Prévia do material em texto
1 PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA ........................................................................................... 2 Introdução e Conceito de humanização ........................................................... 3 A humanização enquanto política de saúde ..................................................... 9 Política Nacional de Humanização (PNH) ...................................................... 18 Diretrizes do humanizasus ............................................................................. 21 Princípios do HumanizaSUS .......................................................................... 23 Objetivos do HumanizaSUS ........................................................................... 24 REDE HumanizaSUS ..................................................................................... 26 PACTO PELA SAÚDE 2006........................................................................... 27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 32 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 CAPÍTULO 1 Introdução e Conceito de humanização O conceito de humanização das práticas e da atenção à saúde está na pauta de discussões mundo afora há várias décadas e, nos últimos anos, vem ganhando destaque na literatura científica nacional, principalmente nas publicações ligadas à saúde coletiva. Durante os séculos XIX e XX, muitos avanços tecnológicos passaram a ser aplicados na área da saúde, em todos os níveis de atenção, seja na prevenção, no controle de comorbidades (progresso da doença) ou na reabilitação. Associado ao desenvolvimento tecnológico que experimentamos neste período, a doença vem sendo comumente interpretada pela concepção biomédica como um desvio de variáveis biológicas em relação à norma. Este modelo considera os fenômenos complexos como constituídos por princípios simples, isto é, relação de causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo, análise do corpo como máquina, minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais. Por outro lado, há diversas discussões acerca das possibilidades de acesso dos sujeitos a essas tecnologias, seu custo para o sistema de saúde e a impossibilidade de que o progresso tecnológico elimine as demandas decorrentes da necessidade de contato direto entre pacientes e profissionais da área da saúde. Essas últimas, necessariamente perpassando pelo estabelecimento de relações de confiança, respeito e reciprocidade são reflexões que devem permear as práticas de atenção à saúde. Não há como minimizar, ou mesmo desprezar, as importantes contribuições dos avanços tecnológicos baseados nestes princípios. Porém, cada vez mais constatamos que a dimensão humana, vivencial, psicológica e cultural da doença, assim como os padrões e as variabilidades na comunicação verbal e não-verbal, precisam ser considerados nas relações entre o profissional da saúde e os usuários. 4 A crescente complexidade dos sistemas de saúde, os progressos da medicina e da ciência, além do fato da prática médica ter se tornado mais arriscada e, em muitos casos, mais impessoal e desumanizada, geralmente envolvendo grande burocracia, mostrou a importância de se reconhecer o direito do indivíduo à autodeterminação e de assegurar garantias de outros direitos dos pacientes. Direitos sociais e direitos individuais dos pacientes são coisas distintas. Enquanto os primeiros são coletivos e dependem de escolhas e decisões políticas em cada sociedade, os direitos individuais podem ser mais facilmente expressos em termos absolutos e operacionalizados em função de pacientes tomados individualmente. A saúde, como um direito humano fundamental, passou a ser preconizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS) após a II Guerra Mundial. Em 1946, a ONU proclamou sua constituição, mencionando em nível internacional, pela primeira vez, a saúde como direito humano, corroborado posteriormente a partir da proclamação da Declaração dos Direitos Humanos em 1948. No Brasil, desde a década de setenta, temos notícias de diversos questionamentos, discussões e reflexões sobre o papel da saúde e, por consequência, do acesso aos serviços de atenção à saúde e aos direitos do paciente. A partir da promulgação da Constituição de 1988, a saúde passou a ser reconhecida como um bem ao qual todo cidadão tem direito, havendo determinação de que os serviços de saúde devem promover o acesso à informação sobre a saúde e potencial de atendimento e resolutividade, bem como preservar a autonomia das pessoas. A partir da década de noventa, vários países membros da OMS assinaram declarações, em conjunto ou próprias, relativas a direitos de pacientes. Um dos objetivos da Declaração sobre a Promoção dos Direitos dos Pacientes na Europa é a implementação dos conceitos de respeito pelas pessoas e de promoção da equidade em saúde, o documento enfatiza o livre exercício da escolha individual e a necessidade de construção de mecanismos que garantam a qualidade do atendimento. 5 As reivindicações e a legislação de direitos do paciente, além de expressarem também transformações comuns a outros contextos da sociedade brasileira, são partes do processo de construção da democracia e da cidadania, tanto em relação ao papel do Estado quanto da sociedade, através de suas organizações e associações. Associado a esses movimentos, artigos de todas as décadas mostram a necessidade de investir no trabalhador para a construção de uma assistência humana, considerando, inclusive, as condições adversas de trabalho apontadas como fatores "desumanizantes", tais como baixos salários, número insuficiente de pessoal, sobrecarga de atividades e jornadas duplas ou triplas de trabalho. A temática ligada à humanização do atendimento em saúde mostra-se relevante no contexto atual, uma vez que a atenção e o atendimento no setor saúde, calcados em princípios como a integralidade da assistência, a equidade e a participação social do usuário, dentre outros, demandam a revisão das práticas cotidianas com ênfase na criação de espaços de trabalho menos alienantes que valorizem a dignidade do trabalhador e do usuário . O conceito de humanização tem ocupado um lugar de destaque nas atuais propostas de reconstrução das práticas de saúde no Brasil, no sentido de alcançar sua maior integralidade, efetividade e acesso. Embora muito já tenha sido feito em termos da discussão e da reestruturação das tecnologias e do planejamento dos serviços, há, comparativamente, escassos trabalhos sobre as bases teóricas e filosóficas para as mudanças propostas. O conceito de humanizaçãodas práticas e da atenção à saúde está na pauta de discussões mundo afora há várias décadas e, nos últimos anos, vem ganhando destaque na literatura científica nacional, principalmente nas publicações ligadas à saúde coletiva. 