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Sistema de Segurança Pública no Brasil Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Fábio Sérgio do Amaral Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público • Fornecer ao aluno elementos para compreensão do que vem a ser a atividade de Inteligência policial e sua diferença em relação à atividade de investigação; • Proporcionar reflexão sobre a atuação conjunta dos órgãos, bem como o papel do MP na Segurança Pública, tanto como órgão fiscalizador da atividade policial quanto como órgão de investigação. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Conceito de Inteligência Policial – Inteligência e Investigação; • O Ministério Público Pode Investigar Crimes? • Limites e Atribuições do MP no Controle Externo da Atividade Policial. UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Conceito de Inteligência Policial – Inteligência e Investigação A palavra inteligência vem sendo usada cada vez com maior frequência por autori- dades, especialistas, políticos, personalidades, empresários e populares, de forma geral. Bancos investem cada vez mais nela. Políticos prometem que suas polícias atuarão com suporte nela. Nossos aparelhos celulares a utilizam de forma mais intensa... Nos dias atuais, o termo é empregado em inúmeras atividades, tais como inteligência policial, inteligência esportiva, inteligência corporativa, inteligência emocional, inteligência estratégica, e assim por diante. Enfim, a palavra está “na boca do povo”. Mas o que é a atividade de inteligência? Vamos nos ater ao conceito de inteligência para fins de Segurança Pública, que é o foco de nosso estudo. Assim, vale, logo de início, dizer que inteligência policial ou de Segurança Pública não se confunde com investigação criminal. Investigação criminal é atividade voltada ao esclarecimento de um crime, na bus- ca de formação de provas da materialidade do delito e de indícios de sua autoria, obje- tivando auxiliar o órgão do Ministério Público, titular da Ação Penal, na formação de culpa do autor e na preparação da Ação Penal. É uma atividade, em regra, de natureza administrativa, exercida no âmbito da ativi- dade de Polícia Judiciária ou de outros órgãos com poderes especiais de investigação, portanto, não exclusiva de nenhum órgão específico, mas difundida em diversos órgãos da Administração Pública. Evidentemente que, em regra também, é exercida por meio do Inquérito Policial, pre- sidido por Delegado de Polícia, mas essa atribuição específica para presidir o Inquérito não exclui a competência investigativa de outras autoridades, a par do que estabelece o parágrafo único do Art. 4º do Código de Processo Penal: Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. (grifo nosso) Entretanto, essa confusão conceitual é um erro comum, apesar de básico e primário, que é cometido por inúmeros “especialistas”. Apesar de serem conceitos correlatos e, até certa medida, complementares, é preciso distinguir a investigação criminal da inteligência policial. 8 9 Ainda não apresentamos o conceito de inteligência policial, mas, pelo que foi rapida- mente analisado a respeito de investigação criminal, já se pode fazer algumas pondera- ções interessantes. Investigação criminal consiste em uma atividade reativa, com a qual se buscam provas de uma infração penal e indícios de sua autoria, ou seja, tem por essência a fun- ção de fornecer subsídios à autoridade judiciária para repressão de delitos já ocorridos. A inteligência policial, por sua vez, é uma atividade proativa, caracterizada pela busca constante de informações que, devidamente analisadas, tornam-se conhecimentos disponíveis para auxiliar a autoridade administrativa no planejamento operacional e na tomada de decisões em segurança e ordem pública. Logo, a inteligência tem por essência auxiliar o planejamento e a execução de ações preventivas da violência e criminalidade. Um conceito legal de inteligência pode ser buscado na Lei nº 9.883, de 7 de dezem- bro de 1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), e criou a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN: § 2º. Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de co- nhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. (grifo nosso) Somente para contextualizar o SISBIN, atualmente, ele é composto por 42 órgãos. Integram o Sistema Ministérios e Instituições Federais de Áreas como Segurança, Forças Armadas, saúde, transportes, telecomunicações, fazenda e meio ambiente. Na sua origem, o Sistema era integrado por apenas 22 órgãos. Figura 1 – Sede da Agência Brasileira de Inteligência, em Brasília/DF Fonte: agemt.org Dada a especificidade do tema Segurança Pública, verificou-se a necessidade de criação de um subsistema específico na Área de Inteligência, dentro do próprio SISBIN. O Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000, criou o Subsistema de Inteli- gência de Segurança Pública, no âmbito do SISBIN, com a finalidade de coordenar e integrar as atividades de inteligência de Segurança Pública em todo o país. 9 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Integram o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública os Ministérios da Justi- ça, da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, podendo integrar o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública os órgãos de Inteligência