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1 
 
 
 
 
 
Vivendo Limpo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tradução não oficial e não autorizada 
2 
 
Índice 
 
- Prefácio ................................................................................................................ 7 
 
- Capítulo 1 – Vivendo limpo ....................................................................................10 
 
 NA nos oferece um caminho, um processo e uma maneira de viver. O trabalho 
e as recompensas da recuperação são infinitos. Continuamos a crescer e a 
aprender não importa onde nos encontremos na jornada e mais nos é revelado 
à medida que seguimos adiante. Encontrar a centelha que faz da nossa 
recuperação uma jornada contínua, entusiasmante e recompensadora requer 
uma mudança ativa em nossas ideias e atitudes. Para muitos de nós, isso significa 
uma mudança do desespero à paixão. 
 
Chaves para a Liberdade ..........................................................................................11 
Dores Crescentes......................................................................................................14 
Uma visão de esperança...........................................................................................17 
Do desespero à paixão..............................................................................................19 
Por que permanecemos............................................................................................20 
 
- Capítulo 2 – Os laços que nos unem.........................................................................23 
 
 Em recuperação, somos livres para explorar e considerar quem nós somos e 
quem queremos nos tornar. A mudança que vivenciamos nesse processo pode perturbar 
bem nossas identidades e nossas relações, mas por meio dessa luta descobrimos que 
nossa aceitação, amor e fé continuam crescendo. Embora nossos objetivos e nossos 
métodos possam variar, o que temos em comum são as ferramentas e princípios que 
nos permitem ser quem somos. Juntos, alcançamos a liberdade. 
 
Conectando-nos conosco..........................................................................................23 
Conectando-nos com um Poder Superior..................................................................26 
Conectando-nos com o mundo.................................................................................29 
Conectando-nos com os outros ................................................................................32 
3 
 
 
Capítulo 3 – Um caminho espiritual...........................................................................36 
 
 A espiritualidade que vivenciamos em NA é prática e simples: ela nos permite 
viver em harmonia com o nosso mundo e experimentar empatia e compaixão pelos 
outros. Os passos são um caminho para o crescimento espiritual; despertamos para 
nossa espiritualidade. À medida que desenvolvemos uma relação com um Poder 
Superior, qualquer que seja a forma como o compreendamos, entendemos que nossa 
espiritualidade não é parte de nossas vidas; é um modo de vida que nos conduz ao 
entendimento do nosso propósito e da liberdade em busca da qual sempre estivemos. 
 
Despertando para a nossa espiritualidade.................................................................36 
Um programa espiritual, não religioso......................................................................38 
Uma jornada espiritual.............................................................................................41 
A espiritualidade como prática ................................................................................44 
Percorrendo o caminho............................................................................................46 
Espiritualidade em ação............................................................................................49 
Contato consciente...................................................................................................52 
Ação criativa do espírito...........................................................................................55 
 
Capítulo 4 – O eu físico..............................................................................................59 
 
 Aprender a viver em nossos corpos não é fácil. Não fomos legais com eles e 
frequentemente estes expõem as cicatrizes dolorosas de nossa adicção. Fazer as pazes 
com o nosso eu físico é necessário para a nossa sobrevivência – mas também é parte do 
nosso processo de reparação, um ato de autoaceitação, e uma maneira de vivenciar 
liberdade, cura e alegria. Este capítulo aborda a maneira como nos tratamos em 
recuperação, aprendendo a encontrar prazer em estarmos vivos e conscientes 
fisicamente – bem como encarar nosso processo de envelhecimento, nossa 
vulnerabilidade e nossa mortalidade. 
 
Um relacionamento..................................................................................................60 
Nos rendendo...........................................................................................................61 
Sexo.........................................................................................................................64 
4 
 
Aventura e busca de emoção....................................................................................66 
Bem-estar e saúde....................................................................................................68 
Doença.....................................................................................................................70 
Deficiências..............................................................................................................74 
Crise emocional e espiritual......................................................................................76 
Envelhecimento.......................................................................................................78 
Sobre Morte, Morrer e Viver com Dor.......................................................................79 
Coragem..................................................................................................................82 
 
Capítulo 5 – Relações Humanas.................................................................................84 
 
 Nossa recuperação está baseada em relações e a maioria de nós se debate em 
meio a isso de uma forma ou de outra. Nossas relações uns com os outros em sala, com 
as nossas famílias e as famílias que construímos, são lugares em que aprendemos a 
praticar os princípios, incluindo honestidade, empatia e intimidade. Amor é uma 
presença curativa e vivemos o seu poder quando ajudamos o outro. 
 
