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Autores: Profa. Priscilla Silva Silvestrin Prof. Robson Ferreira Colaboradoras: Profa. Sandra Castilho Profa. Angélica Carlini Instituições de Direito Professores conteudistas: Priscilla Silva Silvestrin / Robson Ferreira Priscilla Silva Silvestrin Mestra em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com bolsa CAPES (2015). Especialista em Direito Público pelo Instituto Damásio de Jesus. Graduada em Ciências Contábeis pela PUC-SP (2014) e em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-2005). Atualmente, é advogada e contadora. Foi professora da Universidade Salvador (Unifacs) e das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Atua como professora na área de concursos, na Logga Cursos Preparatórios, na Universidade Paulista (UNIP) e no Centro Universitário Senac, sendo membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) em ambas as instituições. É autora na Editora Saraiva e na Sol Editora e pesquisadora na área da docência no ensino superior, nas áreas do Direito e da ciência contábil. Robson Ferreira Doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp-2015) e mestre em Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário Fieo (Unifieo-1999). É bacharel em Direito pelo Unifieo (1998) e possui pós-graduação lato sensu em Direito Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper-2010). Também é especialista em Direito Processual Penal pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-2000). Possui MBA Executivo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1989) e pós-graduação em Mercado de Capitais pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV-EPGE-1987) e em Sistemas de Informações pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj-1985). Advogado inscrito na OAB/SP, atua na área empresarial consultiva. Com trinta anos de experiência profissional em empresas de grande porte, trabalhou na PricewaterhouseCoopers (analista consultor), no Banco Bozano Simonsen (gerente), no Unibanco (diretor), no Credibanco (diretor), banco de Nova York, na Telesp Celular/Vivo (diretor) e na Medial Saúde (diretor). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S587i Silvestrin, Priscilla Silva. Instituições de Direito / Priscilla Silva Silvestrin, Robson Ferreira. – São Paulo: Editora Sol, 2025. 188 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Constituição Federal. 2. Direito Civil. 3. Noções Introdutórias. I. Ferreira, Robson. II. Título. CDU 340.11 U521.30 – 25 Prof. João Carlos Di Genio Fundador Profa. Sandra Rejane Gomes Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Profa. M. Marisa Regina Paixão Vice-Reitora de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor das Unidades Universitárias Profa. Silvia Renata Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Revisão: Prof. Alexandre Ponzetto Bruna Baldez Ingrid Lourenço Instituições de Direito APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO ................................................................................................... 11 1.1 Conceito de direito .............................................................................................................................. 12 1.2 Origem e finalidade do direito ........................................................................................................ 14 1.3 Direito objetivo e direito subjetivo ................................................................................................ 20 1.4 Direito e moral ....................................................................................................................................... 21 2 CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO ..................................................................................................................... 23 2.1 Ramos do direito .................................................................................................................................. 23 2.2 Fontes do direito ................................................................................................................................... 26 2.2.1 Fontes materiais ...................................................................................................................................... 27 2.3 A lei ............................................................................................................................................................ 32 2.3.1 Elementos e hierarquia da legislação ............................................................................................. 32 2.3.2 Vigência, cessação da obrigatoriedade, retroatividade ........................................................... 33 2.3.3 Processo legislativo ................................................................................................................................ 36 3 DIREITO CONSTITUCIONAL........................................................................................................................... 46 3.1 Noções introdutórias de direito constitucional ....................................................................... 46 3.2 Conceito e classificação ..................................................................................................................... 46 3.3 A Constituição ....................................................................................................................................... 49 3.4 O poder constituinte ........................................................................................................................... 50 3.5 Espécies de constituição .................................................................................................................... 52 3.6 Controle de constitucionalidade .................................................................................................... 54 3.7 Da organização nacional ................................................................................................................... 56 4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ....................................................................................................... 56 4.1 Histórico da Constituição de 1988 ............................................................................................... 58 4.2 Preâmbulo ............................................................................................................................................... 61 4.3 Princípios fundamentais ....................................................................................................................da vontade social na expressão do direito”. Na figura a seguir, destacam-se as fontes do direito, com a indicação de sua origem e um brevíssimo resumo explicativo. Sã o as n or m as ju ríd ica s p ro du zid as p elo Es ta do , a tr av és d o Po de r L eg isl at iv o (F ed er al , E st ad ua l e M un ic ip al ) Sã o os re su lta do s d e es tu do s e pe sq ui sa s d os ju ris ta s, qu e sã o pu bl ic ad os p ar a au xi lia r a c ria çã o e in te rp re ta çã o da s l ei s É o es ta be le ci m en to d e um en te nd im en to p el os tr ib un ai s e se us ju íze s a tr av és d e re ite ra da s in te rc ep ta çõ es a ce rc a de u m a de te rm in ad a m at ér ia Fu nc io na m c om o le is en tr e as p ar te s, po is fo ra m p ac tu ad as li vr em en te , de sd e qu e de nt ro d os li m ite s l eg ai s Qu an do se a pl ic a pa ra u m c as o co nc re to o ut ra n or m a ju ríd ic a pr ev ist a pa ra o ut ra si tu aç ão , p or ém se m el ha nt e àq ue la Sã o ce rt as si tu aç õe s, há bi to s, co m po rt am en to s, pr át ic as e ex er cí ci os re ite ra da m en te pr at ic ad os p el o gr up o so ci al Sã o as g ra nd es id ei as q ue su st en ta m o Di re ito , o u se ja , d ão b as e, co er ên ci a e co es ão a o Di re ito P os iti vo (i) Leis (ii) Doutrina (iii) Jurisprudência (iv) Contratos Fontes formais do Direito (v) Analogia (vi) Costumes (vii) Princípios gerais de direito Poder Legislativo Juristas Tribunais e juízes As partes (particulares) Fontes subsidiárias do direito em caso de omissões na lei Figura 5 – Fontes do direito Prosseguindo a análise, vamos detalhar as fontes do direito apresentadas para que você possa fixar melhor esse conteúdo. As leis, que são as normas jurídicas produzidas pelo Estado, são a principal fonte do direito, sem nenhuma dúvida. 29 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Vejamos as características das leis: • Abstração: dizemos que as leis são abstratas, ou seja, são geradoras de efeitos para o futuro. • Generalidade: as leis são dirigidas a todos e apresentam as consequências jurídicas relacionadas aos fatos por elas retratados de modo geral, ao contrário de uma sentença, que vincula as partes de forma objetiva e particular. • Estatalidade: significa dizer que as leis são elaboradas pelos órgãos do Estado e diferenciam-se dos costumes com fonte material do direito, posto que estes são forjados dentro da sociedade, ou seja, estão fora da órbita normativa do Estado. • Escrita: as leis são escritas e publicadas com a presunção de que serão conhecidas por todos os cidadãos. Também aqui temos uma diferença em relação aos costumes. • Novidade: as leis criam sempre direitos novos, mesmo nas hipóteses em que modificam direitos já existentes. Quanto à doutrina, destaca-se o seguinte: os juristas são estudiosos do direito que colaboram com seus estudos e pesquisas na definição e criação dos conceitos jurídicos, construção de teorias jurídicas e estruturação dos institutos jurídicos. Os resultados dos seus estudos são publicados e recebem a denominação de doutrina. A doutrina é, portanto, o conjunto do conhecimento criado, formulado e organizado pelos juristas e que serve como fonte do direito para intepretação das leis. Um jurista é um intérprete da lei, também conhecido como jurisconsulto, jurisperito e, ainda, jurisprudente. Atribui-se a origem desses termos ao sistema jurídico romano, que por volta do século IV a.C., ao tornar públicas as normas, teve a necessidade de interpretá-las. A função do jurista era estudar a lei e responder às consultas públicas, solucionando os casos que lhe eram apresentados. Saiba mais Um importante jurista brasileiro foi Augusto Teixeira de Freitas, cujos estudos tornaram-se veículo de expansão e consolidação do direito romano em regiões sul-americanas. Sua obra ultrapassou os limites de nosso país, repercutindo em outras nações e servindo a outros povos. Quer saber mais sobre a obra de Teixeira de Freitas e a sua importância no ordenamento jurídico brasileiro? Leia o artigo de Silvio Meira: MEIRA, S. O jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas em face do direito universal. Revista de Ciência Política, v. 31, n. 4, p. 1-10, 1988. Disponível em: https://cutt.ly/Ewk1tFOu. Acesso em: 22 jan. 2020. 30 Unidade I A sistematização e a categorização feitas pela doutrina, isto é, pelos juristas, dão origem ao agrupamento de todos os conceitos, institutos e teorias em forma de disciplinas jurídicas ou ramos de direito. A jurisprudência é o estabelecimento de um entendimento pelos tribunais e seus juízes através de reiteradas interpretações acerca de uma determinada matéria. Dizendo de forma simples: passa a ser obrigatório reconhecer que o mesmo entendimento será produzido para uma nova causa na justiça que aborde a mesma matéria em juízo, porque já foi várias vezes analisada para a mesma situação em outros processos e decidida da mesma maneira. Vale acentuar um exemplo: é uma exigência do Código Nacional de Trânsito (Brasil, 1997) que os motoristas guardem uma distância segura do veículo da frente. Ocorrendo uma colisão na traseira de um carro, na maioria dos casos, salvo raríssimas exceções, a culpa é do motorista que bateu na traseira. Portanto, podemos dizer que a jurisprudência – o entendimento reiterado dos tribunais nas inúmeras causas que chegam até o judiciário no qual os motoristas do carro da frente pedem indenização – é de que a culpa realmente é do motorista de trás. Os contratos são as leis entre as partes. Portanto, estando os contratos dentro dos limites fixados pela lei, constituem-se num conjunto de direito e obrigações a serem exigidos dos contratantes, haja vista que tais condições, inclusive as cláusulas que estipularam multas pelo inadimplemento de certas cláusulas, foram pactuadas livremente. Nada mais justo que tenham força de lei, entre as partes, tornando-se por isso legítimas fontes do direito. A analogia é outro termo que deve ser acentuado, pois nem todas as situações estão previstas na lei. É impossível que os legisladores prevejam todos os casos que possam ocorrer na sociedade e registrem tudo em leis absolutas. Se você concorda com essa afirmação, entende que existem situações que precisam ser julgadas e que não há na lei a previsão daquela hipótese. Você deve estar se perguntando: e quando não há previsão na lei, como é que o juiz decide? Bem, estamos diante de uma lacuna na lei, quando o juiz está autorizado pelo artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) a utilizar a analogia como uma das possibilidades para superar a omissão da lei. Veja a seguir o texto legal em questão: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (Brasil, 1942). O juiz aplicará ao caso concreto que estiver julgando uma outra norma jurídica prevista para outra situação, porém semelhante, análoga àquela que se apresenta esquecida ou omitida pela legislação. O emprego da analogia no direito é bastante fácil de ser entendido. Observe o exemplo dado pelo professor Damásio de Jesus (1998, p. 4, apud Carride, 2004, p. 160): A analogia consiste em aplicar uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. O legislador, por meio da lei A, regulou o fato B. O julgador precisa decidir o fato C. Procura e não encontra no direito positivo uma lei adequada a este fato. Percebe, porém, que há pontos de semelhança entre o fato B (regulado) e o fato C (não regulado). Então, por analogia, aplica ao fato C a lei A. 31 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Assim, nota-se que, quando um julgador emprega a analogia, ele está fazendo umaanálise por semelhança, o que ficou bem claro com o exemplo anterior. Entretanto, existem restrições para o emprego da analogia no direito penal. Admite-se empregá-la desde que seja para beneficiar o acusado; não existe analogia de norma penal incriminadora, ou seja, nunca para agravar a pena do acusado. Os costumes surgem da vontade social exteriorizada pela prática reiterada (repetidas vezes) de certas situações, hábitos, comportamentos, práticas e exercícios. Tenha em mente que os costumes não são mais importantes que a lei, pois, caso surja um conflito entre uma lei e um costume, é certo que prevalecerá a lei. Para que você possa avaliar melhor esse ponto, daremos dois exemplos de previsões legais que incluem os costumes como fonte do direito: uma no Código Civil e outra no Código de Defesa do Consumidor: No Código Civil, em seu artigo 1.638, estão previstas as hipóteses em que o pai ou a mãe poderá perder o poder de família, que é a capacidade atribuída aos pais de gerir a vida e os bens dos filhos menores. Veja pelo texto da lei transcrito a seguir que no inciso III existe a previsão para os casos de violação dos bons costumes: Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente; V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção (Brasil, 2002a, grifo nosso). No artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, excerto a seguir, faz-se explicitamente a menção dos costumes como forma de direito. Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade (Brasil, 1990b). Pela leitura do artigo 7º, observa-se que a própria lei autoriza a utilização dos costumes sociais como uma fonte do direito para além das condições previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor. 32 Unidade I Assim, a lei está informando textualmente que as práticas, os hábitos e as condutas costumeiras da sociedade também estão protegidos por essa lei, apesar de não estarem escritos em lugar algum. Por fim, é preciso ilustrar os princípios gerais de direito, que são as grandes ideias que sustentam o direito, ou seja, que dão base, coerência e coesão ao direito positivo, apoiados pelo ideário de justiça, de igualdade, de liberdade, de dignidade, da democracia etc. Portanto, são conceitos fundamentais e de caráter geral que se ramificam para todas as áreas do direito. 2.3 A lei O conceito de lei é uma norma escrita elaborada por órgão competente, com forma estabelecida, pela qual as regras jurídicas são criadas, modificadas ou extintas. Há uma organização para compreender melhor os seus aspectos e as suas diretrizes. Observação Você sabia que na França é crime desdenhar da experiência histórica? Trata-se do conceito de lei memorial (Loi mémorielle), que, na França, presta-se a fazer uma declaração histórica de qualificação jurídica de determinado fato relevante. Devido à reprobabilidade da conduta e à importância de reconhecer esses crimes para as futuras gerações é que a lei memorial se faz presente. O objetivo é fazer uma reflexão sobre os acontecimentos históricos, como o genocídio e a escravatura, para que esses crimes contra a humanidade jamais voltem a ocorrer. No Brasil, há uma lei geral que organiza e sistematiza o direito brasileiro. Trata-se da LINDB, que é a Lei n. 12.376 (Brasil, 2010). Contudo, nem sempre houve uma lei específica para organizar e sistematizar o direito; era a antiga Lei de Introdução ao Código Civil de 1916 que se aplicava a todas as leis. Ocorre que o Código Civil de 1916 foi substituído pelo Código Civil de 2002, e, com a revogação do Código, foi necessário elaborar uma nova norma de orientação legal. Assim nasceu a LINDB, que engloba normas aplicáveis não só ao campo civil, mas ao direito privado e ao direito público, além de inovar em vários campos da aplicação do direito, como o princípio da lei domiciliar como reguladora da capacidade civil, dos direitos de família, da relação entre os cônjuges e da sucessão legítima ou testamentária. 2.3.1 Elementos e hierarquia da legislação Para Kelsen (1998), o ordenamento jurídico forma uma verdadeira unidade, que tem sua validez na constituição estatal. A figura a seguir mostra uma visão geral de todas as normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro. 33 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Constituição Federal e suas emendas Leis Exemplos: leis complementares; leis ordinárias (federais, estaduais, municipais etc.) Medidas provisórias Decretos Força da lei Figura 6 – Hierarquia das leis: modelo simplificado De forma geral, as leis não têm a mesma força, pois, apesar de formarem um todo coeso, coerente e harmonioso, algumas são mais importantes que outras, como é o caso da CF. É certo afirmar que a CF é a lei mais importante do Brasil. Ela estabelece todos os princípios e mecanismos necessários para a organização e o funcionamento do Estado brasileiro. A CF é a principal lei do país, e todas as demais leis devem estar em conformidade com todas as suas disposições; caso contrário, essa lei será considerada inconstitucional. É comum observar no noticiário que será julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade de uma lei. Portanto, quando a sociedade tem dúvidas se uma determinada lei ou parte dela está ou não obedecendo à Constituição, cabe ao STF decidir essa questão. O STF é, portanto, o único órgão do poder judiciário com poderes para declarar a lei ou um dos seus dispositivos constitucional ou inconstitucional, isto é, se está em conformidade ou inconformidade com a CF, respectivamente. Observação A Constituição diz que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição. Assim, o STF ganhou o apelido de guardião da Constituição. 2.3.2 Vigência, cessação da obrigatoriedade, retroatividade O significado da palavra “vigência” é derivado do latim, vigens, de vigere (estar em voga, vigorar), e é empregado no mesmo sentido de vigor, força, eficácia. A vigência revela a qualidade ou o estado do que 34 Unidade I está em vigor, que permanece efetivo, exerce toda a sua força. A vigência da lei é a que ainda se mantém em voga, para ser efetivamente aplicada aos casos sob seu regime (Silva, 2003). Com essas definições em mente, podemos dizer que, juridicamente, a vigência de uma lei é o período de tempo de sua validade; de outra forma, o período de tempo que produz efeitos, que tem eficácia. Geralmente, a lei traz no seu próprio texto a data estabelecida para que comece a valer, que pode ser na data da sua publicação ou outra data qualquer futura. É a preciosa lição do saudoso professor Caio Mário da Silva Pereira, que explica essas duas hipóteses: A fixação do início da vigência de uma lei deve ser buscada primeiramente nela própria, quando em disposição especial o estipula: ora estatui que entra em vigor na sua mesma data de publicação, caso em que não ocorre qualquer tempo intermédio, produzindo seus efeitos no mesmo dia em que é estampada no Diário Oficial, e a partir de então sujeitando todos os indivíduos ao seu império; ora estabelece uma data especialmente designada como momento inicial da sua eficácia, caso em que não há cogitar de nenhuma regra abstrata ou teórica, senão de aguardar a chegada do dies a quo. A escolha de uma ou de outra determinação é puramente arbitrária para o legislador, que se deixa naturalmente levar por motivos de conveniência. Faz coincidir a data da publicação e a entrada em vigor quando entende desaconselhável ao interesse público a existência de um tempo deespera. Ao contrário, estipula uma data precisa, e mais remota, para aquelas leis que, pela importância, pela alteração sobre o direito anterior, pela necessidade de maior estudo e mais ampla divulgação, reclamam se estenda no tempo a data de início da eficácia [...] (Pereira, 1976, p. 110-111). Nessa segunda hipótese, quando o texto da própria lei estabelece uma data futura à sua publicação para começar a valer, haverá um lapso temporal entre a data de publicação e a data de início da vigência da lei. Esse período é chamado de vacância da lei. Observação Vacatio legis é a expressão em latim usada no mundo jurídico para dizer que a lei ainda não está em vigor, ou seja, está vaga. Caso o texto da lei não traga nenhuma previsão sobre sua vigência, ou seja, o prazo para sua entrada em vigor, aplica-se a previsão do artigo 1º da LINDB, que diz textualmente: “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada” (Brasil, 1942). Concluímos facilmente que, não havendo previsão expressa no texto da lei, ela passará a valer decorridos 45 dias da sua publicação. É fundamental entender quando uma lei entra em vigência. O quadro a seguir resume o que foi tratado. 35 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Quadro 4 – Vigência da lei no tempo O que diz o texto da lei? Data da vigência da lei Observação Quando o texto da lei especifica que entrará em vigor na data de sua publicação Vigência imediata na data da sua publicação A publicação deve ser oficial, ou seja, no Diário Oficial. Não bastam notícias nos meios de comunicação Quando o texto da lei estabelece uma data futura à sua publicação Na data ou decorrido o prazo estabelecido para sua vigência após a data da sua publicação O período de tempo entre a data da publicação da lei e a sua efetiva entrada em vigor é denominado vacância da lei (vacatio legis) Quando o texto da lei se omite e não traz nenhuma disposição acerca da sua vigência 45 dias após a data da publicação no Diário Oficial Conforme previsão do artigo 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) Exemplo de aplicação Pense em uma lei que proíba o comércio de cigarros em um raio de um quilômetro de qualquer escola. Estando válida, a lei estará vigente tão logo possa produzir efeitos. Pode ser que o próprio legislador indique o tempo necessário para que a lei entre em vigência ou pode ser que se siga a regra geral de 45 dias a partir de sua promulgação (conforme art. 1º da LINDB). De qualquer modo, imaginando que o legislador faça a lei vigorar a partir de sua publicação, então estará apta a produzir efeitos. Entretanto, já há muitos anos no Brasil ninguém comercializa cigarros perto da escola. Nesse caso, a lei continuará vigente, mas não produzirá efeitos – apenas estará apta a produzi-los. Se for o caso de amanhã alguém tentar vender cigarros em um raio inferior a um quilômetro de uma escola, deverá lhe ser aplicada sanção prevista nessa suposta lei. Cessa a obrigatoriedade da lei, ou seja, cessa sua vigência, quando revogada implícita ou explicitamente por outra lei. Pode se dar, portanto, duas hipóteses: ou uma lei posterior contradiz uma anterior, revogando-a implicitamente, ou uma lei revoga expressamente outra lei, fazendo menção a ela. É o caso do Código Civil de 2002, que em seu corpo revoga as disposições do Código Civil de 1916. A regra acerca da temporalidade das leis é a de irretroatividade. Assim, uma lei vigente a partir de hoje não estende seus efeitos ao passado para atingir fatos ocorridos anteriormente à sua vigência; exceção feita à lei penal, quando em benefício do réu (conforme art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988). A irretroatividade da lei decorre da necessidade de segurança jurídica, sob pena de todas as condutas humanas estarem sujeitas ao arbítrio do legislador. Se a lei retroagisse, seria o caso de se anular, invalidar ou desconstituir todo e qualquer ato anterior à nova lei que com ela conflitasse. Para evitar a produção dessa teratologia jurídica, optou-se por tornar irretroativa a lei. De uma forma simples, pode-se concluir que a vigência de uma lei é o seu prazo de validade, que se inicia na data da sua publicação, ou decorrido o prazo de vacância da lei, quando houver, e passa a vigorar por tempo indeterminado, até que em data futura desconhecida seja revogada por outra lei, que passa a vigorar em seu lugar; nessa data, terá chegado ao fim a sua validade e eficácia. 