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58 Unidade III Unidade III 7 A FILOSOFIA MODERNA O Renascimento, ocorrido nos séculos XIV e XV, é nitidamente demarcado pela redescoberta da arte e da literatura grega, abrangendo o humanismo, com ênfase na colocação do homem no centro da realidade, o repensar da política, o estilo de governo influenciado pelas obras de Maquiavel, o estudo científico e a filosofia moderna, com destaque para o poder racional do homem, sinalizando um retorno às raízes do pensamento racional e à renúncia do controle do conhecimento pelo misticismo e pela Igreja Católica. Nesse contexto, a sabedoria não é mais vista como algo sagrado e místico, uma vez que, por meio do pensamento e do raciocínio, o homem tem poder para traçar seu próprio destino e caminhar rumo ao conhecimento. Para começar, é importante lembrar que a filosofia da Idade Moderna nasceu por causa dos trabalhos dos grandes mestres do renascimento cultural e científico dos séculos XIV e XV, entre eles Nicolau Copérnico e Leonardo da Vinci, e dos esforços de cientistas e pensadores como Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes e Emanuel Kant nos séculos seguintes. A filosofia moderna teve início, de fato, com a Teoria do Conhecimento de René Descartes. Na Idade Média, tanto na sociedade quanto na política, a palavra de Deus era considerada como fonte única do conhecimento absoluto, sendo interpretada pela Igreja, que dominava todos os aspectos da vida humana. Por isso, o Renascimento trouxe uma renovação da ciência e a necessidade de uma nova definição do ser humano e seu lugar no mundo. A chamada Idade da Razão surgiu para redefinir os padrões científicos e filosóficos já existentes. Descartes, na declaração “penso, logo existo”, descobre o homem como um ser racional por natureza, com a capacidade de alcançar o conhecimento e, mais que do isso, sua existência é definida pelo ato de pensar. As obras de Descartes formaram a base sobre a qual os racionalistas desenvolveram seus trabalhos e formularam suas hipóteses. Figura 10 – Voltaire na corte de Frederick II da Prússia 59 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Danilo Marcondes, em Iniciação à história da filosofia, sintetiza o Iluminismo, ou o Século das Luzes, como sendo um movimento do pensamento europeu (mais fortemente na França) concentrado principalmente nas últimas cinco décadas do século XVIII. Segundo ele: o Iluminismo valorizou o conhecimento como instrumento de libertação e progresso da humanidade, levando o homem à sua autonomia e a sociedade à democracia, ou seja, ao fim da opressão (2007, p. 210). Portanto, o Iluminismo como movimento dentro da modernidade e mantendo a ênfase na racionalidade possui características próprias, como a liberdade e o fim da opressão. Esse esclarecimento não requer nada mais que a liberdade, incluindo a mais inofensiva de todas as liberdades, ou seja, a de fazer uso público de sua razão em todos os domínios. Esse aspecto é importante, pois só se via limitação da liberdade, e o uso público da nossa razão deve ser livre, uma vez que somente ele pode difundir o esclarecimento entre os homens. O Iluminismo influenciou os responsáveis pelos movimentos de libertação no século XVIII, e seu efeito foi sentido de forma muito especial na França, sendo um dos fatores que levaram à Revolução Francesa. A burguesia, geradora de riqueza, estava presa sobre o jugo da aristocracia, da monarquia absolutista e da Igreja, dominantes desde a Idade Média, sendo obrigada a pagar impostos para sustentar o luxo de poucos, e ansiosa por uma sociedade livre. Ao encontrar aliados prontos para lutar entre as massas de miseráveis parisienses, revoltou-se contra a opressão pelo direito de ter liberdade de escolha sobre o curso da própria vida e contra uma voz no governo do país que ajudou a enriquecer. De acordo com Danilo Marcondes, uma das características fundamentais da filosofia do Iluminismo em relação ao homem é “o individualismo que se baseia na existência do indivíduo livre e autônomo, consistente e capaz de se autodeterminar” (2007, p. 208). O homem que, de acordo com Rousseau, nasce bom, passa a ser visto como livre, autônomo e senhor do seu próprio destino. 7.1 René Descartes: o Racionalismo Figura 11 – René Descartes 60 Unidade III O primeiro pensador moderno As transformações que ocorreram no século XVI mudaram a concepção de mundo do homem ocidental à medida que novas descobertas foram ampliando os horizontes espaciais e temporais da experiência humana. Os pensadores dessa época encontravam antigas doutrinas de cunho filosófico e científico formuladas pela civilização greco-romana, que renasceu a todo vapor, tornando possível a construção de novo saber racional em oposição aos valores e aos princípios que prevaleceram na Idade Média, com base em uma nova configuração geográfica do planeta. Nesse contexto, praticamente tudo foi contestado, desde a unidade política e religiosa da Europa, passando pela autoridade da Bíblia e chegando a abalar o prestígio do Estado e da Igreja. Afinal, com os navegadores cruzando os mares e descobrindo novos povos e culturas, era natural que o questionamento das verdades até então estabelecidas fosse abalado. Foi nessa fase de efervescência e de arrebatamento pela compreensão de um mundo ainda inédito que nasceu e viveu René Descartes. Ele acreditava ser um iluminado cuja missão consistia em unificar todos os conhecimentos humanos a partir de bases sólidas atestadas pela ciência para edificar um modo de pensar centrado na verdade e, por isso mesmo, permeado apenas pelas certezas racionais. Como matemático e filósofo francês, ele refutou todos os pressupostos e ideias que vinham da natureza subjetiva dos sentidos, o que o levou a escrever a máxima “penso, logo existo”. Para ele, todo o universo material poderia ser explicado em termos físicos e matemáticos, o que o levou a criar a geometria analítica como forma de definir e manipular as formas geométricas por meio de expressões algébricas. Deu origem ainda às coordenadas cartesianas, a forma por intermédio da qual os pontos são representados nesse sistema, que marcaram para sempre seu nome na história da humanidade. Além de desenvolver a ciência da ótica, Descartes ajudou a conceber e modelar as teorias contemporâneas de ciências, como a astronomia, e o estudo do comportamento animal. Como filósofo, identificou a coisa pensante ou mente como sendo a alma ou a consciência humana. Já o corpo, apesar de interagir de alguma forma com a alma, era uma máquina física, secundária, podendo ser separado da alma. Ele defendia que tudo tinha uma causa, destacando que, apesar de toda a matéria estar em movimento, ela não se move por si, pois o impulso inicial vem de Deus. O dualismo cartesiano explicava que existiam duas substâncias totalmente diferentes em sua composição, a substância espacial, ou seja, a matéria, e a substância pensante, da qual a mente faz parte. René Descartes nasceu em 1596 em La Haye, rebatizada com o nome de Descartes em sua homenagem, no sul de Tours, na França. Integrou o exército do príncipe Maurício de Orange e, em 1619, durante uma viagem pela Europa, decidiu aplicar os métodos da matemática à metafísica e à ciência. Para isso, foi morar nos Países Baixos em 1628, onde tinha mais possibilidades de se libertar das influências e das perseguições da Igreja Católica. Em 1649, visitou a corte da rainha Cristina, na Suécia. O trabalho de maior destaque de Descartes no campo da matemática foi La Géométrie (A Geometria), publicado em 1637. Mesmo sem ter sido o primeiro a usar a álgebra na geometria, foi o primeiro a usar a geometria na álgebra. Ele foi também pioneiro na classificação das curvas sistematicamente, separando as curvas geométricas, que podem ser expressas com exatidão por meio de uma equação, das curvas mecânicas, que não admitem esse enquadramento. Entre seus trabalhos mais conhecidos, estão O discurso do 61 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO método (1637), Meditações sobrea primeira filosofia (1641) e Princípios da filosofia (1644), além de várias publicações sobre fisiologia, ótica e geometria. Também conhecido como Renatus Cartesius (forma latinizada), Descartes ganhou fama por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência; mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria, o que deu origem à geometria analítica e ao sistema de coordenadas cartesianas. Além disso, foi um dos pensadores mais importantes na Revolução Científica. Muitas vezes chamado de “fundador da filosofia moderna” e “pai da matemática moderna”, ele passou para a história como um dos pensadores mais influentes do pensamento ocidental, que serviu de modelo e inspiração para várias gerações de filósofos que viriam depois. Boa parte da filosofia escrita a partir da época em que viveu foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele. Muitos especialistas afirmam que Descartes inaugurou o racionalismo da Idade Moderna, enquanto décadas mais tarde, na Grã-Bretanha, John Locke e David Hume deram início a um movimento filósofico que pode ser considerado oposto ao seu pensamento, que se convencionou chamar de empirismo. No Discurso do método, Descartes declarou sua decepção não com o ensino da escola em si, mas com a forma de pensamento baseada na cultura e na tradição que era fundamentalmente escolástica, cujo conhecimento científico achava-se confuso, obscuro e nem um pouco prático. Ele criticou ainda as escolas da Companhia de Jesus, fazendo com que os mestres jesuítas o considerassem um filósofo deficiente. Nessa mesma época, escreveu também Larvatus prodeo (Eu caminho mascarado). No ano de 1637, ficou mais conhecido com a publicação de três pequenos tratados científicos: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. No entanto, foi o prefácio dessas obras que o tornaram um pensador célebre, levando-o ao reconhecimento posterior, intitulado Discurso sobre o método. Em 1641, lançou sua obra filosófica e metafísica mais importante: Meditações sobre a filosofia primeira, juntamente com os primeiros seis conjuntos de Objeções e Respostas. Em 1643, o cartesianismo foi condenado pela Universidade de Utrecht, enquanto Descartes publicava Os princípios da filosofia, obra que faz uma síntese dos seus princípios filosóficos para a formação da ciência. Em 1649, a convite da Rainha Cristina da Suécia, escreveu e publicou o Tratado das paixões, dedicado à princesa Elizabete da Boêmia, com quem mantinha uma amizade afetuosa. Morreu de pneumonia em 1650 em Estocolmo, onde estava trabalhando como professor. Por ser católico em um país protestante, foi enterrado em um cemitério de crianças não batizadas, em Adolf Fredrikskyrkan. Durante a Revolução Francesa, seus restos foram desenterrados para serem deslocados para o Panthéon, ao lado de outras grandes figuras ilustres da França. Em 1667, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Índice dos Livros Proibidos. O pensamento de Descartes pode ser considerado revolucionário para uma sociedade feudalista, na qual a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição da produção de conhecimento científico. Ele viajou muito e viu que sociedades diferentes possuíam crenças diferentes e até mesmo contraditórias. Aquilo que numa região era tido como verdadeiro, era considerado ridículo e desprovido de bom senso em outros lugares. Descartes constatou que os costumes, a história de um povo, bem como sua tradição cultural, determinavam a forma como 62 Unidade III as pessoas pensam naquilo em que acreditam, o que o levou a entender a cultura como inimiga da razão. Por isso, o método cartesiano consiste basicamente no ceticismo metodológico, que duvida de tudo que pode ser duvidado. Esse pensamento vai de encontro ao dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser. Ainda nesse contexto, ele também concebeu o método na realização de quatro tarefas básicas: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou da coisa estudada; analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios utilizados para manter a ordem do pensamento. Quanto à ciência, desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos cientistas até ser passada pela metodologia de Isaac Newton. Ele acreditava que a matéria não possuía qualidades inerentes, sendo apenas o material bruto que ocupava o espaço, dividindo a realidade em res cogitans (consciência, mente) e res extensa (matéria). Para Descartes, Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical, que funcionava de forma determinista e sem a intervenção divina. Ele instituiu a dúvida, alegando que seria possível dizer que existe apenas aquilo que pode ser provado. Não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de me haver encontrado, desde a juventude, em certos caminhos, que me conduziram a considerações e máximas, de que formei um método, pelo qual me parece que eu tenha meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de alçá-lo, pouco a pouco, ao mais alto ponto, a que a mediocridade de meu espírito e a curta duração de minha vida lhe permitam atingir (DESCARTES, 1973 p. 42). A curiosidade de Descartes pela Matemática começou logo cedo, no College de La Flèche, escola dirigida pelo clero, por um motivo que já deixava entrever sua visão filosófica, ou seja, a garantia que as demonstrações ou as justificativas matemáticas proporcionam às descobertas humanas. Os matemáticos reconhecem a importância de Descartes pelo seu estudo pioneiro sobre a geometria analítica. Antes dele, a geometria e a álgebra apareciam ainda como segmentos distintos da Matemática e foi o filósofo quem mostrou uma forma de traduzir problemas de geometria para o campo da álgebra, abordando-os por meio da criação de um sistema de coordenadas. Essa teoria serviu de suporte para o cálculo de Newton e de Leibniz, colaborando em grande escala para a concepção da matemática estudada atualmente. Lembrete Na declaração “penso, logo existo”, Descartes descobre o homem como um ser racional por natureza, com a capacidade de alcançar o conhecimento e, mais que do isso, sua existência é definida pelo ato de pensar. 63 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 7.2 David Hume: o empirismo Figura 12 – David Hume Considerado um dos mais importantes filósofos da Grã-Bretanha do século XVIII, David Hume nasceu em Edimburgo, na Escócia, em maio de 1711. Voltou para a propriedade rural de sua família em 1737, depois de estudar na França, e lá permaneceu até a morte, em 1776. Assim que regressou, providenciou a publicação de sua obra mais famosa, o Tratado, composta por três livros, publicados no anonimato em duas etapas, antes de completar 30 anos. O Livro I tem como objetivo fornecer uma explicação do processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano, desde o surgimento das ideias, passando pelas noções espaciais e temporais, até a causalidade e o ceticismo atribuído aos sentidos. Já o Livro II, sobre as “paixões” do homem, apresenta um elaborado mecanismo para explicar a ordem afetiva ou emocional no homem, e reserva um papel subordinado para a razão. Essas duas partes foram publicadas em 1739, anonimamente. O Livro III descreve o bem moral em termos de “sentimentos” de aprovação ou desaprovação que o homem sente quando considera o comportamento humano sob a luz do que é de consequência agradável ou desagradável para ele ou para os outros. Essa terceira parte foi publicada em 1740. Ele frequentou a universidade local. Inicialmente, pensou em seguir a carreira jurídica; mas, em suas palavras, chegou a uma “aversão intransponível a tudo, exceto ao caminho da filosofia e àaprendizagem em geral”. Apesar de muitos acadêmicos considerarem hoje o Tratado sua maior obra e um dos livros mais importantes da história da filosofia, o público inglês não se entusiasmou imediatamente. Em 1744, foram recusadas a Hume as cadeiras nas Universidades de Edimburgo e Glasgow, provavelmente devido a 64 Unidade III acusações de ateísmo e à oposição de um dos seus principais críticos, Thomas Reid. Após esses insucessos, trabalhou como curador de um doente psiquiátrico e posteriormente como secretário de um general. No entanto, para além dos seus trabalhos no âmbito da filosofia, Hume ascendeu à fama literária como ensaísta e historiador com seu célebre História da Inglaterra. Viveu a última década da vida em Edimburgo, no novo aldeamento de New Town. O pensamento de Hume possui grande influência na filosofia atual. Para ele, percepção em estado puro dá origem às impressões que, posteriormente, conferem ao sujeito a possibilidade de compor a ideia como uma cópia deturpada da percepção bruta. Essa teoria de Hume ficou conhecida como empirismo psicológico, que deu origem ao empirismo lógico. De acordo com essa concepção, as palavras só encontram significação se possuírem um ser ou um objeto correspondente no mundo, ou seja, uma base empírica. Nesse sentido, Hume foi de encontro aos postulados filosóficos complexos e de conclusões metafísicas que não têm como fundamento a base no real, pois, para ele, a abstração não existe. Nesse caso, toda forma de conhecimento estaria associada às impressões e às relações entre as ideias inatas e originais, como as verdades dos princípios matemáticos, que são irrefutáveis, uma vez que as deduções lógicas podem ser demonstradas. Dessa forma, os objetos da razão podem ser divididos em relações de ideias e questões de fatos. Fazem parte do primeiro grupo as verdades matemáticas, quer dizer, a relação de ideias remonta à razão humana, que estabelece as relações entre elas. Essas assertivas possuem validade universal, uma vez que comparam ideias que não são efetivas, pois somente os objetos pensados admitem efetividade. Hume também critica o conceito de substâcia, seja ela de ordem material, seja de natureza espiritual, descartando o conceito de alma concebido por Descartes. Para ele, o ser humano consiste em um feixe de sensações da consciência que permanecem em um fluxo constante, sucedendo-se. Portanto, a consciência opera com essa somatória de momentos, e o eu passa a existir quando ocorre uma ação de presença; quando se morre, o eu se anula. Com o objetivo de garantir sua sobrevivência, o homem buscou colocar ordem à sua volta, dando prioridade àquilo que é útil. Como o fundamento das ciências naturais para Hume não é racional, a natureza sobrepõe-se à razão. Nesse sentido, filosofar seria uma forma de refutar o racionalismo. Como o princípio causal tem origem na experiência, nossa mente é formatada pelo costume e pela experiência. Aceitamos algo como natural; mas, se fosse de outra maneira, aceitaríamos da mesma forma. Hume admite a existência objetiva dos efeitos da natureza, uma vez que até mesmo um cético tem de aceitar a existência de um objeto concreto. No entanto, as leis da natureza são apenas as mais prováveis de acontecer e, como a causalidade não é objetiva, uma vez verificadas que nem sempre as mesmas causas surtem os mesmos efeitos, a certeza precisa ser trocada pela probabilidade dos acontecimentos, incluindo a expectativa que um evento ocorra, por ser inerente apenas ao homem. Na visão de Hume, a origem da religião encontra-se