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Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Antropologia Cultural CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Antropologia Cultural CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Antropologia período º1 Montes Claros/MG - 2013 Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho Antropologia Cultural 2013 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Editorial Prof. Silvio Guimarães – Medicina. Unimontes. Prof. Hercílio Mertelli – Odontologia. Unimontes. Prof. Humberto Guido – Filosofia. UFU. Profª Maria Geralda Almeida. UFG Prof. Luis Jobim – UERJ. Prof. Manuel Sarmento – Minho – Portugal. Prof. Fernando Verdú Pascoal. Valencia – Espanha. Prof. Antônio Alvimar Souza - Unimontes Prof. Fernando Lolas Stepke. – Univ. Chile. Prof. José Geraldo de Freitas Drumond – Unimontes. Profª Rita de Cássia Silva Dionísio. Letras – Unimontes. Profª Maisa Tavares de Souza Leite. Enfermagem – Unimontes. Profª Siomara A. Silva – Educação Física. UFOP. REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Maria Cristina Ruas de Abreu Maia Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Gisléia de Cássia Oliveira Karen Torres C. Lafetá de Almeida Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Sônia Maria Oliveira Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Sandra ramos de Oliveira Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes rogério Othon teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Angela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Antônio Maurílio Alencar Feitosa Chefe do Departamento de História/Unimontes donizette Lima do nascimento Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes isabel Cristina Barbosa de Brito Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nárcio rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício rodrigues neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes dumont Macedo Autores Fernanda Veloso Lima Mestre em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Bacharel em Ciências Sociais pela Unimontes. Professora de Antropologia do Departamento de Política e Ciências Sociais – Unimontes. Professora pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Homocultura – NEHOM/Unimontes. Flávio de Oliveira Carvalho Mestre em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Bacharel em Ciências Sociais pela Unimontes. Analista Educacional da Superintendência Regional de Educação de Unaí – SRE Unaí-MG. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 A antropologia como ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Antropologia na história: os primeiros contatos com a alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . .12 1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 A antropologia e a análise das sociedades primitivas – organização social, sistemas de parentesco, economia, poder e expansão colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.2 Conceituando as sociedades primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 2.4 As trocas econômicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.5 Expansão colonial e as consequências para os povos não ocidentais . . . . . . . . . . . . .37 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 A Antropologia e o estudo das sociedades complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.2 Os métodos e técnicas da Antropologia e sua utilização nos estudos das sociedades complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 3.3 A antropologia urbana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.4 A Antropologia no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Resumo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .59 Atividades de aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61 9 Ciências da Religião - Antropologia Cultural Apresentação Caro(a) acadêmico(a), A disciplina Antropologia Cultural é parte integrante da estrutura curricular do primeiro mó- dulo do Curso Ciências da Religião da Universidade Aberta do Brasil – UAB – da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Na disciplina, discutiremos um conjunto de questões sobre algumas perspectivas do pensa- mento na Antropologia. Para tanto, este curso está direcionado para uma exposição introdutória e crítica dos conceitos basilares da perspectiva antropológica. Preferentemente, organiza-se em uma reflexão acerca de alguns conceitos e métodos que caracterizaram e caracterizam a espe- cificidade da Antropologia como uma ciência no quadro das Ciências Sociais e/ou das Ciências Humanas. Nessa direção, almeja-se atingir os objetivos que se seguem: • oportunizar reflexões críticas acerca de conceitos fundamentais da teoria antropológica; • habituar o(a) acadêmico(a) com os conceitos basilares da Antropologia, para que consigam compreender, de maneira crítica, as diferenças sociais e culturais que compõem a humani- dade e, também, entender as diversidades étnicas e culturais da humanidade; • principiar o(a) acadêmico(a) na problemática capital da Antropologia como ciência do ou- tro, ou ainda, ciência da alteridade; • conduzir o(a) acadêmico(a) à compreensão das especificidades da Antropologia Cultural como uma ciência social e/ou humana; • discutir as análises antropológicas sobre as sociedades primitivas: organização social, siste- mas de parentesco, economia e poder; • explicitar as relações construídas a partir do contato dos europeus com as sociedades primi- tivas no contexto da expansão colonial; • apreender, introdutoriamente, a trajetória da antropologia nas sociedades capitalistas e, em especial, no Brasil, abordando questões como raça, heterogeneidade cultural e populações indígenas. Diante disso, o presente caderno foi dividido em três unidades, nas quais abordaremos os temas descritos anteriormente, para fins de cumprimento dos objetivos propostos para esta dis- ciplina. Ou seja: Unidade 1: A Antropologia como Ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico. Unidade 2: A Antropologia e a análise das sociedades primitivas: organização social, siste- mas de parentesco, economia, poder e a expansão colonial. Unidade 3: A Antropologia e o estudo das sociedades complexas. E então, pronto(a) para começarmos nossos estudos? Lembre-se que a leitura deste caderno é de suma importância para o seu aprendizado. Além disso, sua participação nas ferramentas in- terativas da sala de aula virtual proporcionará o contato contínuo com o professor e o tutor para o esclarecimento de dúvidas, indicações de outras leituras e acompanhamento das atividades propostas. Portanto, organize o seu tempo e bons estudos! Os autores. 11 Ciências da Religião - Antropologia Cultural UnidAde 1 A antropologia como ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho 1.1 Introdução Esta primeira parte da disciplina Antropologia Cultural tem por intuito principiar o(a) acadêmico(a) do Curso de Ciências da Religião no entendimento das problemáticas fundamen- tais da Antropologia. É, pois, uma Unidade centrada na análise de conceitos e abordagens antro- pológicos. Almejamos que os(as) acadêmicos(as), ao se confrontarem com o esqueleto conceitual desta disciplina, consigam refletir sobre as singularidades da Antropologia como uma Ciência pe- rante outras Ciências da Humanidade, compreendendo, portanto, a Antropologia como um saber erigido sobre um alicerce histórico, formado por indivíduos que colaboraram em cada contexto distinto, para sua fundação. Assim sendo, a formatação da Antropologia, como disciplina, se emol- dura em um contexto no qual alguns pensadores intentavam analisar as diferenças percebidas sob uma forma sistematizada, proporcionando uma representação e compreensão mais elabora- das sobre as diferenças, especialmente em sociedades com características particulares. Portanto, constatamos que perceber as diferenças e concebê-las como um exercício da alteridade consiste em uma primeira forma, um rascunho de um pensamento antropológico. Nesse sentido, verificaremos como se cunharam as primeiras reflexões sistematizadas so- bre o confrontamento com a diversidade, inclusive verificando as especificidades das primeiras descrições sobre o “Outro”, o diferente, por soldados, comerciantes, viajantes, cronistas, e missio- nários, refletindo, assim, sobre qual eram seus discursos sobre outras populações, outros povos. Poderemos ponderar, então, como, a partir da perspectiva de pensadores, uma discussão mais metódica a respeito da diversidade cultural inaugurou o movimento de instituição da Antropolo- gia como Ciência. Por fim, examinaremos, nesta Unidade, as representações do conceito de cul- tura embasadas no referencial antropológico, bem como discutiremos as conceituações de etno- centrismo e relativismo cultural, basilares para uma compreensão da Antropologia como ciência que transita entre a unidade e a diversidade, procurando compreender a humanidade em sua totalidade. Não obstante, estudaremos esta unidade a partir dos temas relacionados em subuni- dades, que se apresentam da seguinte forma: 1.1 Introdução; 1.2 Antropologia na História: os primeiros contatos com a alteridade; 1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade; 1.3.1 Antropologia e método: a imersão na cultura do outro; 1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cul- tural; 1.4.1 Etnocentrismo; 1.4.2 Relativismo Cultural. Agora que você já conhece a estrutura desta Unidade, leia com atenção, uma, duas, ou quantas vezes forem necessárias para assimilação do conteúdo. GLOSSáriO Antropologia: antro- pos, homem; logos, estudo (LAPLANTINE, 2000). 12 UAB/Unimontes - 1º Período 1.2 Antropologia na história: os primeiros contatos com a alteridade O homem encarou a diversidade cultural desde os primórdios de sua história. Isso porque acreditamos que embora o homem sempre tenha pensado e refletido sobre si mesmo e sobre os diversos povos com os quais tivesse contato, esses pensamentos sempre foram guiados por seu próprio modo de interpretar o mundo, ou seja, seus valores, crenças, etc. Isso ocorreu pelo menos até o fim do século XVIII, quando uma nova realidade, a sociedade industrial, suscitou no homem a necessidade de colocar-se como objeto da ciência, como já fazia com a nature- za (FOUCAULT, 2000). Assim, o pensamento do homem sobre si mesmo deixa paulatinamente o campo das especulações para tornar-se cada vez mais metódico, segundo os preceitos da ciência da época. Contudo, por hora, nos ate- remos às formas como os homens se classifica- ram ao longo da história. Segundo Laplantine (2000) e DaMatta (1987), o hábito, entre os homens, de se ob- servarem e levantarem reflexões uns sobre os outros é tão antigo quanto a própria humani- dade. E são dessas relações, desses confronta- mentos, que aparecem as primeiras reflexões acerca das diferenças. Nessa direção, a história da humanidade é marcada por vários períodos de encontros entre o “nós” e os “outros”, os iguais e os diferentes. Diante disso, de acordo com La- plantine (2000, p.13), “o homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as socie- dades existiram homensque observavam homens”. O referido autor acrescenta, ainda, que para Lévi-Strauss, essa percepção sobre o “outro” consiste em modelos elaborados “em casa”, ou seja, categorias criadas pelo próprio observador. Resumindo, na percepção de Laplantine (2000, p.13), a ideia do homem sobre o homem e “sua sociedade e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa”. Todavia, convém lembrar que essa enor- me diversidade da humanidade infrequen- temente sobressaiu aos olhos dos homens como um fato, pelo contrário, figuram, na maioria das vezes, como uma monstruosidade que carecia de justificação. Assim, por exem- plo, eram designados como sendo bárbaros, pelos gregos antigos, tudo e todos aqueles que não participavam da helenidade. Essa ati- tude, que consiste em “expulsar” da cultura, da condição de humanidade todos aqueles que não participam de nosso modo de pen- sar, sentir e agir, configura-se, para Laplantine (2000), em um comportamento dos mais co- muns entre as sociedades humanas, inclusive as ditas primitivas. Nesse sentido, conseguimos fazer uma ideia de quais foram as impressões europeias ▲ Figura 1: Invasões ao Império Romano. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/. Acesso em 29 jul. 2013. Figura 2: Representação de “bárbaros” saqueando Roma. Obra de Heinrich Leutemann, 455 DC. Fonte: Wikipédia. Disponí- vel em:<http://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Heinrich_ Leutemann>. Acesso em 29 jul. 2013. ► PArA SABer MAiS Para aprofundar a discussão sobre o surgimento do Homem como objeto de estudo da ciência, leia o artigo “As ciências humanas na arqueologia de Mi- chel Foucault”. O artigo pode ser encontrado no endereço eletrônico: http://www.unicamp. br/~aulas/pdf3/05.pdf. 13 Ciências da Religião - Antropologia Cultural sobre os povos da América, esse Novo Mundo em vias de “descobrimento”. É claro que não de- vemos esquecer que, nesse contexto, século XVI, a Europa, além de viver um intenso movimento humanista, já contava com várias nações em condições de enviar navios para exploração de ou- tras terras. Também já contava com um comércio bastante avançado com o Oriente. Logo, não é de se estranhar que, do século XVI até o século XVII, vários escritos tenham sido elaborados acerca das mais variadas culturas, em distintos espaços sociais, especialmente se pensarmos a in- tensificação da expansão mercantil, bem como movimentos culturais como o Renascimento. En- tretanto, cabe ressaltar que esse contato, essas primeiras impressões dos europeus sobre os não europeus ainda continuavam seguindo a lógica do estranhamento não sistematizado, isto é, o diferente como uma aberração. Nessa direção, não é de se estranhar que as populações do Novo Mundo fossem sempre colocadas na condição de bestializados. Não obstante, os depoimentos a respeito desses novos “seres”, sempre se valiam de metáforas zoológicas, evidenciando sucessões de faltas, como exemplos os seguintes discursos sobre os povos do Novo Mundo: não acreditam em Deus, não têm alma, não possuem escrita, são imorais, comem como animais, não possuem arte, enfim, não tem passado nem futuro (LAPLANTINE, 2000). É óbvio que devemos mencionar que todos esses relatos foram escritos por soldados, mercadores, colonos, viajantes, entre outros, provindos da Europa que, por um motivo ou outro, travaram contato com essa nova realidade. GLOSSáriO Helenidade: relativo ao período Helênico ou Helenismo; do grego hellenizein, falar grego, viver com os gregos. Caracterizou-se pelo ideal de Alexandre, cujo propósito foi levar e difundir a cultura Gre- ga, sobretudo, aos terri- tórios conquistados (JAPIASSÚ; MARCON- DES, 2001). ▲ Figura 3: Contato entre índios e europeus. Fonte: Canal do educador. Disponível em: <http:// educador.brasilescola. com/estrategias-ensino/. Acesso em 29 jul. 2013. 14 UAB/Unimontes - 1º Período BOX 1 Os Lusíadas [...] A gente se alvoroça e, de alegria, Não sabe mais que olhar a causa dela. - «Que gente será esta?» (em si diziam) «Que costumes, que Lei, que Rei teriam?» [...] Comendo alegremente, perguntavam, Pela Arábica língua, donde vinham, Quem eram, de que terra, que buscavam, Ou que partes do mar corrido tinham? Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas repostas que convinham: - «Os Portugueses somos do Ocidente, Imos buscando as terras do Oriente. [...]- «Somos (um dos das Ilhas lhe tornou) Estrangeiros na terra, Lei e nação; Que os próprios são aqueles que criou A Natura, sem Lei e sem Razão. Nós temos a Lei certa que ensinou O claro descendente de Abraão, Que agora tem do mundo o senhorio; A mãe Hebreia teve e o pai, Gentio. Fonte: CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas de Luís Camões. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão. Disponível em <http://web.rccn.net/camoes/camoes/index.html . Acesso em 12 mai. 2013. Apenas no século XVIII, na Europa, esse discurso, que qualifica o outro como não hu- mano, começa a enfraquecer. Em grande parte, isso se deve aos relatos dos missioná- rios jesuítas que conviviam com os nativos na América. Assim sendo, as ideias sobre os selva- gens maus, sem moral, sem humanidade, pau- latinamente vão sendo substituídas por outras que concebem a existência de uma natureza moral pura nesses povos. A questão, então, se- ria de apenas direcioná-los rumo à civilização. De qualquer forma, o que podemos notar é que esse discurso aproxima um pouco mais os indígenas da condição de humanos, ainda que considerados atrasados. ▲ Figura 4: A catequização dos índios. Fonte: História Digital. Dis- ponível em:<http://www. historiadigital.org/histo- ria-do-brasil/brasil-pre-co- lonial/povos-indigenas/ questao-enem-2008- -catequizacao-indigena- -na-america/>. Acesso em 29 jul. 2013. diCA O Darwinismo consti- tui-se em um princípio pelos quais as espécies sofrem uma seleção natural, ou seja, os indivíduos mais adap- tados à determinada condição ecológica eliminam aqueles des- providos dessa mesma condição. A origem do termo se deu a partir da publicação da obra “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin. Posteriormen- te, o evolucionismo se apropria desse discurso para pensar o próprio desenvolvimento da humanidade. Figura 5: Livro de Charles Darwin, “A Origem das Espécies”, de 1859. A imagem refere-se à publicação de 2009. Fonte: Linuxmall. Disponível em <http://www.linux- mall.com.br/produto/livro-a-origem-das-esp-eacute- -cies.html. Acesso em 12 mai. 2013. ▼ 15 Ciências da Religião - Antropologia Cultural Nesse sentido, percebemos a instauração de uma conjuntura embasada em interpreta- ções com maior grau de sistematização, mas ainda distantes de desenvolver um método científico. Contudo, nesse contexto de revolu- ções, tanto políticas quanto industriais, assim como a crescente valorização da Ciência Na- tural, quando especialmente química e biolo- gia ganham corpo em uma Europa encantada com o Darwinismo e perturbada com as rá- pidas transformações, surge uma recorrente questão entre os indivíduos: por que não vol- tar à ciência para o conhecimento do homem, na sua totalidade, colocando-o como objeto de um conhecimento metódico? Tudo com- provava a necessidade de novos métodos e teorias, bem como a necessidade de planeja- mento para o crescimento industrial e urbano, a expansão para outros espaços. Tais necessidades proporcionaram o alargamento de horizontes, dados os con- tatos entre diferentes povos e nações, além de trazer à baila mais questionamentos para o homem sobre si mesmo. Enfim, nessa con- juntura, agregaram-se diversos elementos que contribuíram parao surgimento e conso- lidação das Ciências Humanas. Diante disso, como esse processo se deu com a Antropo- logia? É justamente isso que estudaremos a seguir. 1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade. Estudamos na subunidade anterior que observar, pensar e refletir sobre a própria con- dição de existência permeia a vida dos seres humanos desde tempos remotos. Além disso, ainda que uma experiência em menor grau que o proporcionado pela expansão colonial euro- peia, os homens sempre travaram encontros com a alteridade. Esses encontros, dos quais temos vários exemplares no decorrer da histó- ria, como exemplo, cristãos e pagãos; gregos e bárbaros; e por fim europeus/ocidentais e não europeus /não ocidentais, perfizeram as primei- ras e rudimentares impressões que balizaram as atitudes de estranhamento, recusa, indagações, assombro ou mesmo, com menor frequência, o encantamento pelo exótico. À vista disso, ainda que compreendamos que as reflexões do homem sobre o homem sejam tão antigas quanto a própria humanidade, e que possamos conjecturar, como nos demonstra Maybury- -Lewis (2002), que a Antropologia deriva de um arrebatamento da curiosidade acerca de outros povos, intercalada com uma reflexão a respeito do próprio eu, de um anseio por compreender a diversidade da cultura humana, concordamos com Laplantine que afirma: [...] o projeto de fundar uma ciência do homem – uma Antropologia – é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que come- ça a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os métodos até então utilizados na área física ou da biologia. (LAPLAN- TINE, 2000, p.13). Ainda, além disso, como nos mostra Da- Matta (2000), seria infecundo buscar as ori- gens da história da Antropologia, na antigui- dade, esquadrinhando trabalhos como o de Heródoto ou de outros gregos. Nesse mesmo sentido, Copans (1971) e Mercier (1974) argu- mentam que foi somente a partir do século XIX que realmente se erigiu um empenho na direção de formatar um discurso antropológi- co que atendesse a certos métodos, para que pudesse ascender à condição reconhecida de ciência. Assim sendo, o comportamento humano, agora, a partir de um nascente eixo teórico-metodológico, passava à condição de fenômeno observável e analisável. Aprofun- dando a perspectiva que trata da Antropolo- gia como Ciência, Copans (1971, p. 35) pondera que “a história da Antropologia é também a PArA SABer MAiS Para enriquecer os es- tudos sobre a História da Antropologia, con- fira o artigo “A Antro- pologia como ciência” escrito por José Lisboa Moreira de Oliveira. O artigo pode ser en- contrado no endereço eletrônico: http://www. ucb.br/sites/000/14/ PDF/Aantropologiaco- mociencia.pdf. 16 UAB/Unimontes - 1º Período história das relações entre as sociedades euro- peias e as sociedades não e europeias”. Sendo assim, você consegue perceber que, no instante inaugural da Antropologia, os estudos voltaram-se para a narrativa his- tórica do encontro desses dois povos? Não obstante, sob o prisma de Da Matta (2000, p. 87), a constituição da Antropologia, como a conhecemos hoje, “[...] é especular sobre o modo pelo qual os homens perceberam suas diferenças ao longo de um dado período de tempo”. Especialmente, como vimos na subu- nidade 1.2, se pensarmos as relações que fo- ram travadas no espaço social compreendido como sendo o “Novo Mundo”. Completando esse raciocínio, Laplan- tine (2000), considera que, no século XVI, os europeus descortinam e exploram novos am- bientes, além de proferir um discurso trucu- lento sobre suas populações. O século XVIII vem, por sua vez, iluminado sob as ideias dos filósofos e das viagens filosóficas, mas é somente no século XIX que a Antropolo- gia se constitui realmente como disciplina e passa a analisar as sociedades primitivas em suas mais diversas facetas (econômica, bio- lógica, linguística, política, dentre outras). Agora você pode concluir que, no seu início, a Antropologia intenta construir um saber examinando as sociedades não europeias, ou melhor, não ocidentais. Dito de outra forma, inauguralmente o “outro”, o distinto, é aque- le que não é ocidental, é o “selvagem”, o “pri- mitivo”, aquele que está muito mais próximo da natureza que da cultura. Nesse sentido, as sociedades consideradas simples, pela sua or- ganização social, tornaram-se objeto privile- giado dessa Ciência nascente, a Antropologia. Isso nos conduz, portanto, a um primei- ro elemento que caracteriza a especificidade do fazer antropológico, a saber, a singulari- dade de um objeto de estudo que lhe é pró- prio. Sendo assim, podemos dizer que a An- tropologia, constituindo-se basicamente em espaços ocidentais (Estados Unidos e Europa mais precisamente), encontra no outro (o não ocidental) seus principais questionamentos. É então nessa esfera dicotômica, nós/outros, na compreensão dessas diferenças, às vezes radicais, que está assentada a preocupação recorrente da Ciência antropológica. Como pondera Sanchis (1999), é a procura por uma argumentação metódica a respeito da dife- rença que vai delinear inicialmente uma ati- tude, depois uma observação sistemática e, por fim, uma nova Ciência, a Antropologia. Com tais características, caro (a) acadêmi- co (a), você pode concluir que a Antropologia objetiva estudar o homem, mais especifica- mente as ações sociais do homem como ser integrante de uma determinada coletividade, e que ela, a Antropologia, diferencia-se das outras ciências que também estudam o ho- mem uma vez que os questionamentos cen- trais que ela procura solucionar dizem respeito às diferenças culturais. Por esse motivo, consi- deramos que a Antropologia é a ciência da di- versidade cultural e social. Nesse sentido, po- demos dizer que o que ocupa a Antropologia é o empreendimento de tentar compreender e interpretar a multiplicidade das culturas hu- manas. Sintetizando, a Antropologia pleiteia ser uma Ciência da humanidade e da cultura, especialmente a Antropologia Cultural, que intenta desvelar a diversidade e complexidade da cultura humana. É claro que, como nos de- monstra Laplantine (2000), passaram-se algu- mas dezenas de anos antes que a antropologia conquistasse um refinamento instrumental de investigação para oportunizar a coleta de da- dos no campo das observações e informações. Contudo, logo após ter consolidado seus particulares métodos de pesquisa e obser- vação, no começo do século XX, os antropó- logos constatam que o objeto empírico que eles tinham atribuído à sua ciência (as socie- dades ditas primitivas, rudimentares) estava em vias de desaparecimento, visto que o pró- prio universo dessas populações não é pre- servado pela evolução social. Nesse tocante, surge uma crise de identidade, especialmen- te questionando se a morte do seu objeto de interpelação (o “selvagem”) representaria também o fim do projeto daqueles que se propuseram a estudá-los dentro de determi- nadas regras que atendessem a critérios cien- tíficos. O próprio Laplantine (2000) nos indica ▲ Figura 6: Canibalismo Tupinambá. Representação do mau selvagem. Fonte: Brasil: Terra de Santa Cruz. Disponível em:<http://brasilterrade- santacruz.com.br/wp-con- tent/uploads/2011/07/ CanibalismoTupinamba. jpg>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS A antropóloga Mirela Berger, em seu esque- ma “Breve histórico da Antropologia: cronistas e viajantes”, apresenta a percepção dos missio- nários e viajantes sobre os povos primitivos.Portanto, para conhe- cer um pouco mais sobre o tema acesse o artigo completo disponível em: http:// www.mirelaberger.com. br/mirela/download/ breve_historico. GLOSSáriO epistemológica: relativo à epistemolo- gia; estuda a origem, a estrutura, os métodos e a condição de certeza do conhecimento cien- tífico em suas diversas áreas (AIRES, 2003). 