6 Durante os séculos XIX e XX, muitos avanços tecnológicos passaram a ser aplicados na área da saúde, em todos os níveis de atenção, seja na prevenção, no controle de comorbidades (progresso da doença) ou na reabilitação. Associado ao desenvolvimento tecnológico que experimentamos neste período, a doença vem sendo comumente interpretada pela concepção biomédica como um desvio de variáveis biológicas em relação à norma. Este modelo considera os fenômenos complexos como constituídos por princípios simples, isto é, relação de causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo, análise do corpo como máquina, minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais1. Por outro lado, há diversas discussões acerca das possibilidades de acesso dos sujeitos a essas tecnologias, seu custo para o sistema de saúde e a impossibilidade de que o progresso tecnológico elimine as demandas decorrentes da necessidade de contato direto entre pacientes e profissionais da área da saúde. Essas últimas, necessariamente perpassando pelo estabelecimento de relações de confiança, respeito e reciprocidade são reflexões que devem permear as práticas de atenção à saúde. Não há como minimizar, ou mesmo desprezar, as importantes contribuições dos avanços tecnológicos baseados nestes princípios. Porém, cada vez mais constatamos que a dimensão humana, vivencial, psicológica e cultural da doença, assim como os padrões e as variabilidades na comunicação verbal e não-verbal, precisam ser considerados nas relações entre o profissional da saúde e os usuários. Os conceitos de integralidade e de humanização devem ser discutidos e contextualizados sempre que forem empregados, pois são passíveis de interpretações variadas. Ainda há referência às políticas econômicas contemporâneas, destacando que estas têm sido avaliadas de acordo com sua capacidade de produzir crescimento ou estabilidade monetária e não necessariamente de melhorar as condições de vida das pessoas. Descreve, ainda, que a ordenação do espaço urbano há muito deixou de lado a preocupação com o bem-estar das pessoas e que, em saúde, é comum a redução de pessoas a objetos a serem manipulados pela clínica ou pela saúde pública. 7 Diante dos inúmeros obstáculos que hoje se apresentam para a assistência à saúde no país, sejam de ordem financeira, política, organizativa ou ética, coloca-se em pauta o fundamental debate sobre a qualidade da atenção prestada. Qualidade esta que diz respeito, de maneira indissociável, ao emprego de tecnologias, saberes, recursos considerados adequados e disponibilizados num contexto singular: o do encontro entre quem sofre, sejam indivíduos ou populações, e aqueles que se dedicam a mitigar este sofrimento, profissionais de saúde, gestores ou técnicos. Se a humanização não pode ser tomada como um princípio, mas se propõe como política e porque sua efetividade não se faz enquanto proposta geral e abstrata. No entanto, não basta defender o caráter específico e concreto das práticas de humanização, pois tomá-las em sua especificidade pode incorrer no risco de repetir a tendência da compartimentalização e isolamento das ações como, por exemplo, a separação entre a humanização do parto e a humanização das emergências. Os autores colocam uma difícil questão em relação à proposição de uma política de humanização que não se confunda com um princípio do Sistema Único de Saúde (SUS), o que a tornaria ampla e genérica; nem abstrata, porque se estivesse fora das singularidades da experiência, também poderia contribuir com a compartimentalização. Em relação à proposição da humanização como política de saúde, também há de considerar a formação, desde a graduação, dos profissionais que fazem funcionar cotidianamente os serviços de saúde. É necessário que se pense de forma a contemplar sistematicamente a humanização das ações, desde a concepção e planejamento das ações, programas ou atividades e rotinas dos serviços de saúde, até as políticas e propostas ligadas à macro gestão do sistema e serviços de saúde. À medida que o movimento pela humanização se eleva da predicação moral para uma preocupação operativa do direito à saúde, com a reorganização dos serviços e das práticas em saúde, ele incorpora de maneira simbiótica a categoria da satisfação dos usuários. Os autores destacam que esta proposta de humanização (ou satisfação radical) é a possibilidade de abrir a organização para o cidadão, indo além da mensuração de 8 graus quantitativos de satisfação, incorporando a opinião e reivindicações da população neste processo de mudanças e contribuindo para uma tomada de consciência mútua dos profissionais e cidadãos de novas finalidades e projetos comuns para a saúde. A humanização, esvaziada desses conteúdos, restringe os sentidos e as consequências da sua ação operacional ao limite da metodologia da "Qualidade Total" com sua preocupação restrita, focada internamente na organização, nos seus processos e no exercício da modulação organizacional, segundo as necessidades "necessárias". De tal forma que o movimento da humanização fica restrito, focado na organização, exaltando conhecimentos, técnicas e habilidades interacionais dos profissionais. Nesse caso, apesar de alguma diferença vernácula, se tal preocupação não encontrar um fundamento mais amplo e aberto, poderá limitar-se ao mesmo horizonte do movimento da qualidade. Como estratégia de atenção à saúde, na qualidade de política de Estado, é necessário que a humanização seja implementada como uma política transversal, que atualiza um conjunto de princípios e diretrizes por meio de ações e modos de agir nos diversos serviços, práticas de saúde e instâncias do sistema, caracterizando uma construção coletiva. A humanização como política transversal supõe, necessariamente, ultrapassar as fronteiras, muitas vezes rígidas, dos diferentes núcleos de saber/poder que se ocupam da produção da saúde. Entendemos, entretanto, que tal situação de transversalidade não deve significar um ficar fora, ou ao lado, do SUS. O confronto de ideias, o planejamento, os mecanismos de decisão, as estratégias de implementação e de avaliação, mas principalmente o modo como tais processos se dão, devem confluir na construção de trocas solidárias e comprometidas com a produção de saúde, tarefa primeira da qual não podemos nos furtar. De fato, a tarefa se apresenta dupla e inequívoca: produção de saúde e produção de sujeitos. Construir tal política impõe mais do que nunca que o SUS seja tomado em sua perspectiva de rede, criando e/ou fortalecendo mecanismos de coletivização e pactuação, sempre orientados pelo direito à saúde que o SUS na constituição brasileira consolidou como 9 conquista. É no coletivo da rede SUS que novas subjetividades emergem engajadas em práticas de saúde construídas e pactuadas coletivamente, reinventando os modelos de atenção e de gestão. Para que todo o sistema funcione de modo a considerar a diversidade de aspectos envolvidos para que se garanta a atenção integral e humanizada à saúde, todos os níveis e esferas de gestão e implementação das ações, bem como a sociedade usuária dos serviços de saúde, devem estar atentos e constantemente