Irmandade...............................................................................................................86 
Amizade...................................................................................................................89 
Construindo a ponte entre dois mundos: Relações fora de NA..................................93 
Família.....................................................................................................................94 
Paternidade.............................................................................................................97 
Reparações e reconciliações...................................................................................101 
Relações amorosas.................................................................................................103 
O que queremos.....................................................................................................104 
O que pedimos.......................................................................................................107 
Coragem para confiar.............................................................................................109 
Contato consciente.................................................................................................113nossa recuperação, mas 
sem desistir de nós também. Embora algumas pessoas se sintam inseguras sobre como 
responder às nossas dúvidas, compartilhar nossos sentimentos nos ajuda a ver que não 
estamos sozinhos. Em momentos de incerteza mais persistente “fingir que está tudo 
bem” pode ser o pior comportamento, ainda que funcione bem em outros momentos. 
Precisamos ser brutalmente honestos com nós mesmos sobre o que sentimos e em que 
acreditamos. A partir desses momentos de dúvida, uma fé genuína pode crescer 
realmente. Não devemos negar, nem sermos indulgentes com tais sentimentos; eles 
devem ser tratados com cuidado. 
Aprendemos o que é verdade para nós, e isso estabelece a direção para nossas vidas. 
Nosso senso ético é produto do trabalho que realizamos para entender e aplicar os 
princípios espirituais do programa. Quando nos afastamos do que sabemos que é certo, 
sentimo-nos frustrados e aprisionados. Quando nos esquecemos do que é verdade para 
nós, nos perdemos e vagamos em meio ao perigo. Por outro lado, quando nosso 
entendimento do que é verdade está em processo de mudança, podemos nos sentir 
mais perdidos do que realmente estamos. Na verdade, nosso senso ético e de valor está 
agindo e nos guiando para uma nova direção. Nesses momentos intensos de dúvida e 
incerteza, encontramos uma nova rendição, uma fé mais profunda, e frequentemente 
um sentido diferente de quem somos. 
Podemos nos agarrar ao nosso medo anterior de que tenhamos nos tornado alguém que 
não reconhecemos ou mesmo de quem não gostamos. Alguns de nós temem que se 
fizerem a viagem interior, com verdade, não encontrarão nada. Mas o vazio que 
tememos também nos dá espaço para o crescimento e para a mudança. Paramos de 
tentar nos recriar tão intensamente e simplesmente deixamos que isso aconteça 
naturalmente. À medida que reconhecemos as máscaras que pusemos e desenvolvemos 
28 
 
a força para ressignificá-las, nos sentimos mais seguros, ganhando clareza e confiança. 
Não importa o que aconteça, não nos perdemos novamente. 
Há questões que só podemos responder sozinhos, mas, para encarar tais questões, 
precisamos do apoio e de pessoas de confiança. A diferença entre solidão e isolamento 
é outra linha tênue que identificamos com a experiência. Uma questão que aprendemos 
a nos perguntar é “estou agindo a serviço de um bem maior neste exato momento?” 
Podemos precisar da solidão para nos conectarmos com nosso Poder Superior. Às vezes, 
a melhor coisa que podemos fazer é simplesmente descansar e nos descontrair, ler um 
livro ou assistir a um filme, e só. Isso não é isolamento – embora a diferença possa não 
parecer tão clara. A diferença, sentimo-la internamente. Identificamos por nós mesmos 
o que a solidão é capaz de nos restaurar e o que as atitudes destrutivas nos roubam. 
Aceitar nossa espiritualidade em evolução é parte do nosso crescimento pessoal. Se 
nossa relação com um poder superior é real e significativa, certamente sofrerá 
mudanças com o passar do tempo. Mas às vezes parece estar em crise. Se nos rendemos, 
isso nos leva de volta aos passos, e, ao revisitar o segundo e terceiro passos, podemos 
reencontrar uma relação com a fé que faz mais sentido para nós. À medida que os nossos 
valores mudam, é provável que nossas crenças se desenvolvam e se alterem também. 
Abandonar a ideia de que temos de entender o porquê das coisas ou como tudo 
funciona nos liberta para uma experiência espiritual sem nos questionarmos se estamos 
fazendo do modo certo. 
A ação que devemos empreender nem sempre é clara para nós. Às vezes, para 
podermos seguir adiante, devemos ficar quietos. Meditar pode ser difícil por conta do 
desconforto que a prática nos exige de ficarmos com nós mesmos em quietude, de 
simplesmente estarmos no momento presente. Mas aí é quando pedimos ajuda, 
escutamos as respostas, olhamo-nos nos olhos e vemos quem somos, onde estamos e 
como somos. Quando ficamos quietos e observamos sem julgar, nos chega a clareza 
para ver o que é certo e o que não é, para nós. 
Aprendemos a confiar no nosso processo e lhe damos o tempo necessário para que se 
desenvolva. Quando estabelecemos prazos para avaliarmos quão bem deveríamos 
estar, ou por quanto tempo nos afligimos, ou ainda quando não sabemos a resposta 
para uma pergunta, sentimos medo e podemos acreditar que a recuperação não está 
funcionando. A recuperação funciona, mas não de acordo com alguma agenda que 
possivelmente tenhamos feito. Não há substituto para o tempo. 
Muito do trabalho de passos que refazemos após a primeira vez trata da clareza para 
ouvir nossa voz interna que nos diz quando e se o que estamos fazendo está correto, 
bem como quando isso não está alinhado com nossos valores. Cada vez mais, soltamos 
os laços que nos aprisionam, as falsas expectativas e as crenças sobre quem somos. Não 
estamos mais presos por nossa adicção ou à nossa estreita e velha visão sobre o que a 
vida supostamente deveria ser. Aprendemos que o poder que ganhamos no décimo 
primeiro passo está disponível para nós quando fazemos a vontade do nosso poder 
superior e vivemos uma vida com auto-aceitação. As maiores transformações na 
29 
 
