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MOBILIZAÇÃO SOCIAL Ligia Maria Fonseca Affonso sa SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADASque são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar que é movimento social. Identificar as diferentes abordagens teóricas sobre movimentos sociais. Descrever os principais movimentos sociais no Brasil. Introdução Os movimentos sociais são uma forma de organização da sociedade civil, em que as pessoas se reúnem e, de forma coletiva, lutam pela inclusão social e contra a exclusão. Esses movimentos também apresentam as demandas da sociedade, enfrentadas por determinada classe social, que na ação concreta adotam diferentes estratégias com a finalidade de realizar mudanças sociais por meio da luta política, compartilhando valores ideológicos e questionando determinada realidade. Neste capítulo, você estudará conceito de movimento social, cons- tituído por ações coletivas de caráter sociopolítico e por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais; as teorias sobre movimentos sociais como a Teoria da Mobilização de Recursos (TMR), a Teoria dos Processos Políticos (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS); e os principais movimentos sociais no Brasil.2 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais Movimentos sociais Os movimentos sociais apresentam as demandas da sociedade, enfrentadas por determinada classe social, que na ação concreta adotam diferentes estratégias que variam de simples denúncia, passando mobilizações, marchas, concen- trações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, até atos de desobediência civil, negociações etc. Essas ações são capazes de sensibilizar os participantes, pois, "ao realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo" (GOHN, 2011, p. 336). Para Frank e Fuentes (1989, p. 19), os movimentos sociais se apoiam "num sentimento de moralidade e (in) justiça e num poder social baseado na mobilização social contra as privações (exclusões) e pela sobrevivência e identidade". Os movimentos sociais podem ser motivados por diversas razões, como a insatisfação da sociedade diante dos problemas de gestão dos governos, nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, entre outras, que causam indignação na população fazendo emergir os movimentos e as manifestações populares. Cabe destacar que não existe uma definição única na literatura para o termo movimento social, mas você verá algumas definições sob o olhar de alguns autores. Ferreira (2003) considera os movimentos sociais uma ação coletiva de grupos que se organizam com a finalidade de realizar mudanças sociais por meio da luta política, compartilhando valores ideológicos e questionando determinada realidade. Para Gohn (1995, p. 44) os movimentos sociais são: Ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais perten- centes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 3 movimento social é caracterizado pela união de pessoas em torno de um objetivo comum, que compartilham valores políticos e culturais, criando, assim, uma identidade comum ao movimento. Cabe destacar que dependendo do que se pretende, o movimento pode ser composto por diferentes classes e estratos sociais, não se baseando apenas na relação contraditória entre capital e trabalho como percussores de tais movimentos (GOHN, 1995). Para Scherer-Warren (1984), o movimento social deixou de se fundamentar apenas no conflito, incorporando uma visão de mundo divergente, na busca pela liberdade social e individual. Para a autora, o movimento social é a reunião de pessoas que buscam superar os modos de opressão, de forma ativa ou passiva. Já Silva (2001) considera o movimento social como um agir por meio de vários procedimentos e um pensar por meio de ideias que motivam ou embasam a ação individual e coletiva. Dessa forma, você pode entender movimento social como um instrumento que possibilita o alcance de objetivos individuais e coletivos, permitindo a superação de condições de opressão, possibilitando mudanças sociais e construindo uma nova forma de sociedade (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009). Avritzer (1994) afirma que os movimentos sociais não são apenas um simples objeto social, mas sim um meio de abordar problemas mais gerais. Na realidade, os movimentos sociais sempre existiram e, no