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Nélia Elaine Wahlbrink Engster Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas Editora 1º Ed. / Setembro / 2013 Impressão em São Paulo - SP E58e Engster, Nélia Elaine Wahlbrink Educação e currículo : fundamentos e práticas pedagógicas. / Nélia Elaine Wahlbrink Engster. – São Paulo : Know How, 2009. 155 p. : il., color. Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-63092-08-3 1. Educação. 2. Pedagogia. 3. Formação. II. Título. CDD – 71.207 Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professora Responsável Nélia Elaine Wahlbrink Engster Projeto Gráfico, Diagramação Glaucia Ferraro Capa Wagner Boni Revisão Ortográfica Nádia Fátima de Oliveira Carlos Beltrão Marcela Aparecida de Oliveira 1º Edição: Julho de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD KnowHow 2013 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Nesta disciplina - Educação E Currículo: Fun- damentos E Práticas Pedagógicas - você terá a opor- tunidade de conhecer, de forma detalhada, as questões referentes ao currículo escolar. Embora a disciplina su- gira uma abordagem bastante teórica, no decurso será possível perceber que o currículo escolar é interferente de diversos aspectos da vida social e dos sujeitos. Da mesma forma você será orientado (a) a perceber as ar- ticulações subjacentes ao currículo escolar prescrito e que moldam os sujeitos e são determinantes para a for- mação de novas culturas e de novas estruturas sociais. Para que isso seja perceptível, a cada unidade você será desafi ado (a) a realizar atividades que aproxi- mem a teoria às situações do cotidiano, possibilitando, assim, que você identifi que a presentifi cação do currícu- lo em circunstâncias práticas. É importante perceber que, da mesma forma que o currículo molda pessoas, ele também é pensado, mol- dado, de forma a surtir efeitos desejáveis que atendam às necessidades específi cas de interesses dominantes. Nessa dimensão, é relevante salientar que a formação e a atuação docente poderão signifi car uma Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas nova perspectiva de encaminhamentos curriculares por- que o professor, sendo conhecedor das implicações de uma prática pedagógica consciente, fará uso das pro- postas curriculares com base em metodologias que fo- mentarão a autonomia e a análise crítica. No entanto, ao estudar o currículo, faz-se neces- sário considerar as imbricações do contexto atual da pós- -modernidade nos movimentos educacionais, bem como as que antecederam e que desencadearam as teorias, com suas especificidades. Assim, a cada época, crenças e valo- res sociais são postulados no currículo escolar e acabam fortalecendo os pressupostos de cada teoria. Buscamos, de forma permanente, a atualiza- ção e a melhoria deste material. Você pode nos auxiliar, encaminhando sugestões e propostas de melhoria, via monitor, tutor ou professor. Pela sua ajuda, antecipada- mente, ficamos gratos. Entre sempre em contato conosco quando surgir alguma dúvida ou dificuldade, pois a sua passagem por esta disciplina será também acompanhada pelo Sistema de Ensino EaD Know How, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou Ambiente Virtual de Aprendizagem. Participe dos bate-papos (chats) marcados e envie suas dúvidas pelo Tira-Dúvidas. Toda equipe está à disposição para atendê-lo (a). Seu desenvolvimento intelectual e profissional é a nossa satisfação e o nosso maior objetivo. Acredite no seu sucesso, seja persistente e te- nha bons momentos de estudo! Equipe EaD Know How Sumário Capítulo 1 O currículo e suas intercorrências Capítulo 2 As teorias do currículo: uma abordagem histórica Capítulo 3 O currículo como artefato social Capítulo 4 Currículo, cultura, poder e prática educacional Capítulo 5 Professor como articulador do currículo Capítulo 6 A pós-modernidade e as instâncias do currículo Gabarito 07 23 43 61 79 105 131 Capítulo 1 O Currículo e suas Intercorrências 9 Para iniciarmos os estudos sobre Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas, é ne- cessário esclarecermos a qual aspecto da educação e do currículo estamos nos referindo. Antes, porém, escreva a sua concepção de currículo aqui: ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ____________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ 1. Currículo: Aproximações à Temática 10 Ao ler as indagações a seguir, registre suas res- postas. • Ao ler ou ouvir a palavra educação, que ideia lhe vem à mente? - A educação transmitida de uma geração a ou- tra na perspectiva cultural? - A educação formadora dos valores de cada su- jeito? - O direito de ensino regular nas escolas públi- cas ou privadas? • Ao ler ou ouvir a palavra currículo, que ideia lhe vem à mente? - Aquele documento que expressa o perfil de formação escolar do sujeito? - O perfil profissional que o sujeito apresenta ao se candidatar a uma vaga? - O currículo que norteia o trabalho escolar? É imprescindível considerarmos essas aproxi- mações aos termos antes de discuti-los na perspectiva da Educação e do Currículo enquanto Fundamentos e Prá- ticas Pedagógicas, porque elas trazem os componentes daquilo que construímos culturalmente ou pelo senso co- mum. Dessa forma, é possível dizer que nada se constrói em teoria sem que tenha sido, primeiramente, pensado ou estruturado mentalmente, com base no conhecimento prático. O currículo tem uma relação muito próxima 1.1 Reflexões Preliminares 11 com educação, ainda que seja na dimensão da constru- ção do currículo pessoal. Ele também é o resultado de uma caminhada percorrida em conhecimentos práticos, culturais e científi cos o que confi rma a premissa de que do conhecimento empírico emerge o conhecimento cien- tífi co. Na construção do currículo pessoal/profi ssio- nal, o sujeito expressa a sua trajetória de formação obti- da nos caminhos escolares. Essa trajetória é o resultado da construção individual, mas não solitária e neutra, dos interferentes no processo, sejam eles concebidos em for- mas subjetivas (regras, textos, normatizações, etc.) ou objetivas (a fala e a ação dos sujeitos com quem convi- vemos). A concepção que se tem acerca do currículo, traz imbricadas defi nições de conceitos que estão vincu- lados ao contexto. A seguir abordaremos duas delas: • CONCEITO DE EDUCAÇÃO Quando ocorrem referências ao termo educa- ção o conceito básico intrínseco faz referência à existên- cia ou não da mesma, dando-lhe a conotação de pertença ou não; isto é, se a pessoa age de acordo com as regras sociais existentes, cumpre com seus deveres e desfruta dos seus direitos, é uma pessoa que tem educação, é um exemplo de cidadão. No entanto pode ser uma defi nição 1.2 Defi nições Relevantes 12 do senso comum, que não exige reflexão, apenas aceita- ção e subjugação às regras. Em um conceito mais elaborado, educação pode ser definida como processo que mantém viva a cultura de um povo, que transmite conhecimentos, técnicas e sabe- res, mas que supõe rupturas através das quais o homem se renova, bem como a sua cultura, seu conhecimento e constrói sua história com base num conhecimento verda- deiro, utilizável, inalienável e intransferível. Nessa pers- pectiva, a educação está estreitamente relacionada ao processo de ensino escolarizado, porém a educação, no decorrer do tempo passou por significativas mudançase hoje, além da educação formal institucionalizada, tam- bém pode ocorrer em diferentes contextos não formais, por ações do Terceiro Setor, o que confirma a importân- cia da educação e o papel das sociedades organizadas na formação dos sujeitos. • CONCEITO DE CURRÍCULO O emprego do termo currículo tem uma história bastante recente na escola, tem, portanto, uma tradição precoce. É importante verificar que, na linguagem corri- queira do cotidiano escolar, o termo currículo sempre foi pouco mencionado. O mesmo ocorre quando se foca a figura do professor, que pouco utilizou o termo nos seus propósitos diários, ressaltando preferência pela elabo- ração de atividades pertinentes à listagem de conteúdos prescritos para o bimestre, semestre ou ano. As questões escolares sempre foram expressas com base na ótica dos programas curriculares, do traba- lho escolar e raras vezes sob a amplitude da perspectiva curricular que traz intrínseca uma ideia mais abrangente sobre o que, como, quando, porque e para que ensinar; condição que expressa a identidade da escola, seus va- 13 lores, visão de homem e sociedade e sua missão com o processo de ensino e aprendizagem. Nas escolas, o currículo ainda aparece traves- tido de signifi cados diversos, o que contribui para a mi- nimização do seu valor conceitual. Ou seja, o currículo, na escola, ainda é um objeto de contemplação a distân- cia, do qual poucos se aproximam e muitos têm aversão. Entende-se que é de competência administrativa, porque tem relação específi ca com matriz curricular, cômputo de carga horária, matrícula e transferência de alunos. Por conseguinte, há também aqueles que têm a falsa ideia de que o currículo está vinculado às bases pedagógicas da escola com vistas a considerar as linhas metodológicas, o planejamento, entre outros, e que o professor que reali- za o trabalho diário com os alunos deve estar preocupado com o conteúdo a vencer. Considerando a trajetória recente do currículo nas escolas, teóricos que se dedicam ao estudo do tema defi nem um caminho de intercorrências nessa circuns- tância. A exemplo disso, Sacristán (2000, p.14 e 15), expressa sua opinião em cinco itens: “...ponte entre sociedade e escola;...plano edu- cativo...composto por diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc.;...expressão formal e material desse pro- 1.3 Conceituação de Autores 14 O currículo não é senão uma lista- gem de matérias/conteúdos na perspectiva da acumulação de informações, ou na pers- pectiva da disciplina intelectual exigida pe- los métodos de investigação de cada ciência particular, ambas as perspectivas igualmen- te colocadas acima e à parte do mundo da vida e das relações sociais, ético-políticas. jeto que deve apresentar...seus conteúdos, suas orienta- ções e suas sequências para abordá-lo, etc.; Referem-se ao currículo pessoas que o enten- dem como um campo prático. Entendê-lo assim supõe a possibilidade de: 1) analisar os processos instrutivos e a realidade prática a partir de uma perspectiva que lhes dota de um conteúdo; 2) estudá-lo como território de intersecção de práticas diversas que não se referem apenas aos processos do tipo pedagógico; interações e comunicações educativas; 3) sustentar o discurso sobre a interação entre teoria e prática em educação.” “... conjunto ou série de coisas que as crianças e os jovens devem fazer e experimentar, a fim de desen- Marques (1999, p. 15) afirma que a palavra advém do currículo romano, que significa pista circular de atletismo, e que, ao ser aplicado ao contexto escolar, passou a ser relacionada aos estudos, demarcando uma sequência articulada de estudos a serem desenvolvidos na escola. Bobbit (apud Pedra, 1997, p.30), ao fazer um estudo sistematizador do currículo para aprofundar o campo de estudos teóricos sobre o tema, destaca que: 15 O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectu- ais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, confl itos simbólicos e culturais, necessida- des de legitimação e controle, propósitos de dominação regidos por fatores ligados à classe, à raça e ao gênero. volver habilidades que os capacitem a decidir assuntos da vida adulta”. Goodson (1995, p.8), ao levantar a história do currículo, aponta a questão crucial do seu signifi cado quando se refere ao processo de produção, de fabricação. 1.4 Como se constituiu a ideia de Currículo Etimologicamente, currículo é defi nido como um percurso a ser seguido. O currículo, como uma práti- ca, surgiu muito antes da noção teórica e do seu respec- tivo estudo sob o nome do “currículo”. Segundo GOO- DSON (1995, p.31), currículo é uma palavra de origem latina – Scurrere – que se refere a corrida, a curso ou carro de corrida. O termo latino curriculum signifi ca movimento progressivo ou carreira e é adotado para in- 16 dicar uma unidade de estudos a ser seguido e concluído. Professores e professoras sempre estiveram en- volvidos com o currículo, se considerarmos a dimensão do ato de designar uma área de conhecimento em estudo, em desenvolvimento. Assim, o currículo acabou por se definir sob a designação dada às atividades realizadas no contexto escolar. O currículo constitui-se de um campo repleto de perspectivas metodológicas e de possibilida- des contraditórias de poder, de interesse e de dominação. Abordar a história do currículo é uma possibilidade con- creta de vislumbrar o conhecimento corporificado no currículo como um artefato social e histórico, passível de alterações, que não se caracterizam pela rigidez de en- caminhamentos metodológicos e do contingente social. Currículo implica ação dinâmica e transformadora. Uma análise histórica do currículo permite ve- rificar pontos de evolução e continuidade e também rup- turas. Mostra que os pesquisadores interessam-se mais em descrever como se organiza o conhecimento escolar (em definir o que os alunos devem aprender) do que em verificar as razões dessa efetivação. Analisar a história do currículo com base em referências sociais e culturais remete a interferências na fabricação do currículo, no entendimento de que há ide- ologias intrínsecas que lhe direcionam a articulação. As- sim, percebemos que os conhecimentos articulados no currículo têm o enfoque do que é socialmente válido. A prática educativa da educação institucionali- zada tem sido caracterizada pelas tentativas de articular problemas sociais no marco do currículo escolar, com o propósito de resolver, de acordo com o contexto viven- ciado, problemáticas emergentes. Na atualidade, poderí- amos fazer referência à Aids, à violência, à sexualidade, 17 aos atentados, enfi m, temas que estão diretamente rela- cionados aos Temas Transversais propostos pelos Parâ- metros Curriculares Nacionais, em função de aspectos evidenciados no cotidiano social. Desta forma, à medida que o currículo expressa interesses de um tempo e de um contexto, ele constrói identidades e subjetividades, confi gura, através da práti- ca escolar, indivíduos que pensam e agem de acordo com as características sociais, econômicas e culturais intrín- secas ao contexto. “O currículo não só constrói, ele faz. É preciso reconhecer que as questões de ex- clusão e inclusão no currículo têm conexões com a inclusão ou exclusão na sociedade”. GOODSON, 1995, p. 10) Uma história do currículo se constrói a partir da análise das interferências dos valores e habilidades de diferentes épocas, porém, ratifi ca a preocupação do acesso à educação, à escola e ao conhecimento para além da neutralidade. Dessa forma, não pode deixar de iden- tifi car conhecimentos e valores verdadeiros e legítimos nas diferentes vivências e nos seus condicionantes de le- gitimidade. Síntese do capítulo Nessa unidade refl etimos sobre a indissocia- bilidade que existe entrecurrículo pessoal e escolar, na medida em que o escolar forma o pessoal e este não se constitui sem o escolar. Também conhecemos a defi ni- ção de alguns autores acerca de currículo, que tem ori- 18 gem latina – Scurrere – que se refere a corrida, a curso ou carro de corrida, significa movimento progressivo ou carreira e é adotado para indicar uma unidade de estu- dos a ser percorrido. Agora você também já sabe que escrever a história do currículo não foi tarefa fácil para os pensadores que se propuseram a esta tarefa, uma vez que o currículo sempre foi operacionalizado sem que houvesse uma preocupação acerca dos registros sobre o que e como se efetivaram os saberes escolares. Porém é importante reconhecer que uma história de currículo se constitui a partir das bases socialmente válidas. Revista do professor (www.revistadoprofessor.com.br) A Revista do Professor é uma publicação didá- tico-pedagógica, de circulação nacional, destinada a pro- fessores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Tem como objetivo servir de material de apoio e atua- lização do professor com atuação em sala de aula, via artigos, relatos de experiências, sugestões de atividades, esclarecimento de dúvidas, reportagens e coberturas de eventos educacionais e culturais. Revista Pátio (www.revistapatio.com.br) A Revista Pátio é editada pela ARTMED e é considerada o mais qualificado veículo de atualização e formação para os profissionais de Educação. Aborda temas centrais emergentes nas salas de aula e meios acadêmicos do país e do exterior. A Pátio, desde 1996, socializa os conhecimentos de ponta e as experiências bem-sucedidas de autores de renome e grande prática Sugestão para complementação de estudos 19 pedagógica, oriundos de todos os Estados brasileiros e dos grandes centros mundiais. Entre suas publicações, destaca-se o olhar sobre as questões curriculares. Sentidos de Currículo: entre linhas teóricas, metodolo- gias e experiências investigativas no campo do Currículo. Org. Inês Barbosa de Oliveira (UERJ) e Antô- nio Carlos Rodrigues de Amorim (FE/Unicamp). Dispo- nível em: http://www.posgrad.fae.unicamp.br/gtcurricu- loanped/publicações.html Filme: Escritores da Liberdade Hilary Swank, duas vezes premiada com o Os- car, atua nessa instigante história, envolvendo adoles- centes criados no meio de tiroteios e agressividade, e a professora que oferece o que eles mais precisam: uma voz própria. Quando vai parar numa escola corrompida pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na vida dos estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos ou- tros, uma turma de adolescentes supostamente indomá- veis vai descobrir o poder da tolerância, recuperar suas vidas desfeitas e mudar seu mundo. Com eletrizantes performances de um elenco de astros, incluindo Scott Glenn (Dia de Treinamento), Imelda Stauton (Harry Potter e a Ordem da Fênix) e Patrick Dempsey (Grey’s Anatomy), ganhador do Globo de Ouro. Escritores da Liberdade é baseado no aclamado best-seller O Diário dos Escritores da Liberdade. 20 Atividades 1) Aproveite o término desta unidade e reflita sobre o currículo ao qual você teve acesso na sua vida escolar. Aceite o desafio! Remeta-se às lembranças escolares. Escreva um pequeno texto sobre as memórias desse tempo – Memórias de uma trajetória curricular escolar. Guarde e aguarde, retomaremos essa tarefa na próxima unidade. 2) Quais são as aproximações existentes entre o currícu- lo profissional e o escolar? 3) Qual o significado da palavra currículo? 