de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal. Por isso, consolidou-se o conceito de inteligência policial, mais específico do que o conceito de inteligência de Estado, previsto na Lei, como sendo: a atividade que obje- tiva a obtenção, a análise e a disseminação de conhecimentos dentro do território nacional, sobre o fenômeno criminal de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e o normal funcionamento das instituições democráticas. Isso, porque o limite da atividade de inteligência nas polícias não se confunde com a inteligência de Estado, encontrando-se circunscrita ao Mandado Constitucional que de- finiu suas atribuições legais – o exercício da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (BRASIL, Constituição da República, Art. 144, § 5º). Você Sabia? Caso de sucesso O desenvolvimento da atividade de Inteligência Policial pela Polícia Militar do Estado de São Paulo propiciou o desenvolvimento de ferramentas de inteligência tais como o Infocrim, Fotocrim, COPOM On-Line além de metodologias como o Plano de Policia- mento Inteligente que, utilizando o conceito de policiamento orientado para o pro- blema, permitiu que policiais passassem a compreender com mais velocidade e maior detalhamento o modus operandi, os locais e os horários em que os criminosos atuavam, resultando no melhor planejamento e dinamicidade das estratégias e ações policiais no âmbito de cada cidade, cada bairro e cada rua de cada cidade. A inteligência policial abarca amplo espectro de atividades e matérias que são de interesse para a Segurança Pública, muitas das quais nem sempre de cunho criminal. Vamos a alguns exemplos: • A identificação de locais com maior incidência de acidentes de trânsito, para melhor direcionar um policiamento preventivo, e que resolvaproblemas de fluxo de tráfe- go, é atividade de inteligência policial; • A identificação de causas de incidência de furtos em determinados locais e horários para definir estratégias de prevenção é atividade de inteligência policial; • A identificação de pontos com problemas de luminosidade, falta de manutenção em praças públicas, ruas com problemas de asfalto e outras questões de zeladoria que podem influenciar na segurança, é atividade de inteligência policial; • O monitoramento de grandes eventos artísticos, culturais, religiosos ou manifestações, para controle de tráfego e manutenção da ordem, é atividade de inteligência policial; • A análise criminal, com uso de métodos para planejar ações e políticas de Se- gurança Pública, obter dados, organizá-los, analisá-los, interpretá-los e deles tirar conclusões, é atividade de inteligência policial. 10 11 Figura 2 – Coruja, o animal símbolo da Inteligência Policial Fonte: Getty Images A inteligência policial e a análise criminal, sua vertente mais eloquente no combate à criminalidade, mudaram a lógica de gestão e de atuação policial. O objetivo prioritário da polícia deixa de ser apenas a solução dos crimes que já ocor- reram e passa a ser a manutenção de um ambiente social no qual não ocorra nenhum crime, as pessoas possam andar nas ruas tranquilamente e a percepção de segurança seja compartilhada por todos. Assim, ganha destaque e importância o trabalho do analista de inteligência, profissional que atua sem ser visto, mas da maior importância para o sucesso da atividade policial. Inclusive, em nível institucional, as Organizações precisam criar meios de reconhe- cimento para os profissionais da atividade-meio e com ênfase em ações preventivas, ao invés de simplesmente alimentar um modelo baseado em reconhecimento profissional daqueles que se destacam em ações repressivas, “pegando ocorrências” de vulto. O Ministério Público Pode Investigar Crimes? Como visto, a atividade de investigação, ao contrário do que alguns apregoam, não é exclusividade de nenhum órgão ou instituição. Aliás, a ideia de que apenas algumas polícias poderiam investigar crimes persiste apenas na visão de alguns juristas brasileiros, pois, praticamente no mundo todo, a in- vestigação de crimes é inerente a qualquer agência policial, desde as pequenas guardas universitárias (muito comuns nos Estados Unidos e que têm poder de polícia) até forças policiais locais, regionais ou nacionais, sejam elas civis, sejam militares. Ao dispor sobre as funções institucionais do Ministério Público, em seu Art. 129, a Constituição Federal não previu expressamente a possibilidade do poder investigatório de crimes dessa Instituição. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; 11 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de rele- vância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua compe- tência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito Poli- cial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compa- tíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. Essa lacuna gerou enorme conflito de opiniões, especialmente, pela disputa de poder que estava sendo travada diante da possível fragilização do Inquérito Policial, com a imi- nente validação dos atos investigatórios de outras autoridades. O Ministério Público possui expressas atribuições legais para proceder a diversos tipos de procedimentos de natureza investigativa, como o Inquérito Civil Público (Art. 129, III, da CF/88) e procedimentos administrativos (Art. 26, I, da Lei nº 8.625/93, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), mas