no sentimento, assim como a origem da moral. O filósofo ainda aborda a questão do que é o bem para o homem em sua teoria moral, que tem um tom altruísta que afirma a existência de um Ser supremo e senhor da natureza. Na sua obra Ensaios morais, políticos e literários, Hume explica que o ser humano busca a perfeição da natureza por meio da inspiração artística, criticando a felicidade artificial, em contraposição aos sentidos. Ele também refuta os sábios, pois acredita que o caminho deve vir de dentro e não de teorias, e é nessa caminhada que 65 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO atingimos o prazer e a virtude. Portanto, sua linguagem é jovial, enaltecendo sempre o arrebatamento epicurista pelas paixões como se fosse a doutrina de prazer. Já no ensaio seguinte, O estoico, Hume continua louvando a natureza, contrapondo a barbárie e afirmando que devemos apurar nosso gosto pelas artes. De acordo com ele, a natureza foi generosa com o homem, tornando-o superior aos outros animais; mas ele necessita ser civilizado por meio da educação. Devemos, então, aperfeiçoar o espírito e refletir. Ao encontrarmos as regras para nossa conduta, seremos filósofos; mas, somente quando as aplicarmos do ponto de vista pragmático, seremos sábios. No ensaio O platônico, Hume aborda ainda a diversidade dos gostos humanos, além da contemplação filosófica, que devem estar relacionados à perfeição e à beleza universal. Já no ensaio O cético, Hume observa que não é possível recorrer às teorias filosóficas tendo em vista o prazer, pois é infinita a gama de variações das possibilidades humanas. Para ele, o único princípio filosófico verdadeiro é que as coisas em si não possuem as qualidades que o homem lhe atribui. Hume insiste em afirmar que é a paixão a responsável pela proposição dos valores de tudo o que existe. Ao vivenciar uma sensação de prazer, quando observa os objetos que trazem um sentimento, o ser humano tende a classificá-los pela beleza, seja ela desejável ou abominável. Ao igualar os homens, presume que aquilo que os diferencia está na paixão ou na fruição. Ele critica a aspereza de espírito de muitos e acredita que a filosofia pode corrigir esse defeito, ainda que seja para poucos, pois ela induz ao prazer. Como todos os males vêm do universo que os engloba, para escapar deles e dos seus infortúnios, é preciso prevenir-se e conhecê-los. No ensaio Da origem do governo, Hume afirma que, na sociedade tradicional, uma pessoa nascida em família precisa conservar esse laço social, tendo em vista o cumprimento da justiça como o principal motivo da existência do poder governamental. Como a natureza humana possui sua face maligna, tornam-se necessárias a paz e a ordem para conservar a organização social. Por esse motivo, é preciso criar mecanismos para assegurar a obediência por meio dos hábitos, para que os homens aprendam a aceitar as regras sem questioná-las. A origem divina do governo como vontade de Deus é defendida por Hume no ensaio Do contrato original, justificando ser isso necessário para a humanidade como um todo. O filósofo também alega que o vigor dos membros e a coragem constituem a força natural de um homem e, depois de consolidada, a obediência passa por várias gerações até ser reconhecida como natural. Ele ainda afirma que foi em Atenas que ocorreu a maior prática da democracia, apesar de o voto ser limitado aos cidadãos de posse, o que o leva a pensar que o governo não surge a partir do consenso popular, pois esse consenso surge da força. Da mesma forma, a utopia da justiça é impossível pela natureza humana, já que o fluxo da vida implica uma transmissão de valores hereditários. Para Hume, existem duas espécies de deveres morais, sendo do primeiro grupo aqueles relacionados ao instinto natural. Já a segunda espécie decorre da obrigação, uma vez que se tornam necessárias leis para viver em sociedade, fazendo surgir o sentido da justiça e a lealdade. Após negar as origens filosóficas e religiosas do governo como consenso popular, parte para buscar o motivo da submissão no ensaio Da obediência passiva. Para ele, a justiça precisa ter utilidade pública, enquanto a lei deve garantir a segurança da coletividade. Mesmo considerando a monarquia arrogante, o filósofo também defende o direito de resistência à tirania. 66 Unidade III Com o ensaio Dos primeiros princípios do governo, Hume demonstra sua admiração pelo fato de muitos renunciaremaos seus sentimentos em benefício de uma minoria. A opinião pode ser de interesse ou de direito; a primeira origina-se do benefício do governo, enquanto o direito está relacionado ao poder, que predomina, e à propriedade. Essas opiniões são fundamentais para o governo, mas os interesses pessoais e as características inerentes ao ser humano podem restringi-las. No ensaio Da sucessão protestante, o filósofo elabora um estudo da sucessão hereditária, utilizando políticos ingleses da sua época como exemplos. Em ensaios anteriores, sua opinião sobre a monarquia não era tão benevolente. Para Hume, o governo hereditário dos príncipes, uma nobreza sem vassalos e um povo escolhendo seus próprios representantes, pode ser considerado o que existe de melhor na monarquia, na aristocracia e na democracia, respectivamente. No entanto, ele coloca em dúvida se as formulações gerais da política devem ser efetivas. No ensaio Que a política pode ser transformada em ciência, critica o pensamento de Maquiavel, alegando que parte de sua teoria baseia-se em falsos princípios. Uma constituição pode ser boa se consegue combater a má administração. Já no ensaio Da liberdade civil, ele elogia as pessoas livres de preconceitos, que se dedicam a causas partidárias e políticas, contribuindo assim para a sociedade. Mas, como todos são ainda muito jovens, não existe uma fórmula aceitável. Hume também verifica a mudança que se dá no Estado em razão do poder da instituição, ou seja, quando se passa de um governo de homens para um governo de leis. Ele apreciava o filósofo pré- socrático Xenofonte, e nele buscou várias informações históricas. No ensaio Ideia de uma república perfeita, expõe o quanto é difícil modificar uma forma de governo, mesmo que seja para melhor. Ao abordar os teóricos que traçaram planos imaginários de governo, como Thomas More e Platão, estrutura um sistema governamental que inclui o senado, o condado e representantes, ressaltando os poderes executivo e legislativo como necessários para o alcance do equilíbrio social. No ensaio Da superstição e do entusiasmo, coloca a superstição e o entusiasmo como exemplos falsos de religião, uma vez que a alma humana pode alcançar um estado de espírito negativo e imaginar objetos, atribuindo poderes a algo inexistente. Outro tipo de estado de espírito conduz ao entusiasmo e, nele, a imaginação flui, enquanto o mundo material perde a sua grandeza. Hume também acredita que sentimentos como a esperança e o orgulho, além da imaginação, são fontes do entusiasmo e parte para criticar os membros do clero, chamando-os de tiranos. No ensaio Da origem e progresso das artes e ciências, alerta para a distinção entre o que é do acaso e aquilo que provém da causa. O que depende de poucos vem do acaso e, o oposto, vem das causas. Na história da arte e da ciência, deve-se tomar cuidado para não confundir as causas ou achar causas inexistentes. Hume ainda acredita que o homem é superior à mulher, embora a natureza tenha se encarregado de prover todas as espécies de amor entre os sexos, mesmo que seja por tempo limitado. No ensaio Da eloquência, destaca que sentimentos nascidos da vaidade dão origem às disputas. Em todos os seus ensaios, Hume defende que a natureza humana possui um lado maligno e que o preconceito acaba com a capacidade de raciocinar, fazendo da arrogância um defeito comum entre os homens. Como Deus é o ser supremo, deseja o bem, que deve ser experimentado por meio das sensações puras, que se encontram pervertidas no processo civilizatório pelos defeitos comuns que afastam de Deus, muito embora haja homens com gosto superior. 67 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO De forma resumida, o ceticismo de Hume está na negação não da crença, mas da evidência. É a conclusão filosófica de que o homem é mais uma criatura de percepção sensível e prática que de razão. O que ele diz é que somente existe nossa experiência de que uma coisa se segue à outra, que os padrões de uma experiência passada se repetem e passam a ilusão de causa e efeito. Ele não observa nenhuma relação causal entre os dados dos sentidos “externos” porque, quando o homem considera quaisquer eventos como causalmente relacionados, tudo que faz e pode observar é que eles frequentemente caminham juntos. Nesse tipo de associação, é um fato que a impressão ou ideia de um evento traz com ele a ideia do outro. O trabalho da associação do hábito fixa-se na mente e passa a ser sentido como compulsão. Com esse sentimento, Hume conclui ser a única fonte da ideia de causalidade. 7.3 Immanuel Kant: o apriorismo e o conhecimento Figura 13 – Immanuel Kant (1724-1804) O crítico da razão e da moral Nascido em 1724 no seio de uma família protestante em Königsberg, atual Kaliningrado, Emmanuel Kant teve educação rígida em uma escola de princípios pietistas, ou seja, reacionária contra o protestantismo dogmático. Na primeira fase da vida adulta, era apenas um metafísico menor numa universidade prussiana; mas foi então que uma crise existencial o atormentou, sendo possível afirmar que isso teve forte influência na suas convicções posteriores como filósofo e pensador. Em 1740, Kant tinha 16 anos e Frederico II tornou-se o rei da Prússia, trazendo sinais de tolerância para uma nação célebre pela disciplina militar. Trouxe também iluministas para sua corte e continuou a política de encorajamento à imigração que o pai tinha seguido. Com o falecimento do pai em 1746, foi obrigado a trabalhar como professor particular. Ao se tornar professor de 68 Unidade III lógica e metafísica na universidade, após quatorze anos como docente, entrou em contato com a obra de David Hume, que o despertou do seu sono dogmático, uma vez que se perguntou como são possíveis juízos sintéticos a priori; para responder a essa pergunta, escreveu um livro com mais de 800 páginas. Em 1773, Frederico II, um protestante, concedeu refúgio à Ordem dos Jesuítas, banidos pelo Papa, enquanto Kant, aos 50 anos, vivia o auge do movimento romântico, chamado Sturm und Drang. Sete anos mais tarde, publicou a Crítica da razão pura. A reação aos seus escritos foi pouco encorajadora, pois Moses Mendelssohn e Johann Georg Hamann pronunciaram-se de forma reticente, o que levou Kant a escrever um artigo intitulado O que é o Iluminismo? Aos 71 anos, publicou o tratado Para a paz eterna, no qual surgia a perspectiva de um cidadão do mundo esclarecido. Morreu com 80 anos, após uma prolongada doença que apresentava sintomas semelhantes à doença de Alzheimer, uma vez que já não reconhecia sequer seus amigos mais íntimos. Foi considerado como o último grande filósofo da era moderna, e também um de seus pensadores mais marcantes. Há estudiosos que avaliam sua concepção filosófica de mundo como uma espécie de síntese entre o racionalismo de René Descartes e Gottfried Leibniz, no qual predomina o raciocínio dedutivo, e a tradição empírica inglesa, de David Hume e John Locke, que prioriza o raciocínio indutivo. Kant ainda recebeu reconhecimento pela sua teoria conhecida como Transcendentalismo, segundo a qual todos trazem conceitos a priori, ou seja, aqueles que não vêm da experiência para a vivência concreta do mundo. Seguindo essa linha de pensamento, a filosofia da natureza e da natureza humana concebida por Kant é, do ponto de vista histórico, uma das mais influentes do relativismo conceptual que tomou conta da postura intelectual do século XX. Porém, é possível que o próprio filósofo refutasse o relativismo nas suas formas atuais, como o pós-modernismo. Ele também ficou conhecido pela sua filosofia sobre a moral e pela proposta moderna de uma teoria a respeito da formação do sistema solar, denominada de hipótese Kant-Laplace. Aos 46 anos, entrou em contato com a obra de David Hume, considerado um empirista ou um cético que, para uns, desprezava qualquer tipo de explicação metafísica, para outros era tido como um naturalista. Em seu trabalho mais conhecido, alega que nada na experiência humana pode justificara existência de poderes causais inerentes às coisas, o que deixou Kant bastante perturbado, por achar o argumento de Hume irrefutável, apesar de as conclusões serem inaceitáveis. Depois de dez anos, em 1781, publicou o célebre Crítica da razão pura, uma das obras mais significativas da filosofia moderna. Nesse livro, ele elabora sua ideia de uma teoria transcendental para demonstrar que, mesmo sem saber as verdades acerca do universo, somos obrigados a refletir sobre ele, já que podemos ter a certeza de um grande número de coisas sobre o mundo enquanto sua aparência, regido por leis da física e da matemática, por exemplo. Nos vinte anos que se seguiram, Kant produziu de forma incessante, completando sua contribuição à filosofia moderna com a Crítica da razão prática, que tratava da moralidade de maneira semelhante ao modo como a crítica inicial abordava o conhecimento. Em Crítica do julgamento, ele destaca os diversos usos dos poderes mentais, que não requerem conhecimento factual nem nos fazem, 69 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO necessariamente, partir para a ação. Da maneira como Kant os concebeu, os juízos de valor relacionados à estética e à teleologia estabelecem uma conexão entre os nossos julgamentos morais e empíricos, unindo todo o sistema. A fundamentação da metafísica dos costumes é considerada por muitos filósofos a mais importante obra já escrita sobre a moral. Nela, Kant definiu as funções da ação fundamentada pela moral, introduzindo conceitos como o “imperativo categórico” e a “boa vontade”. Ele ainda produziu ensaios mais populares sobre história, política e aplicação da filosofia à vida. Quando veio a falecer, estava escrevendo a Quarta crítica, por ter concluído que seu pensamento estava incompleto. Esse manuscrito foi publicado como obra póstuma. De acordo com Kant, para fazer uma crítica sobre aquilo que é belo, precisamos nos orientar pelo poder do julgamento, e a indagação fundamental que move essa investigação crítica consiste em saber se existe um valor universal capaz de conceituar o belo e reivindicar que outros indivíduos, a partir da apreciação de uma forma bela da natureza ou da arte, confirmem esse juízo. Se não for dessa forma, temos que aceitar o fato de que todo objeto que julgamos ser belo seria, portanto, um valor subjetivo. Logo, a capacidade de julgar, que pertence a todos, é universal, entrelaçando o julgamento estético e prático. Assim, a investigação crítica que Kant propõe refere-se ao universo especulativo das faculdades subjetivas do homem que atuam conforme princípios que fazem farte da essência do pensamento humano. Segundo estudiosos da obra filosófica de Kant, ele reconhece três faculdades do ânimo: a de conhecer, a de apetição e o sentimento de prazer e desprazer. A faculdade de conhecer refere-se ao objeto e à unidade de percepção, já a faculdade de apetição consiste nas representações consideradas como causa de efetividade desse objeto, enquanto o sentimento de prazer e de desprazer são as representações que se referem ao sujeito e que conservam sua existência nele. Ele acredita que o sentimento está localizado em um patamar entre o desejo e o conhecimento, conceituando prazer como um sentimento relacionado ao gosto, compreendido como a capacidade de apreciação do prazer. Na Crítica da razão prática, o filósofo discorre sobre o respeito, considerando-o diferente dos demais sentimentos por pertencer à razão pura e, por isso, não poder ser atribuído nem ao gozo nem ao sofrimento. Para ele, o respeito encontra-se vinculado à representação da lei moral em todo ser racional, sem que haja o condicionamento ao prazer ou ao desprazer. Dessa forma, a razão sugere um sentimento de satisfação no que diz respeito ao dever cumprido. Essa conclusão vai originar a crítica do gosto, uma vez que associa o ânimo com o sentimento moral. O juízo de gosto, então, seria a faculdade de julgar, que produz satisfação e descontentamento. Nas palavras do próprio Kant (1987), “gosto é a faculdade de julgar um objeto ou uma representação mediante uma satisfação ou descontentamento, sem interesse algum. O objeto de semelhante satisfação chama-se belo”. Portanto, é possível compreender o juízo de gosto como o “interesse desinteressado”, que vem da contemplação da beleza. Por isso, todo juízo referente às artes faz parte da satisfação estética, que é desprovida de interesse e encontra-se no prazer diante da contemplação do objeto. 