Brasil, se intensificaram na década de 1970, em oposição ao regime militar, travando uma luta social e uma forte resistência à ditadura e ao autoritarismo estatal. Esse período da ditadura militar fez os movimentos sociais surgirem com maior efervescência por meio de movimentos estudantis, sindicatos, comunidades e pastorais que eram impactadas por essa forma de governo, etc. Gohn (2011, 23) afirma "que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Cons- tituição Federal de 1988". Assim, os movimentos sociais vêm acompanhando os passos da democracia não só do Brasil, mas de diversas nações nas últimas décadas, com presença constante nos acontecimentos históricos relevantes, principalmente no que diz respeito às conquistas sociais. Na verdade, esses movimentos são uma forma de os cidadãos reivindicarem e terem seus inte- resses e anseios coletivos reconhecidos (GOHN, 2004).4 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais Exemplo movimento operário ressurge com as greves no ABC paulista, em 1978, com as centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e a sua articulação com partidos políticos (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009). Nos anos de 1980 é notável a relevância dos movimentos sociais nos avan- ços importantes referentes aos direitos dos cidadãos. Movimentos com foco em questões éticas e valorização da vida também surgiram, motivados pela violência, pelos escândalos políticos, pelo clientelismo e pela corrupção, levando a população a reagir. Exemplo A campanha Diretas Já, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e os movimentos dos aposentados, negros, indígenas, entre outros, são exemplos de movimentos ocorridos nessa década (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009). Nos anos 1990, as intensas mobilizações da sociedade civil culminam no impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, com destaque para os "cara-pintadas", cujo objetivo era o de estabelecer a ética na política. Nos anos 2000, os movimentos sociais e a participação popular assumem nova configuração em função da globalização, inclusive por meio de organizações não governamentais (ONGs), que surgem como uma nova forma de resis- tência, em substituição aos movimentos sociais (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009).que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 5 Saiba mais As ONGs são entidades privadas da sociedade civil, sem fins lucrativos, criadas por pessoas que trabalham voluntariamente em defesa de uma causa, seja ela, proteção do meio ambiente, defesa dos direitos humanos, erradicação do trabalho infantil, defesa dos animais, etc. Têm como base valores democráticos como liberdade, igualdade, diversidade, participação e solidariedade (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009; GOHN, 2013). Nos dias de hoje, a situação sociopolítica, econômica, cultural e tecnológica é diferente da década de 1990, o que faz os movimentos sociais serem diferen- tes. Atualmente, vemos os movimentos sociais acontecerem sob a forma de manifestações, marchas e ocupações com o intuito de reagir contra a política e o comportamento antiético de muitos políticos. Em geral, são promovidos por grupos organizados que se estruturam, e se organizam por meio das redes sociais. O perfil dos participantes também se modificou, passando da condição de militante para a de ativista; as "marchas" se trans- formaram em protestos; a participação nos eventos acontece eventualmente, conforme a necessidade; e os simpatizantes de determinada causa podem se tornar participantes ativos de um novo movimento social. Dessa forma, crê-se que os movimentos sociais sempre existirão, uma vez que representam forças sociais organizadas que unem as pessoas não como força tarefa, de ordem numérica, mas como campo de atividades e de experimentação social, gerando criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2004). Teorias sobre movimentos sociais As transformações que vem acontecendo no mundo, nas últimas décadas, têm influenciado a motivação dos movimentos sociais, evidenciando que eles não se limitam mais à política, à religião ou às demandas socioeconômicas e trabalhistas, mas também acontecem por motivos de reconhecimento, de identidade e culturais, se destacando ao lado de movimentos sociais globais. Portanto, os movimentos