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DOENÇA DE CHAGAS Lyzandra Linhares Agente Etiológico: A doença de Chagas (tripanossomíase/tripanossomose americana) é causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi. O Trypanosoma cruzi é o agente etiológico da doença de chagas, sendo um protozoário que pertence ao domínio eucaria, reino protista, filo sarcomastigophora, subfilo mastigophora, ordem kinetoplastida, família trypassomatidae e gênero tripanossoma. A ordem kinetoplastida se refere a presença de uma estrutura chamada cinetoplasto/kinetoplasto, o qual é a região da mitocôndria que armazena o DNA mitocondrial (kDNA). Essa estrutura é importante da determinação da forma de vida desse parasita. Além disso, eles possuem uma região chamada de glicossomos, onde ocorrem as reações de glicólise. Esse gênero tripanossoma, possui uma grande variabilidade de hospedeiros, e são definidos de acordo com sua forma de transmissão, a qual pode ser estercorários, que se desenvolve na porção final (posterior) do inseto vetor, e salivários, que se desenvolve na porção anterior do vetor. Trypanosoma cruzi é encontrado em mamíferos e insetos vetores em três tipos de ambientes diferentes que se sobrepõem: silvestre, peridoméstico e doméstico. Os principais estágios do parasito encontrados em diferentes porções do tubo digestório do vetor são os epimastigotas (estágios capazes de dividir-se, mas não de infectar células; além de ter o núcleo próximo ao cinetoplasto) e os tripomastigotas metacíclicos (estágios infectantes, mas sem capacidade de dividir-se; além de serem alongados). Porém, descrevem-se também outros estágios intermediários, de presença transitória, como o esferomastigota (estágio capaz de replicação sem flagelo aparente). No hospedeiro mamífero, predominam os amastigotas (forma ovoide, sem flagelo, intracelular, capaz de dividir-se, mas pouco infectantes para células) no interior de células nucleadas e os tripomastigotas (que não se reproduzem, mas são muito infectantes) na corrente sanguínea. Além disso, foi observado formas intracelulares intermediárias que apresentam semelhanças com os epimastigotas, denominadas epimastigotas intracelulares. No que se refere ao vetor da doença, no Brasil, os insetos adultos recebem diferentes nomenclaturas (barbeiro, bicho-da-parede, bicudo, chupão, chupança e vários outros.). O barbeiro pertence a ordem hemíptera e ao gênero triatoma. Todos os triatomíneos são potenciais vetores da doença de Chagas. Dentre as 140 espécies descritas, existem aquelas de hábitos domiciliares e peridomiciliares, que são as responsáveis por fazer a interligação entre o ciclo silvestre e o ciclo domiciliar na transmissão. No Brasil, as espécies vetoras atualmente mais importantes são P. megistus, principalmente na faixa litorânea, T. brasiliensis e T. pseudomaculata no Nordeste e T. sordida no interior do país. Triatoma infestans, historicamente o principal vetor da infecção em boa parte do território nacional e no Cone Sul da América do Sul, tornou-se raro no país em função dos programas de controle dessa espécie, mas é ainda o principal vetor na Bolívia e no sul do Peru. Ciclo de Vida: O ciclo de vida de T. cruzi é digenético, com um hospedeiro mamífero e um inseto. Os insetos vetores infectam-se quando fazem seu repasto sanguíneo sobre um mamífero infectado com formas tripomastigotas circulantes no sangue. Os tripomastigotas sanguícolas são ingeridos e diferenciam-se em epimastigotas no intestino médio do inseto. Os epimastigotas reproduzem-se e colonizam o intestino médio e posterior do inseto. Na porção distal do tubo digestório, os epimastigotas aderem-se às células epiteliais e se diferenciam em tripomastigotas metacíclicos, infectantes. Os estímulos conhecidos para desencadear a diferenciação do parasito no tubo digestório do vetor, conhecida como metaciclogênese, são a queda de pH para abaixo de 5,5 e o estresse metabólico. Os tripomastigotas metacíclicos perdem a aderência ao epitélio intestinal, sendo liberados no lúmen da porção distal do tubo digestório do vetor. Desta maneira, o parasito prepara-se para o encontro com o hospedeiro mamífero, no próximo repasto sanguíneo do vetor. Os triatomíneos (insetos popularmente conhecidos como barbeiros) defecam durante – ou pouco tempo após – o repasto sanguíneo, depositando as fezes sobre a pele do mamífero do qual se alimentam. Nas fezes de triatomíneos infectados encontram-se tripomastigotas metacíclicos capazes de penetrar o novo hospedeiro por pequenas lesões ou escarificações da pele ou pelas mucosas. Ao encontrar células do hospedeiro mamífero, o parasito começa o processo de invasão, que pode se dar essencialmente por duas vias: uma semelhante à fagocitose (predominante em células fagocíticas como macrófagos, por exemplo) e outra independente da fagocitose. Do ponto de vista do parasito, o processo de invasão de células é ativo, dependente de energia, e envolve numerosas moléculas de adesão presentes em sua superfície. Ocorre troca de sinais