70 Unidade III Para Kant (1987): só a crítica pode cortar pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos fortes, o fanatismo e a superstição, que podem se tornar nocivos a todos e, por último, também o idealismo e o cepticismo, que são, sobretudo, perigosos para as escolas e dificilmente se propagam no público. Mesmo tendo adaptado a ideia de uma filosofia crítica, cujo objetivo inicial era revelar os limites das capacidades intelectuais humanas, ele foi um dos grandes edificadores de sistemas, criticando a metafísica, a ética e a estética. Sua famosa citação – “o céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro de mim” – consiste em uma síntese dos seus estudos. Com isso, o filósofo busca explicar, por intermédio de uma teoria sistemática, que tempo e espaço são formas elementais de a mente humana perceber o mundo; mas só podem ser empregadas na prática, uma vez que a mente não pode produzir essa ideia. Além disso, nada pode ser percebido, exceto por meio dessas formas, sendo os limites da física as fronteitas finais da estrutura mental. Na visão kantiana, o conhecimento, a priori, possui a capacidade de compreender as experiências naturais, que são apresentadas à consciência humana. Em seguida, ela retira o mundo real (que ele chamou de numenal) da cena da percepção. Kant denominou seu pensamento filosófico crítico de idealismo transcendental, ou seja, descreveu a forma de procurar as condições da possibilidade do conhecimento do mundo pelo homem. Porém, esse idealismo difere de outros sistemas idealistas. Para ele, os fenômenos dependem das condições da sensibilidade, do espaço e do tempo, ao contrário da tese da dependência mental no sentido do idealismo de Berkeley. Em 1784, no ensaio Uma resposta à questão: o que é o Iluminismo?, Kant buscava atingir os grupos que tinham levado o racionalismo além dos limites, incluindo os metafísicos, que pretendiam compreender tudo sobre Deus e a imortalidade, os cientistas, que presumiam por meio de seus experimentos a descrição mais exata da natureza, e também os céticos, que alegavam que a crença em Deus, na liberdade e na imortalidade não tinha fundamentos racionais. Apesar de tantas divergências, Kant mantinha-se otimista por atribuir à Revolução Francesa uma forma de instaurar o domínio simultâneo da razão e da liberdade. As investigações filosóficas de Kant ocuparam-se de quatro questões principais: a mecânica do saber, a ética, a religião e a natureza do sentimento estético, bem como a direção da evolução biológica. A respeito de cada uma delas expressou ideias que marcaram de forma decisiva a história do pensamento humano. No que se refere à natureza do saber, a importância de Kant reside menos no resultado dos seus estudos do que no fato de haver proposto o assunto. Em outras palavras, ele foi o primeiro a pensar em estudar a natureza da compreensão humana antes de levar em conta seus resultados, concebendo a ideia de razão independente da experiência, e, com isso, provocou uma espécie de revolução comparada às transformações que mudaram os conceitos científicos e filosóficos do século XIX. 71 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 7.4 Hegel: o idealismo alemão Figura 14 – Drawing Hands, de Maurits Cornelis Escher O pensador das contradições George Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo nascido em 1770, é considerado o expoente máximo do idealismo alemão do século XIX, que acabou provocando um impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx. Aos 18 anos, ingressouno seminário protestante de Tubingen, para estudar teologia, onde conheceu Schelling e Holderlin. O pietismo, uma das correntes gnósticas do protestantismo, influenciou profundamente seu pensamento. Hegel foi um ilustre professor universitário de filosofia que iniciou suas atividades em Berna, na Suíça, entre 1793 e 1796; depois lecionou em Frankfurt, de 1797 a 1800. Foi também mestre de conferências na Universidade de Iena, professor e reitor em um colégio de Nuremberg, professor em Heidelberg e, finalmente, em Berlim, onde permaneceu até a morte. Hegel formulou o modelo analítico da realidade que maior influência teve ao longo dos séculos XIX e XX, para pensadores como Schopenhauer, Nietzsche, Marx, Kierkegaard e Jean-Paul Sartre, em razão de uma proposta que recusa a concepção filosófica de Kant. Buscou se defrontar com temas diversos, como a lógica, o direito, a religião, a arte, a moral, a ciência e a história da filosofia. Em todos esses domínios, ele viu a manifestação do espírito absoluto, que se materializa e revela por intermédio da história da humanidade. A filosofia hegeliana parte do princípio de que a negatividade é inerente ao real e que o positivo realiza apenas por meio do negativo. A dialética, portanto, seria o método que permite compreender e esclarecer a racionalidade do real. A obra inicial e a mais significativa dos estudos de Hegel foi a Fenomenologia do espírito ou Fenomenologia da mente. Ele também publicou a Enciclopédia das ciências filosóficas, a Ciência da lógica e a Filosofia do Direito. Várias outras obras sobre filosofia, religião e história da filosofia foram concebidas com base nas anotações dos seus estudantes, tendo sido publicadas somente após sua morte. No entanto, as obras de Hegel ganharam fama de serem de difícil compreensão, tendo em vista os temas que pretendem abranger. Ele ainda critica a concepção do conceito como representação no sentido de preencher uma ausência. Ele introduziu também um sistema para compreender a história 72 Unidade III da filosofia e do mundo da dialética, que pode ser explicado como uma espécie de progressão na qual cada sucessão de movimento surge como solução para contradições inerentes do movimento anterior. De maneira geral, a dialética pode ser considerada como uma das diversas partes do sistema hegeliano, que nunca foi bem compreendido de fato. Um dos possíveis motivos para isso se deve ao abandono, por parte dele, da ideia de que a contradição gera um objeto desprovido de conteúdo. Hegel confere dignidade à contradição, bem como ao negativo; mas, por outro lado, ele não queria dizer que absurdos fossem possíveis. No estudo atual do hegelianismo para estudantes de nível superior, a dialética costuma ser explicada em três momentos distintos: tese, antítese e síntese. No entanto, Hegel não empregou pessoalmente essa classificação. Ele usou esse sistema para explicar a história da filosofia, da ciência, da arte, da política e da religião, mas muitos críticos modernos alegam que ele tende a analisar as realidades da história de forma superficial para poder enquadrá-las em seu paradigma dialético. O método hegeliano inspirou em grande escala as análises de filósofos contemporâneos sobre as relações do eu com o outro. Na luta de duas consciências, Hegel examinou simultaneamente a relação de dois “eu” e a relação de cada “eu” com sua própria vida. O “senhor”, aquele que é vitorioso no combate, aceitou arriscar a vida. Sendo assim, ele é mais do que ela e, por sua coragem, colocou-se acima dos objetos comuns da necessidade e da existência empírica. O vencido, aquele que se rendeu, tem medo de perder a vida. Como consequência, ele é escravo da vida e de seus objetos empíricos. Hegel quer dizer com isso que o senhor não é senhor “em-si”, mas por meio de uma mediação, isto é, de uma relação. O senhor se define por sua relação com o escravo e por sua relação com os objetos, que depende, ela própria, da relação com o escravo. No ponto de partida, o senhor domina os objetos da necessidade, já que no campo de batalha ele se mostrou corajoso e superior à sua vida e aos objetos das necessidades. Secundariamente, o senhor domina os objetos por mediação do escravo que trabalha, isto é, que transforma os objetos materiais em objetos de consumo e de fruição para o senhor. Em suas lições sobre a história da filosofia, Hegel assinala que essa noção envolvia uma contradição interna. De fato, a filosofia quer conhecer o imperecível, o eterno, sendo seu fim a verdade. No entanto, a história conta o que foi numa época e que desapareceu em outra, substituído por outra coisa. Se a verdade é eterna, “ela não penetra na esfera do que passa e não tem história”. Entretanto, a filosofia encontra-se toda nos sistemas dos filósofos. A ideia geral de filosofia permanece abstrata se não se confunde com os diversos sistemas dos filósofos no decurso da história, assim como a noção geral de fruto. Na realidade, Hegel defendia que cada filosofia correspondia a um momento da história e a uma etapa na evolução do espírito absoluto. Portanto, cada filosofia é “o espírito da época existente como espírito que se pensa”. Ela surge “no devido momento, nenhuma ultrapassou seu tempo”. Por isso, as filosofias sucessivas não se anulam, mas as novas filosofias mostram as anteriores como verdades parciais e passíveis de serem integradas numa síntese mais ampla que se elabora com o tempo. Dessa forma, a história da filosofia oferece momentos privilegiados ou, como diz Hegel, vem reconciliar dialeticamente os contraditórios. Nesse sentido, a razão passa a ser única como a racionalidade, formando um sistema. Por essa razão, a evolução das determinações do pensamento é igualmente racional e os princípios gerais surgem segundo a necessidade da noção fundamental. Portanto, o princípio de uma filosofia passa, na seguinte, 73 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO para a categoria de um momento. Não se refuta uma filosofia, apenas sua posição, pois as filosofias são as formas do Uno. Um estudo mais avançado nesse campo pode mostrar como progridem seus princípios, de maneira que o seguinte é uma nova determinação do precedente. Essa evolução permanente e contraditória ao mesmo tempo permite vislumbrar a importância de conhecer os princípios dos sistemas filosóficos para, na sequência, reconhecer cada um deles como necessário em sua época superior. Mais adiante, a determinação precedente torna-se apenas um ingrediente da nova, que é assumida sem ser rejeitada. Desse modo, todos os princípios são conservados. Assim, a unidade consiste no fundamento de tudo. Aquilo que se desenvolve na razão progride na unidade dessa razão e conhecer verdadeiramente um sistema significa tê-lo justificado em si. Limitar-se apenas a refutar uma filosofia é não compreendê-la, sendo necessário ver a verdade que ela contém. Não existe nada mais fácil do que criticar do ponto de vista negativo. No entanto, quem só vê a negação ignora o conteúdo, ele sim afirmativo, e o supera sem se encontrar no interior dele. A dificuldade então consiste em ver o que os sistemas filosóficos contêm de verdadeiro. Somente quando são justificados em si próprios é possível falar das suas limitações e de suas deficiências. O radicalismo dessas oposições levou ao individualismo egoísta de Stirner e à versão marxista do comunismo, da mesma forma que os teóricos pragmatistas se apropriaram dos aspectos comunitaristas da filosofia hegeliana. A filosofia de Hegel foi redescoberta no século XX, graças à volta da perspectiva histórica que ele projetou em tudo, e também ao reconhecimento cada vez maior do valor da sua metodologia dialética. Nesse sentido, o renascimento de Hegel também colocou em evidência a importância fundamental das suas obras iniciais, publicadas antes da Fenomenologia do espírito. Porém, não foram apenas os teóricos da escola de Frankfurt que viram reviver o vigor e a profundidade da filosofia hegeliana na contemporaneidade. 7.5Marx: o materialismo histórico Figura 15 – Karl Marx, em 1882 74 Unidade III O pai do materialismo dialético Karl Heinrich Marx nasceu no seio de uma família judia de classe média em Tréveris, na Alemanha. Era filho de mãe judia holandesa e de um pai advogado que teve de se converter ao cristianismo, quando Marx tinha 6 anos de idade, em virtude das restrições impostas à presença de membros judeus nas atividades públicas. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito; mas, logo depois, transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde a influência de Hegel ainda era bastante sentida no início da sua obra. Com os interesses voltados para a filosofia, ele participou ativamente do movimento dos jovens hegelianos. Doutorou-se em Jena, em 1841, com a tese sobre as Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Nesse mesmo ano, concebeu a ideia de um sistema que combinasse o materialismo de Ludwig Feuerbach com a dialética idealista de Hegel. Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta Renana, mas por causa do fechamento do jornal pelos censores do governo prussiano, em 1843, Marx foi para a França. Com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar o jornalismo na Alemanha e tentar ganhar a vida na Inglaterra. Durante a maior parte da vida, conseguiu seu sustento escrevendo artigos, que publicava de forma esporádica em jornais alemães e norte-americanos, além do auxílio financeiro que recebia do amigo e principal colaborador de seu pensamento, Friedrich Engels, economista alemão. Juntos, eles sintetizaram a experiência de muitos séculos de lutas de classes oprimidas contra seus opressores, criando a doutrina do socialismo científico como uma transformação revolucionária que inaugurou uma nova época no desenvolvimento do pensamento social. Por essa razão, analisar a trajetória da sociedade humana sem se referir a Marx é uma tarefa praticamente impossível, dada sua importância à constituição histórica do século XX, que se deve, em maior ou menor escala, às influências da sua produção intelectual, apesar da grande polêmica gerada até hoje pelos seus pressupostos teóricos. Foi diretamente influenciado por Ludwig Feuerbach, que antevia uma visão invertida do materialismo de Hegel. Marx evoluiu dessa ramificação, que já superava o idealismo revolucionário dos jovens hegelianos de cujo movimento ele mesmo fez parte. Seu pensamento, nitidamente engajado com as lutas proletárias, teve como base uma síntese de três correntes distintas: a economia política inglesa, o socialismo francês e a filosofia alemã. Da união dessas ideias, ele construiu um raciocínio inédito que ficou conhecido como “materialismo dialético histórico”. Essa teoria consiste no desenvolvimento mais elevado sobre a interpretação materialista e dialética da evolução histórica do homem. Para Marx, a realidade material será sempre a grande responsável por todas as condições de vida capazes de expor ao ser humano sua condição existencial, sendo que dela devem partir todas suas formas de ideologia, ou seja, as visões de mundo. Diante dessa formulação, pode-se deduzir que não é a ideia que produz a realidade, mas sim a realidade que produz as ideias, que acabam se correlacionando de forma dialética para modelar as constituições sociais. Inserido no contexto do pensamento alemão que deu origem ao racionalismo (idealismo lógico) e ao romantismo (idealismo sensível), resultando no “materialismo contemplativo”, Marx defendia a prática de um materialismo ativo. 75 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO No entanto, seu materialismo não pode ser encarado de forma empírica, porque Marx acreditava que o racionalismo era ainda muito abstrato quando comparado ao materialismo dialético, uma vez que matéria e ideia são categorias opostas que se interrelacionam, mantendo uma espécie de unidade. Seu pensamento político criticou todas as correntes socialistas por não ter um caráter decididamente transformador, somente reformador. Ainda que para Marx a evolução e a revolução são dialéticas e cada partido operário, ao realizar suas metas curtas, se torna inútil. Enquanto posição, ele defendia o socialismo científico em oposição a um socialismo romântico, ou o comunismo (revolucionário, para se opor ao mero reformismo). Ele defendia também não apenas a melhoria das condições de vida do proletariado, mas, acima de tudo, a própria emancipação deste, com o fim da condição proletária. Não se tratava de amenizar a exploração, mas sim de exterminá-la. No entanto, as condições dessa emancipação, que só a prática poderia realizar, estava nas condições reais em que estava inserida. Por isso, em Marx, é o desenvolvimento do capitalismo que criou a proletarização, é o exército que vai destronar a burguesia, pois a própria hostilidade que o capitalismo produz sobre a condição proletária gera as condições subjetivas para a explosão revolucionária. Na lógica do materialismo dialético histórico, trata-se sempre de um “drama histórico”, termo que Marx utiliza em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, e não de um “determinismo histórico”, que resultaria em um materialismo mecânico e positivista, oposto ao materialismo dialético. Dessa maneira, Marx finalizou as teses de Feuerbach. Não se trata de interpretar o mundo de forma diferente, mas sim de transformá-lo, pois somente a ação revolucionária produz a transcendência da ordem em vigor. Na obra Ideologia alemã, Marx introduz os pressupostos de seu novo pensamento, enquanto no Manifesto comunista elabora sua tese política mais importante. Na Questão judaica, ele critica a religiosidade, alegando que não se pode tratar dos questionamentos humanos do ponto de vista teológico, mas sim considerar a teologia como uma questão humana. Para ele, o foco deve estar em encarar as religiões como projeções fantasiosas do homem, embora reproduzam a condição humana real a que estamos presos. Na Crítica do Programa de Gotha, Marx produz o mais longo e esquematizado esboço daquilo que seria uma sociedade socialista, apesar tentar evitar qualquer esforço de “futurologia”, para permanecer restrito ao campo da ciência. Já em Guerra civil na França, ele assume de forma definitiva que, apenas com a extinção do Estado, o proletariado pode oferecer a si mesmo as condições necessárias para manter o poder recém-conquistado, defendendo que o fim do Estado significa o fim do monopólio da violência que o Estado representa. A colaboração de Engels em todos os textos de Marx foi de suma importância, ainda que este sempre frisasse a superioridade de Marx. Uma das obras mais importantes de Engels para o comunismo é Do socialismo utópico ao socialismo científico, na qual apresenta de forma mais clara as diferenciações do socialismo de Estado com as do socialismo científico, e o Estado como sendo um “capitalista coletivo”. Marx considerava a sociedade extremamente capitalista e acreditava que o capitalismo traria divisões sociais. O conceito de mais-valia foi empregado por Marx para explicar a obtenção de lucros contínuos a partir da exploração da mão de obra. Os donos dos meios de produção obtêm parte de seus lucros pela exploração do trabalhador. 76 Unidade III Em 1864, Marx foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Operários, depois chamada I Internacional, na qual encontrou a oposição dos anarquistas, liderados por Bakunin. Em 1872, no Congresso de Haia, a associação foi praticamente dissolvida. No entanto, Marx foi responsável pela fundação do Partido Social-Democrático alemão em 1875, que foi proibido pouco tempo depois. Entre seus trabalhos iniciais, o mais importante foi o artigo Sobre a crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1844, primeira tentativa de interpretação materialista da dialética de Hegel. Apenas em 1932, foram descobertos e editados em Moscou os Manuscritos econômico-filosóficos, datados de 1844. Trata-se do esboço de um socialismo humanista,que se preocupa especialmente com a alienação do homem e com a compatibilidade desse humanismo com o marxismo que viria posteriormente. Em 1888, Engels publicou as Teses sobre Feuerbach, escritas por Marx em 1845, que refutam o materialismo teórico na busca de uma filosofia, além de interpretar o mundo. Esse documento já contém o germe do marxismo, que proclama a relação indissolúvel entre filosofia e atividade social. Foi em 1867 que Marx iniciou a publicação de O Capital, sua obra mais importante e direcionada especialmente para o estudo da economia, como resultado das pesquisas no British Museum, que abordam a teoria do valor, da mais-valia, além da acumulação do capital. Nele, Marx reuniu uma documentação imensa para dar continuidade a essa obra. Os volumes II e III de O Capital foram editados por Engels em 1885 e 1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky, como o volume IV (1904- 10). Em O Capital, Marx elabora uma análise das leis econômicas que regem a sociedade capitalista, estudando essa sociedade na sua origem, no seu desenvolvimento e na sua decadência. Essa coletânea também inclui duas obras destinadas por Marx às grandes massas operárias, Trabalho assalariado e Capital, e serviram de base para as conferências pronunciadas por ele em 1847, na Associação Operária Alemã de Bruxelas. Salário, preço e lucro foi a conferência realizada em 1865, em duas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. Nesses trabalhos, Marx forneceu uma análise teórica profunda, exposta de forma popular, sobre as relações econômicas em que está baseada a dominação de classe da burguesia, explicando a origem e a essência da mais-valia e levando o leitor à conclusão revolucionária da necessidade de o operariado lutar pela supressão total da escravidão assalariada. De acordo com a dialética marxista, as leis do pensamento correspondem às leis da realidade. Portanto, a dialética consiste em pensamento e realidade ao mesmo tempo. A contradição dialética não é somente uma contradição externa, mas sim unidade das contradições e também identidade, como esclarece o próprio Lefebvre (1979 p. 192): A dialética é ciência que mostra como as contradições podem ser concretamente idênticas, como passam uma na outra, mostrando também por que a razão não deve tomar essas contradições como coisas mortas, petrificadas, mas sim como algo vivo e mutável, lutando uma contra a outra. Os momentos contraditórios são situados na história com sua parcela de verdade, mas também de erro; não se misturam, mas o conteúdo, considerado como unilateral, é recapturado e elevado a uma instância mais elevada. 