sociais no novo milênio deparam-se com novas demandas, novos conflitos e novas formas de organização, gerados pelos efeitos da globalização, em suas múltiplas faces (GOHN, 2008).6 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais tema movimento social é motivo de vários estudos e, por isso, existem muitas e amplas abordagens teóricas com eixos analíticos, como as que você verá a seguir (GOHN, 2008). Culturais: relacionados à construção de identidades atribuídas ou adquiridas, em que os diferentes tipos de pertencimentos são funda- mentais em um determinado contexto. As ações nascem de processos reflexivos entre os participantes que criam vínculos e constroem sentidos e significados para suas ações coletivas. Da justiça social: com foco em questões relacionadas ao reconhe- cimento de diferenças e desigualdades e de redistribuição de bens ou direitos, como recompensas às injustiças acumuladas ao longo da história. Abordagens sustentadas pelas teorias críticas. Capacidade de resistência dos movimentos sociais: com foco em questões como autonomia, formas de lutas a favor da construção de um novo mundo, de novas relações sociais e da luta contra o neoliberalismo. Essa abordagem critica a luta pela emancipação e cidadania por meio de políticas públicas que visam à integração social, ao consenso e à participação. Saiba mais Neoliberalismo é a doutrina que defende a não participação do estado na economia, ou seja, comércio deve ser livre (livre mercado), para garantir crescimento econômico e desenvolvimento social de um país (LEME, 2010). Institucionalização das ações coletivas: preocupa-se com a criação de vínculos e redes de sociabilidade entre as pessoas e seu desempenho em instituições, organizações, espaços segregados, associações, entre outros. É uma abordagem baseada nas teorias da privação social.que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 7 Saiba mais As teorias da privação social são estudadas na área da psicologia. A privação social refere-se à falta de comunicação ou a sua impossibilidade, em que as consequências dependem da própria pessoa, da sociedade ou de determinadas circunstâncias. Trazendo para contexto em que foi citada, está associada à exclusão social, que distancia sujeito do lado efetivo da cultura, sem poder de voz e sem vez no grupo, depositário de baixas expectativas e imagens negativas (MARQUES, 2009). São muitas as teorias que tentam explicar o fenômeno dos movimentos sociais. Você verá a seguir a TMR, a TPP e a TNMS. A TMR surgiu motivada pelas transformações políticas que ocorreram na sociedade norte-americana nos anos de 1960. Movimentos como os dos direitos civis, contra a guerra do Vietnã e os do feminismo levaram à elabo- ração da TMR. Essa teoria enfatiza que os movimentos sociais resultam da união de grupos que compartilham os mesmos interesses e, em ação coletiva, buscam estratégias para alcançar seus objetivos. Os autores mais importantes da primeira fase dessa teoria foram Olson, McCarthy e Zald (1965, 1973 e 1977). McCarthy e Zald eram contra o funcionalismo e defendiam movi- mentos, como os dos direitos civis nos Estados Unidos, por terem sentido e organização. Opunham-se também às versões economicistas do marxismo, argumentando que insatisfações e motivos para a mobilização, de qualquer natureza, sempre existirão, sendo insuficientes para explicar a formação de mobilizações coletivas. Dessa forma, mais importante que identificar as razões seria explicar o processo de mobilização. A decisão de agir seria por vontade individual, resultando da reflexão racional entre custos e benefícios e, a ação coletiva só seria viável se houvessem recursos financeiros e infraestrutura; ativistas e apoiadores e organização, ou seja, coordenação entre indivíduos, em forma de associações ou estruturas comunitárias, que seriam a base organizacional para os movimentos sociais (GOHN, 1997; ALONSO, 2009). A TMR aplicou a sociologia das organizações no estudo dos movimentos sociais fazendo analogia com uma organização. Os movimentos sociais vão se burocratizando conforme a racionalização da atividade política, criando normas, hierarquia interna e divisão do trabalho, especializando seus parti- cipantes como gerentes, administradores de recursos e coordenadores das ações (McCARTHY; ZALD, 1977). Dessa forma, quanto mais longos, mais8 