caminhada da recuperação frequentemente ocorrem quando não as procuramos 
obstinadamente. Acordamos e nos percebemos na vida de um modo que mal 
reconhecemos. Encontramos estabilidade, dignidade e honra nas relações com outros 
quando antes víamos conflito, degradação e alienação. 
Ganhamos autorrespeito quando cumprimos nossos compromissos. Isso pode começar 
com compromissos de serviço com o grupo: fazer o café, secretariar uma reunião e 
assim por diante. À medida que nossa habilidade de assumir compromissos e cumpri-
los cresce, assumimos novos desafios. Talvez o maior desses compromissos seja 
trabalhar os passos. Um de nossos membros sugere que não é apenas o trabalho de 
passos em si, mas a maneira como os trabalhamos que estabelece o padrão para nossas 
vidas. Assumir um grande projeto e trabalhar consistentemente em algo que é 
importante, ainda que difícil e desagradável, nos ensina diferentes coisas que não 
aprenderíamos nos forçando, apressados ou trabalhando noite adentro, para cumprir 
algum prazo. 
Por meio dos passos, descascamos as camadas de ilusão que nos enganam. Aprendemos 
que temos uma doença, mas que isso tampouco se resume ao que somos. Aprendemos 
que não somos Deuses. Aprendemos também que não somos nosso passado ou nossos 
defeitos de caráter. Percebemos quando estamos confundindo como estamos com 
quem somos. À medida que mergulhamos mais e mais na tomada de consciência de 
nossas ilusões, essa consciência nos leva a nos indagarmos sobre o que deve ser 
abandonado. 
Conversamos com membros que respeitamos e em quem confiamos, e eles nos 
lembram de que trabalhar o programa não vai nos tornar ninguém mais do que nós 
mesmos. Enquanto desenvolvemos um contato com um Poder Superior maior que nós, 
crescemos em consciência de que este poder não quer uma versão imaginária ou 
idealizada de nós mesmos. Somos o que somos, e servimos melhor quando somos 
inteiramente quem realmente somos. O simples ato de estar presente, sem tentar fingir, 
contribui para retirar as distorções, mentiras, defeitos, toda essa bagagem distorcida, 
além de nossos incômodos gerados pela inadequação. Aprendemos com precisão quem 
somos quando esquecemos de nós e servimos aos outros. 
 
Conectando-nos com o mundo 
 
Nosso alicerce em recuperação é algo que é construído. À medida que nos tornamos 
mais seguros, ampliamos nossos horizontes e alcançamos objetivos que nunca havíamos 
considerado antes. Muitos de nós voltam a estudar, buscam carreiras e começam 
famílias. Voltamos regularmente para checar se há rachaduras ou alguma mudança no 
nosso alicerce e, assim, fortalecê-lo onde for necessário. A robustez e tenacidade na 
fundação desse alicerce não seriam necessárias se estivéssemos apenas montando uma 
barraca, mas queremos construir arranha-céus. Estes devem estar assentados com 
30 
 
