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Professor Guilherme Gama - Crimes Contra a Pessoa - Lesão Corporal (art. 129, CP) Resumo: Objeto jurídico: incolumidade física e psíquica do ser humano Objeto material: pessoa Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum) Sujeito passivo: qualquer pessoa Tipicidade objetiva: ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem Tipicidade subjetiva: Dolo (direito ou eventual) ou culpa Consumação: Com o efetivo dano à saúde ou à integridade física da vítima (crime material) Tentativa: admite nas modalidades dolosas Causas de diminuição de pena: motivo de relevante valor social ou moral; sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Redução será de ⅙ a ⅓ - “lesão corporal privilegiada” Formas qualificadas: Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto [lesão corporal grave] / Se resulta: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto [lesão corporal gravíssima] / Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo [lesão corporal seguida de morte]; / Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade [lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica]; / Se a lesão é praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino [lesão corporal leve contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino]. Causas de aumento de pena: Na lesão corporal culposa, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante [aumento de 1/3]; * Na lesão corporal dolosa, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos [aumento de 1/3]; * Se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio (aumento de 1/3]; * Nos casos de lesões corporais graves, "gravíssimas" ou seguidas de morte, se o crime for praticado contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade [aumento de 1/3]; * Na hipótese de lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica, se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência [aumento de 1/3]; * Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição (aumento de 1/3 a 2/3]; * Se a lesão for praticada contra membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, de que tratam os arts. 131 e 132 da Constituição Federal, ou oficial de justiça, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão dessa condição (aumento de 1/3 a 2/3). Substituição da pena: Tratando de lesão corporal leve, substitui-se a pena de detenção pela pena de multa, caso: a) tenha ocorrido hipótese de motivo de relevante valor social ou moral ou o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima; ou b) as lesões sejam recíprocas. Perdão judicial: Na hipótese de lesão corporal culposa, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Penas: * lesão corporal leve: detenção, de 3 meses a 1 ano; * lesão corporal grave: reclusão, de 1 a 5 anos; * lesão corporal "gravíssima": reclusão, de 2 a 8 anos; * lesão corporal seguida de morte: reclusão, de 4 a 12 anos; * lesão corporal culposa: detenção, de 2 meses a 1 ano; * lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica: reclusão, de 2 a 5 anos; * lesão corporal leve contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino: reclusão, de 2 a 5 anos. Ação penal: * lesão corporal leve: pública condicionada à representação; * lesão corporal grave: pública incondicionada; * lesão corporal "gravíssima": pública incondicionada; * lesão corporal seguida de morte: pública incondicionada; * lesão corporal culposa: pública condicionada à representação; * lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica contra homem: pública condicionada à representação; * lesão corporal leve contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, pela violência doméstica: pública incondicionada; * lesão corporal leve contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, em face de preconceito, menosprezo ou discriminação quanto à condição de mulher pública condicionada à representação. Competência: * tipos básico e culposo: Juizado Especial Criminal; * demais casos: Justiça Comum. Acordo de não persecução penal: Não é possível Crimes hediondos: Conforme as alterações introduzidas pelas Leis n°s 13.142/2015 e 15.134/2025, são considerados crimes hediondos a lesão corporal dolosa de natureza gravissima (art. 129, § 2°) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3°), quando praticadas contra: a) autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até o terceiro grau, em razão dessa condição; b) membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, de que tratam os arts. 131 e 132 da Constituição Federal, ou oficial de justiça, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão dessa condição. Objetividade jurídica: a incolumidade, tanto física quanto psíquica, do indíviduo, pois tutela não só a integridade corporal como a saúde. A integridade física e a saúde do indivíduo são a ele relativamente disponíveis, isto é, consentindo para que outrem a viole, esse não praticará o delito ora em apreço, tratando-se de causa supralegal de exclusão da ilicitute, desde que essa