4) Conceitue educação com base numa visão mais ela- borada do seu significado. 5) Por que nas escolas o currículo ainda é um objeto de contemplação a distância? Capítulo 2 As teorias do currículo: Uma abordagem histórica As teorias do currículo: Uma abordagem histórica 25 1. Trajetória histórica das teorias do currículo Ao falar em teorias do currículo, é importante reconhecer que elas: - São compreendidas como modelos que sele- cionam temas e abordagens do trabalho escolar; - Interferem na configuração do currículo efeti- vado pelos professores porque, à medida que o professor operacionaliza esse currículo na escola, ele o assume e o interpreta, promovendo interferências na opção curricu- lar da escola e na sua história de vida; - Têm relação com a postura profissional de for- mação e comprometimento do professor; - Configuram um aspecto de racionalidade às práticas pedagógicas; - São a mediação entre pensamento e ação da educação; - Têm no professor e no aluno o destinatário do currículo. As teorias desempenham papéis bastante signi- ficativos no decorrer da história da educação, porém, em cada teoria há que se perceber a essência, ancorada no ob- jetivo que perpassa todas elas e que diz respeito ao o que, como e porque ensinar. Em seus estudos, Silva (1999, p. 26 22) expressa essa preocupação da seguinte forma: Essas indagações são relevantes à medida que se discute e estuda as teorias curriculares numa pers- pectiva de identificar como cada uma delas enfocava o processo de ensino e aprendizagem, a postura do pro- fessor e do aluno. É, portanto, possível dizer, segundo Silva (2001) que as teorias do currículo estão situadas num campo epistemológico de “puras” teorias, mas es- tão envolvidas na atividade de garantir o consenso, a he- gemonia, que é conhecido como um território contestado porque envolve organização social e poder. O que se deve ensinar: as habilidades básicas de escrever, ler e contar; as disciplinas acadêmicas humanísticas; as disciplinas cien- tíficas; as habilidades práticas necessárias para ocupações profissionais? Quais fontes principais de conhecimento a ser ensinado: o conhecimento acadêmico, as disciplinas cientí- ficas, os saberes profissionais do mundo ocu- pacional adulto? O que deve estar no centro do ensino: os saberes “objetivos” do conheci- mento organizado ou as percepções e as ex- periências das crianças e dos jovens? Em ter- mos sociais, quais devem ser as finalidades da educação: ajustar as crianças e os jovens à sociedade tal como ela existe ou prepará-los para transformá-la; a preparação para a eco- nomia ou a preparação para a democracia? 27 1.1 As teorias tradicionais As teorias tradicionais do currículo caracteri- zam-se pela prescrição dos conteúdos, isto é, a escola oferece aos professores uma listagem dos conteúdos que devem ser ministrados. Nessa circunstância, os conte- údos não são questionados com relação à sua validade ou necessidade. Igualmente não são proporcionadas re- fl exões críticas acerca dos mesmos. A premissa básica está em ensinar o que está determinado para quem deve aprender. Dessa forma, o aluno é mero receptor dos con- teúdos transmitidos linearmente pelo professor. Não há espaço para a inserção dos questionamentos ou partici- pação dos alunos. Suas opiniões e indagações são igno- radas ou abafadas sob o prisma da autoridade e do temor ao professor. Entende-se que o marco da efi ciência do cur- rículo está na qualidade do trabalho desenvolvido, arti- culada à quantidade dos conteúdos desenvolvidos e nos resultados alcançados. Portanto o currículo deve ter re- sultados sempre positivos. Essa abordagem do currículo escolar está per- meada pela interferência americana que, na década de 20, sofre com os processos migratórios e a explosão do processo de industrialização e gera uma necessidade maior de mão de obra especializada, inclusive. Esse fato tem refl exos diretos sobre a escola, ou seja, o processo de escolarização se expandiu e os currículos escolares de- veriam atender à demanda do contexto. É nesse período 28 que, provavelmente, ocorre o maior impulso significati- vo nas questões administrativas da educação, uma vez que se fez necessário racionalizar o processo de constru- ção, desenvolvimento e testagem de um currículo.Ainda segundo Silva (2001, p.16), “as teorias tradicionais pretendem ser neutras, científicas, desinte- ressadas... ao aceitar mais facilmente o status quo, os co- nhecimentos e os saberes dominantes, mas acabam por se concentrar mais nas questões técnicas”. Assim, nas teorias tradicionais, há uma aproxi- mação curricular ao modelo tecnicista, também chama- do de cienticifista, onde a efetivação do currículo escolar ocorre a exemplo da linha de produção de uma fábrica e há preocupação específica centrada no “o que, quanto e como ensinar”. Nas teorias tradicionais, o “o que e quanto ensinar” era conhecido e inquestionável, porém a preocupação maior estava em como fazê-lo de forma a garantir a transmissão dos conteúdos. Para Silva (2001), é possível dizer que nas teorias tradicionais existe uma grande preocupação organizacional do currículo. 1.2 As teorias críticas As reflexões sobre um novo direcionamento das questões curriculares surgem na década de 60. Co- nhecida como uma década de intensas transformações (liberação sexual, movimento feminista, protestos contra a guerra do Vietnã, movimentos da contracultura, protes- tos estudantis, etc.) é também a década em que as teorias 29 críticas do currículo sugerem mudanças na área do currí- culo. Elas deslocam os conceitos do eixo puramente pe- dagógico de ensino e aprendizagem para os conceitos de ideologia e poder, permitindo que o currículo seja visto sob uma nova perspectiva. As teorias críticas são uma proposta de reno- vação das teorizações sobre currículo e sofrem inter- ferências diretas do movimento de reconceptualização que tiveram origem na literatura estadunidense, da nova sociologia da educação (NSE) do sociólogo inglês Mi- chel Young, e no Brasil de Paulo Freire com as refl exões acerca da Pedagogia do Oprimido, enquanto na França são relevantes os ensaios de Althusser, Bourdieu e Pass- seron, Baudelot e Establet. Os precursores do movimento de reconceptu- alização (formado por participantes da I Conferência sobre currículo, ocorrida em 1973, na Universidade de Rochester – Nova York) defendiam que era necessário questionar os modelos técnicos dominantes do currículo. O movimento de reconceptualização e a nova sociologia da educação emitem teorizações críticas mais centradas nas questões do currículo aliadas aos preceitos de Paulo Freire (1970), quando questiona o conceito de educação bancária e sugere, em seu lugar, o conceito de educação problematizadora. Para os franceses Althusser, Bourdieu, Passseron, Baudelot e Establet o intuito era fornecer as bases marxistas para a educação, reconhe- cendo a escola como o maior aparelho ideológico capaz de exercer o processo de reprodução através do processo de ensinar e através do ambiente. Paulo Freire 30 Visto que as teorias tradicionais se limitavam a garantir o como ensinar com o objetivo de garantir a transmissão dos conteúdos, as teorias críticas vêm com o intuito de questionar os pressupostos dos arranjos educacionais e sociais. Enquanto as teorias tradicionais eram caracterizadas pela submissão, pelo ajuste e pela aceitação, as teorias críticas são teorias de desconfian- ça, de questionamento e transformação. Segundo Silva (2001, p.30), “para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz”. Inerente às teorias críticas está o fato de con- ceber o currículo como uma construção social, como reflexo de um contexto social, portanto é selecionado e transmitido pelas escolas a partir de interesses sociais e não neutros. A escola atua ideologicamente atra- vés do currículo, seja de uma forma mais di- reta, através de matérias mais suscetíveis ao transporte de crenças explicitas sobre a dese- jabilidade das estruturas sociais existentes.... Além disso, a ideologia atua de forma dis- criminatória, ela inclina as pessoas das clas- ses subordinadas à submissão e obediência, enquanto as pessoas das classes dominan- tes aprendem a comandar e a controlar. Essa diferenciação é garantida pelos mecanismos seletivos que fazem com que as crianças das classes dominadas sejam expelidas das es- colas antes de chegarem àqueles níveis, onde se aprendem hábitos e habilidades próprios das classes dominantes. (SILVA, 2001, p.32) 31 As teorias críticas não se limitam a perguntar o quê ensinar, submetem esse ‘o quê’ ao questionamento constante, no intuito de identifi car por que tal conheci- mento é ensinado e não o outro? Quais interesses permi- tem que tal conhecimento esteja no currículo? Por que privilegiar tal conhecimento em detrimento do outro? As teorias críticas estão preocupadas em estabelecer uma conexão entre: 1.3 O Currículo Oculto O currículo oculto, de certa forma, está presen- te em todas as propostas curriculares, no entanto, como não está explicito e descrito em nenhuma teoria, pode-se dizer que ele está camufl ado entre as ações pedagógicas. Mesmo assim exerce grande poder nas teorias curricula- res, em função dos mecanismos ideológicos que executa. O currículo oculto não está centrado em pesso- as, ações, componentes físicos ou arquitetônicos escola- res, nem tampouco se encontra ladeado pelas propostas dos documentos ofi ciais que norteiam a educação, con- 32 tribui silenciosamente para as aprendizagens sociais con- sideradas relevantes (ainda que apenas por um pequeno percentual da sociedade). Dessa forma, para identificar a subjetividade do currículo oculto, é essencial que se reconheçam os diferentes aspectos em que ele atua tendo clareza sobre o quê e como (por que formas) se aprende. Nessa circunstância, alargam-se as fronteiras de ação do currículo oculto porque é universalmente aceito que não se educa somente pelo saber sistemati- zado e organizado, tudo educa ou (des)educa, porém o ser humano é resultado das interferências que sofre por todos os meios, objetos, teorias e métodos a que tem acesso. Especificamente na escola, é preciso considerar como se estabelecem as relações entre os professores e os alunos; os professores entre si; os alunos entre si; a administração e os professores; a administração/coorde- nação com os alunos; os pais e a escola; o professor e a família. Também é importante considerar de que forma o ambiente está organizado, que liberdades ou limitações oferece aos alunos; como educa para a autonomia; para a cidadania. Enfim, é necessário um olhar mais acirrado para os detalhes do contexto escolar, que oferecerão sub- sídios para que se identifiquem os interferentes de for- mação das pessoas que agem silenciosamente. Podemos dizer que uma escola de caráter liberal tem atuação mais flexível do que uma escola de caráter mais rígido. No entanto, cada uma com sua proposta, terá interferentes do currículo oculto. Outros exemplos a considerar podem estar vin- culados à questão de gênero, quando uma escola separa meninos de meninas nas aulas de Educação Física, ou diferencia alunos mais capazes dos menos capazes ou 33 oferece currículo técnico para quem precisa de um traba- lho, ou um currículo cientifi cista para quem vai prestar o concurso do vestibular. Entre outros, ela está ensinando e os alunos estão aprendendo. No entanto a diferença se encontra no fato do quê eles estão aprendendo, porque quem ensina tem atitudes impregnadas de histórias de vida e conteúdos ideológicos que ratifi cam posições e são discriminatórias. Ainda que o contexto atual esteja caracteriza- do pelo neoliberalismo, onde quase tudo é declarado, os valores estão mais explícitos e tudo é questionável, pode parecer insignifi cante a preocupação com o que está oculto no currículo escolar, mas muitas “leituras” serão possíveis, à medida que for feito esforço para con- siderarmos essa possibilidade. O intuito é o de viciar o olhar para o aspecto de detectar o que não está visível e permitir uma prática docente mais consciente. À medidaque o currículo oculto for menos efi caz, o trabalho dos professores e demais pessoas que atuam na escola será mais efi ciente, no sentido de formar cidadãos críticos, não alienados e capazes de efetuar uma leitura de mundo realista. 1.4 As teorias pós-críticas As teorias pós-críticas, da mesma forma que as teorias críticas, preocupam-se em identifi car o quê se ensina nas escolas, porém, mais do que isso, querem responder à indagação: Por que se ensinam certos con- 34 teúdos selecionados para o currículo e não outros? Ou seja, há sempre uma seleção que supõe a escolha de um conteúdo em detrimento do outro e é essa opção que as teorias críticas perseguem em seus questionamentos. No entanto, as discussões referentes às teorias críticas têm relação bastante próxima da realidade, pois considera o contexto atual da educação, visto que são permitidos caminhos ambíguos nessa teoria. Na abor- dagem das teorias críticas, à medida que se inseriu um novo olhar para o processo de ensino e aprendizagem, nas teorias pós-críticas o processo é feito considerando as vertentes intercorrentes e o poder do discurso ideoló- gico, intrínseco ao currículo multifacetado. É importante ressaltar que o currículo, na abordagem pós-crítica, con- templa caminhos plurais, onde há estradas que podem se entrecruzar. A partir das teorias pós-críticas, ocorre um avanço com relação à concepção de educação no sen- tido da amplitude da abordagem curricular. Assim, as questões da diferença como: gênero, cultura, raça, etnia, religião, alteridade, subjetividade e sexualidade, entre outros, farão parte das possibilidades curriculares. Em- bora essas abordagens conceituais tenham relação com o currículo, o grande desafio ainda consiste em aproximá- los das discussões curriculares, visto que ocorrem ba- sicamente entre os intelectuais, nas universidades, por exemplo. Há, nas teorias pós-críticas, muitas possibilida- des de estudos acerca dos elementos que, indiretamente, compõem o currículo, mas no Brasil, a tendência dos estudos culturais vem ganhando espaço de significação, pois busca sustentação na cultura e o objetivo maior não é trabalhar com a amplitude do termo, mas identificar 35 nos aspectos particulares, interferentes signifi cativos que farão a diferença na abordagem curricular. Não é mais possível, nesse contexto, aceitar o currículo como veículo de transmissão do conhecimen- to, o currículo é um terreno onde se produzirá cultura, portanto as diferenças culturais não poderão mais ser ignoradas, elas têm interferência forte no currículo e po- dem ser interpretadas. É por isso que, a partir das teorias pós-críticas se insere a possibilidade do olhar diferencia- do sobre a abordagem dos conteúdos curriculares, con- siderando as relações de poder nele existentes e que pri- vilegiariam determinados conhecimentos em detrimento de outros. Assim, as teorias pós-críticas continuam enfa- tizando a observância das relações de poder que envol- vem o currículo, embora, nessa fase, sejam vistas sob a ótica da descentralização, podendo atuar em diferentes lugares e até mudar o seu foco, sem deixar de existir. É possível concluir que as teorias pós-críticas Na tradição crítica, cultura não é vista como conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos de forma não-problemática a uma nova geração, nem ela existe de forma unitária e homogênea. Em vez disso, o currícu- lo e a educação estão profundamente envolvi- dos numa política cultural... a tradição crítica vê o currículo como um terreno de produção e criação simbólica, cultural... O currículo e a educação não atuam, nessa visão, apenas como correias transmissoras de uma cultura produzida num outro local, por outros agen- tes, mas são partes integrantes e ativas de um processo de criação de sentidos, de signifi ca- ções, de sujeitos. (SILVA, 1996, p.88 e 89) 36 resultam de um tempo histórico complexo e multifaceta- do, por isso continuam questionando as relações de po- der, ideologia, saber e identidade, suas inter-relações e significações. Além disso, as questões culturais, na pers- pectiva marxista, passam a interessar mais aos pensado- res do campo educacional, que iniciam suas reflexões e propostas de educação considerando a necessidade de atender à diversidade do corpo discente. No campo da psicologia, ocorre maior sensibilização com relação às questões da identidade, alteridade, diferenças individu- ais do ser humano, aliado à abordagem sociológica que se preocupa com as questões de convivência, interação e cultura. A ênfase que se dá ao currículo nessa teoria encontra-se no conceito do discurso e menos no conceito de ideologia. Considerando que em cada teoria do currículo existem especificidades, o quadro a seguir, sugerido por Silva (2001, p.17), pretende possibilitar a memorização das categorias de cada teoria. Teorias Tradicionais Ensino Aprendizagem Avaliação Teorias Críticas Ideologia Reprodução cultural e social Teorias Pós-críticas Identidade, alterida- de, diferença Subjetividade Metodologia Didática Organização Planejamento Eficiência Objetivos Poder Classe social Capitalismo Relações sociais de produção Conscientização Emancipação e libertação Currículo oculto Resistência Significação e discurso Saber-poder Representação Cultura Gênero, raça, etnia, sexualidade Multiculturalismo 37 Síntese do capítulo Sugestão para complementação de estudos Nessa unidade estudamos as teorias do currí- culo e as especificidades próprias a cada teoria. Nas teo- rias tradicionais constata-se a rigidez que imprime a sua marca ao processo de ensino e aprendizagem, fazia-se necessário nesse período um aluno receptor e um pro- fessor transmissor. Nas teorias críticas começam a surgir os questionamentos acerca do que se faz na escola, é o período em que a rigidez cede espaço à flexibilização. As teorias pós-críticas permitem a subjetivação de tudo o que se faz, assim as críticas ocorrem de forma a buscar a razão originária dos problemas em questão. Além disso, estudamos também que o currículo oculto é um poten- cial educador, porém invisível e não descrito. Artigo: Reflexões sobre o currículo oculto nas séries iniciais. Artigo de Cibelle Maciel. Disponível em: www. duplipensar.net/.../reflexoes-sobre-curriculo-oculto-nas- series-iniciais.html Livro: Documentos de Identidade. SILVA, Tomaz Tadeu e. Belo Horizonte: Au- tentica, 1999. Livro: Currículo: Teoria e História. GOODSON, Ivor F. 4.ed. – Petrópolis: Vozes, 1995. 