17 Ciências da Religião - Antropologia Cultural três reflexões para essa problemática, apon- tando, inclusive, uma que considera mais fru- tífera e que também redireciona o paradigma que confere especificidade à construção do conhecimento antropológico. Dessa maneira, se por um lado o antropólogo pode aceitar, por assim dizer, seu aniquilamento, e dedicar- -se a outros campos de outras ciências huma- nas, por outro ele pode se voltar para um ob- jeto de estudo diferente, a saber, o camponês – este selvagem interno – que se transforma- ria em objeto ideal, visto que também não é contemplado por outros ramos das ciências da humanidade. Nesse ponto, desabrocha a terceira ver- tente que, aos olhos de Laplantine (2000), re- solve a questão do aniquilamento na medida em que traz à baila a discussão sobre a mu- dança do objeto de estudo da Antropologia. Em outras palavras, a especificidade da An- tropologia não está mais atrelada ao objeto de estudo que ela assumiu (o não ocidental, ou o camponês ainda ignorado por outras ciências sociais/humanas), mas a uma certa prática epistemológica. Portanto, a Antropo- logia evidencia sua singularidade não mais pelo objeto a que dedica suas atenções, mas sim pela forma que interpela, analisa e inter- preta as possibilidades de ordenamento des- se objeto. Então, você compreendeu que é a partir dessa relação com o outro (externo ou inter- no), que a Antropologia, pouco a pouco, se consolida como Ciência? Consequentemente, essa relação proporcionou o advento de uma reflexão metódica sobre um modo de vida, a princípio visto como excêntrico, e desenca- deou a organização de um pensamento rela- tivista. Por conseguinte, o outro deixa de ser esquisito, esquizofrênico, e passa a ser visto como diferente, mas possuidor de uma razão própria que lhe confere capacidade para in- terpretar a si mesmo e a sua realidade social. Dado o exposto, acredi- tamos que se torna muito mais clara a necessidade de sistematizar e assimilar a percepção do outro so- bre o mundo da vida. Assim, o antropólo- go precisa mergulhar e submergir na cultura, na comunidade e no gru- po social que procura interpretar. Ademais, a formatação dessa visão “de dentro”, segundo o conhecimento antropoló- gico, é o que transforma em possibilidade a apre- ensão do ponto de vista do outro. Em outras pa- lavras, usando um termo próprio do meio antro- pológico, trata-se de um procedimento que cria a possibilidade de evidenciar o “ponto de vista do nativo”. Não obstante, de acordo com Sanchis (1999), outro elemento que contribui para ca- racterizar essa especificidade da Antropologia é a probabilidade de, através dessa relação com o outro, com o exótico, o pesquisador co- meçar a indagar seus próprios valores a respei- to de comportamentos, visão de mundo, entre outros. Porquanto, enxergar o outro como um espelho nos dá a possibilidade de questio- nar nossos próprios valores, normas, regras, crenças, enfim, confere-nos a capacidade de principiar a estranhar o que nos é familiar. Em consonância com esse pensamento, Laplanti- ne (2000) pondera que, restritos a uma única cultura, ficamos não apenas inconscientes so- bre a dos outros, mas também incapazes de perceber a nossa. Observe esse argumento, nas palavras de Laplantine: A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar atenção no que é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evi- dente’. Aos poucos notamos que o menor de nossos comportamentos (ges- tos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mes- mos, a nos espiar. O conhecimento antropológico de nossa cultura passa ine- vitavelmente pelo conhecimento de outras culturas, e devemos especialmen- te reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. (LAPLANTINE, 2000, p.20). Nesse sentido, torna-se oportuno, já que a Antropologia se propõe a estudar o homem em sua totalidade, acompanharmos o racio- cínio de DaMatta (2000) quando ele propõe que, para determinar o lugar da antropologia cultural, é preciso não esquecer dos outros ramos da Antropologia. Desse modo, torna-se mister individu- alizar cada uma dessas ramificações e evi- denciar sobre qual ou quais facetas dessa totalidade do homem elas projetam suas luzes. Além disso, Laplantine (2000) adver- ▲ Figura 7: Aprender Antropologia. François Laplantine Fonte: Biblioteca da Uni- versidade de São Paulo. Disponível para download em: <http://disciplinas. stoa.usp.br/pluginfile. php/80913/mod_resour- ce/content/3/Apren- der%20Antropologia%20 %28Fran%C3%A7ois%20 Laplantine%29.pdf. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS Márcio Goldman, em seu artigo intitulado “O fim da Antropologia”, discorre sobre a ques- tão do aniquilamento da Antropologia como ciência que estuda os povos primitivos. Sen- do assim, sugerimos a leitura desse traba- lho que se encontra disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/nec/ n89/12.pdf>. 18 UAB/Unimontes - 1º Período te que nenhum pesquisador conseguiria ser um experto em todos os desdobramentos da Antropologia, porém nem por isso deve- mos abster-nos de conhecê-los. Por conseguinte, apro- veitando-nos das ob- servações constru- ídas por esses dois últimos pensadores citados, podemos distinguir alguns dos principais campos da Antropologia, dis- cutindo panorami- camente seus enfo- ques, características e procedimentos bá- sicos. Então temos: a Antropologia Biológica, a Arqueologia, a Et- nografia, a Antropologia Linguística, o Folclo- re e, por fim, a de nosso maior interesse, visto que consiste na discussão aqui empreendida, a Antropologia Cultural ou Social ou mesmo Etnologia. Do ponto de vista de Lévi-Strauss (1967, p.396), a Etnografia, Etnologia e Antro- pologia não são três disciplinas diferentes ou três percepções diferentes de um mesmo estudo, mas três fases ou três “momentos de uma mesma pesquisa, e a preferência por este ou aqueles desses termos exprime so- mente uma atenção predominante voltada para um tipo de pesquisa que não poderia nunca ser exclusivo dos dois outros”. Dessa maneira, estudiosos como DaMat- ta (2000), Laplantine (2000) e Lévi-Strauss (1967) explicam que os ramos da Antropolo- gia Cultural mantém interfaces com a Antro- pologia Social e Etnologia e, embora Marconi e Presotto (2006) conceituem separadamente a Etnografia, a Etnologia e o Folclore ainda assim advertem que tais divisões pertencem ao mesmo ramo da Antropologia Cultural. A despeito de Marconi e Presotto (2006), as autoras explicitam seus pressupostos a partir da impossibilidade de entender um ramo da Antropologia sem o outro, a saber, o Cultural, o Social e a Etnologia. Como con- sequência desses argumentos e, conforme já esclarecemos, trataremos a Antropologia Cultural como sinônimo da Antropologia So- cial e da Etnologia, em outras palavras, no presente caderno você estudará sobre a An- tropologia Cultural, Social ou Etnologia. Ago- ra que você está inteirado(a) das argumenta- ções de Lévi-Strauss (1967), DaMatta (2000), Laplantine (2000), Marconi e Presotto (2006) acerca da Antropologia Cultural, Social ou Et- nologia, vamos conhecer um pouco mais so- bre os desdobramentosdessa Ciência? A Antropologia Biológica, que no pas- sado foi designada pela nomenclatura de Antropologia Física, caracteriza-se pelo estu- do dos traços biológicos do homem levando em consideração tempo e lugar. Se valendo de métodos comuns ao campo da biologia, sua preocupação central é as interfaces en- tre nosso patrimônio genético e os diversos meios que nos circundam. Ou seja, como a(s) cultura(s) e esse patrimônio genético se in- fluenciam? Em suma, o interesse desse ramo da Antropologia é pela genética das popula- ções, bem como por suas culturas, do mesmo modo que procura, ainda, desvelar questões que dizem respeito ao inato e ao adquirido (LAPLANTINE, 2000). Mas, também, há o es- tudo das sociedades de primatas superiores como babuínos e gorilas que envolvem espe- culações sobre a evolução biológica do ho- mem no geral. PArA SABer MAiS Sugerimos a leitura do artigo “Etnografia e pesquisa qualitativa: apontamentos sobre um caminho metodo- lógico de investiga- ção” para aprofundar os estudos sobre a percepção do outro acerca do mundo da vida. O trabalho está disponível em:<http:// www.unisc.br/portal/ upload/com_arquivo/ etnografia_e_pesqui- sa_qualitativa_aponta- mentos_sobre_um_ca- minho_metodologico_ de_investigacao.pdf>. ▲ Figura 8: O Antropólogo Roberto DaMatta. Fonte: FM 90,5. Disponível em:<http://www.905fm. com.br/estado/915- -roberto-damatta-sera-pa- lestrante-do-secop-2013- -em-vitoria>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS Confira o vídeo “Ossa- das de mais de 6 mil anos encontradas em Buritizeiro no norte- -mineiro” para que você tenha uma ideia de como os arqueólogos fazem as suas esca- vações. O vídeo está disponível em: <http://www.youtube. com/watch?v=Z1MC WCsq1nE> Figura 9: Ossada encontrada no sítio arqueológico em Buritizeiro, norte de Minas Gerais. Fonte: Circuito Turístico Guimarães Rosa. Disponível em: <http://circuitoguima- raesrosa.com.br>. Acesso em 10 mai. 2013. ► 19 Ciências da Religião - Antropologia Cultural A Arqueologia, por outro lado, é uma di- visão da Antropologia Cultural, que pesquisa o homem por meio de vestígios materiais que as culturas deixaram para trás, ao longo do tempo. Muitas vezes, esses vestígios são en- contrados enterrados no solo, ou na forma de pinturas em paredes (pinturas rupestres), ou ossadas, em suma, qualquer traço de atividade humana. Seu intuito é restaurar sociedades já desaparecidas, especulando sobre suas técni- cas, arte, religião, organização social, entre ou- tros. Em DaMatta vamos encontrar os seguin- tes argumentos: De fato o arqueólogo está interessado em pedaços de cerâmica, cemitérios mi- lenares, cacos de pedra e restos de animais, enquanto tais resíduos permitem deduzir modos concretos de relações sociais ali existentes. A Arqueologia, as- sim, é uma Antropologia Social, só que debruçada em cima do estudo de um sistema de ação social já desaparecido. (DA MATTA, 2000, p.29) Dessa maneira, observamos que a Ar- queologia divide-se, ainda, em: a) Arqueolo- gia Clássica, que “tenta reconstruir as antigas civilizações letradas”, como exemplo, Egito, Grécia, Mesopotâmia, entre outras; b) Antro- pologia Arqueológica, cujos estudos se con- centram nos “primórdios da cultura, relativa às populações extintas”, a saber, “culturas do Paleolítico, Mesolítico e Neolítico” (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p.05). Como descrito por Marconi e Presotto (2006, p.05), a etnografia (éthos, povo; gra- phein, escrever) “é um dos ramos da ciência da cultura que se preocupa com a descrição das sociedades humanas”. Porém, para o presen- te momento, caro(a) acadêmico(a) ficaremos apenas com esse conceito, pois na subunida- de 1.3.1 estudaremos mais detidamente sobre esse método e seus principais autores. Contu- do, cabe ressaltar que essa é uma divisão da Antropologia Cultural que possibilitou o cará- ter relativista da Antropologia, bem como sua elevação à Ciência. Marconi e Presotto (2006, p.05) conceituam que a Etnologia (éthos, povo; logos, estudo) “é outro ramo da ciência da cultura, cujos pesquisadores utilizam os dados coletados e oferecidos pelos etnógra- fos”. Como exemplo, em “Sistemas Políticos da Alta Birmânia: um estudo da estrutura social Kachin” de Edmund Ronald Leach, publicado em 1964, vamos encontrar o esclarecimento de que o livro versa sobre a população kchin e chan do nordeste da Birmânia, cujo objetivo é “fornecer uma contribuição à teoria antropo- lógica”. A obra, segundo o autor, não foi cogi- tada como uma descrição etnográfica, pois “[...] a maioria dos fatos a que me refiro foram publicados anteriormente. Não se deve, pois, procurar qualquer originalidade nos fatos de que trato, mas na interpretação desses mes- mos fatos” (LEACH, 1996, p. 65). Entre os ramos da Antropologia Cultural, a Antropologia linguística estuda especifica- diCA Roberto Augusto DaMatta é graduado e licenciado em Histó- ria pela Universidade Federal Fluminense (1959 e 1962). Curso de Especialização em Antropologia Social do Museu Nacional (1960); M.A e Ph.D em, respec- tivamente, 1969 e 1971, pelo Peabody Museum da Universidade de Harvard. Foi Chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional e Coordena- dor do seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (de 1972 a 1976). É Profes- sor Emérito da Univer- sidade de Notre Dame, USA, onde ocupou a Cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antro- pologia de 1987 a 2004. Atualmente é Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Reali- zou pesquisas Etnolo- gicas entre os índios Gaviões e Apinayé. Foi pioneiro nos estudos de rituais e festivais em sociedades industriais, tendo investigado o Brasil como sociedade e sistema cultural por meio do carnaval, do futebol, da música, da comida, da cidadania, da mulher, da morte, do jogo do bicho e das categorias de tempo e espaço. ◄ Figura 10: Processo de Hominização. Fonte: Curte a História. Disponível em: <http:// curteahistoria7.blogspot. com.br/2010/09/processo- -de-hominizacao.html>. Acesso em 10 mai. 2013. ◄ Figura 11: “Tribespeaple of the Kachin”. População da tribo Kachin, Brimânia. Leach, 1940-1949. Fonte: Fields of study: Sir Edmund Leach, the social anthropologist Disponível em: <http://www.kings. cam.ac.uk/ archive-cen- tre/archive-month/febru- ary-2013.html. Acesso em 09 mai. 2013. 20 UAB/Unimontes - 1º Período mente a linguagem como exteriorização de valores, pensamentos, sentimentos, pois, so- mente através do estudo da língua é que con- seguimos compreender como os indivíduos pensam o que vivem; elaboram suas interpre- tações; como categorizam o que sentem, isto é, através desse desdobramento da Antropo- logia alcançamos suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (LAPLANTINE, 2000). Além disso, a linguagem constitui-se em um meio de comunicação e, também, em um “instru- mento do pensamento”, portanto, uma “gran- de diversidade de línguas acompanha a gran- de diversidade de culturas, cada uma delas com suas formas e estruturas básicas defini- das” (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p.06). O Folclore, por sua vez, consiste em um dos campos de investigação da Antropologia Cultural, que observa a cultura “espontânea dos grupos rurais ou urbanizados”. Trata-se, portanto, de uma “ciência socioantropológica, uma vez que se dedica ao estudo de determi- nados aspectos da cultura humana”. Dedica- -se, também, aos “fatos da cultura material e espiritual que, originados espontaneamente, permanecem no seio do povo, tendo deter- minada função”. Em outras palavras, analisa os “fenômenos em sua dimensão espacial e temporal”, com métodos e técnicas de pesqui-sa científica que lhes são próprios. Contudo, apesar de sua autonomia, são campos da An- tropologia, porque trabalham com interesses comuns à essa Ciência; a saber, o homem e a cultura (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p. 07). Resumindo, a Antropologia Cultural pre- tende compreender o homem como elemento de um dado sistema de valores, normas, cren- ças, etc. Entende a sociedade humana como sendo um agregado de ações e comportamen- tos organizados conforme um esquema de re- gras que ela mesma criou. Desse modo, o cam- po da Antropologia Cultural diz respeito a tudo que compõe uma coletividade: suas crenças, relações de parentesco, modos de produção econômica, regras jurídicas, arte, conhecimen- to, entre outros. Sendo assim, a Antropologia Cultural, que dá nome à nossa disciplina, é, portanto, o ramo no qual mais nos deteremos, especialmente porque é sobre ela que continu- aremos discorrendo ao longo de nosso curso. Assim sendo, todas as vezes que já utilizamos ou venhamos a utilizar o termo genérico Antro- pologia é à Antropologia Cultural que estamos nos referindo. E, como já mencionamos, um traço distintivo da Antropologia é o seu méto- do e metodologia, ou seja, o arcabouço teórico utilizado pelo pesquisador, bem como as suas condutas para auferir evidências empíricas. Agora, você está curioso sobre as caracterís- ticas particulares do método antropológico e como ele se constituiu, já que repetidas vezes citamos sobre isso. Então, vamos estudá-los? 1.3.1 Antropologia e método: a imersão na cultura do outro Como discutimos anteriormente, na subunidade 1.2, a maior parte do material produzido sobre o Novo Mundo, ou mesmo sobre o oriente, adveio das percepções de co- lonos, soldados, viajantes, dentre outros. Isso ainda foi válido até o final do século XIX, so- bretudo, porque quase nenhum antropólogo havia travado contato físico com as popula- ções primitivas sobre as quais escrevia. Como demonstra DaMatta (1987), durante todo esse período, o etnólogo consumou sua prática e experiência no seu aconchegante gabine- te ou numa confortável poltrona em uma biblioteca qualquer da Europa. O problema disso é que como os dados recolhidos eram superficiais e breves, dada a pouca perma- nência dos coletores nas aldeias e/ou comu- nidades, o trabalho etnográfico resumia-se a uma seleção e listagem de costumes exóti- cos. Quer dizer, havia uma enorme quantida- de de informações, todavia a complexidade de significados que envolvem o cotidiano da vida social não eram desvelados. O conheci- mento produzido então, acabava por flutuar descolado do contexto investigado. Somente no final do século XIX é que al- guns antropólogos, como Spencer e Gillen, que investigaram os aborígines australianos, começaram a se preocupar com essa experiên- cia de sair do conforto do gabinete e inserir-se na cultura do outro. Isso se deu pois compre- enderam que somente assim, com um trabalho de campo sistematizado, seria possível produ- zir interpretações sobre as ações sociais dos na- tivos, perfazendo-as como sendo um sistema integrado e dotado de lógica própria. DaMatta (1987) por exemplo, defende essa postura dizendo ser essencial buscar o sentido a partir do ponto de vista do outro. As- sim sendo, é imprescindível esse contado di- reto, pois possibilita que o conhecimento pro- duzido seja sempre intermediado pelo próprio nativo. Dessa forma, o antropólogo polonês se inseriu na cultura do nativo de maneira dura- doura, aprendendo sua língua e afastando-se do contato com o homem branco. Tal inicia- tiva trouxe uma enorme contribuição para a Antropologia, uma vez que o pesquisador PArA SABer MAiS Assista ao filme “Dança com Lobos” do diretor Kevin Costner. A obra conta a história do tenente John Dunbar (Kevin Costner) que, após ser condecorado por bravura na Guerra de Secessão, é enviado para um forte isola- do na fronteira com as terras selvagens Sioux. Além do choque de culturas, o filme aborda, também, a expansão colonial dos Estados Unidos para o oeste e como se deu a ocupação das terras indígenas pelo homem branco. Fonte: Disponível em: <http://www. cinedublados.com. br/2013/06/ download-danca-com- -lobos-dublado.html. 21 Ciências da Religião - Antropologia Cultural realmente pôs em prática a pesquisa de cam- po, porquanto, os métodos de investigação sobre o outro foram alterados, fortalecendo a premissa de que a Antropologia é uma Ci- ência. Em outras palavras, Malinowski (1976) prenunciou um empreendimento etnográfico em consonância com os preceitos científicos de uma forma mais radical. Quer dizer, deixan- do seu mundo para trás e indo viver entre os nativos, participando de seu cotidiano e reco- lhendo ele mesmo os dados acerca da cultura estudada, a saber, comportamentos, valores, normas, mitos, cosmologias, etc.. Por isso, esse antropólogo inaugura e é o precursor de uma nova percepção sobre o trabalho de campo. Sendo assim, foi também quem cunhou o termo “observação participante” como sendo um sinônimo da pesquisa de campo, eviden- ciando ainda mais a antinomia existente entre o pesquisador que consuma este tipo de estu- do e o antropólogo de gabinete. Desse modo, o entendimento da pesquisa de campo como observação participante trouxe à lume uma transformação interessante ao campo da an- tropologia, pois fazendo esse tipo de pesqui- sa, elimina-se a questão do coletor de dados e o pesquisador que os analisará serem indiví- duos diferentes, o que possibilita, então, que a cultura pesquisada seja interpretada de forma contextualizada. Outro importante pensador da Antropologia que também defende o tra- balho de campo é Evans-Prichard (1999). Se- gundo esse pesquisador a etnografia consiste em uma pesquisa minuciosa de uma única po- pulação ou mesmo de um conjunto de povos correlacionados. Também defende que um es- tudo etnográfico deve durar pelo menos dois anos, pois nesse período o pesquisador pode aprender a língua nativa, aumentando a sua interação com o grupo. É o trabalho de campo que possibilita ao antropólogo se tornar um etnógrafo. Um importante elemento que integra a prática do antropólogo que faz a observação participante é o diário ou caderno de campo, uma vez que é nesse instrumento que o pes- quisador rascunha todas as suas impressões para depois então sistematiza-las. Ribeiro (1996), por exemplo, comenta a enorme im- portância de seu caderno de campo quando esteve entre os índios Urubus-Kaapor, entre 1949 e 1951. Eram anotações diárias sobre tudo que os índios faziam ou diziam, mate- rial que depois é sistematizado e interpreta- do. Igualmente, Brandão (2007) pondera que tudo, qualquer situação, mesmo as mais insig- nificantes devem ser anotadas; a observação precisa ser sempre seguida pelas anotações e essas notas devem ser descritivas. É impor- tante ressaltar que essa especificidade do método antropológico possibilita operações mentais para as quais o pesquisador deve es- tar preparado teoricamente. Em primeiro lu- gar a observação participante, haja visto que transforma o antropólogo em um sujeito ativo e participante na cultura estudada; permite- -lhe, virtualmente, tornar-se um nativo. Assim sendo, como nos mostra Malinowski (1976), mais importante do que experimentar modos de vida diferentes é captar as visões de mundo do outro com respeito e verdadeira compre- ensão. Dessa maneira, torna-se imprescindível controlar nossos preconceitos, pois somente assim conseguiremos compreender as per- cepções do outro, bem como nossos próprios pontos de vista, re-elaborando nossa própria experiência cultural fora dela. Para o último autor citado é, então, essa capacidade de “tor- nar-se o nativo” que irá definir a profundidade da interpretação realizada.O antropólogo precisa, também, apren- der a ver o que lhe é comum com olhos de estranheza, pois somente dessa forma é possí- vel reconhecer práticas cotidianas e familiares como sendo construções sociais e culturais específicas. Esse procedimento, definido na antropologia como o ato de “estranhar o fa- miliar”, permite que o antropólogo identifique o que é esquisito em sua própria cultura. Des- se modo, para DaMatta (1987), o pesquisador deve fazer um esforço para transmudar o exó- tico em familiar e o familiar em exótico, trans- formando sua relação com o outro e consigo mesmo. Segundo Velho (2004), fazer etnogra- fia depreende desse estranhamento do que é familiar, de uma busca por um certo grau de imparcialidade e neutralidade, uma vez que somente dessa maneira logra-se comparar, in- telectualmente, as diversas interpretações re- lativas às realidades existentes. Vimos, portanto, que fazer etnografia pressupõe um preparo por parte do pesquisa- PArA SABer MAiS Leia a definição de cultura apresentada no “Dicionário de Con- ceitos Históricos” que pode ser acessado no endereço eletrônico: http://www.igtf.rs.gov. br/wp-content/uplo- ads/2012/03/concei- to_CULTURA.pdf>. ▲ Figura 12: Malinowski e os Trobriand (Nova Guiné) durante trabalho de campo em 1918 (foto: Wikimedia Commons). Fonte: Antropologia, notícias do campo e do gabi- nete. Disponível em: <http//://agreste.blogspot.com. br/2011/02/antropologia-e-ciencia.html. Acesso em 29 abr. 2013. 