segurançade modo que, quando for preciso uma reforma em alguma sala ou andar, a 
estrutura não entre em colapso. 
As ferramentas que usamos para construir nosso alicerce não são as únicas de que 
precisaremos na caminhada. Não é que elas percam o valor. Os aspectos básicos são 
importantes, mas em algum momento eles podem não ser suficientes para sustentar a 
continuidade do processo. Quando chegamos a um ponto em que tudo que sabemos 
não é mais suficiente para nós, voltamo-nos aos membros com mais experiência. É 
provável que escutemos a mesma resposta simples que ouvimos no início: a resposta 
está nos passos. Uma relação cada vez mais profunda com os passos continua a se 
desenvolver mesmo depois que os houvermos trabalhado muitas vezes. Para alguns de 
nós, práticas consistentes de oração, meditação, exercícios escritos ou físicos são úteis 
no início, mas se tornam mais enriquecedores com o passar do tempo. O simples fato 
de se haver mantido algum tipo de prática e ritual por um longo tempo nos oferece uma 
estrutura para o nosso programa na qual podemos confiar. 
Para muitos de nós, ficar e permanecer limpos é a maior conquista, não importa o que 
façamos mais na vida. Para outros, é o dom mais valioso que já receberam. Nem sempre 
é fácil dividirmos a coisa pela qual mais somos gratos com pessoas que não vivem o 
processo da recuperação. Isso pode parecer uma barreira entre nós e o mundo. 
Alguns de nós ficam inteiramente dentro da esfera da recuperação: todos os amigos que 
têm estão em recuperação, todo seu mundo está vinculado à irmandade, não porque 
sentem medo de se aventurar mundo afora, mas pela imensa satisfação decorrente das 
relações que mantêm em NA. A maneira como compartilhamos este nível de 
identificação profunda que torna NA tão especial para nós, falando abertamente dos 
nossos sentimentos, achando humor nas coisas mais assustadoras e sombrias, não é 
algo que se encontre usualmente disponível fora das salas de recuperação. 
Para alguns de nós, está tudo bem. Ficamos felizes em levar nossas vidas em NA. Para 
outros, construir fora das salas o mesmo tipo de intimidade e senso de comunidade que 
aprendemos a amar na recuperação, é um desafio motivador. Podemos viver alguns 
tipos de conexão em NA e outros tipos em lugares distintos – com nossa família, 
comunidades religiosas, colaboradores ou vizinhos. Sentimo-nos confortáveis tendo 
parte da identidade aqui e lá. Cada qual encontra a combinação mais adequada, a que 
melhor funciona, só por hoje. Autoaceitação, para a maior parte de nós, significa 
encontrar um equilíbrio entre nossa recuperação e nossas vidas fora de NA. 
Há tempos em que não estamos tão presentes na irmandade como gostaríamos. 
Notamos a diferença em nossa recuperação; podemos perceber também a diferença em 
como nos sentimos quando voltamos. Quando não estamos conectados de modo 
próximo, é fácil nos sentirmos excluídos. As pessoas nos perguntam por onde temos 
andado e encaramos isso como uma ofensa. Podemos estar correndo sério perigo ao 
começarmos a nos sentir com raiva nas reuniões por as pessoas não reagirem da 
maneira como gostaríamos que o fizessem. 
Rodrigo Nascimento
Realce
O hábito da escrita, na condição de primeiro hábito sadio, na recuperação. 
Rodrigo Nascimento
Nota
Logo no início, nem conhecia Narcóticos Anônimos ainda e já tinha em mente a importância da escrita, no meu processo de autoterapia, Antiadicção Ativa. 
31 
 
As ferramentas desse programa podem se tornar armas lesivas a nós mesmos quando 
as usamos de modo incorreto. Mesmo nosso programa de passos pode ser uma 
oportunidade para maltratar a nós mesmos com nossas imperfeições. Alguns dizem que 
nossos defeitos são apenas mecanismos de sobrevivência que pararam de se 
manifestar. Da mesma forma, nossas melhores ferramentas, às vezes, se desenvolvem 
a partir dos nossos piores defeitos de caráter. Oscilamos entre a auto-obsessão e o 
trabalho intenso na nossa recuperação e gradualmente vamos encontrando um 
equilíbrio entre esses extremos, desfrutando mais tempo nesse novo lugar, à medida 
que praticamos o programa. 
Quando acertamos o polegar com um martelo, nosso senso de proporção muda, e nos 
sentimos como se nosso dedo fosse enorme. Pensamos o tempo todo nesse dedo e se 
alguma coisa pode tocá-lo e machucá-lo ainda mais. O mesmo é válido para o nosso ego. 
Quando somos atingidos e machucados de alguma maneira, sentimos essa dor como 
sendo maior que a vida. Parece que toda conversa é sobre nós. Humildade é descobrir 
um senso de proporção com bases sólidas na realidade. Assim ganhamos uma 
perspectiva mais equilibrada sobre o espaço que realmente ocupamos. Descobrimos 
que não somos nem tão grandes, nem tão pequenos quanto pensamos. Somos 
importantes na vida das pessoas que nos cercam, mas isso não significa que estejam 
sempre pensando em como suas ações nos afetarão. 
A auto-obsessão está enraizada no medo. Um dos medos mais profundos que muitos de 
nós partilham é que nos perderemos inteiramente. Temos medo de nos desapegarmos 
do que sabemos sobre nós para então podermos mudar, do nosso senso de quem somos 
no mundo para podermos meditar, das nossas crenças sobre o nosso lugar nesse 
mundo, por recearmos que nunca mais nos encaixaremos em algum lugar. Não 
precisamos nos apegar e segurar com tanta tensão as coisas. Um de nossos membros 
partilhou “quando eu passo por cima, em vez de me desapegar verdadeiramente, eu 
apenas viro de cabeça para baixo”. Soltar as rédeas nos dá a liberdade para nos aprumar 
novamente, natural e gradualmente, ao contrário do que seria nos forçar a tentar ser o 
que achamos que deveríamos. 
Lutamos contra a auto-obsessão ao longo de nossas vidas. Não é um defeito do qual 
podemos nos livrar de uma vez por todas. Ele tornará a aparecer. Frequentemente será 
um sentimento que irá acionar nossa auto-obsessão. A adicção é uma doença que 
distorce ideias e atitudes. Quando praticamos a aceitação, nos distanciamos de nossas 
reações e reflexos. Isso nos capacita a enxergar o estado da arte com mais clareza em 
vez daquilo que nossa visão limitada permitiria. A oração da serenidade é uma 
ferramenta da qual nos utilizamos vezes e mais vezes na nossa recuperação: considerar 
o que podemos mudar e o que não podemos mudar se torna cada vez mais poderoso. 
 
