Mas o que entendemos por naturalização das práticas e consequentemente das 
queixas escolares? 
Quando naturalizamos uma ideia entendemos que ela faz parte da natureza 
mesma das coisas e não da história. Tomando emprestados alguns conceitos da 
abordagem inatista-maturacionista, podemos afirmar que o problema de 
aprendizagem apresentado, sob esta ótica, é inato àquele indivíduo. Dessa forma, o 
diferente é aprisionado e vira uma deficiência adquirida desde o nascimento, 
herdada, quem sabe. 
Este ponto de vista é cristalizador, uma vez que ao sentirmos que é natural 
acontecer aquilo que nos incomoda, ficamos sem ideia do que fazer, como se 
houvesse algo externo que nos impõe um objeto a ser analisado. Ao nos 
questionarmos sobre o que fazer com a criança que não aprende, corporificamos de 
fato a criança que não aprende, como se essa existisse em si. Olhando desse modo, 
nada temos a fazer a não ser arranjar outro lugar para estas crianças que 
atrapalham a turma, os professores, o currículo, as disciplinas, e, por último, a 
própria escola. Cristalizam-se, assim, as relações. 
Para esclarecer, entendemos por relação cristalizada aquela onde as 
queixas são as mesmas há muito tempo, não produzindo movimentos. A sensação é 
de que nada se pode fazer, somente aguardar. Nas relações cristalizadas, pergunta-
se muito o porquê das coisas. Acredita-se que a problematização das questões e 
das ideias leva, inevitavelmente, ao movimento: de pessoas, de falas e de atos. 
A seguir apresentamos a experiência de trabalho de Machado e Souza 
(1997), em uma classe especial de uma Escola Estadual. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
83 
Primeiramente o que chamou a atenção das autoras é a naturalização da 
classe especial pelas próprias crianças especiais. Não havia o menor 
questionamento sobre o que significava estar na classe especial, expressão nítida 
das relações de poder que se estabelecem na escola: de um lado aqueles que 
sabem e detém o poder e de outro aqueles, provenientesdas classes populares, 
que não sabem, pois assim nasceram, e, portanto, tornam-se excluídos sociais. 
 
FIGURA 20 
 
FONTE: Disponível em: <www.g1.globo.com>. Acesso em: 10 nov. 2011. 
 
 
David, um menino de oito anos afirma ter ido para a classe especial, pois 
uma mulher me mandou pra cá, porque na classe normal eu não respeitava 
ninguém. Ao ser indagado sobre o que fazia, disse que não sentava, mas que na 
classe especial, senta. As autoras deduzem, incrédulas que quem não senta, vai 
para a classe especial (???). Outra criança afirma que é burra, pois não consegue 
fazer as lições. Quando questionada sobre quais lições, ela responde lição difícil, 
ora! 
Essas práticas potencializam a diferença para que seja vivida como 
negação, como algo ruim, qualitativamente ruim. Ao ressaltarmos a dificuldade de 
uma criança, desprezamos outras tantas virtudes que, com certeza, essa criança 
possui. Investigar quais são esses talentos, serviria de dica sobre um melhor 
caminho para o aprendizado daquela criança. Mas, ao focarmos o problema, o 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
84 
sintoma, estigmatizamos a criança e a aprisionamos em um lugar agora, mais difícil 
ainda de sair. 
Juntar aquilo que julgamos homogêneo com a ideia de facilitar o 
aprendizado e o andamento das turmas, serve mais para produzir cristalizações do 
que imprimir movimento ao que está cristalizado. Ao impormos o que é bom para a 
criança, sem que ela possa também participar das escolhas sobre o seu caminho, 
corremos o risco de capturar o desejo desta criança (Machado e Souza, 1997). 
Fazendo ainda uma leitura das cristalizações, Machado e Souza (1997), 
acrescentam: 
(...) Essas cristalizações percorrem infinitas relações que constituem um 
campo de forças atravessado dominantemente pela política educacional. Se 
o sentido da força dominante desse campo de forças é o de estabelecer 
objetos e regras gerais, esse campo fica sedentarizado (...). É difícil 
pensarmos os acontecimentos singulares se ficarmos somente preocupados 
em saber se esta ou aquela atitude está dentro do método e do enquadre. 
Mas, se nos importamos com a maneira pela qual as coisas têm sido 
entendidas, então não basta apenas dizê-la. Assim, como não basta fazer 
um diagnóstico e encaminhar a criança para a classe especial. Tem-se que 
estar atento aos efeitos e processos dessas mudanças. Uma criança que 
consegue opinar sobre coisas da sua vida consegue aprender a ler e a 
escreve. Estamos falando de processos de mesma natureza. 
 
A diversidade presente no universo escolar que, embora sigam as 
orientações das instâncias políticas, coloca o trabalho do psicólogo em constante 
análise. Será que nossos conhecimentos são suficientes para abordar e atuar frente 
à complexidade que nos apresenta o cotidiano escolar? 
 