anuência seja livre e consciente. O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum. O funcionário público que ofende a integridade física ou a saúde de outrem não comete o delito de abuso de autoridade, como pode-se eventualmente imaginar, pois não há essa figura na nova lei de abuso de autoridade (lei nº 13.869/2019), ao passo que responderá unicamente pelo delito de lesão corporal, exceto se preenchidos os requisitos do crime de tortura. Quanto ao sujeito passivo, em regra será também qualquer pessoa, exceto em algumas hipóteses, como no casos em que a lesão resulte aceleração do parto ou aborto, ou naqueles em que essas são cometidas no âmbito doméstico ou familiar, em detrimento da mulher, por razões da condição do sexo feminino, ou, ainda, quando praticadas contra agentes de segurança pública e autoridades públicas taxativamente elencadas, pois em todos esses casos exige-se da vítima uma qualidade especial que a diferencia das pessoas em geral. A autolesão não é punida, exceto quando essa é praticada para o recebimento de indenização ou valor do seguro (art. 171, §2º, V, do CP), ou para não prestar o serviço militar (art. 184 do CódigoPenal Militar), mas nestes casos os bens jurídicos protegidos são diversos; no primeiro caso, o patrimônio, enquanto no segundo, o serviço e dever militar. O produto da concepção, isto é, o zigoto, embrião ou feto não podem ser sujeito passivo do delito de lesão corporal, tendo em vista que já são tutelados pelas figuras do aborto. Dessa forma, o sujeito passivo do delito de lesão corporal é o ser humano vivo e já formado. Se as lesões dolosas forem praticadas contra cadáver, o autor dessas, a depender das circunstâncias, responderá pelos delitos previstos nos artigos 211 e 212 do Código Penal, destruição, subtração ou ocultação de cadáver e vilipêndio de cadáver, respectivamente. Tipicidade objetiva: Ofender = prejudicar, lesionar, danificar. Ofensa à integridade corporal é o dano anatômico fruto de uma agressão, podendo ser externo ou interno, como escoriações, cortes, equimoses, hematomas, luxações, fraturas, fissuras, queimaduras, mutilações, etc. O mero eritema, ou seja, a vermelhidão momentânea, como aqueles produzidos por um tapa ou a simples dor, sem qualquer alteração interna ou externa, como uma cutucada, não caracterizam o crime de lesão corporal. Ofensa à saúde compreende perturbações fisiológicas ou mentais. Pertubação fisiológica consiste na alteração de algum órgão ou sistema do corpo humano, por exemplo, quando se ministra alguma substância que ocasione na vítima vómito, diarréia ou náuseas. Pertubação mental é a alteração prejudicial do funcionamento cerebral, de natureza patológica, como convulsão, depressão, choque nervoso, transtornos psicológicos e danos psíquicos em geral. Contudo, a simples alteração do ânimo da pessoa, como irritação causada por terceiro, não configura o crime de lesão corporal, tampouco a dor meramente moral, que já são tuteladas pelos crimes contra a honra. Trata-se de um crime de forma livre, isto é, pode ser praticado por qualquer meio, empregando-se qualquer instrumento capaz de ofender a integridade corporal a saúde de outrem, como facas e socos. Havendo múltiplas lesões à vítima, em um mesmo contexto fático, o crime será único, não se tratando de concurso material ou formal de crimes, mas tal circunstância poderá ser valorada na primeira fase de dosimetria da pena. No delito em questão incide usualmente o princípio da adequação social, onde tolera-se determinados tipos de lesões coporais em razão de condutas socialmente toleradas, como é o caso de tatuagens em pessoas adultas ou o furo na orelha de crianças, hipóteses que caracterizariam o crime de lesão corporal. Se o dano for ínfimo, poderá ser aplicado o princípio da insignificância, salvo se ocorrer contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, nos termos da Súmula 589 do STJ, que afasta expressamente a incidência do predito princípio. A classificação entre lesões corporais graves e gravíssimas é fruto de uma construção doutrinária, já que o CP assim não prevê. Em relação à forma qualificada prevista no §3º, a “lesão corporal seguida de morte” é crime preterdoloso, pois o agente não desejou, nem assumiu o risco de produção do resultado subjacente à lesão corporal, tendo esse ocorrido de forma culposa. Em relação à figura do §4º, tratando-se de uma causa de diminuição de pena, sinônimo de minorante, restou definida como “lesão corporal privilegiada”, em analogia ao homicídio privilegiado. §§9º e 13º trazem formas qualificadas da lesão corporal, violência doméstica e lesão corporal leve contra a mulheres, por razões da condição do sexo feminino, respectivamente, essa última inaugurada em 2021. As causas de aumento de pena (majorantes) estão nos §§ 7º, 10, 11 e 12. Quanto ao elemento subjetivo, há previsão dolosa e culposa, mas a primeira incide nas figuras das lesões leves (figura simples ou tipo básico) ou nas formas qualificadas. O agente age imbuído de animus laedendi, ou seja, seu intuito é ferir.