restava essa lacuna quanto à investigação de natureza criminal. O Art. 144 da Carta Política, por sua vez, atribuiu, com exclusividade, às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais, ensejando uma controvérsia acerca de um possível monopólio policial das investigações criminais. Na esteira do referido dispositivo constitucional, o Art. 4º, caput, do Código de Pro- cesso Penal preconiza que “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. O instrumento legal utilizado pela Polícia Judiciária para o cumprimento dessa ativi- dade de cunho investigativo é o vetusto Inquérito Policial, cuja atribuição é conferida ao Delegado de Polícia. A tese contrária à possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público funda- menta-se, essencialmente, na suposta exclusividade dessa atividade pela Polícia Judiciária, conclusão extraída da leitura isolada dos dispositivos estampados no Art. 144, § 1º, inciso IV e § 4º, ambos da Constituição Federal. 12 13 Entretanto, o Inquérito Policial não foi concebido como o único instrumento hábil à colheita de elementos destinados à apuração de crimes e sua autoria. A própria Constituição contempla hipóteses de investigação criminal conduzida por outros órgãos, como ocorre, por exemplo, com as Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI (Art. 58, § 3º). Ademais, o Art. 129, Inciso I, da Constituição Federal, confere ao Ministério Público a titularidade da Ação Penal Pública. Se o Parquet é destinatário do Inquérito Policial e pode requisitar as diligências que entender pertinentes, e mais, sendo o Inquérito Policial peça dispensável para o ofereci- mento da denúncia, como poderia ser possível se falar em exclusividade da investigação? Código de Processo Penal Art. 39. [...] § 5º. O órgão do Ministério Público dispensará o Inquérito se, com a representação, forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a Ação Penal e, nesse caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias. Art. 46. [...] § 1º. Quando o Ministério Público dispensar o Inquérito Policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebi- do as peças de informações ou a representação. De acordo com a Lei, é exclusividade do Delegado de Polícia presidir o Inquérito Policial comum. Nessa seara, a exclusividade da direção dos trabalhos investigativos, naturalmente, é do Delegado. Porém, outros atos investigativos não lhes são exclusividade. Por exemplo, o próprio § 4º do Art. 144 da Lei Maior traz expressa exceção ao preco- nizar que “[...] às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem (...) as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, ou seja, o dispositivo constitucional que outorga competência, no âmbito estadual, à Polícia Civil para apuração das infrações penais, excepciona a investigação dos crimes militares, corroborando o conceito de que não há exclusividade para investigação. E por que esse debate tem relevância para a atividade de Segurança Pública? Porque o Ministério Público, na maioria dos países do mundo, é o próprio dirigente da atividade investigativa,e mantém estreita relação com a polícia durante essa fase. Isso porque a figura do Inquérito Policial, fora do Brasil, quase não existe. Há notícias de que, além do Brasil, somente Quênia e Uganda se utilizariam de Inquérito Policial na fase investigativa. No Brasil, que já conta com o procedimento consolidado da audiência de custódia e a nova figura do juiz das garantias, não haveria o menor sentido em se manter o Inquérito Policial, podendo se passar diretamente a uma investigação menos formal pela polícia, supervisionada pelo Ministério Público e sob a tutela desse juiz das garantias, procedimento mais garantista sob o aspecto dos direitos e garantias fundamentais e que asseguraria maior celeridade e eficiência ao trabalho policial. 13 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Código de Processo Penal Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: [...] Mas essa é a discussão que já foi travada quando estudamos os modelos policiais brasileiro e outros. Retornando à discussão sobre o poder de investigação do Ministério Público, com a decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 593.727/MG que, em sede de repercussão geral, entendeu que o Ministério Público dispõe de competência para pro- mover investigações de natureza criminal, a disputa em torno do tema nos parece estar plenamente superada. Dessa histórica decisão vale destacar os seguintes trechos: [...] Este suporte probatório, anterior ao ajuizamento da ação penal de co- nhecimento, é, de ordinário, logrado mediante persecução ou apuração prévia à instauração da ação penal, e legalmente estruturada sob formas diversas, variáveis conforme o instante histórico, político e social de de- terminado Estado. (...) Ressalve-se, desde logo, a possibilidade, aliás prevista no art. 12 do Có- digo de Processo Penal, de dispensa de Inquérito Policial, quando já se disponha, por ato ou procedimento doutra ordem, de elementos suficientes ao ajuizamento fundado da ação penal condenatória. Nesse caso, porque colhidos e documentados elementos que tornam desnecessária outra ati- vidade preliminar específica, sob forma de procedimento, para preservar o juízo e acautelar meios de prova, é legítimo dar início à segunda fase, judicial, da persecução penal, mediante formalização