22 UAB/Unimontes - 1º Período dor, uma disposição para questionar certezas até então cristalizadas por sua cultura. Imergir na cultura do outro requer uma entrega física, dado o deslocamento, e também uma íntegra intelectual, tendo em vista os esforços que devem ser empreendidos para uma interpre- tação que se tencione minimamente neutra e imparcial. Nesse sentido, Malinowski (1976), deixa três diretrizes metodológicas importan- tes que todo pesquisador deve observar antes de arremessar-se ao trabalho de campo. São elas: a) o pesquisador deve ter objetivos ge- nuinamente científicos e deve conhecer bem as teorias antropológicas; b) assegurar boas condições de pesquisa: viver entre os nativos e aprender a língua deles; c) aplicar métodos es- peciais de coleta (informantes), manipulação e registro de evidências (diário de campo). BOX 2 Os Argonautas do Pacífico Ocidental [...] consistem, sobretudo, em isolar-se da companhia de outros homens brancos e em permanecer em contato tão estreito quanto possível com os nativos, o que, na realidade, só pode ser alcançado pela residência efetiva em suas aldeias. [...] Há uma grande diferença entre uma estada esporádica em companhia dos nativos e estabelecer um contato verdadeiro com os mesmos. O que quer dizer isto? Do ponto de vista do etnógrafo, significa que sua vida na aldeia, que a princípio era uma aventura estranha, às vezes desagradável e às vezes intensa- mente interessante, logo adquire um curso natural, em perfeita harmonia com os seus arredo- res. [...] Logo depois que me instalei em Omarakana comecei, de certa forma, a tomar parte na vida da aldeia, a buscar quais acontecimentos importantes e festivos, a adquirir um interesse pessoal no diz-que-diz e no desenrolar das ocorrências da pequena aldeia; o acordar cada ma- nhã para um dia que se apresentava mais ou menos como se apresenta para o nativo. Saía do meu mosquiteiro para encontrar ao meu redor a vida da aldeia principiando a desdobrar-se, ou os indivíduos já bem adiantados nas suas tarefas diárias, de acordo com a hora e também com a estação, pois eles se levantam e começam as suas labutas cedo ou tarde, segundo o trabalho exige. Durante o meu passeio matinal pela aldeia, podia observar os íntimos deta- lhes da vida familiar, a higiene, a cozinha, as refeições; podia ver os preparativos para o dia de trabalho, as pessoas saindo para atender aos seus interesses, ou grupos de homens e mulhe- res ocupados em algumas tarefas manufatureiras. Disputas, piadas, cenas familiares, eventos usualmente triviais, às vezes dramáticos, mas sempre, significativos, formavam a atmosfera da minha vida diária, assim como da deles. Fonte: MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 43 (Os Pensadores). 1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cultural Estudamos nas subunidades 1.2 e 1.3 que Antropologia é a Ciência que se ocupa da di- versidade da cultura humana, especialmente questionando sobre o inato e o adquirido, ou seja, o que é da natureza do homem e o que é adquirido, construído pelo meio sociocultural. Nesse sentido, foi exatamente a ampliação dos conhecimentos acerca dos diversos modelos culturais da humanidade que possibilitou às Ciências Sociais algumas retificações sobre o que consideramos como sendo natural. Assim sendo, desde os tipos de comida aceitáveis para cada sociedade, quem consideram como parente, as vestimentas ou tarefas de homens e mulheres, até suas formas de expressar a dor ou o que os indivíduos classificam como sen- do sagrado, passa a interessar à Antropologia nessa constante busca por compreender a AtiVidAde Leia o texto a seguir e depois comente e es- creva sobre a diferença entre o trabalho de campo e os relatos de missionários, soldados e viajantes. Vá até o fórum de discussão e deixe seu comentário. 23 Ciências da Religião - Antropologia Cultural natureza humana e sua enorme diversidade cultural. Ao travar contato com essa gama de diferentes comportamentos, começamos a questionar hábitos que antes considerávamos naturais e a percebê-los como construções de uma cultura específica, a nossa. Então um dos conceitos mais básicos da teoria antropológica diz respeito ao concei- to de cultura. É claro que antes devemos es- clarecer que a concepção de cultura adotada pela Antropologia não tem o mesmo sentido que a utilizada pelas pessoas comuns em seu cotidiano, no qual cultura está relacionada a apresentações artísticas, grau de conhecimen- to, erudição acumulada, dentre outros, pois isso nos dirige à perspectiva de que algumas pessoas seriam detentoras de cultura e outras não. A grosso modo, podemos dizer que em Antropologia a cultura está relacionada a for- mas de agir, pensar e sentir. Desse modo, é algo que se aplica a todas as pessoas e socie- dades, sendo impensável, para a perspectiva antropológica, dizer que existem indivíduos sem cultura. O primeiro autor a formular o conceito de cultura foi Edward Tylor, em 1971, quando pu- blicou o livro Primitive Culture. Em sua obra, o autor sintetiza o termo germânico Kultur (liga- do à espiritualidade de uma sociedade) e o ter- mo francês civilization (que define realizações materiais) com o intuito de compreender as re- lações estabelecidas em uma dada sociedade a partir da expressão Culture (LARAIA, 2005). A principal contribuição do desenvolvi- mento de um conceito de cultura, à luz dos ensinamentos de Tylor, foi evidenciar o cará- ter de aprendizado da cultura em detrimento às ideias de natureza humana, de inato. As- sim, Tylor (1958, p. 01) define que cultura “[...] é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”. Cultura, então, passa a ser vista como tudo que aprendemos como elementos de uma certa coletividade, mediante processos de so- cialização. Cabe ressaltar, contudo, que a defi- nição de Tylor (1958), partiu de uma premissa evolucionista, portanto continua no interior de uma perspectiva altamente hierarquizada, não pluralista e não relativista, visto que o autor enxergava todas as culturas como estágios de evolução de uma únicacultura. A situação da cultura entre as várias so- ciedades da humanidade, na medida em que possa ser investigada segundo princípios ge- rais, é um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas uniformes; de outro, seus vários graus podem ser vistos como estágios de desenvolvimento ou evolução [...] (LARAIA, 2005). Assim, pode- mos dizer que, desde o século XIX, a Antropo- logia construiu e se apropriou do conceito de cultura. Também percebemos que desde sua constituição até os dias atuais um vigoroso deslocamento conceitual perpassa a comu- nidade antropológica, que ainda se descobre interpretando e procurando um melhor en- tendimento sobre esse conceito. À vista disso, como nos demonstra Laraia (2005), continuam existindo agudas discordâncias entre as mais variadas conceituações de cultura. Kroeber e Kluckon, dois antropólogos, compilaram nada mais nada menos que impressionantes 164 definições distintas de cultura. Todavia, para nossos propósitos, nos cen- traremos em pensar a cultura como sendo um sistema organizado, afugentando assim a perspectiva da cultura como um amontoado de leis, valores, crenças, moral, sem nenhuma ligação entre si. Isso quer dizer: refletir o “todo complexo” de Tylor enxergando-o como uma totalidade interligada, dotada de coerência, organização e lógica próprias. A partir desse horizonte, a cultura pode ser pensada como um conjunto de regras e códigos que direcio- nam as ações coletivas das populações, bem como lhes fornecem significados para inter- pretarem suas realidades. Por fim, compre- endendo a cultura sob esse prisma, torna-se possível notar que toda cultura possui lógica e organização próprias, superando assim a con- ◄ Figura 13: Cultura: um conceito antropológico. Roque de Barros Laraia. Fonte: Google Search. Disponível para down- load em: < https://www. google.com.br/search?q= cultura+um+conceito+a ntropol%C3%B3gico&ie>. Acesso em 29 jul. 2013. 24 UAB/Unimontes - 1º Período jectura de que as culturas diferentes da nossa são monstruosidades bizarras e irracionais. Veremos agora dois conceitos que são fun- damentais para a teoria antropológica, e que estão intimamente relacionados ao conceito de cultura, pois materializam por meio de ati- tudes em relação às formas de pensar, sentir e agir do outro. Tais materializações serão, por- tanto, pensadas a partir do conceito de Etno- centrismo e o conceito de Relativismo Cultural. 1.4.1 Etnocentrismo Como vimos, o homem sempre travou contatos com a alteridade ao longo de sua história. Vimos, também, que em grande parte das vezes o outro era visto como uma aberração. É a essa tendência de classificar o outro a partir de nossos próprios valores que os antropólogos chamam de Etnocentrismo. De uma forma mais sistematizada, de acordo com Herskovits (1963), o etno- centrismo consiste em ser “[...] o ponto de vista segundo o qual o próprio modo de vida de al- guém é preferível a todos os outros”. Nas palavras de Everardo Rocha: Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No pla- no intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença, no plano efetivo, como sentimento de estranheza, medo, hostilidade, etc. Pergun- tar sobre o quê é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocio- nais e afetivos. No etnocentrismo residem dois planos do espírito humano: sen- timento e pensamento vão compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontráveis no dia-a-dia das nossas vidas. (EVERARDO ROCHA,1999, p. 7). Portanto, caro(a) acadêmico(a), você é ca- paz de concluir que o etnocentrismo é uma concepção que nos leva a colocar nossos valo- res e características culturais como modelo de normalidade, como sendo natural. Além disso, o etnocentrismo é um sentimento corriqueiro entre todos os seres humanos, uma vez que é resultado da socialização de um indivíduo no interior de uma cultura específica. Em certo sentido, o etnocentrismo tem valores positivos, uma vez que contribui para a solidificação dos laços sociais que unem o grupo, pois valoriza suas características compartilhadas em oposi- ção a outras coletividades. Contudo, cabe sa- lientar que quando o etnocentrismo justifica ações para deteriorar ou aviltar outras culturas ele passa a ser uma vicissitude. Temos vários exemplos disso na história, a colonização eu- ropeia na América, o apharteid na África do Sul, o tratamento dispensado pelos nazistas às pessoas não arianas, para citar apenas alguns. Agora que você sabe o que é etnocentrismo, reflita sobre alguns exemplos que não men- cionamos. Para ajudar, pense: qual é o melhor time de futebol do Brasil? Pensou? Baseado em que você escolheu esse time? Você já defendeu algum time e não percebeu que por algum motivo particular você o fez? Se sim, o etno- centrismo é parte integrante do ser humano e trata-se do primeiro encontro com o diferente; muitas vezes nem percebemos que estamos praticando. Porém, somente a forma hostil, desrespeitosa com a qual os indivíduos mani- festam esse encontro é que vai gerar as violên- cias físicas e simbólicas. Caso você não tenha escolhido um time por preferência, discuta com os colegas e tente observar quais as prá- ticas que vocês realizam e que antes não con- sideravam como sendo uma característica do etnocentrismo. A própria Antropologia nasce etnocêntrica e, ao perceber que essa não era a melhor forma de lidar com a diversidade, essa Ciência busca, paulatinamente, compreender o outro em sua dimensão de riqueza, aspecto esse que estudaremos a partir de agora. E en- tão, vamos continuar as nossas reflexões? 1.4.2 Relativismo cultural Discutimos que a avaliação que fazemos de culturas distintas da nossa são elabora- das a partir de nossa experiência, ou seja, ela é informada por nossa própria lógica cultural. Lembra da pergunta que fizemos agora a pou- co? Qual o melhor time de futebol? Contudo, é a partir de uma ampliação do conhecimento sobre a existência de padrões de comporta- mentos diferentes que tem feito com que os homens reflitam um pouco mais sobre a na- turalização desses mesmos comportamentos. Isso vem contribuindo para que um novo po- diCA “Para os evolucionistas do século XIX a evo- lução desenvolvia-se através de uma linha única; a evolução teria raízes em uma unidade psíquica através da qual todos os grupos humanos teriam o mes- mo potencial de desen- volvimento, embora alguns estivessem mais adiantados que outros. Esta abordagem unili- near considerava que cada sociedade seguiria o seu ouso histórico através de três estágios: selvageria, barbaris- mo e civilização. Em oposição a essa teoria, e a partir de Franz Boas, surgiu a ideia de que cada grupo humano desenvolve-se através de caminho próprio, que não pode ser sim- plificado na estrutura tríplice dos estágios. Esta possibilidade de desenvolvimento múlti- plo constitui o objeto da abordagem multili- near”. (LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2005., p. 59). PArA SABer MAiS Para ampliar os conhe- cimentos sobre o tema abordado, assista ao filme “Mister Johnson: no coração da África”. Direção: Bruce Beres- ford. EUA, Baseado no romance de Joyce Cary. Na trama, Johnson apresenta-se como uma pessoa negra que assimilaas normas da cultura branca e acaba agindo de maneira et- nocêntrica em relação à sua própria cultura. 25 Ciências da Religião - Antropologia Cultural sicionamento a respeito das diferenças, e que procura reconhecer suas especificidades como legítimas, façam parte permanente da relação entre o “grupo do eu” e o “grupo do outro”. Assim sendo, o Relativismo Cultural pode ser considerado como ideologia que, ao reco- nhecer os padrões fixados em cada socieda- de para dirigir sua própria existência, sustenta que cada conjunto de costumes possui legi- timidade e reforça a necessidade da tolerân- cia perante organizações diferentes da nossa (HERSKOVITS, 1963). Quem também tece considerações in- teressantes sobre essa noção de relativismo cultural é Salhins (2004), quando pondera que a própria prática antropológica se torna- ria infrutífera sem a postura relativista. Dito de outra forma, esse autor coloca que a com- preensão genuína do outro perpassa por uma atitude de respeito e uma busca para elaborar um mínimo de imparcialidade e neutralidade, pois apenas nos despindo de nossos próprios valores é que conseguiremos, de certo modo, estar no lugar do outro. Esse ponto é essencial, pois, como podemos perceber, o relativismo para esse pensador não se constitui apenas em uma postura, mas em um método do fazer antropológico. Segundo Salhins: O relativismo cultural é, antes de mais nada e sobretudo, um procedimento an- tropológico interpretativo – ou seja, metodológico. Ele não consiste no argu- mento moral de que qualquer cultura ou costume é tão bom quanto qualquer outro, se não melhor. O relativismo é simples prescrição de que, para que pos- sam tornar-se inteligíveis, as práticas e ideais de outras pessoas devem ser “res- situadas em seus contextos históricos, e compreendidas como valores posicio- nais no campo de suas próprias relações culturais, antes de serem submetidas a juízos morais e categóricos de nossa própria lavra”. A relatividade é a suspensão provisória dos próprios juízos de modo a situar as práticas em pauta na ordem cultural e histórica que as tornou possíveis. Afora isso, não se trata de forma al- guma de uma questão de advocacia [grifos nossos]. (SALHINS, 2004, p. 59). Independente de pensar o relativismo como uma atitude ou mesmo como método, podemos notar que se constitui em uma pos- tura diferente do etnocentrismo, quase con- trária. Essa postura configura-se na busca por tentar compreender que cada cultura possui suas singularidades e que elas são derivadas de elementos sócio-históricos complexos que influenciaram e influenciam a identidade de seus integrantes. Nesse sentido, torna-se im- pensável a existência de culturas superiores e inferiores, pois cada uma delas tem seus cri- térios e conceitos que estruturam valores, re- gras, etc. Quer dizer, cada cultura sabe o por- quê valoriza sua organização, seu modo de vida. Isso implica no fato de que, para compre- endermos realmente uma cultura, precisamos reconhecer e respeitar a existência do outro como sendo diferente e não como uma varian- te inferior do eu. Convém, ainda, acrescentar que isso significa enxergar que a cultura da qual somos fruto é apenas uma possibilidade de organização social, meramente mais uma entre várias. Pensando nisso, estudaremos, a partir de agora, as sociedades que outrora foram consi- deradas primitivas com o intuito de analisar os conceitos basilares da Antropologia, para que você consiga compreender, de maneira crítica, as diferenças sociais e culturais que compõem a humanidade e, também, entender as diversi- dades étnicas e culturais. Além disso, objetiva- mos localizá-lo na problemática capital da An- tropologia como Ciência do outro, ou ainda, Ciência das diferenças. Aspectos esses que são de suma importância para a sua formação em Ciência da Religião. Embora você tenha consci- ência de que essa diversidade não é primitiva nos moldes que o evolucionismo tratou, ainda assim usaremos o termo, pois a bibliografia consultada traz essa nomenclatura. Trata-se, portanto, de um mecanismo de distinção uti- lizado pelos autores para analisar uma cultura que não a europeia, estadounidense e tantas outras sociedades capitalistas. Daí a perma- nência do uso do termo, apesar de alguns au- tores preferirem a seguinte grafia: “sociedades pré-capitalistas”. Referências Aires, Almeida, org. (2003) epistemologia. In:___ Dicionário Escolar de Filosofia. Lisboa: Plátano. Versão online: http://www.defnarede.com/a.html. BRANDÃO, CARLOS RODRIGUES. Reflexões sobre como fazer trabalho de campo. revista socie- dade e cultura, v. 10, n. 1, JAN./JUN. 2007, p. 11-27, 2007. diCA A antropóloga Rita Laura Segato em seus estudos sobre direitos humanos aponta que existe um conflito entre a ética a moral e a lei para a compreensão das populações ditas primitivas. Isso porque, segundo a referida autora, os direitos uni- versais tomam como pressupostos a relação da dignidade da pessoa humana segundo preceitos ocidentais. Diante disso, povos que possuem costumes diferentes acabam sendo acometidos a interpretações etno- cêntricas. Não obstante, Segato (2006) aponta o relativismo cultural como uma forma de mediação do conflito entre ética, moral e lei (SEGATO, 2006). 26 UAB/Unimontes - 1º Período CASTRO, Celso (org.). evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. COPANS, J. et al. Antropologia: ciência das sociedades primitivas? Lisboa: Edições 70, 1971. DANÇA com Lobos. Direção: Kevin Costner, Estados Unidos. Warner Home Video, 1990. DVD (180 min), color. DA MATTA, Roberto. relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Roc- co, 1987. DAMATTA, Roberto. relativizando: uma introdução à Antropologia Social. 6 ed. Rio de Janeiro: Rocca, 2000. EVANS-PRITCHARD, E. E. Evans. Os nuer. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1999 (Série Estudos Antro- pologia). FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. HERSKOVITZ, Melville. O Problema do Relativismo Cultural. In:___. 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Cons- tatamos, também, que ainda que possamos considerar a Antropologia como sendo fruto dessa curiosidade do homem sobre a diferen- ça, falar da constituição de uma Ciência antro- pológica é pensar em uma época muito mais recente, que engloba o final do século XVIII e o século XIX. Concordando com esse raciocínio, discu- timos como a Antropologia se institui como Ciência e como ela adquire identidade ao de- finir seu objeto de estudo: as sociedades ditas primitivas. E, posteriormente, percebemos o paulatino desaparecimento desse objeto; a maneira com a qual a Antropologia refluiu para dentro de sua própria cultura e debateu sua singularidade em termos de método, ou seja, o olhar que lançava sobre seu objeto e agora o homem em sua totalidade. Por fim, pondera- mos sobre as ramificações da Antropologia; so- bre a especificidade da Antropologia Cultural no interior da Antropologia Geral; e, também, discorremos sobre a especificidade de seus métodos, que procuram além de conviver com o nativo de forma duradoura, dar-lhe voz. Isto é, analisar e interpretar a cultura do nativo sob o ponto de vista do próprio nativo. Nessa direção, trataremos, nesta segunda unidade, quais foram as relações da Antropo- logia com seu primeiro objeto: as sociedades primitivas ou selvagens. Como se deram essas interpretações, que sentidos de organização foram captados? Posto isso, abordaremos al- gumas contribuições específicas dessa Ciência na interpretação das sociedades primitivas no que diz respeito às suas crenças, seus valores, normas, regras, enfim, sobre a organização social da sociedade primitiva, bem como ela adquire sentido. Para tanto, o nosso primeiro intuito é definir dentro de uma perspectiva antropológica quais são as características, os traços de uma sociedade dita selvagem. Dito de outra forma, analisaremos quais foram (e são) os critérios usados para classificar uma so- ciedade como sendo primitiva, selvagem, ou ainda como se diz correntemente em antropo- logia, uma sociedade simples. Posteriormente, estudaremos como a An- tropologia compreende as relações que os nati- vos estabelecem entre si em diversas esferas da vida social. Assim sendo, examinaremos como as relações de parentesco formam percebidas pelos antropólogos; quais lógicas estão subja- centes às classificações das linhagens de des- 28 UAB/Unimontes - 1º Período cendência; como os nativos compreendem suas obrigatoriedades parentais e em que medida se sujeitam a elas. Observaremos, também, quais são as racionalidades que conferem significa- ção às trocas econômicas; como os nativos con- cebem o intercâmbio de bens, a que preceitos sociais as trocas estão atreladas; enfim, qual é a concepção de comércio que permeia suas vi- das. Por último, traçaremos um panorama das consequências da expansão colonial européia, analisando-a, especialmente, sob as luzes de dois conceitos já tratados aqui: o etnocentris- mo, que nesse contexto podemos chamar de eurocentrismo, e o relativismo cultural. De posse dos temas que abordaremos na Unidade 2, apresentamos em seguida os títu- los das subunidades: 2.1 Introdução; 2.2 Conceituando as sociedades primitivas; 2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco; 2.4 As trocas econômicas; 2.5 Expansão colonial e suas consequên- cias para os povos não ocidentais. Agora que já conhece as divisões desta Unidade, você está pronto para uma nova ca- minhada intelectual no campo da Antropolo- gia? Então vamos nessa! 