77 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Marx acusou Feuerbach, afirmando que seu humanismo e sua dialética eram estáticos, já que o homem não possui dimensões fora da sociedade e da história, sendo pura abstração. Para Marx, é fundamental compreender a realidade histórica em suas contradições na tentativa de superá- las. Os princípios da sua dialética podem ser resumidos em tudo aquilo que se relaciona e se transforma, incluindo as mudanças qualitativas como consequências de revoluções quantitativas. Embora a contradição seja interna, os contrários passam a ser unidos em um momento seguinte. Assim sendo, a luta dos opostos impulsiona o pensamento e a realidade. Na teoria marxista, o materialismo histórico pretende explicar a história das sociedades humanas de todas as épocas por meio dos fatos materiais essencialmente econômicos e técnicos. Nesse sentido, a sociedade pode ser comparada a um edifício no qual as fundações, ou seja, a infraestrutura, seriam representadas pelas forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as ideias, os costumes e as instituições. A propósito, Marx, na obra A Miséria da filosofia (1847), atestou que as relações sociais permanecem interligadas às forças produtivas. Ao produzir de maneira diferente, os homens podem modificar o modo de produção, a maneira de sobreviver e, com isso, mudar as relações sociais. O aspecto central da crítica marxista está na questão de como compreender o que é o homem, lembrando que ele defende que não se trata de ter consciência e, muito menos, de ser um animal político que dá ao homem o sentido da sua existência, mas sim o fato de ele ser capaz de produzir suas condições de existência, tanto do ponto de vista material quanto ideal, ou seja, aquilo que o diferencia. Se o homem é historicamente determinado pelas suas condições, é responsável por todos seus atos. Nesse caso, todas as teorias de Marx estão baseadas na existência humana. Com o objetivo de também mostrar uma visão econômica da história, além de propor uma visão histórica da economia, a teoria marxista busca explicar a evolução das relações econômicas nas sociedades humanas no decorrer do processo histórico. De acordo com a concepção marxista, haveria uma dialética contínua das forças entre fortes e fracos, repressores e oprimidos. Nesse sentido, a história humana teria avançado por uma luta permanente de classes, como enfatiza claramente o início do primeiro capítulo de O Manifesto comunista, de Marx e Engels: “A história de toda sociedade passado é a história da luta de classes”. Classes essas que, para Engels, são “os produtos das relações econômicas de sua época”. Mesmo com todas as diversidades aparentes, a escravidão e o capitalismo seriam etapas sucessivas de um só processo. Com isso, a base da sociedade estaria na produção econômica e sobre ela se ergue uma superestrutura, um estado e as ideias de toda natureza. Marx almejava a inversão da pirâmide social, com o poder sendo colocado a favor do proletariado, como a força capaz de deter o capitalismo e de construir uma sociedade socialista. Para Marx, a vitória do comunismo era inevitável. Ele afirmava que a história segue certas leis imutáveis conforme avança de um estágio a outro. O comunismo, na visão dele, seria o último e mais alto grau de desenvolvimento, e a grande solução para a compreensão dos estágios do desenvolvimento estaria na relação entre as diferentes classes de indivíduos na atividade produtiva. Para o marxismo, a luta de classes é o meio pelo qual a história humana avança historicamente. Por acreditar que a classe dominante nunca deixaria o poder por livre e espontânea vontade, a luta e a violência eram necessárias e inevitáveis. 78 Unidade III O Manifesto comunista fez o homem caminhar, de fato, na busca da solução de problemas como a pobreza e a exploração do trabalho. Por isso, trata-se de um documento histórico. A Liga dos Comunistas pediu a Marx e a Engels a redação de um texto que tornasse precisos os objetivos dela e sua forma de ver o mundo. Nesse sentido, o Manifesto comunista pode ser considerado como um conjunto de ideais em que os revolucionários da época acreditavam, por conter os elementos necessários à compreensão das transformações sociais do ponto de vista econômico. No que diz respeito à estrutura, traz uma pequena introdução, três capítulos e uma conclusão sucinta. A introdução destaca a força do comunismo ao expor o modo comunista de ver o mundo e também suas finalidades. A parte I, denominada Burgueses e Proletários, resume a história da humanidade, quando duas classes sociais antagônicas dominam o cenário. A maior contribuição desse capítulo está na descrição das grandes transformações que a burguesia industrial provocava no mundo, representando um papel histórico essencialmente revolucionário. Marx e Engels relatam o fenômeno da globalização que a burguesia implementava no comércio pela navegação e pelos meios de comunicação da época. O Manifesto fala de ontem, mas ainda parece atual. Já a parte denominada Literatura socialista e comunista, critica as diversas correntes socialistas da época, classificando três tipos de socialismo: reacionário, conservador e burguês e socialismo e comunismo crítico-utópico. Nesse capítulo, a obra mostra seu caráter temporal, quase local,revelando a sua profunda imersão na efervescência das ideias e dos conflitos da época, quando a aristocracia, para condenar a burguesia, faz uma espécie de elogio ao socialismo. Marx pode ser considerado como o herdeiro da filosofia alemã, ao lado de Kant e Hegel. Na condição de um dos maiores pensadores de todos os tempos, possui uma produção teórica com a extensão e a densidade de um pensador como Aristóteles, de quem era admirador. 7.6 Augusto Comte: o positivismo Figura 16 – Auguste Comte 79 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Auguste Comte nasceu em Montpellier, na França, a 19 de janeiro de 1798, filho de um fiscal de impostos. Suas relações familiares foram sempre conflituosas e, por isso, explicam o desenvolvimento de sua vida e até mesmo do conteúdo de suas obras. Com frequência, culpava os pais por sua situação econômica instável. Tão complexos eram os laços familiares, rompidos por Comte, que lhe deixaram marcas pro fundas. Aos 16 anos, ingressou na Escola Poli técnica de Paris, o que teria significativa influência na orientação posterior do seu pensamento filosófico. Embora tenha permanecido apenas dois anos nessa escola, Comte recebeu a influência do trabalho intelectual de cientistas como o físico Sadi Carnot, o matemático Lagrange e o astrônomo Pierre Simon de Laplace. Na mecânica analítica de Lagrange, Comte teria encontrado inspiração para abordar os princípios de cada ciência segundo uma perspectiva histórica. Em 1816, Comte deixou a Politécnica e, apesar da insistência da família, resolveu continuar na França. Nesse período, sofreu influências dos chama dos “ideólogos”, como Destutt de Tracy, Cabanis e Volney. Também leu os teóricos da economia política, como Adam Smith e Jean-Baptiste Say, filósofos e historiadores como David Hume e William Robertson. No entanto, o fator mais decisivo para a formação de seu pensamento filosófico foi o estudo do esboço do Quadro histórico dos progressos do espírito humano, de Condor cet, ao qual se referiria, mais tarde, como “meu imediato predecessor”. A obra de Condorcet traça um retrato do desenvolvimento humano, no qual os descobrimentos e as invenções científicas e tecnológicas desempenham um papel preponderante, fazendo o homem caminhar rumo a uma era em que a organização social e política seria o produto final das luzes da razão, ideia que iria se transformar em um dos pontos cruciais da filosofia comtiana. Logo após o idealismo que predominou na primeira metade do século XIX, surge o positivismo, que ocupa a segunda metade do mesmo século, espalhado em todo o mundo civilizado. Trata-se de um pensamento que representa uma reação contrária ao apriorismo, ao formalismo, ao idealismo, priorizando o estudo da experiência prática e dos dados positivos. Podemos considerar como a diferença fundamental entre idealismo e positivismo o fato de que o primeiro procura uma interpretação, uma unificação da experiência mediante a razão, enquanto o segundo, pelo contrário, quer limitar-se à experiência imediata, pura, sensível, como já havia ocorrido com o empirismo. Vem desse aspecto sua superficialidade filosófica, mas também seu valor como descrição e análise da experiência por meio da história e da ciência, considerando o idealismo, que altera a experiência, a ciência e a história. O positivismo também ganha impulso graças ao grande progresso das ciências naturais, em especial das biológicas e fisiológicas do século XIX. Tenta-se aplicar os princípios e os métodos daquelas ciências à filosofia, como forma de solucionar os problemas do mundo e da vida, com o intuito de conseguir bons resultados. O positivismo ainda ganhou força devido ao desenvolvimento dos problemas econômico- sociais que predominaram no século XIX. Por ser altamente valorizada a atividade econômica, que produz bens materiais, é compreensível que se busque uma perspectiva filosófica positiva, naturalista e materialista para as ideologias no campo das atividades econômico-sociais. Grosso modo, o positivismo admite, como fonte única de conhecimento e de critério de verdade, a experiência, os fatos positivos, além dos dados sensíveis. Nenhuma metafísica, portanto, como 80 Unidade III interpretação, justificação transcendente ou imanente da experiência, possui espaço nesse campo de reflexão. Nesse sentido, a filosofia é reduzida à metodologia e à sistematização das ciências, e a lei, única e suprema, domina o mundo concebido positivisticamente, promovendo a evolução necessária à energia naturalista. O nome de Auguste Comte está indissociavelmente ligado ao positivismo, corrente filosófica fundada por ele com a intenção de reorganizar o conhecimento humano, que teve grande influência no Brasil. Figura 17 – Detalhe da bandeira do Brasil Figura 18 Comte também é considerado o grande sistematizador da sociologia. Vale destacar que ele viveu em um período da história francesa em que se alternavam o despotismo e as revoluções, o que levou a sociedade a uma turbulência e a um desencanto geral com a política e a uma crise dos valores tradicionais. 81 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Ele buscou dar uma resposta a esse estado de ânimo pela união de elementos da obra de pensadores anteriores a ele e também de alguns contemporâneos, o que resultou em uma teoria denominada por ele de positivismo. “Ele reviu as ciências para definir o que, nelas, decorria da realidade dos fatos e permitia a formulação de leis naturais, que orientariam os homens a agir para modificar a natureza”, diz Arthur Virmond de Lacerda, professor da Faculdade Internacional de Curitiba. Um dos fundamentos do positivismo está na ideia de que tudo o que diz respeito ao homem pode ser sistematizado de acordo com a adoção de princípios como o critério de verdade para as ciências exatas e biológicas. Isso deveria ser aplicado também aos fenômenos sociais, que seriam reduzidos a leis gerais como as da física ou da matemática. Para Comte, a análise científica aplicada à organização social é o centro da questão sociológica, cujo objetivo seria o planejamento da organização social e política. De acordo com os positivistas, só é possível afirmar que uma teoria é correta se ela puder ser comprovada por intermédio de métodos científicos válidos, em detrimento dos conhecimentos relacionados às crenças, à superstição ou a qualquer outro que não reúna condições de ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da humanidade depende unicamente dos avanços da ciência. Observação “O grande instrumento do Iluminismo é a consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real” (Danilo Marcondes). Saiba mais Assista Danton, filme que narra a história da Revolução Francesa, que marca o início do pensamento filosófico moderno. Danton. Dir. Andrzej Wajda, França/Polônia, 131 minutos, 1982. 8 A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA Pode ser considerada como contemporânea a filosofia que compreende a segunda metade do século XIX até o início do século XXI, e o positivismo permanece como presença constante na história do pensamento dessa fase. Apesar das suas notáveis diferenças na maneira de lidar com os problemas, é possível reconhecer essa conduta empirista do século XVIII no positivismo do século XIX e no positivismo lógico ou empirismo lógico do século XX. O empirismo lógico ou positivismo lógico do século XX consiste num dos movimentos integrantes da corrente analítica dos nossos dias, cuja originalidade está em ter conseguido transformar o próprio conceito de filosofia. Para a corrente analítica, a filosofia não tem por objeto a realidade, mas sim a análise da linguagem que envolve a realidade, seja a linguagem ordinária, comum ou científica. 82 Unidade III Outras correntes da filosofia contemporânea tomaram como objeto principal de consideração o fenômeno da história, da vida e da irredutibilidade da existência pessoal: as filosofias historicistas, existencialistas e personalistas. O existencialismo constitui, originalmente, umareação a favor da individualidade, colocando em primeiro plano a categoria de singularidade, preferida pelo sistema dialético de Hegel. Quanto ao vitalismo de Nietzsche, representa uma reação não apenas contra Hegel, mas contra toda a tradição intelectualista-religiosa que se opôs à vida e aos valores vitais, desde que se verificou a aliança do platonismo com o cristianismo. Podemos afirmar que a característica externa mais notável da filosofia contemporânea consiste na diversidade dos enfoques, dos sistemas e das escolas frente ao desenvolvimento. Os responsáveis por essa disseminação de opiniões e de escolas divergentes foram os fatores socioculturais, como a crise dos sistemas políticos e o avanço das ciências naturais e lógico-formais, além do desenvolvimento das ciências humanas. O mundo atual, rodeado pelas telecomunicações, dominado pela internet e formulador dos programas espaciais, da física quântica e da medicina biomolecular, parece não ter mais espaço para o pensamento filosófico. Qual seria então, hoje, a função da filosofia? O filósofo inglês Bertrand Russel, em Os problemas da filosofia, refletiu sobre essa questão: A filosofia, como todos os outros estudos, visa em primeiro lugar ao conhecimento. O conhecimento a que ela aspira é o tipo de conhecimento que dá unidade e sistematiza o corpo das ciências, e que resulta de um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, preconceitos e crenças (RUSSEL, 2008). Com certeza, essa é uma das definições de filosofia. Trata-se de uma disciplina que estuda os fundamentos das convicções humanas. Porém, enquanto as ciências estabelecem um corpo sólido de conhecimentos e verdades a partir do qual passam a se desenvolver, a filosofia não alcança os mesmos resultados, pois não dá respostas definitivas a nenhuma questão. O próprio Bertrand Russell, também em Os problemas da filosofia, explicou por que ocorre esse descompasso: Isto se deve em parte ao fato de que, assim que o conhecimento definitivo a respeito de qualquer assunto torna-se possível, esse assunto deixa de ser chamado de filosofia, e torna-se uma ciência independente. O estudo total dos céus, que agora pertence à astronomia, foi um dia incluído na filosofia; a grande obra de Newton chamava-se Princípios matemáticos de filosofia natural. Do mesmo modo, o estudo da mente humana, que fazia parte da filosofia, agora foi separado da filosofia e tornou-se a ciência da psicologia. Assim, em grande medida, a incerteza da filosofia é mais aparente que real: as questões que são capazes de ter respostas definitivas são abrigadas nas ciências, enquanto aquelas para as quais, até o presente, não podem ser dadas respostas definitivas, continuam a formar o resíduo que é chamado de filosofia (RUSSEL, 2008). 83 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 8.1 Conhecimento e ciência Vivemos em um mundo que não para de introduzir novas questões no campo da filosofia e, por essa razão, torna-se difícil reconhecer o que é a filosofia contemporânea. Certamente, é possível compreender a filosofia da antiguidade de forma mais clara e coerente do que a filosofia contemporânea, que tem como base uma série de pressupostos que foram elaborados no final do século XIX. Um deles seria em relação à história, atribuído a Hegel, que se identifica com os ideais de totalidade e de processo. Nesse sentido, passamos a compreender o homem como um ser histórico, semelhante à sociedade da qual faz parte. Um dos conceitos mais conhecidos dessa maneira de conceber o mundo foi a ideia de progresso, que teve no filósofo Auguste Comte seu grande teórico. Na visão dele, tanto a razão quanto a ciência caminham sempre juntas rumo ao desenvolvimento do futuro do homem. Isso faz com que as utopias do século XIX, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, também contenham essa noção de progresso como prerrogativa básica na condução de uma sociedade justa e harmoniosa. Apesar da repercussão desse conceito, a ideia de que a história fosse uma trajetória progressiva em termos de avanço para a humanidade recebeu severas restrições no decorrer do século XX. Com isso, surgiu a noção de que o progresso é algo descontínuo, ou seja, não se dá por meio de etapas que vão se sucedendo. Assim, a história da humanidade não pode ser considerada como um conjunto de várias civilizações em etapas diferentes de desenvolvimento, pois cada sociedade possui sua própria história, sua cultura e valores próprios. Foi essa visão de mundo que viabilizou o desenvolvimento de ciências como a etnologia, a antropologia e as ciências sociais, uma vez que a confiança no saber científico foi uma das posturas filosóficas que se desenvolveram no século XIX, acreditando ser possível que a natureza pudesse ser controlada pela ciência e pela técnica. Além disso, com o desenvolvimento da ciência e da técnica, o progresso foi levado a vários setores da vida humana. Com o objetivo de estudar essa nova realidade, um grupo de intelectuais alemães elaborou a teoria crítica, segundo a qual as transformações sociais, políticas e culturais poderiam acontecer apenas se tivessem como finalidade maior a libertação total do homem em detrimento do tecnicismo e do domínio da ciência sobre a vida humana. Trata-se, portanto, de um pensamento que diferencia a razão instrumental da razão crítica, sendo a razão instrumental aquela que transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do homem, e não de libertação, enquanto a razão crítica estuda as fronteiras e os riscos da aplicação da razão instrumental. Jean-Paul Sartre também elaborou as questões humanas em relação à liberdade e ao seu compromisso com a história. Associando as contribuições do marxismo e da psicanálise, ele criou um pensamento sistemático que prioriza o conceito de existência no lugar da essência: Assim que começamos a filosofar, achamos que mesmo as coisas mais cotidianas levam a problemas para os quais só podem ser dadas respostas muito incompletas. A filosofia, embora incapaz de nos dizer com certeza quais são as respostas verdadeiras às dúvidas que ela suscita, está apta 84 Unidade III a sugerir muitas possibilidades que ampliam nossos pensamentos e os libertam da tirania do hábito. Assim, embora diminuindo nosso sentimento de certeza a respeito do que as coisas são, ela aumenta enormemente nosso conhecimento em direção ao que as coisas podem ser (RUSSEL, 2008). 