do ato acusatório. [...] (...) Hoje, a chamada formação da culpa, enquanto fase destinada à apuração do fato que se desenhe ilícito e típico, e de sua autoria, coautoria, ou de eventual participação, como procedimento preparatório à instauração da ação penal, se dá, primordialmente, no inquérito conduzido pelas autorida- des policiais, como estatui o art. 4º, caput, do Código de Processo Penal. Esta é a regra; não, porém, absoluta. É que convém lembrar a existência válida dos institutos do Inquérito Policial militar, do inquérito administrativo stricto sensu, do inquérito civil, ati- nente à ação civil pública, do inquérito parlamentar e, até, da modalidade de formação da culpa nos crimes contra a propriedade imaterial. Há, portanto, nas três esferas de Poder, distintas formas que ou são já, por natureza, preliminares de persecução penal, como, v. g., o Inquérito Poli- cial militar, ou que, não o sendo, podem, na prática, funcionar como tais, e todas elas lícitas. 14 15 E prossegue o Ministro, rechaçando a possibilidade de o Ministério Público exercer atividade típica de polícia judiciária, porquanto não é órgão policial e não lhe foi outor- gada essa competência, admitindo, contudo, a possibilidade de realizar atos investigati- vos para apuração de crime: Não vejo, em suma, como nem por onde reconhecer ao Ministério Pú- blico competência para, mediante procedimento investigativo destinado à apuração de infrações penais, como medida preparatória à instauração de ação penal, exercer poderes de polícia judiciária, reservados aos orga- nismos policiais, sobre cujas correspondentes atividades têm, no entanto, poder de requisição e fiscalização: (...) Concedo, porém, consoante de há muito já o fiz no julgamento do HC nº 93.224, que, à luz da vigente ordem jurídica, possa o Ministério Públi- co realizar, diretamente, atividades de investigação da prática de delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal, em hipó- teses excepcionais e taxativas, desde que se observem certas condições e cautelas tendentes a preservar os direitos e garantias assegurados na cláu- sula constitucional do justo processo da lei (due process of law), como, aliás, o admitem precedentes da Corte. Por fim, o STF firmou posição de que o MP pode realizar atos investigatórios, con- solidando a seguinte tese: [...] o Tribunal afirmou a tese de que o Ministério Público dispõe de com- petência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e ga- rantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob inves- tigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas pro- fissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessaria- mente documentados (Súmula Vinculante nº 14), praticados pelos mem- bros dessa Instituição. Limites e Atribuições do MP no Controle Externo da Atividade Policial Como decorrência do Estado Democrático de Direito1, no Brasil não existe (ou não poderia existir) Poder ou Instituição sem fiscalização. E, nessa seara, o controle da atividade policial não é novidade, tampouco exclusivi- dade brasileira. 1 CF/88, Art. 1º, caput. 15 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Os mecanismos de controle objetivam adequar os comportamentos da polícia às ex- pectativas da Sociedade. É a Sociedade que define qual modelo de polícia ela quer e o que espera dessa polícia. Da mesma forma, é ela que deve controlar se sua polícia está cumprindo o papel para o qual foi criada. Como afirma Bayley (2017, p. 174) acerca dos mecanismos de controle externo da ati- vidade policial, “A ação institucional se manifesta no modo como seus membros agem; o controle das Instituições não existe se o comportamento de seus membros não é afetado”. Na verdade, o autor nos faz lembrar e refletir que a Instituição é um ente abstrato e sua exteriorização para os cidadãos se dá por meio de seus agentes. Não pode haver boas instituições com maus profissionais. Não pode haver mudança de comportamento institucional sem mudança de comportamento no nível individual de cada agente. Logo, os mecanismos de controle devem dispor de ferramentas para promover os ajustes necessários aos comportamentos incompatíveis, remodelando a força ao padrão desejado (e determinado) pela Sociedade. Os diversos mecanismos de controle podem ser formais (Ministério Público, por exemplo) ou informais (como a imprensa), bem como internos (as Corregedorias, ge- ralmente, são órgãos internos) ou externos (as Ouvidorias de Polícia, geralmente, não fazem parte da estrutura institucional). Vamos dedicar uma parcela especial de atenção à atuação do Ministério Público como fiscal da atividade policial. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público pode se apresentar sob a forma ordinária e extraordinária. O controle ordinário (ou geral) consiste na atividade exercida corriqueiramente, seja por meio da verificação do trâmite das investigações policiais e do cumprimento das diligências requisitadas, seja por meio de visitas periódicas às unidadesde polícia, a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos presos que porventura se encontrarem no local. O controle extraordinário, por sua vez, é focado em problemas específicos identi- ficados nessas visitas. A Constituição de 1988, em seu Art. 129, VII, considerou função institucional do Ministério Público o exercício do controle externo da atividade policial, na forma da Lei complementar de regência da Instituição. Assim, tal atividade é exercida em conformidade com o disposto nas Leis orgânicas do Ministério Público da União e dos Ministérios Públicos dos Estados. Assim prevê o Art. 129 da CF: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior. 16 17 A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, é muito vaga no que se refere às atribuições do MP no controle externo da ativi- dade policial. De outra banda, a Lei Orgânica do Ministério Público da União, Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, é mais clara, e preconiza: A rt. 3º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista: a ) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegu- rados na Constituição Federal e na lei; b ) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c ) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; d ) a indisponibilidade da persecução penal; e ) a competência dos órgãos incumbidos da Segurança Pública. (...) Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; I I – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; I II – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; I V – requisitar à autoridade competente para instauração de Inquérito Policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V – promover a ação penal por abuso de poder. (...) A rt. 117. Incumbe ao Ministério Público Militar: ( ...) II – exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária militar. (...) A rt. 150. Incumbe ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios: ( ...) IV – exercer o controle externo da atividade da polícia do Distrito Federal e da dos Territórios. Eventualmente, algum estado-membro não tem Lei específica disciplinando a atu- ação do MP no âmbito daquele ente, portanto, as disposições da Legislação federal podem ser utilizadas subsidiariamente para delimitar sua atuação. 17 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Veja que, no exercício das atividades de controle externo, conforme preconiza o Art. 9º destacado, o representante do MP poderá ter livre acesso às dependências da unidade poli- cial e a quaisquer documentos relativos à atividade-fim da polícia. Decorrência disso, poderá determinar a adoção de medidas para que sejam sanadas irre- gularidades constatadas, determinar a instauração de sindicâncias ou outros procedimentos apuratórios contra os responsáveis pelas irregularidades ou até mesmo propor Ação Penal por abusos ou desvios de conduta identificados na atividade de controle externo. Se assim não fosse, seria inócua a atividade de controle externo. Em outras palavras, o MP fiscaliza e orienta o trabalho policial, possuindo poderes para apurar e corrigir desvios observados. No entanto, é importante que fique claro que esse controle externo da atividade poli- cial não implica que as polícias estejam subordinadas ao Ministério Público. Refere-se, em verdade, exclusivamente ao controle da atividade-fim da polícia. O Ministério Público não tem controle sobre atividades-meio ou atos de gestão interna das polícias, como, por exemplo, as compras de equipamentos, os concursos para provimento de cargos, a gestão de pessoas etc., exceto em caso de ilegalidade, desvio ou abuso ou, ainda, se efetivamente tais atos impactarem a atividade-fim, objeto de sua competência. Por exemplo, o Ministério Público não pode se imiscuir na distribuição de efetivo po- licial para determinar onde esse ou aquele policial deverá ser lotado para desempenhar suas atividades. Entretanto, caso identifique que determinado batalhão ou determinada Delegacia está com defasagem de efetivo em relação a outra Unidade, de modo que afete sua atividade operacional, poderá requisitar informações ou até propor medidas de caráter disciplinar e/ou penal em desfavor do responsável, caso se evidencie um caso de má gestão. Em Síntese Nesta Unidade, foram estudados: • Conceito de inteligência policial e a diferenciação entre inteligência policial e investigação criminal; • A possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público; • Os limites e as atribuições do MP no controle externo da atividade policial. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Videoaula ESMPU – Controle externo da atividade policial https://youtu.be/GN_qVsC1M6s Entenda o que é o controle externo da atividade policial realizado pelo MPF https://youtu.be/QrSwfl0OWTs Leitura Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999 https://bit.ly/3d5rBND Procuradores da República defendem fim do Inquérito Policial https://bit.ly/3p3akqp 19 UNIDADE Inteligência Policial e Controle da Atividade Policial pelo Ministério Público Referências BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento. Uma análise internacional comparativa. 2.ed.2.reimp. São Paulo: USP, 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. ________. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. ________. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe sobre a organiza- ção, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. ________. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. ________. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. ________. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 593.727 – Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em: 29/01/2021. CAMELO, T. 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