As práticas ‘psi’ frente às queixas escolares 
A psicologia tem utilizado um saber que, de maneira geral, estabelece seu 
recorte sobre o indivíduo, na sua relação com ele mesmo e com o outro. Analisa os 
significados do grupo primário e secundário para o indivíduo. No que se refere ao 
indivíduo e à escola seria necessário localizar as possíveis causas psíquicas que 
estariam interferindo em seu aprendizado, em seu ‘mau’ comportamento na sala de 
aula, vistos enquanto sintoma de algo mais profundo. As causas deste mau 
comportamento estariam diretamente ligadas a uma relação familiar inadequada 
para o bom desenvolvimento dessa criança, com inúmeras carências afetivas, 
nutricionais e cognitivas. Esse saber tem gerado diversas práticas psicológicas, 
tendo no psicodiagnóstico clínico seu principal instrumento, como já dito 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
85 
anteriormente. E, durante a avaliação diagnóstica, busca-se ‘transitar’ pela 
subjetividade do indivíduo e nesse trajeto desvelar os aspectos inconscientes que 
justificariam um tratamento psicológico. 
A prática psicoterápica inclui a busca de sentido a existência, a consciência 
do como sou e estou no mundo, a busca pela superação das dificuldades visando a 
libertação e realização das necessidades e desejos. Conhecer o limite entre o eu e o 
outro e aqueles colocados pelo mundo, desenvolver formas saudáveis de lidar com 
estas impossibilidades. Mas podemos lidar da mesma forma com o indivíduo que 
traz como encaminhamento a queixa escolar? Os objetivos terapêuticos listados 
anteriormente são os mais apropriados para lidarmos com esta queixa? Pois se a 
prática psi inclui esses aspectos que citamos, há também aspectos que são 
excluídos e, sua exclusão pode levar aos equívocos nas intervenções dos 
psicólogos. 
E que exclusões seriam estas? 
Para Machado e Souza (1997, p. 46) esta prática exclui todo o contexto da 
escola onde esta criança se insere e onde a ‘queixa’ é produzida, “onde ora a 
criança é sujeito de seu saber, ora não é. Exclui a existência da diversidade escolar, 
de seus determinantes e variantes”. Ao atender uma criança com queixa escolar 
excluindo esses aspectos, o psicólogo concorda que o problema em questão é de 
ordem individual e acaba por reforçar a falta de consciência da instituição a respeito 
de sua participação na construção do sintoma. Se eu passo a bola e o outro a 
agarra, aquela bola não era definitivamente minha, poderá pensar os atores dessa 
cena social (professores, diretores, orientadores pedagógicos, administrativos e 
estudantes). E esse pensamento estaria bem coerente com a atitude do psicólogo 
em absorver o atendimento e compreender a queixa como individual. E assim a 
orquestra pode funcionar afinada, pois colocamos fora aquele que desafina e existe 
um lugar, fora, onde ele pode avaliar suas falhas e sua possibilidade em fazer parte 
dessa orquestra, ou não. 
Para não cairmos nessa armadilha é preciso que investiguemos o conjunto 
de tramas, relações e processos que vão muito além dos referenciais teóricos que 
os psicólogos têm utilizado. Novamente Machado e Souza (1997, p. 47) poderão 
ajudar nesses questionamentos. 
As queixas apresentadas pela escola encontram-se no conjunto de 
processos que constituem a tarefa escolar, envolvendo a prática docente, 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
86 
tornando tais práticas centrais para a nossa análise. Ao invés de 
perguntarmos à mãe, numa anamnese a respeito de um dia na rotina da 
criança, precisamos conhecer como a professora entende os problemas de 
seus alunos, dando informações sobre o contexto de sala de aula. Ao invés 
de colhermos informações sobre os primeiros meses de vida da criança, 
podemos obter dados sobre sua história escolar, sobre a classe em que 
está (...), por exemplo, e o que pensa sobre as queixas feitas pela 
professora. Ao invés de aplicarmos testes de inteligência e projetivos, 
formamos pequenos grupos onde são criados espaços de expressão e 
comunicação, onde a criança fala de seu aprendizado, de sua vida escolar e 
mostram as suas potencialidades cognitivas e expressivas. Paralelamente 
trabalhamos com as professoras que encaminham as crianças. Os grupos 
de trabalho com crianças e professoras são feitos na própria escola. 
 
 
FIGURA 21 
 
FONTE: Disponível em: <www.contra-faccao.blogspot.com>. Acesso em: 20 out. 2011. 
 