 
 
32 
 
Conectando-nos com os outros 
 
Há dias em que realmente parece fácil nos identificarmos com os outros, nos sentirmos 
bem-vindos e dar as boas-vindas em uma reunião. Em outros momentos, tudo a que 
damos importância é o que nos separa do grupo. Quando começamos a perceber mais 
as diferenças do que apreciar o que temos em comum, é porque a bandeira vermelha 
do desconforto em nós começa a ser hasteada. Quando o foco se direciona às 
personalidades, começamos a fofocar, questionar, disputar e contribuir para a desunião 
do grupo. Quando fazemos isso, rapidamente nos tornamos autocentrados e auto-
obcecados. Quando o foco, ao contrário, se direciona à vontade de um Poder Superior 
e à transmissão da mensagem, nossas identidades crescem e florescem. O décimo passo 
nos oferece amplas oportunidades de caminhar rumo a esse desenvolvimento, nutrindo 
o crescimento que desejamos encorajar; é como podar os galhos caprichosos antes que 
encontrem terreno fértil para se desenvolver. 
Quando frequentamos regularmente as reuniões, as pessoas passam a nos conhecer e 
a nos ver com frequência. Quando um membro nos fala, “parece que você sempre se 
sente deprimido nessa época do ano”, agimos para corrigir um padrão que talvez não 
percebêssemos sozinhos. Quando alguém enxerga generosidade e gentileza, 
aprendemos que as pessoas veem bondade em nós, algo do qual não nos dávamos 
conta. Nossos companheiros espelham quem nós somos e nos mostram o tanto que 
mudamos. 
Praticar a compaixão nos ajuda a parar de nos comparar aos outros. Começamos a ver 
as ligações e semelhanças profundas que existem entre nós. Nossas tradições nos 
ensinam que somos iguais. Isso não significa quesomos a mesma coisa. Nossas 
diferenças são notórias e, às vezes, divertidas. Muitos de nós compartilharam seu 
sentimento de conforto nas primeiras reuniões por ver tantos membros diferentes 
sendo amigáveis uns com os outros. Isso contrasta intensamente com o que vivemos na 
nossa ativa. 
As coisas que nos separam no mundo lá fora não importam em NA. A doença não 
discrimina e nós devemos fazer o mesmo. Sabemos que isso é verdade, a princípio, mas 
na prática é uma luta. Alguns padrões de preconceito e discriminação estão tão 
arraigados em nós que nem mesmo nos damos conta deles. Por outro lado, se 
tivéssemos tido uma vida inteira de experiência com opressão e discriminação, 
poderíamos estar tão conscientes disso ao ponto de vermos essa manifestação onde 
nem mesmo poderia existir. 
Para alguns de nós, o processo de identificação ocorre quando encontramos alguém 
com quem compartilhamos crenças e uma história em comum. Não vivenciar isso 
imediatamente pode ser frustrante ou assustador. “Sei que funciona”, alguns de nós 
dizem, “mas não para alguém como eu”. Quando outros membros falam que nossa 
necessidade de companhia é algo exagerado, não nos sentimos bem-vindos – na 
verdade, nos sentimos ainda mais invisíveis. Entretanto, muitos de nós, a despeito do 
33 
 