os envolvidos devem ser lembrados, cobrados e/ou solicitados a atuar de forma a contemplar essa proposta de atuação, prestação de serviço e trabalho no setor saúde, dependendo do ponto que se atua ou utiliza o serviço de saúde. CAPÍTULO 2 A humanização enquanto política de saúde A humanização é hoje um tema frequente nos serviços públicos de saúde, nos textos oficiais e nas publicações da área da SaúdeColetiva. Embora o termo laico "humanização" possa guardar em si um traço maniqueísta, seu uso histórico o consagra como aquele que rememora movimentos de recuperação de valores humanos esquecidos ou solapados em tempos de frouxidão ética. Em nosso horizonte histórico, a humanização desponta, novamente, no momento em que a sociedade pós-moderna passa por uma revisão de valores e atitudes. Não é possível pensar a humanização na saúde sem antes dar uma olhada no que acontece no mundo contemporâneo. Numa visão panorâmica, a época da pós-modernidade se caracteriza pelo reordenamento social decorrente do capitalismo multinacional e pela globalização econômica. Desabaram os ideais utópicos, políticos, éticos e estéticos da modernidade que creditavam ao projeto iluminista a construção de um mundo melhor movido pela razão humana. As pessoas, cada vez mais descrentes da política e das ideias revolucionárias que, na prática, deram poder a governos corruptos e incapazes 10 de promover o bem da nação, não buscaram mais seus referenciais de identificação nos grandes coletivos sociais, mas, sim, em si mesmas. Para certos autores, essa é uma das principais características do que chamam de época hipermoderna ou supermoderna: a figura do excesso e da deformação notadamente ao que se refere ao "eu". Nessa vertente, dá aos tempos atuais o nome de Cultura Narcísica, e Debors, de Sociedade do Espetáculo, ora ressaltando o individualismo, o culto ao corpo e a supervalorização dos aspectos da aparência estética, ora ressaltando o exibicionismo, a captura pela imagem e o comportamento histriônico que se realiza como espetáculo. No campo das relações, a perda de suportes sociais e éticos, somada ao modo narcísico de ser, cria as condições para a intolerância à diferença, e o outro é visto não como parceiro ou aliado, mas como ameaça. Tal disposição, associada à rapidez e ao pouco estímulo à reflexão sobre os aspectos existenciais e morais do viver humano, faz com que a violência - que (por motivos que fogem ao alcance deste artigo) é parte do nosso cotidiano - se apresente também como modo de resolver conflitos. No contraponto, do meio do século XX para cá, começam a se desenhar respostas para a sociedade assim estabelecida. Direitos humanos, bioética, proteção ambiental, cidadania, mais que conceitos emergentes, são práticas que vão ganhando espaço no dia-a-dia das pessoas, chamando-nos para o trabalho de construção de outra realidade. Na área da saúde, surgiram várias iniciativas com o nome de humanização. É bem provável que esse termo tenha sido forjado há umas duas décadas, quando os acordes da luta antimanicomial, na área da Saúde Mental, e do movimento feminista pela humanização do parto e nascimento, na área da Saúde da Mulher, começaram a ganhar volume e a produzir ruído suficiente para registrar marca histórica. Desde então, vários hospitais, predominantemente do setor público, começaram a desenvolver ações que chamavam de "humanizadoras". Inicialmente, eram ações que 11 tornavam o ambiente hospitalar mais afável: atividades lúdicas, lazer, entretenimento ou arte, melhorias na aparência física dos serviços. Não chegavam a abalar ou modificar substancialmente a organização do trabalho ou o modo de gestão, tampouco a vida das pessoas, mas faziam o papel de válvulas de escape para diminuir o sofrimento que o ambiente de trabalho hospitalar provoca em pacientes e trabalhadores. Pouco a pouco, a ideia foi ganhando consistência, resultando em alterações de rotina (por exemplo, visita livre, acompanhante, dieta personalizada). Hoje, várias sondagens conceituais, manifestações ideológicas, construções teóricas e técnicas e programas temáticos fazem da humanização um instigante campo de inovação da produção teórica e prática na área da saúde. Sob vários olhares, a humanização pode ser compreendida como: - Princípio de conduta de base humanista e ética; - Movimento contra a violência institucional na área da saúde; - Política pública para a atenção e gestão no SUS; - Metodologia auxiliar para a gestão participativa; - Tecnologia do cuidado na assistência à saúde. Em nosso entender, a humanização se fundamenta no respeito e valorização da pessoa humana, e constitui um processo que visa à transformação da cultura institucional por meio da construção coletiva de compromissos éticos e de métodos para as ações de atenção à saúde e de gestão dos serviços. Esse conceito amplo abriga as diversas visões da humanização supracitadas enquanto abordagens complementares que permitem a realização dos propósitos para os quais aponta sua definição. A humanização reconhece o campo das subjetividades como instância fundamental para a melhor compreensão dos problemas e para a busca de soluções compartilhadas. Participação, autonomia, responsabilidade e atitude solidária são valores que caracterizam esse modo de fazer saúde que resulta, ao final, em mais qualidade na atenção e melhores condições de trabalho. Sua essência é a aliança da competência técnica e tecnológica com a competência ética e relacional 12 Outra questão levantada por alguns autores diz respeito aos trabalhadores da saúde. Há de refletir se estes se encontram em condições de garantir um atendimento humanizado, tendo em vista que, quase sempre, são submetidos a processos de trabalhos mecanizados que os limitam na possibilidade de se transformar em pessoas mais críticas e sensíveis, bem como se encontram fragilizados no conviver contínuo com a dor, o sofrimento, a morte e a miséria. Em relação à proposição da humanização como política de saúde, também há de considerar a formação, desde a graduação, dos profissionais que fazem funcionar cotidianamente os serviços de saúde. É necessário que se pense (e aja!) de forma a contemplar sistematicamente a humanização das ações, desde a concepção e planejamento das ações, programas ou atividades e rotinas dos serviços de saúde, até as políticas e propostas ligadas à macro gestão do sistema. Em 2004, foi publicada a Política Nacional de Humanização, a qual defende como "marcas" a serem atingidas um atendimento resolutivo e acolhedor, combatendo a despersonalização a que são submetidos os usuários dos serviços, garantindo-lhes seus direitos instituídos em "códigos dos usuários", além de garantir educação permanente aos profissionais bem como a participação nos modos de gestão. À medida que o movimento pela humanização se eleva da predicação moral para uma preocupação operativa do direito à saúde, com a reorganização dos serviços e das práticas em saúde, ele incorpora de maneira simbiótica a categoria da satisfação dos usuários. Os autores destacam que esta proposta de humanização (ou satisfação radical) é a possibilidade de abrir a organização para o cidadão, indo além da mensuração de graus quantitativos de satisfação, incorporando a opinião e reivindicações da população neste processo de mudanças e contribuindo para uma tomada de consciência mútua dos profissionais e cidadãos de novas finalidades e projetos comuns para a saúde. 