38 Filme: O Clube do Imperador Baseado no texto The Palace Thief, de Ethan Canin, O Clube do Imperador conta a história de William Hundert (Kevin Kline), um professor apaixonado pelo trabalho que tem sua vida pacata e controlada totalmente mudada quando um novo estudante, Sedgewick Bell (Emile Hirsch), chega à escola. Porém, o que começa como uma terrível guerra de egos acaba se transformando em uma profunda amizade entre professor e aluno, a qual terá reflexos na vida de ambos nos próximos anos. 39 Atividades 1) Considerando o desafio referente às Memórias de uma trajetória curricular escolar (exercício proposto no capítulo 1), identifique as características do currículo descrito com uma das teorias estudadas e justifique a sua resposta. 2) Cite as teorias do currículo e uma característica de cada teoria. 3) Leia atentamente a fábula a seguir, que pretende ser uma metáfora para refletir sobre as teorias do currículo: A Escola dos Bichos Autor desconhecido Certa vez, os animais resolveram preparar seus filhos para enfrentar as dificuldades do mundo e, para isso, organizaram uma escola. Adotaram um currículo prático, que constava de natação, corrida, escalada e voo. Para facilitar o ensino, todos os alunos deveriam cursar todas as matérias e ao mesmo tempo, em regime seriado. O pato, exímio em natação (melhor mesmo que 40 seu professor), conseguiu notas regulares em voo, mas era aluno fracoem corrida e escalada. Para compensar essa fraqueza, ficava retido na escola o dia todo, fazendo exercícios extras. De tanto treinar a corrida, ficou com os pés terrivelmente esfolados e não conseguia mais nadar como antes. Entretanto, como o sistema de promoção era a média aritmética das notas das várias disciplinas, conse- guiu ser um aluno sofrível e ninguém se preocupou com o caso, exceto naturalmente, o pobre pato. O coelho era o melhor aluno do curso de corri- da, mas de tanto tentar a natação, sofreu tremendamente e acabou nervoso. O esquilo escalava qualquer árvore, admiravel- mente, conseguindo belas notas no curso de escalada, mas foi frustrado no de voo, pois o professor o obrigava a voar de baixo para cima e ele insistia em usar os seus métodos,subia na árvore e voava de lá para o chão. Em natação ele teve que se esforçar tanto que acabou por passar com a nota mínima em escalada, saindo-se me- diocremente em corrida. A águia foi uma criança problema, severamente castigada desde o princípio do curso, porque usava mé- todos próprios para atravessar o rio ou subir nas árvores, o que era proibido, pois eles não estavam previstos no programa. No fim do ano, uma enguia anormal, que tinha nadadeiras, consegue a melhor média em todos os cur- sos, foi a oradora da turma. Os ratos e cães de caça não entraram na es- cola, porque a administração recusou-se a incluir duas matérias que eles julgavam importantes: “como escavar 41 tocas” e “como escolher esconderijos”. Acabaram por abrir uma escola particular, junto com as marmotas e, desde o princípio, obtiveram grande sucesso. (disponível em: http;//w.w.w.slideshare.net.profandre/a_escola_dos_ bichos acesso em 17/05/20009) 4) Com base na leitura, responda e explique: que mode- lo de teoria curricular a fábula expressa? Capítulo 3 O Currículo como artefato social 45 3. Sociedade e Currículo Tomando novamente como referência o sentido etimológico da palavra currículo – correr, percorrer, re- ferente a curso ou percurso a ser seguido (GOODSON, 1995, p.31) - é possível considerar que, comumente, adota-se a definição de trajeto a ser percorrido como sen- do único. Nisso está contida a informação de que há um currículo prescrito, que deverá ser seguido e cumprido por um determinado grupo de docentes organizados em salas de aula, sob a designação de séries. Essa concepção de currículo escolar é a mais utilizada e praticada no con- texto da modernidade, porque é aquela que exige menor empenho de quem articula o processo de ensino e apren- dizagem. Aliada a isso, está também a característica pró- pria da modernidade, qual seja, a de que as pessoas mui- to pouco têm refletido sobre a sua prática e sobre o que fazem da sua vida. Cada vez menos há tempo suficiente para realizar tudo o que o cotidiano impõe, o que o traba- lho exige, o que os compromissos pessoais e sociais de- mandam. Essa parece também ser a fórmula do currículo atualmente, ou seja, ele está diretamente relacionado com a velocidade do tempo que se tem para trabalhar com os alunos na escola e com a prescrição que deve estar cum- 46 prida até o final do ano letivo. Essa forma de pensar o currículo, porém, distancia-se de outra ideia, também in- trínseca ao significado etimológico de currículo, qual seja a de um percurso a ser proposto para estudo e análise. É nesse aspecto que a escola poderia estabelecer uma dife- rença positiva no trabalho que efetiva, se pensasse na re- lação de reciprocidade de construção coletiva de saberes a partir do conhecimento prévio dos alunos, localizando- os num contexto histórico, social e familiar. O desejo de que apresente uma abordagem de construção social diluída no contexto curricular, para que seja ardilosamente reforçada no decorrer do tempo, traz intrínseca a intenção de que o currículo pronto e acabado necessita somente aplicabilidade prática. Ou seja, faz-se necessário que o currículo seja apropriado por quem o executa sem que seja necessário reflexão e adequação. Esse é o conceito em que o currículo existe num contexto social e o reporta ao dia-a-dia na intenção de perpetuar a ideia de que o conhecimento é concebido e produzido socialmente. Por outro lado, existe a possibilidade e a neces- sidade do currículo estar traduzindo o conhecimento para uso em ambiente educacional, porém adaptado para am- bas as classes (dominantes e submissas) para depois ser trabalhado em sala de aula. Ainda assim, currículo conti- nua significando relação emergente entre ele mesmo e os padrões de organização e controle social. Além de separar os alunos por classes e séries, nessas práticas de controle social aparece, no decorrer do tempo, a possibilidade de determinar um currículo dife- renciado para alunos que frequentam uma mesma escola. O que vem a ser uma forma a mais de diferenciação e prescrição, porque fica explícito que alunos com posições 47 econômicas diferenciadas, localizados em escolas distin- tas, terão também acesso a um processo diferenciado de ensino. 1.1 Currículo e Invenção Social Segundo GOODSON (1995), a questão da pro- dução de um currículo escolar é resultado das reprodu- ções e invenções sociais, entre outros aspectos. A forma como se estabelece o currículo e os conteúdos é, na prá- tica, a expressão das ideologias que se quer perpetuar na história da educação. A partir da Revolução Francesa, percebe-se que o currículo passou a ter enfoque diferen- ciado, considerando-se classe social, cultura e educação popular. Por muito tempo, os educadores não puderam distinguir o trabalho de educação do trabalho de controle social, negando, dessa forma, a experiência de vida dos educandos. A família, na fase pré-industrial sempre foi par- ticipante do processo educacional e formativo, especial- mente se considerada a família dos artesãos que tinha a responsabilidade de ensinar aos fi lhos as habilidades ocupacionais e emocionais e passou também, a partir da Revolução Industrial, a ter uma função mais restrita ao ambiente do próprio lar. Isso decorreu em função da dis- persão familiar, consequência das modifi cações sociais, da industrialização, onde os pais (artesãos em maioria) deixaram de exercer o papel de ensinar à sua prole, o ofício, porque ingressaram no mercado de trabalho ofe- 48 recido pelas macroestruturas. Com o surgimento das instituições educacionais mais técnicas e diretivas, a escola passa a assumir a ta- refa educativa anteriormente exercida pela família. Essa transição oferecerá oportunidade, de forma mais ampla e objetiva, à intervenção do Estado nas Instituições de ensino, introduzindo o sistema de salas de aula, onde um maior número de alunos passaria a ser controlado e supervisionado, ao mesmo tempo, enquanto aprendem. “... a mudança de classe para sala de aula representava uma transformação mais generalizada em escolarização – a vitória suprema das pedagogias baseadas em grupo sobre as formas mais individualizadas de ensino e apren- dizagem”. (Ibid.1995, p.34) Um fator de diferenciação claro e significativo, já estabelecido em 1868, se dá quando aparece a preocu- pação com o tempo em que o aluno permanece na escola. Tauton (apud GOODSON, 1995, p.34) referia-se ao fato de que o tempo que se destina à educação das crianças é o tempo que diferenciará a natureza da própria educação. O autor defendia que, se já era sabido que um aluno per- maneceria na escola somente até os quatorze anos, não seria importante que se iniciassem com ele estudos que não teria condições de aprofundar, ao contrário dos que ...Com o triunfo do sistema industrial, a concomitante dispersão da família fez que esta cedesse os seus papéis à penetração sub- sequente da escolarização estatal, deixando que fossem atribuídos pelo sistema de salas de aula, onde grupos maiores de crianças e adolescentes poderiam ser adequadamente supervisionados e controlados... (HAMILTON apud GOODSON, 1995, p. 33 e 34) 49 permaneceriamna escola até os dezoito, dezenove anos. Ainda naquela época (1868), a escolarização destinava-se aos fi lhos das famílias de boa renda, que se- guiriam o currículo clássico. Os fi lhos da classe mercan- til estudariam até dezesseis anos de idade e, para esses, o currículo já se apresentava de forma menos clássica, inserindo uma parcela de prática no currículo propos- to. Para os alunos que estudariam até os quatorze anos, fi lhos dos pequenos proprietários agrícolas, pequenos comerciantes e artesãos superiores, o currículo baseava- se nos seguintes elementos: ler, escrever e contar com nível bastante elevado. Esses três níveis abrangeriam a escolarização secundária completa, porém a maior parte da população operária, que era a de menor poder econô- mico, permaneceria na escola elementar, onde os alunos aprenderiam o equivalente ao saber ler, escrever e contar. Nesse período, o currículo funcionou, igualmente, como mecanismo que identifi cava e diferenciava socialmente os sujeitos. Considerado o tempo de perpetuação do currí- culo escolar, sob o enfoque da identifi cação e diferencia- ção, é possível perceber que os avanços ocorridos foram mínimos e que os mecanismos diferenciadores continu- aram presentes nas propostas que se anunciavam inova- doras e reformuladas. No século XX, efetiva-se o currículo com enfo- que na trilogia: Pedagogia, Currículo e Avaliação, citada por GOODSON (1995) como aquela que caracterizou a epistemologia dominante da escolarização do Estado na época. O intuito era caracterizar a avaliação como acrés- cimo relevante à prescrição curricular, visto que implan- taria o aspecto do controle. Na perspectiva da trilogia, apareceram também os efeitos colaterais do currículo, 50 que passaram a ter a característica da generalização e da durabilidade. As atividades de sala de aula passaram a ter a característica de horas/aula compartimentalizadas, especialmente num momento em que o estado iniciou seu processo de intervenções financeiras. É importante dizer que várias foram as opor- tunidades de inovação curricular. Segundo GOODSON (1995, p.35), a regularidade e sistematização do currícu- lo em matérias de ensino foram introduzidas na década de 1850 e chegou à situação atual em 1904, definidas como Regulamentos Secundários e, em 1917, surgiram as matérias básicas que foram aceitas para o Certificado escolar. Desde então, o conflito curricular já se caracteri- zava como o atual, privilegiando a avaliação do conheci- mento examinável e a matéria escolar dividida em horas/ aula. Segundo Goodson (1995, p.33): O currículo reduzido à matéria escolar passou a existir a partir de 1904 e, a partir dessa data, o conflito curricular esteve localizado na avaliação do examinável. A caracterização das matérias acadêmicas ganhou força nos Certificados Escolares e passou a dominar os currí- culos das escolas secundárias, instalando uma competi- ção pelo tempo para ensinar. Isto é, considerando que todas as matérias deveriam ser ensinadas de modo a produzir bons resultados, competia-se pela maior carga horária da matriz curricular. Desta forma o currículo es- tabelece estreita relação com as matérias necessárias ao “O elo comum entre as pedagogias ‘de classe’ e as pedagogias baseadas na se- quenciação é nítido, porém a passagem para a dualidade “moderna” – pedagogia e currí- culo – envolve a transição do sistema educa- cional ‘de classe’ para o de sala de aula.” 51 Ensino Acadêmico, supondo também a atuação de do- centes especialistas, capazes de articular a quantidade e a qualidade dos conteúdos. Ao estabelecer essa diferença, surgiu a neces- sidade de alocação de recursos. A relação das matérias acadêmicas com as disciplinas universitárias mantinha- se também na proporção de alunos aptos, supondo que necessitariam de um corpo docente mais numeroso, mais qualifi cado e melhor remunerado. Continuou, dessa forma, a distinção do currícu- lo proposto para grupos distintos de alunos. O critério de distinção utilizado estava baseado no status e na classe, e não mais no tempo que o aluno permanecia na escola. Os grupos estruturados mantinham uma escala que contem- plava três possibilidades. No primeiro estariam lotados de alunos formados em escolas secundárias, interessados em aprender um argumento e acompanhar um raciocínio e que assumiriam profi ssões liberais, cargos de direção ou altos negócios. No segundo grupo estariam os alunos que mantinham seu interesse no campo das artes ou das ciências aplicadas, por isso deveriam cursar as escolas técnicas. No terceiro grupo encontram-se os alunos que tinham maior habilidade concreta do que intelectual e que seguiriam um currículo prático, com vistas a uma futura ocupação manual ou prática, seriam alunos que frequentariam a escola secundária moderna. Essa distinção de currículos a grupos diferen- ciados, nada mais é do que um mecanismo de ratifi cação das estruturas sociais. Nesse sentido, ainda é relevante compreender que a evolução de cada matéria refl etia o processo de lutas pelo reconhecimento da mesma, es- pecialmente porque se esperava que o aluno se sentisse atraído por aquilo que a matéria propunha. Professores, 52 com “entusiasmo missionário”, procuravam imprimir novos estilos à forma de ensinar, embora nem sempre estivessem preparados para exercer a tarefa. Além dis- so, a competitividade entre as instituições era reflexo do quadro anteriormente descrito. Todos, com sutileza, pro- curavam ser o melhor e oferecer o melhor, arrebanhar o maior número de alunos para sua instituição. Considerando-se que o aluno teria nas mãos a decisão sobre o currículo que escolheria, a competi- tividade foi ganhando mais força e significado, expan- dindo-se inclusive para a formação de grupos dentro das universidades, que empregavam esforços para que a disciplina que lecionavam fosse considerada “discipli- na acadêmica” e com isso receber recursos financeiros e oportunidades de carreira diferenciados. 1.2 Educação, poder e articulação No universo da educação, é necessário pensar nas relações de poder e de articulação social que inter- ferem na operacionalização do currículo. Nesse sentido, refletir sobre a história do currículo e o contexto escolar no século XXI sugere um olhar sobre três elementos bá- sicos de análise: corpo docente, contexto social e sistema de ensino. Não raras vezes é possível constatar que, para qualquer crise que surja, delega-se à escola a responsa- bilidade pelo ocorrido, acusando-a de usar estratégias ultrapassadas sugerindo que ela procure estar atualizada, renovada, modificada. 53 Segundo Teixeira (1978), costuma-se investir contra a escola em situações de crise. Ela sempre é a pri- meira responsável pelas crises, sejam de valores, de po- der, de cultura, ou de aprendizagem. Quando o homem (os professores, o corpo administrativo e demais órgãos da escola) se reorganiza para atender às necessidades do contexto social vivenciado, é fadado a novas críticas, no caso de identidade e autoridade. O poder delegado à escola percorre caminhos obtusos de articulações, mesclando sentimentos de culpa e de prazer que, embora bastante discutíveis, representa- ram grandes alterações no desenrolar da história da edu- cação. Nesse sentido, é possível tomar como exemplo a questão concernente aos costumes, aos valores, ao caráter. Considerando as transformações ocorridas no campo familiar e social, existe hoje uma nova geração que se apresenta com novos valores, novas posturas, no- vas aspirações; o que num passado bem próximo seria caracterizado como falta de segurança, de solidez, de aspiração e projetos de vida, hoje é fato corriqueiro nas organizações familiares, nas aspirações dos adolescentes, que, diga-se de passagem, são também o refl exo de um contexto social bastante amplo, interferente e modifi cado. Surgem diferentes estruturas de famílias, dis- tintas fi losofi as de vida, diversas posturas com relaçãoa fatos vivenciados, e, principalmente, constata-se que atualmente não se encontra mais a marca registrada das gerações em que a disciplina era determinante nas rela- ções interpessoais. É possível dizer que, atualmente, as manifestações de ordem coletiva e também individual são muito mais públicas e declaradas, especialmente se com- paradas àquela disciplina de outrora, velada e castrada. 