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais burocratizados eles vão se tornando. Além disso, essa longevidade estaria condicionada à capacidade de os movimentos sociais vencerem a concorrência, pois vários movimentos podem ser constituídos em torno de um mesmo tema, formando uma "indústria de movimento social", na qual, além da cooperação, há também competição em torno de recursos materiais e de participantes a serem atraídos para um mercado de consumidores de bens políticos. Assim, sur- giriam os conflitos internos, resultando em formação de facções, rompimento de movimentos grandes e formação de subunidades acerca de uma mesma causa, ou seja, apenas sucesso os movimentos que possuíssem características de uma organização formal hierárquica (GOHN, 1997; ALONSO, 2009). Olson (1965) tem sua teoria focada nos indivíduos, estudando os grupos de interesse em vez dos movimentos sociais. Para ele, é muito mais fácil organizar interesses coletivos em grupos compostos por muitos membros do que em grupos pequenos, destacando a importância do papel dos líderes organizadores desses interesses. Na TMR, as ações coletivas são analisadas sob a "perspectiva da relação custo/benefício, excluindo valores, normas, ideologias, culturas dos movi- mentos sociais estudados" (SILVA, 2001, p. 20). É uma teoria que compara os movimentos sociais a um fenômeno social com características de uma organi- zação formal. Por esses e outros motivos, foi uma teoria que recebeu críticas de vários autores, entre elas o fato que excluía valores, normas, ideologias, projetos, cultura e identidade dos grupos sociais estudados (COHEN, 1985) e que possuía uma visão burocrática dos movimentos sociais (FERREE, 1992). Com o evento da globalização, a TMR entrou em uma nova etapa, am- pliando seu campo explicativo, com ênfase no desenvolvimento do processo político no campo da cultura e na interpretação das ações coletivas. Nessa nova fase, podemos destacar os trabalhos teóricos de autores como Klandermas; Friedman; Tarrow; Taylor e Whitter; Traugott; entre outros (GOHN, 1997). A TPP nasceu de debates marxistas sobre as possibilidades da revolu- ção, e protestava contra explicações deterministas e economicistas da ação coletiva e contra a ideia de um sujeito histórico universal. É uma teoria que rejeita a economia como explicação chave e combina política e cultura para explicar os movimentos sociais, considerando a coordenação dos ativistas como fundamental na construção de atores coletivos que se formam durante o processo de contestação. Essa coordenação é condicionada à solidariedade, que resulta da combinação do sentimento de pertencimento a uma categoria e da densidade das redes interpessoais que vinculam os membros do grupo entre si (TILLY, 1978 apud ALONSO, 2009). No entanto, a solidariedade só gera ação se puder contar com estruturas de mobilização como recursos formaisque são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 9 (organizações civis) e informais (redes sociais, que favorecem a organização). Dessa forma, a solidariedade entre um grupo e o controle coletivo sobre os recursos necessários para sua ação são criados pelo processo de mobilização. Nessa teoria a mobilização tem por base o conflito entre Estado e socie- dade, em que é possível que as posições variem e os atores migrem entre elas. Por isso, é preciso superar as barreiras estabelecidas sobre a definição de "Estado" e "sociedade" como duas entidades coesas e monolíticas. ATPP considera o Estado como detentor do poder, membros da política possuem, portanto, controle ou acesso ao governo que rege uma população; e a sociedade civil como desafiante, que busca ter influência sobre o governo e acesso aos recursos controlados pela política. Dessa forma, na TPP, o movimento social é definido como uma interação contenciosa, envolvendo necessidades recíprocas entre sociedade (desafiantes) e Estado (detentores do poder), em nome de uma população sob litígio (TILLY, 1993 apud ALONSO, 2009). A ênfase na teoria da mobilização política e o esforço para inserir aspectos culturais e ideológicos, mesmo que limitadamente, são características funda- mentais da TPP, e as oportunidades políticas e os frames são suas categorias mais relevantes (CORRÊA; ALMEIDA, 2012). Fique atento Apesar de possuir aspectos relacionados à cultura, como a subjetividade, as emoções e os