13 A humanização, esvaziada desses conteúdos, restringe os sentidos e as consequências da sua ação operacional ao limite da metodologia da "Qualidade Total" com sua preocupação restrita, focada internamente na organização, nos seus processos e no exercício da modulação organizacional, segundo as necessidades "necessárias". De tal forma que o movimento da humanização fica restrito, focado na organização, exaltando conhecimentos, técnicas e habilidades interacionais dos profissionais. Nesse caso, apesar de alguma diferença vernácula, se tal preocupação não encontrar um fundamento mais amplo e aberto, poderá limitar-se ao mesmo horizonte do movimento da qualidade. Como estratégia de atenção à saúde, na qualidade de política de Estado, é necessárioque a humanização seja implementada como uma política transversal, que atualiza um conjunto de princípios e diretrizes por meio de ações e modos de agir nos diversos serviços, práticas de saúde e instâncias do sistema, caracterizando uma construção coletiva. A humanização como política transversal supõe, necessariamente, ultrapassar as fronteiras, muitas vezes rígidas, dos diferentes núcleos de saber/poder que se ocupam da produção da saúde. Entendemos, entretanto, que tal situação de transversalidade não deve significar um ficar fora, ou ao lado, do SUS. O confronto de ideias, o planejamento, os mecanismos de decisão, as estratégias de implementação e de avaliação, mas principalmente o modo como tais processos se dão, devem confluir na construção de trocas solidárias e comprometidas com a produção de saúde, tarefa primeira da qual não podemos nos furtar. De fato, a tarefa se apresenta dupla e inequívoca: produção de saúde e produção de sujeitos. Construir tal política impõe mais do que nunca que o SUS seja tomado em sua perspectiva de rede, criando e/ou fortalecendo mecanismos de coletivização e pactuação, sempre orientados pelo direito à saúde que o SUS na constituição brasileira consolidou como conquista. 14 É no coletivo da rede SUS que novas subjetividades emergem engajadas em práticas de saúde construídas e pactuadas coletivamente, reinventando os modelos de atenção e de gestão. Para que todo o sistema funcione de modo a considerar a diversidade de aspectos envolvidos para que se garanta a atenção integral e humanizada à saúde, todos os níveis e esferas de gestão e implementação das ações, bem como a sociedade usuária dos serviços de saúde, devem estar atentos e constantemente os envolvidos devem ser lembrados, cobrados e/ou solicitados a atuar de forma a contemplar essa proposta de atuação, prestação de serviço e trabalho no setor saúde, dependendo do ponto que se atua ou utiliza o serviço de saúde. 2.1- Atuação profissional humanizada x atuação profissional humanizadora A reivindicação de humanização do atendimento por parte dos movimentos sociais e associações de defesa de direitos de pacientes, sobretudo aquelas de certos grupos mais vulneráveis e/ou organizados, como pacientes idosos, portadores de HIV e de distúrbios mentais, é parte desse processo mais amplo de democratização do estado e da sociedade no Brasil. Buscar formas efetivas para humanizar a prática em saúde implica aproximação crítica que permita compreender a temática para além de seus componentes técnicos e instrumentais, envolvendo, essencialmente, as dimensões político-filosóficas que lhe imprimem um sentido. Ao pensar nesses processos de subjetivação voltamos ao jogo das interações, das relações face a face que constroem o cotidiano do que costumamos chamar de "assistência". Mas, como sabemos, este projeto somente se realiza se for tomado como um modo de gestão, um modo de realizar a atenção em saúde, uma práxis. Carece, portanto, de estratégias não só de produção, mas de reprodução deste modelo. Neste sentido, o investimento na formação de profissionais e gestores é estratégia importante, cuja sustentabilidade se dá a partir da disseminação de mecanismos ideológicos contra-hegemônicos e de alianças que garantam adesão e continuidade de tal projeto. 15 É necessário refletir um pouco sobre as concepções que fundamentam o modelo biomédico. Essa demanda exige a implementação de mudanças visando à aquisição de competências na formação dos médicos que, enquanto restrita ao modelo biomédico, encontra-se impossibilitada de considerar a experiência do sofrimento como integrante da sua relação profissional. Os autores reforçam que é importante considerar criticamente o desenvolvimento do modelo biomédico como contexto no qual se configuram formas de relação médico-paciente e, assim, ter uma posição ativa e crítica na busca de uma nova prática. Essas reflexões aplicam-se, igualmente, à formação dos enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos, farmacêuticos, etc. no que se refere à relação com os pacientes e seus familiares na atenção à saúde, conforme propomos discorrer neste trabalho. O modelo de atenção à saúde baseado nos clássicos pressupostos biomédicos ainda está fortemente enraizado nas escolas de formação dos vários cursos de graduação da saúde, seja em instituições de ensino públicas ou privadas. Dois desafios se apresentam à construção de um modelo de atenção humanizado e, ao mesmo tempo, humanizador: a produção de um cuidado orientado pelo reconhecimento de pessoa (o sentido de ser membro, de pertencimento a um ethos, a uma cultura, a um grupo que define os próprios significados do "eu") e de sujeito (o sentido de uma identidade a partir de uma biografia singular, articulada a uma cultura, capaz de dotar de legitimidade a autonomia de cada um). A definição de pessoa passa pelo reconhecimento e respeito a outros e distintos referenciais culturais. A noção de sujeito nos lança ao discurso ético da autonomia, das escolhas e decisões à luz das condições de gênero, posição social e etnia/raça1. É sempre oportuno perguntar quem goza do status de pessoa e de sujeito nas práticas de assistência prestada nos serviços de saúde; quais capitais de protagonismo e autonomia os diferentes atores usufruem e quais as margens e mecanismos de negociação e ampliação destas fronteiras. 