54 Ao longo desse processo, a autoridade dos pro- fessores também se transformou. Vive-se num contexto, onde as certezas dão lugar à relatividade e à subjetivi- dade, à contestação e ao questionamento. Essa geração que se apresenta renovada em suas aspirações e desejos, procura por uma nova escola, pressupõe uma nova edu- cação escolarizada, requer um currículo reformulado. A liberdade e a expressão própria dos indivíduos, sejam crianças ou jovens, procuram seu espaço na escola. É necessário discernir até que ponto a escola mudou em função dessas características ou até que pon- to também abriga professores cúmplices dessas crises. A escola, para atender a essa nova demanda, precisa refletir com profundidade sobre as questões concernentes à ro- tina escolar e à infra-estrutura que dispõe, diferenciando o que tem (alunos/professores/profissionais administrati- vos e pedagógicos...), o que deseja (ideal) e o que poderá fazer (real). Ainda segundo Teixeira (1978, p.20), “as es- colas não são responsáveis pelas transformações do es- pírito da sociedade, no entanto refletem o que vai pela sociedade”. Os princípios norteadores do movimento da Escola Nova foram uma tentativa de reorganização e re- orientação da escola, deixando claro que a autoeducação nada mais é do que a necessidade de cada um assumir direta e integralmente seus próprios atos, acreditando que, havendo um meio normal e favorável, o homem se desenvolverá em harmonia. A Escola Progressista ao substituir a Escola Nova, afirma que: (...) “o professor deverá propor um plano educacional, visando oportunizar atividades que tenham continuida- 55 de, a partir das experiências da sociedade/da humanida- de, com a responsabilidade de educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; prepa- rar para um futuro desconhecido em vez de transmitir um passado fi xo e claro; ensinar a viver com mais inteli- gência, com mais tolerância (...) em vez de simplesmente ensinar dois ou três instrumentos de cultura e alguns manuaizinhos escolares”. (TEIXEIRA, 1978, p.41) A partir do desenvolvimento científi co e tec- nológico, as características da sociedade foram sendo alteradas, as descobertas científi cas e tecnológicas fo- ram invadindo a coletividade e a privacidade das pes- soas, exigindo mudanças e adaptações de forma brusca e urgente, fazendo surgir novos paradigmas culturais e educacionais. Se, por um lado, surgiram oportunidades inúmeras de conforto e modernização através dos avan- ços científi cos e tecnológicos, por outro lado, ocorreram também mudanças na mentalidade dos indivíduos, oca- sionando fortes abalos na ordem social e moral. Muda- ram-se os hábitos, os costumes, os interesses, as famí- lias, as comunidades. Considerando que a escola deve dar ao aluno, além de um universo singular de informações, o embasa- mento teórico/prático para que possa ser um crítico inte- ligente, faz-se necessário também o exercício exaustivo da cidadania e da democracia. Nesse sentido, os aspec- tos histórico/culturais dos educandos passam a ser pré- requisitos, pois de acordo com eles, teremos maior ou menor abrangência educativa. Não há dúvida que deveríamos oferecer aos alunos aquilo que há de melhor e mais verdadeiro no universo em que estamos inseridos. Para tanto, é neces- 56 sário observar de onde vem o conhecimento e, a partir dessa informação, escrever o currículo escolar. Há que se aceitar que essa análise não tem sido a prática dos setores responsáveis. O conhecimento sugerido pelos currículos escolares prescreve a distinção de valores, de gênero, de classes, impondo, mesmo que disfarçadamente, a educa- ção para a submissão de alguns e para a emancipação e poderio de outros. “A educação constituiria um dos prin- cipais dispositivos através do qual a classe dominante transmitiria suas ideias sobre o mundo social existente. Essas ideias seriam diferencialmente transmitidas, na es- cola, às crianças das diferentes classes.” (ALTHUSSER apud SILVA 1996, p.84) O currículo pensado para as escolas apresenta, portanto, o poder social como fator determinante na pro- dução e distribuição do conhecimento, na escolha dos conteúdos, metodologias e estratégias, o que torna ques- tionáveis nossas ideias e convicções sobre o que sejam as áreas centrais do conhecimento e as habilidades bási- cas para aprendizagem. A escola, porém, terá sempre na figura do professor a possibilidade concreta de articular conteúdos, ideias, objetivos e acontecimentos numa tro- ca constante do aprender e ensinar a partir de referen- ciais estruturados em conhecimentos, experiências e até em prescrições norteadoras. Síntese do capítulo Nessa unidade você se confrontou com a ideia de currículo vinculada a uma invenção social, o que quer dizer que ele existe não só em função do que a escola pensa e faz, mas também em função de como as relações 57 Sugestão para complementação de estudos sociais são determinantes para a definição do currículo. Assim, o currículo pode ensinar para a submissão, para a alienação e para a diferenciação de alguns poucos sobre uma minoria. Por traz desse modelo de currículo estão imbricados conceitos ideológicos que pretendem ser perpetuados pelo poder que é instituído a poucos. Para- fraseando Teixeira (1978), podemos dizer que a escola reflete o que vai pela sociedade. Livro: Currículo, conhecimento e suas representações PEDRA. José Alberto. 5.ed.Campinas: Papirus, 1997. Filme: A Vila O filme se passa na zona rural da Pensilvânia em 1987, e conta a história de um pequeno vilarejo de Covington, com a pequena população de 60 pessoas, ro- deada por uma floresta onde se acredita haver critaturas míticas habitando o lugar. A história ainda conta o ro- mance de Kitty, a filha do líder do vilarejo e de Lucius, um jovem rapaz. Os dirigentes da cidade possuem uma política de restrição bem forte: todos são proibidos de adentrar à floresta, ou seja, todos os habitantes da vila viveram toda a sua existência isolados do restante do mundo, já que ninguém do exterior pode entrar lá também. Há um mon- te de postos de vigia, que servem tanto para afugentar as criaturas como para se certificarem de que ninguém tente fugir da vila. Entretanto, o vilarejo começa a ser ameaçado 58 quando Lucius Posters começa a questionar sobre o con- finamento completo das pessoas de lá. 59 Atividades 1) Por que a definição de currículo como percurso único a ser seguido é a mais efetivada no sistema de ensino? 2) Um currículo escolar é resultado das reproduções e invenções sociais porque expressa as ideologias que se querem perpetuar na história da educação. Com base nessa afirmação, é possível dizer que o currículo escolar tem uma estreita relação com as invenções sociais ou com a autonomia conteudista da escola? 3) Os efeitos colaterais de generalização e durabi- lidade do currículo surgem em função da trilogia: _______________, _______________ e ____________. 4) Comente, na perspectiva da educação, poder e arti- culação, a frase “As escolas não são responsáveis pelas transformações do espírito da sociedade, no entanto refle- tem o que vai pela sociedade”. (TEIXEIRA 1978, p.20) 5) Valendo-se da fábula A escola dos bichos, como se articula a ideia de currículo? Capítulo 4 Currículo, Cultura, Poder e Prática Educacional 63 A influência das teorias críticas na prática educacional Na década de sessenta, as experiências esco- lares sofreram transformações, em função da tendência tecnicista que procurou reavivar a importância dos ob- jetivoseducacionais na concepção comportamentalista. As teorias curriculares tradicionais sofreram análises, críticas e mudanças e acabaram se transformando nas teorias críticas do currículo. As teorias tradicionais tinham como referência desejável o status quo e apresentavam a elaboração e a organização do currículo como característica principal. Para essas teorias interessava a tecnicidade do como fa- zer o currículo. As teorias tradicionais eram sempre vis- tas como teorias de ajuste e aceitação, ao passo que, nas teorias críticas, o foco principal de análise era a compre- ensão do que o currículo faz, qual a sua aplicabilidade imediata, apresentando, assim, caráter de questionamen- to constante. No contexto das teorias críticas, os aspectos re- ferentes à ideologia têm valor singular, Althusser (apud SILVA 1999, p.31) afirma que: “a escola constitui-se num aparelho ideológico central porque atinge toda a 64 população por um período prolongado de tempo”. Isso se faz, de forma concreta, através das matérias escola- res que possibilitam a inserção de crenças e desejabili- dade de estruturas sociais, nas disciplinas humanistas e, de forma menos direta, nas disciplinas exatas que são objetivas e menos reflexivas. Essencialmente, “a esco- la contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, via matérias escolares, as crenças que nos fazem ver os arranjos sociais existentes como bons e de- sejáveis” (Ibid., p. 31 e 32). Além disso, considerando as teorias críticas, a própria escola também atuaria de forma discriminatória, educando as classes dominadas para a dominação e as classes dominantes para a autonomia e para o comando. Ainda segundo Althusser, a escola atua como reproduto- ra da sociedade capitalista quando se vale das matérias escolares para ratificar as diferenças sociais. A força do currículo está nas matérias escolares, no enfoque que lhe são dadas, pois é pelo currículo que se concretiza a pos- sibilidade de perpetuar a sociedade capitalista econômi- ca e ideologicamente. O eixo da crítica marxista que se faz à educação e à escola está em identificar qual a relação entre esta e a economia, a educação e a produção, uma vez que econo- mia e produção são os responsáveis pela dinâmica social. O ensaio de Althusser responde essas questões quando defende que a escola se configura como um grande e po- tente aparelho ideológico do estado, atuando diretamente sobre os alunos através das disciplinas escolares. Em contrapartida, o conceito de correspondên- cia, expresso por Bowles e Gintis (apud Silva 1999, p. 32), é utilizado com o objetivo de estabelecer a conexão entre escola e produção, enfatizando as abordagens da 65 aprendizagem através da vivência e do desenvolvimento nas relações sociais da escola em busca de uma quali- fi cação adequada para um bom trabalhador capitalista. Signifi ca entender que o mercado de trabalho exige de- terminados comportamentos de subordinação e que a escola coopera com esse processo à medida que o currí- culo escolar, desarticulado da ideia do conteúdo, funcio- na como refl exo dessa situação. Tal concepção contrasta com a de Althusser, quando apontava os conteúdos como principais responsáveis pela transmissão e reprodução da ideologia (capitalista). No entanto, a contribuição tanto de Althusser (apud Silva, 1999) quanto de Bowles e Gintis (apud Silva, 1999),ocorre no sentido de apontar que a escola sempre é apontada como espaço potencial para a reprodução de uma ideologia que favorece uma expectativa social. A aprendizagem, vista enquanto vivência das relações sociais da escola, sugere que o aluno das classes subordinadas deverá aprender como o trabalhador capi- talista deve se qualifi car para o trabalho, ou seja, deverá preparar-se para obedecer ordens, ser assíduo, pontual, passível de confi ança. Porém, saber comandar, liderar e ser autônomo, caso conquiste uma posição mais elevada na escala ocupacional. Nesse caso, a escola reforçará es- sas atitudes nos alunos, de forma que as percebam como necessárias para as vivências, através do seu funciona- mento. A escola novamente educará os subordinados para a submissão e os alunos de escalões superiores para a autonomia e o exercício do comando. Em ambos os ca- sos, porém, especialmente no primeiro, tomará cuidado para fazê-lo com sutileza. Assim, se estabelece a correspondência entre as relações sociais da escola e as relações sociais do local 66 de trabalho, permitindo a reprodução das relações so- ciais de produção da sociedade capitalista. Desse modo a escola é, ao mesmo tempo, reflexo e componente do contexto social vivenciado, porque, ao preparar os alu- nos para atuarem nesse contexto, estará reforçando jus- tamente o controle social e capital vigente. 1.2 Cultura e Capital Cultural Silva (1999, p. 33), ao considerar a análise so- ciológica de Bourdieu e Passeron, ratifica que o enfoque central do currículo está no conceito de produção, atrela- do ao funcionamento econômico e cultural em que a es- cola e a cultura agem, via metáforas econômicas. Assim, a cultura funciona como economia e, através da cultura predominante, a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida. Nessa perspectiva, a cultura funciona como ca- pital cultural, isto é, a cultura existe como valor social para a população e propicia vantagens materiais e sim- bólicas. É, exatamente, a cultura das classes dominan- tes refletida em seus hábitos, costumes, valores, ações e comportamentos. À medida que a cultura tem valor social, ou seja, a pessoa que a tem sente-se beneficiada de alguma forma, ou então, à medida que a cultura trans- mite a sensação de que vale alguma coisa, transforma-a em capital cultural. Além desse enfoque, pode também manifestar-se como capital cultural institucionalizado, representando a conquista de títulos e certificados, como 67 capital objetivado, considerando-se as obras de arte, li- terárias, etc., e como capital introjetado, incorporado e internalizado às estruturas sociais e culturais. Nesse contexto, a escola tem, no entendimento de Bourdieu e Passeron (apud Silva, 1999, p. 35), inter- ferência direta sobre a formação da sociedade, porque acaba adotando o caráter de exclusão, agindo de forma a impor a cultura dominante sem que se perceba que isso está ocorrendo. Para tanto, defi ne a cultura dominante como cultura e a cultura dos demais como qualquer coi- sa. A imposição e, por outro lado, a ocultação da imposi- ção, permite que a defi nição da cultura dominante como cultura apareça como a única existente. A exclusão se concretiza quando a escola adota o currículo que atende às necessidades da classe dominante, criando como ca- pital cultural reconhecido o padrão dos alunos de classe dominante e ocasionando nos alunos das classes subal- ternas a certeza da desvalorização do seu capital cultural, reduzindo-o quase à nulidade. Nessa perspectiva, as crianças e jovens da clas- se dominante são bem sucedidas na escola e têm garanti- do acesso a grupos superiores em educação; enquanto as crianças e jovens da classe dominada fi cam designadas a aceitar o fracasso que as faz desistir no decurso do ca- minho. As crianças e jovens da classe dominante veem seu capital cultural sendo valorizado e fortalecido, já as crianças e jovens veem a sua cultura nativa desvaloriza- da e seu capital cultural reduzido a nada. É desta forma, que as classes sociais se mantém como estão, reprodu- zindo o poder e a valorização da cultura da classe domi- nante sobre a dominada. É assim que se completa o ciclo da reprodução cultural. Ainda segundo a análise dos sociólogos ante- 68 riormente citados, especialmente nas análises de Bour- dieu, é possível vislumbrar uma tentativa de reverter essa situação de dominação da cultura dominante no currículo escolar, quando propõem a pedagogia racio- nal como uma alternativa para aproximar os alunos das classes sociais opostas. Nessa pedagogia, os alunosdas classes subalternas teriam na escola a oportunidade de experimentar aquilo que as crianças e jovens das classes privilegiadas desfrutam no dia-a-dia. Essa discussão é feita de forma incisiva nas teorias críticas que avançam os anos 80, porém as teo- rizações mais recentes sobre o currículo concluem que a situação de manutenção e reprodução da cultura domi- nante sobre a dominada ainda se mantém. 2. Identidade do Currículo Brasileiro O currículo escolar brasileiro, especialmente nos anos vinte e trinta, caracterizou-se pela transferên- cia de ideias americanas, bem como pela combinação de ideias tecnicistas e progressistas. O campo do currícu- 69 lo apresentava uma miscelânea de teorias, ideias e ten- dências que interagiram com o núcleo epistemológico brasileiro e, embora progressista, mantinha as tradições curriculares do país. As reformas de ensino ocorridas no Brasil sur- giram como uma possibilidade de melhorar a qualidade do ensino e do profissional docente, buscando sempre considerar o educando como ser que merece ter suas in- dividualidades respeitadas, apesar da dualidade técnica e progressiva. Não só nessa época, mas a partir do momen- to em que os pensadores da Escola Nova, em repúdio aos métodos tradicionais de ensino e aprendizagem, propuseram uma reestruturação curricular sugerindo orientações básicas de programas e métodos de ensino, a intenção passa pelo viés da modernização e inovação, adequando o discurso escolar às necessidades vitais e vi- venciais dos indivíduos. Acompanhando a evolução dos estudos dos pro- gramas de currículos brasileiros, percebe-se, em todas as tendências, o propósito de inovar, crescer e melhorar a educação, abandonando a visão tradicional e lançando mão de investigações e pesquisas no campo educacio- nal, psicológico e social numa perspectiva humanista e contextualizada de ensino, ainda que transpareça sempre a incerteza de que, de fato, a proposta sugerida esteja adequada à realidade e às necessidades dos alunos. Indagações constantes têm relação com o fato de que o Brasil, ao longo da história da educação, tem se respaldado em propostas importadas de países hege- mônicos, que deixam transparecer a interferência direta e sólida das teorias americanas que querem, conscien- temente, aumentar a dependência cultural brasileira, 70 através das atividades fundamentais do ser humano (tra- balho, linguagem e poder) e dos diferentes meios de aprendizagem. Desde quando o Brasil efetivou seu primeiro empréstimo com o Banco Mundial, houve grande empe- nho para mudar a ênfase da educação no Brasil, visando não mais reeducar a pobreza somente, mas formar capi- tal humano adequado às novas tendências do padrão de acumulação. Compreende-se assim, que o homem é fator direto para o crescimento industrial intensivo e a educa- ção foi considerada, a partir da ótica do capital humano, fonte direta para o crescimento industrial intensivo. Na década de setenta, houve investimento direcionado para a educação no Brasil. Com o uso de fi nanciamento externo, enfatizou-se o Ensino Profi ssio- nalizante, especifi camente no Ensino Médio, o que signi- fi cou mão-de-obra qualifi cada para os setores específi cos da indústria e da agricultura. Além disso, houve grande ênfase nos cursos de Ensino Superior, mais precisamente na área de Engenharia Industrial e Agronomia. Igualmente na década de 70, houve dedicação maior para as Secretarias de Educação do Norte e Nor- deste, nesse caso, os projetos educacionais foram menos custosos e implantou-se o projeto Minerva e Mobral para erradicar o analfabetismo. Na década de oitenta, intensifi caram-se os in- vestimentos na área social, especialmente para os setores mais pobres com objetivo de aliviar tensões decorrentes do projeto global de desenvolvimento, o nível primário priorizou a preparação da mulher para a aceitação de po- líticas de planejamento familiar e controle de natalidade. Todos os projetos encaminhados foram morosos no pe- ríodo entre a intenção e efetiva assinatura dos mesmos, 71 uma vez que o Banco Mundial sempre foi muito exigen- te no sentido de ter certeza dos retornos imediatos. Apesar das reminiscências, com o surgimento das escolas progressistas transformadoras alterou-se o conceito educacional e sugeriu-se uma reformulação no modo da estrutura e do funcionamento curricular. Fazia- se necessária uma escola que preparasse o indivíduo para o incerto e o encorajasse a indagar, investigar e agir autonomamente. Nesse sentido, as reformas de ensino ocorridas entre as décadas de vinte e trinta, buscaram reordenar o processo pelo qual se constrói o conheci- mento, abandonando o currículo organizado por áreas de ensino e indicando novas formas de aprendizagem a partir das preocupações e das vivências dos educandos. 