 
Retomando, pois, as ideias de Andaló (1983), expostas no início desse 
capítulo, em que propõe como tarefa do psicólogo escolar a ativação de mudanças, 
parecem-nos que as atividades desenvolvidas por Machado e Souza (1997) 
relatadas no trecho acima estão em concordância com o que podemos compreender 
por ‘ativador de processos de mudança’. Ao dar voz aos maiores interessados, as 
crianças, são possíveis que muito seja revelado, as cristalizações se desfaçam e a 
tendência em naturalizar os sintomas seja questionada. Ao permitirmos a circulação 
de falas e ideias, oxigenamos os espaços da escola e restabelecemos a vida. Mas 
vejamos com mais detalhes o que Andaló nos sugere. 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
87 
Recuperando a ideia de que uma escola nunca é igualà outra, Andaló indica 
que o psicólogo como ativador de mudanças precisa conhecer a instituição que irá 
atuar, começando assim por um diagnóstico institucional. Já nesse momento de 
exploração do campo, produz-se o próprio tratamento. A partir desse diagnóstico é 
que as ações são planejadas. 
Em sua experiência, a autora atua junto com o corpo docente e discente, 
junto à direção e à equipe técnica, buscando a conscientização da realidade da 
escola em que trabalha, a reflexão sobre os objetivos institucionais, a concepção de 
educação que subjazem as práticas ali desenvolvidas, as expectativas sobre os 
alunos e sobre a relação professor-aluno existente, enfim sobre a instituição de 
forma geral. 
Com relação às queixas básicas encontradas, Andaló encontra comumente: 
dispersividade, desatenção, desinteresse, apatia, agitação, baixo rendimento, fraco 
nível de aprendizagem, rebeldia e agressividade e também dificuldades na relação 
professor-aluno e entre os próprios estudantes. Como essas queixas se repetem de 
forma mais ou menos comuns pelas instituições de ensino, não fica difícil perceber 
que a escola passa por uma crise aguda e profunda. Como temos visto, a tendência 
da escola é localizar as causas dessas queixas nos próprios alunos. As medidas 
observadas para enfrentar esses problemas podem ser, segundo a autora, 
resumidas em duas ações: 
 
1. Encaminhar os casos-problema aos serviços de Orientação 
Educacional ou ao Serviço de Psicologia. 
 
2. Criar mecanismos de controle cada vez mais rígidos e repressivos 
sobre o comportamento dos estudantes, inserindo inspetores de alunos, 
comunicações aos pais, reduções de notas, multiplicação das avaliações, etc. 
Após tudo o que discutimos não é difícil supor que essas medidas não são 
eficientes. Foi observado que com relação ao Serviço de Orientação Educacional, 
esse não consegue dar vazão ao crescente número de casos complicados 
encaminhados; Buscam contato com os pais, em uma busca de ‘transferir o abacaxi’ 
para o âmbito familiar; desenvolvimento de trabalhos junto aos estudantes por meio 
 
 AN02FREV001/REV 4.0 
88 
de aulas tradicionais com conotação quase sempre moral, em uma tentativa dos 
estudantes atenderem às expectativas institucionais sobre eles. 
Para Andaló (1984), o trabalho mais indicado ao psicólogo escolar nessa 
perspectiva de agente de mudanças é o de realização de grupos operativos com 
estudantes, professores e equipe técnica, visando o exercício da reflexão crítica 
sobre a instituição “incluindo o processo de aprendizagem, a relação professor-
aluno, as mudanças sociais que estão ocorrendo, evidenciando a defasagem cada 
vez maior entre a escola e a vida” (ANDALÓ, 1984, p. 46). Com isso, pretende-se 
tirar o foco dos alunos como explicação única dos sintomas e problemas 
apresentados e bode expiatório da crise pela qual passa a instituição escola, 
promovendo uma visão mais ampla desse momento crítico. Busca-se considerar 
todos os aspectos envolvidos na produção e reprodução dessa crise com vistas a 
encontrar formas alternativas para enfrentá-la, pois os mecanismos adotados até 
hoje não conseguiram conter o problema. 
 
 
FIGURA 22 
 
 
FONTE: Disponível em: <www.novaiguacu.olx.com.br>. Acesso em: 25 out. 2011. 
 
 
 
 
 
