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1 Emergências - Neuro @emanuellycardoso TCE Leve Caso clínico Paciente O.H., sexo masculino, 11 anos de idade, previamente hígido, apresenta quadro de queda da própria altura durante partida de futebol há 40 minutos. Os pais relatam que o paciente apresentou perda de consciência por aproximadamente 5 minutos, logo após o evento. Teve 2 episódios de vômitos no trajeto até o hospital. No momento, o paciente relata cefaleia moderada, não lembra do ocorrido e nega outros sintomas. Ao exame: • BEG, FC 82 bpm, FR 18 ipm, PA 100/60mmHg, Sat. 96% em AA, Tax 36,5°C • Abertura ocular espontânea (4), orientado (5), obedece a comandos (6) → GCS 15 • Pupilas isocóricas e fotorreagentes (0) • Motricidade ocular extrínseca e demais testes dos nervos cranianos preservados • Força grau 5 nos quatro membros • Sensibilidade tátil, nociceptiva e proprioceptiva preservadas • Reflexos miotáticos presentes e simétricos. Reflexo cutâneo-plantar em flexão • Eumétrico, eudiadococinético • Equilíbrio estático e dinâmico (marcha) preservados • Ausência de sinais de irritação meníngea • Blefarohematoma à direita → sinal do guaxinim = fratura de base de crânio (indicado TC com janela óssea para ver lesões associadas) • Sem dor à palpação de apófises espinhosas • Sem dor à mobilização ativa e passiva do pescoço • Demais itens do exame físico geral preservados Paciente apresenta TCE leve categoria 2 – risco moderado Conceitos Fatura de base de crânio: lineares/ deprimidas/ cominutivas + passam despercebidas com frequência aos raio-x de crânio padrão + melhor identificadas pela TC usando janelas ósseas. • Sinais de suspeição de fratura da parte petrosa do osso temporal = hemotímpano/ perfuração timpânica + perda auditiva + otorreia liquórica + paresia facial periférica + equimose do couro cabeludo subjacente ao processo mastoide (sinal de Battle) • Fratura dos ossos esfenoide + frontal + etmoide = anosmia + equimoses periorbitais + rinorreia liquórica Concussão cerebral: breve perda de consciência (<6h) → esses pacientes podem ficar totalmente inconscientes ou permanecer despertos, mas parecer atordoados + a maioria se recupera em segundos ou minutos e não em algumas horas + alguns apresentam amnésia retrógrada ou anterógrada em relação ao período em torno do evento Questões para discussão 1. Como se realiza o exame neurológico no contexto do atendimento ao trauma? A admissão ao serviço de emergência deve-se proceder simultaneamente a medidas de reanimação + coleta da história + exame → objetivos imediatos do TTO são avaliação e estabilização da via respiratória + respiração + circulação + incapacidade. (Merrit – Tratado de Neurologia 12ª Ed.) A avaliação do paciente com trauma craniano deve enfatizar a procura de lesões secundárias ao trauma, ou seja, aquelas que decorrem após um período de tempo de ocorrido o trauma craniano. As lesões secundárias estão altamente associadas, quando não diagnosticadas e tratadas inicialmente, a altos níveis de morbidade e mortalidade. O exame neurológico na sala de emergência deve ser objetivo o suficiente para detectar as principais alterações neurológicas mas não deverá retardar o andamento da propedêutica e tratamento de patologias concomitantes. Avaliação Neurológica Inicial e Estabilização (Merrit – Tratado de Neurologia 12ª Ed.) • Avaliação neurológica basal deve ser realizada imediatamente enquanto são avaliadas a via respiratória + respiração + circulação • Lesões podem ser avaliadas como de risco baixo + moderado + alto → de acordo com fatores de risco + avaliação neurológica inicial rápida • Deve-se palpar o crânio quanto a fraturas + hematomas + lacerações 2 Emergências - Neuro @emanuellycardoso TCE Leve • Colar cervical = todos os pacientes com alguma história de concussão + chicotada + traumatismo acima do nível das clavículas • Escala de Coma de Glasgow = abertura dos olhos + respostas verbais + respostas motoras • História = determinar as circunstâncias do acidente + estado clínico do paciente antes da admissão ao serviço de emergência (registros dos socorristas + paciente + testemunhas) + força e localização do impacto à cabeça (mais precisamente possível) − Indagar a respeito de uma concussão = pacientes que apresentam amnésia durante a concussão → somente uma testemunha ocular pode avaliar corretamente a duração da perda de consciência − Pacientes que “falaram e deterioraram” = supor que eles tenham um hematoma intracraniano expansivo (até que se prove o contrário) − Anotar relatos de cefaleia + náuseas + vômitos + confusão mental + atividade convulsiva − Obter história clínica: medicações + uso de drogas e álcool A avaliação neurológica no paciente com trauma craniano deve receber uma atenção especial, principalmente na avaliação secundária, após se realizar o ABCDE, preconizado pelo ATLS. Durante a realização da avaliação primária, deve-se avaliar a ECG, já na admissão, avaliação dos padrões pupilares, avaliação de déficit motor e dos reflexos. 1. Paciente alerta + cooperativo + não queixa cervicalgia ou limitação à sua movimentação = retirar o colar cervical 2. Confusão mental / coma/ queixa cervical = colar deve ser mantido até que a propedêutica radiológica exclua fraturas ou luxações cervicais O exame objetivo consta na avaliação de três itens: a. Nível de consciência (Escala de Coma de Glasgow). b. Função pupilar. c. Detecção de déficit neurológico motora. Avaliação pupilar: as pupilas são avaliadas pela simetria e pela sua resposta à luz → uma diferença no diâmetro pupilar de mais de 1 mm é considerada anormal + deve–se excluir trauma ocular direto, próteses, uso de colírios oftalmológicos, amaurose prévia que podem confundir o exame e uso de drogas Detecção de déficit neurológico motor: deve-se observar a movimentação espontânea do paciente, se há alguma assimetria ou limitação → a detecção desta assimetria pode ser realizada já no exame da ECG em relação à melhor resposta motora. − O fato do paciente localizar o estímulo doloroso de um lado e descerebrar contralateralmente é de extrema importância ao exame e deve ser anotado − Se o paciente está alerta e orientado, podemos ainda quantificar o déficit: • Não move (0) • Contrações musculares (1) • Move no horizontal, mas não vence gravidade (2) • Vence gravidade (3) • Vence gravidade e oferece alguma resistência (4) • Normal (5) Realizado este exame neurológico sumário e objetivo, já podemos classificar o paciente como TCE leve, moderado ou grave, anotando possíveis assimetrias pupilares e motoras e determinar a propedêutica adequada a ser realizada (ex: TC do encéfalo, RX ou observação apenas). Escala de Coma de Glasgow Parâmetro Resposta obtida Pontuação Abertura ocular Espontânea 4 Ao estímulo sonoro 3 Ao estímulo de pressão 2 Nenhuma 1 Resposta verbal Orientada 5 Confusa 4 Verbaliza palavras soltas 3 Verbaliza sons 2 Nenhuma 1 Resposta motora Obedece a comandos 6 Localiza estímulo 5 Flexão normal 4 Flexão anormal 3 Extensão anormal 2 Nenhuma 1 Trauma leve Trauma moderado Trauma grave 13-15 9-12 3-8 Reatividade pupilar Inexistente Unilateral Bilateral -2 -1 0 3 Emergências - Neuro @emanuellycardoso TCE Leve Escala de Coma de Glasgow Pediátrico (crianças < 2 anos) Abertura ocular Resposta verbal Resposta motora 4 – Espontânea 5 – Vocalizações apropriadas para a idade + sorriso + orientação ao som + interage + segue objetos 6 – Movimentos espontâneos 3 – Ao som 4 – Choro + irritabilidade 5 – Retirada ao estímulo tátil 2 – Ao estímulo doloroso 3 – Choro ao estímulo doloroso 4 – Retirada ao estímulo doloroso 1 – Sem AO 2 – Gemidos ao estímulo doloroso 3 – Flexão (decorticação) 1 – Não verbaliza 2 – Extensão (decerebração) 1 – Sem resposta Estratificação do Risco em Pacientes com Traumatismos Cranioencefálicos Leve Moderado Grave− Exame neurológico normal − Ausência de concussão − Ausência de intoxicação por álcool ou drogas − Pode ser queixar de cefaleia e tonturas − Pode apresentar abrasão + laceração + hematoma no couro cabeludo − Ausência de critérios de trauma moderado ou grave − ECG de 9 a 14 (confuso + letárgico + torporoso) − Concussão − Amnésia pós-traumática − Vômitos − Convulsão − Sinais de possível fratura da base do crânio ou fraturas de crânio