36 Unidade I 2.3.3 Processo legislativo O processo legislativo brasileiro está contemplado dentro da CF, iniciando no art. 59 e terminando no art. 69. Como você já sabe, existem diversas espécies de lei, e cada uma tem sua função no direito, sendo utilizada para regulamentar as condutas de grupos de pessoas. O nosso processo legislativo compreende a elaboração das seguintes espécies normativas: • Emendas à Constituição. • Leis complementares. • Leis ordinárias. • Leis delegadas. • Medidas provisórias. • Decretos legislativos. • Resoluções. Você pode estar se perguntando: e o decreto-lei? Em resposta, é importante informar que atualmente o nosso ordenamento jurídico não permite mais a criação dos chamados decretos-leis. Os que existem hoje são os decretos-leis que já existiam e que não afrontam de nenhum modo a CF. Essa situação se refere ao processo de recepção das normas. Diz-se que a legislação foi recepcionada pela CF, ou seja, não a afronta. Observação As únicas espécies normativas que dependem de sanção presidencial são a lei ordinária e a lei complementar. As demais dispensam sanção presidencial para começar a vigorar. Emenda constitucional As legislações devem refletir a sociedade na qual elas estão inseridas. Há, por óbvio, evolução na sociedade, e, portanto, é necessário mudar as legislações, para adequá-las às necessidades sociais. Assim, existem formas de mudar as legislações, e é essa a função da emenda constitucional. As emendas à Constituição estão relacionadas ao poder constituinte derivado reformador, o qual está sujeito a uma série de limites para preservar a segurança jurídica. Esses limites podem ser limites expressos, quando a própria lei limita, ou limites implícitos, ou seja, que dependem de interpretação. 37 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Observe a figura a seguir: Expressos Implícitos Circunstâncias Materiais - cláusulas pétreas Formais Iniciativa Promulgação Estado de defesa Quórum Intervenção federal Estado de sítio Figura 7 Os limites expressos para a criação de uma emenda constitucional são classificados em formais, circunstanciais e materiais. Vamos iniciar nossos estudos pelos limites formais, que se dividem em iniciativa, quórum e promulgação. A iniciativa é dada nos termos do art. 60, I, II e III da Constituição (BRASIL, 1988), que determina que a Constituição poderá ser emendada mediante proposta dos seguintes membros: • de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; • do presidente da República; • de mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Depois de proposta a emenda constitucional, ela será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Nessa fase de discussão e votação, é necessário que a maioria decida aprovar a emenda constitucional. Ela exige aquilo que chamamos de maioria absoluta. Maioria absoluta é o primeiro número inteiro acima da metade dos membros da casa legislativa, mas se trata da metade dos membros; ou seja, mesmo quem não for, conta. Para ficar claro, temos como exemplo a Câmara dos Deputados Federais, que tem 513 membros. Sua maioria absoluta será sempre de 257 votos, enquanto a maioria simples pode variar de acordo com os presentes. 38 Unidade I A promulgaçãoé o instrumento que declara a existência da lei e ordena sua execução. Emendas constitucionais são promulgadas pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão solene do Congresso. A promulgação das leis complementares e ordinárias é feita pelo presidente da República e ocorre simultaneamente à sanção. Assim, a emenda à Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, e não pelo presidente. Confira na figura a seguir o trâmite da emenda constitucional: As PECs iniciadas e aprovadas na SF vão para a CD como Casa Revisora As PECs iniciadas e aprovadas na CD vão para a SF como Casa Revisora Câmara dos Deputados (CD) Senado Federal (SF) (1.1) Análise da Comissão de Constituição e Justiça (1.2) Análise da Comissão Especial e Temporária criada pela CCJ (1.3) Discussão e votação no Plenário (2.2) Discussão e votação no Plenário (2.1) Análise da Comissão de Constituição e Justiça (1.4) Aprovada? (3.1) Passou pela Casa Revisora? (3.2) Foi modificada? (2.3) Aprovada? Modificada pelo SF volta para reanálise da CD (1.5) PEC arquivada (2.4) PEC arquivada (3.3) Promulgação e publicação da PEC Apresentação da PEC Modificada pelo CD volta para reanálise da SF Sim Sim SimSim Sim Não Não Não Não Vo ta çã o em 2 tu rn os Votação em 2 turnos Figura 8 – Fluxograma de tramitação da PEC A CF (Brasil, 1988), no art. 60, § 5º, determina que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Mas você sabe o que é sessão legislativa? Segundo o Glossário de termos legislativos (Senado Federal, 2018), a sessão legislativa ordinária é o período de atividade normal do Congresso a cada ano, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. Cada quatro sessões legislativas, a contar do ano seguinte ao das eleições parlamentares, compõem uma legislatura. Já a sessão legislativa extraordinária compreende o trabalho 39 INSTITUIÇÕES DE DIREITO realizado durante o recesso parlamentar, mediante convocação. Cada período de convocação constitui uma sessão legislativa extraordinária. Os limites expressos circunstanciais para a criação de uma emenda constitucional são situações em que a CF torna-se imutável, ou seja, não pode ser alterada. As hipóteses em que a Constituição não pode ser emendada são durante a vigência de excepcionalidades circunstanciais, que exige do governo algumas medidas que busquem restabelecer ou garantir a continuidade da normalidade constitucional que está ameaçada. As medidas são as seguintes: • A intervenção federal representa uma situação de anormalidade, quando é permitida a suspensão temporária da autonomia de um estado da Federação. Sendo um estado de exceção, a intervenção federal só pode ser acionada em casos específicos e quando não houver outra medida capaz de solucionar a questão. • O estado de defesa busca, nos termos da Constituição, preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social. Nesse sentido, a Constituição prevê duas hipóteses de ameaça: a grave e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções na natureza. • O estado de sítio pode ser acionado em três hipóteses, com aplicações diferentes (Brasil, 1988): comoção grave de repercussão nacional (inciso I, primeira parte); fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (inciso I, parte final); e declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira (inciso II). São limites expressos materiais para a criação de uma emenda constitucional aquilo que chamamos de cláusulas pétreas, que são: • A forma federativa de Estado: o Brasil possui uma organização composta por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio, que são os Estados. • O voto direto, secreto, universal e periódico: chamado de sufrágio universal. • A separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário, independentes e harmônicos entre si. • Os direitos e as garantias individuais: são direitos garantidos, hoje, a todos os seres humanos, enquanto indivíduos de direito, intimamente ligados às concepções de direitos humanos. São limites implícitos aqueles que não podem ser alterados, ainda que não escritos expressamente dentro da constituição; ou seja, decorrem da interpretação. O exemplo é que não pode ser alterado o titular do poder constituinte, que é sempre o povo. Outro limite implícito é que os limites expressos, ou explícitos, não podem ser modificados. 40 Unidade I Leis complementares Existem alguns assuntos que só podem ser tratadas por lei complementar. Por isso, alguns doutrinadores entendem que há uma hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias. Contudo, não se trata propriamente de uma hierarquia, mas de uma reserva legislativa. Assim, cada espécie normativa trata de um assunto. Uma lei complementar serve como um complemento a uma norma constitucional que a exija e também se presta a fixar a cooperação entre os entes federados, sendo eles União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Um exemplo de lei complementar é o Código Tributário Nacional (CTN), que é a Lei n. 5.172 (Brasil, 1966). O CTN trata de diversos assuntos relativos ao direito tributário, o qual regula a arrecadação tributária nacional, nos termos do art. 146 da CF (Brasil, 1988): Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Para que a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal vote leis complementares e leis ordinárias, é necessária a presença da maioria absoluta dos membros no local onde o projeto de lei está sendo votando. Quando a quantidade de membros presentes for verificada, é importante analisar a quantidade de votos, pois as leis complementares necessitam de uma maioria absoluta de votos, enquanto as leis ordinárias necessitam de uma maioria simples ou relativa de votos. 41 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Lembrete Maioria simples é a metade da maioria dos presentes. Maioria absoluta é a metade do quórum máximo. A nossa constituição determina que, exceto alguma disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. Leis ordinárias A lei ordinária é uma espécie normativa mais comum e, por isso, leva o nome de ordinária. A lei ordinária está prevista na CF, que, como você já sabe, edita normas de forma geral e abstrata. A competência material, ou seja, do que tratam as leis ordinárias, é residual, pois podem elas dispor sob qualquer matéria, com exceção das que estão reservadas às leis complementares e aos assuntos internos do Congresso Nacional, que devem ser regulados por decretos e resoluções. As leis ordinárias são consideradas atos normativos primários, ou seja, criam, modificam e extinguem direitos, seguindo um processo legislativo e preceitos expressos diretamente na CF. Segundo o STF, não existe hierarquia entreleis complementares e leis ordinárias; todas devem ser obedecidas. No entanto, a reserva de matéria tem as seguintes consequências: uma lei materialmente complementar não pode ser revogada por lei ordinária (considerando que esta não pode legislar sobre aqueles assuntos), mas uma lei complementar sempre pode revogar uma lei ordinária. Para que uma lei complementar seja aprovada, é necessário que a maioria absoluta, ou seja, mais da metade dos membros do Congresso Nacional, seja favorável ao projeto. O projeto de lei ordinária é o documento que inicia o processo legislativo para que uma lei ordinária seja criada ou alterada. Processo legislativo é o conjunto de todas as fases que são necessárias para que um projeto de lei seja aprovado, desde a proposta até a fase de votação. Segundo o artigo 61 da CF (Brasil, 1988), a iniciativa das leis ordinárias cabe: • a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados; • a qualquer membro do Senado Federal ou do Congresso Nacional; • ao presidente da República; • ao STF; 42 Unidade I • aos Tribunais Superiores; • ao procurador-geral da República. Ainda, existe uma hipótese diferente, que é a iniciativa para a elaboração de uma lei ordinária pelos cidadãos através de ação popular. É o que chamamos de lei de inciativa popular. Para que essa iniciativa seja considerada válida, é necessária a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado do país, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. Leis delegadas A lei delegada é uma lei equiparada à lei ordinária. A competência para a sua elaboração é do presidente da República, desde que haja pedido e delegação expressa do Congresso Nacional. A delegação é efetivada por resolução, na qual conste o conteúdo juntamente com os termos do exercício dessa atribuição. A lei delegada tem restrições e não pode ter como seu objeto, por exemplo, as seguintes matérias: atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; matéria reservada à lei complementar; legislação sobre planos plurianuais; diretrizes orçamentárias e orçamentos, conforme os artigos 59, inciso IV, e 68, ambos da CF. Medidas provisórias As medidas provisórias são uma espécie normativa privativa do presidente da República que possui força de lei, devendo ser observados os pressupostos constitucionais de relevância e urgência, sob pena de inconstitucionalidade. As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12, perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período. O trâmite da medida provisória começa com a edição dela pelo presidente da República, que a encaminha para a Câmara dos Deputados e, depois, ao Senado Federal. Assim, mesmo sem que o poder legislativo analise a medida provisória, ela começa a vigorar com força de lei. Essa medida se justifica em razão dos pressupostos de relevância e urgência e, se é urgente, deve ser cumprida de imediato pelos cidadãos. A diferença da medida provisória é que ela começa a valer assim que publicada. Depois, ela segue o mesmo rito do processo legislativo, porque a ideia é que a medida provisória se converta em lei. Lembrete O STF é o órgão de cúpula do poder judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República (Brasil, 1988). 43 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Talvez você se questione se o poder judiciário pode ou não decretar a inconstitucionalidade de uma medida provisória. A resposta é que o poder judiciário somente poderá decretar a inconstitucionalidade de uma medida provisória se ela descumprir os requisitos de relevância e urgência na sua edição. Já sabemos que a lei começa a viger em 45 (quarenta e cinco) dias contados da sua publicação, caso ela mesma não estipule prazo diferente. No caso da medida provisória é diferente, porque ela perde a eficácia em 60 (sessenta) dias. Acontece que, muitas vezes, o Congresso Nacional não consegue apreciar tudo nesse prazo. É por isso que o legislador determinou que esse prazo de 60 (sessenta) dias pode ser prorrogado, uma única vez, por mais 60 (sessenta) dias. Assim, o prazo máximo da vigência de uma medida provisória sem que haja apreciação do poder legislativo é de 120 (cento e vinte) dias. Observação O prazo das medidas provisórias fica suspenso durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. Outra questão importante sobre a medida provisória é o que se chama de regime de urgência, o qual ocorre quando se passam 45 (quarenta e cinco) dias da edição e publicação da medida provisória sem que ela tenha sido objeto de votação. Então, todas as outras questões que deveriam ser apreciadas pelo Congresso são paralisadas, e a medida provisória ultrapassa as outras pautas. No jargão legislativo, diz-se que “trancou a pauta” para forçar que os parlamentares apreciem a medida provisória. Suponha que a medida tenha sido apreciada pelo Congresso e ele não delibere pela conversão da medida provisória em lei. O que acontece? Primeiramente, ela perde os seus efeitos normativos; depois, ela não pode mais ser editada na mesma sessão legislativa. Isso ocorre porque a medida provisória é uma excepcionalidade do poder executivo, cuja função é executar as leis decididas pelo legislativo, e, portanto, essa excepcionalidade está sujeita a uma série de restrições materiais. Confira a seguir as vedações materiais da medida provisória, ou seja, os assuntos que não podem ser tratados em medida provisória (conforme o art. 62 da Constituição Federal de 1988): • Nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral. • Direito penal, processual penal e processual civil. • Organização do poder judiciário e do Ministério Público, carreira e garantia de seus membros. • Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º, que vise à detenção ou aos sequestros de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro. • Reservada a lei complementar. • Já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do presidente da República. 44 Unidade I Como você pode perceber, a medida provisória é algo excepcional dentro do ordenamento jurídico e serve apenas quando há relevância e urgência. Decretos legislativos Os decretos legislativos, conforme o Senado Federal (2018), servem para regular matérias de competência exclusiva do Congresso, tais como: ratificar atos internacionais; sustar atos normativos do presidente da República; julgar anualmente as contas prestadas pelo chefe do governo; autorizar o presidente da República e o vice-presidente a se ausentarem do país por mais de 15 dias; apreciar a concessão de emissoras de rádio e televisão; autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais. Convém ressaltar que os decretos legislativos também podem ser utilizados pelos poderes legislativos de todas as unidades federativas, ou seja, aplicam-se também aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal. Outra particularidade dos decretos legislativos é que, em razão da matéria que tratam, não dependem de aprovação do chefe do poder executivo – prefeito, governador ou presidente. A Constituição aponta que é da competência exclusiva do Congresso Nacional: • Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. • Autorizar o presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar. • Autorizar o presidente e o vice-presidente da República a se ausentarem do país, quando a ausênciaexceder 15 dias. • Aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio ou suspender qualquer uma dessas medidas. • Sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. • Mudar temporariamente sua sede. • Fixar idêntico subsídio para os deputados federais e os senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. 45 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Resoluções As resoluções são atos normativos que regulam matérias da competência privativa da casa legislativa, de caráter político, processual, legislativo ou administrativo. Observação As resoluções não podem contrariar os regulamentos e os regimentos, mas explicá-los. Essa espécie normativa pertence aos atos administrativos normativos, pois está relacionada apenas a atos do governo em face dos particulares. Assim, as resoluções partem de autoridades superiores e disciplinam a matéria de sua competência específica. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por exemplo, define uma lista de consultas, exames e tratamentos, denominada Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que os planos de saúde são obrigados a oferecer, conforme cada tipo de plano – ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência ou odontológico. Saiba mais A Secretaria da Receita Federal do Brasil é um órgão específico, singular, subordinado ao Ministério da Economia, que exerce funções essenciais para que o Estado possa cumprir seus objetivos. É responsável pela administração dos tributos de competência da União, inclusive os previdenciários, e dos incidentes sobre o comércio exterior, abrangendo parte significativa das contribuições sociais do país. Também subsidia o poder executivo federal na formulação da política tributária brasileira, previne e combate a sonegação fiscal, o contrabando, o descaminho, a pirataria, a fraude comercial, o tráfico de drogas e de animais em extinção e outros atos ilícitos relacionados ao comércio internacional. A Secretaria da Receita Federal do Brasil também produz diversas espécies normativas, com a finalidade de garantir a arrecadação necessária ao Estado, com eficiência e aprimoramento do sistema tributário, contribuir para a melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do país e garantir segurança e agilidade no fluxo internacional de bens, mercadorias e viajantes. Para saber mais sobre as normas da Secretaria da Receita Federal do Brasil, acesse: Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br . Acesso em: 1º set. 2023. 46 Unidade I Outro exemplo possível é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 33, de 3 de junho de 2008 (Brasil, 2008a), que aprova o regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração, avaliação e aprovação dos sistemas de tratamento e distribuição de água para hemodiálise, visando à defesa da saúde dos pacientes e dos profissionais envolvidos. Como você pode perceber, as resoluções são instrumentos importantes de normatização administrativa dos órgãos técnicos do governo. 3 DIREITO CONSTITUCIONAL 3.1 Noções introdutórias de direito constitucional Este tópico irá apresentar elementos da teoria geral do estado para que possamos entender a função da CF como fundamento último do ordenamento jurídico que se compreende de forma sistêmica, uma vez que a norma fundante, anterior à CF, é pressuposta, não escrita – a legitimidade do poder constituinte originário em estatuir ordenamento jurídico soberano a partir da CF. A norma fundamental é a principal lei, a lei maior de um país; é a sua Constituição Federal. Portanto, o direito constitucional é o ramo do direito público que estuda a organização político-administrativa do Estado, que se expressa através da sua principal lei, denominada Constituição Federal (todo Estado tem uma). A Constituição muitas vezes era tomada pelo mero suporte material, em que se concentrariam as normas de caráter constitucional – ou seja, normas que em sua essência traziam matéria constitucional. Atualmente, independentemente do conteúdo das normas constitucionais, considera-se ainda que uma constituição deva trazer os elementos básicos conformadores de um Estado; entretanto, o que a caracterizaria seria sua rigidez, ou, mais especificamente, a necessidade de um processo diferenciado e mais rigoroso para a modificação de suas cláusulas. É esse o caso da CF. A Constituição brasileira traz os elementos básicos de nosso Estado – federativo, republicano e presidencialista –, além de estabelecer os direitos fundamentais individuais e sociais; mas também, e principalmente, traz um processo de emenda à Constituição mais rigoroso que o processo legislativo comum, protegendo seu conteúdo de modificações temerárias e arbitrárias. 