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89 
 
 
13 VISÃO SISTÊMICA SOBRE A QUEIXA ESCOLAR: O ALUNO, A FAMÍLIA E A 
ESCOLA 
 
 
Reconhecendo que o paradigma sistêmico vai além do paradigma linear de 
causa e efeito no qual um aluno não aprende porque possui uma deficiência, a 
compreensão que o sistema escolar dá aos problemas de aprendizagem pode ser 
virtuosamente transformada quando os elementos do sistema concebem-se como 
fazendo parte do mesmo e, portanto, também responsável pela sua construção e 
manutenção. É necessário, então, que sejam considerados, dentro dessa 
perspectiva o contexto e as relações estabelecidas com o aluno, assim como o 
sentido dado àquilo que chamamos de problema de aprendizagem. 
Podemos supor, dessa forma, que aquilo que a professora significa como 
problema de aprendizagem podem ser fruto de suas experiências prévias e 
apropriações geradas nas suas interações nos sistemas em que vive e viveu ao 
longo de sua história (ANDRADA, 2003, p. 172). Sendo assim, essa pode ser 
reestruturada ou reenquadrada. 
Assim como os significados construídos podem ser transformados, os 
sistemas movem-se através do tempo e se modificam, em uma perspectiva cíclica. 
A capacidade de mudança é decisiva para a saúde da família e também dos 
grupos e instituições. As mudanças acontecem porque as situações também são 
novas, exigem novas soluções. Cada sistema tem ciclos distintos que representam 
cada estágio de desenvolvimento. Como as famílias lidam com cada fase também é 
variável. É necessário que se inclua, também, os aspectos sociais, econômicos e 
culturais dentro das intervenções propostas pelo psicólogo escolar. A família, mas 
também a escola é transmissora de cultura, por esse motivo, a importância de se 
conhecer os valores religiosos, crenças, preconceitos, valores sociais, etc. Um 
psicólogo com visão sistêmica é parte sociólogo, parte antropólogo, parte filósofo e 
um observador a respeito das formas de funcionamento dos sistemas e de seu meio 
social. 
O pensamento sistêmico exige uma reflexão contextual, segundo Andrada 
 
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90 
(2003), pois apresenta os seguintes princípios: 
 Totalidade – onde se compreende o todo maior do que a soma de suas 
partes, ou seja, não podemos entender o funcionamento do sistema a partir do 
funcionamento de um indivíduo. 
 Integridade de subsistemas – os sistemas possuem subsistemas 
integrados, relacionados uns aos outros. 
 Circularidade – onde todos os elementos se influenciam mutuamente. 
Sob esse olhar, a compreensão de um sintoma precisa ser considerada de 
diversas maneiras, determinado por diversas causas, bem como reconhecer a 
função que um dado problema exerce no sistema, num dado momento. Para 
Andrada (2003, p. 173), portanto, o aluno “não pode mais ser visto como sujeito 
dotado de problemas, separado do sistema sala de aula, mas como um sujeito 
relacional cujo problema exerce uma função no sistema”. 
 
(...) é ainda preciso levar em conta que o problema manifestado por uma 
criança (...) é um conjunto importante da manutenção do equilíbrio 
(homeostasia) do sistema inteiro. É o que explica a persistência no tempo 
de algumas dificuldades e a pouca eficácia das medidas que tendem a fazer 
desaparecer o problema ao focar-se no indivíduo que o manifesta 
(CURONICI e MCCULLOCH In ANDRADA, 2003, p. 173). 
 
O trabalho do psicólogo na escola torna-se de fundamental importância, na 
medida em que abre espaço para discussões, para orientações colaborativas, para a 
reflexão e problematização dos problemas vividos. A utilização de uma só teoria 
para a compreensão dos fenômenos empobrece as intervenções e enfraquece seus 
efeitos. Quanto mais diversificadas forem as lentes que utilizamos na leitura e 
compreensão do significado de um problema, mais rica será nossa compreensão de 
mundo. 
No tópico seguinte refletiremos sobre a visão sistêmica do funcionamento 
familiar que nos oferece subsídios para uma compreensão mais ampliada dos 
elementos desse sistema, em especial, a criança, personagem central da cena 
escolar. 
 
 
 
 
 
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91 
 
 
13.1 A FAMÍLIA SEGUNDO UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA 
 
 
Carter e McGoldrick (In Andrada, 2003) classificam seis fases evolutivas na 
vida da família: o jovem solteiro; o casamento; família com filhos pequenos; famílias 
com filhos adolescentes; famílias no meio da vida e famílias no estado tardio da 
vida. É observado que o surgimento de um sintoma acontece nas passagens de 
estágio, pois o nível de estresse familiar aumenta nos períodos de transição. 
É de suma importância o reconhecimento desse processo na abordagemdos problemas escolares e dos comportamentos desviantes. Ter essa compreensão 
auxilia o psicólogo no diagnóstico situacional a partir de uma queixa escolar. 
Muitas vezes, o psicólogo pode atuar como mediador dos conflitos 
transgeracionais, principalmente relacionados com o choque cultural entre pais e 
filhos. Cada geração tem seus próprios comportamentos, jogos, linguagem, música, 
moda, arte e objetivos. O psicólogo pode solicitar o comparecimento da família para 
compreender melhor o comportamento do aluno e, nesse momento, pode realizar 
intervenções sistêmicas que ajudem a família a compreender seu processo de vida 
no ciclo vital. 
O psicólogo escolar não se configura como um terapeuta familiar, uma vez 
que seus objetivos são diferenciados. O papel do terapeuta familiar é também muito 
complexo. É preciso que a atenção esteja aguçada a todo o momento. Algumas 
atitudes ou reações são indícios de que algo está acontecendo com este terapeuta. 
Reagir rapidamente a um comentário ou opinião é um destes sinais. Sentimentos 
fortes como amor ou ódio por uma família, casal ou pessoa, também exige um foco 
especial. “Tomar partido” de um membro ou subsistema em detrimento de outro, 
demanda atenção. É saudável querer saber sobre as competências, dificuldades e a 
história passada de cada família. A maioria das famílias conhece mais seus defeitos 
e fracassos do que seus talentos e sucessos. 
Dentro das famílias há subsistemas dinâmicos e flexíveis. Quanto maior é o 
número de subsistemas mais saudável é esta família. Outra função do terapeuta é 
clarificar a estrutura e as qualidades dinâmicas desses subsistemas. Chamamos de 
 