2.1 Década de 90: Os Parâmetros Curriculares Nacionais Considerando a década de 90 e a educação básica brasileira, as reflexões e interferências éticas, políticas e de poder ocorrem no currículo a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Discutir, re- fletir, falar ou escrever sobre o currículo escolar remete sempre à possibilidade (institucional ou não) de pensar a educação na condição de reinventar possibilidades práti- cas e teóricas. Remete também ao questionamento da va- lidade ou não do planejamento didático, da necessidade de conhecimentos novos, atualizados e de interação ao meio, e da servidão do currículo, isto é, porque ele existe 72 da forma como se encontra, a quem serve e a quem inte- ressa que seja assim. A defi nição e a prescrição de parâmetros na- cionais de abordagem curricular, na forma de prescrição de conteúdos, quer ser uma possibilidade de regulação dos sistemas de ensino, mas, ao mesmo tempo, pode ser um caminho de acomodação e quebra de qualidade educacional, porque permitirá o comodismo àquele que deveria ser o desencadeador do processo de construção e reconstrução de conhecimentos – o professor. Ainda assim, defi nir currículo continua sendo uma questão subjetiva, porque trará implícita a visão de mundo, a história de vida, e as experiências de quem o conceitua. Em se tratando do país, signifi ca observar as políticas públicas da educação. Em se tratando das Insti- tuições de Ensino, signifi ca referendar as prescrições do Projeto Político Pedagógico das Instituições e suas man- tenedoras diretas (públicas ou privadas). Em se tratando dos professores, particularmente, a relação se estabelece com a razão desencadeadora da busca profi ssional, alia- da às convicções de ética, fi losofi a e pedagogia. Em se tratando dos alunos, o currículo tem relação com o de- sejo de aprender, temperado diariamente pelo desafi o à descoberta através da motivação, além das necessidades de formação profi ssional e pessoal. No entanto, indepen- dente das instâncias (nacionais, estaduais, municipais ou locais, do público ou do privado) o currículo implicará sempre o envolvimento direto do seu articulador, o pro- fessor. Acreditar que a educação se faz no contato constante e intenso com os objetos de pesquisa, signifi ca distanciar-se de métodos tradicionais e conservadores, onde se formatava uma ideia de educação e currículo 73 em que o professor era transmissor e o aluno o recep- tor, eximindo ambos de reflexões e invenções acerca do trabalho escolar diário. Significa possibilitar ao aluno o contato direto com diferentes meios de aquisição de informações e conhecimento, interagir com ele no pro- cesso de construção de um currículo que vislumbre a construção de conhecimentos do grupo, com validade individual e coletiva. Quando essa forma de pensar o currículo se fi- zer presente nas escolas, segundo Doll Jr.(1997), haverá uma mudança nas relações entre professores e alunos, não existirá mais tão enfaticamente a concepção de pro- fessor instruído que informa os alunos não instruídos, ou seja, supera-se a visão de professor transmissor e aluno receptor.E o currículo “não será mais visto como uma ‘pista de corridas’ determinada, a priori, e sim como uma passagem de transformação pessoal” (p. 20). Síntese do capítulo Nessa unidade estudamos que a escola é um aparelho ideológico, porque atua com os seres humanos por um prolongado período das suas vidas. Nessa função de aparelho ideológico, a escola repassa, via matérias curriculares, o conteúdo que socialmente convém e que está focado na produção. As teorias críticas, nesse sen- tido, querem ser propulsoras dos questionamentos que levarão os sujeitos a refletirem sobre o que aprendem na escola e o sistema a refletir sobre o que propõe que seja ensinado. Os movimentos da Escola Nova e, mais tarde, da prescrição de Parâmetros Curriculares Nacionais vêm ser uma tentativa de unificar e dar identidade ao currícu- 74 lo das escolas brasileiras. Sugestão para complementação de estudos Revista Educação & Sociedade (www.scielo.br) A revista aprofunda temas contemporâneos da educação, na sua relação com a sociedade, bem como a difusão dos conhecimentos resultantes de pesquisas que vêm sendo produzidas no campo educacional, no Brasil e no exterior. É planejada anualmente, de forma atenta, com um número especial-temático, dois dossiês e um número plural. Desse modo, “Educação & Sociedade” pretende cumprir seu papel na constituição e fortaleci- mento do campo do conhecimento da educação. CEDES (www.cedes.unicamp.br) O “Centro de Estudos Educação e Sociedade” surgiu em março de 1979, em Campinas (SP), como re- sultado da atuação de alguns educadores preocupados com a reflexão e a ação ligadas às relações da educa- ção com a sociedade. A partir de sua criação, o CEDES passou a editar a “Revista Educação & Sociedade” e, atualmente, edita também os Cadernos CEDES. A ideia primeira de criação do Centro, assim como o primeiro número da Revista, surgiram durante o I Seminário de Educação Brasileira, realizado em 1978, na Unicamp. A partir do II Seminário de Educação Brasileira, o Ce- des passou a organizar, conjuntamente com a ANPED e ANDE, as Conferências Brasileiras de Educação (CBEs). Além desses eventos, o Centro participou de inúmeros movimentos sociais de reorganização do sis- tema educacional, congressos, encontros, seminários, 75 assim como esteve presente no Fórum Nacional de Edu- cação, na Constituinte e do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Artigo: Os Parâmetros Curriculares Nacionais para O Ensino Médio e a submissão ao mundo produtivo: o caso do conceito de contextualização Artigo de Alice Casimiro Lopes. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101733020 02008000019&script=sci_arttext Livro: O currículo como artefato Social e Cultural, in: Identidades culturais: As transformações na polí- tica da pedagogia e na pedagogia da política Silva, Tomaz Tadeu. Petrópolis: Vozes, 1996. Filme: Com Mérito Monty é um estudante de Harvardm, prestes a se formar. Quando seu computador quebra, ele fica ape- nas com uma cópia impressa de seu trabalho de gradua- ção e corre pra tirar uma cópia, mas tropeça e o calhama- ço cai no porão de um prédio. Ali se abriga o mendigo Simon, que pega o trabalho e chantageia Monty: para cada página do trabalho, ele quer um dia de casa e co- mida. E assim, Monty e seus companheiros de república são forçados a conviver com Simon, um relacionamento que, aos poucos, se transforma em amizade. O mendigo está doente, teme morrer logo e começa a rever os erros de sua vida. E pode não ser culto, mas é capaz de ensi- nar algumas coisas sobre a vida para esses estudantes de Harvard. 76 Atividades 1) Por que a escola é um importante aparelho ideoló- gico? 2) Como a cultura funciona como capital cultural? 3) Qual a característica do modelo curricular brasileiro nos anos 20 e 30? 4) Quais foram as contribuições das Reformas de Ensi- no ocorridas no Brasil? 5) Apesar da prescrição do currículo, pode-se dizer que a subjetividade lhe será uma característica permanente. Por quê? Capítulo 5 O professor como articulador do currículo 81 Caro(a) Aluno(a) Seja bem-vindo (a)! Nesta aula refletiremos sobre a responsabilida- de do professor na qualidade de profissional responsável pela articulação dos saberes escolares, as implicações de poder e cultura contidos nesse processo, inclusive a interferência dos livros-textos na ação docente e na per- petuação da cultura. A partir da figura do professor, re- fletiremos sobre suas ações e implicações no currículo e na formação dos alunos. Sente-se desafiado (a)? Vamos lá! Vale a pena refletir o currículo sob esta ótica. Objetivos Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de: • Reconhecer a relevância do professor, à medi- da que está em suas mãos efetivar o currículo; • Relacionar cultura e poder às ações escolares e docentes; • Valorizar a postura reflexiva da ação docente; • Identificar os livros-textos como prescrição de modelos que perpetuam a cultura e fomentam a alienação. 82 Conteúdos Nesta unidade você é convidado a refletir sobre os seguintes assuntos: • O professor como articulador do currículo es- colar, na dimensão da responsabilidade e do poder da seleção do mesmo; • A relação existente entre, professor, identida- de, profissionalismo e formação cidadã; • A atuação reflexiva do professor; • A importância dos livros-textos na formação da identidade dos sujeitos, bem como no processo de alienação e perpetuação da cultura dominante. 83 1. Professor e efetivação curricular As questões do currículo escolar até aqui dis- cutidas remetem à necessidade de aproximá-las àquele que efetiva, no dia-a-dia, os propósitos do mesmo. Na perspectiva de responsabilizar o professor pela articula- ção do currículo, faz-se também necessária a discussão acerca da credibilidade da sua imagem, bem como dos critérios utilizados para a seleção dos conteúdos. Conforme refletimos na unidade anterior, a no- ção de currículo implica a ideia de caminho a ser per- corrido e indica unidade de estudos a ser seguido, assim o currículo implica uma seleção de conteúdos. Selecio- nar é escolher, exercer a influência, portanto o poder de construção do currículo a ser definido conforme as dife- rentes realidades, está nas mãos de quem pensa, esboça e articula o currículo de fato. O currículo é, antes de tudo, uma prática e um instrumento de exercício de poder, por isso cabe reco- nhecer os personagens que o exercem. A compreensão hierárquica de poder leva a conceber que o saber emana da estrutura do próprio poder. O currículo escolar de- correria, então, da definição realizada pela equipe pe- dagógica e pela direção. Aos poucos, num espírito mais democrático, passaria a ser concebido como responsabi- lidade também dos pais dos alunos, dos alunos, enfim, 84 das pessoas envolvidas no processo – os agentes do po- der democrático. Partindo do pressuposto e tendo o professor como uma figura idolatrada, que executa o currículo, é possível constatar que esse lugar servil, tanto poderá marginalizar o professor, impossibilitando-lhe a articu- lação do poder, quanto lhe atribuir um lugar confortável, que mais favorece a queixa que a crítica, o autoritarismo que o exercício do poder democrático. O vocábulo professor, segundo LUFT (1999, p. 540) significa “indivíduo que ensina uma ciência, ou uma arte, mestre. A arte é a intervenção criativa”. A arte de ensinar está justamente nessa possibilidade de inter- vir e poder construir formas diferenciadas de articular aprendizagens. Demo (1997) enfatiza a necessidade de superar, na educação, a visão retrógrada da transmissão dos conteúdos e saberes por parte do professor, que vê o aluno como receptor, como indivíduo que não sabe, por isso será ensinado. Entender a educação a partir dessa polaridade nos permite entender que sempre existiu um distancia- mento entre professor e aluno, o que explica o autorita- rismo que figura tradicionalmente nas relações deensino e aprendizagem. Paulo Freire (1983) buscou fazer evi- dentes as consequências dessa educação bancária, quan- do diz que ao professor são designados plenos poderes de ensinar. O professor, por sua vez, direciona o seu tra- balho emitindo conteúdos aos alunos que os recebem, os repetem e os memorizam. A sua obra, “A Pedagogia do Oprimido” é o reconhecimento da negação do poder ao aluno e a detenção do poder no representante educativo: o professor. 85 Portanto, é preciso abandonar a ideia da edu- cação como um lugar paradisíaco. A educação sempre apresenta relações de poder porque faz parte das estru- turas sociais. O professor é fi gurante da cena educati- va, tão importante quanto os alunos, no entanto tem a responsabilidade de articular e nortear os conhecimentos concernentes ao currículo escolar a ser construído a par- tir de prescrições mínimas, na condição libertadora de torná-lo fl exível e aprazível para todos os envolvidos no processo. Ao refl etir sobre a questão da articulação do currículo, o professor deve ser entendido como agente de efetivação dos saberes pedagógicos, evidenciando adequação do currículo, considerando os conhecimentos prévios dos personagens envolvidos, reduzindo a exclu- são social e buscando a democratização do ensino. Con- siderado nessa perspectiva, o professor deverá ser críti- co, capaz de analisar e decidir, a partir das articulações cotidianas, ampliando a sua consciência sobre a própria prática e poder sobre a aula, as pessoas e sobre a escola como um todo. Segundo PIMENTA (2000), essa crítica e au- tocrítica do professor estão baseadas em diferentes si- tuações, a fi m de permitir a refl exão sobre a sua ação docente: ...da experiência acumulada em sua vida, refl e- tida, submetida a análises, a confrontos com as teorias e as práticas, próprias e as de outrem, a avaliações e de seus resultados, é que o professor vai construindo seu jeito de ser professor. Nas áreas de conhecimento encontra o refe- rencial teórico, científi co, técnico, tecnológico e cultu- 86 ral para garantir que os alunos se apropriem também desse instrumental no seu processo de desenvolvimento humano. Nas áreas pedagógicas encontra o referencial para trabalhar os conhecimentos enquanto processo de ensino, que se dá em situações histórico-sociais, e en- sinar em espaços coletivos – salas de aulas, as escolas, as comunidades escolares, concretamente consideradas. (PIMENTA, 2000, p.8). O professor exerce poder na articulação do cur- rículo. Todavia é preciso não tornar o currículo absoluto. Saviani (1997) define currículo como o conjunto de ati- vidades nucleares desenvolvidas pela escola, o que per- mite afirmar que a escola é um organismo vivo onde in- teragem diferentes atores que têm como objetivo maior ensinar e educar. Nessa relação, todos os componentes da estrutura escolar desempenham papel significativo, para que o funcionamento escolar e principalmente a aprendizagem se efetive com sucesso. O professor, porém, é aquele que representa a fecundidade do currículo, que tem a possibilidade real, concreta e formal de mediar as situações de aprendiza- gem, de produção de saberes e aquisição de conhecimen- tos. A ênfase centrada na figura do professor deve-se, es- pecialmente ao fato de que é ele que estabelece o contato diário, formal de proximidade e interação com os alunos. Ao retomar a questão da responsabilidade do professor enquanto articulador das situações de apren- dizagem e de articulador do currículo escolar, as ex- pectativas que se criam em torno da sua figura apenas explicitam o poder que também vai se concentrando em suas mãos de docente. Há, por parte dos expectadores, o desejo de que o professor seja um perito que garanta uma 87 aprendizagem efi caz ao ponto de suprir as necessidades básicas dos alunos. O professor deve assumir seu poder e, por vezes, isso signifi ca eximir o poder dos demais agentes. Aqui, delegar poder signifi ca eximir-se das res- ponsabilidades. Quando pais e dirigentes lançam sobre o professor a responsabilidade acerca do sucesso do pro- cesso, atribuem-lhe o poder, mas muito mais do que isso, estão se eximindo de responsabilidade. 2. Professor e efetivação curricular É necessário lembrar que o professor, embora deva corresponder às expectativas anteriormente citadas, passa por uma crise de desprestígio e autoridade, com- primida entre a necessária ação norteadora da construção de conhecimentos no espaço escolar e a interferência dos pais nesses encaminhamentos. A escola é o palco de uma crise ainda maior, onde está sempre em jogo o poder sócio-econômico. Entretanto, essa crise de poder revela o fosso entre o discurso e a prática diária do exercício do poder democrático, quando o professor precisa reconhe- cer a interferência desses confl itos, no exercício profi s- sional. 88 Identidade Poder Cidadania Professor A educação é um fenômeno social e o profes- sor é o profissional que se constitui na relação com o outro. Para que exerça o poder democrático em sala de aula, precisa de ética coerente com esse poder. A ativi- dade docente, na sala de aula, é de responsabilidade do professor, que deve operacionalizar seu trabalho obser- vando as diferenças dos educandos. Dessa forma, o diag- nóstico que se espera seja buscado pelo professor irá se efetivar de forma diferenciada, porque tem abrangência de coletividade e construção de conhecimentos, exige acompanhamento e estudos e, muitas vezes, impossibi- lita a prescrição imediata. Por outro lado, ele sabe que, no exercício do poder, deve assumir apenas sua parcela, permitindo que outros agentes ocupem seu lugar. O aluno é agente de poder de sua aprendizagem, por isso deve exercitar e responsabilizar-se por esse po- der democrático, elegendo os valores e os conteúdos que irá privilegiar, tornando o conflito mais evidente e mais legítimo. O docente, por sua vez, exercita igualmente o poder democrático, defendendo os valores democráticos e permitindo que os alunos percebam o jogo do poder, tanto na sala de aula, quanto nas demais instâncias so- 89 ciais. Ao fi car evidente o poder nas relações educa- cionais, novos objetivos são estabelecidos. O exercício da cidadania se faz presente na escola. Nesse contexto, novas habilidades e competências que requerem estudo e preparo são exigidos do professor. A formação docente tem papel preponderante na articulação do currículo que visa ao exercício e ao poder democrático contra currícu- los de prescrição e submissão ao poder pré-estabelecido, que somente será possível quando a formação docente for formativa, de boa qualidade e quantidade. Demo (1997) posiciona-se sobre a questão da formação, defendendo que ela sobreviva a tudo: Formação é o que resta, depois que se esque- ceu tudo”1, conforme um dito alemão, insinuando a diferença monumental entre ensinar e formar. Assim, a qualifi cação do processo escolar tem como objetivo central consolidar o objetivo da formação, privilegian- do a esta, sobre outros insumos, como instrução, ensino, treinamento. Do ponto de vista do professor, trata-se de passar de ensinar para formar, educar. Do ponto de vista do aluno, é o caso de passar do aprender para o apren- der a aprender. (p. 81). ________________________ 1“Bildung ist das, was ubrig bleibt, wenn man alles ver- gessen hat.” Com base no que diz a citação acima, é neces- sário que se crie uma cultura de conscientização acerca da relevância da atuação do professor na formação dos indivíduos, uma vez que os conteúdos conceituais, mui- tas vezes, não são aqueles mais urgentes, marcantes na 90 trajetória de vida dos indivíduos. Percebe-se que a sociedade está carente de afeto, de atenção, de atitudes solidárias para as quais o movimento societário não tem mais reservado tempo. Assim, nas relações escolares, o aspecto humanitário da abordagem curricular vem sendo muito importante e torna necessária aênfase da abordagem dos conteúdos atitudinais e procedimentais dos professores, com vistas a formar uma teia de interesses que visam à formação mais ampla dos alunos. As marcas que ficam do processo de escolarização não deveriam ser amargas e sofridas, ao contrário, deveriam refletir um tempo onde afloraram inúmeras experiências significativas que, por isso, serão inesquecíveis. 