3.2 Conceito e classificação Um sinônimo usado para a palavra “constituição” é “organização”, que, ordinariamente, expressa a ideia de criação e organização de algo. Pode ser a organização de uma empresa – através do seu contrato social, de um clube, de um sindicato e até mesmo de um partido político qualquer – por meio dos seus estatutos. Quando se trata da organização político-administrativa do Estado, é preciso que tudo esteja bem definido e pactuado com a sociedade. A CF é o contrato político-social que expressa a vontade do povo 47 INSTITUIÇÕES DE DIREITO e o pacto federativo. Portanto, deve conter como o Estado está ordenado, como ele vai funcionar, a distribuição dos poderes, as competências de cada ente estatal e também como promover as garantias e as liberdades individuais dos seus cidadãos. Tudo isso está previsto na CF. Por isso, não se pode conceber um Estado sem Constituição. “Constituição” é um vocábulo de sentido plurívoco e equívoco; isso significa que não tem um sentido unívoco, ou seja, não tem um único e exclusivo sentido. Remonta à ação ou verbo ou à conduta de constituir. Para este estudo, importa compreender “constituição” como a nomenclatura que se dá ao corpo de normas escritas e principiológicas que organizam o Estado e regem a República democrática do Brasil. Eis que o Brasil se trata de um estado democrático de direito sob ordenamento jurídico soberano, cuja teleologia (que significa “finalidade” mais “fundamento”) está estatuída no art. 3º da Constituição Federal (Brasil, 1988). Note-se, desde já, que a norma pressuposta (isto é, a norma não escrita) é a soberania popular que legitima o poder constituinte a estatuir o estado democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano, por meio da CF, que, portanto, deve organizar os poderes da República e lhes determinar o exercício do poder (que se funda na soberania popular) e, assim, a organização do Estado e suas competências. A norma pressuposta (também chamada de norma fundante ou norma fundamental) é não escrita e anterior à Constituição. Desse modo, o fundamento último do ordenamento jurídico é a norma pressuposta fundante, que gira em torno da soberania popular, e aí reside a comunicação do direito constitucional com a teoria geral do estado e com a filosofia do direito. O poder constituinte originário inaugura a ordem jurídica do Estado por meio da Constituição. Promulgada (popular) OutorgadaQuanto à origem Escrita Não escrita (costumeira)Quanto à forma Rígida FlexívelQuanto à estabilidade Figura 9 – Critérios de classificação das Constituições Nos regimes democráticos, as constituições são elaboradas e promulgadas por uma Assembleia Nacional Constituinte, formada por representantes eleitos com essa finalidade, ou seja, pessoas eleitas diretamente pelo povo para criar a CF. Portanto, é correto dizer, nesses casos, que a Constituição é popular, pois foi elaborada por representantes eleitos diretamente pelo povo daquele país. Todavia, pode acontecer de a Constituição ser imposta ao povo, ou seja, outorgada por um governante antidemocrático, que a elabora sem a participação popular. A Assembleia Nacional Constituinteé dotada de um poder denominado poder constituinte originário. Pensemos juntos. Diz-se que é constituinte porque a Assembleia Nacional Constituinte recebe a missão, através do voto direto, de criar uma nova Constituição. Também é correto dizer que é um 48 Unidade I poder originário; isso significa que estabelecerá os fundamentos do Estado, por isso é considerado um poder inicial e ilimitado em termos jurídicos, pois não se subordina a nenhuma lei anterior que poderia limitar de alguma forma o seu alcance. Os representantes eleitos para formarem a Assembleia Nacional Constituinte discutem livre e democraticamente e votam os dispositivos que devem compor a nova Constituição, cujo texto original será promulgado, dando forma à Lei Magna do Estado. A maioria dos autores brasileiros costuma diferenciar as Constituições quanto à sua forma em dois tipos: as escritas e as não escritas. Veja o ensinamento do professor Luís Roberto Barroso: [...] quanto à forma. Tal classificação diz respeito à forma de veiculação das normas constitucionais. Sob esse critério, as Constituições podem ser: a) escritas: quando sistematizadas em um texto único, de que é exemplo pioneiro a Constituição americana; b) não escritas: quando contidas em textos esparsos e/ou costumes e convenções sedimentados ao longo da história, como é o caso, praticamente isolado, da Constituição inglesa (Barroso, 2019, p. 80). Idealmente, as Constituições deveriam ser diplomas legais muito estáveis. Ao longo do tempo, deveriam sofrer poucas alterações, pois as estruturas fundamentais do Estado devem ser robustas suficientemente para resistir ao tempo. É o caso da Constituição dos Estados Unidos da América (EUA), que foi promulgada em 1787, sendo a única até hoje naquele país. Não é o caso do Brasil, que está na sua sétima Constituição: quatro foram promulgadas por Assembleias Constituintes; duas foram impostas, uma por D. Pedro I, naturalmente durante o Império, e outra pela ditadura Vargas; e uma foi aprovada pelo Congresso por imposição do regime militar autoritário que tomou o poder em 1964. Analise o quadro a seguir para consolidar o conhecimento acerca dos períodos e das origens de cada uma dessas sete Constituições brasileiras. Quadro 5 – Relação das Constituições brasileiras Relação Ano/período Origem 1ª Constituição 1824 – Império Imposta pelo Imperador D. Pedro I, logo após a proclamação da Independência do Brasil, em 1822 2ª Constituição 1891 – Brasil República Promulgada durante o governo do Marechal Deodoro da Fonseca, logo após a Proclamação da República, em 1889 3ª Constituição 1934 – Segunda República Promulgada durante o governo Getúlio Vargas 4ª Constituição 1937 – Estado Novo Outorgada pela ditadura de Getúlio Vargas 5ª Constituição 1946 Promulgada durante o governo Eurico Gaspar Dutra 6ª Constituição 1967 – Regime Militar Imposta pelo Governo Militar, logo após o golpe militar de 1964 7ª Constituição 1988 – Constituição Cidadã Promulgada durante o governo de transição de José Sarney, restabelece o regime democrático no Brasil 49 INSTITUIÇÕES DE DIREITO 3.3 A Constituição Diz-se que a Constituição é um documento político, dirigida a todas as pessoas e que deve preferencialmente ser escrita em linguagem comum, evitando-se a linguagem técnica, para que todos os cidadãos possam ler e entender tudo o que ela contém. A Constituição é a lei mais importante do país, mas não é a única. É por isso que as demais leis devem obediência aos seus mandamentos. Imagine como ficaria o funcionamento do Estado se as outras leis – como o Código de Defesa do Consumidor, que regula os direitos dos consumidores – contivessem previsões legais conflitantes com o que foi estabelecido na Constituição. Não seria fácil para ninguém, a sociedade ficaria confusa. Entretanto, isso às vezes acontece, pois podem surgir novas leis que apresentem dispositivos conflitantes com a Constituição. Não é raro ler uma notícia sobre a inconstitucionalidade de uma determinada lei ou dispositivo legal. Mas você sabe quando isso acontece? A inconstitucionalidade ocorre quando o texto de uma lei confronta a CF. Nesses casos, somente o poder judiciário pode declarar uma lei ou parte dela inconstitucional. A lei perde sua validade por violar os mandamentos da CF. O STF é o órgão do poder judiciário que sempre dará a palavra final sobre qualquer matéria que envolva a CF. Assim, a CF é a principal lei do nosso país, pois regula a República Federativa do Brasil. Todas as demais leis do país, inclusive as Constituições estaduais e as leis orgânicas (principal lei dos Municípios e do Distrito Federal), devem respeitar os mandamentos da CF. Ulysses Silveira Guimarães, político e advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP), teve forte atuação na oposição à ditadura militar. Ingressou na política em 1945, quando se filiou ao Partido Social Democrático (PSD). Disse Ulysses: A caravela vai partir. As velas estão pandas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente... Nossa carta de marear não é de Camões e, sim, de Fernando Pessoa ao recordar o brado: ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’. Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: ‘Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista!’ Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade. Esse foi o discurso “Navegar é Preciso”, proferido por Ulysses Guimarães, no dia 22 de setembro de 1973, na convenção do MDB, ao decidir lançar sua “anticandidatura”. Exatos 15 anos depois, no dia 22 de setembro de 1988, foi aprovada, em turno único de votação, a redação final do projeto de Constituição. 50 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre o discurso proferido por Ulysses Guimarães, leia o texto a seguir: GUIMARÃES, U. Discurso do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de outubro de 1988, por ocasião da promulgação da constituição federal. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 595-602, jul./dez. 2008. Disponível em: https://cutt.ly/Ewk1yztr. Acesso em: 23 jan. 2020. Apresentada para você a Constituição, vamos agora conhecer as classificações da Constituição Federal de 1988: • Quanto à origem promulgada (popular): foi elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte eleita pelo voto direto em 15 de novembro de 1986. Na ocasião, foram eleitos os membros da Constituinte, composta de 487 deputados e 72 senadores. O Deputado Ulysses Guimarães, do MDB-SP, foi eleito seu presidente em 2 de fevereiro de 1987. A Constituição atual foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro de 1988, dando início à refundação do estado democrático de direito e consagrando os direitos fundamentais, entre eles o voto direto para todos os níveis do poder legislativo e executivo, inclusive para presidente da República. • Quanto à forma escrita: a Assembleia Nacional Constituinte produziu o texto do diploma legal máximo, que seria batizado como Constituição Cidadã por proclamar os direitos fundamentais e a preservação da dignidade da pessoa humana. • Quanto à estabilidade ou consistência rígida: a Constituição estabelece um processo legislativo restritivo e especial para que seja emendada, embora alguns doutrinadores digam que a Constituição de 1988 seja do tipo rígida, pois existem partes que não podem ser mudadas, mesmo com emendas. Tecnicamente chamamos de cláusulas pétreas, e elas estão dispostas no art. 60 § 4º da CF. Se, como visto, a Constituição, pela sua importância dentro do sistema jurídico, ocupa o estamento mais alto de nossa pirâmide kelseniana, então o que fundamenta a própria Constituição? É justamente este o conceito que será apresentado a você no próximo tema: o poder constituinte. 3.4 O poder constituinte A própria CF traz no seu texto dispositivos que estabelecem a forma pela qual ela poderá ser modificada. Porque isso é importante? Porque o poder constituinte originário só existe durante o período de elaboração da nova Constituição. Após a aprovação e a promulgação da CF, a Assembleia 51 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Nacional Constituinte se dissolve, e, junto com ela, o poder constituinte originário se extingue. Então, tudo deve seguir rigorosamente os mandamentos previstos na Constituição, que passa a reger o país, inclusive o procedimento para sua alteração, que recebe o nome de emenda, agora a cargo do Congresso Nacional, que passa a deter o poder constituinte reformador. Importa notar que o Estado não é a origem do direito, ao passo que o próprio Estado é consequência ou efeito do direito. Aliás, a legitimidade do Estado pressupõe a soberania do constituinte originário. Vejamos as lições de Bartolomé Cenzano apud Dromi (2007, p. 170): Não esqueça que se o fundamento dos direitos humanos é a natureza humana e o do Estado é um pacto ou consenso entre indivíduos dotados de direitos e liberdades iguais, todos os indivíduos hão de ter os mesmos direitos na hora de formar parte da manifestação da vontade geral que constitui a essência da comunidade política. Assim, é da própria feição dos direitos fundamentais sua anterioridade ao próprio Estado. Continua Dromi (2007) afirmando que, de um ponto de vista filosófico, todos os direitos fundamentais preexistem. Antes de ser proprietários, somos seres humanos; antes de ter direito à indústria e ao comércio, temos direito à vida e à não discriminação. A vida é a liberdade respeitada. Desse modo, o ordenamento procura consagrar direitos que a evolução histórica reconheceu como indissociáveis da humanidade. A norma e sua interpretação remontariam seu fundamento a princípios universais superiores que deveriam inspirar a legislação, com a convicção de que o direito não se limitaria à norma, mas, ao contrário, seria anterior e superior a ela. Figura 10 Disponível em: https://ury1.com/nQ3Zn. Acesso em: 1º set. 2023. Alterar a CF de um país pode ser simples ou difícil, e isso dependerá do próprio texto da Constituição, que deve estabelecer critérios flexíveis ou mais rígidos para a sua modificação. O termo correto que designa a alteração do texto constitucional é “emenda”. Assim, sempre que for necessário incluir algum novo dispositivo na Constituição ou modificar o texto já existente, isso só poderá ser feito através de 52 Unidade I uma emenda constitucional. É por isso que, quando é necessária alguma alteração, por menor que seja, no texto da CF é apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Como já sabemos, existe um processo legislativo especial para que sejam propostas alterações no texto da CF. Lembrete Para as emendas à Constituição, exige-se um quórum de aprovação de 3/5 dos congressistas, votação em dois turnos com rol de legitimados próprio, conforme art. 60 da Constituição Federal (Brasil, 1988). 3.5 Espécies de constituição Classificar algo é importante em razão de suas características. Assim ocorre com a Constituição. As constituições, na medida em que são dotadas de algumas características, podem ser classificadas. A isso chamamos de espécies de Constituição ou tipologia. Qualquer classificação depende de critérios escolhidos pelos estudiosos, e não se pode dizer que um é mais acertado que o outro; talvez mais adequado. Para introduzir o assunto, vamos apresentar as principais classificações. Quanto à forma Quanto à forma, as constituições podem ser classificadas em: outorgadas, promulgadas, cesaristas e costumeiras (não escritas ou consuetudinárias). Outorgada é a constituição imposta de maneira unilateral pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade para atuar em nome dele. Ao seu turno, a constituição promulgada é também conhecida por democrática, votada ou popular, porque resulta da vontade do povo, exercida por meio dos representantes populares (constituintes). É a Constituição fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para em nome dele atuar, nascendo, portanto, da deliberação da representação legítima popular. Observação As Constituições outorgadas recebem, por alguns estudiosos, o apelido de Cartas Constitucionais. Assim, não é tecnicamente correto chamar a nossa Constituição de Carta Constitucional, porque a CF de 1988 foi promulgada, e não outorgada. A cesarista não é propriamente outorgada, tampouco democrática, ainda que criada com participação popular, sendo formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador, como os plebiscitos napoleônicos, ou um ditador, como o plebiscito de Pinochet, no Chile. Não existe uma participação popular, pois visa apenas consolidar a vontade do detentor do poder. A classificação de cesarista decorre do título romano “César”. No uso comum, o termo foi usado como sinônimo de imperador e adaptado na Rússia para o título de “Czar”. 53 INSTITUIÇÕES DE DIREITO A constituição costumeira, também chamada de não escrita ou consuetudinária, para Lenza (2017), seria aquela Constituição que, ao contrário da escrita, não traz as regras em um único texto solene e codificado. É formada por textos esparsos, reconhecidos pela sociedade como fundamentais, e baseia-se nos usos, nos costumes, na jurisprudência e nas convenções. Um exemplo clássico é a Constituição da Inglaterra. A doutrina observa que hoje, contudo, mesmo a Inglaterra (exemplo normalmente lembrado de país regido por uma Constituição não escrita) assenta princípios constitucionais em textos escritos, em que pesem os costumes formarem relevantes valores constitucionais. Quanto à extensão Quanto à extensão, as constituições podem ser classificadas em: sintéticas (concisas, breves, sumárias, sucintas, básicas) ou analíticas (amplas, extensas, largas, prolixas, longas, desenvolvidas, volumosas, inchadas). As sintéticas seriam aquelas enxutas, que trazem apenas e tão somente os princípios fundamentais e estruturais do Estado. É uma forma de constituição que não se preocupa em regulamentar absolutamente tudo; desenha apenas os princípios e, por isso, tende a ser mais durável que a analítica. Você pode estar se perguntando: mas e se houver alguma situação que não haja respaldo nos princípios? É aí que ingressa o poder das supremas cortes de justiça, que interpretam os princípios conforme os casos concretos que lhes são apresentados e formam um repositório normativo. As analíticas são aquelas em que o legislador constituinte trouxe para o texto constitucional tudo o que julgou relevante e pertinente como sendo direto e garantia fundamental. Um exemplo de constituição analítica é a nossa CF/88. Veja a seguir: Título IX Das Disposições Constitucionais Gerais Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos. § 1º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. § 2º O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal (Brasil, 1988, grifo nosso). Na sua opinião, seria relevante constar do texto constitucional que o Colégio Pedro II deveria ser mantido sob o comando do Governo Federal? Pois é justamente essa minúcia que poderia ser tratada em outra espécie normativa, mas que o legislador constituinte entendeu pertinente inserir na constituição. Essa crítica foi observada pelo professor Paulo Bonavides (1997), para quem as Constituições se 54 Unidade I fizeram desenvolvidas, volumosas, inchadas, em consequência principalmente das seguintes causas: a preocupação de dotar certos institutos de proteção eficaz, o sentimento de que a rigidez constitucional é anteparo ao exercício discricionário da autoridade, o anseiode conferir estabilidade ao direito legislado sobre determinadas matérias e, enfim, a conveniência de atribuir ao Estado, através do mais alto instrumento jurídico, que é a Constituição, os encargos indispensáveis à manutenção da paz social. As Constituições podem ser rígidas, flexíveis e semirrígidas ou semiflexíveis. • Rígidas: são aquelas Constituições que exigem, para a sua alteração, um processo legislativo mais complexo e solene do que o processo de alteração das normas não constitucionais. • Flexíveis: são aquelas Constituições que podem ser alteradas conforme o processo legislativo de alteração das normas infraconstitucionais, ou seja, não há diferença no processo de votação, sendo exatamente a mesma dificuldade em alterar a Constituição e uma lei que não é constitucional. • Semiflexíveis: também chamadas de semirrígidas, são aquelas Constituições tanto rígidas quanto flexíveis, ou seja, algumas matérias exigem um processo de alteração mais complicado do que o exigido para alteração das leis infraconstitucionais, enquanto outras não requerem tal formalidade. Leciona Pedro Lenza (2017) que imutáveis seriam aquelas Constituições inalteráveis, verdadeiras relíquias históricas e que se pretendem eternas, sendo também denominadas permanentes, graníticas ou intocáveis. 3.6 Controle de constitucionalidade O controle de constitucionalidade caracteriza-se por uma forma de corrigir no presente e em determinado ordenamento jurídico a adequação ou conformidade com a Constituição. Em outras palavras, é verificar se um ato, lei, decreto ou ação está ou não de acordo com a Constituição. Observe na figura a seguir o esquema do controle de constitucionalidade: Difuso Concentrado Controle de constitucionalidade Preventivo Por omissão legislativa Repressivo Figura 11 – Controle de constitucionalidade Como você observou, o controle de constitucionalidade das leis e demais espécies normativas compreende o controle preventivo e o controle repressivo. 55 INSTITUIÇÕES DE DIREITO O controle preventivo visa prevenir, antes ou durante o processo legislativo, a introdução de uma norma inconstitucional no ordenamento. Assim, no momento que um projeto de lei for apresentado, a pessoa que der início ao processo legislativo deve verificar a regularidade da matéria que irá tratar o projeto de lei. Esse controle preventivo é exercido pelos três poderes: pelo poder legislativo, quando encaminha a matéria para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ); pelo poder executivo, quando o chefe do executivo (presidente, governador ou prefeito) sanciona ou veta o projeto de lei; e, por fim, pelo poder judiciário, que garante que o processo legislativo cumpra as regras da Constituição. O controle repressivo opera por meio do exercício da tutela jurisdicional do poder judiciário e divide-se em duas categorias: o controle difuso ou por via difusa e o controle concentrado. Controle difuso ou via difusa (via indireta ou de exceção ou de defesa) diz respeito basicamente à arguição judicial de inconstitucionalidade por meio de ação judicial cuja causa de pedir verse alguma situação concreta na qual o interessado invoca tutela jurisdicional para obstar incidência da norma. O rito ou a forma processual pode variar, a exemplo da ação de rito ordinário ou de rito comum, ou mesmo embargos à execução, mandado de segurança, entre outros meios processuais. Diz-se que a declaração de inconstitucionalidade é, na via difusa, incidenter tantum, ou seja, pressuposto (preliminar) para a procedência ou improcedência do pedido, de modo que a declaração de inconstitucionalidade antecederia o mérito do pedido – por exemplo, declaração judicial de inconstitucionalidade incidenter tantum com respectiva procedência de mérito de pedido de devolução de tributo indevidamente pago ou de declaração de não incidência tributária –, e os efeitos da coisa julgada se restringem às partes da respectiva ação judicial. Controle concentrado ou via concentrada (via direta ou de ação) diz respeito a uma ação judicial cuja causa precípua de pedir seja a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 da Constituição Federal) ou da ação declaratória de inconstitucionalidade (art. 103, § 4º, da Constituição Federal), de modo que a ação versa sobre o controle em abstrato de uma norma – norma, em sentido geral, é dotada de generalidade e abstração, e sua vigência implicaria a potência de produzir efeito, isto é, eficácia, independentemente de um ou outro caso concreto individualmente situado. O controle constitucional de omissão legislativa presente no art. 103, § 2º, da Constituição é aquele que pode ensejar propositura de mandado de injunção, nos termos do art. 5º, inciso LXXI, da CF. O mandado de injunção, para Silva (2003), será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. Continua o autor afirmando que compete ao STF o julgamento do mandado de injunção quando a elaboração da norma for de atribuição do presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das mesas de cada uma dessas casas legislativas, do Tribunal de Contas da União, de algum dos Tribunais Superiores ou do próprio STF. É importante considerar o controle de constitucionalidade de âmbito estadual, que diz respeito à prerrogativa dada às Constituições estaduais para instituir ação direta de inconstitucionalidade de 56 Unidade I âmbito estadual (art. 125, § 2º, da Constituição Federal, que implica competência da justiça estadual: art. 97 da Constituição Federal). 3.7 Da organização nacional A República Federativa do Brasil, como qualquer outro Estado contemporâneo, possui uma forma de Estado, uma forma de governo e um sistema de governo. São esses os três pilares da organização nacional dada na CF. A forma de Estado adotada pelo constituinte foi a Federação. Isso significa que a República Federativa do Brasil é formada a partir de um conjunto de entes, chamados federados, havendo dois ou mais entes capazes de legislar. No nosso caso, podem legislar União, Estado e Municípios, cada qual a partir de seu parlamento. Esse vínculo federativo é indissociável, não podendo ser alterado nem mesmo por emenda à Constituição. A forma de governo é republicana. Assim, todo agente político somente exercerá suas funções por tempo determinado. Seu mandato, portanto, outorgado pelo povo soberano, tem tempo de duração. Em uma República, não pode haver mandato sem tempo de duração, sob pena de se descaracterizar o instituto. Por fim, o Brasil é presidencialista. O presidencialismo é um sistema de governo que se opõe ao parlamentarismo. No presidencialismo, o presidente, ou quem lhe faça as vezes, aglutina as competências de chefe de Estado e de governo, ou seja, representa o Estado brasileiro junto aos Estados estrangeiros, comanda as Forças Armadas e possui competência para tomar decisões administrativas internas. O Brasil difere, portanto, da Inglaterra, onde a rainha possui competências de chefe de Estado, comandando as Forças Armadas e representando o país junto ao restante do mundo, enquanto o primeiro ministro acumula as funções de chefe de governo, tomando decisões administrativas internas. 