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92 
subsistemas as identificações e as alianças que vão se entrelaçando conforme os 
conflitos e as situações difíceis vão se apresentando. 
As relações pais e filhos denotam um capítulo extenso e a parte. Porém, 
uma coisa é evidente. O controle e o poder da família têm que estar nas mãos dos 
pais e quanto mais claro isso ficar, mais favorável será a dinâmica familiar. Famílias 
desorganizadas exigem que os terapeutas assumam mais poder e liderança até que 
possam assumir comportamentos mais adaptativos e coesos. As crianças não 
conseguem sustentar todo o medo (de crescer, de encarar o mundo etc.) sem a 
segurança de pais responsáveis. Quanto menor é a criança mais proteção ela 
exigirá. Um bebê morrerá se não for alimentado. Só que à medida que as famílias 
crescem, os filhos precisam cada vez menos desta proteção. Proteger demais é tão 
prejudicial quanto proteger de menos. Isso não significa que as famílias não errem 
esta medida. Pais saudáveis e atentos estão sempre reavaliando estas posições 
intermediárias na busca de uma construção mais correta. 
Muitas das ideias utilizadas na abordagem sistêmica das relações familiares 
podem ser aplicadas ao campo escolar, porém demanda mais trabalho, pois nesse 
sistema os elementos são mais numerosos, os subsistemas mais variados, as 
relações de poder mais aguçadas o que exige um profissional sempre atento às 
mais variadas manifestações comportamentais. 
 
 
14 QUAL PSICÓLOGO ESCOLAR É NECESSÁRIO PARA ATUAR EM QUAL 
ESCOLA? 
 
 
Idealmente a escola deveria ser uma instituição que incluísse as diferenças 
e tirasse partido dela; fosse um laboratório de exercício de democracia e cidadania, 
ousando até em representar uma minissociedade onde valores éticos e a 
preocupação e respeito com outro fosse, antes de tudo, praticados e não 
discursados; onde as disciplinas, talvez até mudassem de nome, pois soa como algo 
autoritário, e pudesse estar intimamente relacionada com a realidade dos 
estudantes, mas para isso seria necessário conhecer essa realidade; fosse um lugar 
 
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93 
onde as vozes têm lugar e ressonância. É bem provável que nessa escola a 
presença de um psicólogo não fosse tão necessária. 
Mas, sabemos que a realidade não é essa e com base na realidade escolar 
que temos, a presença do profissional de psicologia se torna bem oportuna. 
Viemos discutindo o lugar desse profissional em um campo de atuação 
complexo permeado de forças opostas, mas veladas. Já sabemos agora que esse 
profissional não pode desprezar certos conhecimentos que o habilitam a cumprir a 
sua função que não é, nem pode ser a de psicologizar as queixas escolares. A 
tarefa ainda está em construção, mas já temos uma ideia de em qual direção as 
intervenções devem acontecer. No entanto, os currículos dos cursos de psicologia 
fornecem esse arcabouço teórico e prático? Caso negativo, onde os psicólogos vão 
buscar esses conhecimentos? Se for para atuar na rede pública, via concurso, há 
obrigatoriedade de especialidade nessa área? Existe algum movimento dos órgãos 
reguladores da profissão, com vistas a garantir um mínimo de conhecimento do 
psicólogo para atuar em áreas específicas? 
Analisemos primeiro a grade de horários de uma faculdade particular de 
psicologia para que tenhamos uma ideia de como a universidade prepara os 
estudantes para as exigências do mercado de trabalho. 
 
 
Nome da 
Disciplina 
Créditos 
1º PERÍODO 
FIL 0102** Optativas de Filosofia - Núcleo Básico do CTCH 4 
NBH 0121** Optativas de Sociologia/História - Núcleo Básico 
do CTCH 4 
PSI 1020 Fundamentos em Neurociências 8 
PSI 1600 Método Científico em Psicologia 4 
PSI 1817 História da Psicologia 6 
 
2º PERÍODO 
CRE 1100 O Humano e o Fenômeno Religioso 4 
LET 1910 Análise e Produção de Texto Acadêmico 4 
PSI 1831 Métodos Quantitativos 4 
PSI 1848 Processos Psicológicos Básicos 8 
PSI 1910 Teoria Psicanalítica 4 
 
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3º PERÍODO 
CRE 0700** Optativas de Cristianismo 4 
PSI 1016 Metapsicologia Freudiana 4 
PSI 1850 Psicologia e Desenvolvimento 6 
PSI 1860 Psicopatologia 6 
PSI 1899 Linguagem e Cognição 4 
 