3. Professor reflexivo e a prática pedagógica A formação reflexiva do professor é o elo en- tre a possibilidade de efetivar uma abordagem curricular crítica e reflexiva, em que os alunos sejam sujeitos da sua própria ação e construção do conhecimento. A formação reflexiva do professor será deter- 91 minante para sua ação pedagógica e, nesse processo, é importante refletir os aspectos interferentes de formação, os processos de formação do professor, isto é, como ele aprendeu a ensinar, de que forma ele foi incentivado a compartilhar saberes e conhecimentos, que modelos ele teve em sua trajetória de estudante e de formação. Nesse sentido, as reflexões de Schön (2000) são relevantes à medida que anuncia o surgimento de um novo design nos processos de ensino e aprendizagem, exigindo do profissional uma postura ímpar para solu- cionar problemas, que podem ser simples de resolver. Para isso, o profissional permanecerá no topo do seu lu- gar, utilizando do rigor e do seu poder, ou mergulhará no pântano dos problemas e fará inserções relevantes com base em investigações não tão rigorosas. Considerando o processo reflexivo, é necessário que o professor conheça muito bem o seu lugar, a força da autoridade e o poder que detém, bem como seu estilo de atuação pedagógica. Ainda segundo Schön, a crise que hoje se mani- festa nos mais diversos setores da sociedade, manifesta- se na escola, em forma de questionamento constante, marcada pela lamúria e pelo queixume. Os professores entendem que é preciso suprir as necessidades dos alu- nos com conhecimento, enquanto afirmam que há uma falta de habilidade de ensinar para a utilidade da prática. “... sabemos como ensinar as pessoas a construírem na- vios, mas não a saberem quais navios construir” (KYLE apud SCHÖN, 2000). Desta forma, faz-se necessária uma atuação pedagógica que trabalhe considerando as incertezas dos alunos, a fim de que possam sentir-se ca- pacitados a tomarem decisões acertadas em situações de incertezas. Trabalhar com base na ação reflexiva, com 92 vistas a uma formação refl exiva posterior, signifi ca tra- balhar a responsabilidade, as certezas, signifi ca evitar o programa compensatório da aprendizagem, signifi ca in- centivar a capacidade de exercer funções, contudo o que se percebe é que, em vias de formação, as fontes de ins- trumentalização estão mais centradas no conhecimento prático do que no conhecimento intelectual e refl exivo. Desse modo, transparece a dicotomia entre teo- ria e prática. Já está claro que ambas são interdependen- tes e se sustentam mutuamente, porém, hoje, nos cursos de formação docente e também nas escolas de educação básica, prevalece o desejo da aprendizagem pela prática. Alves (2003) escreve que o desejo não é sustentado se- não pelo sonho, que somente se concretiza com o uso da inteligência. Assim, o jogo do saber que atrela o desejo e o prazer de aprender com a inteligência, produz conhe- cimentos, que, por sua vez, serão signifi cativos se forem refl etidos. A relação da teoria com a prática se faz neces- sária para que haja envolvimento e aprendizagem. Nessa perspectiva, Schön (2000) destaca a existência do “talen- to artístico profi ssional” necessário para garantir a conti- nuidade da educação e que implicará também na renova- ção dos profi ssionais. Os professores, em sua docência, devem evitar o esgotamento do saber, evitando repetir estratégias metodológicas. Devem buscar construir no- vos repertórios que possam garantir-lhes habilidades atuais, interessantes e desafi adoras. Embora a questão do talento profi ssional esteja, nos estudos de Schön (2000), mais vinculado ao ensino profi ssional, a abordagem que faz acerca do lugar mar- ginal que o conhecimento aplicado ocupa no currículo, confere, não raras vezes, com as situações cotidianas da 93 educação básica. A aprendizagem, a partir da prática, da investigação e da pesquisa representa a operacionaliza- ção de um currículo ativista, experimental onde se sinta falta da complementação da teoria. Ao aprender de acordo com sua performance, o aluno irá buscar, criar seus conceitos, construir sua aprendizagem. O professor, nesse processo, tem a fun- ção de auxiliar e até nortear a aquisição do conhecimen- to, pode instruir, segundo Schön, mas jamais ensinar o aluno porque ele precisa, a seu modo, ver e entender as relações entre os meios e os métodos empregados e os resultados atingidos. O ensino prático reflexivo, com base na citação acima, vem a ser uma possibilidade de refletir o talen- to artístico que se fez necessário ao ensino voltado para a valorização das individualidades, na busca da cons- trução de caminhos próprios para a aprendizagem. No entanto, é indispensável que a dualidade dos currículos escolares (prático/teórico) busque caminhos em que as divergências e sintonias possam fomentar e sustentar a aprendizagem. O sentido molecular da aprendizagem, que se sustenta em pequenas unidades de atividades para juntá-las depois, deve ser evitado porque reforça a frag- mentação dos conteúdos. Na aprendizagem reflexiva é ponto fundamen- tal a referência do que e como se constitui o processo da “Ninguém mais pode ver por ele, e ele não poderá ver apenas falando-se a ele, mesmo que o falar correto possa guiar seu olhar e ajudá-lo a ver que ele precisa ver”. (DEWEY apud SCHÖN, 2000, p.25) 94 aprendizagem nos indivíduos, ou seja, a forma como os alunos aprendem será determinante para construir novas aprendizagens. Zeichner (1993) afi rma que é importante que os professores se sintam agentes ativos do seu pró- prio desenvolvimento profi ssional, buscando a constru- ção de uma sociedade mais justa e, para que isto ocorra, é preciso trabalhar apaixonadamente. O movimento da prática e do ensino refl exivo tem sido alvo da formação docente e discente e visa, além de um processo de investigação, a emancipação dos aprendentes. Esse movimento é, portanto, perceptí- vel na formação dos docentes e nas escolas em geral e busca modifi car a visão tecnicista que se tem acerca da atuação dos professores. O ensino de qualidade se faz no processo de conscientização e emancipação docente e discente, o docente, na perspectiva prática e refl exiva, realizará qualquer prática com base na refl exão e avaliação de sua ação. Com isto, faz-se necessário diferenciar a atitude refl exiva da rotina que geralmente está impregnada de autoridade, impulsos e atos repetitivos. Para que o ensino seja refl exivo, é singular analisar a realidade cotidiana das instituições de ensino. Segundo Dewey (apud ZEICHNER, 1993) são três as “... implica o reconhecimento de que os professores devem desempenhar um papel activo na formulação tanto dos propósitos e objetivos do seu trabalho, como meios para os atingir, isto é, precisa voltar às mãos dos professores”. (ZEICHNER, 1993, p.16) 95 atitudes necessárias para a ação reflexiva: • estar disposto a ouvir mais de uma opinião, administrando possibilidades de erro e questionando so- bre o porquê das ações que estão sendo realizadas; • ser responsável, o que supõe ponderação re- fletida sobre as consequências das ações; • ser sincero e de espírito aberto. Assim, o professor reflexivo, além de cons- ciencioso, deve ser capaz de usar a emoção e a razão para operacionalizar situações significativas, capazes de desvincular-se de estruturas congeladas e enraizadas no currículo escolar. 4. Os Livros-textos e o Currículo As questões da efetivação do currículo têm es- treita relação com os livros- textos utilizados, porque re-metem à discussão sobre os critérios de seleção. Sabemos que o ensino, originalmente, este- ve baseado nas tradições orais de reprodução e arma- zenamento do conteúdo. Essa abordagem memorística perdurou até o momento em que surgiu a imprensa, que favoreceu a divulgação da informação, o acesso de um 96 maior número de pessoas à educação, a agilidade no transporte das informações e o investimento econômico relativamente reduzido, porque em um único livro, apre- sentavam-se os saberes básicos para superar a condição do analfabetismo. Os registros históricos afirmam que o livro-tex- to mais antigo de que se tem registro reportam a Come- nius, em 1658, que escreveu a obra “Orbis sensualium pictus”, abordando questões didáticas. Esse livro-texto apresentava lições cujos textos vinham acompanhados de ilustrações, pois Comenius acreditava que as imagens favoreciam a aprendizagem. Composta por 150 capí- tulos, a obra pretendia ensinar a ler sem que houvesse conotação de sofrimento. Já naquela época, apresentava o propósito de não apresentar a realidade de forma frag- mentada aos alunos. É de Comenius a célebre frase: “Nada há no entendimento que antes não tenha estado no sentido”. (apud Santomé, 1998, p.153) O aparecimento do livro-texto aconteceu simul- taneamente ao surgimento dos catecismos, o que provo- cou o surgimento de cartilhas e catecismos que visavam doutrinar os sujeitos na fé, através da capacitação à leitu- ra. Dessa forma, não seria mais necessário decorar rezas e cantos, já seria possível realizar leituras da bíblia para formar-se na fé. Ocorre, a partir de então, uma disputa eclesial sobre a posse pelo controle de edição desses materiais. A Espanha ganha a disputa para editar os materiais de ensino da leitura, cujo conteúdo referia “um abecedário, um silabário, as orações mais comuns, um catecismo elementar, instruções para ajudar na missa e uma tabua- da de multiplicação”. (VIÑAO apud SANTOMÉ, 1998, 97 p.154) Efetivada essa sistemática, surge o movimento enciclopedista, visando ordenar o conhecimento, cons- truído de forma muito intensa, a partir de uma única refe- rência (um único livro-texto). A contribuição desse mo- vimento foi signifi cativa na formação do conhecimento das pessoas e perdurou até a década de 1970, quando os manuais enciclopédicos passam a ser questionados e considerados defasados, especialmente em relação aos conteúdos científi cos. A partir da Revolução Francesa, ocorreram refl exões mais próximas sobre a questão da adequação dos livros-textos à realidade científi ca e publicou-se um documento expressando o desejo e a necessidade de per- mitir aos especialistas a edição dos livros. Atualmente, os livros-textos continuam repre- sentando um recurso metodológico relevante dos pro- fessores, as escolas estão condicionadas ao uso do livro texto, não utilizá-lo é motivo para desconfi ança, insu- cesso. Na escola, o livro-texto visa basicamente à con- templação de um tradicional objetivo, qual seja aprovar e sobreviver nas instituições acadêmicas, ou seja, é um mecanismo de reprodução do conhecimento, porque se estabelece pouca relação com a vida cotidiana, numa di- mensão de possibilitar o surgimento de alternativas con- cretas para a vida pessoal e da comunidade. Tradicionalmente, o livro-texto existia para uso exclusivo dos alunos e para utilização nas escolas, hoje pode-se acrescentar o acesso do corpo docente. Ou seja, o livro-texto está direcionado aos professores, antes mesmo dos alunos, porque são eles que decidem qual li- vro será utilizado. Os alunos, diretamente atingidos pelo material, não são sequer consultados. 98 Editoras e autores preocupam-se em produzir materiais que garantam a vendagem dos livros-textos. A exemplo disso, no período em que foram editados os Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, muito ra- pidamente surgiram livros com um selo que garantia a adequação dos livros-textos ao documento. No tempo presente, encontramos os livros com a observação: 10 para Ensino Fundamental de 9 anos. Aliada a essas con- siderações, existem os apelos publicitários que realizam campanha direta com professores e escolas, no sentido de convencê-los a adotar um livro em detrimento de tan- tos outros. A submissão e aceitação do livro-texto abarca também a questão da cultura e da formação docente. É sabido que a formação de cunho didático tem sido escas- sa nos cursos de formação de nível médio Magistério, porque há o predomínio das áreas científicas e técnicas sobre as pedagógicas. Igualmente, nos cursos de forma- ção superior, considera-se essa abordagem implícita ao domínio dos conteúdos disciplinares nos quais se espe- cializam. Aliando a escassez da formação docente na abordagem pedagógica à escassez do tempo escolar que o professor tem com os alunos, especialmente nos currículos escolares organizados por hora/aula, o cená- rio torna-se extremamente adequado para a inserção do livro-texto, representativo de ganho real de tempo ao professor – que não necessita pesquisar para preparar as aulas – e do aluno – que não precisa copiar conteúdos e exercícios do quadro. Além disso, contribuem para a reprodução de uma cultura que, geralmente, tem pou- ca relação com aquela que seria adequada por implicar pesquisa, inserção de textos diversos baseados em docu- 99 mentários, reportagens, fi lmes, artigos científi cos, etc. É relevante compreender qual a função do li- vro-texto nas escolas, que possibilidades de articulação curricular permite, qual o recorte ideológico que se ma- nifesta no conteúdo, que tipo de cultura se quer perpetu- ar, de que forma o conteúdo oculto se manifesta. Enfi m, há que se identifi car qual o poder de atuação do material por si só, aprimorado pela atuação de quem o utiliza. É importante considerar o livro-texto como meio de produzir aquilo que se considera cultura valiosa e que refl ete o poder de controle das esferas sociais e econômicas, exercendo, portanto, determinado tipo de poder e controle sobre quem os utiliza. Em se tratando dos professores, é indispensável que saibam fazer uso deles de forma a não contemplar o processo de aliena- ção. Com relação aos alunos, é, da mesma forma, indis- pensável que o professor oriente o processo de consumo, evidenciando o processo de análise e leitura crítica. A desqualifi cação profi ssional de quem utiliza o livro-texto seja, talvez, um dos maiores motivos que introduziu e os mantém tão presentifi cados nos currícu- los escolares. Essa circunstância tem consequências be- néfi cas ao empresário capitalista e aos grupos de poder que controlam o sistema educacional, porque permite a produção e educação em massa, ou seja, aliam-se o campo industrial e o educacional. Isso signifi ca que, ao considerar os profi ssionais operários e os docentes des- qualifi cados, abrem-se possibilidades para desapropriar as habilidades e conhecimentos, substituindo-os por má- quinas. Como consequência, para o empresário no mundo da produção, e para os grupos que detêm o con- trole do poder político e econômico na educação, o livro- 100 texto permite: 1) reduzir os investimentos na produção e no sistema educacional; 2) aumentar o ritmo e a quantidade de trabalho; 3) controlar o trabalho das pessoas empregadas e dos professores; 4) empregar e substituir pessoal com grande facilidade. Não há empecilhos no processo de substituição de operários e professores, logo, não há empecilhos para que o livro-texto seja amplamente difundido e utilizado. Síntese do capítulo Nessa unidade estudamos sobre a relevância do papel do professor na efetivação do currículo escolar, a quem cabe, numa perspectiva democrática, a tarefa de orientar o processo de construção de conhecimentos com vistas a possibilitar uma aprendizagem significativa. Ainda que destituído do autoritarismo implícito à função de ensinar a aprender, a função docente implica poder de escolha de decisão, de efetivação.Esse poder poderá ser empregado de forma a surtir efeitos positivos ou não, o que dependerá da atuação (desalienadora) do professor. Portanto, acima de tudo, ao professor cabe a tarefa de atuar com responsabilidade e motivação. Artigo: O papel do professor em uma escola demo- crática. Artigo de Miguel Arroyo, disponível em: www. Sugestão para complementação de estudos 101 pousoalegre.mg.gov.br/.../Forma%E7%E3o%20e%20 Identidade%20do%20Professor.doc Livro: Metáforas Novas Para Reencantar a Educação ASSMANN, Hugo. Piracicaba: Editora Unimep, 1996. Livro: Uma nova visão do trabalho e da realização pessoal MUSSAK, Eugenio. Metacompetência: São Paulo: Gente, 2003. Livro: Sala de aula – Que espaço é esse? MORAIS. Régis de. Campinas: Papirus,1986. Livro: O currículo nos limiares do contemporâneo COSTA, Marisa Vorraber../ Marisa Vorraber Coata, org. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. Filme: Escola da Vida Há um novo professor na cidade, e ele está promovendo um verdadeiro pandemônio na Fallbrook Middle School. Ele é atraente, simpático e informal. Os alunos amam o sr. D (Ryan Reynolds, de Horror em Amityville). Os professores também o admiram, com exceção de Matt Warner (David Paymer, de Em Boa Companhia), o ansioso professor de biologia, que so- nha em ganhar o prêmio de Professor do Ano. Seu pai, Stormin Norman (John Astin, de Os Espíritos), foi Pro- fessor do Ano durante 43 temporadas seguidas, e Matt está determinado a fazer deste o seu ano. Mas com o sr. D (Michael D’Angelo) em cena, Warner vê sua chance escapar. Ele não consegue competir com quem até seu próprio filho admira. Mas há um segredo que pode mu- 102 dar o jogo. O diretor William Dear faz uma ponta como um astronauta. 103 Atividades 1) Currículo implica sempre seleção de conteúdos e, por consequência, poder. A quem cabe o poder dessa sele- ção? 2) A educação é um fenômeno social. O professor é um profissional que se constitui na relação com o outro. O que é necessário para que ele exerça o poder democráti- co em sala de aula? 3) Conceitue formação reflexiva do professor. 4) Como se faz o ensino de qualidade? 