sentimentos, a TPP enfatiza que é objetivo, estrutural e racional, com foco nas esferas econômica, política, jurídica e militar, mesmo que de forma menos absoluta (CORRÊA; ALMEIDA, 2012). As oportunidades políticas referem-se a fatores externos à sociedade civil que influenciam a capacidade de mobilização e recrutamento de grupos sociais, ou seja, são dimensões do contexto político capazes de estimular ou deses- timular as pessoas a participarem de ações coletivas. A ideia central é muito simples: quando as estruturas de oportunidade política reduzem os custos da participação, há mobilização social (TARROW, 1994 apud RENNÓ, 2003). Para Goffman (1974), os frames dizem respeito à forma como os indivíduos dão significado a suas experiências e ações, ou seja, como eles percebem a realidade e, enquanto atores dos movimentos sociais, elaboram seu entendimento sobre10 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais justiça/injustiça, moral/imoral, tolerável/intolerável, que influenciam em sua motivação para se mobilizar (CORRÊA; ALMEIDA, 2012). Essa teoria foi amplamente criticada por Goodwin (1996), que considera a tese das oportunidades políticas confusa e imprecisa, com resultados re- petitivos e sem nada novo, ambíguos e insuficientes. autor criticou ainda os conceitos de frame e estruturas de mobilização destacando que aspectos culturais são excluídos, reduzindo a compreensão da cultura a uma perspectiva instrumental e trabalhando apenas com movimentos que a auxiliam na área da contracultura (GOHN, 1997). Em relação à cultura, a TPP abriu espaço para ela por meio do conceito de repertório. Para Tilly (1995, p. 26), repertório é um "conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo relativamente deliberado de escolha". Assim, os atores escolhem quais as formas de interação mais adequadas aos seus propósitos, isto é, eles atribuem o sentido às formas, que podem ser tanto de contestação como de reiteração da ordem. Saiba mais Repertório é conjunto de formas de ação política disponíveis para os atores de dada sociedade (TILLY, 1978 apud ALONSO, 2009). A TNMS possui foco nas mudanças de ordem cultural e diz respeito a movimentos sociais dos ambientalistas, das mulheres, pela paz e outros. Os novos movimentos se opõem às práticas e aos objetivos dos velhos movimen- tos sociais organizados a partir do mundo do trabalho, ou seja, se opõem ao movimento operário-sindical (GOHN, 1995). Os novos movimentos sociais possuem foco em questões que vão além do conflito de classes, envolvendo questões culturais. Esses movimentos surgiram em meados do século XX e têm como objetivo atuar como complemento às lutas de classes dos movimentos clássicos, como alternativa aos movimentos de classes tradicionais e como alternativa aos partidos políticos de esquerda. Assim, os novos movimentos sociais poderão surgir como complemento ou como oposição aos partidos políticos de esquerda e aos movimentos de classes tradicionais. Os novos movimentos sociais ganharam força na década de 1970 com as lutas sindicaisque são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 11 contra a divisão hierárquica do trabalho (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). É nesse mesmo período que os novos movimentos sociais surgem, como o movimento mundial de protesto contra a guerra dos Estados Unidos no Vietnã, pelos direitos civis dos negros nos no mesmo país, movimentos feministas e urbanos, entre outros (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p.265). São características fundamentais dos novos movimentos sociais, as mo- bilizações situadas fora do contexto do trabalho e da reprodução da força de trabalho, destacando o não envolvimento de seus protagonistas nas formas de organização e com a ideologia do movimento operário, de forma direta, e sua postura contra Estado e partidos políticos revolucionários. Assim, os novos movimentos sociais surgem de novas demandas da sociedade contemporânea que requerem respostas diferenciadas. Outras características dos novos movimentos sociais são seus valores anti- modernistas; suas formas de ação não convencionais; sua formação, por grupos marginalizados pelo status quo vigente ou sensíveis aos resultados do capitalismo; as novas aspirações e a satisfação de necessidades que se colocam em risco frente às exigências da burocratização e o aumento da