16 Trata-se de uma proposta que busca aprofundar uma análise crítica das lógicas e relações que dão forma e sentido ao modelo vigente de produzir os cuidados em saúde. Sob o amplo e polissêmico termo de "humanização" potencializam-se essas novas propostas da atenção à saúde da criança, da mulher, da população, enfim. Propostas que põem em destaque o respeito à diferença, a valorização do protagonismo dos sujeitos (profissionais e pacientes) e a centralidade do diálogo permeando as relações. Entretanto, como toda proposta que é diretriz teórico-filosófica, campo discursivo, mas também se materializa em ação institucionalizada, demanda uma análise de sua incorporação, leituras e apropriações no cotidiano dos serviços9. O autor apresenta alguns questionamentos, tais como: como as propostas de humanização são incorporadas às regras, hierarquias, negociações das instituições de saúde? Como as "políticas de humanização" se transformam em ação prática e como são renegociadas pelos sujeitos nessa ação prática? Estas questões são cruciais, devem ser pensadas pelos gestores, pelos trabalhadores e pelos próprios pacientes e seus familiares, usuários dos serviços de saúde. Também devem ser trazidas à baila durante a trajetória de formação no ensino superior dos futuros profissionais da saúde, especialmente durante as atividades práticas e nos estágios curriculares. Analisar obstáculos e potencialidades à luz das experiências torna-se um exame dialeticamente necessário. A humanização poderá abarcar um projeto com este teor, ou não. De qualquer modo, é um conceito que tem um potencial para se opor à tendência cada vez mais competitiva e violenta da organização social contemporânea8. A humanização tende a lembrar que necessitamos de solidariedade e de apoio social; é uma lembrança permanente sobre a vulnerabilidade nossa e dos outros; um alerta contra a violência. Aumentar os graus de transversalidade é superar a organização do campo assentada em códigos de comunicação e de trocas circulantes nos eixos da verticalidade e horizontalidade: um eixo vertical que hierarquiza os gestores, trabalhadores e usuários e um eixo horizontal que cria comunicações que não se cruzam entre si. 17 Ampliar o grau de transversalidade é produzir uma comunicação multivetorializada, construída na intercessão dos eixos vertical e horizontal. A gestão efetivamente transversalizada requer, além de dar espaço paraa discussão e apresentação de proposições por todos os atores envolvidos nas ações (ou nas consequências destas, como no caso dos usuários dos serviços de saúde), que efetivamente se considere para a tomada de decisão, gestão e implementação de ações nos serviços de saúde as demandas, anseios e percepções de todo os envolvidos nas rotinas destes. Caso contrário, todas as questões abordadas e consideradas anteriormente acabam caindo em contradição. Ou seja, buscar a opinião e sugestão de diversos interlocutores e, ao fim, quando da tomada de decisão, desconsiderar estas questões pode acabar por produzir efeitos negativos, e até nocivos, quando da atenção à saúde. A humanização é também um objetivo permanente, uma meta central a ser buscada por qualquer política ou projeto de saúde. A humanização, quando considerada sob esta perspectiva, é uma mudança das estruturas, da forma de trabalhar e também das pessoas. A humanização da clínica e da saúde pública depende de uma reforma da tradição de atenção centrada no atendimento médico assistencial e epidemiológico em seu aspecto mais conservador. Uma reestruturação que resulte em mudanças efetivas e sustentáveis, que perdurem no cotidiano das práticas e atenção em geral ligadas à promoção e manutenção da saúde, requer a combinação da objetivação científica do processo saúde/doença/intervenção com novos modos de operar decorrentes da incorporação do sujeito e de sua história desde o momento do diagnóstico até o da intervenção, trazendo mais humanização aos processos em que profissionais e usuários dos serviços de saúde se relacionam. O trabalho em saúde se humaniza quando busca combinar a defesa de uma vida mais longa com a construção de novos padrões de qualidade da vida para sujeitos concretos. Não há como realizar esta síntese sem o concurso ativo dos usuários, não há saber técnico que realize por si só este tipo de integração. 18 Alguns autores trazem à baila a importância dos trabalhadores na humanização do atendimento, da atenção à saúde: desde o contato inicial do paciente e sua família com o serviço de saúde, até a realização de procedimentos e acompanhamento após a realização de procedimentos e/ou intervenções. Mudamos as relações no campo da saúde quando, por um lado, experimentamos a inseparabilidade entre as práticas de cuidado e de gestão do cuidado, ou seja, os procedimentos técnicos inerentes à atuação do profissional na atenção para promoção da saúde do paciente e gerenciamento de todos os outros procedimentos administrativos, burocráticos e/ou documentais que são inerentes a esta atuação. Cuidar e gerir os processos de trabalho em saúde compõe, na verdade, uma só realidade, de tal forma que não há como mudar os modos de atender a população num serviço de saúde sem que se alterem também a organização dos processos de trabalho, a dinâmica de interação da equipe, os mecanismos de planejamento, de decisão, de avaliação e de participação. Para tanto, são necessários arranjos e dispositivos que interfiram nas formas de relacionamento nos serviços e nas outras esferas do sistema, garantindo práticas de corresponsabilização, de cogestão, de grupalização. CAPÍTULO 3 Política Nacional de Humanização (PNH) A Política Nacional de Humanização (PNH) existe desde 2004 para efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários. A PNH deve se fazer presente e estar inserida em todas as políticas e programas do SUS. Promover a comunicação entre estes três grupos pode provocar uma série de debates em direção a mudanças que proporcionem melhor forma de cuidar e novas formas de organizar o trabalho. 19 A humanização é a valorização dos usuários, trabalhadores e gestores no processo de produção de saúde. Valorizar os sujeitos é oportunizar uma maior autonomia, a ampliação da sua capacidade de transformar a realidade em que vivem, através da responsabilidade compartilhada, da criação de vínculos solidários, da participação coletiva nos processos de gestão e de produção de saúde. Produzindo mudanças nos modos de gerir e cuidar, a PNH estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários para construir processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que muitas vezes produzem atitudes e práticas desumanizadoras que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde em seu trabalho e dos usuários no cuidado de si. Vinculada à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, a PNH conta com um núcleo técnico sediado em Brasília – DF e equipes regionais de apoiadores que se articulam às secretarias estaduais e municipais de saúde. A partir desta articulação se constroem, de forma compartilhada, planos de ação para promover e disseminar inovações em saúde. Com a análise dos problemas e dificuldades em cada serviço de saúde e tomando por referência experiências bem-sucedidas de humanização, a PNH tem sido experimentada em todo o país. Existe um SUS que dá certo, e dele partem as orientações da PNH, traduzidas em seu método, princípios, diretrizes e dispositivos. 