5) Qual a função do livro-texto tradicional e atualmen- te? Capítulo 6 Pós-modernidade e as instâncias do currículo 107 1. Currículo e cotidiano Pelas circunstâncias do cotidiano, é possí- vel perceber que estamos vivendo num mundo que em pouco se assemelha àquele em que surgiram as teorias tradicionais e críticas, em que a efetivação do currículo acontecia de forma a reproduzir o conteúdo e manter os interesses dos dominantes sobre os dominados, ratifican- do a submissão ao poder e à cultura. O pós-modernismo é marcado pelo conjunto di- versificado de perspectivas que atingem vários campos: o intelectual, o político, o estético e o epistemológico, não se apresentando, portanto, como uma teoria linear, unificada. As referências que caracterizam essa época es- tão localizadas no campo social e político, na oposição entre a Modernidade iniciada no Renascimento e conso- lidado com o movimento iluminista e a Pós-modernida- de, que inicia na metade do século XX, sem prescrição definida de data. No campo estético, a referência encon- tra-se no movimento modernista onde as noções de pu- reza, abstração e funcionalidade das artes e da literatura são amplamente atacadas. No campo epistemológico, filosófico, político e social, a vertente está situada no 108 questionamento aos princípios que nortearam os pensa- mentos sociais e políticos vigentes, a partir do Iluminis- mo, declarando-os como responsáveis pelos problemas que assolam a época atual. No campo epistemológico, ocorre uma revisão nas ideias curriculares advindas da Modernidade, uma vez que são elas que direcionam o objetivo da educa- ção, da pedagogia e do currículo. O que se defende ainda hoje é que o conhecimento científico seja transmitido, que sejam formados cidadãos autônomos, inseridos no processo de democratização. Visto a partir desse prisma, requer-se uma edu- cação moderna e, nesse sentido, o movimento pós-mo- dernista realiza um ataque a essas questões modernas, porque desconfia dos desejos totalizantes do saber do pensamento moderno. O pós-modernismo compreende o desejo da educação moderna como uma adesão às gran- des narrativas, onde está implícito o desejo, estão implí- citas as ideias de dominar e controlar. O pós-modernismo, segundo Silva (1999), tam- bém coloca em xeque o progresso e se preocupa com os avanços científicos e tecnológicos, cujos resultados são positivos, sem dúvida, mas, ao mesmo tempo, têm efei- tos negativos (subprodutos indesejáveis). Ainda com relação à modernidade, no que diz respeito ao sujeito, à soberania e à autonomia que lhe são conferidas, questiona-se, com base em ensaios realiza- dos por Lacan e Freud (apud SILVA, 1999), a fragmen- tação do sujeito, que não pensa, nem age, nem produz. Ao contrário, é pensado, falado e produzido a partir de estruturas externas, das instituições e dos discursos. Uma das características mais palpáveis do pós- 109 modernismo é a contraposição à linearidade e à rigidez do pensamento que, além de estabelecer críticas, tam- bém as incorpora e permite o hibridismo, a mestiçagem de culturas, de estilos, de modos de vida. O pensamento pós-moderno caracteriza-se pela tolerância às diferenças e inclina-se para as incertezas e afi rmações categóricas. No lugar da objetividade do pensamento moderno, pre- fere o subjetivismo das interpretações parciais e locali- zadas. É no pós-modernismo que se dissolvem as distinções entre diferentes gêneros, entre fi losofi a e li- teratura, entre fi cção e documentário, etc.; bem como se apresenta um cenário de incertezas e indeterminações. Nesse cenário se apresenta também incompati- bilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O currículo que se efetiva é baseado no pensamento mo- derno que se caracteriza pela linearidade, pela execução estática, sequencial, disciplinar, que distingue culturas e que segue as narrativas da ciência, do capitalismo e do estado-nação. Como resultado, temos um sujeito ‘cen- trado, racional e autônomo’, formado de acordo com os pressupostos do pensamento moderno. É importante ressaltar que a crítica do pós-mo- dernismo ao pensamento moderno se estende também às teorias críticas, cujo pressuposto era: o sujeito, em contato com um currículo crítico, se tornaria fi nalmente um sujeito emancipado, autônomo. O pós-modernismo desacredita desses impulsos emancipatórios e questio- na as formas dominantes de poder sacramentados pelas teorias críticas, destitui todos os ranços de vanguarda e quaisquer certezas de emancipação. É o movimento que lança em cena as teorias pós-críticas do currículo. Cabe então, nas teorias pós-críticas, a inserção 110 mais contundente das diferenças, ou, pelo menos, do res- peito às diferenças e da tentativa de contemplá-las no currículo escolar. 2. O multiculturalismo Nesse campo, há que se fazer referência às formas culturais, ressaltando, ao mesmo tempo que se fazem tentativas de valorizar as diferentes culturas no currículo escolar, busca-se também a homogeneidade cultural. No campo social, ao mesmo tempo que, por exemplo, ocorrem manifestações em busca do respei- to à diversidade cultural, vê-se a produção dos meios de comunicação de massa ratificando uma cultura que se insere na vida das pessoas, na maioria das vezes de forma inconsciente, mantendo o que é desejado social, econômica e politicamente. Para tanto, basta ouvir e ver atentamente as propagandas que anunciam produtos, cujas marcas são difundidas através de jingles que sedu- zem o consumidor. 111 Vejamos dois exemplos: Primeiro o da Coca-Cola - ao comprar um refrigerante, opta-se pela Coca-Cola porque é a lembran- ça que vem à tona; houve assimilação da propaganda e consome-se por repetição. Se- gundo, vamos lembrar da inserção televisiva de meados de 2005, intitulada Sou brasileiroe não desisto nunca - os exemplos de cidada- nia são perseguidos persistentemente porque muitos já provaram que é possível sobreviver e vencer, então age-se com base no impulso da idolatria e da pseudocapacitação. É necessário compreender que ocorre uma ar- quitetura cultural, fabricada por meios de comunicação de massa extremamente poderosos e homogeneizadores. Essa realidade mostra também que a cultura e o poder es- tão interligados, portanto a cultura de uma pessoa ou de um povo é determinante para as ações frente aos meca- nismos que operam as relações de poder e de dominação. Ao aproximar as questões do multiculturalismo ao currículo escolar, esse cenário deve ser o pano de fun- do para as análises, considerando que ele expressa o de- sejo de reconhecimento das diferentes culturas represen- tadas na cultura nacional. Segundo Silva (1999, p. 85), “o multiculturalismo representa um importante instru- mento de luta política.” e teve início nos Estados Unidos com as manifestações de grupos culturais subordinados (mulheres, negros e homens homossexuais), que critica- vam o currículo universitário tradicional direcionado à cultura branca, masculina, européia e heterossexual. O currículo universitário defendia como currículo comum aquele destinado às classes dominantes. O desejo dos 112 grupos culturais dominados é que no currículo universi- tário estivessem representadas as suas contribuições de culturas dominadas. A maioria das perspectivas multiculturalistas comunga desse princípio, mas há divergências. O cur- rículo humanista, por exemplo, entende ser necessária a preponderância da tolerância, do respeito e da convi- vência harmoniosa entre as culturas, deixando intactas as relações de poder que produzem a diferença. Do ponto de vista do currículo multiculturalista crítico, o currículo deveria questionar e analisar os processos pelos quais as diferenças são produzidas pela assimetria e desigualdade. Na visão conservadora da crítica, o multicultu- ralismo representa uma afronta aos valores nacionais, à família e à herança cultural, o que, na operacionalização do currículo, representaria uma substituição do estudo de obras consideradas relevantes para a produção intelectual por obras consideradas inferiores intelectualmente, por- que foram produzidas por representantes da classe domi- nada, o que implica também uma revisão de valores. Numa visão mais progressista da crítica, ao ma- nifestar identidades e tradições culturais, fragmentaria a cultura nacional comum o que, até certo ponto, é pro- blemático porque se confunde a cultura nacional comum com a cultura dominante. “Aquilo que unifi ca não é o resulta- do de um processo de reunião das diversas culturas que constituem uma nação, mas de uma luta em que as regras de inclusão e exclusão acabaram por selecionar e nome- ar uma cultura específi ca... como a cultura nacional comum”. (SILVA, 1999, p. 89) 113 3. As questões de gênero As questões de gênero são consideradas bastan- te recentes no currículo escolar. Tanto é real que a pala- vra gênero foi utilizada pela primeira vez, numa aproxi- mação ao sentido atual, pelo biólogo Money, em 1955. Antes disso, a palavra tinha uso restrito da gramática. Atualmente, o sentido empregado está em considerar os aspectos de identificação socialmente construídos. A visibilidade da figura feminina no contexto social e no currículo escolar tornou emergente a revisão de conceitos, uma vez que as mulheres, através do mo- vimento feminista, vinham demonstrando que o poder estava estruturado não só nas forças do capitalismo, mas também no patriarcado. Essa teorização feminina argu- mentava que imperava uma desigualdade profunda entre homens e mulheres que concede aos primeiros maiores benefícios e facilidades em todos os setores sociais. Em termos de educação, significava assumir que o nível de educação previsto para as mulheres era visivelmente inferior. Em muitos países, por questões de gênero, algumas matérias eram consideradas de cunho essencialmente masculino e outras eram consideradas naturalmente femininas. O mesmo ocorria com algumas 114 profissões que eram boicotadas às mulheres. Os estigmas de gênero estavam difundidos socialmente e manifesta- vam-se na escola, à medida que reproduzia a cultura so- cialmente válida. Há então, preocupação e questionamento com relação às questões referentes ao acesso que o currículo escolar fornece aos seus alunos, dadas as questões refe- ridas sobre os estereótipos consagrados a cada gênero. Numa segunda fase das análises de gênero no currículo, passa-se a investigar não somente o acesso, mas também o que do acesso, no intuito de igualar as possibilidades para homens e mulheres, entendendo que as mulheres poderão se tornar mais iguais aos homens, à medida que tiverem as mesmas oportunidades, mesmo que o mundo seja predominantemente comandado pelos homens. Segundo o movimento feminista, a sociedade está feita de acordo com as características do gênero masculino. Com relação à epistemologia, a partir do movi- mento feminista, compreende-se que o currículo escolar, Nessa circunstância, podem ser con- sideradas situações como a de uma escola que pensa os meninos para uma profissão e as meninas para outra. Meninos médicos e meninas enfermeiras, por exemplo. Essa postura dificultará o acesso das meninas às faculdades de medicina. É uma postura que discrimina pelas questões de gênero. O mesmo poderá ocorrer quando uma família que tem um casal de filhos educa o menino para estudar, prestar vestibular, trabalhar; e a menina para estudar e ter um casamento bem sucedido. 115 além de perpetuar uma ideologia dominante, também é claramente masculino. Um currículo marcado pela cos- movisão masculina estará contemplando a separação en- tre o sujeito e o conhecimento, a racionalidade e a lógica, a ciência, a técnica, o individualismo e a competição. As experiências femininas valorizadas enfati- camente no currículo escolar não signifi cariam a isenção de problemas no currículo escolar. Acredita-se que as experiências femininas alocaram ao currículo algumas características de conexão menos objetiva com o mundo; uma vez que se preocupavam com a aprendizagem que valorizasse o trabalho coletivo, comunitário e coopera- tivo, favorecendo o espírito da solidariedade feminina, em oposição ao espírito competitivo e individualista da sala de aula tradicional. Porém, ao mesmo tempo, pode- riam ratifi car os papéis socialmente inferiores auferidos às mulheres. A solução para a efetivação de um currículo que não privilegie um gênero em detrimento do outro está no intuito de propor que ambos sejam capazes de desempenhar, de forma equilibrada, ações comuns. As refl exões sobre o gênero no currículo esco- lar, numa perspectiva crítica e pós-crítica, caminham no sentido de não ignorar as questões existentes no cotidia- A disciplina é um exemplo bastante forte para designar a valorização eminente- mente masculina no currículo escolar, uma vez que há uma crença que supervaloriza a racionalidade masculina para resolver as questões referentes ao problema e minimiza a sabedoria emocional feminina que se ma- nifesta nessas circunstâncias. 116 no social e escolar. Elas abarcam as questões de conhe- cimento, identidade e poder trazidas à tona através das reflexões acerca da distinção de gênero que se fazem no currículo, e impossibilitam a abordagem parcial do currículo porque possibilitam, ainda que timidamente, as reflexões sobre o tema. 3.1 A teoria queer A teoria queer surge nos Estados Unidos e na Inglaterra no intuito de unificar estudos gays e lésbicos, a partir dos pressupostos da teoria feminista. O significado do termo queer, em inglês, expressa ambiguidade, e his- toricamente é utilizado para referir pessoas homossexuais masculinas. Para além das conotações sexuais, o termo significa esquisito, estranho, fora do comum, excêntrico. E é neste sentidoque o movimento homossexual faz a recuperação do significado ao termo queer, evidenciando que o significado – estranho – pode ser um complicador da identidade social e cultural, além da sexual. O movimento feminista já dispensava nas dis- cussões de gênero, a impossibilidade de manter a defini- ção da identidade humana nas categorias homem e mu- lher com base na biologia. Ela defendia a aceitação dos fatores sociais e culturais, advindas de um processo de construção. A teoria queer entende que, não somente a bio- logia, mas também a construção social age sobre a cons- trução da sexualidade. Por isso, ela problematiza a hete- 117 rossexualidade, uma vez que ela é considerada a norma e todas as outras formas de expressar a sexualidade são consideradas anormais. Segundo a teoria queer, o sujeito é o que é em detrimento do que ele não é. A identidade se constrói a partir de uma relação que pode ocorrer na identifi cação com o outro, ela é um processo de signifi cação. Não há, segundo a teoria queer, identidade sem signifi cação e signifi cação sem poder. Portanto, o valor que se dá à he- terossexualidade é ratifi cado pela homossexualidade; o que a faz ser considerada cada vez mais um desvio por- que se contrapõe a sexualidade hegemônica, dominante, propagada pelo discurso dominante. A intenção da teoria queer é a de possibilitar li- vre trânsito entre as identidades e o cruzamento das iden- tidades, permitindo a performatividade, isto é, o sujeito é o resultado daquilo que a sua identidade defi ne, ainda que provisoriamente. A teoria queer quer provocar um revés episte- mológico, fazendo o sujeito pensar queer (homossexual, diferente) e não straight (heterossexual, quadrado); ten- tando fazer com que o sujeito considere pensar aquilo que parecia impensável, impossível. Desta forma, a epis- temologia queer, considera a identidade e o conhecimen- to para além do aspecto meramente da sexualidade, ela o considera de modo geral. Ela questiona todas as formas bem comportadas de conhecimento e identidade, e nesse sentido é irreverente, desrespeitosa e profana. Britzmann (apud SILVA, 1999) sugere, a partir das refl exões sobre a teoria queer, uma pedagogia queer. Nesta não se abordariam as questões da sexualidade no currículo escolar, apenas como informação e conheci- mento vinculado à biologia e reprodução, mas também 118 seriam feitas abordagens que com relação à tolerância da homossexualidade e, mais do que isto, seriam questiona- dos os processos institucionais e de discurso que definem o que é correto ou não, redirecionando a metodologia para a análise e compreensão do conhecimento da iden- tidade sexual. Considerando que o currículo tradicionalmente se preocupa com o processo de ensinar, pensar e trans- mitir o pensamento, na pedagogia queer, a preocupação estaria centrada no questionamento não mais sobre como se pensa, mas sobre o que é pensável. 