desconforto, vibram com a diversidade da irmandade. Notamos primeiramente que 
precisamos ter contato com adictos que nos entendam e compartilhem da mesma, por 
exemplo, orientação sexual ou história de vida; percebemos que precisamos de mais 
membros com quem possamos compartilhar e nos identificarmos. Podemos nos 
surpreender com as histórias dos membros com os quais nos identificamos ou com 
quem nos sentimos confortáveis para conversar. 
É desconfortável quando achamos que há somente uma pessoa na reunião com a qual 
nos identificamos. Isso, no entanto, pode abrir espaço para um senso de conexão maior. 
Aprendemos a aceitar e a amar quem somos independentemente de nos identificarmos 
com os membros que nos cercam. Aprendemos a nos identificar com outros membros 
em níveis diferentes. Muitos de nós prestam atenção a quem entra pela porta e possa 
estar se sentindo assim. Em alguns grupos, esse sentimento de isolamento esteve 
presente, mas contribuiu para a formação da diversidade que caracteriza a irmandade 
hoje. Fato é que um ou dois adictos em uma reunião tornam a reunião mais segura para 
o recém-chegado. Aprendemos que o que parecia uma razão para nos isolarmos, na 
verdade, é uma ótima razão para pertencermos ao grupo; estamos capacitados de um 
modo especial para levar a mensagem ao adicto que se enxerga em nós. 
Nunca sabemos o que fará uma pessoa se sentir conectada a nós. Quando sentimos uma 
conexão baseada em nossa doença e recuperação partilhadas, as maneiras como nos 
diferenciamos tornam-se mais enriquecedoras do que limitantes. À medida que 
encontramos mais pessoas, frequentamos convenções e eventos fora da cidade e nos 
conectamos com outros membros que estão no serviço on line, por exemplo, nosso 
círculo em NA cresce, e nós encontramos pessoas que tem histórias em comum conosco. 
Mais surpreendente é que encontramos pessoas que compartilham sentimentos e até 
mesmo nosso senso de conexão e desconexão – quando antes nunca havíamos pensado 
em olhar para isso. Quando dividimos nossa experiência honestamente, damos aos 
outros a oportunidade de se relacionarem e conectarem conosco apesar das diferenças 
que pairam na superfície. 
Quando ajudamos as pessoas a ficarem limpas, algo muda em nós. Descobrimos a 
mágica, a dádiva refletida sob a forma de luz no olhar do outro. Aprendemos a sair da 
nossa auto-obsessão. Muitas das soluções para os nossos problemas, encontramo-las 
no serviço. Colhemos as recompensas dos nossos esforços contanto que voltemos. O 
adicto que ajudamos em um momento de necessidade pode muito bem ser a pessoa 
que salvará nossa vida mais tarde. 
Há muito a se dizer sobre o velho trabalho do décimo segundo passo. Podemos ficar 
confusos e nos concentrarmos somente nos membros que sabemos que recaíram. 
Podemos sentir medo das pessoas que são novas para nós. Talvez haja uma razão para 
sermos cautelosos: estaremos em perigo se usarmos. Justificamos, ao vermos o recém-
chegado, ao dizer-nos internamente, tentando nos apaziguar: “Não preciso desse drama 
todo na minha vida”; Mas quando nos protegemos do recém-chegado, não nos 
defendemos do drama, mas, sim, nos privamos de testemunhar o milagre em nossas 
vidas. Às vezes, tudo de que o recém-chegado precisa é apenas não estar sozinho. 
34 
 