4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Chegamos ao estudo da Constituição Federal. Você já sabe que essa é a principal lei do nosso ordenamento jurídico, que sua classificação é analítica e, portanto, cheia de divisões em títulos, capítulos, seções e subseções, cada grupo com informações sobre a forma de organização da sociedade brasileira. A Constituição Federal de 1988 se epicentra na prevalência da soberania popular, do povo como destinatário final da administração pública, seu funcionamento e serviços. Por isso, a pauta da soberania cadencia a estruturação do Estado em relaçãoao funcionamento orgânico dos poderes da República, bem como concatena todo o ajustamento do ordenamento jurídico à nova ordem constitucional. Todo esse eixo da soberania popular coaduna o contexto sócio-histórico de superação do regime militar, que amesquinhou o campo das chamadas liberdades civis – aqui, podem ser também referidas como liberdades individuais. 57 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Grosso modo, a partir do Renascimento e mais notadamente do Iluminismo (tudo pautado na concepção de homem como dotado de dignidade própria em razão de seus atributos inerentes à condição humana, vontade livre e livre arbítrio) e, sobretudo, a partir do Contratualismo (corrente filosófica que se ocupou de ponderar a formação dos estados nacionais e, pois, do estado de direito), entende-se por liberdades individuais, e mesmo por liberdades civis, todo o campo de direitos e interesses contra os quais o governante não poderia dispor. Trata-se de um campo de liberdades que o ordenamento resguarda de eventuais investidas desferidas por aqueles no exercício do poder (costuma-se, tradicionalmente, dizer-se daquele que exerce o poder de governante, conquanto o sentido de governante, aqui, seja lato e amplo). Trata-se da pauta da usurpação (a questão das liberdades civis recai na pauta da usurpação), que diz respeito justamente à afirmação da soberania popular, que não poderia ser usurpada pelo governante, compreendido o vocábulo “governante” em sentido lato. Diz-se, tradicionalmente, em teoria geral do estado e em filosofia do direito, que o amplo campo das liberdades civis decorre do reconhecimento da invariante axiológica da soberania popular que obsta concepção de Estado cuja soberania se epicentre na figura de um déspota absolutista que estivesse legitimado a dizer qual o direito. Eis que tanto a função legiferante quanto a função de distribuição de justiça (tutela jurisdicional, iuris dicere), bem como toda a pauta do chamado poder de polícia, remontam, todas, à tópica do poder de império, que abrange o uso legitimado da força (poder coercitivo). O perpassar sócio-histórico de toda essa pauta de teoria geral do estado e em filosofia do direito, por implicar o campo das invariantes axiológicas e da consciência jurídica dos povos, parte do cotejo do direito das gentes (que muito se associa ao discernimento do conceito de nação em relação ao conceito de povo, tudo em torno da questão da identidade cultural, dos laços sociais de pertença grupal). Por isso falamos em gênio do povo, espírito do povo, concepção lata (da deriva morfossintática saxônica, isto é, do saxão) do volksgeist (que em filosofia do direito se coteja com o conceito do espírito dos tempos, zeitgeist, e daí a questão da experiência dos povos, que conforma sua consciência jurídica e seu sentimento do justo). Em teoria geral do estado e em filosofia do direito, liberdades civis ou liberdade civil (cuja tópica é mais abrangente que uma ou outra estipulação de sentido e alcance que se pretenda mais epicentrada em direito constitucional) diz respeito, sobretudo, à esfera, margem ou campo de liberdade do homem (tanto do indivíduo quanto do grupo social) contra o qual nenhum governante ou déspota possa investir contra, isto é, possa dispor (porque analienável), de modo que a soberania popular perpassa ao ordenamento jurídico soberano: eis o advento do estado democrático sob ordenamento jurídico soberano, gênese do chamado estado moderno. Vejamos mais esta lição de teoria geral do estado e de filosofia do direito: o direito que fundamenta toda essa pauta de liberdade civil é o direito de livre associação, por meio do qual o homem (cuja qualidade ou natureza decorre da vontade livre e do livre arbítrio), haja vista a sociabilidade ser o traço humano precípuo, organiza-se em sociedade, a partir do volksgeist (que em filosofia se coteja com o conceito do espírito dos tempos, zeitgeist, e daí a questão da experiência dos povos, que conforma sua consciência jurídica e seu sentimento do justo, pauta preliminar do chamado direito das gentes). 58 Unidade I Lembrete A Constituição Federal de 1988 se epicentra na prevalência da soberania popular, com respectivo reconhecimento do povo como destinatário final da administração pública e, pois, de seu funcionamento e serviços. Assim, a pauta da soberania concatena tanto a estruturação do Estado em relação ao funcionamento orgânico dos poderes da República quanto o ajustamento do ordenamento jurídico à nova ordem constitucional. Todo esse eixo da soberania popular coaduna o contexto sócio-histórico de superação do regime militar, que amesquinhou o campo das chamadas liberdades civis. 4.1 Histórico da Constituição de 1988 O contexto histórico da Constituição Federal de 1988, conforme antedito, gira em torno da afirmação ou do reconhecimento, incontenível (porque pauta de invariante axiológica da prevalência do valor da vida humana), da soberania popular, que visava superar as feridas nacionais do regime militar, que amesquinhou o campo das chamadas liberdades civis. Pauta do povo como destinatário final da administração pública, quadro que, em última análise, remonta ao chamado direito de livre associação, que atravessa toda a sociabilidade humana (matéria de teoria geral do estado). Tudo isso se insere no contexto da experiência latino-americana em torno da afirmação das liberdades civis, que parte da experiência comum latino-americana das feridas nacionais legadas pelo regime militar, que malferiu o âmago da vontade popular, inflamou o espírito do povo e exortou as gentes ao reclamo político de observância do direito, cujo triunfo popular resta consubstanciado na Constituição Federal de 1988. Muitas vezes nos deparamos na nossa vida pessoal, bem como profissional, com problemas para os quais não sabemos onde buscar amparo. Então, é importante que você saiba onde procurar informações legais que suportem as suas pretensões e sustentem o seu direito ou sua pretensão. Assim, importa você ter uma visão geral do teor da Constituição Federal de 1988, observando o quadro a seguir: Quadro 6 Preâmbulo Título I Princípios Fundamentais Título II Direitos e Garantias Fundamentais Capítulo I – Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Capítulo II – Direitos Sociais Capítulo III – Da nacionalidade Capítulo IV – Dos Direitos Políticos Capítulo V – Dos Partidos Políticos 59 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Título III Da Organização do Estado Capítulo I – Da Organização Político-Administrativa Capítulo II – Da União Capítulo III – Dos Estados Federados Capítulo IV – Dos Municípios Capítulo V – Do Distrito Federal e dos Territórios Seção I – Do Distrito Federal Seção II – Dos Territórios Capítulo VI – Da Intervenção Capítulo VII – Da Administração Pública Seção I – Disposições Gerais Seção II – Dos Servidores Públicos Seção III – Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios Seção IV – Das Regiões Título IV Da Organização dos Poderes Capítulo I – Do Poder Legislativo Seção I – Do Congresso Nacional Seção II – Das Atribuições do Congresso Nacional Seção III – Da Câmara dos Deputados Seção IV – Do Senado Federal Seção V – Dos Deputados e dos Senadores Seção VI – Das Reuniões Seção VII – Das Comissões Seção VIII – Do Processo Legislativo Subseção I – Disposição Geral Subseção II – Da Emenda à Constituição Subseção III – Das Leis Seção IX – Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária Capítulo II – Do Poder Executivo Seção I – Do presidente e do vice-presidente da República Seção II – Das Atribuições do presidente da República Seção III – Da Responsabilidade do presidente da República Seção IV – Dos Ministros de Estado Seção V – Do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional Subseção I – Do Conselho da República Subseção II – Do Conselho de Defesa Nacional Capítulo III – Do Poder Judiciário Seção I – Disposições Gerais Seção II – Do Supremo Tribunal61 4.4 Direitos e garantias fundamentais ................................................................................................ 62 4.5 Tributação e orçamento ..................................................................................................................... 65 4.6 Ordem econômica e financeira ....................................................................................................... 67 4.7 Ordem social ........................................................................................................................................... 70 4.8 Disposições constitucionais gerais ................................................................................................ 76 4.9 Ato das disposições constitucionais transitórias ..................................................................... 77 Sumário Unidade II 5 DIREITO CIVIL .................................................................................................................................................... 83 5.1 Noções introdutórias ao direito civil ............................................................................................ 83 5.2 Da validade dos atos jurídicos ........................................................................................................ 90 5.3 Responsabilidade civil e ato ilícito ................................................................................................ 92 5.3.1 Conceito e requisitos da responsabilidade civil .......................................................................... 96 5.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva ........................................................................................... 97 5.3.3 Responsabilidade civil e penal ........................................................................................................... 98 5.3.4 Reparação do dano ................................................................................................................................ 98 5.4 Contratos ...............................................................................................................................................100 5.4.1 Garantias contratuais ..........................................................................................................................102 5.4.2 Confissão de dívida ..............................................................................................................................103 5.4.3 Teoria da imprevisão ............................................................................................................................103 6 DIREITO DO CONSUMIDOR........................................................................................................................105 6.1 Noções introdutórias de direito do consumidor ...................................................................105 6.2 Conceito de consumidor .................................................................................................................107 6.3 Conceito de fornecedor ...................................................................................................................108 6.4 Política nacional de consumo .......................................................................................................111 6.5 Proteção contra práticas comerciais abusivas........................................................................115 6.6 Propaganda enganosa ou abusiva ..............................................................................................116 6.7 Proteção contratual .........................................................................................................................122 Unidade III 7 DIREITO ADMINISTRATIVO .........................................................................................................................129 7.1 Noções introdutórias de direito administrativo.....................................................................129 7.2 Atos administrativos ........................................................................................................................136 7.2.1 Atributos e requisitos ......................................................................................................................... 137 7.2.2 Atos administrativos vinculados e discricionários ................................................................. 139 7.3 Contratos administrativos ..............................................................................................................140 7.4 Licitações ...............................................................................................................................................142 8 DIREITO DE EMPRESA ..................................................................................................................................144 8.1 Noções introdutórias de direito de empresa .........................................................................144 8.2 Origem e evolução histórica do direito comercial ................................................................145 8.3 Fontes do direito comercial ............................................................................................................147 8.4 Empresa, empresário e estabelecimento empresarial..........................................................148 8.5 Empresário individual .......................................................................................................................151 8.5.1 Microempreendedor individual (MEI) .......................................................................................... 152 8.5.2 Empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli) ................................................ 153 8.6 Classificação das sociedades empresárias ................................................................................155 8.6.1 Sociedades personificadas ............................................................................................................... 156 8.6.2 Sociedades simples ............................................................................................................................ 157 8.7 Sociedades empresárias ...................................................................................................................158 8.7.1 Sociedade anônima ........................................................................................................................... 159 8.7.2 Sociedade em comandita por ações .............................................................................................161 8.7.3 Sociedade em nome coletivo ...........................................................................................................161 8.7.4 Sociedade em comandita simples ................................................................................................161 8.7.5 Sociedade limitada ...............................................................................................................................161 8.7.6 Sociedades não personificadas ...................................................................................................... 163 8.7.7 Sociedade em comum ....................................................................................................................... 163 8.7.8 Em conta de participação................................................................................................................. 163 8.8 Transformação societária ................................................................................................................164 8.8.1 Incorporação ........................................................................................................................................ 164 8.8.2 Fusão .........................................................................................................................................................Federal Seção III – Do Superior Tribunal de Justiça Seção IV – Dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais Seção V – Do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Juízes do Trabalho Seção VI – Dos Tribunais e Juízes Eleitorais Seção VII – Dos Tribunais e Juízes Militares Seção VIII – Dos Tribunais e Juízes dos Estados Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça Seção I – Do Ministério Público Seção II – Da Advocacia Pública Seção III – Da Advocacia Seção IV – Da Defensoria Pública 60 Unidade I Título V Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas Capítulo I – Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio Seção I – Do Estado de Defesa Seção II – Do Estado de Sítio Seção III – Disposições Gerais Capítulo II – Das Forças Armadas Capítulo III – Da Segurança Pública Título VI Da Tributação e do Orçamento Capítulo I – Do Sistema Tributário Nacional Seção I – Dos Princípios Gerais Seção II – Dos Limites do Poder de Tributar Seção III – Dos Impostos da União Seção IV – Dos Impostos dos Estados e do Distrito Federal Seção V – Dos Impostos dos Municípios Seção VI – Da Repartição das Receitas Tributárias Capítulo II – Das Finanças Públicas Seção I – Normas Gerais Seção II – Dos Orçamentos Título VII Da Ordem Econômica e Financeira Capítulo I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica Capítulo II – Da Política Urbana Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária Capítulo IV – Do Sistema Financeiro Nacional Título VIII Da Ordem Social Capítulo I – Disposição Geral Capítulo II – Da Seguridade Social Seção I – Disposições Gerais Seção II – Da Saúde Seção III – Da Previdência Social Seção IV – Da Assistência Social Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto Seção I – Da Educação Seção II – Da Cultura Seção III – Do Desporto Capítulo IV – Da Ciência, Tecnologia e Inovação Capítulo V – Da Comunicação Social Capítulo VI – Do Meio Ambiente Capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso Capítulo VIII – Dos Índios Título IX Das Disposições Constitucionais Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Como você pode perceber, a nossa Constituição apresenta uma série de informações e princípios que regem toda a sociedade brasileira. Ela representa o ápice histórico de um momento de transição entre a democracia e a ditadura no Brasil. Assim, tornou-se complexa, extensa, mas com um apelido muito pertinente: Constituição Cidadã. 61 INSTITUIÇÕES DE DIREITO 4.2 Preâmbulo O significado da palavra “preâmbulo” é aquilo que vai adiante ou que precede alguma coisa; deriva da palavra latina praeambulus e, para o nosso estudo, entende-se como a parte inicial de uma lei em que se explica ou se justifica a edição e promulgação. O preâmbulo não possui força normativa. Embora não faça parte do texto constitucional propriamente dito, ele serve como elemento de interpretação e integração normativa, e em razão de não fazer parte do texto constitucional, não pode prevalecer contra qualquer texto que esteja expresso nele. Como você observou no quadro anterior, a nossa Constituição possui um preâmbulo, que contém os seguintes dizeres: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (Brasil, 1988). Segundo o professor Alexandre de Moraes (2017), o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como o documento de intenções do diploma e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. O preâmbulo é de tradição em nosso direito constitucional e nele devem constar os antecedentes e o enquadramento histórico da Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades. Certamente você reparou que há no preâmbulo Constitucional uma rogação a Deus. Qual seria o real significado e a importância dessa afirmação, já que o Estado brasileiro é laico, ou seja, o Brasil é um país que adota posição neutra no campo religioso? Isso porque a característica do Estado é a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião. Para Alexandre de Moraes (2017), a evocação à “proteção de Deus” no preâmbulo da CF não a torna confessional, mas reforça a laicidade do Estado, afastando qualquer ingerência estatal arbitrária ou abusiva nas diversas religiões e garantindo tanto a ampla liberdade de crença e cultos religiosos quanto a ampla proteção jurídica aos agnósticos e ateus, que não poderão sofrer quaisquer discriminações pelo fato de não professarem uma fé. 4.3 Princípios fundamentais A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de direito e tem como fundamentos: 62 Unidade I Cidadania Pluralismo político Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa Soberania Dignidade da pessoa humana Figura 12 – Fundamentos da República Federativa do Brasil É importante que você saiba que o estado democrático de direito significa que existem no Brasil normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e às garantias fundamentais. Esse princípio democrático está claro quando a Constituição (Brasil, 1988) afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” em seu parágrafo único do artigo 1º. 4.4 Direitos e garantias fundamentais Os direitos fundamentais são os direitos humanos escritos na CF. O próprio nome “direitos fundamentais ou humanos” já diz tudo. Representam todos os direitos básicos e necessários à condição humana e que precisam ser protegidos e garantidos pelo Estado. A CF de 1988 recebeu a denominação Constituição Cidadã porque ampliou a proteção desses direitos fundamentais. Muitos políticos e advogados costumam utilizar frases pomposas para se referir às condições mínimas de vida das pessoas ou quando algum direito humano é violado. Trata-se do conhecido princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio norteia o estado democrático de direito, ou seja, uma sociedade fundada na solidariedade, na qual todos os cidadãos têm vez e voz, através da concretização dos direitos fundamentais e do voto, respectivamente. Em virtude dessas questões, os artigos 5º, 6º e 7º da CF são vitais, pois descrevem esses direitos. Todos os cidadãos brasileiros devem conhecer esses dispositivos. Assim, a Constituição Cidadã pode ser considerada um marco na democracia brasileira. O artigo 5º da CF possui 76 incisos que dispõem sobre os direitos e as garantias individuais gerais e de natureza penal. Entre as garantias individuais gerais, estão: a liberdade de pensamento; a liberdade de consciência e religiosa; a liberdade de expressão; o direito à privacidade; a inviolabilidade do lar; o sigilo de correspondência; o direito de propriedade e o direito à herança. Para citar um exemplo: o princípio da igualdade entre homens e mulheres significa que os iguais devem ser tratados de modo igual e os desiguais de modo desigual, na medida de sua desigualdade. 63 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Como você pode perceber, o art. 5º contempla ainda um dos princípios fundamentais do direito, o da legalidade. Reza o artigo 5º, inciso II, que ninguémserá obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, ou seja, apenas a lei pode obrigar alguém a fazer (prestação positiva) ou então abster-se de fazer alguma coisa. Um exemplo de deixar de fazer algo são as proibições do Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997), como a que consta do art. 81: Nas vias públicas e nos imóveis é proibido colocar luzes, publicidade, inscrições, vegetação e mobiliário que possam gerar confusão, interferir na visibilidade da sinalização e comprometer a segurança do trânsito. A integridade física não permite a tortura nem o tratamento desumano ou degradante; não permite a violação do direito à vida e assegura aos ressocializandos o respeito à integridade física. A liberdade de pensamento, culto, crença religiosa, expressão da atividade artística, científica, de comunicação do exercício de qualquer trabalho ou profissão, assim como o respeito ao sigilo profissional, deixam claro o espírito democrático que inspirou a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Saiba mais Rui Barbosa, em seu discurso lido por Reinaldo Porchat para os formandos da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco da USP, em 1920, quando foi escolhido como paraninfo e não pôde comparecer por motivos de saúde, escreveu o célebre Oração aos moços, no qual afirmou que “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” Você pode ler o documento completo em: BARBOSA, R. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1999. Disponível em: https://l1nk.dev/TaTg3. Acesso em: 28 jan. 2020. São direitos e garantais de natureza penal: o direito de resposta; a anterioridade da lei; a irretroatividade penal; a individualização da pena; o direito de defesa; não ser preso por dívida e a liberdade provisória. Entre os direitos e as garantias da esfera penal, a Constituição reconhece a instituição do júri popular, segundo a qual as pessoas, ao serem julgadas por crimes contra a vida, devem ser sentenciadas pela própria sociedade, representada pelo corpo de jurados. 64 Unidade I Como garantia penal, consta a determinação da individualização das penas, ou seja, a pena não passará de uma pessoa a outra. É por isso que não existe no Brasil a hipótese de algum descendente (filho) cumprir uma pena em nome do ascendente (pai). Ainda, a CF garante a estrita legalidade: somente permite a prisão por ordem judicial ou flagrante delito, assegurando diversos direitos dos ressocializandos. E se acontecer, no entanto, de você ter o seu direito de ir e vir cerceado? Em outras palavras, o que acontece se você for preso injustamente? Você poderá utilizar um remédio constitucional chamado de habeas corpus contra a ilegalidade, violência ou coação à sua liberdade de locomoção. A tradução de habeas corpus é “toma-te o corpo”, ou seja, “retome a sua liberdade de ir e vir”. Ela tem cabimento quando há prisão ilegal e não necessita de advogado para sua apresentação na justiça. Isso porque o habeas corpus constitui uma exceção legal à atividade privativa do advogado. É um instrumento processual constitucional, um remédio constitucional previsto no art. 5º, LXVIII, da CF/88, regulamentado pelos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal e que visa prevenir ou sanar a ocorrência de violação ou coação na liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Desse modo, como a liberdade está relacionada aos direitos fundamentais da pessoa humana, o habeas corpus pode ser impetrado pela própria parte, por qualquer pessoa em seu favor ou em favor de outra pessoa, e ainda pelo Ministério Público, sendo dispensável a presença do advogado. Ainda na esfera penal, supondo que em uma emenda à Constituição pretende-se proibir a liberdade de culto ou implantar a pena de morte no Brasil, é fácil concluir que seria inconstitucional, pois a liberdade de culto e a inviolabilidade do direito à vida estão contidas no artigo 5º, que é cláusula pétrea e, portanto, não pode ser modificado. O artigo 6º trata dos direitos sociais dos indivíduos, ou seja, saúde, educação, lazer, trabalho, previdência social e segurança. Já o artigo 7º, que possui 34 incisos, dispõe acerca dos direitos do trabalhador, incluindo: proteção da relação de emprego contra a dispensa arbitrária; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); seguro-desemprego; salário mínimo; 13º salário; repouso semanal remunerado; licença-maternidade; aviso prévio; redução dos riscos do trabalho; aposentadoria; creches; pré-escola, entre outros. Dentro desse mesmo espírito democrático, o constituinte garante a liberdade de associação, sendo vedado aquele de caráter paramilitar, a liberdade de reunião e de locomoção. A vida privada, a honra e a imagem também foram preocupações para o constituinte, garantindo-se, assim, a inviolabilidade da casa, do sigilo de correspondência e de comunicação. A constituição também garante o direito de petição, ou seja, de pedir e obter do poder judiciário alguma tutela jurisdicional, bem como certidões e informações dos poderes públicos. Ainda estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal o mandado de segurança contra lesão ou ameaça a direito líquido e certo e o habeas data para assegurar o conhecimento ou a retificação de informações constantes em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. 65 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Lembrete São remédios constitucionais o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança e o mandado de injunção. Por fim, merece destaque a ação popular, garantida a qualquer cidadão sua propositura, contra ato lesivo ao patrimônio público. 4.5 Tributação e orçamento A Constituição Federal de 1988 trouxe, no título VI, a tributação e o orçamento com suas regras básicas, que orientam a conduta tanto dos particulares administrados, no caso da arrecadação, quanto dos administradores públicos, quando se trata de orçamento. O sistema tributário nacional apresentado no texto constitucional se inicia pelos princípios gerais de direito tributário e estabelece as regras básicas regentes da relação do Estado/Fisco com o particular/contribuinte, definindo as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias, caracterizando-se, assim, pela rigidez e complexidade. Esse conjunto de princípios constitucionais forma um todo orgânico, um verdadeiro corpo normativo que vigora no Brasil a partir das diretrizes constitucionais. E quais são essas diretrizes? Inicialmente, cabe esclarecer que o tributo é imposto, ou seja, uma imposição para convivermos na sociedade. Trata-se de uma colaboração do cidadão para a administração de toda a sociedade. Justamente porque os bens dos cidadãos são apropriados pelo Estado por meio da arrecadação tributária é que se devem ter claras as regras tanto de arrecadação quanto de destinação. É em razão disso que o legislador constituinte decidiu alocar as duas ações em um mesmo título: tributação e orçamento. Para conhecer um pouco mais sobre a história do tributo, convém trazer a história da derrota da cavalaria, narrada por Franz Oppenheimer (1913, p. 146), em tradução livre: A derrocada da cavalaria corresponde à cobrança de tributos previamente delimitados, de modo a se permitir a conservação do excedente do trabalho, que não mais seria destinado ao mantenimento da escorte militaire. O excedente que deixa de ser destinado à cavalaria pode ser comercializado na ville. A derrocada da cavalaria está intimamente ligada ao surgimento de uma nova organização social. Assim, o cavaleiro que protegia contra invasões e dava identidade nacional – com toda a carga simbólica do juramentode fidelidade – é sacrificado para o advento do Estado Nacional. O fundamento do poder de tributar reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos entes tributantes, representados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, ao que estiver descrito na Constituição da República. Dessa forma, ao mesmo tempo que o legislador 66 Unidade I constituinte restringiu a liberdade do Congresso Nacional em estabelecer a competência tributária de cada ente federativo – porque ele mesmo estabeleceu quais tributos pertencem a qual ente –, ele descreveu com detalhes as limitações do poder de tributar e a repartição das receitas tributárias, o que torna mais segura a tarefa de arrecadar e gastar os recursos. Existem, conforme a Constituição Federal, três espécies de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. As limitações ao poder de tributar constam do art. 150 da Constituição, que elenca algumas limitações ao poder de tributar. Isso porque existem também outros institutos, tal qual a imunidade tributária, que constitui uma limitação ao poder estatal de invadir a propriedade privada através da cobrança de tributos confiscatórios. Aliás, você sabe o que significa tributo confiscatório? Esclarece o professor Alexandre de Moraes (2017) que, apesar da dificuldade na definição dos contornos conceituais e jurisprudenciais, confisco ou confiscação pode ser entendido como o ato do poder público de decretação de apreensão, adjudicação ou perda de bens pertencentes ao contribuinte, sem a contrapartida de justa indenização. Assim, o confisco é estabelecido sempre que o proprietário de um bem o perde, em benefício do poder público, sem a justa indenização. Diante do exposto, concluímos que as limitações ao poder de tributar são normas legitimadas pela CF que visam impedir as situações por elas descritas, ou seja, restringem a força tributária do Estado. Analisada a parcela que compete à arrecadação, passamos a estudar a parte relativa à utilização dos recursos públicos, tratada no orçamento, tendo em mente, desde já, que a gestão pública é fundamentada basicamente na CF de 1988, nos artigos 165 ao 169. Além da CF, a gestão e administração dos recursos públicos arrecadados em razão dos tributos estão apresentadas na Lei n. 4.320 (Brasil, 1964) e na Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000). O orçamento público é formado por três documentos: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Vejamos essas três leis: Plano Plurianual 4 anos Lei Orçamentária Anual Orçamento fiscal Orçamento da seguridade social Orçamento de investimento das empresas estatais Lei de Diretrizes Orçamentárias Metas e prioridades Figura 13 – Leis do orçamento público 67 INSTITUIÇÕES DE DIREITO • Plano Plurianual (PPA): é o instrumento de planejamento do orçamento. Terá vigência para quatro anos e conterá as diretrizes, os objetivos e as metas do governo. A LOA deverá ser elaborada de acordo com os planos estipulados no PPA. • Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): estabelece quais as prioridades do governo para determinado exercício, extraindo as metas definidas no PPA e atribuindo-as à LOA. Também traz diversas normas que devem ser seguidas na elaboração e durante a execução do orçamento. Até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, o poder executivo deverá publicar o relatório resumido da execução orçamentária, chamado de RREO. Essa obrigatoriedade é dada pela CF, e a estrutura de apresentação é detalhada na Lei de Responsabilidade Fiscal. • Lei Orçamentária Anual (LOA): é o orçamento anual propriamente dito. Prevê os orçamentos fiscais, da seguridade social e de investimentos das estatais. Todos os gastos do governo para o ano seguinte são previstos em detalhe na LOA. Dentro da LOA, estão três orçamentos: fiscal, da seguridade social e de investimentos. Saiba mais Para saber mais sobre orçamento público, leia o texto a seguir: ORÇAMENTO público. Portal da Transparência, [s.d.]. Disponível em: https://acesse.one/kocIe. Acesso em: 3 mar. 2020. É proibido fazer vinculações na receita orçamentária, a não ser aquelas expressas pela legislação. Aqui, fazemos menção ao princípio da não afetação da receita. A Constituição também proíbe a abertura de crédito suplementar ou especial (autorizações para despesas) sem autorização legislativa. Além disso, o orçamento público deve ter seus valores determinados. Não é possível elaborar um orçamento com crédito ilimitado. Outra limitação imposta pela Constituição é a de utilizar recursos do orçamento, sem autorização legislativa, para cobrir déficits de empresas, fundações e fundos. Talvez você deva estar se perguntando: e se o governo fizer uma obra que não termine em um ano, ou seja, se o valor gasto pelo governo em investimentos ultrapassar o exercício financeiro? A resposta é simples: todo investimento cuja execução ultrapassar um exercício financeiro deverá estar incluso no PPA ou ter lei que autorize a sua inclusão para que seu início seja permitido. Isso diz respeito ao princípio do planejamento-programação. Se a execução do investimento ultrapassar o exercício financeiro, significa que o valor é relevante; logo, ele deve constar nos planos do governo. 4.6 Ordem econômica e financeira Nos termos da CF, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. A ordem econômica deve observar os seguintes princípios: 68 Unidade I • Soberania nacional. • Propriedade privada. • Função social da propriedade. • Livre concorrência. • Defesa do consumidor. • Defesa do meio ambiente. • Redução das desigualdades regionais e sociais. • Busca do pleno emprego. • Tratamento favorecido para empresas nacionais. A ordem econômica na Constituição de 1988, em seu artigo 170, optou pelo modelo capitalista de produção, também conhecido como economia de mercado (art. 219), cuja essência é a livre iniciativa. Ainda, assegurou a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Confira-se a lição de Raul Machado Horta (1995, p. 256): No enunciado constitucional, há princípios – valores: soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência. Há princípios que se confundem com intenções: reduções das desigualdades regionais, busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (alterado pela EC n. 6/95); função social da propriedade. Há princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente. Sobre os princípios, cabe ponderar os ensinamentos de Alexandre de Moraes sobre o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras que tenham sua sede e administração no país: Emenda Constitucional n. 6, de 15-8-1995, alterou a redação dos arts. 170, IX, 176, § 1º; revogou o art. 171, e criou o art. 246, na Constituição Federal, trazendo novidades em relação ao tratamento das empresas brasileiras. A redação anterior previa como um dos princípios da ordem econômica, o “tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte”. Por sua vez, o art. 171, que trazia as definições de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional, foi revogado, inexistindo qualquer diferenciação ou benefício nesse sentido, inclusive, em relação à 69 INSTITUIÇÕES DE DIREITO pesquisa e à lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica; em face da alteração da redação originária do art. 176, § 1º, da Constituição Federal, basta que sejam empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (Moraes, 2017, p. 861, grifo nosso). Nota-se que houve uma alteraçãono sentido de estender o tratamento favorecido também às empresas com capital internacional, sendo suficiente ter a sua sede e administração no Brasil e ser constituídas conforme a legislação brasileira, não mais diferenciando capital nacional de capital estrangeiro. Atitudes como a narrada pretendem atender a um dos desejos do constituinte: a busca pelo pleno emprego. Moraes (2017) destaca que, apesar de o texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada de mercado, autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica. A atuação do Estado na economia se dá de duas formas: de maneira direta (excepcionalmente), nos casos previstos na Constituição e quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei, nos termos do art. 173 da Constituição Federal; ou de maneira indireta (via de regra), na qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica no que concerne às funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, conforme o art. 174 da Constituição Federal. Como exemplo das questões tratadas na seara econômica, tomemos a atividade turística, que é importante para qualquer economia, seja ela nacional, regional ou local, pois o deslocamento constante de pessoas aumenta o consumo, motiva a diversidade de produção de bens e serviços e possibilita o lucro e a geração de emprego e renda. Apesar de alguns estudos demonstrarem que o turismo apresenta efeitos econômicos, sociais, culturais e ambientais múltiplos, os resultados produzidos nem sempre são divididos igualmente entre os envolvidos. Afinal, como qualquer atividade capitalista, produz desigualdades na distribuição dos benefícios e dos custos. A população residente é vítima dos efeitos do turismo e sofre com alguns impactos negativos; por exemplo, o aumento descontrolado do número de turistas e de agressões naturais e culturais. Acerca da função social da propriedade, cabe destacar que está intimamente ligada à política urbana, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária. Por função social, entende-se a utilização da propriedade, urbana ou rural, conforme os objetivos sociais de uma determinada cidade. Embora a Constituição garanta o direito à propriedade, a função social impõe limites a ela para poder garantir que o exercício desse direito não seja prejudicial ao bem coletivo. Um exemplo da aplicação desse princípio é a desapropriação para a reforma agrária de terras improdutivas. Isso significa que uma propriedade rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de seu proprietário, mas também ao interesse da sociedade. 70 Unidade I 4.7 Ordem social A ordem social, baseada no primado do trabalho e tendo por objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da Constituição Federal), é prevista nos arts. 193 a 232 do texto constitucional, neles contemplando diversos assuntos considerados relevantes para a sociedade, sob a ótica do constituinte quando da elaboração de nossa Constituição. Observe as matérias relativas à ordem social com os respectivos artigos da Constituição Federal: Or de m s oc ia l Família da Criança, do Adolescente e do Idoso Assistência Social Desporto Disposições Gerais Comunicação Social Da Saúde Educação Índios Ciência e Tecnologia Seguridade Social Meio Ambiente Previdência Social Cultura Arts. 226 a 230 Arts. 203 e 204 Art. 217 Art. 193 Arts. 220 a 224 Arts. 196 a 200 Arts. 205 a 214 Arts. 231 e 232 Arts. 218 e 219 Arts. 194 e 195 Art. 225 Arts. 201 e 202 Arts. 215 e 216 Figura 14 – Ordem social na Constituição Entre as questões mais significativas acerca da ordem social, está o direito previdenciário. O texto constitucional estabeleceu que a previdência social será organizada em termos de um regime geral, contributivo e de filiação obrigatória (art. 201, CF/88). Nesse caso, o modelo brasileiro optou por um sistema contributivo em que o regime previdenciário exige a contribuição obrigatória por parte daqueles 71 INSTITUIÇÕES DE DIREITO que se vinculam ao sistema, afastando-se de amostras mais licenciosas nas quais a contribuição é facultativa ou mesmo dispensada. Essa estrutura de financiamento compulsório permite – ou, pelo menos, busca permitir – que o sistema se autoalimente, viabilizando a aposentadoria e a concessão dos demais benefícios previdenciários com base no regime de contribuição daqueles que estão na ativa. No modelo atual, a previdência social é financiada através de um sistema de coparticipação entre a iniciativa privada e o poder público, a partir de tríplice forma, composta pelo financiamento dos empregados, dos empregadores e do Estado, havendo uma forma solidária de integração. É aquilo que muitos denominam de coparticipação no custeio da previdência, a partir de um financiamento da sociedade de forma direta e indireta, que une trabalhadores, empresas e governo em prol de um objetivo comum. Observe a figura a seguir: Segurados Dependentes Servidores da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal RGPS RPPS Pública Complementar - facultativa Social Previdência Privada Aberta Qualquer pessoa - por instituição financeira Fechada - via empresa para seus funcinários PGBL PAGP PRGP PRSA PRI Figura 15 – Previdência social no Brasil A seguir, vamos esclarecer o diagrama. A previdência se divide em duas: social e complementar facultativa. A social subdivide-se em Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Já a previdência complementar facultativa pode ser pública ou privada, sendo que a privada é aberta, ou seja, acessível a qualquer pessoa que se filie a ela, independentemente de condição, o que é o caso da pública (apenas servidores públicos). A exceção é a previdência privada fechada, destinada apenas aos funcionários de uma determinada empresa. A previdência privada é cessível a qualquer pessoa que deseje e é oferecida por instituições financeiras. São o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL); o Plano com Remuneração Garantida e Performance 72 Unidade I (PRGP); o Plano com Atualização Garantida e Performance (PAGP); o Plano com Remuneração Garantida e Performance sem Atualização (PRSA) e o Plano de Renda Imediata (PRI). Sobre os preceitos constitucionais relativos à educação, trata-se de um direito de todas as famílias e um dever do Estado, com a colaboração da sociedade e o objetivo de atender ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, e os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. No tocante à igualdade das pessoas portadoras de deficiência, a Constituição determinou em seu art. 227 §2 que a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Além disso, assegura a reserva de cargos e empregos públicos, proíbe a discriminação salarial e determina a habilitação e reabilitação para a promoção de sua integração à vida comunitária. Exemplo de aplicação O Instituto Mara Gabrilli (IMG) atua em projetos que resgatam a dignidade e a autonomia de pessoas com deficiência, além de desenvolver publicações, disponíveis para download, para instruir a população sobre seus direitos e possibilidades. Um dos projetos desenvolvidos pelo Instituto é o Cadê você?, que localiza e identifica pessoas com deficiência residentes nas comunidades mais carentes do municípiode São Paulo, avalia suas condições de vida, sua situação socioeconômica, seus recursos de acessibilidade e cria uma rede de proteção, levando informações sobre os principais serviços existentes nas áreas de saúde, trabalho, acessibilidade, educação e direito. Conforme as informações do Instituto, há uma equipe do projeto Cadê você? formada pelos seguintes profissionais: assistente social, fonoaudiólogo, psicólogo, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. E no seu município, existem ações de institutos voltadas às crianças, às pessoas idosas, às pessoas portadoras de deficiência ou aos indígenas? Reflita. Saiba mais Para conhecer melhor o projeto Cadê você?, acesse: INSTITUTO MARA GABRILLI. Projeto Cadê Você? São Paulo: IMG, 2015. Disponível em: https://urx1.com/wAcOI. Acesso em: 28 jan. 2020. Como já sabemos, a Constituição de 1988 é fruto da consolidação da democracia no Brasil. Assim, existiam muitos desejos de mudança e necessidades reais de regulamentação. É o caso do regramento 73 INSTITUIÇÕES DE DIREITO da comunicação social. Esse regramento é resultado da censura administrativa, levada a efeito pelos órgãos do poder executivo. É por isso que o art. 220 determina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição. Uma questão sensível é a propaganda de tabaco. A regulamentação da Lei Antifumo n. 12.546 (Brasil, 2011b) é um dos principais temas abordados pelos especialistas. Sancionada em dezembro de 2011, a lei proíbe a propaganda em pontos de venda de cigarros, como padarias e lanchonetes, além de proibir o fumo em ambientes fechados. No que tange à disciplina constitucional do meio ambiente, o art. 225 determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A governança ambiental busca minimizar os impactos ambientais que ações governamentais ou empresariais podem ocasionar. Os danos ambientais não conhecem fronteiras, causando prejuízos a empresas e países. Desse modo, os países limítrofes e/ou mesmo distantes devem respeitar as regras de proteção. É por isso que as questões ambientais são tratadas, via de regra, em sede de direito internacional. Apresentaremos aqui um panorama de princípios de direito ambiental, que expõem a forma pela qual a ciência jurídica entende e interpreta as questões relativas ao meio ambiente: Quadro 7 – Panorama de princípios de direito ambiental Princípio da ubiquidade Princípio do desenvolvimento sustentável Princípio do poluidor/usuário-pagador Princípio da cooperação dos povos Princípio da participação Princípio da informação ambiental Princípio da educação ambiental Princípio da prevenção Princípio da precaução Princípio da função socioambiental da propriedade privada Princípio do usuário-pagador Princípio da responsabilidade ambiental A seguir, vamos conhecer melhor cada um desses princípios: • Princípio da ubiquidade: o bem ambiental não encontra qualquer fronteira, seja espacial, seja territorial, seja mesmo temporal. A reparação deve ser a mais ampla possível, levando em consideração não apenas o ecossistema diretamente afetado, mas todos aqueles outros que sofrem consequências negativas, ainda que reflexas, da poluição. A compensação deve atender aos interesses não apenas das gerações atuais, mas das que estão por vir. • Princípio do desenvolvimento sustentável: busca, para o progresso econômico e social, a racionalização no uso dos recursos ambientais, de forma a não apenas satisfazer as necessidades 74 Unidade I das gerações presentes, mas também não comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades. • Princípio do poluidor-pagador ou usuário-pagador: princípio a ser usado para alocar custos das medidas de prevenção e controle da poluição, encorajar (estimular) o uso racional dos recursos ambientais escassos e evitar distorções do comércio internacional e de investimentos. Isso significa que o poluidor deve suportar os custos do implemento das medidas mencionadas, decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente se mantenha em nível aceitável. Em outros termos, o custo dessas medidas deveria refletir-se no preço dos bens e serviços, cuja produção e consumo são causadores de poluição. Tais medidas não devem ser acompanhadas de subsídios, porque desse modo criariam distorções significativas em comércio e investimentos internacionais. Outra questão importante trazida à Constituição no tópico relativo à ordem social é a proteção da família, da criança, do adolescente e da pessoa idosa. Acerca da família, a definição e os arranjos sociais foram alterados no curso do tempo. A CF/88 preserva a situação de grupo, sem preocupação com gênero e formação de casal (admitindo-se a formação de família para os casos de famílias constituídas por um membro e seus descendentes). Merecem situação especial a criança e o adolescente, conforme art. 227 da CF/88: Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988). Repare no comando legal e na sucessão de agentes que devem cuidar da criança, do adolescente e do jovem: primeiro a família, depois a sociedade e, por fim, o Estado. Nessa questão social tão sensível, existe uma figura essencial na proteção desse grupo de pessoas: o conselho tutelar. O conselho tutelar é um órgão municipal responsável por zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Formado por membros eleitos pela comunidade para mandato de três anos, é um órgão permanente e possui autonomia funcional, ou seja, não é subordinado a qualquer outro órgão estatal. Segundo consta no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são atribuições do conselho tutelar e, consequentemente, do conselheiro tutelar atender não só crianças e adolescentes, mas também atender e aconselhar pais ou responsáveis. O conselho tutelar deve ser acionado sempre que se perceba abuso ou situações de risco contra a criança ou o adolescente, como em casos de violência física ou emocional. Cabe ao conselho tutelar aplicar medidas que zelem pela proteção dos direitos da criança e do adolescente. 