2.2 Conceituando as sociedades primitivas As sociedades ditas primitivas consistem naquelas que, a princípio, são consideradas como possuidoras de uma organização social homogênea, ou seja, muito mais simples que as sociedades ditas complexas ou industriais. Como pondera Lienhar- dt (1965), são populações cujas comunidades se aglomeram em pequena escala, ocupam territórios limitados, e a amplitude das relações sociais são simples, especialmente se comparadas às sociedades mais avançadas, com tec- nologia mais desenvolvi- da e maior especialização e diversidade de funções sociais. Ainda sob o prisma de Lienhardt (1965), foi nesse sentido que os antropólogos investiram nos estudos dessas sociedades, pois acreditavam que, ali, as peculiaridades essenciais das instituições sociais estariam mais evidentes que nas socie- dades modernas. Concordando com essa assertiva, mas aprofundando a concepção de sociedade sim- ples, Clastres (2004) argumenta que embora a sociedade primitiva seja não dividida, homo- gênea e ignore diferenças entre ricos e pobres, ou exploradores e explorados, isso não é o fundamental para distingui-las das sociedades complexas. O essencial é, sobretudo, que a so- ciedade simples desconhece a divisão política entre dominantes e dominados; dito de outra forma, é uma sociedade sem Estado. Do ponto de vista de Clastres (2004), a falta de percep- ção acerca de relações antagônicas, explora- dor/explorados, sempre intrigou os ocidentais, visto que desde a antiguidade grega sempre se admitiu a oposição entre dominantes e dominados (no sentido político) como sendo uma marca intrínseca da sociedade humana. Assim sendo, as primeiras visões sobre as so- ciedades simples acabavam por classificá-las como uma massa uniforme dirigida por instin- tos e sem qualquer racionalização sobre sua própria organização social. Na mesma direção de Clastres (2004), em Sahlins (1983) encontramos o seguinte escla- recimento: em termos amplos a discrepância entre sociedades complexas e primitivas resi- diria na mesma dicotomia entre paz e guerra, respectivamente. Isso porque a complexida- de da sociedade moderna depende da lei e da ordem institucional para a manutenção de uma ordem, ao passo que as sociedades sim- ples viveriam em um “estado de natureza”. Observamos, portanto, a definição de uma sociedade complexa nas palavras do próprio Sahlins: Mais analiticamente, um Estado ou uma sociedade civilizada é uma socieda- de na qual: 1) existe uma autoridade pública oficial, um conjunto de serviços da sociedade como um todo conferindo poder de governar sobre a socieda- de como um todo; 2) “sociedade como um todo”, o domínio dessa autoridade governante é territorialmente definida e subdividida; 3) a autoridade reinante monopoliza a soberania – nenhuma outra pessoa ou assembleia pode por di- reito usar o poder (ou força) exceto através de delegação, permissão ou con- PArA SABer MAiS Lévi-Strauss(1997), em seu livro “O Pensa- mento Selvagem”, publicado em 1962, critica veementemente a nomenclatura de “sel- vagem” atribuída à po- pulação não européia, conforme discutiremos nesta Unidade. Por- tanto, para aprofundar sobre essa temática, sugerimos a leitura des- ta obra de Lévi-Strauss. (LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selva- gem. 2 ed. Trad. Tânia Pellegrini. Campinas/ SP: Papirus, 1997.) ▲ Figura 14: Pierre Clastres (à direita) junto com o cacique mbya-guaraní, Angelo Garay. Fonte: Casa de Vidro. Disponível em:<http:// acasadevidro.wordpress. com/2012/09/25/o-narci- sismo-dos-povos-patrio- tarios-clastres-todorov- -em-choque-com-o-etno- centrismo/>. Acesso em 29 jul. 2013. 29 Ciências da Religião - Antropologia Cultural sentimento do soberano; 4) todas as pessoas e grupos do território são como tal – em virtude da residência no domínio – súditos do soberano, de sua jurisdi- ção e coerção. (SAHLINS,1983, p. 16): Sendo assim, a dicotomia entre guerra e paz seria insuficiente para distinguir socieda- des simples e complexas, uma vez que todo o sistema de parentesco ou as regras de tro- cas econômicas repousam em uma complexa estrutura de normas e regras que contribuem para coibir o conflito entre as sociedades pri- mitivas. Lienhardt (1965) utiliza-se da mesma argumentação quando explica que as labirín- ticas estruturas de parentesco e de obrigações sociais atendem às mais diversas funções e têm por finalidade a manutenção da convi- vência pacífica e organizada entre as socieda- des simples. Nesse sentido, como afirma Lévi- -Strauss (1967, p. 122) “Um povo primitivo não é um povo ultrapassado ou atrasado; num ou noutro domínio pode demonstrar um espíri- to de invenção e realização que deixa muito aquém os êxitos dos civilizados”. É claro que a ideia de reduzir a diversida- de das culturas humanas às cópias atrasadas da civilização ocidental se choca com uma dificuldade: todas as sociedades possuem his- tória. E, para admitir que cada uma delas seja uma etapa do desenvolvimento de outras, te- ríamos que consentir que enquanto em algu- mas sociedades muitas coisas aconteciam, em outras nada ocorria. Em geral, com exceção de algumas sociedades (como as da América), to- das as sociedades possuem uma história que é basicamente da mesma grandeza. Porém, como nos lembra Lévi-Strauss (1967, p. 123); “A história desses povos nos é totalmente desco- nhecida e, devido à ausência ou pobreza de tradições orais e vestígios arqueológicos, nun- ca será atingida: não poderíamos daí concluir sua inexistência”. Diante do exposto, cabe ressaltar a im- portância de um dos maiores pesquisadores que contribuiu para romper com a ideia de etapas de evolução, ou, ainda, que as socieda- des ditas primitivas consistem em etapas an- teriores da sociedade européia, a saber, Franz Boas. Você lembra das discussões que proferi- mos na Unidade 1? Sobre o desenvolvimento do conceito de cultura? Que para refletir sobre o outro se fez necessário romper com ideia de estágios de evolução? Então, vamos repensar um pouco mais sobre esse aspecto para rati- ficar o que acabamos de estudar sobre o pen- samento de Sahlins (1983), Lienhardt (1965) e Lévi-Strauss (1967) acerca das sociedades sim- ples e complexas. O alemão naturalizado americano, Franz Boas, pensou a cultura como um emaranhado de relações, sendo que os indivíduos e grupos criariam para essas relações soluções, media- ções, ou formas de convivência particulares. Segundo esse antropólogo culturalista, estu- dar uma cultura é perceber a sua totalidade e considerar as maneiras com as quais cada uma delas lida com o seu próprio desenvolvimento. Antes mesmo de Malinowski ou Lévi-Strauss, Franz Boas instituiu as primeiras observações diretas com as sociedades ditas primitivas, quando estabeleceu, por um ano, contato ín- timo com os esquimós, os Inuit, da Ilha de Ba- ffin. Tal experiência possibilitou ao antropólo- PArA SABer MAiS Para conhecer um pouco mais sobre a perspectiva de Pierre Clastres sobre paz e guerra, recomendamos a leitura do artigo “A sociedade contra o Estado”, disponível em: https://we.riseup.net/ assets/71282/clastres- -a-sociedade-contra-o- -estado.pdf>. ▲ Figura 15: O Antropólogo Claude Lévi-Strauss. Fonte: Enciclopédia Britannica. Disponível em:<http:// www.britannica.com/EBchecked/media/141902/Claude- -Levi-Strauss-2001>. Acesso em 29 jul. 2013. ◄ Figura 16: Franz Boas em campo com trajes esquimó. Fonte: Das Boas- -Projekt. Disponível em: <http://www.franz- -boas.de/content/index. php?n=7&c=71>. Acesso em 29 jul. 2013. GLOSSáriO difusionismo: pers- pectiva teórica que ver- sa sobre as diferenças das sociedades a partir da ideia de mudança e progresso segundo a apropriação de traços de uma cultura pela outra. Esses traços são aperfeiçoados e trans- feridos pela cultura que o adquiriu, daí a ideia de difusão (AIRES, 2003). 30 UAB/Unimontes - 1º Período go um interesse sobre a Geografia Cultural e o direcionou para a compreensão do papel da tradição social e suas interfaces com os com- portamentos humanos. Em outras palavras, como a cultura pode ser determinada a partir de uma tradição cultural (LAPLANTINE, 2000). As reflexões de Franz Boas trouxeram à baila um questionamento crítico sobre os métodos difusionistas e evolucionistas, pois pensou as culturas humanas como diversas e plurais. Logo, a difusão não seria suficiente para pensar tal diversidade. Além disso, su- geriu que a comparação entre as culturas so- mente poderia ser realizada entre sociedades que possuíssem as mesmas leis, isto é, estudar sociedades que possuíssem o mesmo concei- to de parentesco ou economia, por exemplo. Assim, Franz Boas inaugurou duas tarefas para Antropologia: a) reconstruir “a história de po- vos ou regiões particulares”; b) comparar “a vida social de diferentes povos, cujo desenvol- vimento segue as mesmas leis” (LAPLANTIE, 2000, p.35). Desse modo, a “História da Humanidade” perdeu o “H” maiúsculo e passou a ser estuda- da com “h” minúsculo. Consequentemente, o conceito de “homem” perdeu a característica de universal, ou seja, falamos, portanto, em “homem” com “h” minúsculo devido à influên- cia do impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem. Outro argumento utiliza- do por Franz Boas para os estudos das culturas consistiu na relação que o autor fez com diver- sas áreas do conhecimento. Assim, estudar as culturas, para o antropólogo, era pensar ora a língua que determinada sociedade falava; ora a personalidade dos indivíduos; ora a relação que mantinham com o ambiente no qual vi- viam; entre outros aspectos da totalidade da cultura em estudo. Não obstante, seus discí- pulos sofreram forte influência no fazer etno- gráfico. Como exemplo Gilberto Freyre e Mar- gareth Meed, só para citar alguns, e fundação de escolas como: Ambiente e Cultura; Persona- lidade e Cultura. Apesar de uma ampla discussão acer- ca das categorias que permeiam as culturas, Franz Boas, em suas obras, não fixa nitidamen- te um conceito para a cultura como fez Tylor, por exemplo. O pensamento de Franz Boas voltou-se mais para um levantamento de hi- póteses novas do que “torná-las sistematica- mente formuladas”. “Era um homem de deixar pistas férteis, instigante, inquieto, com interes- ses demasiadamente múltiplos para se conter num conjunto de ideias bem arrumadas e aca- badas” (EVERARDO ROCHA, 1988, 17). Agora você pode concluir que não so- mente o pensamento de Franz Boas contri- buiu, sobremaneira, para a mudança no pa- radigma acerca dos estudos das sociedades simples e complexas? Bem como a maneira com a qual os antropólogos engendraram seus estudos rumo ao relativismo cultural?Então, foram esses esforços que acabamos de estudar que possibilitaram à Antropologia uma compreensão sobre que tipo de compa- ração poderá ser feita em suas pesquisas, bem como interpretar as diversidades segundo o que cada cultura valoriza e concebe. O intuito aqui não foi o de negar que existem diferentes graus de desenvolvimento tecnológico entre diferentes culturas e nem dirimir o fato de que algumas sociedades alcançam uma complexi- dade e diversidade social maior que outras. Como demonstrou Lévi-Strauss (1967), poderíamos distinguir duas histórias sociais: uma progressiva que acumula suas aquisições somando-as, e outra, talvez igualmente inven- tiva, mas que não teria a característica cumu- lativa. Contudo, isso não significa que as so- ciedades não cumulativas (digamos, simples) e as sociedades cumulativas (digamos, com- plexas) constituam um só caminho do desen- volvimento humano, no qual a primeira seja a infância da segunda. Portanto, ainda que aceitemos, em diversos níveis, que as socieda- des primitivas possam ser consideradas mais “simples” em relação às sociedades modernas (complexas), partiremos do princípio de que sendo múltiplas as culturas dos seres huma- nos, são múltiplos, também, os caminhos que cada povo resolve trilhar no curso de seu de- senvolvimento. Estudamos a importância da substituição do termo cultura (no singular) por culturas (no plural), sendo que a partir desse pressuposto foi possível a construção de uma nova ideia acerca da diversidade cultural. Lembra que Franz Boas foi quem inaugurou a escola cul- turalista e proporcionou uma ampla discussão sobre as diversas categorias que poderiam ser incluídas no conceito de cultura? Assim sen- do, nas próximas subunidades examinaremos como a antropologia discutiu alguns dos sig- nificados que permeiam a cultura dos diversos grupamentos humanos, especialmente o que os membros desses grupamentos dizem a res- peito das relações de parentesco, e as modali- dades de trocas e intercâmbios econômicos. diCA Clifford Geertz, em sua obra “A Interpretação das Culturas”, descre- ve a importância do desenvolvimento de cultura para a compre- ensão de que o homem também é diverso. Assim, como Franz Boas, Geertz passou a interpretar a cultura em uma perspectiva de totalidade, refutando, portanto, a ideia de progresso e evolução do homem segundo o processo de hominiza- ção (GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989). PArA SABer MAiS Para conhecer sobre o estruturalismo de Lévi-Strauss, indicamos a leitura do artigo “O estruturalismo de Lévi- -Strauss: significação do estrutural inconscien- te”, escrito por Acílio E. Rocha. O trabalho está disponível em: http:// www.repositorium. sdum.uminho.pt/bits- tream/1822/8719/1/ Estr.L.S.pdf. GLOSSáriO endogâmico: relativo à endogamia; casamento entre pessoas que per- tencem à mesma tribo. exogâmico: relativo à exogamia; casamento entre pessoas que pertencem a tribos diferentes. 31 Ciências da Religião - Antropologia Cultural 2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco A união entre dois seres é um fenôme- no biológico. Contudo, o casamento é uma construção específica da sociedade humana, que tem por finalidade estabelecer laços en- tre pessoas e coordenar as obrigações de uns para com os outros, formando uma família. Assim sendo, de uma forma mais ampla, po- demos dizer que as relações de parentesco são similares, ainda que mais complexas, à nossa noção de família. Segundo Lienhardt (1965), nas populações mais tradicionais, o casamento é algo além da união de duas pessoas ou mes- mo de suas famílias adjacentes, formatando, na verdade, relações entre grupos inteiros, de maneira que qualquer casamento tem signi- ficações sociais de grande importância. Isto posto, podemos dizer que os tipos de relações de parentesco ou grupos de descendência se encontram organizados de acordo com os mais variados fundamentos. Segundo Sahlins (1983, p. 77), “A tribo é uma constelação de comunidades e relações entre comunidades.” As descendências po- dem ser dos mais diversos tipos, matrilineares, patrilineares ou cognatas, isto é, não unilinea- res. Pode acontecer mesmo de, em uma úni- ca tribo, existir a combinação funcional entre grupos patrilineares e matrilineares. Ademais, esses grupos de parentesco po- dem estar circunscritos ou espalhados; podem ser igualitários ou hierarquizados, endogâ- micos, exogâmicos ou agâmicos. Nesse senti- do, percebemos que existe uma considerável gama de combinações que permeiam a vida das populações ditas primitivas, e coordenam suas relações sociais de forma a organizar as interações e trocas sociais entre os diversos grupos. Vejamos alguns dos tipos organizacio- nais de parentesco e suas principais caracterís- ticas, discutidas por Sahlins (1983, 79-81): • Clãs Cônicos: possuem uma formação segmentada e hierarquizada. O tempo genealógico é a primeira regra de hie- rarquia desse clã; assim, as pessoas são classificadas conforme sua longitude do fundador da linhagem. Ramificações equivalentes, por exemplo, são categori- zadas a partir do posicionamento de seus correspondentes fundadores na genealo- gia do clã. Esse tipo de clã é, a priori, pa- trilinear. Contudo, existem também casos de valorização da descendência materna. Além disso, não são endogâmicos nem exogâmicos. “A tribo é formada por um ou vários desses clãs, organizados em uma ou (normalmente) várias chefias in- dependentes” (SAHLINS, 1983, p. 79); • Sistemas de Linhagem Segmentários: são sistemas descentralizados e igualitários, assemelhando-se aos Clãs Cônicos ape- nas na sua forma, pois em substância e função são muito distintos. Esse tipo de GLOSSáriO Matrilinear: “Diz-se de uma regra de filiação que determina que o indivíduo adquire os principais elementos do seu estatuto, e nomeadamente a sua inclusão num determi- nado grupo de paren- tesco, tendo exclusi- vamente em vista os laços genealógicos que passam pelas mulheres. Por extensão, diz-se igualmente matrilinear um grupo (linhagem, clã, etc.) cujo recruta- mento é determinado pela aplicação desta regra de filiação” (PA- NOFF; PERRIN, s/d). Patrilinear: “Regra que determina que o indivíduo receberá au- tomaticamente do pai os principais elementos do seu estatuto e, no- meadamente, que esse indivíduo pertencerá ao mesmo grupo de filiação (linhagem, clã, etc.) que o seu pai e o pai do seu pai” (PANO- FF; PERRIN, s/d). ◄ Figura 17: A recepção do Capitão Cook, em Hapaee, atualmente Polinésia. Fonte: Revista de História. Disponível em:<http:// www.revistadehistoria. com.br/secao/capa/ conquista-nada-pacifica>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS A resenha do livro de Sahlins “Ihas de His- tórias” trata de forma sucinta as ideias do antropólogo sobre a recepção do Capitão Cook. Recomendamos, portanto, a leitura do trabalho que está disponível em: <socio- logiaeantropologia.blo- gspot.com/.../normal-0- -21-false-false-false_1. 32 UAB/Unimontes - 1º Período sistema não é hierarquizado; em fato, além das camadas dos segmentos autônomos míni- mos, não existe organização ou liderança. Não existem políticas perenes de chefia ou regionais, mas sim negociações e arran- jos em momento de tensão. Sugere-se que essa formação é uma resposta adaptativa rápida às oportunidades de expansão geradas pela permanência de tribos fracas em territórios pró- ximos e desejáveis (SAHLINS, 1983); • Clãs Territoriais: esse tipo de clã assume e defende um espa- ço territorial definido no interior do qual vive a maior parte dos homens adultos. São geralmen- te de descendênciapatrilinear e tam- bém exogâmicos. Dentro do clã existem pequenos grupos de descendência, nos quais os indivíduos podem citar sua ge- nealogia até o fundador da tribo. Mas os Clãs Territoriais não apresentam a mesma relação que os Clãs Cônicos com sua ge- nealogia; assim sendo, os indivíduos e os segmentos não se encontram hierarqui- zados daquela forma. Ademais, não existe uma sistematização de cargos de chefia, mas sim líderes locais que re- presentam seus subclãs ou seus clãs em questões intergrupais (SAHLINS, 1983); • Clãs Dispersos: essa forma de clã é a mais comum, sendo encontrada em quase todos os continentes. Conquanto esteja baseado também em descen- dência comum, matrilinear ou patrilinear. Esse tipo de clã é bastante distinto dos que vimos anteriormente; é uma classe de pessoas, não coordenada, que possuem mesma ancestralidade, mas não agem como coletividade. Os membros desses clãs vivem espalhados e misturados com pessoas de outros grupos. As comunida- des locais, então, costumam ser compos- tas por diferentes linhagens de diversos clãs. Um aspecto interessante dessa for- mação é que como homens de uma mes- ma linhagem estão espalhados por diver- sos outros clãs, quando há encontros para trocas econômicas ou outras entre os clãs de diferentes locais, isso pode contribuir para facilitar as negociações e mesmo para formação de alianças. Todavia, ape- sar dessa separação, formam uma frater- nidade forte demais para casamentos, portanto são exogâmicos. Também são igualitários, ou seja, não existe a hierar- quização (SAHLINS, 1983); • Grupos de Descendência Local Cognáti- cos: são estruturas mais descentralizadas que os clãs, assim esse tipo de comunida- de é quase sempre maior do que o é de fato, e alguns de seus possíveis aderentes são componentes reais de outros grupos. Os grupos cognáticos não são exogâmi- cos nem endogâmicos e sua descendência pode ser tanto materna quanto paterna para legitimar seu pertencimento total ao grupo. Contudo, o usual é que a pessoa pertença ao lugar onde vive, portanto, ain- da que a dispersão de seus antepassados abra alternativas na escolha de residência, o indivíduo vai participar do grupo no qual se encontra. A filiação ao grupo é então uma combinação entre descendência e re- sidência (SAHLINS, 1983). Nesse emaranhado de configurações sociais, como nos mostra Lienhardt (1965), a predileção pessoal na escolha do par para o casamento é com frequência obliterada por convenções de importância pragmática, po- lítica e econômica. Isso não quer dizer que o amor, nos termos ocidentais, esteja completa- mente ausente dessas relações, mas sim que a finalidade precípua do casamento não é a companhia ou o prazer sexual, mas, primei- ramente, o nascimento de filhos legítimos. Nesse sentido, Sahlins (1983), demonstra que várias linhagens estão inteira e solenemente unidas pelas trocas de suas filhas. Portanto, as relações de parentesco suprimem possibilida- des de conflitos, estabelecem regras para tro- cas econômicas e criam normas matrimoniais que estipulam quais indivíduos podem casar com quais e que obrigações derivam dessas uniões. Assim sendo, o parentesco é um fun- damento para o pensamento humano paci- fico, visto que as relações de parentesco nas sociedades tribais podem ser representadas como uma outra forma de manter a ordem e buscar a paz. Ainda, como discute Lévi-Strauss (1967), essas relações estão transpassadas por princí- pios de reciprocidade e troca; assim, as oferen- das matrimoniais (o que chamamos de dote) são as mais comuns formas de trocas entre os grupos. Contudo, pode existir também a troca direta de filhas entre dois grupos, e cada uma dessas filhas se tornará esposa em sua nova residência. De uma maneira inteligível o au- tor demonstra que o sistema de trocas mais simples ocorre em comunidades formadas por apenas dois grupos onde seja proibido o casamento dentro do mesmo grupo, assim, ▲ Figura 18: Sociedades Tribais. Fonte: Sebo do Messias. Disponível em: <http:// sebodomessias.com.br/ sebo/detalheproduto. aspx?idItem=68768>. Acesso em 29 jul. 2013. ▲ Figura 19: Marshall Sahlins Fonte: Michiganto Day. Disponível em:<http:// michigantoday.umich. edu/01/ Sum01/mt5s01.html>. Acesso em 19 mai. 2013. 