8.2 Nietzsche: revolução e conhecimento O pensador entre os séculos Figura 19 – Friedrich Wilhelm Nietzsche Nascido em uma época de paz na Alemanha de 1844, Friedrich Nietzsche profetizou as grandes guerras que iriam acontecer no século XX, afirmando que chegaria o dia em que os homens lutariam no confronto pelo poder. No entanto, ele conhecia os campos de batalha do espírito e, no fundo, queria conhecer apenas esses. Porém, sua obra contém o caos, assim como o impulso que deveria desencadeá- lo no decorrer da história da humanidade, podendo ser considerado como o primeiro precursor do conceito de pós-modernidade amplamente utilizado hoje. Na vanguarda da sociedade que preconizava, ele colocava o espírito de altivez, afirmando que a consciência de si próprio precede qualquer criação. Por ser de família luterana, já tinha seu destino traçado como pastor, assim como o pai e o avô. Nietzsche, que perdeu a fé durante a adolescência, queria ser aquele que deveria superar seu tempo e, em razão da sua consciência, assumiu o papel de “pensador entre os séculos”. Pode-se afirmar que teve a audácia que não se repete de rever tudo aquilo que a cultura ocidental conservava moralmente e mantinha-se unido desde o desaparecimento do mundo pagão. Além da subversão, a que atribuía uma importância tão grande, sua maior contribuição filosófica está no fundamento da ética que dominou. Ele sabia perfeitamente que não bastava quebrar as tábuas da lei. Estas deveriam ser desmanteladas com frequência e durante muito tempo, até serem substituídas por outras. Nietzsche tomoupara si essa tarefa, sem indagar sobre essa necessidade. Para ele, não era 85 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO a necessidade dos homens que decidia, mas sim a ordem do legislador que deveria dominar. Como consequência, o filósofo deveria considerar-se esse legislador. Em 1879, problemas de saúde o afastaram da docência e dos alunos. Parte então para uma vida dedicada ao pensamento errante em locais de clima mais ameno. Começou Assim falou Zaratustra quando estava em Nice, na França, e não parou de produzir sua obra intelectual. Essa fase, porém, termina de forma abrupta em 3 de janeiro de 1889, quando entra em estado de loucura, levando-o à morte. Assim falou Zaratustra Ao lado de Marx e de Freud, Nietzsche pode ser considerado um dos autores mais controversos da história da filosofia moderna. Foi o único que exigiu uma imortalidade exclusivamente terrena. “O pensador entre os séculos” tinha a convicção de não preparar uma época destinada a desaparecer, mas sim de dispor de todo o futuro reservado ao planeta. Esse foi o motivo pelo qual se chama de “o último homem”. No entanto, o “super-homem” que pregou só o frequentou sob o aspecto de sombra, por carregar o peso do destino humano em sua essência filosófica. Nietzsche achou possível que um dia a ciência reinasse no mundo, o que o coloca ao lado, na posição de herói, de Deus e distante dos homens. Seria de fato divino fazer da ciência, concebida como objeto de paixão, a soberana do mundo. Porém, o mundo nunca esteve tão afastado dessa soberania como hoje. No que diz respeito à religião, Nietzsche concebia o cristianismo e o budismo da mesma forma, como “as duas religiões da decadência”, apesar de enfatizar que havia uma grande diferença entre essas duas crenças, pois, na visão dele, o budismo era mais realista. Por essa razão, dizia ser ateu por instinto. A crítica de Nietzsche contra o idealismo metafísico focava-se nas categorias e nos valores morais que o constituem, e sugeria outra abordagem, que seria a genealogia dos valores. Na verdade, ele sempre quis ser o maior destruidor de toda forma de preconceito e ilusão da humanidade, ou seja, aquele que se atreveu a olhar, sem temor, aquilo que está oculto nos valores aceitos por todos, incluindo todas as verdades, assim como os ideais que fundamentaram a civilização e que direcionaram o rumo da história do homem. Nesse sentido, ele acreditava que a moral tradicional, as religiões e os sistemas políticos eram apenas disfarces de uma realidade mutante e cruel, cuja simples visão seria insuportável para qualquer indivíduo. Nietzsche questionou de maneira radical a moral que impede a revolta dos indivíduos considerados inferiores e das classes subalternas contra a aristocracia. Ele considerava essa moral como algo que limita à ilusão a realidade humana e ainda pretende impor uma racionalidade pura que não passa de uma ficção. Nesse processo, Nietzsche buscou tirar todas as máscaras que o fluir da própria existência humana se encarrega de colocar. Nesse sentido, ele concebia que a vida poderia ser mantida apenas por meio de eternos embates entre os seres vivos, pela luta entre vencidos que almejam ser vencedores e vencedores que podem, de um momento para o outro, ser vencidos. Portanto, a vida humana para Nietzsche consiste na vontade de poder ou de domínio, mas os disfarces possuem a capacidade de torná-la mais suportável, mesmo a deformando e ameaçando-a de ser destruída. Não existe nuance, segundo Nietzsche, entre a aceitação da vida e a sua renúncia. Para salvá- la, torna-se necessário arrancar-lhe as máscaras e reconhecê-la tal como é, não para aceitá-la com 86 Unidade III resignação, mas para restituir-lhe a exaltação e sua alegria. Por ser filho do “húmus”, o ser humano possui a capacidade inerente de sobreviver e de vencer. Nietzsche mostrou-se contrário a qualquer tipo de igualitarismo que atente o bom senso por meio de uma lei rígida e universal, ou seja, o imperativo categórico. Para ele, o homem é uma individualidade irredutível, a qual os limites e as imposições de uma razão que tolhem a vida permanecem alheios a ela, parecida com as máscaras das quais ele precisa se libertar. Ao contrário de Kant, para o qual o mundo não é desordenado em termos de estrutura e de inteligência. Nele, todas as coisas “dançam nos pés do acaso”, e apenas a arte tem o poder de transformar esse caos em beleza e tornar suportável o que há de mais tenebroso na condição humana. Apesar de todas as oposições, é preciso reconhecer que existe uma matriz comum e ativa entre Kant e Nietzsche. Essa matriz comum seria o espírito do romantismo do século XIX, com sua ansiedade de infinito e com sua revolta contra os limites e os condicionamentos impostos pela sociedade. Da mesma forma que Platão, Nietzsche defendia que a humanidade fosse governada por filósofos. Na obra nietzscheana, a ideia de uma nova moral contrapõe-se de forma radical à utopia de uma nova humanidade. Para Nietzsche, a liberdade reside na aceitação consciente de um destino que se faz necessário, uma vez que o homem libertado e senhor de si mesmo será capaz de refutar qualquer verdade estabelecida, estando preparado para expressar a vida em todas as suas ações. Este era o cenário ideal vislumbrado por Nietzsche, como também a realidade que ele próprio buscava personificar. É interessante perceber que, sem se dar conta, ele contrói seu próprio imperativo categórico, fundamentado na liberdade total do ser humano e na ausência completa de leis, pois se trata de uma libertação subjugada pela razão, que também impõe limitações à vida do homem à sua maneira. Além disso, Nietzsche também criticava a vida e a cultura moderna, assim como o neonacionalismo alemão. Na visão dele, os ideais da modernidade não passavam de sintomas e exemplos da decadência do homem. Sua figura foi promovida e valorizada pela Alemanha nazista, e sua irmã era simpatizante do regime totalitário de Hitler, incrementado por essa associação. Em A minha luta, o líder nazista descreve-se como a encarnação do super-homem. Segundo relato dos estudiosos, o livro Assim falou Zaratustra era fornecido como leitura para os soldados no campo de batalha com o intuito de incentivar o exército. Apesar disso, Nietzsche era declaradamente contra o movimento antissemita promovido por Adolf Hitler e seus partidários. Sua obra foi muito mais longe e sobreviveu além da apropriação feita pelo regime nazista. Ainda hoje, ele é considerado um dos filósofos mais estudados da história. Muitas de suas frases ganharam fama e repercutiram nos mais diversos campos de estudo, criando várias distorções em termos de entendimento. Ele é considerado pelos seus seguidores um grande estilista da língua alemã, e muitos aspectos relacionados a ela puderam ser compreendidos por meio da obra de Nietzsche como forma de pesquisa filológica, uma vez que em seus textos existem associações de palavras que não poderiam estar próximas por causa da sua essência contraditória. Todo o legado da obra de Nietzsche foi e permanece, ainda hoje, de difícil e contraditória compreensão. Existem aqueles que associam suas ideias ao niilismo, defendendo que, para ele, a moral não tem importância e os valores morais não possuem qualquer validade, que Deus está morto 87 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO e que a história não é finalista, pois não há progresso nem objetivo. Outros, porém, não pensam nele como o autor do niilismo; ao contrário, um crítico do niilismo, uma vez que o homem pode ser, além de destruidor, um criador de valores a serem destruídos. Essa constatação baseia-se na obra Assim falou Zaratustra, na qual ele destaca a necessidade da vinda do super-homem para ser e criar. Em que pese todo tipo de dicotomia, pode-se dizer que Nietzsche buscou desvendar as formas de renúncia da existência e da vontade. Nesse contexto, o próprio mito do eterno retorno representa o trágico-dionisíaco dizendo sim à vida, no auge da sua plenitude, como umaafirmação incondicional da existência humana. Pode-se atribuir a falta de consenso na apreciação da obra de Nietzsche aos paradoxos contidos na essência do seu próprio pensamento. Essa constatação está disponível em Fragmentos finais, obra baseada na reestruturação desses manuscritos. O mais importante é que Nietzsche nem sempre tinha o sentimento de ser o verdadeiro herói da eternidade, considerando-se, por vezes, apenas aquele que representava a figura histórica do herói. Nesse sentido, acabou falando do “clown das eternidades”, que visava ao Nietzsche trágico. Não estava louco ao confessar o papel que representava quando se aproximou do fim e quando chegou o momento de arrancar os disfarces e voltar para dentro de si. Isso não só nos impede de levantar suspeitas sobre ele, como demonstra a sua completa honestidade, mais elevada e profunda do que qualquer verdade pensada com sua contradição em busca de um destino. 8.3 Freud: os enigmas do inconsciente Figura 20 – Sigmund Freud (1856-1939) Médico especializado em doenças mentais, Sigmund Freud desenvolveu a psicanálise, uma teoria do funcionamento da mente humana e um método exploratório de sua estrutura, destinado a tratar os comportamentos compulsivos e muitas doenças de natureza psicológica supostamente sem motivação orgânica. Ele recolheu de várias fontes os elementos por meio dos quais compôs a 88 Unidade III sua teoria, a partir das descobertas do médico austríaco Josef Breuer, da doutrina platônica e do pensamento filosófico de Schopenhauer, consolidando, pela longa prática clínica, os postulados da teoria que denominou Psicanálise. Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856 em Freiberg, Morávia, no império austro-húngaro (hoje Pribor, Checoslováquia). Filho de Jacob Freud, um comerciante judeu, e de sua jovem segunda esposa, Amalia Nathanson. Para se decidir sobre a futura carreira, estudou primeiro filosofia; mas acabou optando depois pela medicina, especializando-se em fisiologia nervosa, uma área em que a prática diária permitiria-lhe dar vazão à sua curiosidade em conhecer a natureza humana. Impressionado com a propriedade terapêutica da conversa no estado de hipnose, em 1885 Freud utilizou uma bolsa de estudos obtida do governo para passar um tempo na Salpetriere, em Paris, onde aprendeu técnicas com o psiquiatra Jean-Martin Charcot, que fazia experiências com doentes mentais por meio de sessões hipnóticas. Ele chegou até a relatar ao médico francês o sucesso obtido na conversa com o paciente, como substituição à hipnose, mas Charcot não demonstrou interesse. Ainda em 1885, Freud escreveu o Projeto para uma psicologia científica e, no ano seguinte, iniciou a especialidade em “doenças nervosas”. No começo dos anos 1890, ele passou a anotar seus próprios sonhos, convencido de que isso poderia fornecer pistas para a atuação do inconsciente, uma ideia que já existia no romantismo da literatura e em parte do conhecimento psicológico do século XIX, como no livro A filosofia do inconsciente, de Karl von Hartmann, publicado em 1893. Sua intenção com a autoanálise era utilizar tanto o material colhido em suas análises clínicas quanto o que obtinha por sua própria introspecção. Joseph Breuer compartilhou com Freud seu método terapêutico, que designou catarsis. Consistia basicamente em fazer o paciente recordar, pela hipnose ou por diálogo, o trauma psicológico sofrido, até provocar uma descarga emocional que conduzia à cura. Entre os anos de 1892 e 1895, desistiu aos poucos da hipnose, que acabou sendo substituída pelo divã, para que o paciente, colocado numa posição confortável, fizesse esforço para lembrar os traumas que originaram seus conflitos internos. Com esse relaxamento, Freud conduzia uma livre associação de ideias, por meio da qual acabava encontrando lembranças “escondidas” pelo paciente e causadoras dos distúrbios. Ele então formulou o princípio de que os sintomas histéricos possuem origem no fluxo dos processos mentais, que, impedidos de chegar à consciência, são direcionados para o corpo e transformados em sintomas. Em função da natureza das experiências traumáticas recordadas pelos pacientes, Freud convenceu-se de que o sexo era parte essencial da origem das neuroses. Portanto, passou a considerar o desejo sexual, direta ou indiretamente, como motivação única do comportamento humano. Entre os anos de 1895 e 1899, Freud esteve envolvido na preparação do seu estudo Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos), publicado em 1900 e considerado como sua obra principal, por causa das análises dos sonhos, da autobiografia, da teoria da mente e de outras visões da vida vienense contemporânea. Ele também descreve o processo de “condensação”, de “deslocamento” e de “elaboração secundária”, debatendo ainda o conteúdo estrutural dos sonhos, além de explicar como estes representam a concretização do imaginário dos desejos humanos. Ao explicar o Complexo de Édipo, Freud destacou a importância da infância para o engajamento na vida adulta. O sétimo capítulo tem a exposição da teoria 89 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO da mente. O princípio ativo de seu modelo da mente é a “inércia neurônica” ou princípio de constância, de acordo com o qual a mente trabalha no sentido da redução de qualquer tensão proveniente do acúmulo de “energia”, que podia ser de natureza sexual ou psíquica. Em 1902, Freud passou a se reunir em casa com médicos neurologistas e psiquiatras para discutir e opinar a respeito da sua teoria psicanalítica. Entre eles, estavam Alfred Adler e Carl Gustav Jung. O grupo evoluiu para a constituição, em 1908, da Sociedade Psicanalítica de Viena, que, em 1910, se tornaria a Associação Internacional de Psicanálise. Em 1904, publicou Zur Psychopathologie des Alltagslebens (Psicopatologia da vida cotidiana), em que demonstra evidências simples da atividade do inconsciente e do subconsciente nas pessoas saudáveis. Seriam os chamados “atos sintomáticos”, como, por exemplo, o inexplicável esquecimento súbito de um nome conhecido ou a troca involuntária de palavras no meio de uma frase. Esses acontecimentos revelam a luta do consciente com o subconsciente e com o inconsciente. Por meio deles, ele conseguiu a revelação da “repressão” inconsciente pelo método da livre associação, inspirado nos atos falhados ou sintomáticos, bem como a identificação de símbolos e a interpretação dos sonhos como forma de substituir as técnicas de hipnotismo. No ano de 1910, Freud publicou Über Psychoanalyse (Sobre a psicanálise). Porém, suas ideias escandalizavam cada vez mais o meio médico vienense, fazendo com que vários de seus colegas se retirassem da Associação Internacional de Psicanálise. A principal razão do escândalo estava na forma como ele divulgava seu conhecimento, ainda em estágio de acabamento, sobre a questão sexual das crianças, que ele afirmava estarem sujeitas ao desejo sexual e que o objeto desse desejo estava associado aos próprios pais. Além do Complexo de Édipo, em que o filho deseja sexualmente a mãe, Freud admitia também o Complexo de Eletra, como a inveja que a menina tem do pênis do menino, e chamou a criança de um “perverso polimorfo”. Ele ainda classificou a sexualidade humana em três fases: oral, anal e genital, que costumam se suceder nessa ordem, mas com casos de regressão e fixação. No término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, Freud perdeu todas suas economias, que havia aplicado em bônus do governo austríaco. Retirando sua ênfase do instinto sexual como força propulsora do comportamento, ele se dedicou à formulação do conceito de “Princípio do prazer e desprazer”, estudando o equilíbrio entre o impulso pelo prazer e a dura realidade do mundo externo. Pouco depois, elaborou outras ideias metafísicas que aparecem em Jenseits des Lustprinzips (Além do princípio do prazer), de 1920. Em 1922, trabalhou na redação de Uma neurose demoníaca do século XVIII e, em 1923, publicou Das Ich and das Es (O Ego e o Id), no qual expõe sua teoriatripartite da mente, constituída por Id, Ego e Superego. O conceito do Id, o reservatório dos impulsos instintivos, é uma cópia da parte da alma na doutrina de Platão. Já o Ego trata da realidade do mundo exterior, enquanto o Superego funciona como o inibidor dos instintos, sendo a parte sábia e a parte vigilante da alma da mesma doutrina platônica. Porém, como ateu e materialista convicto, Freud acreditava que o homem era apenas um produto da evolução natural, sujeito às leis da física e da química. Portanto, nada do que uma pessoa diz ou faz é casual ou acidental, pois o homem não é livre nem racional, uma vez que