industrialização, rompendo laços tradicionais e estruturas de lealdade existentes. Como resultado tem-se maior receptividade às novas visões sobre novas utopias sociais (ALONSO, 2009). Os novos movimentos sociais se preocupam em garantir direitos sociais que já existem ou que ainda deverão ser conquistados, por meio da mídia e de atividades de protestos visando à mobilização da opinião pública a seu favor, para pressionar os órgãos e as políticas estatais. Dessa forma, se valendo de ações diretas, buscam mudar os valores dominantes e as situações de discriminação, principalmente dentro de instituições da própria sociedade civil (PONTES, 2015). Uma crítica a essa teoria é que ela apresenta novidades na prática histórica dos movimentos, no entanto, utiliza categorias que não permitem explicar de forma clara as novas formas de processo social, uma vez que partem dos resultados nos quais a identidade coletiva é sua maior expressão, é a categoria mais relevante na análise da TNMS. Assim, essa teoria fez uso do binômio causa e efeito, sem se aprofundar no conjunto de processos que formam os movimentos sociais. Extraiu da política a questão da ideologia, mas não abordou o caráter dessas representações coletivas, como parte de projetos políticos mais abrangentes. Dessa forma, as análises possuem lacunas em certos aspectos da realidade que podem não se relacionar com as formas empíricas em um dado momento histórico. Tanto os códigos culturais como a identidade coletiva são produtos do movimento social, que é um processo de articulação de ações coletivas (PONTES, 2015).12 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais Saiba mais Ideologia é tomada como conjunto de representações que configuraram uma visão de mundo (PONTES, 2015). Alguns dos autores dessa teoria não fazem distinção entre velhos e novos movimentos, portanto, essa distinção é criada com base em análises sobre questões culturais, ideológicas, de consciência, crença, micromobilização e solidariedade, com foco principalmente no papel que os processos de cons- trução de identidades coletivas desempenham na formação dos movimentos (LARAÑA, 1999). São autores dessa teoria Alain Touraine, Jurgen Habermas, Alberto Melucci e Claus Offe. Podemos dizer que as três teorias sobre movimentos sociais aqui apre- sentadas possuem formas bastante particulares. A TMR focou na dimensão micro-organizacional e na estratégica da ação coletiva; a TPP focou o ambiente macropolítico, incorporando a cultura na análise e utilizando o conceito de repertório, mesmo que de forma limitada; e a TNMS focou em aspectos sim- bólicos e cognitivos e nas emoções coletivas incluindo-os na própria definição de movimentos sociais, dando menor importância ao ambiente político em que ocorrem as mobilizações e aos interesses e recursos materiais envolvidos nela. Na dimensão histórica, o desenvolvimento da TPP reduziu o espaço da TMR e logo a derrubou; a TNMS continuou a existir e desenvolveu-se para além da Europa. Ainda assim, o debate entre a TPP e a TNMS, foi essencial para estabelecer consensos (ALONSO, 2009). Link Para saber mais sobre debate entre as teorias, acesse link: https://goo.gl/fa5phpque são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 13 Principais movimentos sociais no Brasil No Brasil, os movimentos sociais ganharam força e destaque a partir da década de 1960 contra o regime militar. No entanto, a sociedade brasileira é marcada por lutas e movimentos sociais desde os tempos do Brasil colônia, por movimentos contra a dominação, a exploração econômica e a exclusão social, como as lutas de índios, negros, brancos, mestiços pobres e brancos da camada média, influenciados pelas ideologias de libertação, contra a opressão dos colonizadores europeus. Veja os movimentos com maior destaque no Brasil colônia e na fase do Império até o século XX (GOHN, 2000): Zumbi dos Palmares (1630-1695); Inconfidência Mineira (1789); Conspiração dos Alfaiates (1798); Revolução Pernambucana (1817); Balaiada (Maranhão, 1830-1841); Revolta dos Malés (1835); Cabanagem (1835); Revolução Praieira (1847-1849); Revolta de (1851); Revolta de Vassouras (1858); Quebra-Quilos (1873); Revolta Muckers (1874); Revolta do Vintém (1880); Canudos (1874-1897). Com a chegada da República, o cenário social se modifica, substituindo a mão de obra escrava pela mão de obra assalariada. modo