deprimida ou lesão focal grave − Intoxicação por álcool ou drogas − História de lesão não confiável ou inexistente − Idade < 2 anos ou > 65 anos − ECG de 3 a 8 (em coma) − Declínio progressivo do nível de consciência (falou e se deteriorou) − Sinais neurológicos focais − Lesão craniana penetrante ou fratura deprimida de crânio palpável Avaliação Primária = ABCDE (protocolo estabelecido pelo ATLS para avaliar qualquer vítima de trauma) • Prioridade = garantir a perviedade das vias aéreas + manter oxigenação adequada (ventilação com O2 a 100% → se comatosos + ECG ≤ 8 = IOT) A = Via aérea + coluna cervical (proteção) B = Respiração (ventilação + respiração) C = Circulação (choque + hemorragia + estado hemodinâmico) − Reconhecer hipotensão + estabelecer normovolemia precocemente − Pacientes com TCE + hipotensão = taxa de mortalidade 2x maior quando comparados aqueles sem hipotensão − Hipotensão: não é consequência do TCE (hemorragia intracraniana não pode causar choque hemorrágico) → se o paciente estiver hipotenso = localizar + controlar imediatamente a fonte primária do sangramento + fazer reposição volêmica com cristaloide ou sangue − Exame neurológico do hipotenso não é confiável → ao corrigir os níveis pressóricos as respostas aos estímulos podem melhorar significativamente − Suspeita da fratura de base de crânio = sinais: olhos de guaxinim ou sinal de Battle + otorragia/otorreia + nasorragia/nasorreia) D = Exame neurológico → avaliar o escore da ECG + pupilas (tamanho + reatividade) + sinais de lateralização (déficits motores, parestesias + plegias) E = Exposição + prevenção da hipotermia → despir o paciente e examinar da cabeça aos pés + manta térmica/aquecer a sala + rotação em monobloco sempre com proteção cervical + raio-x na sala de trauma (tórax AP + pelve) 2. Há indicação para realização de algum exame complementar de imagem? Caso positivo, qual? Sim. Tomografia Computadorizada de Crânio (TCC). • Paciente que apresenta TCE leve das categorias 2 e 3 ou, ainda, quando apresenta TCE moderado ou grave, deve ser investigado obrigatoriamente com TCC. (Rotinas em Neurologia - Chaves - 1ed) • TC = mais informativa que as radiografias de crânio padrão para a detecção de fraturas de crânio ou do pescoço + sensibilidade inigualável na detecção de sangue intracraniano. • Avaliação das imagens da TCC: evidências da presença de um hematoma epidural ou subdural + sangue subaracnóide ou intraventricular + contusões + hemorragias do parênquima + edema cerebral + contusões por deslizamento relacionadas com LAD • Fraturas + opacificação dos seios e pneumocéfalo podem ser identificadas por meio de ajustes das janelas ósseas + imagens TC axiais de toda a coluna cervical devem ser obtidas em todos os pacientes. CLASSIFICAÇÃO DO TCE LEVE CATEGORIA PONTUAÇÃO NA ECG PERDA DE CONSCIÊNCIA AMNÉSIA PÓS- TRAUMÁTICA FATORES DE RISCO 0 15 Não Não Ausentes 1 15 < 30 minutos < 1 hora Ausentes 2 15 Presentes 3 13-14 Presentes ou não 4 Emergências - Neuro @emanuellycardoso TCE Leve Fatores de risco: • Idade < 2 anos ou > 60 anos • Fratura de crânio • Cefaleia intensa • Vômitos • Crise convulsiva • Déficit neurológico • Distúrbio da coagulação conhecido • Mecanismo de trauma com impacto de alta energia • Circunstância do trauma não bem esclarecidas • Amnésia retrógrada com duração > 30 minutos Regras para solicitação de TC Canadian CT Rule Critérios de Nova Orleans PECARN Alto Risco • GSC < 15 em 2h após o trauma • Qualquer fratura aberta ou com afundamento do crânio • Qualquer sinal de fratura da base do crânio • ≥ 2 episódios de vômitos • Idade ≥ 65 anos GCS 15 E: • Cefaleia • Vômitos • Idade > 60 anos • Intoxicação por álcool ou outras drogas • Amnésia anterógrada persistente • Trauma visível acima da clavícula Idade < 2 anos • Status mental normal • Comportamento normal segundo cuidador • Sem perda de consciência • Sem mecanismo grave • Sem hematoma frontal do escalpo • Sem evidência de fratura craniana Médio Risco • Amnésia retrógada > 30 min anteriores ao evento • Mecanismo perigoso (pedestre x automóvel; ejeção de veículo; queda ≥ 3 pés (90cm) ou ≥ 5 degraus • GCS ≤ 14 