obedece a causas do inconsciente. Para ele, a força que orienta o comportamento inconsciente era o instinto sexual, que não se apresentava de forma consciente por causa da “repressão” social tornada também inconsciente. Freud 90 Unidade III argumentou de maneira enfática que o comportamento humano é comandado pelo instinto sexual e pelo instinto de sobrevivência e que os motivos sexuais, se não são evidenciados, estão sublimados em um motivo aparente. Como criador da Psicanálise, por meio da qual é possível o estudo do consciente e do inconsciente humano, Freud é considerado um dos pensadores mais revolucionários de sua época, cujos reflexos repercutem até os dias atuais. Sua visão de que repressões de ordem sexual estão na origem de todos os conflitos humanos foi denominada de pansexismo, sendo a causa do rompimento com alguns de seus adeptos, entre eles Carl Jung, que utilizou a ideia freudiana do inconsciente; mas lhe acrescentou a condição de “coletivo” para explicar a origem dos distúrbios psíquicos. Jung substituiu o sexo como motor pelos arquétipos universais, que são situações comuns a todos os homens, independente de suas etnias, geografias e épocas. São mitos, lendas, tradições que compõem a estrutura mental básica de todos os indivíduos, restando a cada qual o espaço onde acrescentam suas biografias pessoais, que, no final, são delimitadas pelas grandes linhas do inconsciente coletivo. Voltando a Freud e à sua principal teoria, observa-se o quanto seu pensamento provocou impacto na filosofia vigente da época. Além da questão relacionada à moralidade, sua tese sobre a existência do inconsciente como um “depósito” de desejos e recalques sexuais, bem como a origem dos sonhos e a fonte do imaginário, causou um verdadeiro abalo nas convicções racionalistas que dominavam o panorama filosófico. A certeza de que o homem se diferenciava dos demais animais pela capacidade de raciocinar caiu por terra quando argumenta que o raciocínio não poderia ser considerado absoluto, pois estava a serviço das intenções nascidas no inconsciente do sujeito. Freud desenvolveu estudo detalhado sobre um aspecto da personalidade humana, que, de modo quase geral, não recebeu a devida atenção por parte da filosofia. Graças a ele, o estudo do homem adquiriu complexidade, forçando uma grande revisão nos conceitos filosóficos, tanto em termos da consciência, da vontade, quanto do próprio pensamento humano. Convém lembrar, no entanto, que nessa tese é possível encontrar semelhanças com outras escolas filosóficas, como, por exemplo, o Determinismo. Nesse, o tirano inexorável é o destino, enquanto no pensamento de Freud é o inconsciente. O freudomarxismo é a corrente filosófica que teve origem na aproximação feita por alguns filósofos contemporâneos, como Herbert Marcuse e Wilhelm Reich, entre as teses de Marx e Freud sobre cultura e civilização. Eles estudaram especialmente a análise marxista da ideologia e usaram as teses de Freud para invalidar e desmistificar o pensamento burguês. No aspecto freudiano, o inconsciente consiste em uma das qualidades psíquicas que, juntamente com o pré-consciente e o consciente, formam a configuração espacial do aparelho psíquico. Sendo assim, a “região” do cérebro que armazena memórias, sentimentos, emoções e outros resquícios intelectuais buscados para o emprego no cotidiano quando o indivíduo está em estado de alerta ou acordado. Pode também se manifestar sem a permissão consciente e racional do indivíduo, causando-lhe aborrecimentos e doenças mentais. Em geral, poderia ser comparado a uma espécie de arquivo cujo acesso é limitado, servindo para preservar os elementos mais íntimos dos indivíduos, em especial aqueles que lhe causariam maiores constrangimentos no meio social em que vivem. Trata-se, portanto, da essência intelectual, emocional e espiritual do homem, que comanda, mesmo 91 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO que indiretamente, as ações exteriores praticadas pelos indivíduos, repassando “suas ordens” para o consciente, que, por sua vez, desencadeia o processo fundamental para o cumprimento daquilo que foi desencadeado. 8.4 Sartre: o existencialista Figura 21 – Jean Paul Sartre O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, em 1905, dois anos antes do falecimento do pai. Ao ficar viúva, a mãe, Anne-Marie Schweitzer, mudou-se para a casa de seus pais em Meudon, nos arredores da capital francesa. Outro elemento marcante na formação intelectual de Sartre foi a imaginação criativa, estimulada pela leitura precoce e intensiva de grandes obras literárias. Em 1924, aos 19 anos, ele ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde se mostrou um aluno muito interessado, principalmente pelas aulas de Alain (1868/1951), que dedicava atenção especial à questão da liberdade. No ambiente acadêmico, Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908/1986), que lhe disse: “A partir de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca mais se separaram. Foi na Alemanha que Sartre começou a redigir Melancolia, romance que posteriormente foi concluído e recebeu o título de A náusea. Ao voltar para a França, ele publicou, em 1936, A imaginação e A transcendência do ego, trabalhos fortemente influenciados pela fenomenologia. Em 1938, foi editada A náusea e, um ano depois, uma coletânea de contos, O Muro, e o ensaio Esboço de uma teoria das emoções; em 1940, mais um ensaio, O imaginário, que, como o anterior, utilizava o método fenomenológico. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Sartre foi chamado para servir como meteorologista em Lorena. No entanto, em junho de 1940, foi preso no campo de concentração de Trier, na Alemanha. Um ano mais tarde, conseguiu escapar do cativeiro e se encontrou em Paris com Simone de Beauvoir. Também na capital francesa foi responsável pela fundação do grupo Socialismo e Liberdade, com o intuito de auxiliar a Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os colaboracionistas franceses. Em março de 1943, encenou sua primeira peça teatral, As moscas, na qual todos os elementos funcionavam de forma simbólica. No término da Segunda Guerra, Sartre desarticulou o movimento Socialismo e Liberdade e lançou a publicação Os tempos modernos, juntamente com Merleau-Ponty, Raymond Aron e outros 92 Unidade III intelectuais. Um ano depois, como resposta às críticas à sua filosofia existencialista, expostas em O ser e o nada, publicou O existencialismo é um humanismo, no qual procura explicar o significado do existencialismo do ponto de vista ético. No mesmo ano, publicou duas peças, Mortos sem sepultura e A prostituta respeitosa, além do ensaio Reflexões sobre a questão judaica, em que defende a tese de que a emancipação judaica seria viável apenas em uma sociedade sem classes. Em 1948, encenou As mãos sujas e, três anos depois, O Diabo e o bom Deus. No campo da política, essa fase também foi marcante pelo envolvimento de Sartre com o Partido Comunista, ao qual se filiou em 1952. Nos anos que se seguiram, continuou sendo, simultaneamente, um intelectual ativista. Em 1960, publicou a Crítica da razão dialética, precedido pelo ensaio Questão de método. Ambas as obras trazem reflexões no sentido de associar o existencialismo ao marxismo. A verve literária também não parou e, no mesmo ano, estreiou a peça Sequestrados de Altona,cujo tema central consiste nos problemas causados pelo colonialismo francês na Argélia, mesmo com a ação se passando na Alemanha de Hitler. Em 1964, surpreendeu as rodas de intelectuais com a publicação de As palavras, uma análise do significado psicológico e existencial de sua própria infância. Nesse ano, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, mas o recusou, pois aceitá-lo implicaria o reconhecimento da autoridade de um comitê julgador, o que considerava inadmissível. No entanto, em 1971, lançou a primeira parte de um longo estudo sobre Flaubert, intitulado L’Idiot de Famille. Em termos filosóficos, a trajetória do pensamento de Sartre teve início com A transcendência do ego, A imaginação, Esboço de uma teoria das emoções e O Imaginário, todos publicados entre 1936 e 1940. De acordo com o pensamento de Sartre, o tempo pode ser considerado como a expressão da síntese entre o em-si e o para-si e esta constitui a existência humana. A partir dessa perspectiva, o passado deixa de existir, a não ser que esteja associado ao presente de alguma forma. Enquanto o homem tem consciência de si mesmo, no presente, ele vive segundo o modo do para-si. No entanto, o seu passado possui todas as peculiaridades do em-si. Nesse sentido, a existência humana é formada, principalmente, pela espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que possui toda a característica de fiação de qualquer outro elemento do mundo. Ele ainda observou ser impossível ver na consciência algo distinto do corpo, uma vez que este não se liga exteriormente a ela. Pelo contrário, faz parte inerente da constituição da própria consciência, que é estruturada de maneira intencional; por isso, o corpo expressa a imersão no mundo como a característica da existência do homem. O corpo seria, então, um centro em relação ao qual são organizadas todas as coisas e, por isso, consiste em uma estrutura perene que viabiliza a consciência. Sartre estendeu sua interpretação afirmando que o corpo é a própria condição da liberdade humana. Como não existe liberdade sem escolha e o corpo é a necessidade de que ocorra a escolha de que o homem não seja a total idade do ser no ato. Por consequência, temos a condição da consciência humana como consciência do mundo e fundamento enquanto liberdade. Nesse sentido, o homem como ser-em-situação, assim como a necessidade de engajamento, a responsabilidade pessoal pelas ações e pelos projetos de vida e, em especial, a liberdade como fundamento individual, desenha as linhas gerais do pensamento existencialista de Sartre. As obras puramente teóricas expõem seus fundamentos filosóficos, e o teatro, o romance e o conto revelam de forma concreta essas 93 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO ideias. As posições filosóficas iniciais de Sartre sofreram transformações, na medida em que o filósofo buscou inserir o existencialismo numa concepção mais abrangente de mundo. Essas transformações derivaram, por um lado, do próprio existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e, por outro, do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da fundamentação teórica, essa nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de método e em Crítica da razão dialética, ambas publicadas em 1960. Nessas obras, a questão crucial levantada pelo autor está em saber se é possível constituir uma antropologia ao mesmo tempo estrutural e histórica. Ou seja, o objetivo visado por Sartre é saber se há possibilidade de reencontrar uma compreensão unitária do homem para além das várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam. Sartre, contudo, não pretende inventar esse novo saber do homem. Não se trata de opor à tradição uma nova filosofia, capaz de fornecer soluções para os problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não conseguiram resolver. Esse novo saber já existe segundo Sartre e circula anonimamente entre os homens: o marxismo. O marxismo, para ele, é a filosofia insuperável do século XX, “é o clima de nossas ideias, o meio no qual estas se nutrem... a totalização do saber contemporâneo”, porque reflete a práxis que a engendrou. Na mesma linha de ideias, Sartre afirma que, depois da morte do pensamento burguês, o marxismo é, por si só, “a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os homens e os acontecimentos”. Sartre, porém, fez referência ao marxismo oficial, e nem sequer pretendia transcender a obra de Marx, pois, para ele, o marxismo era capaz de superar a si mesmo, por ser uma filosofia que acaba se adequando às transformações econômicas e sociais. Tomando como base a concepção sartreana de que o marxismo consiste na “filosofia de nosso tempo”, é possível afirmar que o existencialismo foi pensado como “um território encravado no próprio marxismo”, que, ao mesmo tempo, o abrange e o exclui. Outro aspecto da doutrina de Sartre está na maneira pela qual ele tentava solucionar a questão das relações materiais de produção pelo projeto existencial. Ao afirmar que o marxismo era insuperável, ele não quis dizer que se tratava de uma filosofia eterna, mas sim que deveria ser suplantada quando houvesse para todos a garantia da liberdade e das condições de produção da vida. Diante dessa perspectiva, pode-se imaginar um mundo de fartura guiado por uma corrente filosófica que prioriza a liberdade. Infelizmente, a experiência atual não permite nem ao menos que esse cenário seja idealizado. Lembrete Hoje, com a inexistência de grandes projetos para a humanidade, torna- se necessário descobrir caminhos de ação que tragam um sentido legítimo à essência do processo civilizatório na construção do social. 94 Unidade III 8.5 Michel Foucault: conhecimento e biopolítica Figura 22 – Michel Foucault (1926-1984) Considerado como um dos filósofos e professores mais importantes da cátedra de História dos sistemas de pensamento no Collège de France, de 1970 a 1984, Michel Foucault Poitiers nasceu em 15 de outubro de 1926 em Paris. Seu trabalho foi desenvolvido como uma espécie de arqueologia do saber filosófico, partindo da experiência com a literatura e da análise do discurso com base nas teorias da linguagem, focando-se na relação entre poder e governo, incluindo todas as formas de subjetivação. Em 1954, ele publicou seu primeiro livro, Doença mental e personalidade. Em 1969, lançou A arqueologia do saber, como uma resposta às críticas que recebera. Ficou bastante conhecido pelas suas reflexões sobre as instituições sociais, especialmente no campo da psiquiatria, e também por suas ideias a respeito da evolução da história da sexualidade, além das suas teorias gerais relativas à energia e à complexa relação entre poder e conhecimento. Por isso, mais do que em análises da “identidade”, definidas como estáticas e objetivadas, Foucault se preocupou em estudar a vida e os variados processos de subjetivação. Suas teorias sobre o saber, o poder e o sujeito abalaram profundamente o significado moderno desses termos, razão pela qual é considerado um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da loucura, O nascimento da clínica, As palavras e as coisas e A arqueologia do saber) seguem uma linha pós-estruturalista, mas não impedem que ele seja classificado como um estruturalista, em virtude de obras posteriores, como Vigiar e punir e A história da sexualidade. Foucault ficou famoso também por ressaltar a semelhança na maneira de tratar ou de cuidar dos grandes grupos de indivíduos que estão situados nos limites do grupo social, como os loucos, os prisioneiros, certos grupos de estrangeiros, soldados e crianças. Ele acreditava que esses agrupamentos específicos apresentavam em comum a característica de serem excluídos pelo confinamento em instalações especializadas e organizadas em modelos estruturados, como asilos, presídios, quartéis e escolas, todos inspirados no que ele denominou de “instituição disciplinar”. 95 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Ele procurou, ainda, refletir sobre problemasconcretos como a insanidade em um contexto bastante restrito do ponto de vista geográfico e histórico. No entanto, suas observações contribuíram para a identificação dos conceitos superiores a esses limites temporais e espaciais, mantendo, dessa forma, uma vasta abrangência em muitos campos do saber. No segundo semestre de 1970, ele demonstrou interesse no que parecia uma nova forma de exercer o poder, denomidada de “biopoder”, mostrando como a sexualidade afeta a saúde e o lazer como produtividade econômica, além dos mecanismos de poder, transformando-se em uma questão crucial para a política. Foucault pensou filosoficamente investigando a história, mas não escreveu uma “história da filosofia”. Porém, não excluiu a abordagem dos filósofos, permeando os escritos sobre diferentes “objetos”, inscrevendo-se, como que “em meio a eles”, a leitura das filosofias. Na verdade, aquilo que Foucault problematiza nos seus escritos sobre biopolítico é justamente a funcionalização do desconhecido, que torna própria a forma de ser do homem. Com essa funcionalização, o homem não está mais exposto ao conhecimento de si, que permanece, ainda, inalcançável na sua completude, mas totalmente descrito como dado estrutural de uma sociedade voltada para objetivos determinados. Mesmo que a vida humana não seja integrada em técnicas que a dominem e a gerem, o biopoder surge como uma intervenção na forma de viver dos sujeitos de direito. O biológico reflete-se diretamente no político, e o limiar de modernidade biológica de uma sociedade surge no momento em que a própria espécie entra em jogo nas estratégicas políticas. Nesse aspecto, qualquer forma de política se torna uma luta pelo espaço que o sujeito tem no controle da própria vida, ou seja, de um lado, o biopoder enquanto instância de controle do como viver e da estrutura biológica do homem, e do outro, a exigência, por parte dos sujeitos, por um direito a ter direito sobre o próprio corpo, e a forma de fruir deste; um direito de “encontrar o que se é e tudo o que se pode ser”. Nesse sentido, o controle do sexo surge com uma função simbólica na formação da identidade de uma população a partir do século XVIII, normativamente. Essa normalização do sexo, como um controle de uma população, faz a sexualidade surgir como dispositivo do poder soberano. O controle do sexo é, portanto, a forma mais eficaz de conter uma população, mantendo, com isso, o caráter homogêneo de um país/nação. Podemos identificar, então, três características fundamentais da biopolítica para Foucault: em primeiro lugar, existe um controle sobre o corpo, uma espécie de domesticação dos corpos por parte do controle médico-jurídico, que permite que o homem seja tomado enquanto ente para um conhecimento científico – e nisto a estrutura duplo empírico- transcendental fica mais clara: ao mesmo tempo, o homem é tomado enquanto objeto empírico, que só é possível a partir de um conhecimento que é afirmado de um ponto de partida transcendental, o qual o mesmo homem, enquanto sujeito, participa. Em segundo lugar, a partir desta domesticação, os corpos dóceis dos homens são objetos de uma regulamentação política, que vai implicar em um poder disciplinar do qual o homem é objeto. Assim, temos como terceira característica da biopolítica uma relação permanente de poder-saber que permeia todas as estruturas anteriores – o controle da estrutura biológica do homem, feito a partir de um controle médico da população (primeira característica aqui identificada) implica em uma delimitação do campo de saber empírico ao qual este mesmo homem terá acesso; assim como a regulamentação e o controle disciplinar de uma 96 Unidade III população a partir da estrutura jurídica vai implicar diretamente nos saberes possíveis- disponíveis para uma determinada população. Fica, portanto, claro como a relação poder- saber está implicada em toda biopolítica – a partir da neutralização do saber científico, quem tem o controle de um determinado saber científico pode legitimar seu uso a partir da suposta “neutralidade” de sua prática (FOUCAULT apud KELLY, 1994, p. 44-45). A ideia de dispositivo, portanto, está ligada a esta relação entre saber-poder, onde o dispositivo de poder controla uma articulação entre um saber e sua aplicação – e, na biopolítica, a aplicação de um determinado saber no próprio corpo de uma população, ou na determinação de uma população homogênea (PONTIN, 2007, p. 62). 