33 Ciências da Religião - Antropologia Cultural portanto, o grupo A deveria trocar suas mu- lheres com o grupo B. Quando o número de grupos aumenta, as regras tendem a ficar mais complexas. Nesse caso, o grupo A pode ceder mulheres ao grupo B, mas somente poderia recebê-las do grupo C, enquanto o grupo B poderia enviar mulheres ao grupo C e assim sucessivamente. É claro que aqui estamos ci- tando apenas um simplificado exemplo das possibilidades das relações de parentesco. Lienhardt (1965), ponderando sobre a abrangência das relações de parentesco na vida das sociedades ditas primitivas, ainda ar- gumenta que elas não são apenas doutrinas fundamentais das relações econômicas, jurídi- cas e políticas dessas sociedades, mas contri- buem, também, para delimitar conceitos liga- dos à moralidade e até mesmo a questões de ordem religiosa. Dito de outro modo, esse ele- mento moral e religioso pode ser percebido não apenas nas oferendas e rituais que circun- dam as trocas matrimoniais, mas na percepção que na base mesmo de qualquer sistema de parentesco está uma proibição religiosa, a do incesto, pois é essa proibição que as relações de parentesco estabelecem para seus mem- bros no exato momento em que constroem categorias de mulheres com as quais os ho- mens podem ou não podem casar-se. Nesta subunidade, discutimos de forma introdutória as representações dos sistemas de parentesco na vida social das sociedades ditas primitivas. Percebemos que tais socie- dades se desenvolvem de várias formas entre os diversos grupos, mas que estão ligadas a preceitos muito maiores que dizem respeito à organização social e às obrigações de cada indivíduo ou grupo para com os outros. Assim sendo, constatamos que a delimitação de pes- soas “proibidas” ou “permitidas” para o casa- mento encontra-se estreitamente ligada à ma- nutenção da ordem e da paz sociais. Portanto, de acordo Sahlins (1983, p.18) “[...] homens de tribo vivem em agrupamentos e comunida- des de parentesco dentro dos quais a briga é usualmente suprimida [...]”. Vimos também que essas organizações prestam-se a um pa- pel moral e religioso, na medida em que são AtiVidAde Assista ao filme “Mes- sias do Mal”, baseado em fatos reais de uma comunidade cujo líder (Roch Thérault) man- tém relações poligâ- micas de matrimônio e, portanto, foge aos padrões estabelecidos nos Estados Unidos da América. Na trama, e na vida real, Roch Thérault pratica rituais para rati- ficar o seu status social, o que gera mutilações físicas, mortes e uma sentença. Em seguida, poste no fórum de discussões como você interpretou as relações de parentesco. MESSIAS do Mal. Direção: Mario Azzopardi. Canadá, Flashstar, 2002. DVD (94 mim), color. O material está dis- ponível no endereço eletrônico: http://www. telona.org/messias-do- -mal-dvdrip-xvid-rmvb- -dublado/. ◄ Figura 20: Divindade e experiência: a religião Dinka estudada por Godfrey Lienhardt. Fonte: Facebook Godfrey Lienhardt. Disponível em: <https://www.facebook. com>. Acesso em 29 jul. 2013. 34 UAB/Unimontes - 1º Período regras proibitivas do incesto. “O incesto está incluído entre as transgressões que resultam na perda da condição humana e destroem a ordem humana e divina” (LIENHARDT, 1965, p. 124). Nessa direção, continuando nossas análises sobre as instituições que atravessam e compõem a vida social das sociedades ditas primitivas, selvagens ou simples, estudaremosa partir de agora suas relações econômicas. O intuito é perceber quais são as racionalidades que dão sentido às suas trocas, assim como suas concepções de prestígio ou riqueza; en- fim, como essas sociedades executam e com- preendem as trocas econômicas. 2.4 As trocas econômicas A organização econômica diz respeito à maneira com a qual as pessoas ou grupos ad- quirem, gerenciam, utilizam e comercializam seus bens e recursos. Está intimamente ligada com a organização social, existindo em todas as sociedades, mesmo nas consideradas mais simples. De acordo com Marconi e Presotto (2006), por esse motivo as primeiras obser- vações sobre a economia e suas diferenças nas diversas culturas seguiram a lógica evo- lucionista. Tal perspectiva elabora um quadro no qual as economias seriam colocadas em estágios de desenvolvimento, sendo as so- ciedades industriais as mais evoluídas. Contu- do, com o amadurecimento da Antropologia, bem como a intensificação dos trabalhos de campo, assim como estudados na Unidade 1, e, também, nas subunidades anteriores, di- versas foram as informações coletadas que apontavam para uma complexidade muito maior das relações econômicas. Para Lienhardt (1965), os aspectos eco- nômicos podem ser mais visíveis nas socieda- des simples por não estarem transpassados por um complexo sistema financeiro ou fis- cal. Contudo, nem por isso poderíamos inferir que esses sistemas são rudimentares simpli- ficações do sistema ocidental. Nesse sentido, afirma o autor supracitado que os antropó- logos devem ficar atentos às características do comportamento social e econômico das tribos que normalmente funcionam por lógi- cas distintas das que interessam à economia moderna. Isto é, existem paradigmas que se baseiam muito mais em um status social do que propriamente no ganho pessoal. Nesse sentido, a troca de presentes, a ajuda bilateral entre parentes, vizinhos e amigos, os rituais mágicos, bem como as festividades e exibi- ções se tornam motivações e finalidades da produção. Completando esse raciocínio, Lienhardt (1965) argumenta que, nas organizações so- ciais não industriais, a redistribuição da rique- za desempenha um papel muito importante nas formas como as tribos se relacionam so- cialmente. Dessa maneira, o que um indivíduo possui de excedente é utilizado para sanar as deficiências de seus amigos, parentes ou vi- zinhos, constituindo uma rede que tem por ▲ Figura 21: O gado: um dos sistemas de troca Dinka estudado por Godfrey Lienhardt. Fonte: Facebook Godfrey Lienhardt. Disponível em:<https://www.face- book.com>. Acesso em 29 jul. 2013. ▲ Figura 22: Capítulo do livro “A Religião Dinka”. Fonte: Facebook. Disponível em: <https://www.face- book.com/GodfreyLienhardt>. Acesso em 19 mai. 2013. 35 Ciências da Religião - Antropologia Cultural princípio corrigir as anomalias locais do pro- vimento de alimentação e tragédias individu- ais. Em alguns casos, ainda, essa redistribui- ção pode estar ligada a fatores religiosos que estipulam o valor da doação; assim, a religião também admite um caráter econômico. Nessa direção, Malinowski (1976), pondera que é um equivoco classificar a economia desses povos como sendo um “comunismo primitivo”, haja visto que as reivindicações nas relações desses povos nunca se encontram restritas às ideias de propriedade individual ou coletiva. Sahlins (1983), corroborando essa pers- pectiva, argumenta que as trocas nas socie- dades tribais infrequentemente estão base- adas em competição ou ganho, mas sim na construção de relações amistosas ou hostis que podem ser estabelecidas. Dessa manei- ra, podemos perceber que em uma elevada quantidade de transações tribais, o valor ma- terial não é valorizado, mas sim, e o que é mais prestigiado, as vantagens ‘relacionais’ que um negócio (ou troca) pode proporcionar. Pode acontecer, portanto, das duas partes trocarem quantidades idênticas de bens (inclusive que já possuem) para terminar contendas, estabe- lecer fraternidades sanguíneas ou acordar um matrimônio. Assim sendo, está claro um forte objetivo moral, no qual o mais importante não é o ganho material (exceto se for para a outra parte), mas sim a manutenção da paz, das re- lações harmoniosas entre as partes envolvidas. Ou seja, essas trocas constituem-se em estra- tégia social; configuram-se, portanto, em tra- tados de paz. Baseando-se em um raciocínio similar, Malinowski (1976), também nos chama a aten- ção para o fato de que o trabalho ou o esforço podem ser interpretados de distintas maneiras pelas mais diversas culturas, assim como os be- nefícios pretendidos, que frequentemente não são materiais. O kula, por exemplo, constitui-se como uma instituição extremamente comple- xa que abarca várias tribos em um extenso sis- tema de trocas. Os dois principais artigos des- sas trocas são os Soulava (colares de conchas vermelhas) e os Mwali (Braceletes de conchas brancas). Os agrupamentos que mantêm inte- rações estão dispostos em um amplo conjunto de ilhas que formam um círculo fechado. Os Soulava e os Mwali partem em rotas contrárias e quando se cruzam são trocados em cerimônias que, além dessas trocas diretas, envolvem também tro- cas secundárias que são essenciais ao funciona- mento do sistema. Nessas cerimônias do Kula, quan- do uma pessoa ganha de outrem uma doação, fica obrigada, em um inter- valo de tempo, a retribuir com uma oferta de cor- respondente e honrado valor. Se a retribuição for de relevância inferior pode-se romper a ligação de reciprocidade que ela poderia estabelecer. Isso porque, para esses povos, a generosidade que é um sinal de riqueza; quanto mais se tem mais se deve doar. A avareza, por consequência, torna um indivíduo digno de desprezo. Outro dos exemplos antropológicos mais frutíferos provém da análise de Mauss (2003), investigando uma atividade não econômica designada de Potlatch, situada entre os índios PArA SABer MAiS Para ampliar os estu- dos, sugerimos o artigo intitulado “De Sahlins a Claude Lévi-Strauss: no setor transpacífico do sistema mun- dial. O trabalho está disponível em: http:// www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext &pid=S0104-7183200 1000200013. ◄ Figura 23: Localização das Ilhas Trobriand onde Malinowski estudou o sisstema Kula. Fonte: Wikipédia. Dispo- nível em: <http://upload. wikimedia.org/wikipedia/ commons/e/ea/Tro- briand.png>. Acesso em 29 jul. 2013. ▲ Figura 24: Sistema kula: Saulava e Mwali. Fonte: Clã. Disponível em: <http://cla.calpoly. edu/~lcall/213/kula1.gif>. Acesso em 29 jul. 2013. 36 UAB/Unimontes - 1º Período da Columbia britânica. Entre esses índios, ex- tremamente afortunados mesmo em compa- ração às mais ricas economias de subsistência, existia um labiríntico sistema de status e posi- ções que era sustentado por uma competição, segundo a qual as pessoas destruíam ou doa- vam demasiadamente enormes quantidades de seus bens. Nessas relações, bens como fo- lhas de cobre eram supervalorizadas, mesmo sendo pouco úteis aos índios, ao passo que cobertores ou roupas, com utilidade potencial, valiam poucas ou quase nenhuma dessas fo- lhas de cobre. Contudo, convém observar que a finalidade dessas trocas consistia em afirmar ou reafirmar uma posição so- cial; por conseguinte, quem comparecia ao Potlatch era obrigado a aceitar “presen- tes” e retribuí-los, mesmo que passado um ano, superando o valor da doação recebida an- teriormente. Nesse mesmo sentido, Evans-Pritchard (1978) men- ciona que negociar (trocar) mercadorias com preços e pa- drões de valor determinados soava como uma anomalia a muitos povos. Os Nuer, por exemplo, consideravam suas negociações com os merca- dores árabes como sendo uma troca de presentes,pois na perspectiva Nuer não exis- te uma relação entre merca- dorias, mas sim entre pessoas. E então, você consegue perceber que os conceitos de economia pura adotados pelas sociedades industriais estão longe de ope- racionalizar categorias que possam explicar as motivações das transações comerciais das sociedades ditas primitivas? Para isso, basta relembrar as argumentações utilizadas pelos autores supracitados para ratificar que as tro- cas entre os povos selvagens estabelecem-se levando em consideração várias esferas da vida social, que não necessariamente alme- jam o acúmulo de ganhos pecuniários. Essas trocas, antes, encontram-se pautadas em rela- ções pessoais que buscam fortalecer os laços de solidariedade, mesmo que isso signifique (e isso é impensável para o homem ocidental) perder, doar ou mesmo destruir grandes quan- tidades de seus bens (talvez até com certo prazer, pois o individuo que doa menos é clas- sificado como um párea nessas sociedades). Como comenta Lienhardt (1965), é apenas nas sociedades ocidentais modernas que o dinhei- ro e o acúmulo de bens materiais assumem uma força transcendental e torna-se um com- portamento altamente desejável. Contudo, cabe ressaltar que essas sociedades simples só se tornaram conhecidas, para nós, a partir dos contatos com o homem branco. Contatos estes, como observado na Unidade I, que se intensificaram a partir do século XVI com as Grandes navegações, e consolidaram-se com a expansão colonial européia dos séculos se- guintes. Sendo assim, quais foram as conse- quências dessa expansão para os povos não ocidentais? É justamente sobre isso que vamos estudar agora. Vamos nessa, então? Figura 25: Chegando ao potlatch. Alert Bay, British Columbia. Fonte: Clã. Disponível em: <http://peabody2.ad.fas. harvard.edu/potlatch>. Acesso em 29 jul. 2013. ► Figura 26: Livro Os Nuer, de Evans-Pritchard. Fonte: Better word books. Disponível em: <http:// images.betterworldbooks. com/019/The-Nuer- -Evans-Prichard- -E-9780195003222.jpg. Acesso em 02 de jun. de 2013. ▼ 37 Ciências da Religião - Antropologia Cultural 2.5 Expansão colonial e as consequências para os povos não ocidentais Faz pouco tempo que podemos falar na existência de um mundo chamado de ci- vilizado e outro mundo classificado como primitivo. Em diversos rincões do planeta (florestas da América do Sul, pradarias nor- te- americanas ou do leste africano, ilhas do pacífico, dentre outros) povos selvagens es- tavam ainda formatando interpretações de um tipo de cultura há muito já considerado obsoleto pelos europeus. Atualmente, a civi- lização moderna desconhece fronteiras, pois essas diferentes populações selvagens foram subjugadas por quatro séculos de explora- ção européia a nível planetário. Num mun- do que paulatinamente passou ao domínio dos Estados-nação para fazerem dele o que bem entendem, esses povos descobertos (ou dominados/invadidos) foram ligeiramente colonizados, classificados e traumatizados culturalmente. Aculturados seria o conceito técnico correto. Dessa maneira, a expansão da sociedade industrial moderna se coloca como um processo evolucionário de “suces- so”, quer dizer, é o processo pelo qual um grupo ascende, se amplia e diversifica e, por conseguinte, provoca o solapamento dos ti- pos primitivos (SAHLINS, 1983). Nesse momento, você deve se lembrar que foi no bojo dessas concepções sobre a alteridade, conforme estudamos na Unida- de 1, que a antropologia se consolida como Ciência, no final do século XVIII e início do século XIX. Nesse contexto, como discute Lienhardt (1965), a nascente ciência antropo- lógica foi influenciada por problemas morais das metrópoles europeias que se expandiam cada vez mais e, consequentemente, se ques- tionavam sobre a natureza e situação dos povos ditos selvagens. Assim sendo, numa conjuntura de humanitarismo europeu, eram constantes as preocupações sobre suas res- ponsabilidades, na condição de povos colo- nizadores, para com os povos colonizados. Contudo, essas preocupações não significa- ram um refreamento no afã expansionista eu- ropeu. No Brasil, por exemplo, estima-se que antes do contato com os colonizadores havia uma população indígena de cerca de 2 a 2,5 milhões de pessoas. Em 1900, existiam 230 tribos no território nacional, sendo que, em 1957, restavam apenas 143. Ademais, a popu- lação indígena havia sido reduzida e contava no máximo com um contingente de 99.700 indivíduos (RIBEIRO, 1957). Segundo Clastres (2004), existem dois conceitos parecidos, porém distintos entre si, que servem muito bem ao propósito de caracterizar esse pro- cesso, especialmente porque a história da construção dos im- périos coloniais das potências europeias está recheada de massacres metódicos contra as popula- ções nativas. São os conceitos de geno- cídio e etnocídio. O genocídio pressupõe a noção de raça e o desejo de extermínio físico dessa mesma raça; já o etnocídio mata a cultura de um povo, ou seja, aniqui- la suas maneiras de agir, pensar e sentir. “Em suma, o genocídio assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito” (CLASTRES, 2004, p. 83). Esses dois concei- tos têm uma visão similar do outro, o outro é o diferente, mas especialmente o diferente ‘mal’. O que diferencia esses dois conceitos é que enquanto o genocídio nega a diversida- de e pretende destruí-la fisicamente, o etno- cídio nega a diferença, mas pretende domá- -la, transformando-a o máximo possível no modelo que é concebido como padrão de normalidade e civilização. Poderíamos mes- mo dizer que genocídio e etnocídio seriam comparáveis a duas formas perversas de pes- simismo e otimismo (CLASTRES, 2004). PArA SABer MAiS Para compreender me- lhor os discursos acerca das sociedades simples, ou tipos primitivos, à luz dos autores Lienhar- dt, Evans-Pritchard e outros mencionados nesta unidade, sugeri- mos a aula do professor Erneto Veiga de Oliveira que está disponível em: <http://ceas.iscte.pt/et- nografica/docs/vol_10/ N1/Vol_x_N1_08-Gold- man-AEVO.pdf.. ▲ Figura 27: O Antropólogo Darcy Ribeiro. Fonte: Blog de Pedro Eloi. Disponível em: <http:// www.blogdopedroeloi. com.br/2013/03/o-povo- -brasileiro-darcy-ribeiro. html>. Acesso em: 15 mai. 2013. 38 UAB/Unimontes - 1º Período Podemos perceber, então, que a história das relações dos europeus com os povos não euro- peus foi marcada por uma série de conflitos que decretaram o desaparecimento de diversos des- ses povos. Não obstante, a Antropologia, conforme estudamos no início desta Unidade, começou a refletir sobre a extinção de seu objeto de estudo, e, por conseguinte, o fim da própria Ciência da alteridade. E você, o que pensa sobre isso? Será mesmo o fim dos estudos antropológicos? É sobre esse tema que versaremos os nossos estudos a partir de agora. Referências Aires, Almeida, org. (2003) difuisonismo. In:___ Dicionário Escolar de Filosofia. Lisboa: Plátano. Versão online: http://www.defnarede.com/a.html. CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2004. EVANS-PRITCHARD, E. E. Evans. Os nuer. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978 (Série Estudos Antro- pologia). EVERARDO ROCHA, P. O que é etnocentrismo? 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Pri- meiros Passos; 124), p.07-55. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. LÉVI-STRUASS, Claude. A antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2. ed. Trad. Tânia Pellegrini. Campinas/SP: Pa- pirus, 1997. LIENHARDT, Godfrey. Antropologia Social. Trad. Waltensir Dutra.Rio de Janeiro: Zahar, 1965. MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guine Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976. 436 p. (Coleção Os Pensadores). diCA Darcy Ribeiro foi “an- tropólogo, educador e romancista. Nasceu em Montes Claros (MG), em 26 de outubro de 1922, e faleceu em Brasília, DF, em 17 de fevereiro de 1997. Diplomou-se em Ciências Sociais pela Escola de So- ciologia e Política de São Paulo (1946), com especialização em Antropologia. Etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios dedicou os primeiros anos de vida profissional (1947-56) ao estudo dos índios de várias tribos do país. Fundou o Museu do Índio, que dirigiu até 1947, e colaborou na criação do Parque Indígena do Xingu. Es- creveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena. Ela- borou para a UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e colaborou com a Organização Inter- nacional do Trabalho na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo”. Fonte: Academia. Disponível em: <http:// www.academia.org.br/ abl/cgi/cgilua.exe/sys/ starthtml?infoid=438 &sid=158>. Figura 28: Campanha de conscientização “Voz Ancestral”. Fonte: Voz Ancestral. Disponível em:<http:// yosoyxinka.blogspot.com. br/2012/02/voz-ancestral- -serie-de-postales.html. Acesso em 12 mai. 2013. ► 39 Ciências da Religião - Antropologia Cultural MARCONI, Mariana de Andrade; PREZOTTO, Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6 ed. 2ª impressão, São Paulo: Atlas, 2006. MAYBURY-LEWIS, David. A Antropologia numa Era de Confusão. In: revista Brasileira de Ciên- cias Sociais. Vol. 17, n. 50, 2002. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003. MERCIER, P. História da Antropologia. São Paulo: Editora Moraes, 1974. MESSIAS do Mal. Direção: Mario Azzopardi. Canadá, Flashstar, 2002. DVD (94 mim), color. PANOFF, Michel; PERRIN, Michel. dicionário de etnologia. Lisboa: Edições 70, s/d. RIBEIRO, Darcy. diários Índios: os Urubus Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SANCHIS, P. A Crise dos Paradigmas em Antropologia. In: DAYRELL, Juarez (org.). Múltiplos Olha- res Sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. SAHLINS, Marshall. Sociedades tribais. Tradução: Yvonne Maggie Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. 41 Ciências da Religião - Antropologia Cultural UnidAde 3 A Antropologia e o estudo das sociedades complexas Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho 3.1 Introdução Na Unidade 2, nosso objetivo foi apresen- tar algumas das análises que a Antropologia construiu sobre as sociedades consideradas primitivas. Nessa altura, acadêmico(a), você deve relembrar que as sociedades selvagens foram o primeiro objeto de estudo da Antro- pologia. Você se lembra também que esse fato aconteceu por causa da influência das ciências naturais que tinham como prerrogativa a ob- jetividade? Nessa direção, foi definido que a distância do pesquisador (ocidental) com seu objeto de observação (não ocidental) servi- riam ao propósito de garantir a neutralidade do pesquisador em relação ao universo pes- quisado. Não obstante, podemos recordar, também, como mostra Laplantine (2000), que, no contexto do evolucionismo, as primeiras comparações usadas para referir-se às popu- lações primitivas evocavam sempre metáforas zoológicas. Em verdade, foi apenas com o for- talecimento do trabalho de campo que a ciên- cia antropológica passou a se preocupar mais em entender a vida do nativo segundo seu próprio ponto de vista. Assim sendo, a partir das ponderações de autores como Lévi-Strauss (1967), Sahlins (1983), entre outros, começamos a vislum- brar que as relações de parentesco dos povos selvagens, por exemplo, transitavam em um campo muito mais amplo que a família ime- diata. Seus complexos sistemas de afinidade e obrigações respondiam não só às suas ne- cessidades diretas de sobrevivência, mas a um complicado esquema político que compreen- dia, entre outros, a consolidação de alianças políticas ou econômicas ou mesmo a conquis- ta de aliados e até a manutenção da paz. Além disso, com Malinowski (1976) e Mauss (2003), observamos, também, que as transações eco- nômicas nem sempre almejam os ganhos que são valorizados pelo homem ocidental. Desse modo, ações que seriam consideradas como irracionais por indivíduos das sociedades ca- pitalistas ocidentais (ou mesmo as ditas socia- listas) respondem a regras sociais que alme- jam bens simbólicos em detrimento dos bens materiais. Por esse motivo, entre os indivíduos que praticam o Kula ou o Potlatch é extrema- mente coerente doar ou mesmo destruir enor- me quantidade de seus bens, ou, como diria o ocidental, de suas propriedades. Primeiramente, como já discutimos, a An- tropologia se viu em uma espécie de “beco sem saída”, essa foi a primeira motivação que a fez voltar os olhos para a própria cultura: o desaparecimento paulatino das sociedades simples. Esse deslocamento, como você deve se lembrar, proveio de uma crise de identida- de quando a ciência antropológica previu o desaparecimento de seu primário objeto de pesquisa. Isto é, as sociedades selvagens. Esse primeiro ensejo possibilitou à Antropologia uma reflexão completamente nova: sua espe- cificidade derivava de seu objeto de estudo ou de seu “olhar” sobre ele? Dito de outra forma, o que diferencia a Antropologia das demais ciências, que também tomam o homem por objeto de questionamento, é o homem que é interpelado ou a forma como esse homem é interpelado? Além disso, as mudanças sociais, na civilização ocidental, colocaram novas inda- gações que diziam respeito a como o homem se adequaria à urbanização, à industrialização e aos inéditos padrões relacionais que surgiam juntamente à nova ordem. A ciência antropo- lógica deslocou-se, então, e principiou a tentar responder questões que diziam respeito aos valores de sua própria civilização. Nesse sentido, veremos, nessa terceira Unidade, como o homem ocidental passa a pensar a si próprio no interior de um contex- to que se modifica diuturnamente. Conforme aponta Bhabha (1998), dentro de uma conjun- tura que está sempre inacabada, visto que fru- 42 UAB/Unimontes - 1º Período to de um devir moldado sobre contingências momentâneas. Por conseguinte, discutiremos temáticas que concernem à forma como o ho- mem se localiza nesse complexo emaranhado de relações, buscando compreender as diver- sas formas de pensar e se posicionar frente à realidade social e pleiteando sua legitimidade. Assim sendo, em um contexto de aglomera- ção urbana, concentração de riqueza e cres- cente divisão social do trabalho, intentamos identificar como o homem “civilizado” se ar- ticula nos mais variados espaços sociais. Para tanto, abordaremos tanto as metamorfoses sociais quanto as reflexões que são erigidas a partir dela. Para tanto, dividimos essas análises nas seguintes subunidades: 3.1 Introdução 3.2 Os métodos e técnicas da Antropolo- gia e sua utilização nos estudos das socieda- des complexas 3.3 A Antropologia Urbana 3.4 Antropologia no Brasil Sendo assim, o intuito nesta Unidade perpassa pela análise de fenômenos que constituem as relações urbano-industriais, as novas relações de trabalho, bem como as per- cepções acerca de uma diversidade cada vez maior. E aí, pronto(a) para continuarmos os nossos estudos? Então vamos nessa! 