Idade > 2 anos • Status mental normal • Sem perda de consciência • Sem mecanismo grave • Sem vômitos • Sem cefaleia intensa • Sem sinais de fratura da base do crânio Déficit neurológico + crises convulsivas + uso de ACO ou alterações da coagulação = realizar TC 3. Há indicação de internação / observação intra- hospitalar? Por quê? Recomenda-se admissão hospitalar para observação por 12 a 24 horas em pacientes com TCE leve nas categorias 2 e 3, com TCC normal (GRC). Os pacientes desse grupo que têm TCC anormal devem permanecer internados por mais tempo. (Rotinas em Neurologia - Chaves - 1ed) Grupo de Risco Moderado (Merrit – Tratado de Neurologia 12ª Ed.) • Pacientes que tiveram concussão + GCS normal de 15 (lúcido + orientado + obedecendo a comandos) + TC normal = sem necessidade de admissão hospitalar → recebem alta para ir para observação em sua casa com cartão de aviso (mesmo na presença de cefaleia + náuseas + vômitos + tonturas + amnésia retrógrada → por ser mínimo o risco de uma lesão intracraniana significativa se evidenciar daí em diante) • Pacientes com déficits neurológicos leves a moderados (GSC 9-14) + achados TC que não tronem necessária uma intervenção cirúrgica = devem ser admitidos a uma unidade intermediária ou uma UTI para observação • TC de seguimento a 24h = útil para verificar à evolução do sangramento Indicações de internação (ATLS) • TC de crânio anormal • Ferimentos penetrantes • História de perda de consciência prolongada • Deterioração do nível de consciência • Cefaleia moderada a intensa • Intoxicação por álcool ou outras drogas • Fratura de crânio • Fístula liquórica • Sem acompanhante após a alta hospitalar • GCS < 15 • Déficit neurológico persistente 4. Quais outras medidas terapêuticas devem ser tomadas? TCE Leve a Moderado Internação • NPO até que esteja alerta + hidratação EV • Repouso no leito com cabeceira elevada 30º • Observação neurológica – “neurocheck” frequente • Analgesia e antieméticos (evitar sedação) • Se GSC 13 + presença de lesões na TC ou GSC 9-12 = UTI TC controle: • Em 24h se TC inicial com alteração • 3-5 dias se estável OU antes da alta • A qualquer momento se piora neurológica 5. Quais são os critérios para observação domiciliar / alta hospitalar? Critérios para observação em casa • TC de crânio não indicada ou TC normal se realizada • GCS inicial ≥ 14 • Nenhum critério de alto risco − ↓ nível de consciência não devido ao álcool − Anormalidades metabólicas − Período pós-ictal − Déficit neurológico focal − ↓ nível de consciência − Lesão penetrante ou fratura com afundamento • Nenhum critério de médio risco (exceto perda de consciência) − História de perda de consciência − Cefaleia com piora progressiva − Intoxicação por álcool ou outras drogas − Convulsões − História não disponível ou não clara − Idade < 2 anos (exceto se lesão trivial) − Vômitos − Amnésia pós-traumática 5 Emergências - Neuro @emanuellycardoso TCE Leve − Sinais de fratura da base do crânio − Politrauma − Trauma facial importante − Possível trauma penetrante ou fratura comafundamento − Suspeita de abuso infantil − Edema/hematoma subgaleal importante • Paciente está neurologicamente intacto (amnésia para o evento é aceitável) • Há um adulto sóbrio e responsável que pode avaliar o paciente • O paciente tem acesso facilitado ao serviço de urgência se necessário • Sem circunstâncias complicadoras = suspeita de violência doméstica + abuso infantil Instruções para alta hospitalar Procurar atendimento médico para qualquer um dos seguintes: • Mudança no nível de consciência (inclui dificuldade para acordar) • Comportamento anormal • Dor de cabeça com piora progressiva • Fala arrastada • Fraqueza ou alteração da sensibilidade em algum braço ou perna • Vômitos persistentes • ↑ de uma ou ambas pupilas (parte escura e redonda no meio do olho), que não fica menor ao se iluminar com uma fonte de luz • Convulsões • Aumento significativo do inchaço no local do trauma Não use nenhuma medicação mais forte que paracetamol por 48h Não use aspirina (AAS) ou qualquer anti-inflamatório pela interferência com a coagulação + ↑ teórico do risco de sangramento