8.6 Questões Atuais em Filosofia No atual estágio em que se encontram as relações humanas, mediadas ou não pelas tecnologias da informação, é preciso contextualizá-las e compreendê-las a partir do cenário pós-moderno, que configura um novo estado de ser e de estar no mundo. Hoje, com a inexistência de grandes projetos para a humanidade e dos ideais positivistas que faziam crer na ciência como a grande trajetória a ser percorrida para alcançar o progresso como a solução de todos os conflitos gerados pela tensão provocada pelo homem na sua luta de engajamento político, econômico e social, torna-se necessário descobrir caminhos inusitados de ação que tragam um sentido legítimo à essência do processo civilizatório na construção original de outra ordem social. Com a derrocada do socialismo, da Guerra Fria e o esfacelamento da polarização dos ideais político- partidários, a abstração entre esquerda e direita fez com que os indivíduos realmente dispostos a contribuir com ações conjuntas para as mudanças de ordem social e econômica repensassem sobre novas formas de representatividade e de indagações capazes de garantir tanto a permanência quanto a eficácia de atuações cívicas pertinentes às esferas do poder. Nessa conjuntura de fatores nunca antes vivenciados na trajetória humana, a concepção de espaço público, de pertencimento a uma realidade ao mesmo tempo globalizada pela economia e fragmentada pelo multiculturalismo, que prescinde do ideal de um futuro comum a todos, é necessário avaliar de que maneira os indivíduos estão se organizando tanto em nível local quanto em mundial para a troca de informações e de reflexões críticas, tendo em vista a concepção de movimentos estratégicos para o fortalecimento dos elos sociais, imprescindíveis a qualquer noção de mudança efetiva na esfera pública. A pluralidade de estudos que contemplam as influências das tecnologias de informação e de comunicação, especialmente a internet, as comunidades virtuais e os blogs políticos com relação ao capital social, entendido como a capacidade de os indivíduos assumirem uma posição cívica de mobilização em torno dos problemas em termos de discussão e de ações direcionadas para solucioná- los, revela ainda a existência de muitos aspectos a serem aprofundados que devem transcender os limites da avaliação quantitativa, uma vez que esse tipo de abordagem pouco acrescenta sobre o potencial representativo da rede em suas múltiplas possibilidades de interação. Antes de tecer os comentários iniciais sobre as articulações filosóficas permeadas pelas novas tecnologias de comunicação, faz-se necessário lembrar que esses meios ratificam ainda mais as desigualdades sociais, permitindo que apenas uma minoria da população do planeta possa usufruir desses 97 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO benefícios, em detrimento de uma maioria que se encontrará por tempo ainda indefinido totalmente alijada dessa forma de poder. Embora a repercussão dos efeitos das interações proporcionadas pela rede possa até mesmo vir a beneficiar esse número imenso de indivíduos de alguma forma, esse modelo continua refletindo a realidade já estabelecida off-line, na qual uma minoria articulada às atividades sociais determina as condições de vida de uma imensa maioria, carente de necessidades básicas, que se encontra totalmente à margem das decisões relativas à esfera pública. Certamente, a rede tem proporcionado grandes possibilidades para aqueles que antes se achavam isolados em nível local ou regional, permitindo maior abrangência em termosde fonte de pesquisa e de interatividade pessoal e coletiva. No entanto, a relação dessas ferramentas com a ascensão ou com o declínio do capital social como instrumento de transformação deve ser analisada com cautela, uma vez que a tendência ao individualismo e a falta de comprometimento e de interesse pelas decisões da esfera pública evidenciam fortemente a constituição do sujeito em pleno século XXI. No cenário atual, nem mesmo a total liberdade de acesso e de divulgação de informações e opiniões por meio da rede via comunidades virtuais como Orkut e YouTube podem fazer com que esses espaços sejam considerados um avanço em termos de contribuição para o engajamento às causas públicas. Para efeito qualitativo, no que se refere ao conteúdo online, esses novos canais de comunicação ainda permanecem sob o domínio da estrutura fora da rede e, como novidade que são, ainda se encontram presos intrinsecamente à inevitável tentação da exposição de formas de expressão reprimidas que ganham vazão, como uma criança solta em um gigantesco parque de diversões. Portanto, qualquer tentativa de colocar parâmetros para medir ou avaliar a relação dos agentes dessas mensagens com a atual capacidade de mobilização social deve levar em consideração todos esses elementos comprometedores das informações veiculadas no mundo virtual. Apesar da crescente evolução das tecnologias de informação e de comunicação em todo o mundo, que não podem ser ignoradas sob hipótese alguma, em função das inusitadas formas de interatividade que irão fazer parte estrutural do universo coletivo das próximas gerações, é cedo para identificar a dinâmica efetiva da influência da rede com relação ao capital social. Mesmo por que a maioria dos internautas de hoje que demonstram preocupação de utilizar essa ferramenta como instrumento efetivo de mobilização nasceu e cresceu em uma realidade desprovida desses aparatos. Portanto, o que se pode concluir até o presente momento é que esses sujeitos mobilizadores encontram-se em fase de adaptação e de experimentação no que se refere ao potencial dessa nova forma de construção da sociedade pelo consumo midiático virtual. A própria necessidade de acrescentar o prefixo pós ao termo modernidade pelos críticos e teóricos contemporâneos já indica uma alteração de sentido que merece atenção enquanto objeto de estudo. Aliás, o termo aldeia global, do canadense Marshall McLuhan, adquiriu um significado peculiar agora que as distâncias se encurtam cada vez mais, provocando uma “onda” de unificação, sobretudo no campo da economia e das comunicações. A informática, que revolucionou a operacionalidade de numerosas atividades humanas, e, mais recentemente, a invasão das televisões a cabo e das redes virtuais pela internet podem ser consideradas agentes potencializadores dessa mudança estrutural. 98 Unidade III Em meio a tantas novidades, do CD-ROM às teleconferências, virou uma espécie de modismo estar conectado a tudo e a todos. A introdução do controle remoto, que transformou a televisão numa “colagem de imagens” de autoria individual, bem como o advento do videocassete e do DVD, foram responsáveis pela ruptura da noção de instantaneidade, possibilitando a concepção isolada e fragmentada da realidade. Atualmente, já é possível conhecer os principais museus do planeta, como o Louvre, em Paris, o Prado, em Madri, e o Museu Britânico, em Londres, sem sair de casa, emitir e receber mensagens para todas as partes de forma imediata, criar e recriar um universo virtual inteiro na tela de um computador, além de ter à disposição uma quantidade tão grande de informações que seria necessário mais de um milênio para que alguém pudesse acessá-las e assimilá-las. Nesse vasto cenário, onde tudo, em tese, parece estar ao alcance do homem, a relação entre novo e antigo, entre homogêneo e heterogêneo, tornou-se um desafio talvez mais intrincado e complexo do que povoar a Lua. O avanço desigual da tecnologia tem levado o ser humano a experimentar a estranha e angustiante sensação de estar vivendo uma realidade virtual, constituída por visões fragmentadas da sua própria condição. Tamanha é a ausência de referências simbólicas diante de tanta inovação que se torna cada vez mais complicada a tarefa de elaborar previsões de qualquer espécie, seja a curto ou longo prazo. Como observa o estudioso da pós-modernidade Stuart Hall (1997, p. 68) citando Harvey (1989): À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia global de telecomunicações e uma espaçonave planetária de interdependências econômicas e ecológicas – para usar apenas duas imagens familiares e cotidianas e, à medida que os horizontes temporais se encurtam até o ponto em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e temporais. Essas alterações encontram-se intimamente vinculadas à noção de identidade no final do milênio, partindo do princípio de que as identidades modernas estão sendo descentradas, quer dizer, deslocadas. Stuart Hall (1997, p. 9) argumenta que: Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um sentido de si estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma crise de identidade para o indivíduo. 99 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Também para mascarar a complexa realidade da situação dos “pobres do mundo”, a mídia utiliza- se de contextos inter-relacionados, pautando e editando as notícias, de modo a reduzir o problema da miséria e da privação apenas à questão da fome. Com isso, a verdadeira escala da pobreza (800 milhões de pessoas são permanentemente subnutridas, mas cerca de 4 bilhões – dois terços da população mundial – vivem na pobreza) é omitida, e a tarefa a ser enfrentada restringe-se somente à obtenção de comida para os famintos, como destaca o filósofo alemão Zigmunt Bauman (1998 p. 82): Acrescentemos que toda associação das horrendas imagens da fome apresentadas na mídia com a destruição do trabalho e dos postos de trabalho (isto é, com as causas globais da pobreza local) é cuidadosamente evitada. As pessoas são mostradas com sua fome, mas, por mais que os espectadores agucem a visão, não verão um único instrumento de trabalho, uma única faixa de terra arável ou uma só cabeça de gado nas imagens, nem ouvirão qualquer referência a nada disso. Como se não houvesse ligação entre o vazio das exortações rotineiras para que se ‘levantem e façam alguma coisa’, dirigidas aos pobres num mundo que não precisa mais da força de trabalho, pelo menos não nas terras onde as pessoas mostradas pela televisão morrem de fome, e o sofrimento de pessoas oferecidas como escoadouro carnavalesco, em ‘feira de caridade’, para um impulso moral contido. De certa forma, o mundo nunca esteve tão acessível ao homem, proporcionando-lhe a ilusão sobre- humana de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Em grandes cidades como Nova Iorque, Tóquio, Londres, Paris e São Paulo, cadeias imensas de restaurantes fast-food, sempre moldados de forma padronizada, exibem ininterruptamente telões onde se alternam imagens de desenhos animados novos e antigas competições esportivas, videoclips e comerciais ao som de músicas estridentes do universo pop. O que importa aqui não é o conteúdo da mensagem, mas sim proporcionar ao cliente a sensação de estar conectado de alguma maneira à sociedade global. Como verdadeiros artefatos decorativos, esses programassão veiculados com o objetivo de criar um ambiente familiar de reconhecimento e identificação para o sujeito descentrado da era pós-industrial. Ao mesmo tempo em que a tecnologia coloca o planeta ao alcance do apertar de teclas, produz também a angústia dilacerante da overdose de informações, que reflete a falta de significado de uma realidade virtual nem um pouco tangível. Essa situação chega a provocar um efeito quase paralisante da capacidade crítica e reflexiva do indivíduo, para o qual a novidade, quando existe, permanece desprovida de referenciais em um contexto fictício e artificioso. Observação “O homem deve ser inventado a cada dia” (Sartre). Por outro lado, um reconfortante ideal de união e igualdade, sempre presente no imaginário da coletividade humana como o mito da civilização perfeita, ressoa como uma cantiga de ninar, embotando a sensibilidade para a percepção nada agradável da existência conflitante e paralela dos graves problemas 100 Unidade III sociais que assolam o mundo. Afinal, um cenário marcado pela miséria, pela fome, pela intolerância e pela violência contrasta de maneira constrangedora com a sofisticada tecnologia das imagens plurais responsáveis pela interconexão de todas as partes do globo terrestre. Para o homem, significa, em última instância, a assinatura do atestado de fracasso e de incompetência em sua tentativa de melhorar o mundo na entrada do terceiro milênio, época projetada ao logo de toda a história do pensamento moderno como um tempo de realização pleno e satisfatório diante das adversidades naturais e daquelas impostas por sistemas de governo inadequados ao bem-estar social supostamente atingível. Nesse jogo sutil de identidades, não existem vítimas indefesas, e muito menos vilões maquiavélicos que programam computadores para manter corações e mentes sob permanente controle. A ênfase na primazia do avanço tecnológico da nossa era pode ser considerada mais como um instrumento de defesa individual contra o sentimento de abandono e ausência de perspectivas favoráveis, despertado pela falência das ideologias e pela ausência de grandes projetos para a humanidade. Figura 23 Nesse acordo silencioso selado pelas estruturas de poder, torna-se necessário avaliar até que ponto a mídia, enquanto forma e conteúdo, está comprometendo seu papel atuante na construção do intrincado fenômeno da opinião pública, que se apresenta como coletivo, embora tenha como base a realidade individual vivenciada em sociedade. Portanto, a complexidade reside no fato de o comportamento dos indivíduos nos grupos ser diferente do seu comportamento pessoal e isolado, esclarecendo que a opinião pública vem determinada por um mundo onde se multiplicam de forma incessante os agentes determinantes da vida política, social e filosófica. Não se pode negar que, seja nas sociedades centrais, seja nas periféricas, os descolamentos de identificações estão provocando mudanças de costumes e de comportamentos. Entretanto, a contribuição maior atualmente consiste em desvendar a origem dessas tendências, bem como das suas influências de fato nas esferas sociais pertencentes aos mais diferentes níveis de evolução e de desenvolvimento de uma nação. O filósofo francês Pierre Bourdieu alerta para a existência de uma estrutura invisível que permeia a interface entre a produção intelectual na área acadêmica, fornecendo outro recorte na esfera da 101 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO comunicação, tendo em vista as pressões de mercado nas empresas que trabalham com a difusão de informações, seja em nível informativo, interpretativo e, principalmente, de caráter opinativo. Para ele, nem mesmo os próprios pensadores da atualidade, com raras exceções, percebem que estão sujeitos de forma permanente à ilusão de que estão divulgando e legitimando o conhecimento da forma mais adequada, selecionando as melhores fontes dos mais variados campos do saber para a exposição e para a formação da “opinião pública”. Ainda na visão dele, os jornais impressos, que dominaram a era da imprensa escrita com propostas sérias de provocar reflexões críticas na sociedade por meio de depoimentos de fontes consagradas por seus pares, perderam seu poder e tiveram que se adaptar aos noticiários falados, que mantêm o foco no fait-divers1, nos esportes e na agenda oficial dos representantes do poder público, para atingir um número cada vez maior de indivíduos, aumentando com isso seu capital simbólico com aquilo de Bourdieu chama de assuntos-ônibus, que não levantam problemas. Essa forma de expressão midiática, apesar do extraordinário alcance proporcionado por ela, faz com que a configuração dos temas hoje debatidos pela sociedade ceda à tendência de homogeneização da informação e do pensamento filosófico e à desarticulação das possibilidades de engajamento no campo político. No entanto, ele enfatiza também que essa opção pela banalização não foi algo planejado por alguém ou por um grupo reacionário comprometido com alguma forma de poder específica. Vale lembrar que essa fórmula fácil de falar em nome da moral burguesa e da lógica da concorrência convém a todos os espectros sociais, confirmando realidades reconhecidas sem ter que recorrer às mudanças de mentalidade que poderiam subverter a ordem já estabelecida. Saiba mais Assista ao filme Ponto de mutação, para conhecer as visões de mundo contemporâneas por meio do diálogo entre um político, uma cientista e um poeta. Ponto de mutação. Dir. Bernt Capra, EUA,112 minutos, 1990. Resumo É possível afirmar que a filosofia moderna liberta a razão das exigências da fé na Idade Média e a coloca na dependência do homem, o que permite 1 O fait-divers é uma informação total, ou mais exatamente, imanente; ele contém em si todo o seu saber: não é preciso conhecer nada do mundo para consumir um fait-divers; ele não remete formalmente a nada além dele próprio; evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres, assassinatos, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isso remete ao homem, à sua história, à sua alienação, a seus fantasmas, a seus sonhos, a seus medos... no nível da leitura, tudo é dado num fait-divers: suas circunstâncias, suas causas, seu passado, seu desenlace; sem duração e sem contexto, ele constitui um ser imediato que não remete a nada de implícito (BARTHES. Crítica e Verdade. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 59). 