3.2 Os métodos e técnicas da Antropologia e sua utilização nos estudos das sociedades complexas Percorremos, na Unidade 2, o novo ca- minho intelectual que Antropologiaseguiu a partir do advento do trabalho de campo. Relativizar, nesse contexto, tornou-se impres- cindível para a compreensão das sociedades ditas primitivas, uma vez que o saber “selva- gem” se apresentou com uma forma própria cuja lógica era diferente daquela conhecida pelos povos do Velho Mundo. Nesse sentido, como aponta Malinowski (1976), tornou-se imperativo captar as interpretações do nativo a partir do ponto de vista do próprio nativo. Estudamos, ainda, que as pesquisas an- tropológicas, tradicionalmente, associaram- -se aos estudos das sociedades consideradas primitivas, que em sua maioria, são tribais e vivem no campo. Isso porque, a princípio, as etnografias consideravam que essas socieda- des, dada a sua simplicidade, seriam mais fa- cilmente assimiladas. Também se considerava Figura 29: Malinowski em trabalho de campo. Fonte: Sciapode. Dispo- nível em: <http://www. sciapode.net>. Acesso em 29 jul. 2013. ► 43 Ciências da Religião - Antropologia Cultural que a objetividade da pesquisa seria maior uma vez que o “outro” era muito diferente do observador. Não obstante, desvelamos a ma- neira dizimadora com a qual o colonialismo solapou esses povos na forma do genocídio e etnocídio. Por outro lado, em países que não pos- suíam colônias, a Antropologia concentrou seus esforços nos estudos de populações in- dígenas, de grupos rurais e, por ventura, ur- banos, sendo esses últimos reconhecidos por “camadas menos favorecidas da população” (OLIVEN, 2007, p.11). Diante disso, pensare- mos, a partir de agora, sobre o “novo” campo de investigação dos antropólogos: a socieda- de complexa capitalista que vive na cidade. Você se lembra dos avanços oriundos da re- volução industrial? A máquina a vapor, entre outros? Nesse momento, a Europa, já no final do século XVIII, deixou de apresentar carac- terísticas rurais; sofreu um grande êxodo que provocou um inchaço populacional nas cida- des (CARVALHO, 2007; LIMA, 2008). Enquanto algumas sociedades consi- deradas primitivas deixavam de existir, as cidades encontram dificuldade em seu or- denamento territorial, o que gerou diversos fenômenos sociais, isto é, o espaço citadino passou a se constituir um campo de lutas e reivindicações de grupos que outrora não receberam às atenções dos estudos das Ciên- cias Sociais e Humanas. Pensar, portanto, nesse processo de mu- dança, é extrair, dos fenômenos sociais, algu- mas categorias de análise que emergem nas sociedades complexas e se tornam passíveis de investigação, como exemplo a identida- de, a urbanização, a violência, a prostituição, para citar apenas alguns exemplos. Eis que surge um impasse para Antropologia: ”ela- borar um modelo geral, mas não formal da sociedade complexa que permita preservar a particularidade das situações concretas que analisa” (DURHAN; CARDOSO, 1973, p.54). Isso porque a experiência do trabalho de campo deveria ser orientada pelo distanciamento do pesquisador de sua própria cultura, conforme vimos nas Unidades 1 e 2. Assim, o antropólo- go deveria viver entre os nativos. Portanto, caro(a) acadêmico(a), surge para a Antropologia uma questão fundamen- tal: quando o nativo passou a ser a própria cultura do pesquisador? A partir de tal ques- tionamento, vários foram os esforços reflexi- vos de diversos pesquisadores que visavam compreender como a ciência antropológica deveria lançar seus olhares para dentro de sua própria civilização. A experiência proveniente do trabalho de campo com as sociedades consideradas pri- mitivas possibilitou, ao antropólogo, o estra- nhamento, ou seja, observar fenômenos que podem parecer insignificantes: distinguir pis- cadelas de piscadelas. Geertz (1989), em seu livro “A Interpretação das Culturas”, argumenta que o fazer etnográfico consiste em um esfor- ço intelectual para elaboração de uma descri- ção densa. Sendo assim, cabe ao etnógrafo saber distinguir o ato de contrair a pálpebra (uma piscadela); de um tique nervoso (outra piscadela); de uma imitação de outrem que acabou de piscar; ou, ainda, uma piscadela por ato de conspiração entre duas ou mais pesso- as. São essas distinções que fazem da etnogra- fia um saber semiótico, uma vez que a cultura, segundo Geertz (1989), consiste em uma teia de significados que o próprio homem teceu e na qual ele se encontra amarrado. PArA SABer MAiS Para obter mais informações sobre os impactos da revolução industrial na sociedade e na ciência, sugeri- mos a leitura do artigo intitulado “Depois da Revolução Industrial”. Disponível em: <http:// www.antropologia. com.br/pauloapgaua/ trab/dep.pdf>. ▲ Figura 30: Cena do filme “Tempos Modernos” de Charlin Chaplin onde o artista faz uma crítica à revolução industrial e ao modo de produção capitalista. Fonte: História para todos. Disponível em:<http://www. artigosdehistoria.blogspot.com>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS Para compreender melhor o conceito de identidade, assista ao vídeo Identidade de Fernando Meireles. O vídeo está dispo- nível em: <http:// www.youtube.com/ watch?v=yKG8no8OK Dg. ◄ Figura 31: A Interpretação das Culturas, Clifford Geertz. Fonte: Skook. Disponí- vel em: <http://skoob. s3.amazonaws.com/ livros>. Acesso em 09 mai. 2013 44 UAB/Unimontes - 1º Período Além disso, a etnografia é interpretati- va, uma vez que o que ela interpreta “é fluxo do discurso social” de uma dada cultura, por isso a importância de se saber distinguir uma piscadela de outra. Não obstante, o que o et- nógrafo interpreta envolve “tentar salvar o dito”, ou seja, materializar a “coisa” falada (o discurso que ouvimos) em um discurso que possibilite a compreensão dos fenômenos es- tudados (GEERTZ, 1989, p. 15). Para tornar mais claro a discussão supra- citada, vamos relembrar, como exemplo, o sistema Kula que descrevemos na Unidade 2? Então, o Kula desapareceu, ou se transformou ao longo do tempo, porém, a obra de Malino- wiski, “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” ainda existe e está em constante reimpres- são, portanto, o “dito” dos nativos acerca do sistema Kula não perecerá, possibilitando que outros estudiosos façam análises constantes sobre tal sistema. Podemos dizer, assim, que “salvar o dito” consiste em “fixá-lo” de uma maneira que sempre um maior número de pessoas possa participar dele. O caso mais comum é a escrita (GEERTZ, 1989). Em Bourdieu (1992), vamos encontrar o seguinte esclarecimento acerca da interpreta- ção da cultura: é preciso apreender os meca- nismos de produção simbólica da cultura que integram suas linhagens e representações, assim como a maneira com a qual tais linha- gens e representações adquirirem uma reali- dade própria. Da perspectiva adotada por Bourdieu (1992), porém, o que interessa é discernir as relações de sentido para além das represen- tações que os sujeitos materializam em suas ações (ou não ações). Em outras palavras, o pesquisador deve compreender e reconstruir a teia completa de relações simbólicas e não simbólicas, isto é, as circunstâncias materiais e a hierarquia social que resultam dessa teia de significados. Isso porque o intuito do re- ferido autor é conhecer o arranjo interno do campo simbólico cuja aplicabilidade está na expectativa de ordenar o mundo natural e social segundo as mensagens, representa- ções e discursos que não passam de uma fic- ção da própria estrutura real de relações so- ciais. Ademais, a diferenciação entre o cam- po simbólico e as simulações dos sujeitos é de suma importância para que possamos compreender uma determinada imagem da sociedade, sobretudo, a capitalista. Pois, nas sociedades complexas, o desenvolvimento dessa imagem é reflexo da divisão do trabalho social, assim como de todas as relações prove- nientesdessa divisão. Sendo assim, as catego- rias de análise que servem como instrumento interpretativo da divisão do trabalho sugerido por Bourdieu (1992), pode ser encontrado no capital econômico e capital social. Segundo Bourdieu (1992), o capital eco- nômico consiste na forma em que diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) são acumulados e reproduzidos. Ao passo que o capital cultural refere-se a um conjunto de regras, valores e arranjos promovidos, sobretudo, pela família, pela escola e pelos demais agentes da educa- ção, que predispõem os indivíduos a uma ati- tude dócil e de reconhecimento ante as práti- cas educativas. De acordo com Bourdieu (1992, p. 24), “jogo das distinções simbólicas se realiza, Figura 32: Clifford Geertz. Fonte: Tela de Rayon. Disponível em: <http:// www.teladerayon.com/ Articulos/Articulo. aspx?id=18758. Acesso em 09 mai. 2013. ► ▲ Figura 33: Pierre Bourdieu. Fonte: Café História. Disponível em: <http://cafehistoria. ning.com>. Acesso em 09 mai. 2013. diCA “Pierre Bourdieu - sociólogo francês cuja contribuição teórica mostrou-se particular- mente importante para diversificadas áreas, tais como a antropolo- gia, história e ciência política - dedicou-se, em especial, ao estudo dos mecanismos que difundem e legitimam as diversas formas de dominação. Sua refle- xão teórica estabeleceu e consolidou conceitos importantes para as ci- ências humanas, como o de “violência simbóli- ca”, entre outros”. (Café História. Disponível em: http://cafehistoria.ning. com). PArA SABer MAiS Para ampliar seus conhecimentos sobre o as relações de poder na hierarquia social, suge- rimos a leitura do arti- go “Relações de poder segundo Bourdieu e Foucault: uma proposta de articulação teórica para análise das organi- zações”. O trabalho está disponível em:<http:// ageconsearch.umn. edu>. 45 Ciências da Religião - Antropologia Cultural portanto, no interior dos limites estreitos de- finidos pelas coerções econômicas e, por esse motivo, permanece um jogo de privilegiados das sociedades privilegiadas”. Dessa forma, faz-se necessário “tentar apreender as regras do jogo e da divulgação da distinção segun- do as classes sociais exprimem as diferenças de situação e de posição que as separam”. Isso porque a interpretação do campo simbólico deve pautar-se em uma “abstração que deve revelar-se como tal, um perfil da realidade so- cial que, muitas vezes, passa despercebido, ou então, quando percebido, quase nunca apare- ce enquanto tal”. Ainda refletindo sobre a dimensão da cultura e sua forma de interpretação, Bhabha (1998) salienta que não podemos analisá-la de maneira única e acabada. Portanto, para que possamos tornar evidentes as funções da cul- tura, devemos concebê-la em sua condição de plural. Isto é, o arranjo de forças simbólicas que determina o objeto teórico e discursivo do conjunto de bens de identificação de uma dada cultura. Assim, o conceito operacional de cultura permeia tanto a contingência quan- to a contiguidade, ou seja, a possibilidade de diversas culturas apoderarem-se de bens de identificação de outras e elaborar um determi- nado bem cujo mérito e arranjo o direcione a ser admitido por uma cultura de âmbito mais abrangente. Diante da complexidade de interpretação da cultura e retomando a noção de distancia- mento do sujeito/objeto de pesquisa que o antropólogo terá que admitir nos estudos da sociedade complexa, consideramos, portan- to, que tal distanciamento é uma tarefa árdua e esquizofrênica. Estranhar o familiar, nesse contexto, é mais difícil que examinar um siste- ma que nos parece completamente estranho, como o Kula, por exemplo. Isso porque quan- do nos voltamos para a nossa própria socie- dade, além de correr o risco de não conseguir distinguir as piscadelas, estaremos diante da possibilidade de romper com certezas que acreditávamos serem verdades absolutas. Em outras palavras, como descrito por Diniz (2001, p.40-41), “o conflito como um valor é criação recente da história moral da humanidade [...] isso não quer dizer que a diferença e a dis- córdia morais não possuam passados”. Antes, pelo contrário, como salienta a autora “[...] onde houve seres humanos organizados em sociedades existem diferenças, diferenças es- tas que conduziram ao conflito”. Diante disso, “o dilema do antropólogo não deve ser resultante apenas do enfreta- mento cotidiano com as etnografias impossí- veis”, mas com o paradoxo dos dilemas morais que se converte, também, “no dilema pessoal do antropólogo”. A referida autora adverte, ainda, que o dilema moral é uma das ilusões mais próximas “no campo do pensamento hu- manista”, porém, somente o “futuro poderá assegurar qual é a medida da desilusão que os antropólogos serão capazes de suportar” (DI- NIZ, 2001, p.40-41). No que se refere ao pensamento huma- nista, segundo Hall (2006, p.10), pensar sobre suas mudanças é questionar a transformação que a própria modernidade passou. Conse- quentemente, é, também, perguntar-se acerca de novas dimensões relativas à concepção es- sencialista ou fixa de identidade. diCA Para aprofundar a discussão sobre a divisão do trabalho social, sugerimos a leitura do livro de Émile Durkheim, ”Da Divisão do Trabalho Social” (DURKHEIM, Émile. Da divisão do Trabalho So- cial. São Paulo: Martins Fontes, 1995). ▲ Figura 34: Homi Bhabha. Fonte: Universiteit Utrecht. Disponível em:<https:// encrypted-tbn2.gstatic.com>. Acesso em 29 jul. 2013. diCA Débora Diniz, em seu artigo “Antropologia e os limites dos direitos humanos: o dilema moral de Tashi”, trata da possibilidade de romper com certezas que acreditávamos ser verdades absolutas. Confira o artigo no endereço eletrônico: http://www.abant.org. br/conteudo/livros/ DIREITOS%20HUMA- NOS%201%5B1%5D. pdf. diCA Para aprofundar o tema, sugerimos a leitu- ra do livro de Stuart Hall e Tomaz Tadeu da Silva intitulado “Identi- dade e Diferença”- (Hall, Stuart ; Tadeu, Tomaz. Identidade e Diferença : a perspectiva dos estu- dos culturais. São Paulo: Vozes, 2005.). ◄ Figura 35: A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall. Fonte: Armazém dos Livros. Disponível em:<https:// armaze- mdoslivros.blogspot. com>. Acesso em 29 jul. 2013. 46 UAB/Unimontes - 1º Período Lembra o que estudamos na Unidade 1? Sobre a capacidade do homem em pen- sar sobre si mesmo? E as formulações que ele elaborou sobre o outro? É claro que naquele momento descrevemos esse outro como um estranho, o exótico, portanto, é justamente sobre essa identidade fixa que o autor de- nomina de sujeito do Iluminismo. Ou, ainda, nas palavras do próprio Hall (2006, p.10-11), “o sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um in- divíduo centrado [...] o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa”. Em outras palavras, “pode-se ver que essa era uma con- cepção muito ‘individualista’ do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito no masculino) [grifos do autor]”. A mudança, portanto, que Hall (2006, p.11) chama nossa atenção, refere-se àquilo que estudamos na Unidade 2, ou seja, o sujei- to sociológico que refletiu “a crescente com- plexidade do mundo moderno”. Percebemos, portanto, na Unidade 2, como a cultura passou a ser considerada múltipla e, por conseguinte, o homem que também passou a ser cada vez mais observado na sua dimensão cultural. Hall (2006) aprofunda um pouco mais a discussão da diversidade ao afirmar que o sujeito socio- lógico “ainda tem um núcleoou essência in- terior que é o ‘eu real’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com mun- dos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem [grifos do autor]”. Diante disso, chegamos ao terceiro tipo de su- jeito que completa o raciocínio de Hall (2006) acerca da crescente complexidade do mundo moderno, ou seja: o sujeito pós-moderno. Não obstante, retomaremos essa discus- são na subunidade 3.3, quando trataremos de um dos ramos da Antropologia, que é a Antro- pologia Urbana. Por hora, concluímos que en- tre as diversas categorias de análise das socie- dades complexas, a identidade emerge como um campo de estudo para os antropólogos que estudam sua própria sociedade. Sendo que esse campo torna-se absorto por tratar de conflitos morais de sua própria sociedade, pro- porcionando, portanto, um estranhamento do familiar. Embora tal estranhamento apresente- -se complexo tal qual esse novo objeto da An- tropologia: as sociedades complexas. Agora você compreende a dimensão des- se novo caminho traçado pela Antropologia? Porém, as análises não findam com os discur- sos sobre identidade, pois a gama de fenôme- nos que possibilitam a análise das sociedades complexas é múltipla, tornando-se, portanto, um campo fértil para novas pesquisas e mini- mizando a crise de identidade que a ciência antropológica passou quando percebeu que as sociedades primitivas estavam se extingui- do. Sendo assim, estudaremos na subunidade 3.3 outro ramo da Antropologia Cultural, a An- tropologia Urbana. Tal vertente da Antropologia empreende- rá seus estudos sobre os fatos sociais ocorridos na cidade. Aqui, entendemos “urbano” e “ci- dade” como sinonímias, uma vez que falar de urbano refere-se, portanto, discorrer sobre a cidade e a complexa rede de relações na qual o homem encontra-se emaranhado. Sendo as- sim, você está pronto(a) para desvelar mais um campo de estudo da Antropologia? Leia com atenção para que você possa debater com o professor e o tutor as ponderações que vamos apresentar. 3.3 A antropologia urbana As análises da Antropologia Urbana nos reportam à conjuntura similar aos estudos da Sociologia Urbana que, também, versam sobre a interpretação dos fenômenos que aconte- cem na cidade. Porém, para compreender tais interpretações, faz-se necessário discutirmos, primeiramente, algumas teorias a respeito da cidade e das consequências da vida urbana sobre seus habitantes. Observamos, sumaria- mente, na subunidade 3.2, alguns fenômenos oriundos do êxodo rural, ainda no final do sé- culo XVIII. Pensaremos, agora, sobre a forma- PArA SABer MAiS Para ampliar os conhe- cimentos, assista ao filme “O Diário de uma Babá” (2006). Annie Braddock depois de se formar na faculdade de antropologia procura um emprego em uma grande empresa da Upper East Side, em Manhattan. Porém, ela ainda não sabe que caminho deseja seguir. Os questionamentos reforçam os laços com a Antropologia, visto que a personagem começa a estudar a família para a qual trabalha. PArA SABer MAiS Conheça mais sobre Identidade segundo Bhabha. Para isso sugerimos a leitura do capítulo “Interrogando a Identidade” que está disponível em:<http:// www.ufrgs.br/cdrom/ bhabha/bhabha.pdf>. Figura 36: Movimento Punk de liberdade Cultural. Fonte: Letter James. Dis- ponível em:<http://www. letterjames.de>. Acesso em 29 jul. 2013. ► 47 Ciências da Religião - Antropologia Cultural ção dessas cidades e como se desencadearam os fenômenos que são passíveis de investiga- ção pela Antropologia. O processo de formação das cidades foi marcado por dinâmicas territoriais, que dizem respeito não somente aos conflitos por de- marcações de fronteiras, mas também a um campo de lutas e representações simbólicas, conforme estudamos na subunidade 3.2 à luz dos argumentos de Bourdieu (1992) e Bhabha (1998). Nesse sentido, para discorrer sobre a cidade, é necessário pensar, também, sobre o seu território, espaço social e espaço simbóli- co. Algumas considerações devem ser aponta- das no sentido de compreender o significado desses conceitos, uma vez que, no decorrer da história das civilizações ocidentais, as repre- sentações sociais atribuídas a tais conceitos se modificaram. O termo território, para Braga (2004, p. 26), origina-se de uma expressão que vem do latim, territorium, que por sua vez deriva de terra cujo significado consiste em pedaço de terra apropriado. Por outro lado, a língua francesa territorium deu origem às palavras terroir e territoire. O primeiro não se reduz somente à noção física de uma determinada área, mas também aos atributos que distin- guem e agregam valor aos produtos de uma dada região ou localidade. Ao passo que, o segundo, territoire, significa “o prolongamen- to do corpo do príncipe. Aquilo sobre o qual o príncipe reina, incluindo a terra de seus habi- tantes” (BRAGA, 2004, p. 27). Nesse sentido, de acordo com Braga (2004), a formação de diversos estados na Eu- ropa, bem como as transformações ocorridas no mundo feudal constituiu a instauração de um conceito de territorialidade centrada na delimitação de Estados soberanos. Assim, per- cebe-se que a noção de território, em sua gê- nese, foi associada estritamente à de território nacional, ou seja, uma entidade que represen- ta o estabelecimento de uma territorialidade fundada no conceito legal de soberania, que postulava a exclusividade do controle de seus territórios nas mãos do Estado. Como descrito por Braga (2004, p. 27), o conceito de território, em princípio, foi associado no mundo ociden- tal à base física dos Estados, “incluindo o solo, o espaço aéreo e as águas territoriais”. Entre- tanto, a territorialidade contempla mais do que um “significado jurídico e não diz respeito apenas à territorialidade do Estado” (BRAGA, 2004, p. 27). É claro que o conceito de território contri- buiu para a compreensão do próprio conceito de cidade. Isso posto devido ao fato de a de- finição dos territórios consistirem em uma das primeiras demarcações do espaço citadino, suas leis, normas e jurisdição. Obviamente, es- ses não são os únicos fatores que contribuem para a análise de uma cidade, mas, iniciam, também, uma demarcação dos grupos que vi- vem nela. Na visão de Carvalho (2007), a Escola de Chicago proferiu discursos acerca de uma nova configuração cultural dentro do espaço citadino, uma vez que nesse espaço configu- ram-se papéis sociais bem delimitados; isola- mentos; aproximações; anonimato; fugacidade dos envolvimentos sociais, entre outros fenô- menos. Nessa direção, retomaremos as ponde- rações de Hall (2006) sobre o terceiro enten- dimento da identidade, isto é, o sujeito pós- -moderno. À luz das premissas de Hall (2006, p.13), aquele sujeito que possuía uma identi- dade unificada e estável, com a vida na cida- de, torna-se, assim como ela, fragmentado. Composto, porquanto, de uma multiplicidade de percepções que se constitui em várias iden- GLOSSáriO espaço Social: “espaço que o território se cons- titui em identidades individuais e coletivas, despertando a sensa- ção de pertencimento e de especificidade” (LIMA, 2008, p.30). espaço Simbólico: consiste nas “represen- tações sociais de ima- gens, símbolos e mitos que se projetam e se materializam de acordo com o tempo e o espaço, configurando- -se, então, a identidade territorial” (LIMA, 2008, p.30). ▲ Figura 37: O leviatã, Thomas Hobbes. Discorre sobre a formação dos estados. Fonte: Dado concreto. Disponível em: <http://dadocon- creto.blogspot.