75 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Saiba mais Sugerimos a leitura do livro a seguir, publicado num momento em que o governo federal e a sociedade civil começaram a debater de forma mais profunda o problema da violência em todas as suas formas e manifestações: CARLSSON, U.; VON FEILITZEN, C. A criança e a violência na mídia. Brasília: UNESCO Brasil, 1999. Disponível em: https://urx1.com/gSOmJ. Acesso em: 28 jan. 2020. Medidas constitucionais também alcançaram pessoas idosas, fim de preservar a sua qualidade de vida, nos termos do art. 230: Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (Brasil, 1988). No Brasil, a Lei n. 10.741 (Brasil, 2003) dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa. Mas você sabe quem é a pessoa idosa nos termos da lei? São aquelas pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e àsaúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. Finalmente, sobre a proteção do índio, a Constituição preocupa-se em garantir-lhes o solo, fonte de suas riquezas, bem como a sua cultura. Estatuto do Índio é o nome pelo qual ficou conhecida a Lei n. 6.001 (Brasil, 1973b), que dispõe sobre as relações do Estado e da sociedade brasileira com os índios. Em linhas gerais, o Estatuto seguiu um princípio estabelecido pelo velho Código Civil brasileiro (Brasil, 1916): de que os índios, sendo “relativamente incapazes”, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista estatal – de 1910 a 1967, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e, atualmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) – até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”, ou seja, à sociedade brasileira. 76 Unidade I Figura 16 Disponível em: https://urx1.com/nRWj2. Acesso em: 1º set. 2023. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a Constituição de 1988 rompe essa tradição secular ao reconhecer aos índios o direito de manter a sua própria cultura. Há o abandono da perspectiva assimilacionista, a qual entendia os índios como categoria social transitória, a serem incorporados à comunhão nacional. Pondera o Instituto que a Constituição não fala em tutela ou em órgão indigenista, mas mantém a responsabilidade da União de proteger e fazer respeitar os direitos indígenas. Desde a promulgação da Constituição, surgiram propostas em tramitação no Congresso para rever a legislação ordinária relativa aos direitos dos índios. A partir de 1991, projetos de lei foram apresentados pelo executivo e por deputados para regulamentar dispositivos constitucionais e adequar a velha legislação aos termos da nova Carta. Em 1994, uma proposta do Estatuto das Sociedades Indígenas foi aprovada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, mas se encontra paralisada em sua tramitação. 4.8 Disposições constitucionais gerais Nas disposições gerais da Constituição, existem diversos artigos que tratam de temas variados. Entre esses temas, merecem destaque as orientações para os dez anos da criação de um novo Estado na Federação, atribuição constitucional específica ao Ministério da Fazenda para fiscalizar o comércio exterior. Sobre a matéria penal, as disposições gerais determinam que as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º, sobre a função social da propriedade. Além disso, estabelecem que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito 77 INSTITUIÇÕES DE DIREITO de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e revertido em fundo especial com destinação específica, na forma da lei. 4.9 Ato das disposições constitucionais transitórias O ato das disposições constitucionais transitórias (ADCT) é uma norma transitória, isto é, de irradiação de eficácia (vigência) delimitada pela sua finalidade: cadenciar a organização e o funcionamento – e, portanto, a oferta dos serviços da administração pública – dos poderes da República, simétricos ao ordenamento jurídico advindo da Constituição Federal de 1988. A finalidade do ADCT é estabelecer regras de transição entre o antigo ordenamento jurídico e o novo, instituído pela manifestação do poder constituinte originário, providenciando a cadência e a concatenação do antigo e do novo direito edificado. Assim, o ADCT versa sobre a execução orçamentária concatenada pela organização dos poderes da República e de seu funcionamento, sempre em vista do lastro sócio histórico da CF/1988. Encampada a soberania pelo povo, o estado democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano, ultrapassa o regime militar mediante o poder de império outorgado ao poder judiciário, titular único e exclusivo da iuris dicere (tutela jurisdicional), eis que a titularidade soberana do poder de império: potestade de dizer o direito, apenar, empregar força coercitiva (monopólio da violência legitimada, dotada de auto executoriedade própria do poder geral de cautela) por meio do exercício da iuris dicere. Com relação ao conteúdo do ADCT, a própria consultoria legislativa do Senado Federal, em trabalho elaborado por RAAD (2005), alerta que é preciso pôr fim a essa tendência (de inserir ou manter conteúdos no ADCT), pois, de resto, na maior parte das vezes, as disposições inseridas no ADCT poderiam pura e simplesmente figurar como artigos das emendas que as contemplaram de modo irregular. Uma das matérias trazidas no ADCT foi a previsão, no art. 2º, da realização de um plebiscito para eleger o sistema de governo da República. O plebiscito ocorreu no dia 21 de abril de 1993, sendo que a República e o sistema presidencialista de governo foram mantidos pela população. Pelo artigo, a consulta popular estava marcada originalmente para ocorrer no dia 7 de setembro de 1993, mas foi antecipada para 21 de abril de 1993 pela Emenda Constitucional n. 2, de 25 de agosto de 1992. O resultado foi que, de um universo de 90.256.461 eleitores na época, compareceram às urnas 66.209.385 (73,36%), sendo que 551.043 votaram em trânsito na ocasião. A República foi escolhida por 43.881.747 (66,28%) eleitores, e a Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) votos. Votaram em branco nesse item 6.813.179 (10,29%) eleitores, e 8.741.289 (13,20%) anularam o voto. Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo sistema presidencialista de governo, e 16.415.585 (24,79%) pelo parlamentarista. Votaram em branco nesse item 3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) votaram nulo. 78 Unidade I Resumo O homem é um ser social, e, por isso, em toda sociedade deve existir um conjunto de normas a serem respeitadas. Assim, a origem do direito é a origem do próprio homem. A expressão latina sintetiza claramente essa ideia: ubi societa, ibi jus (“onde há sociedade, existe o direito”). O conceito de direito pode ser interpretado como norma, na medida em que representa a lei, uma faculdade, porque é uma capacidade dada ao sujeito de exercê-la e é também uma ciência social aplicada. Direito também tem a conotação de justiça, ou do que é justo, aquilo que deve ser preservado nas relações sociais. Na Antiguidade, a lei do talião determinava a proporcionalidade entre a conduta considerada criminosa e a retaliação aplicada às pessoas que violavam os preceitos de bem comum. A grande contribuição romana para o direito é a literatura jurídica, e um dos documentos mais importantes do direito romano foi o Corpus Iuris Civilis. O direito objetivo é o conjunto de normas existentes, ao passo que o direito subjetivo representa a permissão que as pessoas têm de invocar as normas jurídicas em seu favor. O direito e a moral se diferenciam pelo campo de atuação, pelos objetivos, pela forma e aplicação da sanção. A moral está no indivíduo, e o direito é a parte social, sendo que a justiça é o seu principal valor. O direito pode ser classificado em privado, que trata dos interesses das pessoas, e público, que se divide em interno e externo e que trata dos interesses das sociedades. As fontes do direito são classificadas em formais (leis, doutrina, jurisprudência e contratos) e subsidiárias (analogia, costumes e princípios gerais de direito). A lei possui uma organização que parte da Constituição Federal, leis complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e outras espécies normativas, como resoluções, portarias etc. A lei entra em vigor em todo o território nacional após 45 dias da sua publicação, exceto se houver disposição em contrário, que a faça valer antes ou depois desse período. 79INSTITUIÇÕES DE DIREITO A Constituição Federal pode ser classificada quanto à origem em promulgada ou outorgada, quanto à forma em escrita ou não escrita (costumeira) e quanto à estabilidade em rígida ou flexível. A República Federativa do Brasil possui uma forma de Estado federativa, uma forma de governo republicana e um sistema de governo presidencialista. São esses os três pilares da organização nacional dada na CF. Os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. O artigo 5º da CF possui 76 incisos que dispõem sobre os direitos e as garantias individuais gerais e de natureza penal. Entre as garantias individuais gerais, estão: a liberdade de pensamento; a liberdade de consciência e religiosa; a liberdade de expressão; o direito à privacidade; a inviolabilidade do lar; o sigilo de correspondência; o direito de propriedade e o direito à herança. A Constituição Federal de 1988 trouxe, no título VI, a tributação e o orçamento com suas regras básicas, que orientam a conduta tanto dos particulares administrados, no caso da arrecadação, quanto dos administradores públicos, quando se trata da forma de o agente público gastar os seus recursos. A ordem social brasileira está baseada no primado do trabalho e tem por objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Essa ordem social está prevista nos arts. 193 a 232 da Constituição. O Ato das Disposições Constituicionais Transitórias versa sobre as regras de transição entre o antigo ordenamento jurídico, anterior a 1988, e o novo direito que estava sendo edificado. 80 Unidade I Exercícios Questão 1. José Sofrimento procurou um amigo que estuda direito porque ele está com problemas conjugais e deseja se separar. Ele não é casado, mas vive em regime de união estável com uma pessoa que é funcionária na loja de material de construção que ele possui. Na verdade, ela é funcionária, mas não tem carteira assinada, porque ele preferiu que ela constasse no contrato social da empresa como sócia, com 1% do capital social. José Sofrimento pretende romper o vínculo da união estável e também pretende que a moça não trabalhe mais na loja, porque a situação vai ficar constrangedora após a separação. O colega de José pensou muito antes de concluir que o problema é complicado porque existem aspectos de: A) Direito de família, direito empresarial e direito previdenciário. B) Direito de família, de sucessões e direito do trabalho. C) Direito de família, direito tributário e direito do trabalho. D) Direito civil, direito empresarial e direito do trabalho. E) Direito constitucional, direito administrativo e direito tributário. Resposta correta: alternativa D. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: direito de família é um dos ramos de direito civil, assim, o correto seria direito civil; direito empresarial está correto e será utilizado para que o vínculo societário seja desfeito, porque na verdade ele é falso; e, o direito do trabalho está correto porque a funcionária que era uma falsa sócia vai alegar que tinha direitos trabalhistas que lhe foram negados, em razão da estratégia de colocá-la no contrato social da empresa. B) Alternativa incorreta. Justificativa: direito de família e sucessões são áreas do direito civil e, nesse caso, somente o direito de família será utilizado para o desfazimento do vínculo de união estável, porque a sucessão se estabelece apenas quando ocorre a morte de alguém que tinha bens a serem partilhados entre sucessores, quase sempre o cônjuge sobrevivente, descendentes e ascendentes. A utilização do direito do trabalho está correta porque a funcionária que foi falsamente colocada como sócia da empresa e tem direitos trabalhistas a exigir de seu ex-companheiro e empregador. 81 INSTITUIÇÕES DE DIREITO C) Alternativa incorreta. Justificativa: direito de família é um ramo do direito civil e será utilizado para a separação da união estável do casal; o direito tributário não será utilizado porque não estão em discussão tributos a serem recolhidos; e o direito do trabalho será utilizado porque a falsa sócia da empresa atuava como empregada e, por isso, tem direitos a exercer. D) Alternativa correta. Justificativa: o problema colocado no enunciado da questão será solucionado com a utilização do conhecimento de três áreas do direito: civil, para solucionar o rompimento da união estável do casal; empresarial, para solucionar o contrato social da empresa que falsamente colocava como sócia alguém que, na verdade, era empregada; e, direito do trabalho, para que a funcionária possa requerer todos os valores que deixaram de ser pagos durante o período em que ela figurou falsamente como sócia e trabalhou como empregada. E) Alternativa incorreta. Justificativa: os três são ramos do direito público, que não será utilizado para solucionar essa questão que é oriunda de uma relação privada de casal, aliada com uma relação empresarial e trabalhista. Questão 2. A Destroy All é uma empresa de construção de condomínios residenciais e empresariais que pretende aprovar um projeto para construção de duas mil unidades residenciais e três torres de edifícios para empresas e escritórios em uma região próxima à cidade de Salvador, Estado da Bahia, área de mangue e com intensa necessidade de proteção ambiental. O projeto vai gerar empregos e aumentar o recolhimento de tributos no município e no estado, porém é, sem dúvida, fortemente agressivo à preservação ambiental. O parecer dos técnicos é contrário ao projeto e isso provocou muita polêmica, mas eles estão alicerçados no princípio: I – Do desenvolvimento sustentável. II – Da ubiquidade. III – Da autonomia da vontade. Assinale a alternativa correta: A) I, somente. B) II, somente. C) III, somente. D) I e II, somente. E) I e III, somente. Resposta correta: alternativa D. 82 Unidade I Análise das alternativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o princípio do desenvolvimento sustentável é da área de direito ambiental e determina que o progresso econômico e social só pode ser viabilizado mediante racionalização do uso dos recursos naturais, de forma a atender os interesses das gerações atuais e preservar os das futuras gerações. II – Afirmativa correta. Justificativa: princípio da ubiquidade é aquele que tem por objetivo garantir a proteção ao meio ambiente, que será sempre considerado um fator relevante para ser estudado preventivamente antes de qualquer atividade, pública ou privada, com objetivo de preservar a qualidade de vida no planeta. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: o princípio da autonomia da vontade é aquele que permite às partes, no contrato, agirem em total consonância com sua vontade. Esse princípio é fortemente relativizado no direito ambiental porque não há interesse privado que seja superior ao interesse público de preservação da vida e da qualidade de vida no planeta.165 8.8.3 Cisão .......................................................................................................................................................... 165 8.9 Dissolução societária ........................................................................................................................166 8.9.1 Dissolução ............................................................................................................................................... 166 8.9.2 Liquidação ............................................................................................................................................... 167 8.9.3 Extinção ................................................................................................................................................... 168 8.10 Falência e recuperação judicial ..................................................................................................168 9 APRESENTAÇÃO Quando decidimos iniciar um curso superior, é provável que tenhamos considerado que as atividades empresariais muitas vezes são complicadas e certamente demandam uma série de conhecimentos de diferentes áreas. Para buscar soluções práticas que otimizem os recursos das entidades, é importante conhecer técnicas que nos façam alcançar resultados positivos para a organização. Entre as fontes de conhecimentos necessários para ser um bom gestor, encontram-se as instituições de direito, que servem justamente para adequar as ações do administrador de empresas ao ordenamento jurídico e ao uso dos recursos financeiros, físicos, tecnológicos e humanos das empresas. A busca por soluções para qualquer tipo de problema administrativo se relaciona com todas as áreas do direito, não só dentro das relações empresariais, mas fora delas, uma vez que a empresa gera impacto positivo em toda a sociedade, com geração de emprego, renda e desenvolvimento social. Desse modo, esta disciplina tem por objetivo geral demonstrar que as organizações e os cidadãos estão inseridos em um sistema normativo que deve ser respeitado, constituindo-se em uma ameaça e, ao mesmo tempo, uma oportunidade; ou seja: é preciso conhecer as regras do jogo. A partir do estudo desta disciplina, podemos compreender a organização do sistema jurídico brasileiro e quais são os principais ramos do direito que refletem na atividade empresarial, quais sejam: direito constitucional, direito administrativo, direito civil, direito de empresa e direito do consumidor. Ao relacionar esses conhecimentos com a prática empresarial, é possível utilizar nossos saberes e formações parar gerar impactos sobre as pessoas e as organizações. Percebe-se que, além dos aspectos técnicos, a disciplina também aborda concepções práticas que permitem ao estudante vivenciar situações hipotéticas por meio de projetos e trabalhos acadêmicos, cujo objetivo específico é prepará-lo para atuar em um mercado dinâmico e cheio de desafios. INTRODUÇÃO O trabalho apresentado neste livro-texto é direcionado ao profissional de nível superior que irá atuar diretamente em gestão, administração e controladoria, seja ela empresarial, seja estatal. Nosso objetivo é expor ao estudante, em linhas gerais, a teoria do direito em material sistematizado, que parte do contexto histórico até as tarefas cotidianas realizadas nas entidades empresariais e governamentais. A sequência de tópicos respeita a sequência do conteúdo programático da sua disciplina, aprovado pelo Ministério da Educação (MEC). Nessa mesma sequência, já se observa que o direito constitucional se aproxima do direito administrativo, uma vez que pertencem ao direito público, e o direito civil ao direito de empresa e ao direito do consumidor, que se afeiçoam mais ao direito privado. Serão apresentados: a introdução ao direito, o direito constitucional, o direito civil, o direito do consumidor, o direito administrativo e o direito de empresa. Na introdução ao direito, traremos uma 10 abordagem resumida da origem e finalidade do direito como um conjunto de normas reguladoras da vida em sociedade, o que se denomina tecnicamente de teoria geral do estado. É dentro dessa organização social que as organizações estão inseridas. Ao estudar o direito constitucional, será importante compreender a ideia de Constituição como lei maior de um país, a qual aborda os direitos e as garantias individuais que estão presentes em todas as sociedades civilizadas. Esses direitos repercutem diretamente nas organizações. Nos tópicos de direito civil, você deverá entender a ideia de responsabilidade civil e reparação de danos e contratos. No tópico que trata do direito do consumidor, será possível reconhecer uma relação de consumo e todas as repercussões dela decorrentes, como a responsabilização das organizações por práticas comerciais abusivas. Já em direito administrativo, serão descritos sinteticamente os atos administrativos e os tipos de licitação que obrigatoriamente antecedem os contratos administrativos, os quais, muitas vezes, pertencem ao dia a dia empresarial como fonte de receitas. Por fim, será trabalhado o direito de empresa, item que contém informações muito importantes para gestores empresariais. O que se pretende, portanto, é uma análise dos tipos de sociedade existentes no direito brasileiro, apresentando os requisitos de cada tipo societário e as responsabilidades deles decorrentes, bem como as suas formas de extinção, fusão, dissolução e transformação, pertencentes com maior ênfase ao mundo dos negócios. Convém desde já aclarar que a gestão, a administração e a controladoria empresarial implicam, entre outras atividades, o gerenciamento de fluxos processuais e administrativos, a análise e a organização de documentos legais sem prejuízo da assessoria técnica. Ao final de cada unidade, haverá um resumo e dois exercícios comentados, para que você teste seus conhecimentos acerca do conteúdo apresentado. Um abraço e bons estudos! 11 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Unidade I Nesta unidade, vamos realizar uma introdução ao direito e conhecer o direito constitucional. Primeiro, descreveremos o funcionamento do ordenamento jurídico brasileiro e a forma de organizar o direito, ou seja, as suas classificações, para que você compreenda a sua ação e associe com a sua vivência pessoal e profissional. Depois, trataremos do direito constitucional, que contempla em seu estudo a lei mais importante do Brasil: a Constituição Federal (CF) e o seu conteúdo. 