4º PERÍODO 
CRE 1141 Ética Cristã 2 
PSI 1869 Abordagem Psiquiátrica dos Quadros Clínicos 4 
PSI 1870 Psicologia Social 6 
PSI 1900 Psicologia e Instituições 6 
PSI 1981 Estágio Básico I 4 
 
5º PERÍODO 
PSI 1839 Métodos Qualitativos 4 
PSI 1903 Psicologia e Saúde 4 
PSI 1930 Psicoterapias 6 
PSI 1950 Psicologia, Trabalho e Organizações 6 
PSI 1982 Estágio Básico II 4 
 
6º PERÍODO 
PSI 1024 Avaliação Psicológica 6 
PSI 1898 Linguagem e Subjetividade 4 
PSI 1983 Estágio Básico III 4 
 
7º PERÍODO 
PSI 1960 Psicologia e Educação 6 
PSI 1984 Estágio Básico IV 4 
 
8º PERÍODO 
CRE 1161 Ética Profissional 2 
PSI 1970 Monografia I 6 
 
9º PERÍODO 
PSI 1971 Monografia II 6 
PSI 1985 Estágio Básico V 10 
 
10º PERÍODO 
PSI 1986 Estágio Básico VI 10 
 
 
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FONTE: Disponível em: <www.pucrj.com.br>. Acesso em: 5 nov. 2011. 
 
 
Tendo como base de análise o currículo acima, podemos perceber que, ao 
longo dos cinco anos mínimos para a habilitação na formação de psicólogo, temos 
uma disciplina mais específica ligada à educação (Psicologia e Educação), no 
sétimo período e outras duas mais ligadas às questões institucionais (Psicologia e 
Instituições e Psicologia, Trabalho e Organizações), respectivamente no quarto e 
quinto período. Os estágios podem ser feitos em instituições ou em clínica, com 
supervisão em ambos os casos. 
É claro que uma disciplina não dará conta de refletir sobre tantos aspectos 
envolvidos na prática de psicólogo escolar e, além disso, deduz-se que ao nomear a 
disciplina de Psicologia e Educação traça-se outro viés na abordagem das questões 
ligadas à educação. Portanto, a resposta à pergunta: Os currículos dos cursos de 
psicologia fornecem esse arcabouço teórico e prático? Com base no currículo dessa 
instituição, podemos dizer que não – a resposta é negativa também para a atuação 
em outros campos como saúde, esporte, justiça, empresas, etc. Podemos supor queo psicólogo ao trabalhar na área de educação (não há obrigatoriedade de 
especialização), transfere os conhecimentos de outra área para essa ou, vai buscar 
sozinho esse aperfeiçoamento em cursos extracurriculares, seja durante a 
graduação ou depois de formado. 
Retomando a pergunta que titula esse capítulo Qual psicólogo escolar é 
necessário para atuar em qual escola? Primeiramente temos que conhecer o 
contexto onde se dão as práticas educativas em nosso país para que a intervenção 
acompanhe a necessidade desse contexto, mas não a necessidade oferecida, 
muitas vezes, - a de exclusão do aluno com queixa escolar pela instituição. A 
necessidade que o psicólogo escolar deverá ser capaz de desvendar com base na 
queixa escolar é aquela que ele alcançará articulando os conhecimentos clínicos, 
institucionais e sistêmicos. Logo, embora precisemos que ele tenha uma 
especialidade, é necessário que tenha uma visão global do campo em questão. A 
ideia de pensar globalmente e agir localmente podem ser aplicados nesse caso. 
Embora os currículos ainda coloquem ênfase na formação clínica com foco no 
indivíduo e não em uma formação social com ênfase na coletividade presente nas 
instituições, o psicólogo escolar terá que galgar o caminho que amplie seu campo de 
 
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visão sob o risco de intervir individualmente, em um campo onde as queixas são 
produzidas coletivamente. 
Pensar que a escola, em especial a pública, é atravessada por questões de 
ordem política, social e administrativa resultado do gerenciamento, ou da falta dele, 
do Estado já norteia a problematização necessária ao psicólogo escolar frente às 
queixas a ele encaminhadas. 
Dessa forma, pensar no profissional de psicologia para atuar na área escolar 
é pensar que ele deva desenvolver os seguintes atributos: 
 Olhar sistêmico a respeito das queixas escolares; 
 Conhecimento sobre as variáveis políticas da prática pedagógica; 
 Conhecimento sobre as leis que regem a educação no lugar em que 
atua; 
 Capacidade de pensar globalmente e agir localmente; 
 Capacidade para articular diversas informações e emitir um diagnóstico 
situacional; 
 Capacidade em lidar com tensões ocasionadas por forças opositoras; 
 Reconhecimento da função social e política de sua prática; 
 Capacidade de articulação das diversas ‘vozes’ institucionais. 
 