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013. ◄ Figura 38: Danielle de Oliveira de Souza, 32 anos, é uma das 120 alunas do projeto “Mão na massa” que qualifica mulheres para a construçãocivil. Fonte: Inforsuhoy. Disponí- vel em:<http://infosurhoy. com>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS Gilberto Velho, em seu livro “A Utopia Urbana”, discorre mais detida- mente sobre Escola de Chicago. Outro autor que se dedica aos estudos da Escola de Chicago é Ruben Oliver, na obra “A Cidade como Categoria Sociológica”. Portanto, se quiser aprofundar mais na leitura sugerimos os autores mencionados, bem como o livro “Espaço Urbano e Cri- minalidade: Lições da Escola de Chicago”, de Wagner Cinelli de Paula Freitas. 48 UAB/Unimontes - 1º Período tidades, dito de outra maneira, “a identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” [grifos do autor]. Essas postulações nos remetem também a Bhabha (1998), quan- do argumenta que as designações geopolí- ticas são deslocadas do centro de referência das identidades dos indivíduos por uma se- quência de localizações que cada pessoa ocu- pa na estrutura social, tais quais gênero, raça, geração, dentre outros, isso sem mencionar as múltiplas vinculações locais, profissionais ou mesmo institucionais. Portanto, o que po- demos notar é que as cidades, agrupando um crescente número de pessoas em um reduzido espaço físico, tornam-se gradualmente um es- paço de conflagração constante. Convergindo para a questão das cidades, Foucault (1982a, 1982b) as percebe como um lugar que, permeado por uma diversidade cada vez maior, agrupa paulatinamente mais conflitos e, consequentemente, esses conflitos vão se tornando a principal razão que justifica o esquadrinhamento e a vigilância das popu- lações. Desse modo, no final do século XVIII, a arquitetura citadina passa a ser cobrada como técnica que seja capaz de organizar o espaço. Nesse sentido, completa Foucault (2005) que tais medidas podem ser consideradas como sendo muito mais responsáveis pela crença, bastante difundida, desse aumento incessante e perigoso dos crimes, do que propriamente um aumento real dessas taxas de violência. E aí, caro(a) acadêmico(a), você consegue imagi- nar qual o fenômeno social que temos como objeto de estudo a partir das discussões que fizemos? Se você pensou em criminalidade, fez bem! E como os estudiosos da cidade perce- biam tal fenômeno? De acordo com Carvalho (2007), Durkheim (1995) contribui, sobremaneira, para o avanço da análise criminal quando aproxima o crime da noção de normalidade em um du- plo sentido. Quer dizer, o crime é normal não só por estar presente em todas as sociedades, mas também por desempenhar uma função dentro delas, ligada à própria manutenção de seu funcionamento. Nessa direção, a punição que o infrator chama sobre si funciona como um revitalizador e fortalecedor dos laços so- ciais na medida em que reafirma a validade da vontade e do pensamento coletivos. Con- tudo, cabe-nos destacar que, embora o crime seja considerado um fato normal, constituinte da própria organização social, sua incidência, principalmente quando apresenta níveis mui- to elevados, assume contornos patológicos. A normalidade está contida no fato de existir atos delituosos e não nos números que eles podem atingir. Ora, diante disso, podemos inferir que a ci- dade não é a geradora do aumento da crimina- lidade. Em verdade, o fato ocorrido é que o es- paço urbano se consolida concomitantemente ao aumento da severidade da justiça. Ou seja, a formação da cidade industrial coincide com o processo de transformação de práticas sociais antes toleradas, em crimes passíveis de puni- ção. Nesse sentido, a violência urbana ou na cidade esboçada por nossos meios de comuni- cação torna-se bastante inquietante. Nos tem- pos atuais, ela se configura em tema bastante debatido pelo senso comum, permeia agendas de propostas políticas, basta nos lembrarmos das últimas eleições, além de já ser amplamen- te discutida cientificamente. Ademais, ocupa espaços significativos nas pautas de reunião dos poderes públicos que procuram engendrar medidas contra a crimi- nalidade. O crime, então, se converte no maior símbolo da violência urbana ou na cidade. Se pensarmos, então, a sociedade com- plexa segundo o preceito de que ela consiste em um emaranhado de relações sociais, trocas simbólicas e delimitações de espaços, não po- deriam deixar de mencionar os bens de iden- tificação que, segundo Bhabha (1998), gera todo esse fenômeno. Nessa tessitura, relem- brando a perspectiva de jogo de privilegiados e sociedades privilegiadas analisado por Bour- dieu (1992) emerge, portanto, outro campo de interesse da Antropologia Urbana, a saber, os bens simbólicos não negociáveis, tais como identidade gênero, sexualidades, os novos movimentos sociais, para citar apenas alguns. No que diz respeito aos novos movimen- tos sociais, Durães, Lima, Carvalho (2005) argu- mentam que se trata de uma reconfiguração das demandas dos grupos que não dizem res- peito à reivindicações por moradias, melhores condições de trabalho, entre outras manifesta- ções provenientes do “problema urbano”. Con- siste, portanto, em manifestações que lutam por bens não negociáveis, como a identidade de gênero, para citar um exemplo. Lembra das premissas estudadas no início desta subuni- dade? A identidade do sujeito pós-moderno? Recorde que, em contraposição ao sujeito do Iluminismo, o sujeito pós-moderno não possui uma identidade fixa e acabada, logo esse su- jeito é múltiplo. Contudo, esse sujeito pós-mo- derno tornou-se fragmentado, isolado e são justamente através dos novos movimentos so- ciais que os sujeitos fragmentados encontrarão pares para lutar em prol de direitos não nego- ciáveis, como exemplo a identidade de gênero. diCA O esquadrinhamento diz respeito às formas como o Estado se debruça sobre a vida privada das pessoas, investigando-a. A partir daí torna-se possível investir nos corpos dos indivíduos para discipliná-los. Dito de outra forma, é uma maneira de controlar os comportamentos hu- manos, higienizando- -os, tanto quanto pos- sível para a adequação de uma ordem vigente. A intenção é tornar as pessoas cada vez mais adaptadas às regras e, consequentemente, torná-las mais produ- tivas e dóceis. Enfim, o esquadrinhamento transforma os indivídu- os em peças “saudáveis” da engrenagem social que os domina e opri- me. Fonte: (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. São Paulo: Vozes, 2005, 262p.) PArA SABer MAiS No capítulo dois, da dissertação de Carva- lho (2007), intitulado “Sobre mulheres, história e crime”, en- contramos argumentos para elucidar questões sobre criminalidade e o envolvimento de mu- lheres com o tráfico de drogas. Sendo assim, sugerimos a leitura do trabalho para que você possa ampliar os seus conhecimentos sobre o tema. Fonte: A disser- tação está disponível em:<http://www.ppg- ds.unimontes.br/index. php/2007>. 49 Ciências da Religião - Antropologia Cultural Diante disso, cabe ressaltar que vimos, anteriormente, como a cidade foi pensada, le- vando em consideração seu território; alguns conflitos nele gerado e como os antropólogos analisaram esses fenômenos. Assim, desta- camos outro fato social que chamou atenção dos estudiosos visto que se tornou, também, passível de punição, trata-se, portanto, da ca- pacidade de ordenar o espaço urbano segun- do uma lógica de moralização dos corpos. Cer- tamente, esses conceitos eclodiram ainda no século XIX, porém trouxeram consigo alguns fundamentos que permeiam os discursos atu- ais sobre a cidade. O fenômeno que nos refe- rimos consiste naquele que é chamado, pelo senso comum, de asmais antigas profissões do mundo: a prostituição feminina. Segundo Lima (2008, p.66), a cidade, no final do século XIX, passou a ser pensada “como vício, e, por conseguinte doente. Ela [a cidade] surge [por- tanto] como objeto de estudo médico, além de estar sob a vigilância do saber da medici- na”. Dito de outra maneira, fenômenos como a prostituição eclodiu do problema urbano e, logo, deveria ser combatida com estratégias de disciplinarização dos corpos. Daí a inter- venção do saber médico para tratar o corpo social viciado e doente (LIMA, 2008). Vimos, nesta Unidade, diversas formas de sociabilidade no contexto da cidade. Por últi- mo apreendemos, ainda, que em decorrência da vida na cidade a cultura urbana configurou- -se em desorganização social e cultural cuja responsabilidade abateu-se sobre alguns fe- nômenos como a violência (criminalidade) e prostituição. Esses são apenas alguns exem- plos da cidade entendida como vício, que para o presente momento encerramos essa discus- são, porém ela não se esgota. O intuito, agora, é compreender outras formas de sociabilidade que tangem, especificamente, o seu curso, a saber, a religião como uma extensão do cam- po Antropológico. Certamente, os estudos so- bre religião não perfazem apenas as pesquisas sobre a cidade e tal categoria começou a ser analisada muito antes dos estudos das socie- dades complexas. Porém, deixaremos a análise sobre a religião nas sociedades consideradas primitivas para a disciplina Antropologia da Religião e nos dedicaremos, brevemente, à compreensão de como a Antropologia conce- beu esses estudos nas sociedades complexas. Diante disso, Oliven (2007, p.57) salienta que “autores com posições teóricas muito dife- rentes enfatizaram o processo de secularização que estaria ocorrendo nas sociedades comple- xas”. Não obstante, estudiosos como Durkheim “achava que os vínculos integrativos da religião estariam sendo ameaçados pela divisão social do trabalho e a estaria tomando o seu lugar”. Além disso, acrescenta Oliven (2007, p.57), We- ber, contribuiu, significativamente, para o pen- samento acerca do processo de racionalização secular uma vez que trouxe à baila argumentos que propunham o “desencantamento do mun- do”. Marx, por sua vez, pensou que “o socialis- mo eliminaria a necessidade do que ele consi- derava o ‘ópio do povo’ [grifos do autor]”. Certamente que o objeto de estudo da Antropologia Urbana não se esgota com os exemplos descritos anteriormente. Portanto, o objetivo dessas descrições foi localizar os es- tudos antropológicos em um contexto de aná- lise das sociedades complexas para que você pudesse compreender a abrangência de pos- sibilidades de investigações que a cidade nos oferece. Assim, tratar de fenômenos no qual já possuímos algum conceito previamente es- tabelecido, como estudamos nesta unidade, vai exigir do pesquisador uma habilidade e co- nhecimento dos métodos antropológicos de forma mais detida. Com esses argumentos, caro(a) acadêmico(a), você percebeu, mais uma vez, a diversidade de estudos que o campo da cidade pode proporcionar ao Antropólogo? E não pen- se que na sua área de atuação será diferente, pois a Ciência da Religião vai perpassar todos PArA SABer MAiS Assista ao filme “CRASH: no limite” (2004). A película traz à baila a complexidade da vida urbana, especialmente levando em considera- ção os conflitos étnicos que permeiam as grandes cidades esta- dosunidenses, discu- tindo como cada etnia constrói estereótipos em relação às outras. Fonte: Disponível em: <http://www.down- loadsfilmesdublados. org/download-crash- -no-limite-dvdrip-avi- -rmvb-dublado. ▲ Figura 39: Prostituição na Idade Média: um grande dilema, pecado ou necessidade? Fonte: História no Mundo. Disponível em:< http://www. historiadomundo.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013. ◄ Figura 40: Karl Marx: “A religião é o suspriro da criatura aflita, o estado de ânimo de um mundo sem coração, porque é o espírito da situação sem espítito. A religião é o ópio do povo” (Tradução livre dos autores). Fonte: Faculdade Alvorada, Turma de Direito 2010. Disponível em:< http:// alvoradadireito2010.word- press.com/>. Acesso em 29 jul. 2013. PArA SABer MAiS Sugerimos a leitu- ra do artigo “Novos movimentos sociais e movimentos de mulhe- res”, caso você queira ampliar seus estudos sobre gênero. O tra- balho está disponível em:<http://www.ruc. unimontes.br>. 50 UAB/Unimontes - 1º Período essas relações simbólicas que estudamos até o presente momento. Sendo assim, acreditamos que você está curioso para saber como essas relações irão se processar na Ciência que você estuda, não é mesmo? Bem, sobre esse assunto você terá que esperar um pouco mais, uma vez que somente na disciplina Antropologia da Re- ligião é que essas conexões serão amarradas. 3.4 A Antropologia no Brasil Estudamos como a Antropologia confi- gurou-se em Ciência; o método adotado para as pesquisas antropológicas; e nos detemos às descrições dos ramos da Antropologia. Pos- teriormente, examinamos como essa ciência partiu de uma análise evolucionista até conce- ber a cultura segundo os princípios do Relati- vismo Cultural. Para tanto, observamos con- ceitos e análises de alguns antropólogos sobre as sociedades primitivas e complexas. Agora, perceberemos, de forma introdutória, como esses estudos começaram no Brasil e quais as vertentes que os antropólogos brasileiros se- guiram. Lembre-se que Antropologia, em seu iní- cio, contou com os depoimentos de missioná- rios, soldados e viajantes para a compreensão dos povos primitivos e, conforme a atividade que você desenvolveu na Unidade 1, postando seus comentários sobre o BOX 1, você com- preendeu o posicionamento desses primeiros relatos. Diante disso, pense, agora, no Brasil do século XVI em um contexto que alguns países da Europa trilhavam caminhos para além-mar. Pensou? E aí? Qual foi a percepção dos portu- gueses ao desembarcarem no Brasil, levando em consideração os estudos que fizemos na Unidade 1? Se você pensou que os índios aqui encontrados foram considerados selvagens, você conclui e entendeu perfeitamente qual foi a primeira percepção dos portugueses diante os povos indígenas que encontraram, ou como nos narrou a historiografia por muito tempo “descobriram”, no Brasil. Portanto, toda a discussão que fizemos na Unidade 1 aplica-se, no caso brasileiro, tam- bém aos séculos XVII e XVIII. Ora, essa terra foi considerada inabitada, portanto, passível de ser povoada. É só você se recordar das aulas de História do Brasil. Porém, a análise que fa- remos possibilitará uma compreensão teórica de fatos que na maioria das vezes só ouvimos falar. Sendo assim, pensar em uma Antropolo- gia no Brasil e seu amadurecimento é buscar compreender a superação de conceitos como o de raça, superioridade e inferioridade. Diante disso, pensar em uma Antropolo- gia no Brasil remete-nos ao passado que não está tão longe assim. Isso porque, segundo Melatti (1984), foram os memorialistas e cro- nistas que contribuíram para os primeiros rela- tos sobre as “sociedades primitivas” do Brasil. Sendo assim, as análises desses relatos têm pouco mais de 200 anos, uma vez que antes disso as Ciências Sociais ainda não existiam. Portanto, para o referido autor, esses “missio- nários, navegantes, diplomatas, empresários”, entre outros, ao escreverem suas crônicas e desenharem mapas acabaram criando, sem perceber é claro, instrumentos de coletas de dados. Em outras palavras, foi a partir de mate- riais como esses que pesquisadores, como Flo- restan Fernandes, desenvolveram os primeiros trabalhos sociológicos no Brasil. O encontro dos europeus mediado pelo descobrimento da América, nesse contexto, PArA SABerMAiS Assista ao filme “A Antropóloga”. Direção: Zeca Nunes Pires, Brasil. Imagem Filmes, 2010. DVD (90min), color. “Aos 33 anos, Maria de Lourdes Gomes Azeve- do Ramos (Malu) realiza na Costa da Lagoa – reduto açoriano na Ilha de Santa Catarina (Flo- rianópolis/SC/BR) – sua pesquisa de doutorado na área de etnobotâ- nica. Sua vinda a Costa da Lagoa não será me- ramente um marco em sua carreira acadêmica mais uma série de de- safios emocionais que coloca a protagonista no limite entre a razão e a imaginação, ciência e misticismo, crença e ceticismo, amor e paixão. Com dona Ritinha, ben- zedeira mais conhecida na comunidade, Malu inicia o aprendizado da cultura mística que os descendentes de açorianos preservam no local”. Fonte: Disponível em: <http://castordownloa- ds.net/download-a-an- tropologa-dvdrip-avi- -rmvb-nacional-50063. html. Figura 41: Desembarque de Cabral em Porto Seguro, por Oscar Pereira da Silva. Fonte: Portal do Governo Brasileiro. Disponível em:< www.brasil.gov.br>. Aces- so em 29 jul. 2013. ▼ ▲ Figura 42: Florestan Fernandes entre índios Xavante em 1986. Fonte: Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em 05 mai. 2013. 51 Ciências da Religião - Antropologia Cultural fomentou uma série de questionamentos com o intuito de explicar a origem desses povos. Assim, os estudos arqueológicos e paleontoló- gicos, de acordo com Marconi e Prezotto (2006 p.215), demonstraram que no caso brasileiro, “as datas mais antigas da presença do homem situam-se em torno do ano de 8.000 a.C, cons- tatadas pelos testemunhos de fósseis do Ho- mem da Lagoa Santa, em Minas Gerais”. Além disso, as autoras acrescentam que “recentes pesquisas da arqueóloga Conceição Beltrão talvez permitam recuar essa data para 12.000 ou 14.000 anos”. Concomitantemente, as des- cobertas de cerâmicas na Amazônia, contribu- íram, também, para a datação da presença do homem na América. Essas cerâmicas encontra- das na Amazônia datam por volta de “500 anos antes de Cristo [...]”, sendo assim, a qualidade técnica desses artefatos possibilitou a consta- tação da “presença de grupos portadores de nível de cultura avançado, em relação ao ho- mem [de outras localidades do Brasil], cujas manifestações culturais limitavam-se aos ins- trumentos de pedra lascada e posteriormente polida” (MARCONI; PREZOTTO 2006, p.216). Vale ressaltar que, até 1930, grande par- te da produção antropológica acerca desses povos foi realizada por estudiosos de outras áreas, como exemplo, juristas, médicos, bo- tânicos, entre outras que se interessaram por índios, negros e sertanejos. Os estudos cen- tram-se, portanto, na preocupação com o fu- turo do país, visto que as teorias de raças pre- dominavam os discursos acerca da civilidade dos povos. Portanto, à luz do pensamento de Schwarcz (1993), a miscigenação no Brasil, se- gundo a perspectiva de raças, configurou-se em um dos entraves para o desenvolvimento do país. Não obstante, fizeram-se necessárias políticas embraquecimento da população bra- sileira cujo intuito era minimizar a influência degenerativa e “impura” provenientes das ra- ças indígenas e negras. O interessante desses estudos, em especí- fico o caso indígena, é que, de acordo com os interesses políticos de cada período histórico que o Brasil passou, a construção do imaginá- rio social acerca desses povos foi se modifican- do. Ou seja, na época do descobrimento, o ín- dio foi percebido como selvagem e sem alma devido às diferenças em relação aos europeus, conforme estudamos nas Unidades 1 e 2. Não obstante, quando do processo de expansão PArA SABer MAiS A identidade de gênero consiste no autor reconhecimento que o indivíduo faz acerca das suas relações com o masculino ou o femini- no, ou seja, uma mulher pode considerar sua identidade de gênero como sendo masculino, por exemplo. Tal pers- pectiva teórica contri- buiu, sobremaneira, para a desnaturalização dos comportamentos sociais atribuídos, culturalmente, para homens e mulheres (LIMA, 2008). ◄ Figura 43: Artefato Sambaqui. Zoolíto em forma de peixe. Fonte: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.museu- nacional.ufrj.br>. Acesso em 05 mai. 2013. ▲ Figura 44: O Homem de Lagoa Santa, Museu Gruta da Lapinha, Lagoa Santa, Minas Gerais. Fonte: Panoramio. Dispo- nível em: < http://www. panoramio.com>. Acesso em 05 mai. 2013. 52 UAB/Unimontes - 1º Período do cristianismo, esse mesmo índio foi consi- derado como uma “criança”, logo, detentor de alma e passível de ser catequizado, leia-se convertido à normalidade cristã. Por fim, no período da independência do Brasil e em anos posteriores quando se pensava a identidade nacional, o índio elevou-se à categoria de he- rói, ou ainda, como parte reconhecida da na- cionalidade brasileira. Nessa direção, Melatti (1994, p.1), em sua obra “Os Índios do Brasil”, propõe uma revisão acerca da imagem do índio e que essa deve se apresentar muito mais próxima da realida- de. Descreve, portanto, um índio “humano” e tenta combater “uma série de ideias precon- ceituosas que sobre ele se mantêm [...]”. Sendo assim, o autor demonstra que as populações indígenas não se configuram em um corpo homogêneo, ou seja, “as línguas, os costumes, variam de tribo para tribo”. Consequentemen- te, o referido autor chama nossa atenção para o próprio conceito de índio, pois tal conceito nada mais é que uma categoria criada pelos europeus. Destarte, esclarece que nem todos os povos indígenas falavam Tupi e a imagem de unicidade da língua é proveniente de sua apropriação para a dominação e catequização. Em outras palavras, no primeiro contato com os indígenas, os jesuítas e alguns colonizado- res trataram de aprender a língua Tupi para facilitar o processo de catequização e coloni- zação. Portanto, os povos indígenas “converti- dos” e “dominados” serviram como facilitado- res para novas catequizações e dominações. Destacamos, ainda, outro estudioso que contribuiu, sobremodo, para os estudos das populações indígenas, a saber, Darcy Ribeiro. Para o referido autor, a questão indígena no Brasil permeia discursos quanto à ausência de sua capacidade adaptativa à sociedade brasi- leira. Esse pensamento, de acordo com Ribeiro (1977), é proveniente da ideia de que o pro- blema da inadaptação do índio à sociedade brasileira consiste no fato de se vincular a uma tradição pré-colombiana a manutenção dos costumes e hábitos indígenas. diCA “Florestan Fernandes (22/07/1920-10/8/1995) nasce na cidade de São Paulo, de origem pobre, estuda com dificulda- de e destaca-se pela disciplina e esforço. Torna-se professor da Universidade de São Paulo (USP), na década de 40, sendo afastado pelo regime militar em 1969. A partir daí, passa a lecionar em universi- dades do Canadá e dos Estados Unidos. Denun- cia a marginalização do negro na sociedade na tese A Integração do Negro nas Socieda- des de Classe (1964). Dedica-se, também, ao estudo das sociedades indígenas, da educação e da modernização, além da análise crítica da sociologia. Aborda o processo revolucionário latino-americano em Capitalismo Dependen- te e Classes Sociais na América Latina (1973). Em 1975, escreve A Revolução Burguesa no Brasil, sobre as classes dominantes do país e sua resistência às mu- danças históricas. Volta ao Brasil, em 1977, passa a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a partir de 1979, retornando à USP em 1986. É considerado o fundador da sociologia crítica no Brasil”. Figura 45: Alfabetização de Índios.Fonte: Luzmar Paz Leite. Disponível em: <http:// lusmarpazleite.blogspot. com.br >. Acesso em 29 jul. 2013. ► ▲ Figura 46: Índios do Brasil, Júlio César Melatti. Fonte: Mercado Livre. Disponível em: <http://produto. mercadolivre.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013. 