102 Unidade III seu esclarecimento e coloca o conhecimento ao alcance de todos. Na Europa Ocidental, ocorre uma retomada do pensamento da antiguidade, assim como a libertação do conhecimento do controle da Igreja Medieval. Mesmo sendo considerada um retorno do pensamento racional à supremacia e, em especial, uma releitura do pensamento platônico, a filosofia moderna mostra seu valor ao promover a acessibilidade do saber, sem distinção entre o mundo sensível das coisas e o mundo intangível das ideias. René Descartes acreditava ter sido escolhido para unificar todos os conhecimentos humanos, partindo de bases sólidas certificadas pelo conhecimento científico para construir um modo de pensar focado na verdade e permeado somente pelas certezas racionais. Na condição de matemático e filósofo francês, ele se mostrou contrário a qualquer ideia de subjetividade, o que o levou a escrever a célebre frase: penso, logo existo. Na visão cartesiana, o universo material poderia ser explicado pelas leis da física e da matemática, que resultaram na concepção da geometria analítica como forma de definir e de manipular as formas geométricas por meio de expressões algébricas. Essa postura filosófica originou as coordenadas cartesianas, por intermédio das quais os pontos são representados nesse sistema, marcando para sempre o nome de Descartes na história da humanidade. George Wilhelm Friedrich Hegel concebeu o modelo de análise da realidade que mais influenciou pensadores como Nietzsche, Marx e Jean-Paul Sartre, por se tratar de um pensamento que refuta a filosofiade Kant. Para tanto, Hegel procurou discutir vários, como a lógica, o direito, a religião, a arte, a moral, a ciência e a própria história da filosofia. Em todos esses campos do saber, ele vislumbrou a manifestação do espírito absoluto, capaz de materializar e de se revelar por intermédio da história. A filosofia hegeliana, portanto, parte do fundamento de que a negatividade é um dado estrutural do real e que o positivo realiza-se apenas por meio do negativo. Essa postura dialética, então, seria o procedimento metodológico que torna possível compreender a racionalidade do real. No pensamento filosófico elaborado por Karl Marx, a realidade material será sempre a maior responsável por todas as condições da vida humana, expondo o homem à sua condição existencial. Também dela devem ser pensadas todas formas de ideologia, ou seja, as visões de mundo. Diante dessa formulação, é possível afirmar que não é a ideia que produz a realidade, mas sim o contrário, o que estabelece um correlacionando dialético que modela as sociedades. Como parte do contexto do pensamento alemão que originou o racionalismo e o romantismo, resultando no “materialismo contemplativo”, Marx era defensor da prática de um materialismo ativo. 103 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Porém, seu materialismo não pôde ser colocado em prática, porque ele acreditava que o racionalismo era muito abstrato em comparação ao materialismo dialético, já que matéria e ideia constituem categorias opostas que se inter-relacionam, mantendo uma unidade. O pensamento positivista admite, como fonte única de saber e de critério de verdade, a experiência e os fatos positivos, incluindo os dados sensíveis. Sendo assim, nenhum conhecimento metafísico como a interpretação ou a justificação transcendente da experiência possui validade nesse terreno filosófico. Portanto, a filosofia passa a ser reduzida à metodologia, à sistematização das ciências e à lei, única e suprema, que comanda o mundo concebido pelo positivismo, fomentando a força necessária à energia naturalista. Auguste Comte é o grande formulador do positivismo, corrente filosófica fundada por ele com o intuito de reorganizar o conhecimento humano e que teve forte influência no Brasil. Comte ainda é considerado o grande sistematizador da sociologia. Com relação à sua concepção de mundo, vale destacar que ele viveu em um período da história francesa em que se alternavam o despotismo e as revoluções, o que levou a sociedade à crise dos valores tradicionais. Pode ser considerada como contemporânea a filosofia que compreende a segunda metade do século XIX até o início do século XXI, e o positivismo permanece como presença constante na história do pensamento dessa fase. Apesar das suas notáveis diferenças na maneira de lidar com os problemas, é possível reconhecer essa conduta empirista do século XVIII no positivismo do século XIX e no positivismo lógico ou empirismo lógico do século XX. O empirismo lógico ou positivismo lógico do século XX consiste num dos movimentos integrantes da corrente analítica dos nossos dias, cuja originalidade está em ter conseguido transformar o próprio conceito de filosofia. Para a corrente analítica, a filosofia não tem por objeto a realidade, mas sim a análise da linguagem que envolve a realidade, seja a linguagem ordinária, comum ou científica. Outras correntes da filosofia contemporânea tomaram como objeto principal de consideração o fenômeno da história, da vida e da irredutibilidade da existência pessoal – as filosofias historicistas, existencialistas e personalistas. Podemos conceituar a filosofia como uma disciplina que estuda os fundamentos das convicções e dos valores humanos. No entanto, enquanto as ciências fixam um saber sólido a partir do qual passam a desenvolver suas teorias, a filosofia não produz os mesmos resultados, uma vez que não existem respostas definitivas às questões humanas. Freud revolucionou a psicologia ao introduzir a noção de inconsciente como sendo o poder que foge do controle da consciência. Para complementar, a ideia de progresso como percurso racional foi abalada 104 Unidade III definitivamente com a ascensão dos regimes totalitários, como o nazismo, o fascismo e o stalinismo. Friedrich Nietzsche profetizou as grandes guerras do século XX, afirmando que chegaria o dia em que os homens lutariam no confronto pelo poder. No entanto, ele conhecia os campos de batalha do espírito e, no fundo, queria conhecer apenas esses. Porém, sua obra contém o caos, assim como o impulso que deveria desencadeá-lo no decorrer da história da humanidade, podendo ser considerado como o primeiro precursor do conceito de pós-modernidade amplamente utilizado hoje. Na vanguarda da sociedade que preconizava, ele colocava o espírito de altivez, afirmando que a consciência de si próprio precede qualquer criação. Em Nietzsche, o mundo é uma espécie de caos e apenas a manifestação artística pode transformar a desordem em beleza e tornar aceitável aquilo que há de mais aterrador na condição humana. Médico especializado em doenças mentais, Sigmund Freud desenvolveu a psicanálise, uma teoria do funcionamento da mente humana e um método exploratório de sua estrutura, destinado a tratar os comportamentos compulsivos e muitas doenças de natureza psicológica supostamente sem motivação orgânica. Ele recolheu de várias fontes os elementos por meio dos quais compôs a sua teoria, a partir das descobertas do médico austríaco Josef Breuer, da doutrina platônica e do pensamento filosófico de Schopenhauer, consolidando, pela longa prática clínica, os postulados da teoria que denominou Psicanálise. Freud acreditava que o homem era apenas um produto da evolução natural, sujeito a leis da física e da química. Portanto, nada do que uma pessoa diz ou faz é casual ou acidental, pois o homem não é livre nem racional, uma vez que obedece a causas do inconsciente. Para ele, a força que orienta o comportamento inconsciente era o instinto sexual, que não se apresentava de forma consciente por causa da “repressão” social tornada também inconsciente. Freud argumentou, de maneira enfática, que o comportamento humano é comandado pelo instinto sexual e pelo instinto de sobrevivência e que os motivos sexuais, se não são evidenciados, estão sublimados em um motivo aparente. Como criador da psicanálise, por meio da qual é possível o estudo do consciente e do inconsciente humano, Freud é considerado um dos pensadores mais revolucionários de sua época, cujos reflexos repercutem até os dias atuais. Para Jean-Paul Sartre, a liberdade vem do nada, o que obriga o ser humano a fazer-se em vez de apenas ser. De acordo com a doutrina de Sartre, o homem é totalmente responsável por aquilo que é, uma vez que não é válido para as pessoas atribuir seus erros a circunstâncias externas. Essa concepção 105 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO autônoma da liberdade, como determinação radical do ser, faz da doutrina existencialista uma filosofia que refuta a ideia de Deus. Portanto, Sartre retira desse ateísmo qualquer fundamento sobrenatural para a construção dos valores universais, pois é o homem quem os cria. Sendo assim, a vida não possui sentido, independentemente do fato de o homem existir, e seu valor consiste no sentido que cada um estabelece para si próprio. Foucault também ficou conhecido por ter evidenciado as formas de algumas práticas das instituições em relação aos indivíduos, chamando a atenção para a grande semelhança que existe na maneira de tratar grandes grupos de indivíduos que estão nos limites do grupo social, mais especificamente os loucos, os prisioneiros, alguns estrangeiros, os soldados e as crianças. Ele acreditava que todos possuem em comum o fato de serem vistos com desconfiança e, por isso, excluídos por confinamento em instalações especializadas e organizadas em modelos parecidos, como asilos, presídios, quartéis e escolas, que ele chamou de “instituição disciplinar”. Foucaulttambém buscou, por meio da sua obra, discutir temas concretos como a loucura humana em um contexto muito específico do ponto de vista geográfico e histórico. No cenário atual, a rede tem proporcionado grandes possibilidades para aqueles que antes se achavam isolados em nível local ou regional, permitindo maior abrangência em termos de fonte de pesquisa e de interatividade pessoal e coletiva. No entanto, a relação dessas ferramentas com a ascensão ou com o declínio do capital social como instrumento de transformação deve ser analisada com cautela, uma vez que a tendência ao individualismo e a falta de comprometimento e de interesse pelas decisões da esfera pública evidenciam fortemente a constituição do sujeito em pleno século XXI. No cenário atual, nem mesmo a total liberdade de acesso e de divulgação de informações e opiniões por meio da rede via comunidades virtuais como Orkut e YouTube podem fazer com que esses espaços sejam considerados um avanço em termos de contribuição para o engajamento nas causas públicas. Mas, apesar do alcance extraordinário proporcionado pela expansão midiática, as novas formas de tecnologia da comunicação fazem com que a configuração dos temas hoje debatidos pela sociedade ceda à tendência da homogeneização da informação, à fragmentação do pensamento filosófico e à desarticulação das possibilidades de engajamento no campo político. 106 Unidade III Exercícios Questão 1 (prova de Pedagogia, Enade, 2008) A racionalidade científica, forma dominante de pensar e de agir na Modernidade, transformou o homem e sua ação em objetos de investigação. Passaram a ser tratados da mesma forma que as “coisas” e os fenômenos da natureza, como “objetos” fixos, imutáveis. O historicismo veio a se opor a essa perspectiva positivista, chamando a atenção para a dimensão histórica da existência, do mundo e da sociedade. As vertentes da pesquisa em educação que acompanharam essa discussão incorporaram ideias do historicismo e trouxeram para a prática da investigação o pressuposto de que: A) a pesquisa educacional supõe a existência de métodos previamente definidos. B) a objetividade e a universalidade do conhecimento são garantidas pelos métodos de pesquisa. C) a metodologia da pesquisa determina a produção dos conhecimentos histórico-educacionais. D) o conhecimento da realidade só é possível por meio do controle do fenômeno educacional. E) o conhecimento educacional depende da compreensão dos processos sócio-históricos. Resposta correta: alternativa E. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa. A alternativa não é correta, pois a atual concepção de pesquisa educacional se pauta numa pluralidade de métodos, numa postura aberta, consciente da riqueza e da complexidade do seu campo de pesquisa numa busca da variedade e da articulação de instrumentos mais adequados ao trabalho de desvendamento das práticas educacionais. B) Alternativa incorreta. Justificativa. A alternativa não é correta, pois a concepção historicista na qual se baseia a pesquisa em educação na atualidade não mais vê (como na concepção cientificista-positivista) a compreensão da realidade como algo estanque e linear que possa ser aprendido com objetividade e universalidade absolutas. C) Alternativa incorreta. Justificativa. A alternativa não é correta, pois na concepção historicista os contextos histórico- educacionais é que determinam a metodologia da pesquisa. Vale lembrar que a determinação nessa visão é múltipla, complexa, pois tenta apreender toda a riqueza e complexidade das ideias e das práticas educacionais e sociais de um determinado período. 107 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO D) Alternativa incorreta. Justificativa. A alternativa não é correta, pois a ideia de controle dos fenômenos faz parte do universo do cientificismo, da razão cartesiana, que acreditava no poder da ciência de explicar para prever e controlar. Mas a concepção historicista de pesquisa em educação dá conta de que o universo das ações humanas é muito mais complexo e imponderável, pautado numa multideterminação de fatores e agentes. E) Alternativa correta. Justificativa. A alternativa é correta porque ressalta a importância da tentativa de compreensão dos processos sócio-históricos na busca do conhecimento educacional. A ideia de processo é fundamental na concepção historicista, pois ela dá a dimensão da complexidade e da riqueza dos fenômenos humanos e sociais (nos quais estão inseridas as práticas educacionais), que são resultado das contradições, dos impasses, das rupturas e das intersecções entre diferentes tempos e espaços. Questão 2 (adaptada de prova de Pedagogia, Enade, 2005): Mas a “verdade”, da qual nossos professores tanto falam, parece ser seguramente uma coisa bem mais modesta, da qual não se pode recear nada de desordenado ou excêntrico: ela é uma criatura de humor fácil e benevolente, que não se cansa de assegurar a todos os poderes estabelecidos que ela não quer criar aborrecimentos a ninguém; pois, afinal de contas, não se trata aqui apenas de “ciência pura”?. (NIETZSCHE, F. Escritos sobre educação. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003, p.151). Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, faz uma crítica irônica a uma concepção naturalizada e abstrata da ciência e da verdade. Pensando na relação de um professor com o conhecimento, qual das seguintes afirmações acerca da atuação do professor dá sentido à crítica do autor? A) Convencer os seus alunos a consolidar o saber científico. B) Preservar os fundamentos das pesquisas já feitas na escola. C) Ser um bom transmissor dos saberes instituídos cientificamente. D) Colocar em questão os saberes instituídos cientificamente. E) Transmitir verdades que ampliem os conhecimentos estabelecidos. Resposta correta: alternativa D. 108 Unidade III Análise das alternativas a) Alternativa incorreta. Justificativa: na perspectiva da filosofia de Nietzsche, o saber científico na escola não deve ser consolidado, e sim questionado. b) Alternativa incorreta. Justificativa: na perspectiva da filosofia como um todo e, sobretudo, na de Nietzsche, deve-se refletir criticamente sobre os fundamentos das pesquisas. c) Alternativa incorreta. Justificativa: na perspectiva de Nietzsche, o professor deve ser um questionador dos saberes instituídos cientificamente. d) Alternativa correta. Justificativa: na perspectiva da filosofia como um todo e, sobretudo, na de Nietzsche, deve-se refletir criticamente e questionar os saberes instituídos cientificamente. e) Alternativa incorreta. Justificativa: na perspectiva da filosofia como um todo e, sobretudo, na de Nietzsche, não existem verdades absolutas. 109 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 1 Os quatro elementos. Arquivo UNIP Interativa. Figura 2 MUSEI CAPITOLINI. Herm depicting “Pythagoras”. Multimedia: hall of the philosophers. 1 fotografia. Disponível em: <http://tourvirtuale.museicapitolini.org/#en>. Acesso em: 5 set. 2011. Figura 3 DAVID, J. La mort de Socrate. 1787. 1 original de arte, óleo sobre tela. The Metropolitan Museum of Art, New York. Disponível em: <http://goo.gl/NNIvS>. Acesso em: 3 set. 2011. Figura 4 SANZIO, R. La scuola di Atene. Detalhe do afresco. Disponível em: <http://mv.vatican.va/3_EN/pages/x- Schede/SDRs/SDRs_03_02_020_big.html>. Acesso em: 3 set. 2011. Figura 5 SANZIO, R. La scuola di Atene. Detalhe do afresco. Disponível em: <http://mv.vatican.va/3_EN/pages/x- Schede/SDRs/SDRs_03_02_020_big.html>. Acesso em: 3 set. 2011. Figura 6 KENNETH, C. The romantic rebellion. Nova Iorque: Harper, 1972, p. 52. Disponível em: <http://www. mlahanas.de/Greeks/images/JesusGeometer.jpg>. Acesso em: 3 set. 2011. Figura 7 BIBLIOTHÈQUE PUBLIQUE ET UNIVERSITAIRE, NEUCHATEL, SUISSE. Saint-Augustin. 1 gravura. s/d. Disponível em: <http://bpun.unine.ch/icono/JPG02/POET5.133.jpg>. Acesso em: 3 set. 2011. Figura 8 BOTTICELLI, S. Sant’Agostino nello studio. 1480. Afresco. Disponível em: <http://www. museumsinflorence.com/foto/cenacoloognissanti/image/Sant’Agostino-.jpg>.Acesso em: 3. set. 2011. Figura 9 BROOKLYN MUSEUM. San Thomas Aquino. Século XVIII. 1 original de arte, óleo sobre tela. Disponível em: <http:// cdn.brooklynmuseum.org/opencollection/images/objects/size3/41.1275.188.jpg>. Acesso em: 3 set. 2011. 110 Figura 10 MENZEL, A. Voltaire in the court of Frederick II of Prussia. 1750. 1 original de arte. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/e/e6/Adolph-von-Menzel-Tafelrunde.jpg>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 11 EDELINCK, G. René Descartes chevalier seigneur du Perron. 1691. 1 gravura. Disponível em: <http:// www.britishmuseum.org/collectionimages/AN00496/AN00496978_001_l.jpg>. Acesso em: 28 ago. 2011. Figura 12 CARROGIS, L. David Hume (1711 – 1776), historian and philosopher. 1 original de arte: lápis, giz vermelho e aquarela sobre papel. Disponível em: <http://www.nationalgalleries.org/media_ collection/18/PG%202238.jpg>. Acesso em: 12 set. 2011. Figura 13 IMMANUAL_KAN_22044LG.GIF. 1 ilustração. In: HOLST, B. P. The teachers’ and pupils’ cyclopaedia. Kansas: The Bufton Book Company, 1909. vol. III. p. 945 Disponível em: <http://etc.usf.edu/ clipart/22000/22044/immanual_kan_22044.htm>. Acesso em: 10 jul. 2011. Figura 14 ESCHER, M. C. Drawing hands. 1948. 1 litografia. Disponível em: <http://www.bocamuseum.org/ clientuploads/Podcasts1/29_Drawing%20Hands%20by%20Escher.jpg>. Acesso em: 13 set. 2011. Figura 15 MARX, K. 1 fotografia p&b. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/marx/photo/marx/ images/82km1.jpg>. Acesso em: 3 mai. 2011. Figura 16 ANOTHER_PICTURE_OF_AUGUSTE_COMTE.JPG. Disponível em: <http://www.bolender.com/ Sociological%20Theory/Comte,%20Auguste/Another%20Picture%20of%20Auguste%20Comte.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2011. Figura 17 DETALHE DA BANDEIRA DO BRASIL. Disponível em: <http://infoseg.gov.br/infoseg/imagens/estadosII. JPG/image_view_fullscreen>. Acesso em: 16 mai. 2011. 111 Figura 18 BRAZIL_EYE_FLAG176X220.jpg. Disponível em: <http://www.kespia.com/pictures/Brazil_Eye_ Flag_176x220.jpg>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 19 PAN MAGAZINE. Alemanha, n. 4, ano 5 (1899/1900), p. 233. Figura 20 3B19621R.JPG. Sigmund Freud (1938). 1 fotografia p&b. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/pnp/cp h/3b10000/3b19000/3b19600/3b19621r.jpg>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 21 SARTRE_1_SHOW.JPG. 1 fotografia p&b. Disponível em: <http://img.rtvslo.si/upload/Kultura/drugo/ sartre_1_show.jpg>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 22 FOUCAULT.JPG. 1 fotografia p&b. Disponível em: <http://marxsite.com/images/foucault.jpg>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 23 CASAL JR, M. Tablets (computadores portáteis). 2011. 1 fotografia. Disponível em: p://agenciabrasil. ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist678505/Agencia%20Brasil060911_ mca6376.jpg>. Acesso em: 5 set. 2011. REFERÊNCIAS Audiovisual PONTO de mutação. 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