Permitir a alguém que esteja conosco enquanto seguimos com nossa vida não tem 
preço. 
Nos ensinamos uns aos outros como ajudar. Só porque alguém nos ajudou não significa 
que saberemos como fazê-lo com os outros. Estar acompanhado do padrinho ao 
conversar com outro adicto concede a este a oportunidade de aprender e nos afasta da 
tentação de fazer do nosso jeito. Aprendemos a vivenciar a dor sem nos apegarmos a 
ela ou passa-la adiante. 
Vivemos e sentimos nossas emoções em extremos. Mergulhamos de peito aberto na 
vida ou nos escondemos sobre toneladas de máscaras com medo de seguir adiante. O 
preço do crescimento para muitos de nós é o despertar de novos sentimentos. É preciso 
humildade e coragem para não se fechar ao novo. Com frequência, reconhecemos que 
nosso pensamento negativo se multiplicou. Às vezes, começamos ao permitir que um 
ressentimento apodreça e, de repente, nos percebemos menos honestos. Guardar a 
verdade abre espaço para a mentira de modo que partilhar, com honestidade, se torna 
mais difícil até que tenhamos lidado com as consequências de um mal comportamento. 
Adicção e recuperação são progressivas. Raramente ficamos parados. Quase sempre 
estamos, ou melhorando, ou piorando. 
Nossas escolhas nos definem. A decisão de ter uma família nos obriga a deixar para trás 
a independência que tínhamos; a decisão de não ter família significa que devemos 
encontrar outras maneiras de nos sentirmos conectados com as pessoas, e por aí vai. A 
tradição sete nos diz que tudo tem um preço não importa o propósito. Encontramos a 
verdade profunda disso à medida que avançamos na nossa recuperação. Cada escolha 
que fazemos, boa ou ruim, significa que opções foram ou serão deixadas de lado. 
Podemos nos perceber em teias intermináveis do “e se...” à medida que começamos a 
pensar sobre nossas vidas. O quarto passo nos adverte sobre nos vermos presos ao 
sofrimento emocional. Passamos a nos ver não como éramos, mas como estamos nos 
tornando. NA nos ajuda a viver com as consequências e os benefícios de nossa 
transformação. 
Todos nós já recomeçamos nossas vidas com novas pessoas, lugares e coisas, 
começando um novo ciclo que não nos era claro ou certo. O desejo de sobreviver e de 
se sentir realizado não é algo exclusivo do adicto, mas, em recuperação, aprendemos a 
nos conectar e a trabalhar uma maneira de nos proteger. Talvez tenha que ser assim. 
Acreditar que podemos confiar no amor em nossas vidas é desafiador. Não acreditamos 
que nossas necessidades mais profundas possam ser preenchidas. Isso começa com o 
processo de reparação, com o entendimento de que podemos perdoar e sermos 
perdoados, que podemos assumir a responsabilidade por nossas ações e fazer escolhas 
melhores. 
Embora nossos destinos possam ser diferentes, nossas jornadas são bem semelhantes. 
Viajamos por muitas identidades antes de encontrarmos a autoaceitação. 
Impulsionamo-nos ao usar as ferramentas que compartilhamos. Quando nosso trem 
está descarrilhado, sabemos o lugar aonde vamos parar. Quando estamos seguindo 
35 
 
adiante ao praticar princípios espirituais, podemos ir a lugares diferentes em nossas 
vidas, mas se recaímos, terminamos no mesmo beco sem saída. Isso é o que mais 
compartilhamos: não é para onde estamos indo, mas de onde viemos e como seguimos. 
Juntos alcançamos a liberdade. Precisamos uns dos outros para chegar lá, e uma das 
coisas mais bonitas que fazemos na irmandade é apoiaro outro na busca da realização 
dos seus sonhos. Dividir nossas esperanças e sucessos é uma parte importante de se 
levar a mensagem tanto quanto partilhar nossos medos e dificuldades. Temos uma 
mensagem de esperança para levar. É uma dádiva e um compromisso. Nossos sonhos 
podem não ser comuns, mas nossa esperança, energia e nosso entusiasmo para realiza-
los, sim. Sentimo-nos inspirados pela caminhada dos outros membros. Estar presente 
na jornada de crescimento do outro nos capacita com as ferramentas e a inspiração para 
continuar a nossa. Também percebemos que podemos ficar tranquilos, seguir adiante e 
viver as vidas que estamos construindo para nós. Nossa recuperação é algo em que 
confiamos e acreditamos. Novos recomeços são sempre possíveis quando nos sentimos 
prontos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
36 
 
Capítulo 3 – Um caminho espiritual 
 
Os passos são um caminho para o crescimento espiritual. Não há separação entre uma 
parte que seja espiritual e o resto do programa. Assim como as facetas de um diamante 
não podem ser dissociadas da pedra em si, os aspectos espirituais do programa não se 
separam; eles são partes do todo. Tudo é espiritual. Isso também implica que nosso 
entendimento do que isso significa possa mudar com o tempo. 
Às vezes, pensamos nos princípios espirituais como dissociados das ações que 
precisamos empreender, mas na verdade eles estão conectados. Esses princípios nos 
propiciam a construção de uma linguagem por meio da qual desenvolvemos nossos 
valores e, por consequência, passamos a viver com base neles. Orientam a formação de 
nossas crenças e razões que embasam nossas ações. Nossa relação com eles produz o 
que se chama de ação criativa. Aprendemos dia a dia a usá-los de formas diferentes, em 
novas combinações, para melhor expressar quem somos e ajudar aos que estão à nossa 
volta. Quando os compreendemos melhor, tornamo-nos aptos a agir de modo mais 
consistente de acordo com aquilo em que acreditamos. À medida que os praticamos, 
descobrimos que isso não nos faz, de modo algum, espirituais. Em vez disso, 
despertamos para o que sempre esteve, a vida inteira, latente dentro de nós. Somos 
seres espirituais; esse é o nosso estado natural. 
 