53 Ciências da Religião - Antropologia Cultural Diante do exposto, esclarecemos que a Antropologia no Brasil institucionalizou-se en- tre os anos de 1930 a 1960. No que diz respeito às décadas de 1930, inaugurou-se, em 1933, a Escola de Sociologia e Política de São Paulo; em 1934, criou-se a Faculdade de Filosofia e Letras do Brasil. Em 1955, a partir do fomento de algumas instituições das Ciências Sociais e Humanas, institui-se a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Desde então, a ABA passou a reunir interesses da Antropologia no Brasil e se mantém até os dias atuais, realizan- do congressos e pesquisas na área (MELATTI, 1984). Destacamos, ainda, o surgimento do Departamento de Antropologia da UNB, fun- dado em 1962, porém foi desativado em 1965 retornado ao funcionamento em 1969. Certamente, a criação dessas instituições ampliou o campo de investigação da Antropo- logia no Brasil e, paulatinamente, essa Ciência se consolidou no contexto brasileiro. Temas como mudança social, mudança cultural, in- terpretação do Brasil, identidade, cidadania, para citar alguns exemplos, emergem nas pesquisas antropológicas e contribuem para compreensão da cultura brasileira. No que diz respeito à cidadania, ou ao “jeitinho brasilei- ro”, citamos Roberto DaMatta que ao analisar esses temas recorrentes no Brasil aponta uma outra percepção acerca das relações sociais estabelecidas no contexto brasileiro. Para o referido autor, a cidadania vivenciada no Bra- sil nos remete à relação entre “a casa e a rua”, pois quando: [...] a casa é englobada pela rua vivemos frequentemente situações críticas e em geral autoritárias. Situações onde momentaneamente se faz um rompi- mento com a teia de relações que amacia um sistema cujo conjunto legal não parte da prática social, mas é feito visando justamente a corrigi-la ou até mes- mo a instaurar novos hábitos sociais (DAMATTA, 1997, p.10). Em posse dos argumentos de DaMat- ta (1997), que também nos demonstra que o Brasil é uma sociedade hierarquizada, conclu- ímos que quando nos sentimos ameaçados da posição hierárquica, que concebemos ter, invocamos o jargão “você sabe com quem está falando?” para retomar a posição que su- postamente perderíamos, caso não nos iden- tificássemos em um status superior. Isso se dá porque, como as relações no Brasil são muito pessoais, as pessoas não conseguem se ade- quar à impessoalidade das leis, portanto sem- pre se valem de algum laço relacional para dri- blar a burocracia. Nesse sentido, os estudos de DaMatta (1997) tornaram-se expoentes para a compreensão das relações na sociedade brasi- leira, bem como a concepção múltipla do con- ceito de cidadania. Aprofundando suas análises em um es- tudo comparativo, DaMatta (1990), também constrói uma ampla comparação entre Brasil e Estados Unidos, levando em consideração vários aspectos culturais das duas socieda- des. Dessa forma, o autor supracitado aborda características que fazem com que, nessas so- ciedades, as pessoas se relacionem de formas distintas tanto entre si quanto com o próprio Estado. Um dos exemplos que DaMatta (1990) traz consiste na forma de colonização que foi empreendida em cada uma dessas nações, pois enquanto nos Estados Unidos ocorreu uma colonização de povoamento, no Brasil desenvolveu-se um empreendimento de ex- ploração. No primeiro caso, foram famílias in- teiras que saíram da Europa rumo aos Estados Unidos, ao passo que para o Brasil veio uma grande maioria de homens. Esses fatos, ainda segundo o autor, podem contribuir para expli- car o porquê da imensa miscigenação no Bra- sil, ao passo que nos Estados Unidos há uma separação tão escancarada. Não obstante, Da- Matta (1990) aborda a questão religiosa para compreender algumas das diferenças entre os dois países. Seguindo um raciocínio pareci- do com o de Max Weber em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o an- tropólogo brasileiro demonstra como a crença religiosa dominante em cada um desses Esta- dos contribui para que as pessoas tenham in- terpretações distintas acerca do trabalho. PArA SABer MAiS Leia o artigo “A Antro- pologia como Ciência Social no Brasil” de Ma- riza Peirano para apro- fundar seus estudos sobre o tema. O artigo está disponibilizado no Centro de estudos de Antropologia. Fonte: Disponível em: <http:// ceas.iscte.pt/etnogra- fica/docs/vol_04/N2/ Vol_iv_N2_219-232. pdf>. PArA SABer MAiS Assista ao filme “BE- SOURO” (2009). A trama se passa no recôncavo baiano, década de 1920. A película retrata a discriminação com qual negros libertos eram acometidos embora a abolição já havia sido declarada. Manoel (Aílton Carmo), personagem principal aprendeu capoeira como Mestre Alípio (Macalé), seu tutor não somente em golpes de capoeira, mas, também, as virtudes da con- centração e da justiça. Besouro, como ficou conhecido Manuel, vai defender o seu povo e lutar contra o precon- ceito de sua época. ◄ Figura 47: A Casa & a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, Roberto DaMatta. Fonte: Arquitetônico. Dis- ponível em: <http://www. arquitetonico.ufsc.br/>. Acesso em 29 jul. 2013. 54 UAB/Unimontes - 1º Período Por fim, o mencionado autor conclui uma diferença interessante entre os dois países, especialmente no que diz respeito às leis, a hierarquia social e a forma como as pessoas convivem. Nesse sentido, enquanto no Brasil as pessoas vivem juntas (brancos e negros) e até se misturaram por meio de casamentos, nos Estados Unidos a separação foi (e ainda é) muito mais rígida, visto que existem luga- res sociais muito bem definidos para brancos e negros. Contudo, não podemos deixar de mencionar que as leis nos Estados Unidos, onde as relações pessoais são muito mais fra- cas que no Brasil, são aplicadas com maior impessoalidade. Resumindo essas ideias, Da- Matta (1990) conclui que no Brasil as pessoas vivem juntas, mas existe uma desigualdade maior, ao passo que nos Estados Unidos as pessoas vivem separadas (por exemplo exis- tem bairros de brancos e bairros de negros, as- sim como restaurante, programas de TV, etc.), porém nos Estados Unidos pessoas são mais iguais perante a lei. Em fim, você estudou diversas vertentes da Antropologia Cultural neste caderno. Per- cebeu a trajetória da Antropologia rumo ao relativismo para a interpretação das culturas, assim como os métodos que possibilitou a sua elevação à Ciência e os estudos das socieda- des primitivas e complexas. Agora que você conhece essa trajetória, os principais conceitos e métodos, é hora de ler mais uma vez este ca- derno para reforçar o conteúdo. Referências BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. BOURDIEU, Pierre; PRADO, Silvia de Almeida. A economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Pau- lo: Perspectiva, 1992. 361 p. BRAGA, Christiano et. al. Território e territorialidade. In:___. territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Brasília: SEBRAE, 2004. p. 25-69. CARVALHO, Flávio de Oliveira. desenvolvimento, mulheres e criminalidade: uma análise dos relatos das presidiárias detidas por envolvimento com tráfico de drogas na cadeia pública de Montes Claros/MG. 2007. 106f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros. DAMATTA, Roberto. A Casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. DAMATTA, Roberto. CarnavaisMalandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DINIZ, Débora. Antropologia e os limites dos Direitos Humanos: o dilema moral de Tashi. In: NO- VAES, Regina Reyes; LIMA, Roberto Kant de (Org.). Antropologia e direitos humanos. v. 1. Niterói: Ed. UFF/ABA, 2001, p. 17-46. DURÃES, Sarah Jane Alves; Lima, Fernanda Veloso; CARVALHO, Flávio de Oliveira. Novos Movi- mentos Sociais e o Movimento de Mulheres. revista Unimontes Científica. v. 7, n. 2, jun/dez de 2005, p. 91-100. DURHAM, Eunice Ribeiro; CARDOSO, Ruth C. Leite. A investigação antropológica em áreas urba- nas. In: revista de Cultura. Petrópolis: Vozes, v. 67, n. 2, 1973. DURKHEIM, E. da divisão do trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In:__. MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982a, p. 79 -98. __________. O olho do poder. In:__. MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982b, p. 209-227. __________. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. São Paulo: Vozes, 2005, 262p. PArA SABer MAiS Para melhor compre- ensão das políticas indigenista, sugerimos o filme XINGU. Direção: Cao Hamburger, Brasil. DownTown Filmes, 2012. DVD (102min), color. Fonte: Disponí- vel em: <http://www. baixarfilmesdublados. net/baixar-filme-xingu- -nacional/>. diCA A política indigenista proposta pelos irmãos Villas Bôas foi de sua importância para com- preensão da riqueza cultural da população indígena Xingu. Nesse sentido, Darcy Ribeiro afirmou que “os Villas Bôas dedicaram todas as suas vidas a conduzir os índios xinguanos do isolamento original em que os encontraram até o choque com as fronteiras da civilização. Aprenderam a respeitá- -los e perceberam a necessidade imperio- sa de lhes assegurar algum isolamento para que sobrevivessem. Tinham uma consciên- cia aguda de que, se os fazendeiros penetras- sem naquele imenso território, isolando os grupos indígenas uns dos outros, acabariam com eles em pouco tempo. Não só matan- do, mas liquidando as suas condições ecoló- gicas de sobrevivência.” (RIBEIRO, 1997, p. 194). AtiVidAde Assista à entrevista de Darcy Ribeiro, “Índios e Portugueses: encon- tros & desencontros” e poste no fórum o seu comentário levando em consideração os argumentos que estu- damos até o presente momento. O Vídeo está disponível em: <http:// www.youtube.com>. 55 Ciências da Religião - Antropologia Cultural GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HALL, Stuart. identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. LÉVI-STRUASS, Claude. A Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. LIMA, Fernanda Veloso. Produção do corpo e produção da cidade: um estudo sobre os espa- ços sociais e simbólicos da prostituição feminina em Monte Claros/MG (1940-1970). 136 f. Disser- tação de Mestrado, Unimontes: Montes Claros, 2008. MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guine Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976. 436 p. (Coleção Os Pensadores). MARCONI, Mariana de Andrade; PREZOTTO, Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6 ed. 2ª impressão, São Paulo: Atlas, 2006. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003. MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1984a. MELATTI, Júlio Cezar. A antropologia no Brasil: um roteiro. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 17. p. 3-52, 1º Semestre, 1984b. A Missão. Direção: Roland Joffé, Inglaterra. Warner Bros, 1986. DVD (126 min), color. OLIVEN, Ruben George. A Antropologia dos Grupos Urbanos. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2007. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Petrópolis: Vozes, 1977. ___________. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SAHLINS, Marshall. Sociedades tribais. Tradução: Yvonne Maggie Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Bra- sil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. PArA SABer MAiS Visite o sítio http:// www.arquitetonico. ufsc.br/a-casa-e-a-rua- -resenha, caso queria conhecer um pouco mais sobre a obra de Roberto DaMatta “A Casa & a Rua”. 57 Ciências da Religião - Antropologia Cultural resumo Na Unidade 1, você aprendeu a definição de Antropologia e dos campos de abordagens antropológicos, bem como a comparação entre a Antropologia e outras Ciências. O objetivo é fazer uma reflexão sobre a especificidade do discurso antropológico e a produção de um conhe- cimento dessa Ciência. Refletimos, também, sobre métodos e trabalho de campo na Antropolo- gia, buscando explicitar a singularidade do saber antropológico. Para tanto, estudamos: • como a Antropologia surge como Ciência em um contexto histórico específico e como ela foi, a princípio, influenciada pelas Ciências Naturais; • percebemos que a ciência antropológica definiu como seu primeiro objeto de estudo as so- ciedades consideradas primitivas e que essa foi a primeira característica que lhe conferiu es- pecificidade na qualidade de um campo científico de investigação; • que o paulatino desaparecimento das sociedades ditas selvagens colocou a Antropologia em uma crise de identidade, fazendo-a refluir sobre sua própria civilização e questionar sua razão de ser; • a distinção da Antropologia e demais ciências que também estudam o homem, bem como a especificidade de seu método de investigação, ou seja, a observação participante que quer dizer uma vivência prolongada junto à cultura que pretende interpretar; • as divisões da ciência antropológica em diversos ramos, tais quais: Arqueologia, Antropolo- gia Biológica, Antropologia Cultural, entre outras; • que para a Antropologia o conceito de cultura não se refere a erudição ou acúmulo de co- nhecimento, mas sim a formas de agir, pensar e sentir as quais são vividas de forma distinta por populações mundo afora; • o conceito de Etnocentrismo, que faz um grupo identificar seus valores como sendo preferí- veis a todos os demais; • o conceito de Relativismo Cultural, que procura compreender os comportamentos segundo as explicações e pontos de vista da própria cultura que os origina. Na Unidade 2, descrevemos especificamente as sociedades consideradas primitivas, visto que se constituíram como o primeiro objeto de pesquisa da ciência antropológica. Nesse senti- do, o objetivo consistiu em discutir conceitos que evidenciem de forma mais contundente quais são os aspectos que singularizam as sociedades “selvagens”, assim como apresentar os discursos antropológicos que foram construídos a respeito dessas sociedades. Desse modo, você pode analisar: • as características básicas que distinguem uma sociedade complexa de uma sociedade sim- ples; • como as relações de parentesco, entre as sociedades selvagens, são regidas por um comple- xo esquema de alianças e procuram construir uma ordem social tanto no interior da tribo (relações endogâmicas) quanto entre tribos distintas (relações exogâmicas), visando a ma- nutenção, na medida do possível, da harmonia social; • os tipos de clãs e suas organizações de parentesco; • como o arranjo de forças simbólicas é que determina o objeto teórico e discursivo do con- junto de bens de identificação de uma dada cultura; • que as trocas econômicas tribaisse desenvolvem pautadas em valores sociais que são dis- tintos do pensamento ocidental e respondem a necessidades que raramente são materiais, ou seja, infrequentemente visam o acúmulo de bens; • como o contato do europeu com o não europeu (expansão colonial) desencadeou uma de- vastação na diversidade cultural, especialmente apreendendo conceitos como os de genocí- dio (assassinato físico de um povo) e de etnocídio ( aniquilamento da cultura de uma popu- lação); • algumas análises antropológicas acerca das sociedades primitivas, bem como algumas con- siderações sobre as sociedades capitalistas. Por fim, na Unidade 3 estudamos que: • os métodos antropológicos para o estudo das sociedades complexas e que, nesse contexto, 58 UAB/Unimontes - 1º Período estranhar o familiar torna-se mais complicado, uma vez que o pesquisador estuda sua pró- pria cultura; • que a experiência oriunda do trabalho de campo possibilitou uma interpretação científica das sociedades complexas; • que para estudar a cultura é preciso apreender os mecanismos de produção simbólica que integram suas linhagens e representações, assim como a maneira com a qual tais linhagens e representações adquirirem uma realidade própria; • que a diferenciação entre o campo simbólico e as simulações dos sujeitos é de suma impor- tância para a compreensão de uma determinada imagem da sociedade, sobretudo a com- plexa; • as três concepções de identidade e que podemos entendê-la de forma diferente em cada contexto histórico, isto é, a percepção de identidade do sujeito do Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno; • um dos campos de análise das sociedades complexas, a saber, a Antropologia Urbana, bem como a cidade e os grupos que nela vive; • o conceito de território e como ele contribuiu para a compreensão do espaço citadino; • a visão da Escola de Chicago sobre os fenômenos urbanos; • a associação equivocada entre crime e pobreza proferida por alguns discursos antropológi- cos do século XIX; • o esquadrinhamento e a vigilância que as populações que vivem na cidade são acometidas cujo intuito é mediar o conflito proveniente da vida na cidade; • a cidade complexa é dotada de um emaranhado de relações e conflitos sociais cujas reivin- dicações versam por bens inegociáveis, como gênero, identidade, raça, entre outros; • que no contexto da cidade, e diante dos conflitos dela provenientes, os novos movimentos sociais eclodem em prol da dessa reivindicações; • o modelo de controle de alguns grupos que ferem a ordem da cidade, como exemplo, a prostituição; • foram os memorialistas e cronistas que contribuíram para os primeiros relatos sobre as “so- ciedades primitivas” do Brasil; • que a partir das escavações feitas por estudos arqueológicos descobri-se que a presença do homem no Brasil é muito antiga, podendo datar em até 14.000 a. C; • que, até 1930, grande parte da produção antropológica acerca desses povos foi realizada por estudiosos de outras áreas, como exemplo, juristas, médicos, botânicos, entre outras que se interessou por índios, negros e sertanejos.; • que durante muito tempo os estudos Antropológicos no Brasil sofreram influência do evolu- cionismo, sobretudo no que diz respeito ao entendimento da miscigenação como um entre- ve à pretensão de um Brasil civilizado; • as três diferentes visões sobre o índio em períodos distintos, ou seja, na época do descobri- mento ele era selvagem, quando da expansão do cristianismo uma criança que tem alma e precisa ser salva, ao passo que no pós-independência, um herói; • a proposta de revisão acerca da imagem do índio e que essa deve se apresentar muito mais próxima da realidade; • o problema na interpretação sobre o índio está nos discursos que pensam a questão indí- gena, no Brasil, como uma ausência ou incapacidade adaptativa à sociedade brasileira; • que Antropologia somente se institucionalizou no Brasil a partir das décadas de 1930 a 1960, quando divervas Faculdades de Filosofia e Ciências Humanas foram inauguradas no Brasil; • a importância da criação da Associação Brasileira de Antropologia como um canal de estu- dos e pesquisas nessa área; • a compreender o conceito de cidadania no Brasil com uma relação entre a casa e a rua. 59 Ciências da Religião - Antropologia Cultural referências Básicas BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. BOURDIEU, Pierre; PRADO, Silvia de Almeida. A economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Pau- lo: Perspectiva, 1992. 361 p. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. Complementares DURHAM, Eunice. A dinâmica da cultura: ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. FERNANDES, F. A função social da guerra na sociedade tupinambá. São Paulo: Pioneira: Edusp, 1970. MELATTI, Júlio Cezar. A antropologia no Brasil: um roteiro. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 17. p. 3-52, 1º Semestre, 1984. PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. Trad. Sérgio Magalhães Santeiro. In.: __ Velho, O. (org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. Suplementares RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. estrutura e função na sociedade primitiva. Rio de Janeiro: Edi- tora Vozes, 1973. SAHLINS, Marshall. ilhas de história. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. VELHO, Gilberto. individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contem- porânea. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. Trad. Marina Corrêa Treuherz. In: __ Velho, Gil- berto (org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. 61 Ciências da Religião - Antropologia Cultural Atividades de aprendizagem - AA 1) Assinale a alternativa CORRETA sobre o conceito de ETNOCENTRISMO: a) É a visão do mundo em que nosso próprio grupo é tomado como centro e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. b) A ação humana é perfeitamente explicável a partir de uma determinação biológica. c) É o respeito e a não negação da diversidade cultural. d) Os hábitos e os costumes são provenientes da reação ao instinto de sobrevivência dos seres humanos. 2) O RELATIVISMO CULTURAL consiste em: a) Um sentimento “natural” a todos os seres humanos, uma vez que é resultado do processo de criação de uma pessoa no interior de uma cultura. b) Repudiar as formas culturais, morais, estéticas diferentes daquelas com as quais nos identifica- mos. c) Recusar a admitir as diversidades culturais. d) Um esforço de compreender a diferença, sem pensar que existe apenas uma única forma pos- sível de se viver em sociedade. 3) Sobre a Arqueologia é CORRETO afirmar: a) O estudo do homem como ser biológico, dotado de um aparato físico e uma carga genética, com um percurso evolutivo definido e relações específicas com as outras ordens e espécies de seres vivos. b) O estudo do homem no tempo, através de monumentos, restos de moradas, documentos, ar- mas, obras de artes e realizações técnicas que foi deixando no seu caminho enquanto civiliza- ções davam lugar a outras no curso da História. c) Dedica-se ao entendimento dos mecanismos e combinações genéticas fundamentais que per- mitem explicar diferenciações de populações e não mais as raças. d) O estudo do homem convivendo, produzindo e reproduzindo as regras de vivência em sua própria sociedade e as sistematizações acerca dos fenômenos. 4) De acordo com Franz Boas, o evolucionismo não é capaz de explicar as diversidades culturais. Assim, atribuiu à antropologia a execução de algumas tarefas que estão representadas nas alter- nativas abaixo,EXCETO: a) A reconstrução da história de povos ou regiões particulares. b) A comparação da vida social de diferentes povos cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. c) As diversidades culturais são resultados do estágio de evolução no qual cada sociedade se en- contra. d) Através do particularismo histórico, cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. 5) Considerando a conceituação sobre as sociedades primitivas, marque, entre as alternativas abaixo, qual a característica fundamental que diferencia as sociedades simples das sociedades complexas. a) Nas sociedades simples há ausência do Estado. b) Nas sociedades simples não existem relações econômicas. c) Nas sociedades simples existe uma estrutura de relações de parentesco. d) Nas sociedades simples não existem relações de poder. 62 UAB/Unimontes - 1º Período 6) Refletindo sobre as discussões empreendidas acerca da noção de Sistemas de Parentesco, marque a alternativa INCORRETA: a) A descendência pode ser tanto matrilinear como patrilinear, dependendo do grupo tribal. b) As relações de parentesco respeitam normas que vão muito além da união entre duas pessoas. c) A escolha individual é o principal critério para a definição de um par para o casamento. d) Uma das maiores preocupações das normas de parentesco é possibilitar o nascimento de fi- lhos legítimos na tribo. 7) Sobre as trocas econômicas entre as sociedades tribais, podemos afirmar: a) Existe uma grande preocupação com o acúmulo de bens materiais. b) Seu principal objetivo é o estabelecimento de relações amistosas. c) Os sistemas econômicos das sociedades tribais são versões simplificadas das economias de mercado modernas. d) Estruturam-se sobre um complexo esquema de preços estabelecidos. 8) Pensando nas transformações sociais no contexto da urbanização e da industrialização do mundo, Hall (2006) fala da existência, ao longo desse processo, de três sujeitos que se sucedem. Entre as alternativas abaixo, qual não corresponde a um sujeito apontado pelo Autor? a) Sujeito pós-moderno. b) Sujeito sociológico. c) Sujeito do iluminismo. d) Sujeito filosófico. 9) Sobre a cidade, levando em consideração os pensamentos da Antropologia Urbana, marque a alternativa INCORRETA: a) Torna-se espaço de crescente conflito, visto que aglomera cada vez mais as diferenças em um mesmo local. b) Constitui-se em objeto privilegiado do saber médico, para tanto foi esquadrinhada e teve seus espaços e populações vigiados constantemente. c) Tornam-se mais pacíficas, visto que a aglomeração de pessoas permite a construção de laços de proximidade. d) Seu processo de formação foi marcado por dinâmicas territoriais que dizem respeito não so- mente aos conflitos por demarcações de fronteiras, mas também a um campo de lutas e repre- sentações simbólicas. 10) Sobre a Antropologia no Brasil, podemos afirmar, EXCETO: a) Institucionalizou-se entre os anos de 1930 e 1960. b) Paulatinamente foi reduzindo seu campo de atuação dedicando-se somente ao estudo das so- ciedades simples. c) Tem realizado descobertas arqueológicas que apontam para a presença do homem, em terras brasileiras, há milhares de anos. d) Discute características da cultura nacional, como o famoso “jeitinho brasileiro”.