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO Este tópico irá versar sobre elementos da teoria geral do estado e da teoria geral do direito, para que se possa situar os diversos ramos do direito, entre direito público e privado, com as suas aproximações, comunicações e distanciamentos relativos, tudo sob fundamento de validade e vigência – potência de se produzir efeito oponível, inclusive mediante monopólio do exercício legitimado da coerção pelo estado democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano, fundado na soberania popular por meio do poder constituinte originário. Imagine a seguinte cena: você vai ao trabalho em um dia qualquer. No caminho, você repara, sem muita atenção, nas seguintes situações: • A copa de uma árvore florida. • Uma mãe segurando a mão de uma criança para atravessar a rua. • Duas pessoas conversando sobre um serviço mal prestado. • Dois policiais em uma viatura. • Uma faixa pendurada em uma fachada de loja com os dizeres: “Passa-se o ponto”. Você consegue perceber como a ciência do direito atua em cada uma dessas diversas ações corriqueiras em nossa sociedade? Existe uma conexão, além de emocional, jurídica entre a mãe e a criança: uma declaração que o Estado faz, por meio dos cartórios, cujo nome é certidão de nascimento, atesta que a mulher é a mãe e que a criança é a filha dela. Essa é uma das facetas presentes no direito civil. A natureza também é preservada para a nossa e as futuras gerações. Isso é simbolizado pela árvorecom a copa florida, cujo cuidado é de responsabilidade de toda a coletividade. Essa determinação de cuidado e preservação ambiental está presente na CF. 12 Unidade I Os policiais representam o Estado, ou seja, a presença dele nas relações com a população, para preservar a ordem. Quem paga o salário dos policiais é a população toda, e o faz, preponderantemente, por meio da arrecadação tributária. Sempre que o governo gasta o dinheiro público, como para comprar uma viatura ou uniformes, a regulamentação ocorre por intermédio do direito administrativo. Ao se queixar de um serviço mal prestado ou de uma mercadoria que foi entregue de forma diferente da combinada, está presente o direito do consumidor, que serve para equilibrar a relação jurídica existente entre o fornecedor e o consumidor. Você sabe o que significa “Passa-se o ponto”? Na linguagem popular, significa que aquele estabelecimento empresarial está sendo vendido. No entanto, essa operação pode envolver diversos aspectos jurídicos, como incluir a transferência do contrato de aluguel do imóvel onde funciona o estabelecimento, os bens, como máquinas e equipamentos, e principalmente o valor da negociação, que também tem um nome corriqueiro: luvas. As luvas correspondem ao preço da estrutura montada em determinado local, que funciona em perfeitas condições de ser explorada comercialmente. Repare que tudo o que for apresentado neste livro-texto terá relação com a sua realidade, que é permeada de forma significativa pelo direito. E se por um lado o direito se apresenta como algo valioso, nobre, imprescindível e benéfico para a nossa sociedade, por outro lado aparece com uma feição antipática, de difícil compreensão e que muitas pessoas têm verdadeiro horror por não entender o seu funcionamento. Como você percebeu, a ciência jurídica decorre da organização social. É por isso que se pode afirmar que ninguém vive isoladamente. O ser humano é gregário por natureza, ou seja, só realiza o seu potencial na vida em sociedade, por meio das relações sociais entre as pessoas. Todos trazemos pelo menos a noção de direito como sinônimo de lei; entendemos facilmente quando a palavra “direito” é empregada como sinônimo de “conjunto de leis que regem as relações sociais em determinado país”. É comum encontrarmos na língua portuguesa uma palavra com mais de um significado, e isso não é diferente com o termo “direito”. “Direito” pode ser o seu braço, por exemplo. Mesmo que o tomemos em seu contexto jurídico, veremos que ainda assim há várias interpretações possíveis para o que se considera direito, e, a princípio, é essencial que você entenda os vários significados com os quais essa palavra é empregada em nosso dia a dia. Vamos utilizar a teoria do direito e da filosofia do direito para dar significado a esse vocábulo tão importante ao nosso estudo. 1.1 Conceito de direito Dis + Rectum significa muito reto, justo; aquilo que é muito justo. Pode-se dizer que o direito é um complexo de normas destinadas à solução de conflitos, realizando-se dessa forma a justiça. Assim, ao longo do tempo, consolidou-se a noção de direito como uma regra ou um conjunto de regras capazes de determinar o que é certo, o comportamento que todos devem adotar e seguir como algo obrigatório em uma determinada sociedade. 13 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Apesar de a palavra possuir uma pluralidade de significados que podem refletir diferentes conceitos – não necessariamente se reduzindo ao seu significado de origem latina –, quase sempre traz a noção fundamental de ser uma regra ou um conjunto de regras vigentes em determinado tempo e em determinado espaço. Você acredita que há alguns anos não era obrigatório usar o cinto de segurança dentro de veículos automotores no Brasil? Com o passar do tempo e a evolução da sociedade, a utilização do cinto de segurança se tornou coercitiva, ou seja, obrigatória para minimizar os impactos de uma colisão. O mesmo raciocínio se aplica ao uso do capacete para motociclistas. Essa observação serve para demonstrar que o direito decorre da evolução da sociedade no tempo. Antes não era necessário. Agora é. A vigência espacial pode ser exemplificada da seguinte forma: você sabia que o valor do salário mínimo vigente no Brasil não é uniforme? Existe um salário mínimo nacional, e, em determinados estados da federação, como o Rio Grande do Sul e São Paulo, os valores são superiores ao salário mínimo nacional. Assim, você percebe que a lei assume contornos diferentes, dependendo do local onde você se encontra. Vejamos, então, os principais significados que podem ser atribuídos ao termo “direito”: • Norma: esse sentido é muito importante e o mais comum, pois você certamente encontrará várias definições da palavra “direito” como lei, vale dizer, um conjunto de normas que devem ser seguidas por todos. São normas obrigatórias, pois, caso alguém não respeite uma norma (lei), receberá uma penalidade imposta pelo Estado, que, em última instância, é o agente que detém o poder de obrigar as pessoas a cumprir a lei, inclusive com o emprego da força, se necessário. • Faculdade: aplicamos esse sentido quando a palavra “direito” reflete uma capacidade que é reconhecida a um determinado sujeito. Fica mais fácil com o seguinte exemplo: “Homens e mulheres têm direitos iguais”. • Justiça ou justo: nessas hipóteses, a palavra expressa o sentido de justiça que deve prevalecer nas relações sociais, por exemplo, quando falamos que a liberdade de religião e crença é um direito de todos. • Ciência: esse significado fica bem claro quando ouvimos alguém dizer acertadamente que o direito é uma ciência social aplicada. Repare nas lições de Giorgio Del Vecchio (1934), um grande filósofo e jurista italiano, falecido na década de 1970, que inspirou figuras importantes, como Norberto Bobbio (autor conhecido por sua ampla capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos), ao esclarecer que os ordenamentos jurídicos, no tocante ao direito privado, seguiam uma tradição de concepção romana, calcada na naturalis ratio, ou seja, na razão natural, ao passo que o direito público seguia a tradição das déclarations des droits, que seriam expressões típicas da tradição do jus naturae, entendida como direito natural. Del Vecchio falou da importância do estudo da grandiose tradition doctrinale ou grandiosa tradição doutrinal; de não se negligenciar o estudo sob pena de se renunciar à inteligência (apreensão do sentido) do sistema jurídico. 14 Unidade I O professor Franco Motoro (1991) explicou que, dentro das diversas facetas ou sentidos de direito, existem os primados, sintetizados no quadro a seguir: Quadro 1 – Significações do direito Primado do direito-norma Direito é um conjunto de normas, leis ou regras jurídicas aplicáveis às atividades dos homens, sendo uma norma primária que estabelece a sanção. Planiol, Kelsen, Clóvis Beviláqua Primado do direito subjetivo O direito considerado na vida real aparece como um poder do indivíduo, ou seja, o preceito maior é a liberdade, pois direito é conduta, não norma. Savigny, Carlos Cóssio Primado do direito fato social O direito é o fenômeno social por excelência. Mais do que a língua, a religião e a arte, o direito revela a natureza íntima do grupo social; é o controle exercido pela aplicação da força de que dispõe uma sociedade politicamente organizada. Marx, H. Lévy-Bruhl, Benjamin Cardozo Primado do direito ciência A previsão do que os tribunais decidirão, a ciência do justo e do injusto a ser estudada e transmitida às novas gerações. Ulpiano, Holmes Primado do direito justo ou devido A função do juiz e do jurista é sempre descobrir e assegurar o que é justo, ou seja, não é da regra que emana o direito; é do direito (jus) que se faz a regra. A noção de justo é a pedra angular de todo o edifício jurídico. Justiniano, Geny Agora fica fácil para você entender o direito como ciência, aquela que se detém em descrever e interpretar odireito positivo. Entretanto, não se deve confundir esses dois conceitos. O direito positivo é a linguagem prescritiva, pois prescreve as condutas que se expressam através do conjunto de normas válidas (em forma de leis) num determinado espaço e tempo, enquanto a ciência do direito apresenta-se em seu caráter descritivo e interpretativo, permitindo a aplicação das leis. 1.2 Origem e finalidade do direito A sociedade é o produto da conjugação de esforços dos seus indivíduos, decorrente do que o professor Dalmo Dallari (1991) nominou como “simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana”. Assim, vamos começar nossos estudos sobre os povos antigos, verificando como a posição geográfica, a política e a economia interferiram na história jurídica de cada povo. A história do direito busca explicar as intenções e noções de moral e o intuito dos povos que acharam por bem escrever suas normas, em seus conceitos e objetivos. O conceito de “história do direito” é uma produção cultural-científica decorrente das exigências de uma dada sociedade, e o 15 INSTITUIÇÕES DE DIREITO objetivo é o auxílio na compreensão das conexões que existem entre a sociedade, suas características e sua produção em direito. A justiça pode ser definida como “dar a outrem o que lhe é devido”, segundo uma igualdade simples ou proporcional. Nesse caso, a justiça – ou, nesse sentido, o direito – será feita quando um determinado ser humano receber um bem da vida que lhe é devido, guardada uma igualdade. Na justiça distributiva, a igualdade é simples, o que significa que será dado a outrem aquilo que lhe foi tirado. É o caso do direito penal, no qual se pune o criminoso na mesma medida em que este causou danos a um cidadão (é a lógica da pena retributiva); ou, ainda, do direito civil, quando alguém que causa dano a um patrimônio alheio tem de indenizá-lo na mesma quantia da lesão. Na justiça proporcional, o bem devido a outrem deve considerar uma igualdade proporcional, o que, em outras palavras, pode ser dito como dar aos iguais um tratamento igual e aos desiguais um tratamento desigual na medida de sua desigualdade. Assim, a título de exemplo, em uma família em que o irmão mais novo, de três, precisa de tratamentos médicos caríssimos, a este será dado uma parcela proporcionalmente maior da renda familiar, tratando-se dele desigualmente aos outros na medida de sua desigualdade. É o caso, por exemplo, na esfera jurídica, do tratamento dispensado aos consumidores ou trabalhadores, que, pela sua flagrante vulnerabilidade frente às indústrias e grandes empresas, recebem um tratamento desigual da lei, proporcional à sua situação de vulneração. No que tange ao direito enquanto norma, pode-se dizer, por agora, que a norma é um juízo hipotético-condicional, que vincula a uma conduta uma respectiva sanção. A exemplo do que ocorria nas primeiras civilizações, a tradição das normas baseava-se na revelação divina, ou seja, no conhecimento transmitido ao homem diretamente por um deus ou deuses. Você sabia que a primeira legislação significativa na Mesopotâmia foi o chamado Código de Hamurabi (1754 a.C.)? Hamurabi foi, antes de tudo, um excelente administrador e estrategista. Havia em seu território (Babilônia) uma heterogeneidade de pessoas, povos diferentes com línguas, culturas e raças diferentes. Para alcançar a unificação, Hamurabi utilizou três elementos: a língua, a religião e o direito. A lei de talião (em latim, lex talionis; lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime com a pena em razão dele aplicada. Ocorre que essa proporcionalidade ou retaliação desconsidera totalmente razões, circunstâncias ou aspectos da ocorrência da violação dos preceitos. A lei de talião funciona de forma simples: se uma pessoa feriu outra pessoa, a pessoa que feriu deve ser penalizada em grau semelhante. Em interpretações mais suaves, significa que a vítima recebe o valor estimado da lesão em compensação. É o que acontece quando a imprensa escuta a família de alguma vítima fatal da qual se conhece a autoria. O familiar responde: “Não quero nada. Só quero justiça!”. Você pode seguramente substituir a palavra “justiça” pela palavra “vingança”, sem prejuízo algum. Essa relação foi registrada por Hamurabi, cuja intenção por trás do princípio de “olho por olho, dente por dente” seria restringir a compensação ao valor da perda. 16 Unidade I Saiba mais Você imagina que a lei do talião ainda é admitida em alguns países orientais? Pois veja o que ocorreu com a jovem iraniana Ameneh Bahrami: em 2004, ela recusou a oferta de casamento de Majid Movahedi. Ofendido, o homem desfigurou seu rosto com ácido. Ameneh lutou na justiça de seu país para que seu agressor fosse punido de acordo com a justiça retributiva (chamada de qisas) – parte da sharia (lei islâmica) que considera moralmente aceitável punir o criminoso de forma semelhante ao crime que ele cometeu. Caso você tenha se interessado pelo assunto, leia o texto a seguir: IRANIANA perdoa homem que a desfigurou com ácido antes de punição. BBC, 2011. Disponível em: https://cutt.ly/iwk1tjQA. Acesso em: 20 jan. 2020. Uma parcela importante da evolução da história do mundo passa pelo Egito Antigo. No Egito, desenvolveu-se parte do direito privado através da descoberta da existência de contratos que eram feitos por escrito, chamados de documentos da casa. Assim, quem fosse vender algo deveria redigir o contrato e depois lacrá-lo para evitar falsificações. É como funciona a autenticação ainda hoje. Figura 1 Disponível em: https://ury1.com/tXrmM. Acesso em: 1º set. 2023. Uma figura importante no Egito Antigo foram os escribas. Essa era uma classe social de pessoas alfabetizadas e letradas que ajudavam o Faraó escrevendo todos os documentos oficiais. Naquela ocasião, apareceu o documento do escriba, que foi na verdade o antecessor da escritura pública. 17 INSTITUIÇÕES DE DIREITO No direito penal, ultrapassada a fase da vingança privada presente no Código de Hamurabi, também havia previsão de penas cruéis, tais como chicotadas, abandono dos delinquentes aos crocodilos, trabalhos forçados e mutilações. Outra colaboração que remonta às origens importantes do direito é da Grécia Antiga, cujo principal produto foi a filosofia, por meio de seus pensadores: Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates, criador da maiêutica, ou parto das ideias, autor da famosa frase “só sei que nada sei”, sugeria a aristocracia como melhor regime, por entender que não era verdade absoluta o fato de que as decisões, por partirem da somatória de muitas ideias individuais (democracia), seriam corretas. Por esse pensamento, foi acusado de traição e condenado. Platão (429 a.C. -347 a.C.), discípulo de Sócrates, foi o responsável pela organização e sistematização do estudo da filosofia. Entre suas obras, destaca-se A República, que trata da forma ideal de Estado e do conceito de justiça. Aristóteles (384 a.C. -322 a.C.), por sua vez, foi discípulo de Platão. Criador da lógica, ficou eternizado ao estruturar o silogismo – que consiste em fazer uma ou mais afirmações/premissas maiores e uma afirmação intermediária/premissas menores e chegar dessa forma à conclusão. Estudou a fundo o sentido de justiça ligado ao conceito de igualdade. Admitindo-se que o homem é um ser social pela sua própria natureza e que em toda sociedade deve existir um conjunto de normas a serem respeitadas, chega-se à conclusão de que a origem do direito é a origem do próprio homem. A expressão latina sintetiza claramente essa ideia: ubi societa, ibi jus (“onde há sociedade, existe o direito”). De fato, nem sempre o direito se manifestou em sociedades arcaicas, ou até mesmo em algumas sociedades modernas, dissociadas do campo da moral, da religião e da política. Pelo contrário, a regra, ao menos até a Grécia Antiga, era a de que a esfera do direito interpenetrasse uma série de outras esferas da vidasocial, confundindo-se com a atividade política e teológica. A título de exemplo, pode-se indicar a Grécia micênica, pelos idos de 1.200 a.C., quando as cidades gregas eram organizadas em torno de um deus-rei (Ánax) que não somente detinha o poder político, mas também religioso. Era a esse deus-rei que se pagavam tributos; em torno dele que se organizava a arquitetura da pólis, e para ele que se direcionavam os louvores. Com a invasão da Grécia micênica pelos dórios, houve uma completa desestruturação desse modo de vida, passando-se, ao longo dos anos, a outro modelo, racionalizado, de política, ética, religião, direito e moral. É a partir desse processo de racionalização que o direito, entendido como fenômeno autônomo, encontrará seu paradigma na filosofia grega pós-socrática e, posteriormente, na política romana. 18 Unidade I Sobre o direito romano, Villey (apud DROMI, 2007) afirma que foi considerado que, se o direito romano tivesse consistido de uma mera prática, de uma arte completamente empírica, não teria podido sobreviver à civilização romana. Mas Roma produziu algo novo, desconhecido mesmo na Grécia, assim como em todos os direitos anteriores: uma literatura técnico-jurídica. No entendimento do autor, portanto, foi um golpe de sorte haver uma literatura técnico-jurídica. Quanto à história do direito no mundo antigo, são dignas de notas as grandes obras militares e legislativas do imperador Justiniano I, que compilou as legislações existentes em seus domínios no Corpus Iuris Civilis, dividido em quatro partes, cujo teor pode ser sintetizado no quadro a seguir: Quadro 2 – Estrutura do Corpus Iuris Civilis Codex “Codex” deriva da palavra latina “caudex” e quer dizer “tronco de árvore”; diz respeito ao suporte do sistema legal. Compilação das constituições imperiais para que os romanos conhecessem todas as leis que vigoravam. Dividido em 12 livros da seguinte forma: Livro I (direito eclesiástico, fontes do direito e das funções dos servidores públicos); Livro II-VIII (direito privado); Livro IX (delitos); Livro X-XII (regras administrativas). Institutas Consideradas uma espécie de manual de direito para os estudantes. Declaradas de uso obrigatório, tiveram força de lei. Divididas em 4 livros. Digesto ou Pandectas Destinou-se à reunião dos pareceres e escritos dos jurisconsultos, no total de 50 livros. Muito se aproveitou dessa obra no tocante aos critérios de interpretação das leis. Novelas Regras do próprio Justiniano que se faziam necessárias no próprio cotidiano, tendo o poder de derrogar as regras dos livros anteriores que se chocassem com o novo direito. Praticamente todas as escritas eram em grego, já que se destinavam às populações do Império do Oriente. Ainda hoje, o direito romano se presta como instrumento para dar respostas práticas e efetivas aos problemas da vida, de modo a compor, solucionar e evitar conflitos, especialmente os ligados ao sistema privado. Segundo Fachin (2001), os três pilares fundamentais – em cujos vértices se assenta a estrutura do sistema privado clássico –, baseados no direito romano e que se encontram na alça dessa mira, são representados pelo contrato, como expressão mais acabada da autonomia da vontade; pela família, como organização social essencial à base do sistema; e pelos modos de apropriação, nomeadamente a posse de propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas. Assim, busca-se compreender quando nasce o direito enquanto norma jurídica e qual sua finalidade. É espinhosa a questão de saber quando o homem, organizado em sociedade, criou o direito, uma vez que onde há organização social há também, em certa medida, direito. No entanto, as artes nos legaram um registro de quando os homens passaram a questionar a pertinência das leis humanas frente às leis dos deuses, o que pode ser um bom indício de um esclarecimento acerca da existência de um direito humano, positivo, feito de normas, para além – ou aquém – do direito natural, divino ou mesmo da ética. Foi com Antígona, tragédia grega da Grécia Antiga escrita por Sófocles, como terceira parte de sua tragédia tebana, que se deu visibilidade ao paradigma ocidental, hoje corriqueiro, que distingue um direito natural ou divino de um direito dos homens, positivo. 19 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Em Antígona, Creonte, tio da personagem que leva o mesmo nome da peça, decide deixar seus sobrinhos mortos, os quais foram tomados por traidores de Tebas, sem funeral. Fez isso por lei humana, quando alcançou o controle político da cidade. Antígona, por sua vez, recusa-se a deixar seus irmãos sem enterro, em especial por se ferir, com isso, uma lei divina, que obriga o culto aos mortos e os rituais fúnebres. Aqui há uma verdadeira cisão entre a lei dos homens e a lei divina, marcando, talvez, a origem de um direito positivo, composto por normas, que encontram sua validade no mundo profano. Se sua origem, entretanto, é de difícil circunscrição, sua finalidade é mais simples de ser compreendida, até mesmo em razão do largo espaço que o direito ocupa na vida do homem moderno. Mesmo o homem mais afastado das grandes cidades, que vive isolado, sabe ou deveria saber que, se matar alguém, haverá a possibilidade de o Estado sancioná-lo com prisão ou pena de morte. Qual a finalidade dessa verdadeira intromissão do direito na vida das pessoas? Ora, aqui, a princípio, a finalidade do direito se apresenta como verdadeira regulação dos atos da vida em sociedade, optando-se por incentivar alguns deles em detrimento dos outros. Porém, essa definição da finalidade do direito ainda é muito genérica, exigindo que se especifique em que medida o direito objetiva regular a conduta humana. De fato, se o direito tem por finalidade regular a conduta humana, é porque pode obrigar alguém a fazer algo, ainda que contra a vontade, ou seja, tem o poder de obrigar. A finalidade última do direito, portanto, está intimamente relacionada à categoria do poder, e elucidá-lo é, em alguma medida, dar um passo para elucidar a finalidade do direito. Por poder, deve-se entender aquilo que já indicava Bobbio (2010): B exerce poder sobre A quando leva A a realizar uma conduta ainda que contra sua vontade, sob pena de sanção se a conduta a ser realizada não se der. Tal definição tem a vantagem de ser extremamente clara. Assim, exerce poder – familiar, no caso – o pai ou a mãe quando exigem que seu filho tire notas boas, sob pena de castigo. Exerce poder – patronal – o patrão que exige do funcionário certo desempenho, sob pena de demissão, por exemplo. O exercício desses poderes subjacentes às relações humanas interessa ao direito em alguma medida, tendo por fim sua regulamentação. Entretanto, a finalidade última do direito é a regulamentação de um poder específico, que em nossas sociedades modernas pode-se chamar de poder político. O poder político é o poder de administrar o uso da violência como forma de coação. Isso significa que, sendo a política a arte de alcançar o bem comum, como queria Aristóteles, ou a mera manutenção desse poder, como queria Maquiavel, fato é que o poder político é aquele que, para garantir o cumprimento das ordens de quem o exerce, pode ser exercido por meio da violência. Portanto, nesse sentido, a finalidade última do direito é regular o exercício legítimo da violência dentro do corpo social. Dito isso, como forma de exemplificar o exposto, pode-se elencar cinco estágios pelos quais o direito passou ao longo da história das sociedades. 