3.1- Como valorizar participação de usuário, profissionais e gestores As rodas de conversa, o incentivo às redes e movimentos sociais e a gestão dos conflitos gerados pela inclusão das diferenças são ferramentas experimentadas nos serviços de saúde a partir das orientações da PNH que já apresentam resultados positivos. Incluir os trabalhadores na gestão é fundamental para que eles, no dia a dia, reinventem seus processos de trabalho e sejam agentes ativos das mudanças no serviço de saúde. Incluir usuários e suas redes sócio-familiares nos processos de cuidado é um poderoso recurso para a ampliação da corresponsabilização no cuidado de si. 20 3.2- O HumanizaSUS aposta em inovações em saúde Defesa de um SUS que reconhece a diversidade do povo brasileiro e a todos oferece a mesma atenção à saúde, sem distinção de idade, etnia, origem, gênero e orientação sexual. Estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestão. Mapeamento e interação com as demandas sociais, coletivas e subjetivas de saúde; Valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores; Fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos e dos coletivos; Aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde e de sujeitos; Mudança nos modelos de atenção e gestão em sua indissociabilidade, tendo como foco as necessidades dos cidadãos, a produção de saúde e o próprio processo de trabalho em saúde, valorizando os trabalhadores e as relações sociais no trabalho; Proposta de um trabalho coletivo para que o SUS seja mais acolhedor, mais ágil e mais resolutivo; Qualificação do ambiente, melhorando as condições de trabalho e de atendimento; Articulação dos processos de formação com os serviços e práticas de saúde; Luta por um SUS mais humano, porque construído com a participação de todos e comprometido com a qualidade dos seus serviços e com a saúde integral para todos e qualquer um. 21 CAPÍTULO 4 Diretrizes do humanizasus Acolhimento Acolher é reconhecer o que o outro traz como legítima e singular necessidade de saúde. O acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações. Como valor das práticas de saúde, o acolhimento é construído de forma coletiva, a partir da análise dos processos de trabalho e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário com sua rede sócio-afetiva. Com uma escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário,é possível garantir o acesso oportuno desses usuários a tecnologias adequadas às suas necessidades, ampliando a efetividade das práticas de saúde. Isso assegura, por exemplo, que todos sejam atendidos com prioridades a partir da avaliação de vulnerabilidade, gravidade e risco. Gestão Participativa e cogestão Cogestão expressa tanto a inclusão de novos sujeitos nos processos de análise e decisão quanto a ampliação das tarefas da gestão - que se transforma também em espaço de realização de análise dos contextos, da política em geral e da saúde em particular, em lugar de formulação e de pactuação de tarefas e de aprendizado coletivo. A organização e experimentação de rodas é uma importante orientação da cogestão. Rodas para colocar as diferenças em contato de modo a produzir movimentos de desestabilização que favoreçam mudanças nas práticas de gestão e de atenção. A PNH destaca dois grupos de dispositivos de cogestão: aqueles que dizem respeito à 22 organização de um espaço coletivo de gestão que permita o acordo entre necessidades e interesses de usuários, trabalhadores e gestores; e aqueles que se referem aos mecanismos que garantem a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde. Colegiados gestores, Mesas de negociação, Contratos Internos de Gestão, Câmara Técnica de Humanização (CTH), Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), Gerência de Porta Aberta, entre outros, são arranjos de trabalho que permitem a experimentação da cogestão no cotidiano da saúde. Ambiência Criar espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas. A discussão compartilhada do projeto arquitetônico, das reformas e do uso dos espaços de acordo com as necessidades de usuários e trabalhadores de cada serviço é uma orientação que pode melhorar o trabalho em saúde. Clínica ampliada e compartilhada A clínica ampliada é uma ferramenta teórica e prática cuja finalidade é contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença. Permite o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde e seus respectivos danos e ineficácia. Utilizando recursos que permitam enriquecimento dos diagnósticos (outras variáveis além do enfoque orgânico, inclusive a percepção dos afetos produzidos nas relações clínicas) e a qualificação do diálogo (tanto entre os profissionais de saúde envolvidos no tratamento quanto destes com o usuário), de modo a possibilitar decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia e a saúde dos usuários do SUS. 23 Valorização do Trabalhador É importante dar visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí-los na tomada de decisão, apostando na sua capacidade de analisar, definir e qualificar os processos de trabalho. O Programa de Formação em Saúde e Trabalho e a Comunidade Ampliada de Pesquisa são possibilidades que tornam possível o diálogo, intervenção e análise do que gera sofrimento e adoecimento, do que fortalece o grupo de trabalhadores e do que propicia os acordos de como agir no serviço de saúde. É importante também assegurar a participação dos trabalhadores nos espaços coletivos de gestão. Defesa dos Direitos dos Usuários Os usuários de saúde possuem direitos garantidos por lei e os serviços de saúde devem incentivar o conhecimento desses direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado, desde a recepção até a alta. Todo cidadão tem direito a uma equipe que cuide dele, de ser informado sobre sua saúde e também de decidir sobre compartilhar ou não sua dor e alegria com sua rede social. CAPÍTULO 5 Princípios do HumanizaSUS Transversalidade A Política Nacional de Humanização (PNH) deve se fazer presente e estar inserida em todas as políticas e programas do SUS. A PNH busca transformar as relações de trabalho a partir da ampliação do grau de contato e da comunicação entre as pessoas e grupos, tirando-os do isolamento e das relações de poder hierarquizadas. Transversalizar é reconhecer que as diferentes especialidades e práticas de saúde 24 podem conversar com a experiência daquele que é assistido. Juntos, esses saberes podem produzir saúde de forma mais corresponsável. Indissociabilidade entre atenção e gestão As decisões da gestão interferem diretamente na atenção à saúde. Por isso, trabalhadores e usuários devem buscar conhecer como funciona a gestão dos serviços e da rede de saúde, assim como participar ativamente do processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de saúde coletiva. Ao mesmo tempo, o cuidado e a assistência em saúde não se restringem às responsabilidades da equipe de saúde. O usuário e sua rede sócio-familiar devem também se corresponsabilizar pelo cuidado de si nos tratamentos, assumindo posição protagonista com relação a sua saúde e a daqueles que lhes são caros. Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos Qualquer mudança na gestão e atenção é mais concreta se construída com a ampliação da autonomia e vontade das pessoas envolvidas, que compartilham responsabilidades. Os usuários não são só pacientes, os trabalhadores não só cumprem ordens: as mudanças acontecem com o reconhecimento do papel de cada um. Um SUS humanizado reconhece cada pessoa como legítima cidadã de direitos e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde. CAPÍTULO 6 Objetivos do HumanizaSUS -Propósitos da Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS - Contagiar trabalhadores, gestores e usuários do SUS com os princípios e as diretrizes da humanização; - Fortalecer iniciativas de humanização existentes; 25 - Desenvolver tecnologias relacionais e de compartilhamento das práticas de gestão e de atenção; - Aprimorar, ofertar e divulgar estratégias e metodologias de apoio a mudanças sustentáveis dos modelos de atenção e de gestão; - Implementar processos de acompanhamento e avaliação, ressaltando saberes gerados no SUS e experiências coletivas bem-sucedidas. Três macro-objetivos do HumanizaSUS: - Ampliar as ofertas da Política Nacional de Humanização aos gestores e aos conselhos de saúde, priorizando a atenção básica/fundamental e hospitalar, com ênfase nos hospitais de urgência e universitários; - Incentivar a inserção da valorização dos trabalhadores do SUS na agenda dos gestores, dos conselhos de saúde e das organizações da sociedade civil; - Divulgar a Política Nacional de Humanização e ampliar os processos de formação e produção de conhecimento em articulação com movimentos sociais e instituições. Política Nacional de Humanização busca: - Redução de filas e do tempo de espera, com ampliação do acesso; - Atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de risco; - Implantação de modelo de atenção com responsabilização e vínculo; - Garantia dos direitos dos usuários; - Valorização do trabalho na saúde; 26 - Gestão participativa nos serviços. Por meio de cursos e oficinas de formação/intervenção e a partir da discussão dos processos de trabalho, as diretrizes e dispositivos da Política Nacional de Humanização (PNH) são vivenciados e reinventados no cotidiano dos serviços de saúde. Em todo o Brasil, os trabalhadores são formados técnica e politicamente e reconhecidos como multiplicadores e apoiadores da PNH, pois são os construtores de novas realidades em saúde e poderão se tornar os futuros formadores da PNH em suas localidades. CAPÍTULO 7 REDE HumanizaSUS A Rede HumanizaSUS é a rede social das pessoas interessadas ou já envolvidas em processos de humanização da gestãoe do cuidado no SUS. A rede é um local de colaboração, que permite o encontro, a troca, a afetação recíproca, o afeto, o conhecimento, o aprendizado, a expressão livre, a escuta sensível, a polifonia, a arte da composição, o acolhimento, a multiplicidade de visões, a arte da conversa, a participação de qualquer um. Trata-se de um ambiente virtual aberto para ampliar o diálogo em torno de seus princípios, métodos, diretrizes e dispositivos. Uma aposta na inteligência coletiva e na constituição de coletivos inteligentes. O Coletivo HumanizaSUS se constitui em torno desse imenso acervo de conhecimento comum, que se produz sem cessar nas interações desta Rede. A grande aposta é que essa experiência colaborativa aumente o enfrentamento dos grandes e complexos desafios da humanização no SUS. 27 CAPÍTULO 8 PACTO PELA SAÚDE 2006 O Sistema Único de Saúde - SUS é uma política pública que acaba de completar uma década e meia de existência. Nesses poucos anos, foi construído no Brasil, um sólido sistema de saúde que presta bons serviços à população brasileira. O SUS tem uma rede de mais de 63 mil unidades ambulatoriais e de cerca de 6 mil unidades hospitalares, com mais de 440 mil leitos. Sua produção anual é aproximadamente de 12 milhões de internações hospitalares; 1 bilhão de procedimentos de atenção primária à saúde; 150 milhões de consultas médicas; 2 milhões de partos; 300 milhões de exames laboratoriais; 132 milhões de atendimentos de alta complexidade e 14 mil transplantes de órgãos. Além de ser o segundo país do mundo em número de transplantes, é reconhecido internacionalmente pelo seu progresso no atendimento universal às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, na implementação do Programa Nacional de Imunização e no atendimento relativo à Atenção Básica. É avaliado positivamente pelos que o utilizam rotineiramente e está presente em todo território nacional. Ao longo de sua história houve muitos avanços e também desafios permanentes a superar. Isso tem exigido, dos gestores do SUS, um movimento constante de mudanças, pela via das reformas incrementais. Contudo, esse modelo parece ter se esgotado, de um lado, pela dificuldade de imporem-se normas gerais a um país tão grande e desigual; de outro, pela sua fixação em conteúdos normativos de caráter técnico-processual, tratados, em geral, com detalhamento excessivo e enorme complexidade. Na perspectiva de superar as dificuldades apontadas, os gestores do SUS assumem o compromisso público da construção do PACTO PELA SAÚDE 2006, que será anualmente revisado, com base nos princípios constitucionais do SUS, ênfase nas necessidades de saúde da população e que implicará o exercício simultâneo de 28 definição de prioridades articuladas e integradas nos três componentes: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão do SUS. Estas prioridades são expressas em objetivos e metas no Termo de Compromisso de Gestão e estão detalhadas no documento Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde 2006 O PACTO PELA VIDA: O Pacto pela Vida está constituído por um conjunto de compromissos sanitários, expressos em objetivos de processos e resultados e derivados da análise da situação de saúde do País e das prioridades definidas pelos governos federal, estaduais e municipais. Significa uma ação prioritária no campo da saúde que deverá ser executada com foco em resultados e com a explicitação inequívoca dos compromissos orçamentários e financeiros para o alcance desses resultados. As prioridades do PACTO PELA VIDA e seus objetivos para 2006 são: SAÚDE DO IDOSO: Implantar a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, buscando a atenção integral. CÂNCER DE COLO DE ÚTERO E DE MAMA: Contribuir para a redução da mortalidade por câncer de colo do útero e de mama. 29 MORTALIDADE INFANTIL E MATERNA: Reduzir a mortalidade materna, infantil neonatal, infantil por doença diarréica e por pneumonias. DOENÇAS EMERGENTES E ENDEMIAS, COM ÊNFASE NA DENGUE, HANSENÍASE, TUBERCULOSE, MALÁRIA E INFLUENZA Fortalecer a capacidade de resposta do sistema de saúde às doenças emergentes e endemias. PROMOÇÃO DA SAÚDE: Elaborar e implantar a Política Nacional de Promoção da Saúde, com ênfase na adoção de hábitos saudáveis por parte da população brasileira, de forma a internalizar a responsabilidade individual da prática de atividade física regula,r alimentação saudável e combate ao tabagismo. ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE Consolidar e qualificar a estratégia da Saúde da Família como modelo de atenção básica à saúde e como centro ordenador das redes de atenção à saúde do SUS. O PACTO EM DEFESA DO SUS: O Pacto em Defesa do SUS envolve ações concretas e articuladas pelas três instâncias federativas no sentido de reforçar o SUS como política de Estado mais do que política de governos; e de defender, vigorosamente, os princípios basilares dessa política pública, inscritos na Constituição Federal. A concretização desse Pacto passa por um movimento de repolitização da saúde, com uma clara estratégia de mobilização social envolvendo o conjunto da sociedade brasileira, extrapolando os limites do setor e vinculada ao processo de instituição da saúde como direito de cidadania, tendo o financiamento público da saúde como um dos pontos centrais. As prioridades do Pacto em Defesa do SUS são: 30 IMPLEMENTAR UM PROJETO PERMANENTE DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL COM A FINALIDADE DE: Mostrar a saúde como direito de cidadania e o SUS como sistema público universal garantidor desses direitos; Alcançar, no curto prazo, a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, pelo Congresso Nacional; Garantir, no longo prazo, o incremento dos recursos orçamentários e financeiros para a saúde. Aprovar o orçamento do SUS, composto pelos orçamentos das três esferas de gestão, explicitando o compromisso de cada uma delas. ELABORAR E DIVULGAR A CARTA DOS DIREITOS DOS USUÁRIOS DO SUS O PACTO DE GESTÃO DO SUS O Pacto de Gestão estabelece as responsabilidades claras de cada ente federado de forma a diminuir as competências concorrentes e a tornar mais claro quem deve fazer o quê, contribuindo, assim, para o fortalecimento da gestão compartilhada e solidária do SUS. Esse Pacto parte de uma constatação indiscutível: o Brasil é um país continental e com muitas diferenças e iniqüidades regionais. Mais do que definir diretrizes nacionais é necessário avançar na regionalização e descentralização do SUS, a partir de uma unidade de princípios e uma diversidade operativa que respeite as singularidades regionais. Esse Pacto radicaliza a descentralização de atribuições do Ministério da Saúde para os estados e para os municípios, promovendo um choque de descentralização, acompanhado da desburocratização dos processos normativos. Reforça a territorialização da saúde como base para organização dos sistemas, estruturando as regiões sanitárias e instituindo colegiados de gestão regional. Reitera a importância da participação e do controle social com o compromisso de apoio à sua qualificação. Explicita as diretrizes para o sistema de financiamento público tripartite: busca critérios de alocação equitativa dos recursos; reforça os mecanismos de transferência 31 fundo a fundo entre gestores; integra em grandes blocos o financiamento federal e estabelece relações contratuais entre os entes federativos. As prioridades do Pacto de Gestão são: DEFINIR DE FORMA INEQUÍVOCA A RESPONSABILIDADE SANITÁRIA DE CADA INSTÂNCIA GESTORA DO SUS: federal, estadual e municipal, superando o atual processo de habilitação. ESTABELECER AS DIRETRIZES PARA A GESTÃO DO SUS, com ênfase na Descentralização; Regionalização; Financiamento; Programação Pactuada e Integrada; Regulação; Participação e Controle Social; Planejamento; Gestão do Trabalhoe Educação na Saúde. Este PACTO PELA SAÚDE 2006 aprovado pelos gestores do SUS na reunião da Comissão Intergestores Tripartite do dia 26 de janeiro de 2006, é abaixo assinado pelo Ministro da Saúde, o Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS e o Presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde - CONASEMS e será operacionalizado por meio do documento de Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde 2006. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, M. E. B. Trabalhar: usar de si: sair de si. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 11, n. 22, p. 345-363, 2007. BARROS, M. E. B.; BENEVIDES, R. Da dor ao prazer no trabalho. In: SANTOS- FILHO, S. B.; BARROS, M. E. B. (Org.). Trabalhador da saúde: muito prazer!: protagonismo dos trabalhadores na gestão do trabalho em saúde. Ijuí: Unijuí, 2007. p. 61-71. BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 561-571, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4. ed. Brasília, DF, 2008. CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. In: MERHY, E. E.; CAMPOS, G. W. S.; CECILIO, L. C. O. (Org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 29-88. CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec, 2000. DELEUZE, G. A intuição como método. In: DELEUZE, G. Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 7-26. FONSECA, T. M. G.; BARROS, M. E. B. Entre prescrições e singularizações: o trabalho em vias da criação. Fractal: Revista de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 101-114, 2010. FOUCAULT, M. A vida: a experiência e a ciência. In: MOTTA, M. B. (Org.). Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 352-366. (Ditos e Escritos, II). 33 FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: MOTTA, M. B. (Org.). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 264-287. (Ditos e Escritos, V). GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Subjetividade e história. In: GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 33-148. HARDT, M.; NEGRI, A. Império. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. KIRST, P. G. et al. Conhecimento e cartografia: tempestade de possíveis. In: FONSECA, T. M. G.; KIRST, P. G. (Org.). Cartografias e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 91-101. LOURAU, R. Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ, 1993. MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. MERHY, E. E. et al. Em busca de ferramentas analisadoras em saúde: a informação e o dia-a-dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o público. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 113-150. PASCHE, D. F. Política nacional de humanização como aposta na produção coletiva de mudança nos modos de gerir e cuidar. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 13, p. 701-708, 2009. Suplemento 1. PASSOS, E. Quando o grupo é afirmação de um paradoxo. In: BARROS, R. B. Grupo: a afirmação de um simulacro. 2. ed. Porto Alegre: Sulina: UFRGS, 2009. p. 11-23. PASSOS, E.; BENEVIDES, R. B. Clínica, política e as modulações do capitalismo. Lugar Comum, Rio de Janeiro, v. 13, n. 19-20, p. 159-171, 2004. REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005. RODRIGUES, H. B. C. Análise institucional francesa e a transformação social: o tempo (e contratempo) das intervenções. In:RODRIGUES, H. B. C.; ALTOÉ, S. Análise institucional. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 115-164. (Série Saúdeloucura, 8).