moleculares, incluindo mobilização de cálcio, o qual sinaliza para os lisossomos migrarem para as regiões da membrana plasmática onde há parasitos aderidos. Durante ou após a invaginação da membrana plasmática, há a fusão de lisossomos para formar o vacúolo parasitóforo, estrutura que aloja os tripomastigotas de maneira transitória As condições do vacúolo parasitóforo, principalmente o pH ácido, induzem o início do processo de diferenciação em amastigotas, que escapam do vacúolo para se estabelecerem no citoplasma celular, onde vão se replicar. Depois de um número variável de divisões celulares, os parasitos voltam a diferenciar-se em tripomastigotas, passando por um estágio intermediário conhecido como epimastigota intracelular, com características semelhantes ao epimastigota encontrado no vetor. Vale ressaltar que, alternativamente, os amastigotas podem adiar sua proliferação e entrar em um estado de dormência. Esses amastigotas dormentes podem despertar, reiniciando seu ciclo proliferativo normalmente, ou ainda diferenciar-se em tripomastigotas infectantes. Os tripomastigotas rompem a membrana plasmática da célula hospedeira e são liberados no meio extracelular. Uma vez fora da célula hospedeira, os tripomastigotas podem invadir células vizinhas ou atingir a corrente sanguínea, disseminando-se para outros órgãos e tecidos. Fisiopatologia: A fase aguda da doença de chagas inicia-se no momento da infecção. A maior delas é assintomática ou inaparente. O quadro clínico da doença de Chagas aguda tipicamente se instala nos primeiros dias ou meses após a infecção primária e dura entre 4 e 12 semanas, quando não há tratamento. Nessa fase, há alguns sintomas como: aumento da parasitemia (parasitas no sangue), febre, mialgia, linfadenopatia (linfadenodomegalia/adenopatia), e hepatoesplenomegalia. Quase sempre são encontrados sinais eletrocardiográficos sugestivos de miocardite, embora nem sempre acompanhados de expressão clínica. Vale ressaltar que nessa fase há baixos títulos de anticorpos específicos de classe IgG, embora anticorpos IgM possam ser encontrados. Além disso, há o sinal de Romaña (edema bipalpebral. característico do local de entrada do protozoário) ou o sinal de chagoma de inoculação (edema indolor, quando a entrada do protozoário acontece em outras regiões da pele). Em casos mais raros da transmissão vetorial, a fase aguda é grave; as complicações mais comuns, nesses casos, são a miocardite e a meningoencefalite. Sugere-se, entretanto, que as infecções adquiridas por via oral são mais frequentemente acompanhadas por miocardite grave, potencialmente levando ao óbito. Já a fase crônica pode ser indeterminada ou sintomática. A formaindeterminada, é aquela que segue a fase aguda, aparente ou não, em que o indivíduo permanece assintomático. Essa fase indeterminada pode se estender por alguns meses ou muitos anos, até o fim da vida do paciente. Nesse momento a parasitemia vai estar baixa. Ademais, pode evoluir para formas sintomáticas ou determinadas (fase crônica sintomática) das quais as mais comuns são as cardíacas e as digestivas. Na forma cardíaca (cardiopatia chagásica crônica), a manifestação clínica mais comum é a insuficiência cardíaca congestiva, acompanhada de alterações eletrocardiográficas típicas como o bloqueio completo do ramo direito e, frequentemente, o hemibloqueio anterior esquerdo. Em casos avançados, ocorre cardiomegalia. Além disso, arritmias complexas e morte súbita são relativamente comuns. Nas câmaras cardíacas (especialmente no ventrículo esquerdo) formam-se trombos que, ao se desprenderem, causam embolia sistêmica grave, como o acidente vascular cerebral isquêmico. Na forma digestiva (menos comum), as manifestações clínicas mais comuns são aquelas associadas ao megaesôfago (disfagia, regurgitação, dor epigástrica) e o megacólon (constipação intestinal crônica, distensão abdominal). Em pacientes imunocomprometidos, uma infecção chagásica crônica pode reativar-se (ex. pacientes com coinfecção pelo HIV). A forma mais comum de comprometimento cerebral é a meningoencefalite (inflamação das meninges), que tem a neurotoxoplasmose como um importante diagnóstico diferencial; abscessos cerebrais também são relatados. A segunda forma clínica mais comum na reativação da doença de Chagas é a miocardite aguda, algumas vezes sobreposta a uma miocardiopatia crônica preexistente. Pacientes com miocardiopatia chagásica grave são candidatos a um transplante cardíaco, seguido de imunossupressão. Epidemiologia: A doença de chagas foi descoberta pelo médico Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, o qual era aluno de Oswaldo Cruz. Nesse sentido, em 1907 ele foi em uma missão em Minas Gerais para estudar um surto de malária; lá ele verificou a presença de insetos, que a população denominava barbeiro, mas apenas em 1909 que ele conseguiu retornar e estudar tal problema. A partir disso, ele estudou o caso de uma menina de 2 anos, chamada de Berenice; a primeira paciente com a doença de Chagas. A doença de Chagas