20 Unidade I Em um primeiro momento, nas sociedades primitivas, quando ainda não havia uma percepção clara acerca do que era o direito, o poder político se encontrava pulverizado pelos clãs, famílias ou tribos, havendo um exercício descentralizado da violência e das tentativas de coação. Já na Grécia Antiga e em Roma, com uma maior consciência do direito, o poder político passou a ser exercido por um governo centralizado, ainda que este não se submetesse às determinaçõeslegais. A Idade Média, com sua descentralização política em uma série de feudos, fez com que novamente o poder político passasse a ser exercido por diferentes agentes. O poder político só voltará a ser exercido de modo centralizado com o Absolutismo, havendo uma concentração de poder nas mãos dos reis. Entretanto, o direito continuaria sendo um instrumento para regular as relações entre particulares em especial, não se submetendo o rei à esfera jurídica. É nesse sentido que se deve compreender as palavras de Luís XIV, rei da França: “Le loi c’est moi” – ou seja, “A lei sou eu”. Por fim, com o advento da Revolução Francesa e da Independência norte-americana, funda-se a base do moderno estado de direito, em que todos, inclusive os agentes políticos, submetem-se ao império da lei. Daí que, ao menos na Idade Contemporânea, em estados de direito, o direito tem por finalidade última a própria regulação do poder político, legitimando o uso da violência como forma de coação para que se leve as pessoas a agirem de acordo com as condutas previamente fixadas em lei. Por fim, o direito pode ser uma ciência no sentido de que, muitas vezes, deu-se o nome de direito às filosofias ou teorias que tentavam explicar o fenômeno jurídico em sociedade. Assim, o juiz, ao sentenciar, opera o direito em sociedade, mas não como um cientista, uma vez que sua sentença tem um valor deontológico – ou seja, obriga que se dê uma situação qualquer no mundo real, não podendo ser verdadeira ou falsa, apenas válida ou inválida. O cientista do direito, por sua vez, ao explicar o direito, nada obriga que se faça; pelo contrário, tenta afirmar algo acerca do mundo do ser, ou seja, sua afirmação tem um valor ontológico, podendo ser verdadeira ou falsa. 1.3 Direito objetivo e direito subjetivo Para esta disciplina, é importante diferenciar a norma como um todo (objetivo, do objeto) de como ela age em face da conduta do sujeito (subjetivo). Por isso, vamos analisar as visões de alguns autores sobre essas duas relevantes conceituações, iniciando por Dromi (2007), para quem os direitos subjetivos não podem existir à margem do Estado. Para que um direito seja juridicamente exigível, é necessário seu reconhecimento estatal; do contrário, a reclamação de sua observância ou respeito se fundará em razões éticas ou religiosas, mas não no ordenamento jurídico (entendido aqui como direito positivo). Para Luz (2014), em seu dicionário jurídico, os vocábulos “direito objetivo” e “direito subjetivo” estão conceituados da seguinte forma: • Direito objetivo: conjunto de normas jurídicas, de cumprimento obrigatório, em vigor em determinado momento e em determinado ordenamento jurídico. São normas de direito objetivo a Constituição, o Código Civil, os contratos e os atos administrativo. 21 INSTITUIÇÕES DE DIREITO • Direito subjetivo: faculdade conferida pelo Estado ao cidadão para, consubstanciado na lei e provando legítimo interesse, exercer sua pretensão em juízo. Permissão dada pela norma jurídica para o exercício de uma pretensão; direito de ação assegurado pela ordem pública. Capacidade que o homem tem de agir em defesa de seus interesses, invocando o cumprimento de normas jurídicas existentes, sempre que, de alguma forma, essas regras jurídicas estiverem em conformidade com sua pretensão. Segundo Führer e Milaré (2004), as mais importantes acepções da palavra “direito” são as traduzidas pelas expressões “direito objetivo” e “direito subjetivo”. Para os autores, a diferenciação é a seguinte: • Direito objetivo: é o conjunto de regras vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, impostas coativamente à obediência de todos. Os códigos Penal, de Processo, Civil etc., bem como qualquer uma de suas regras, são exemplos de direito objetivo. • Direito subjetivo: é a faculdade ou prerrogativa do indivíduo de invocar a lei na defesa de seu interesse. Assim, ao direito subjetivo de uma pessoa corresponde sempre o dever de outra, que, se não o cumprir, poderá ser compelida a observá-lo através de medidas judiciais. Para diferenciar os dois institutos, observe a figura a seguir: Direito objetivo Direito subjetivo Conjunto de regras Leis de códigos Faculdade do sujeito Invocar em defesa de seus interesses Figura 2 – Direito objetivo e direito subjetivo Como podemos perceber, conhecer o direito objetivo é parte fundamental para poder exercer o direito subjetivo, ou seja, invocá-lo para sua guarda e proteção. É o que acontece muitas vezes com os direitos do consumidor, do trabalho e até mesmo dentro da esfera empresarial. É justamente este um dos objetivos primordiais deste trabalho: fazer com que você conheça o direito objetivo e possa exercer o direito subjetivo. 1.4 Direito e moral É importante que você consiga diferenciar o direito da moral. Consolidamos no quadro a seguir as principais diferenças entre ambos. Verifique com atenção as características que distinguem esses dois conceitos: 22 Unidade I Quadro 3 – Comparação entre direito e moral Direito Moral Campo de atuação Na sociedade: as regras jurídicas visam facilitar o convívio social, buscam prevenir e solucionar os conflitos No indivíduo: as regras morais visam o melhoramento do indivíduo Objetivos Orientar as condutas para consolidar valores sociais, sendo a Justiça o maior deles Buscar o bem-estar social, através do aperfeiçoamento dos indivíduos Sanção (penalidade) – Privativa de liberdade – Restritiva de direito – Multa – No íntimo da pessoa: remorso, dor de consciência e arrependimento – Na sociedade: censura pública e desprezo social Quem aplica a sanção O Estado – através do Poder Judiciário, que tem a função de interpretar as leis e julgar (tribunal, juiz) A consciência individual e/ou a sociedade Exemplos de comportamentos exigidos Obediência ao contrato firmado entre as partes (direito civil). Condutas proibidas por lei (crimes previstos no direito penal). Pagamento de tributos (direito tributário). Seguir as regras de trânsito etc. Cortesia, cavalheirismo, pontualidade, assiduidade, respeito pelo próximo, companheirismo, lealdade, devolver ao dono um objeto achado (mesmo que muito valioso) etc. Percebeu que o campo de atuação do direito é diferente daquele da moral? Alguns autores classificam o direito como um subconjunto da moral. Não é absolutamente verdadeira essa teoria, pois é fácil verificar que o direito não se limita a contemplar somente as regras puramente morais. É certo que existem muitas normas jurídicas – na verdade, a maioria – que prosperam a partir de conceitos morais estabelecidos pelos costumes. Você quer um exemplo prático? O Código de Trânsito Brasileiro, Lei n. 9.503 (Brasil, 1997), visa tão somente organizar o tráfego de pessoas e veículos. Esse é um exemplo de lei que não possui nenhuma relação com a moral, porque é amoral (alheia à valoração moral). Indo um pouco além, podemos trazer à baila a existência de algumas leis que, para determinado grupo social, podem ser até consideradas como imorais e que, apesar de tutelarem fatos considerados imorais por uma parte da sociedade, ainda assim são perfeitamente legais à luz do direito. Podemos exemplificar, sem nenhuma conotação valorativa de nossa parte, a questão do divórcio (previsto em lei) ou as previsões legais que autorizam o aborto. Alguns países legalizaram a prostituição ou contam com a previsão legal da aplicação da pena de morte. Assim, nota-se que a esfera normativa do direito é diferente da moral. O conjunto de leis de um país (vale dizer, o seu direito) visa construir um ambiente social e de negócios em que haja segurança nas relações entre as pessoas (naturais e jurídicas), que contribui para a redução e prevenção dos conflitos irremediavelmente surgidos nas sociedades, cabendo ao Estado, através do poder judiciário, em última instância, resolver os conflitos entre as pessoas. O Estado pode, inclusive, estabelecer e impor penalidade a uma das partes, que seráobrigada a aceitar, sob pena do emprego da força; prerrogativa que nas sociedades desenvolvidas é algo exclusivo do Estado, o qual a utiliza em circunstâncias muito específicas. 23 INSTITUIÇÕES DE DIREITO A moral, por sua vez, em sentido amplo, pode ser entendida como o conjunto de costumes, de usos e de práticas, portanto, de padrões de conduta estabelecidos num determinado tempo por um determinado grupo social. Dessa forma, podemos dizer que a norma moral fixa quais condutas as pessoas, inseridas numa determinada sociedade, devem seguir na busca do seu aperfeiçoamento individual. É correto afirmar, assim, que as normas morais buscam desenvolver o ser humano em sua individualidade, contribuindo para a harmonia social e a melhoria da sociedade como um todo. Nesse instante, é preciso pensar a respeito de alguns aspectos: qual a consequência que uma pessoa enfrenta quando deliberadamente não segue os padrões morais definidos pelo seu grupo social, ou até mesmo religioso? Você já percebeu que ninguém é processado na justiça por descumprir um mandamento moral, como estar sempre atrasado, ser descortês ou desrespeitoso com as pessoas mais velhas, embriagar-se costumeiramente (abusando do álcool, cujo consumo é legalizado) ou até mesmo praticar atos considerados obscenos em público (só para mencionar alguns exemplos bem corriqueiros)? É evidente que esses comportamentos são reprováveis pela nossa sociedade; entretanto, a pessoa experimentará no máximo a reprovação social e até, em alguns casos, o desprezo de seus amigos, familiares ou confrades, dependendo da gravidade da conduta para aquele grupo social. Na esfera íntima, o indivíduo poderá experimentar o sentimento de remorso e tristeza ao aceitar a sua culpabilidade, conforme o julgamento da sua própria consciência. Não há nenhuma força capaz de demover as pessoas desses comportamentos, considerados reprováveis, que não a sua própria consciência, que as induz a reformular a sua conduta diante dos valores prezados pelo seu grupo social. Direito e moral, apesar de diferentes, complementam-se na construção do convívio social, sendo certo que a violação das normas jurídicas fixadas trará consequências externas ao indivíduo, que, inclusive, poderá ser considerado culpado pela justiça e obrigado a cumprir uma determinada pena. Ao contrário disso, verificamos que a não obediência às normas morais trará consequências íntimas (internas) ao indivíduo, ou seja, é no campo de sua consciência pessoal que o remorso ou a reprovação social lhe trará desconforto. É importante destacar que não devemos minimizar a dor que o remorso e a censura social ou religiosa podem trazer para uma pessoa. Para finalizar os estudos sobre moral e vontade normativa, convém trazer as lições de Dromi (2007), para quem o bem-estar da coletividade é o parâmetro de justiça que fundamenta o Estado e o ordenamento jurídico. Como já mencionamos, a justiça é um fim da sociedade política. A felicidade social está no bem comum. A justiça é a realização precisa do bem comum objetivo e é a meta do direito. 2 CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO O verbo “classificar” significa distribuir em classes e nos respectivos grupos de acordo com um sistema ou método de organização. Assim, classificar o direito representa agrupar, de maneira organizada e conforme as suas similaridades, os ramos da ciência jurídica. 2.1 Ramos do direito Neste tópico, apresentaremos a distinção didático-pedagógica entre os principais ramos do direito, direito público e direito privado, para já se observar a distinção preliminar entre matéria livremente 24 Unidade I disponível (facultas agendi) e matéria de direito público indisponível cogente. Também iremos ponderar o caráter desses polos dicotômicos meramente didático-pedagógicos, uma vez que as situações individualizadas no tempo e no espaço podem implicar derrogações parciais da autonomia privada pelas normas de ordem pública prevalentes ou cogentes. Figura 3 Disponível em: https://ury1.com/ke5Ff. Acesso em: 1º set. 2023. Vamos realizar uma breve ponderação para situar o direito privado, que compreende, entre outros ramos, o direito civil, no qual se situa o direito de empresa, além do direito do consumidor e do direito comercial. Veremos, ainda, a notícia histórica de que, no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, o direito privado se constitucionalizou, importando o advento do Código Civil (Brasil, 2002a), com sua matéria de direito de empresa e com a derrogação parcial do antigo Código Comercial. Para que possamos compreender o conceito de responsabilidade civil, de reparação de danos e de contratos, todas essas matérias serão relacionadas ao exercício da autonomia da vontade privada ante as normas livremente dispositivas (facultas agendi) e as normas cogentes de ordem pública indisponíveis. É necessário discernir a categoria da norma: o proibido, o facultado e o obrigatório (no consagrado modelo didático-pedagógico enunciado por Hans Kelsen). E, assim, discernir direito potestativo, isto é, direito oponível, que legitima, inclusive, o exercício de direito de ação para que o Estado lance mão do monopólio da coerção legitimada para observância compulsória do direito potestativo de seu respectivo titular. Para todo esse desígnio do presente tópico, precisamos discernir vontade em relação a interesse e compreender o conceito de vontade manifestamente declarada e de ato jurídico, bem como de contrato. Como você percebeu, em primeiro plano, podemos dividir o direito brasileiro em dois grandes ramos: direito privado e direito público. Entender essas grandes divisões não é tão difícil. Existem vários assuntos e temas que são de interesse somente das pessoas envolvidas numa determinada transação ou num determinado negócio. 25 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Exemplo de aplicação Imagine uma situação na qual alguém resolve alugar um carro em uma locadora de veículos durante uma viagem. Haverá direitos e obrigações para ambos os lados desse negócio, que certamente serão regidos por um contrato de locação de veículo entre as partes, registrando-se tudo: condições gerais, preço, data de devolução do veículo, seguro do veículo etc. Assim, é fácil compreender que esse exemplo está na esfera do direito privado, pois o contrato somente interessa aos particulares, que são as partes envolvidas: a pessoa que está alugando o carro e a locadora de veículos. Quando se fala de direito público, o assunto é outro, porque passamos para a esfera pública, ou seja, trata-se de situações nas quais os direitos e as obrigações envolvem os interesses da sociedade como um todo. Para entender, imagine a obrigatoriedade dos pagamentos dos tributos que recaem sobre todos os cidadãos e empresas. Pode-se dizer que as normas jurídicas que regem a criação e a cobrança dos tributos são de ordem pública, vale dizer, alcançam todos sem distinção, pois é através do recolhimento dos tributos que o Estado se mantém e obtém os recursos necessários para os investimentos nos programas estatais, incluindo saúde, segurança, educação e infraestrutura. Assim, compreende-se o caráter público desse ramo do direito, denominado direito tributário, que interessa indistintamente a todos os cidadãos. É correto dizer que o direito positivo é o conjunto de normas jurídicas e que se divide em vários ramos; por exemplo, direito constitucional, direito civil, direito do consumidor, direito trabalhista, direito constitucional e direito tributário. Para ter uma visão geral dos ramos do direito, apresentamos a figura a seguir, que resume os principais ramos do direito privado e do direito público. Direito privado (interesses das pessoas) Direito público (interesses da sociedade) Interno Interno Externo Direito civil Direito comercial Direito do trabalho Direito previdenciário Direito do consumidor Direito ambiental .... Direito constitucional Direito administrativo Direito tributário Direito processual Direito eleitoral Direito militar ....Direito internacional público Civil Penal Figura 4 – Principais ramos do direito privado e do direito público Examinando a figura anterior, percebe-se com facilidade que os ramos relacionados no grupo de direito privado são todos aqueles que tratam das relações entre as pessoas, incluindo as pessoas naturais (pessoas 26 Unidade I físicas) e as pessoas jurídicas (empresas). O melhor exemplo deles é o direito civil, que podemos de forma simples e objetiva definir como o ramo do direito que se ocupa do conjunto de normas que regulam as relações de ordem privadas, aquelas que envolvem os direitos e as obrigações das pessoas e dos seus bens. É possível notar que os ramos elencados no grupo de direito público tratam dos regramentos importantes para o Estado, portanto, para a sociedade como um todo. Um bom exemplo disso é o direito eleitoral, o que engloba e sistematiza as regras que se destinam a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, principalmente os direitos de votar e ser votado, conforme fixa o artigo 1º do Código Eleitoral Brasileiro (Brasil, 1965). 2.2 Fontes do direito Entender a fonte de alguma coisa significa entender sua origem, ou seja, como e onde nasceu. Nesse momento, interessa-nos compreender como o direito é criado e como é aplicado. Resumindo, queremos que você entenda como as normas jurídicas são produzidas e quais são os principais critérios para a sua interpretação e aplicação. Existem vários significados e teorias acerca das fontes do direito. Entretanto, para ser mais objetivo, recorre-se à interpretação mais aceita entre diversos autores, que avaliam que as fontes do direito são de duas naturezas: fontes materiais do direito, que resultam da dinâmica das forças encontradas na vida em sociedade; e fontes formais do direito, que são as maneiras como essas forças se manifestam no nosso cotidiano. Entretanto, pode ser o caso de essas fontes primárias não produzirem um número suficiente de normas para regular, em toda a complexidade, as relações humanas. Disso decorrem lacunas, ou seja, surgem situações que exigem uma regulação, mas que não encontram solução a partir das normas das fontes diretas. Ainda que não pacificada a matéria, podemos dividir as fontes do direito em fontes diretas e indiretas. As fontes diretas são aquelas de onde o direito nasce em seu estado primeiro, isto é, de onde se extrai a norma jurídica a partir de uma interpretação direta da fonte. São fontes diretas do direito as leis (em sentido amplo), os tratados internacionais e os contratos. Quando faço a leitura da lei e a interpreto, tenho como resultado dessa interpretação uma norma jurídica que deve ser seguida. O mesmo se pode dizer acerca dos tratados, quando das relações entre países diversos, e do contrato, quando da relação entre particulares. Nesse caso, faz-se necessário apelar para outras fontes, indiretas, que possam produzir normas capazes de completar as lacunas. São elas: os costumes, os princípios, a doutrina e a jurisprudência. Pode-se, por exemplo, deduzir uma norma de um costume dado em uma sociedade. Suponhamos que no interior de um estado brasileiro seja corrente o uso de contratos verbais na negociação de animais, e que, pelo tamanho da cidade, muitas sejam as pessoas que testemunham esses contratos. Imaginemos que um contratante ingresse na justiça para que seu contrato de compra e venda seja honrado. O juiz, em vez de dar o contrato por inexistente, uma vez que verbal, poderá, pelo costume, aceitar esse tipo de contrato. 27 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Os princípios são normas extremamente genéricas que geralmente são extraídas de uma leitura sistemática da lei. Também elas podem servir de fonte normativa. Um exemplo disso é o caso em que há dúvidas quanto aos fatos arguidos em ação penal. Ora, na dúvida, o juiz deverá decidir pela absolvição do réu. Essa norma não emana de uma lei em específico, mas de um princípio construído a partir da leitura sistemática da Constituição – em razão, por exemplo, da presunção de inocência e do devido processo legal. A doutrina e a jurisprudência também podem produzir normas quando indicam a extensão de conceitos e de tipos legais a serem aplicados. O conceito de casa é dado pela doutrina, por exemplo, e a ele se vinculam os operadores do direito. O tratamento que a jurisprudência dá a uma matéria tende a ser reiterado também, muito em função da segurança jurídica. Observe que essas fontes são indiretas porque a qualquer momento podem ser modificadas ou desmentidas por lei, ou melhor, pelas fontes diretas. A lei é soberana dentro de um Estado e, nesse sentido, sempre valerá como fonte do direito, ainda que conflite com a doutrina, com a jurisprudência e, em alguma medida, com os princípios e os costumes. Dizemos “em alguma medida” justamente porque, a nosso ver, alguns costumes, ainda que contra a lei, se mantêm, sob pena de ser injusta a aplicação da lei. Nesse caso, pode-se dizer que a lei cai em desuso. Também alguns princípios têm valor para além das leis, geralmente princípios constitucionais, os quais podem e devem ser especificados pelo legislador, mas não podem por este ser afrontados. É o caso do princípio constitucional da legalidade. Pode o legislador legislar acerca de conteúdo antes não legislado, tornando punível o que antes era permitido; o que não pode é legislar no sentido de permitir que seja considerado ilícito aquilo que ainda não tenha sido assim declarado por lei. 2.2.1 Fontes materiais O direito deve obrigatoriamente refletir os anseios de determinada sociedade; caso contrário, não será representativo para aquelas pessoas. Nesse sentido, é valiosa a lição de Martins (2018, p. 34): Fontes materiais são o complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas, envolvendo fatos e valores. São analisados fatores sociais, psicológicos, econômicos, históricos etc. São fatores reais que irão influenciar na criação da norma jurídica. Somente nos regimes autoritários, como nas ditaduras, a lei é imposta pela força, pois busca legitimar um poder que não emana da vontade popular. Já nas sociedades democráticas, como na brasileira, a incumbência de elaborar as leis é dos representantes legislativos eleitos diretamente pelo povo para esse fim, que devem entender e fazer refletir nas leis os valores que são importantes para a sociedade ou, pelo menos, para alguns segmentos dela. Você já deve ter lido ou ouvido a notícia em algum meio de comunicação de que hoje, no Brasil, a sociedade discute temas importantes que precisam ser retratados através de novas leis ou modificações das leis já existentes. Podemos exemplificar: em relação à maioridade penal (idade a partir da qual uma pessoa pode ser responsabilizada penalmente), que hoje é de 18 anos, uma parcela da sociedade brasileira defende que seja reduzida para 16 anos. Como fazer para mudar? 28 Unidade I O poder legislativo é um dos três poderes do Estado, cuja função é legislar, ou seja, criar as leis que regulam o Estado. Mais adiante, será acentuado com detalhes como se dá o processo de elaboração das leis. É essencial entender que o poder legislativo é a principal via pela qual as leis são criadas e, portanto, a principal fonte do direito material. É bem verdade que o poder judiciário tem um papel vital, pois suas decisões – chamadas de jurisprudência – também se constituem numa valiosa fonte material de direito. Através da jurisprudência, que pode ser resumida de forma simples como o conjunto de decisões e interpretações feitas pelos tribunais dos textos legais, vale dizer, das leis, forma-se o entendimento do sentido das normas jurídicas em relação às situações de fato. Quando se trata das fontes formais do direito, o foco são as formas de criação do direito. Depois, entende-se as maneiras como esse direito se manifesta e os mecanismos para sua aplicação. É o que Campos (2018, p. 20) denomina “formas de expressão do direito” ou, também, “modos de manifestação