3.2 Etnia e Raça As questões de etnia e raça no currículo escolar surgem no intuito de considerar novamente as desigual- dades educacionais e as inter-relações entre a hierarqui- zação social. Elas demonstram uma preocupação em identificar qual é e como ocorre o acesso à educação, buscando identificar as causas do fracasso escolar dessas classes. As análises ocorridas não demonstravam, as- sim, muita preocupação com o tipo de conhecimento que estava sendo oferecidos às crianças e jovens, ou seja, não havia nada que se contrapusesse ao currículo em si, e por isso, ele não era problematizado. Apenas numa fase posterior o currículo passa a ser analisado como fosse racialmente enviesado, e atualmente continua sendo pro- 119 blematizado na dimensão dos próprios conceitos de raça e etnia. As questões referentes à raça e etnia sempre re- presentaram também relações de poder. No século XIX fi cou sacramentado que os termos expressariam uma classifi cação científi ca da variedade de grupos humanos, o que tornou o termo raça bastante desacreditado uma vez que estudos na área da genética comprovaram que não existiam critérios físicos e biológicos que autorizas- sem essa classifi cação. As mesmas observações cabem também para a etnia, valendo ressaltar que até mesmo a oposição que se fazia entre raça e etnia perderam o sentido. É importante lembrar que nas considerações acerca dos dois termos, raça estaria mais vinculada aos caracteres físicos e etnia aos culturais, e que, em certas análises, raça é considerado um termo mais abrangen- te que engloba etnia, e noutras ocorre o contrário. Essa confusão fomentou o uso das duas expressões, na litera- tura, como sinônimos. Apesar de não haver caracteres físicos, bioló- gicos ou reais que tornem a raça menos real em termos culturais e sociais, essa polemização em torno da defi - nição dos termos indica que a discussão perpassa basi- camente o viés social. Assim, é necessário considerar as questões de conhecimento, identidade e poder que os termos recebem nas teorias curriculares, expresso em li- vros didáticos, paradidáticos, nas aulas expositivas, nas datas comemorativas, etc., mantém-se o privilégio das identidades dominantes e se refere as dominadas como folclóricas ou exóticas. Segundo Silva (1999, p. 102) “O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. A questão da raça e da etnia não é um tema trans- 120 versal, ela é uma questão central de conhecimento, poder e identidade”. Isso leva a concluir que as crianças serão o resultado daquilo que aprenderem e vivenciarem na es- cola sobre raça e etnia. O questionamento que se faz necessário diz res- peito à possibilidade de desconstrução desse estereótipo do currículo escolar. Um currículo centrado nas preocu- pações acerca da manutenção da posição de submissão de determinados grupos étnicos e raciais, através de indagações constantes, indicaria uma possibilidade que evitaria o reducionismo do multiculturalismo à mera in- formação, exposição ou veneração. Assim delineadas, as questões de raça, não po- dem ser entendidas como um processo de discriminação ou preconceito individual, ele são parte de uma estrutu- ra institucional e de discursos mais amplos, dos quais caberia buscar as causas. A atitude racista envolve uma dinâmica subjetiva, complexa, de tradições e medos, portanto não pode ser tratada de forma simplista. Numa abordagem crítica, o currículo escolar, preocupado com a questão do racismo, privilegiaria discussões que apontassem as interferências políticas de construção da identidade através da representação. Evitaria a abordagem da essência da questão vinculada à biologia e consideraria também as intercorrências so- ciais de ratificação da cultura inferiorizada, constituída historicamente. Síntese do capítulo Nesta unidade fizemos uma aproximação das implicações do currículo aos dias atuais, vislumbrando 121 Sugestão para complementação de estudos em que medida as diferenças sociais e individuais estão presentes no contexto e no currículo escolar. Foram elen- cados intercorrentes fortes sobre o currículo escolar que precisam ser considerados pelo professor em seu pro- cesso de ensino e aprendizagem, porque o movimento social não permite mais que se ignorem as diferenças. O mundo depois do movimento da pós-modernidade não é mais o mesmo. Vive-se hoje a possibilidade de tornarem públicas as diferenças e as opções individuais, ainda que de forma enrustida. Com essas possibilidades, a educa- ção deve avançar a passos largos contra o processo de discriminação e exclusão. Passagens entre o moderno para o pós-moderno: ên- fases e aspectos metodológicos das pesquisas sobre currículo Org. Antônio Carlos Rodrigues de Amorim (FE/Unicamp). Disponível em: http://www.posgrad.fae. unicamp.br/gtcurriculoanped/publicações.html Artigo: Lyotard e a pós-modernidad Artigo de Cristiane Maria Marinho. Disponível em: www.revistalabor.ufc.br/Artigo/CRISTIANE_MA- RINHO.pdf Livro: Currículo: uma perspectiva pós-modernaDOLL Jr, William E. Trad. Maria Adriana Ve- ríssimo Veronese – Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. Livro: Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à edu- 122 cação do futuro. 6.ed. São Paulo: Cortez: UNESCO, 2002. Filme: O Som do Coração August Rush (Freddie Highmore) é resultado de um encontro casual entre um guitarrista e uma vio- loncelista. Crescido em orfanato e dotado de um dom musical impressionante, ele se apresenta nas ruas de Nova York ao lado do divertido Wizard (Robin Willia- ms). Contando apenas com seu talento musical, August decide usá-lo para tentar reencontrar seus pais. 123 Atividades 1) Conceitue o pós-modernismo. 2) Qual a relevância das questões de etnia e raça no cur- rículo escolar? 3) O que é o sujeito segundo a teoria queer? 4) De que forma as questões de gênero interferem na abordagem do currículo escolar? 5) O multiculturalismo faz referência às formas cultu- rais. Como isso ocorre no currículo escolar? 124 Desafio Mais sugestões Retorne às questões do início da Unidade 1, re- leia-as e registre novamente suas respostas. Em seguida, compare as respostas e verifique se houve mudanças e em que aspectos. Suas repostas assinalarão em que medida este conteúdo foi proveitoso para ampliar, modificar ou até manter seus conceitos acerca do conteúdo. Independente das conclusões, há de ter valido a pena! Sucesso!! Agora que concluímos esta etapa de estudos, reserve um tempo para ler os livros e assistir aos filmes sugeridos, a seguir, e estabeleça uma ponte entre o que você leu e assistiu e o currículo escolar subjacente. Livro: A escola que eu sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir Rubem Alves. Escola da Ponte: um único es- paço partilhado por todos, sem separação por turmas, sem campainhas anunciando o fim de uma disciplina e o início de outra. A lição social: todos partilhados de um mesmo mundo. Pequenos e grandes são companheiros numa mesma aventura. Todos se ajudam. Não há com- petição. Há cooperação. Ao ritmo da vida: os saberes da vida não seguem programas. São as crianças que estabe- lecem os mecanismos para lidar com aqueles que se re- cusam a obedecer às regras. Pois, o espaço da escola tem 125 de ser como o espaço do jogo: para ser divertido e fazer sentido, tem de ter regras. A vida social depende de que cada um abra mão da sua vontade, naquilo em que ela se choca com a vontade coletiva. E assim vão as crianças aprendendo as regras da convivência democrática, sem que elas constem de um programa. Livro: A cabeça bem feita Edgar Morin. Reformar o pensamento para reformar o ensino e reformar o ensino para reformar o pensamento é o que preconiza Edgar Morin. Na linha da reforma do pensamento, ele propõe os princípios que permitiriam seguir a indicação de Pascal- ‘Considero im- possível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes...’. Esses princípios levam o pensamento para além de um conhecimento fragmentado que, por tornar invisíveis as interações entre um todo e suas partes, anu- la o complexo e oculta os problemas essenciais. Levam, igualmente, para além de um conhecimento que, por ver apenas globalidades, perde o contato com o particular, o singular e o concreto. Eles permitem remediar a funesta desunião entre o pensamento científico - que desassocia os conhecimentos e não reflete sobre o destino humano - e o pensamento humanista - que ignora as conquistas das ciências, enquanto alimenta suas interrogações sobre o mundo e sobre a vida. Livro: Conversas sobre educação Rubem Alves. Em ‘Conversas sobre Educação’ as crônicas de Rubem Alves transformam assunto sério em um bate-papo descontraído e bem humorado. Elas propõem uma missão para a educação: formar um povo 126 para sonhar e assim promover a construção de um país. O livro faz refletir e suscitar discussões - Qual será o futuro da instituição escola? O modelo atual está fali- do? Pode estar condenado ao fracasso? Qual o sentido do vestibular? Por que separar os alunos por idade, ca- pacidade de aprendizado ou condições físicas? Segregar ensina a conviver com a diversidade social? Os textos de Rubem Alves remexem em conceitos que possam fazer ressuscitar o valor da educação e refletem a vocação nata de um poeta, pedagogo por natureza. Livro: Ironias sobre a educação Pedro Demo. Enquanto a pedagogia fala de transformação, mas não a faz, o mercado não fala, faz. Filme: A voz do coração Ao receber a notícia do falecimento da mãe, o reconhecido maestro Pierre Morhange (Jacques Perrin) volta para casa. Lá, ele recorda sua infância por meio da leitura das páginas de um diário mantido por seu antigo professor de música, Clément Mathieu (Gérard Jugnot). Na década de 40, o pequeno Pierre (Jean-Baptiste Mau- nier) é um menino rebelde, filho da mãe solteira Violette (Marie Bunel). Ele frequenta um internato dirigido pelo inflexível Rachin (François Berléand), que enfrenta, di- ficuldades para manter a disciplina dos alunos difíceis. Mas a chegada do professor Mathieu traz nova vida ao lugar. Ele organiza um coro que promove a descoberta do talento musical de Pierre. Filme: Sociedade dos poetas mortos Em 1959, na Welton Academy, uma tradicio- nal escola preparatória, um ex-aluno (Robin Williams) 127 se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mes- mos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a “Sociedade dos Poetas Mortos”. Filme: Uma mente brilhante Uma mente brilhante é um drama intensamen- te humano, inspirado nos eventos da vida de um gênio de verdade - o matemático John Forbes Nash, Jr. Nas- cido numa família de classe média numa pequena cida- de de West Virginia, ele fascinou o mundo intelectual há mais de 50 anos com uma surpreendente descoberta. Seu trabalho pioneiro sobre a “teoria do jogo” tornou-o o astro da “Nova Matemática” na década de 50 - mas sua ascensão mudou de rumo drasticamente quando seu brilhantismo intuitivo foi afetado pela esquizofrenia. En- frentando desafios que destruíram muitas outras pessoas com essa doença, John Nash lutou com a ajuda de sua devotada mulher, Alicia, e, depois de décadas de dedica- ção, conseguiu superar a tragédia e chegou até a receber o Prêmio Nobel de 1994. Lenda viva, o matemático con- tinua envolvido em seu trabalho até hoje. Filme: Gênio indomável Um garoto dotado de grande inteligência, mas que vive se metendo em encrenca. Sem família e com pouca educação formal, ele devora livros e guarda tudo que aprende para si e procura empregos que dispensam qualificação. Um professor do MIT descobre que Will é um gênio e quer o garoto em sua equipe de matemática, mas, como Will tem problemas com a polícia, é preciso fazer um acordo com a justiça. São impostas duas con- 128 dições: ele tem que trabalhar com o professor e fazer terapia. Sean McGuire (Robin Willians) é o terapeuta chamado para domar o difícil temperamento do rapaz. Ambos são igualmente teimosos, mas surge uma amiza- de que convence Will a encarar seu passado e seu futuro. Filme: Nenhum a menos As dificuldades encontradas por uma menina de 13 anos quando tem de substituir seu professor, que viaja para ajudar a mãe doente. Antes de partir, ele recomenda à garota que não deixe nenhum aluno abandonar a esco- la durante sua ausência. Quando um garoto desaparece da escola, a jovem professora descobre que ele deixou o vilarejo em direção à cidade em busca de emprego, para ajudar no sustento da família. Seguindo os conselhos de seu professor, ela vai atrás do aluno. 131 Referências A escola dos bichos. Autor desconhecido. Dis- ponível em http: //w.w.w.slideshare.net. profandre/ a_es- cola_dos_bichos acesso em 17/05/2009. ALVES, Rubens. Conversas sobre educação. Campinas: Verus editora, 2003. ARANHA, Maria Lúcia de. Filosofia da educa- ção. São Paulo:Moderna, 1996. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 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Petrópolis: Vozes, 1996. _____.O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. TEIXEIRA, Anísio Spínola. Pequena Introdu- ção à filosofia da Educação. São Paulo: Nacional, 1978. ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexi- va de professores: ideias e práticas. Educa Professores: Universidade de Lisboa, 1993. 135 Gabarito Capítulo 1 1) Pessoal 2) Pessoal 3) Pessoal 4) Pessoal 5) Nas escolas o currículo é visto como um objeto de contemplação a distância e ainda aparece tra- vestido de significados diversos, o que contribui para a minimização do seu valor conceitual. Há um entendi- mento de que o currículo é de competência administrati- va, porque tem relação específica com matriz curricular, cômputo de carga horária, matrícula e transferência de alunos. Por conseguinte, há também aqueles que têm a falsa ideia de que o currículo está vinculado às bases pe- dagógicas da escola com vistas a considerar as linhas metodológicas, o planejamento, entre outros, e que o professor que realiza o trabalho diário com os alunos deve estar preocupado com o conteúdo a vencer. 136 Capítulo 2 1) Pessoal 2) Teorias tradicionais: caracterizam-se pela prescrição dos conteúdos, isto é, a escola oferece aos professores uma listagem dos conteúdos que devem ser ministrados. A premissa básica está em ensinar o que está determinado para quem deve aprender. Teorias Críticas: as teorias críticas estão preo- cupadas em estabelecer uma conexão entre saber identi- dade e poder. Perguntam o quê ensinar e o submetem a um questionamento constante, no intuito de identificar por- que este conhecimento é ensinado e não o outro; qual o interesse que faz com que esse conhecimento esteja no currículo; porque privilegiar um conhecimento em detri- mento do outro. Currículo oculto: para identificar a subjetivida- de do currículo oculto, é essencial que se reconheçam os diferentes aspectos em que ele atua tendo clareza sobre o quê e como (por que formas) se aprende, ele está pre- sente, de forma camuflada, em todas as propostas curri- culares e exerce grande poder nas teorias curriculares em função dos mecanismos ideológicos que executa. Teorias pós-críticas: da mesma forma como as teorias críticas, têm a preocupação em identificar o quê se ensina nas escolas, porém querem responder à inda- gação: por que se ensinam esses conteúdos selecionados para o currículo e não outros? Ou seja, há sempre uma seleção, que supõe a escolha de um conteúdo em detri- mento do outro, e é essa opção que as teorias críticas perseguem em seus questionamentos. 3) Somente leitura interpretativa. 137 4) Pessoal. Capítulo 3 1) Porque nessa definição está contida a infor- mação de que existe um currículo prescrito que deverá ser seguido e cumprido por um determinado grupo de docentes organizados em salas de aula, sob a designação de séries, além do que é aquela que exige menor empe- nho de quem articula o processo de ensino e aprendiza- gem. 2) Pessoal 3) Invenções sociais 4) Pedagogia, Currículo e Avaliação 5) Pessoal Capítulo 4 1) Porque ela atinge a população por um perío- do prolongado de tempo. 2) Quando a cultura existe como valor social para a população e propicia vantagens materiais e sim- bólicas. 3) O modelo curricular brasileiro caracterizou- se basicamente pela transferência de ideias americanas combinadas com as ideias tecnicistas e progressistas. 4) As reformas de ensino ocorridas entre as dé- cadas de vinte e trinta, buscaram reordenar o processo pelo qual se constrói o conhecimento, abandonando o currículo organizado por áreas de ensino e indicando no- vas formas de aprendizagem a partir das preocupações e das vivências dos educandos. 138 5) Porque a prescrição trará implícita a visão de mundo, a história de vida e as experiências de quem o conceitua. Em se tratando do país, significa observar as políticas públicas da educação. Em se tratando das Insti- tuições de Ensino, significa referendar as prescrições do Projeto Político Pedagógico das Instituições e suas man- tenedoras diretas (públicas ou privadas). Em se tratando dos professores, particularmente, a relação se estabelece com a razão desencadeadora da busca profissional, alia- da às convicções de ética, filosofia e pedagogia. Em se tratando dos alunos, o currículo tem relação com o de- sejo de aprender, temperado diariamente pelo desafio à descoberta através da motivação; além das necessidades de formação profissional e pessoal. No entanto, indepen- dente das instâncias (nacionais, estaduais, municipais ou locais, do público ou do privado) o currículo implicará sempre o envolvimento direto do seu articulador, o pro- fessor. Capítulo 5 1) O poder de seleção e construção do currículo a ser definido conforme as diferentes realidades, está nas mãos de quem pensa, esboça e articula o currículo de fato. 2) O professor precisa de uma ética coerente com o poder que lhe é atribuído, efetivando a atividade docente, na sala de aula, com responsabilidade e opera- cionalizando um trabalho que respeite as diferenças dos educandos. 3) A formação reflexiva do professor é o elo en- tre a possibilidade de efetivar uma abordagem curricular crítica e reflexiva, em que os alunos sejam sujeitos da 139 sua própria ação e construção do conhecimento. 4) O ensino de qualidade se faz no processo de conscientização e emancipação docente e discente, onde o docente, na perspectiva prática e reflexiva, realizará qualquer prática com base na reflexão e avaliação de sua ação. 5) Tradicionalmente, os livros-textos existiam para uso exclusivo dos alunos e para utilização nas esco- las. Hoje pode-se acrescentar o acesso do corpo docente, ou seja, os livros-textos estão direcionados aos profes- sores, antes mesmo dos alunos, porque são eles que de- cidem qual livro será utilizado. Os alunos, diretamente atingidos pelo material,não são sequer consultados. Capítulo 6 1) O pós-modernismo é marcado pelo conjunto diversificado de perspectivas que atingem vários campos como o intelectual, político, estético e epistemológico. Portanto, não se apresenta como uma teoria linear, unifi- cada. 2) As questões de etnia e raça no currículo es- colar surgem no intuito de considerar novamente as de- sigualdades educacionais e as inter-relações entre a hie- rarquização social. Elas demonstram uma preocupação em identificar qual é e como ocorre o acesso à educação, buscando identificar as causas do fracasso escolar dessas classes. 3) Segundo a teoria queer, o sujeito é o que é em detrimento do que ele não é a identidade se constrói a partir de uma relação que pode ocorrer na identifica- ção com o outro, ela é um processo de significação. Não há, segundo a teoria queer, identidade sem significação 140 e significação sem poder. Portanto, o valor que se dá à heterossexualidade é ratificado pela homossexualidade, o que a faz ser considerada cada vez mais um desvio por- que se contrapõe a sexualidade hegemônica, dominante, propagada pelo discurso dominante. 4) As reflexões sobre o gênero no currículo es- colar, numa perspectiva crítica e pós-crítica, caminham no sentido de não ignorar as questões existentes no co- tidiano social e escolar. Elas abarcam as questões de co- nhecimento, identidade e poder trazidas à tona através das reflexões acerca da distinção de gênero que se fazem no currículo, e impossibilitam a abordagem parcial do currículo porque possibilitam, ainda que timidamente, as reflexões sobre o tema. 5) Ressaltando que, ao mesmo tempo em que se faz uma tentativa de valorizar as diferentes culturas no currículo escolar, busca-se também a homogeneida- de cultural. No campo social, significa que, ao mesmo tempo em que, por exemplo, ocorrem manifestações em busca do respeito à diversidade cultural, vê-se a produ- ção dos meios de comunicação de massa ratificando uma cultura que se insere na vida das pessoas, na maioria das vezes de forma inconsciente, mantendo assim, aquilo que é desejado social, econômica e politicamente.