 
15 DISCUSSÃO DE CASOS 
 
 
Nesse capítulo pretende-se apresentar situações ocorridas no cotidiano 
escolar para pensarmos sobre as possíveis intervenções do psicólogo escolar e 
problematizar questões comuns e aparentemente simples, mas que se repetem e 
que podem comprometer a vida escolar dos estudantes. Não se pretende, pois, 
afirmar que um caminho é melhor do que outro, mas exercitar um olhar mais 
ampliado sobre as queixas. Portanto, visando esse exercício, antes de ler as 
discussões, vale o leitor exercitar o seu próprio olhar sobre os casos apresentados, 
pensando o que faria no lugar de um psicólogo escolar. 
 
 
 
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97 
Caso 1 
Durante uma aula, do 2º ano do ensino fundamental, um grupo de três 
crianças está falando demais, atrapalhando o aprendizado das demais. Após 
sucessivos pedidos para que elas se acalmem sem resultado, a professora precisa 
ser mais enérgica, assim solicita que os três dirijam-se a secretaria para conversar 
com a orientadora pedagógica. A partir daquele dia, a professora notou que um dos 
alunos deste grupo passou a se comportar de forma mais tímida, pouco se 
expressando durante a aula, pouco conversando. Seu rendimento apresentou queda 
considerável. Parece que a dimensão que a bronca teve para este aluno foi muito 
maior do que para os outros, embora a atitude da professora não tenha sido 
diferente daquela tomada em outras situações semelhantes nesta mesma turma. A 
psicóloga é chamada para resolver o problema do aluno. 
 
Breve discussão: Embora a atitude da professora seja a mesma para lidar 
com as situações de estresse na sala de aula e o aluno deveria estar acostumado, 
isso não aconteceu e o mesmo reagiu de forma sintomática. Podemos considerar 
que a professora, mesmo de forma inconsciente, possa nutrir uma resistência maior 
com o grupo dos bagunceiros e acaba por agir de modo a excluir os seus 
componentes ou não valorizá-los. Um dos elementos do sistema mostrou-se mais 
suscetível a essa situação desenvolvendo comportamento retraído. Podemos 
também tentar compreender se o sistema familiar do aluno encontra-se em processo 
de transição e crise. 
Para checarmos essas hipóteses levantadas com a análise e 
problematização do caso encaminhado por escrito, o psicólogo escolar precisa ouvir 
as vozes envolvidas (estudantes, professora, orientadora pedagógica, família) com 
vistas a traçar a sua intervenção. Só após essa escuta e reflexão com os envolvidos 
é que será possível desobstruir um comportamento disfuncional, mas compreendido 
com base na visão sistêmica, no qual o funcionamento de um torna explícito o 
comportamento do sistema. Abordar de forma unicamente punitiva a bagunça em 
sala de aula, desperdiça tantas outras possibilidades de compreender o 
comportamento em questão. 
 
 
 
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Caso 2 
 
Bianca tem 12 anos e é aluna do 7°ano. Sempre teve muita dificuldade em 
assumir as responsabilidades pertinentes à sua idade, esquecendo material, tarefas 
e provas. A escola sempre percebeu essa dificuldade, mas como Bianca nunca 
repetiu o ano e não dava problema em sala de aula, seus pais nunca foram 
chamados. Porém, na metade do ano o rendimento escolar de Bianca caiu 
consideravelmente e o caso foi encaminhado ao psicólogo escolar. 
 
Breve discussão: Nesse caso, fica clara a omissão do colégio durante os 
anos que antecederam o ano do problema. Como o comportamento de Bianca não 
comprometia o andamento da turma e nem o seu desempenho esse não foi 
considerado importante a ponto de ser encaminhado para o psicólogo. Ao receber o 
caso, o psicólogo solicitou o comparecimento da família e, durante a entrevista, foi 
possível perceber que o casal havia tentado diversas vezes ter outro filho sem 
sucesso e, a relação entre o casal e a filha era de extrema dependência. O sistema 
não estava conseguindo evoluir, pois sem evoluir mantinha Bianca pequena. Porém, 
ao atingir uma idade em que as responsabilidades vão aumentando, a menina, sem 
a autorização da família para crescer, começa a comprometer suas tarefas 
escolares. Mantendo-se criança, ela mantém a família na mesma fase, porém não 
consegue dar conta das exigências do meio. Compreendido o caso, a família foi 
encaminhada para acompanhamento terapêutico e a escola levada a refletir sobre 
os critérios utilizados no encaminhamento dos casos e porque a escola pareceu 
negar o comportamento de Bianca, parecendo confluir como desejo da família de 
não crescimento. 
 