de produção também se altera com o início, ainda incipiente, da industrialização e com o proletariado urbano. Surgem, então, as organizações de luta e resistência dos trabalhadores por meio de ligas, uniões, associações de auxílio mútuo etc. Veja alguns movimentos ocorridos nas duas primeiras décadas do século que reivindicavam serviços urbanos ou protestavam contra políticas locais (GOHN, 2000): Revolta da Vacina (1905); Revolta da Chibata (1910); Revolta do Contestado (1912);14 que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais Ligas contra o analfabetismo (1915). Entre os movimentos ocorridos na década de 1930 estão (GOHN, 2000): Movimento dos Pioneiros da Educação (1931); Marcha Contra a Fome (1931); Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932); Revolta do Caldeirão no Ceará (1935); Criação da Aliança Libertadora Nacional (1935); Movimento Pau de Colher (1935). No período entre 1945 e 1964 muitas lutas e movimentos sociais acontece- ram no cenário de redemocratização do país, aliados a um cenário internacional de desenvolvimento da sociedade de consumo e à política da Guerra Fria entre Estados Unidos e ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as potências mundiais na época. Entre os anos de 1961 a 1964 os seguintes movimentos podem ser desta- cados (GOHN, 2000): Ligas Camponesas do Nordeste; Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MASTER), no Sul do país; Movimento de Educação de Base (MEB); Círculos Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). A partir de 1974 o país entra em crise e os movimentos sociais ressurgem. Entre 1978-1979 tivemos os seguintes (GOHN, 2000): Associação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOs); Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT); Central Única dos Trabalhadores (CUT); Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM); Em 1984, o movimento "Diretas Já" marca a história sociopolítica do Brasil. Entre os anos de 1984 e 1988, o país se mobiliza em prol de uma nova Constituição. Os anos de 1990 foram marcados pelo capitalismo globalizado que se espalhou pelo mundo, foram tempos marcados pelo desemprego, rees- truturações no mercado de trabalho, flexibilização dos contratos, reformas, etc., com destaque para o movimento dos "cara-pintadas".que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais 15 Nos anos 2000 os movimentos sociais retornam ao cenário da política nacional com força total. De lá para cá, podemos citar os seguintes movimentos (GOHN, 2000): Movimentos dos índios; Via Campesina; Movimento Passe Livre; Movimentos Brasil Livre. Em um sistema democrático, a sociedade está em constante construção, por meio da participação cidadã. Dessa forma, os movimentos sociais, no Brasil e no mundo, expressam esse esforço de construção social a partir da atuação coletiva dos indivíduos. Nesse contexto, os movimentos sociais possuem relevância para a sociedade civil, enquanto instrumento de manifestação e reivindicação. Movimentos como dos negros, feminista, ambientalistas, da causa operária, estudantis, LGBT e outros, centralizam-se em algumas regiões específicas, no entanto, outros movimentos, estimulados pelo processo de globalização e pela disseminação da informação e meios de comunicação, rompem fronteiras geográficas, em razão da natureza de suas causas, ganhando adeptos por todo o mundo, como é o caso do Greenpeace. Saiba mais Greenpeace é uma organização não governamental com sede em Amsterdã e com escritórios espalhados por mais de 55 países. Atua internacionalmente em questões voltadas à preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, por exem- plo, campanhas nas áreas florestais, clima, energia, oceanos, agricultura sustentável (transgênicos), tóxicos e desarmamento/promoção da paz (GREENPEACE, 2016). A necessidade de os movimentos sociais contarem com uma organização bem desenvolvida e planejada, demanda a mobilização de recursos e pessoas realmente comprometidas. Assim, você pode concluir que os movimentos sociais não se limitam a manifestações públicas, contando também com or- ganizações que atuam com a finalidade de alcançar seus objetivos políticos, o que significa que há uma luta constante e em longo prazo, de acordo com cada causa que se quer defender.16 que são movimentos sociais? 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