possui grande distribuição na região da américa latina, sendo característico dessa localidade; entretanto também há casos em outras regiões, dado que há outras formas de transmissão além do inseto barbeiro. Entre 1991 e 2010, estima-se que a prevalência global da infecção chagásica tenha sido reduzida em mais de três vezes, de 18 milhões para 5,7 milhões de portadores do parasito., sendo que 1,5 a 3,5 milhões são casos no Brasil. Dentre esses números referentes ao território brasileiro, sabe-se que 95% estão concentrados no norte, sendo 83% no Pará. No Brasil estima-se que 69% dos casos de doença de chagas foram através de uma transmissão oral, enquanto 9% foram por meio do vetor, e 21% de forma não identificada. Os principais veículos de transmissão oral descritos são a polpa e o suco de açaí, patauá, buriti, bacaba e de outras palmeiras amazônicas, contaminados com fezes de triatomíneos infectados durante seu preparo. Há também exemplos de surtos associados ao consumo de caldo de cana e suco de goiaba acidentalmente contaminados com parasitos provenientes de triatomíneos. Outrossim, o período de incubação varia entre 3 e 22 dias, com mortalidade na fase aguda entre 1 e 35%. A transmissão transfusional é extremamente importante em relação aos doadores de sangue provenientes de áreas endêmicas. A probabilidade de infecção a partir da transfusão de uma bolsa de sangue infectado situa-se em torno de 10 a 20%. Além disso, a doença de Chagas pode também ser adquirida por via transplacentária (congênita), bem como em acidentes de laboratório ou transplante de órgãos. Diagnóstico e Profilaxia: A resposta imune da doença vai depender de como o problema vai evoluir (assintomática ou assintomática). A resposta imune inata e adaptativa, a persistência do parasita, a cepa do parasita, e a suscetibilidade genética do hospedeiro vão determinar o tipo de linfócito T que vai atuar, que pode ser Th1 ou Th2. Se tem uma ação de Th1, vai haver uma resposta inflamatória que vai culminar na forma cardíaca da fase crônica. Entretanto, caso haja uma atividade de Th2, a resposta imune será regulatória, e resultará na forma indeterminada (assintomática). Vale ressaltar que há mecanismos de escape do microrganismo, como: localização intracelular (anticorpos são mais ativos em patógenos extracelulares); indução de uma imunossupressão na fase aguda; escape de fagolisossoma para o citoplasma da célula; interferem na cascata complemento; indução de apoptose de células T. Em relação ao diagnostico na fase aguda, faz-se tanto o exame fresco em lâmina (analisa a motilidade), como também a gota espessa ou esfregaço corado com Giemsa ou Leishman (analisa morfologia). Além disso, nessa fale ainda pode ser realizado a centrifugação em tubos capilares (micro-hematócrito). Na fase crônica, faz-se métodos de concentração, como: o xenodiagnóstico (retira sangue e alimenta os triatomíneos não infectados, e examina as fezes 30, 60 e 120 dias após o repasto sanguíneo); hemocultura (cultura do sangue para verificar a multiplicação de epimastigotas em cultura in vitro, e as leituras são feitas 30, 60, 120 e 180 dias após a semeadura. Além disso, também há os testes convencionais, como o ensaio imunoenzimático (ELISA), para detectar a presença de IgM na fase aguda ou IgG na fase crônica. Tratamento: Na fase aguda da infecção, o tratamento é feito com benznidazol, também conhecido como benzonidazol (Rochagan), sendo que na fase crônica já não é tão eficiente. Não é totalmente claro o modo de ação desse medicamento, mas acredita-se que ele haja inibindo a síntese de RNA e proteína (expressão gênica). Nesse tratamento é utilizado 5 a 10 mg/kg/dia divididos em duas ou três doses ao longo de 60 dias. Além desse medicamento ativo na fase aguda e desativo na crônica, há também o nifurtimox, que pode ser utilizado na dose de 8 a 10 mg/kg/dia (adultos) ou 15 mg/kg/dia (crianças) por 60 a 90 dias, mas atualmente está fora do mercado nacional. Ele age através da produção de radicais livres (molécula instável, e o parasita tem deficiência em enzimas anti-oxidantes). Ambos os remédios há muitos efeitos colaterais, um dos mais comuns do benznidazol, especialmente em pacientes na fase crônica, são distúrbios gastrintestinais (náuseas, vômitos e diarreia), lesões cutâneas (como prurido e exantema/erupção cutânea) e neuropatia periférica. No que se refere a profilaxia, sabe-se que ainda não há vacina para doença de Chagas. Além disso, a transmissão vetorial da doença de Chagas é tipicamente rural. Os principais vetores adaptaram-se ao domicílio humano, especialmente ao abrigo proporcionado por fendas nas paredes de casas de construção precária, de pau a pique e barro, e seus telhados de palha. É importante medidas para combater o vetor (repelente, inseticidas...), melhoria no controle de bancos de sangue, bom cuidado com os alimentos, bom diagnostico de pacientes. Referências: FEREIRA, Marcelo U. Parasitologia Contemporânea. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020. Lyzandra Linhares