Caso 3 
 
Júlia tem 10 anos e é aluna do quarto ano de uma escola particular. Está 
fazendo o quarto ano pela segunda vez. Morava no interior onde se alfabetizou. Sua 
mãe engravidou e a família voltou à capital no meio do ano passado, ano em que 
aconteceu a repetência de Júlia. Na reunião de pais foi compartilhada com seus 
 
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familiares que Júlia é uma criança de ótimo relacionamento, cooperativa e 
prestativa. No entanto, conversa muito em sala, é desatenta e isso tem refletido em 
seu baixo desempenho, principalmente em matemática e português. Júlia apresenta 
dificuldade em interpretar textos, fato reconhecido pelos seus pais. Foi sugerido, de 
forma velada, acompanhamento psicológico para a menina e aulas de reforço. Os 
pais solicitaram a avaliação da psicóloga da escola. 
 
Breve discussão: É comum que o ensino nas cidades do interior seja 
abordado de forma diferente do que na capital. É possível, pois, que a aluna 
apresentasse um nível de desenvolvimento diferenciado do restante da turma. Aisso 
se soma a mudança de colégio, de cidade, de casa e de configuração familiar. 
Todas essas alterações na sua vida podem justificar um desempenho escolar 
aquém dos demais, uma vez que seu mundo interno precisa assimilar essas 
mudanças e adaptar-se a essa nova vida. Todos esses fatos são conhecidos das 
professoras e da coordenadora do Ensino Fundamental, mas nenhuma metodologia 
diferenciada foi proposta de forma que atendesse às lacunas de Júlia. A solução 
estava fora do colégio: terapia e reforço escolar. Mas o que acontece dentro do 
colégio, local onde o sintoma fora produzido, ou pelo menos, intensificado? 
Nitidamente há a necessidade de valorizar Júlia, já que tantos lugares ‘seguros’ 
foram ameaçados com as mudanças ocorridas na sua família. A chegada de um 
irmão ameaça a segurança sobre o sentimento de ser amado pelos pais, pois outro 
passa a fazer parte da família e dividir o espaço e a atenção dos pais. A psicóloga, 
ao conversar com Júlia e seus pais percebeu a compreensão da família a respeito 
do momento de vida pelo qual estão passando e as possíveis consequências sobre 
o desempenho escolar da menina. Os pais observaram que ela vem 
progressivamente melhorando em suas notas, mas esperava uma melhor 
abordagem por parte da escola, já que conhecia o que estava acontecendo. Parece 
claro que a escola em questão não soube lidar com o aluno desadaptado. A solução 
para uma possível adaptação está fora da escola. A função do psicólogo, nesse 
caso, após ouvir a família, seria a de realizar grupos operativos para que fossem 
elaboradas atividades que pudessem aproveitar as potencialidades da aluna e que a 
mesma pudesse ser avaliada levando esses aspectos em consideração. É possível 
que, mesmo melhorando progressivamente, não haja tempo psíquico hábil para que 
 
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100 
Júlia possa elaborar suas questões e acompanhar efetivamente a turma. Porém uma 
segunda repetência seria uma ferida em sua autoestima mais difícil de recuperar do 
que a compreensão de textos. 
 
Caso 4 
 
Luiza tem sete anos e está concluindo o processo de alfabetização. É muito 
falante em sala de aula e algo aérea. Perdeu a madrinha e a avó no intervalo de um 
ano. Numa ocasião, a escola aplicou as provas à Luiza em uma sala separada do 
restante da turma. A mãe percebeu alteração no comportamento de Luiza durante 
esse período e questionou-a. Foi quando a menina relatou o ocorrido. A mãe, ao 
comparecer ao colégio, ouviu que aquela atitude foi com base em uma orientação da 
psicóloga. 
 
Breve discussão: Possivelmente a psicóloga em questão tem como base 
de sua ação na escola a compreensão da queixa escolar como produção individual e 
deixa claro em sua orientação que a escola não tem capacidade de lidar com tais 
queixas, excluindo o ‘aluno-problema’ do convívio com o restante ‘normal’ da turma. 
Será que essa orientação leva em conta o que é melhor para Luiza, para a turma ou 
para escola? Não é necessária grande elaboração para deduzirmos que essa 
intervenção tem um cunho extremamente adaptacionista onde o diferente não tem 
lugar. Estamos falando de um diferente que não corresponde ao diferente entendido 
como ‘especial’ pelos órgãos educacionais, mas diferentes porque somos humanos 
e diferentes. A ideia que parece estar por trás das ações dessa escola é aquela que 
compreende o ser humano cristalizado, parado no tempo e no espaço, onde não é 
produto e produtor de mudanças ocorridas pelo simples fato de estarmos vivos. 
Parece que a escola só sabe lidar com robôs pré-programados e não com pessoas 
que sofrem, perdem, ganham e desejam. E o psicólogo como elemento do sistema, 
muitas vezes sem perceber, reproduz em sua prática esse ideal. 
 
 
 
 
 
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101 
 
 
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 
 
 
ZINKER, J. A busca da Elegância em Psicoterapia. São Paulo: Summus, 2001. 
 
 
 
 
 
 
 
 
FIM DO CURSO 
 
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	psicologia_escolar_02.pdf
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