Despertando para a nossa espiritualidade 
 
Não somos as únicas pessoas a viverem despertares espirituais, mas há um em especial 
que vivenciamos como resultado do trabalho de passos: descobrimos e nos conectamos 
com a nossa espiritualidade. Somos renovados e nos sentimos vivos no mundo que nos 
cerca. Vemos mais claramente e sentimos com maior precisão. Todavia isso não significa 
que seja algo sempre confortável. Alguns de nós acreditam que o despertar espiritual 
mais importante ocorre quando se transpõe o limite que separa o mundo exterior da 
porta da sala de recuperação de Narcóticos Anônimos e passam a sua recuperação 
tentando entender o que aconteceu. Para outros de nós, despertar, como tantas outras 
coisas em recuperação, parece ocorrer por etapas: “a névoa recuou para onde me 
permitia ver quanto dela existia”, disse um companheiro. “Cada vez que ela recua, vejo 
mais no horizonte; percebo quão grande ela era e o tanto que ainda não consigo ver. 
Com um pouco de sorte, vou seguir despertando minha vida inteira.” 
Alguns de nós despertam espiritualmente por meio da percepção de um sentimento 
poderoso, presenteado a nós por um Poder Superior. Outros dividem um reavivamento 
lento e sutil de consciência espiritual, quer tenhamos ou não vivido uma conexão com 
um Poder Superior. A descoberta de que os outros se importam conosco pode funcionar 
como esse despertar espiritual. Pela primeira vez reconhecemos nossa importância. 
37 
 
Viver de acordo com princípios nos conduz à humildade – uma consciência mais 
expandida acerca do nosso lugar no mundo e da nossa habilidade de viver em paz com 
isso. Sempre ouvimos nas reuniões “a coisa mais importante a se entender sobre um 
Poder Superior não é ele em si”. O que quer que nos custe para perceber que não somos 
o centro do universo, é válido. Podemos ser espertos o bastante para nos declararmos 
o ser supremo do universo e nossa doença autocentrada ainda nos dizer que somos 
responsáveis por muito mais do que possivelmente pudéssemos controlar. 
Quando praticamos viver em harmonia com o mundo, nos tornamos mais sábios sobre 
a escolha das batalhas nas quais queremos tomar parte. Aprendemos a identificar onde 
devemos empregar nossa energia e quando o melhor é não agir. Aprender a se afastar 
de um conflito é, às vezes, mais difícil do que não entrar em disputas de modo algum. 
Isso não significa que sempre concordamos com alguém ou com tudo, ou que, de 
repente, tenhamos perdido o poder para lutar pelos nossos direitos. Ao contrário, 
aprendemos quando seguir e quando nos retirar. Algumas batalhas são dignas de serem 
enfrentadas ainda que saibamos que não poderemos vencê-las, assim como algumas 
simplesmente não merecem nossa atenção mesmo tendo a vitória como certa. Isso é 
discernimento e vem com o tempo e a experiência. Aprendemos a ver a diferença entre 
um princípio pelo qual devemos lutar e uma opinião sobre cuja discussão é melhor 
deixar pra lá. Tornamo-nos capazes de escolher por nós mesmos quando lutar e quando 
nos render, e à medida que praticamos isso, vamos crescendo ao saber o que é certo 
para nós. 
Aprender a aceitar as coisas que não podemos mudar e agir no que é necessário e 
apropriado não é apenas parte da recuperação da adicção; é parte de um processo de 
crescimento mais amplo. Muitos de nós são como crianças grandes, ainda querendo as 
coisas à sua maneira sem consideração por nada, nem ninguém. Isso quase sempre 
significa que nossa adolescência foi difícil e dolorosa. A maturidade nos chega quando 
evocamos os princípios espirituais em vez de defeitos para lidar com a realidade. 
Incorporar princípios em nossas vidas nos permite entender a diferença entre o que é 
certo e o que é errado. Muitos dos nossos defeitos mais incapacitantes e deformadores 
se tornam qualidades e virtudes poderosas quando nos desapegamos da nossa auto-
obsessão – egocentrismo – e medo. 
Muitas vezes em nossa adicção vivemos um momento de claridade quando pudemos 
ver a verdade acerca do que havíamos nos tornado, mas essa consciência em si não foi 
capaz de nos fazer mudar. Esforço é necessário para fazer essa mudança ocorrer. Nossas 
vidas mudam porque agimos. Alguns de nós dizem que estamos “aplicando” princípios 
espirituais porque estamos agindo de um modo determinado. Outros preferem dizer 
que estão “praticando” princípios espirituais por saber que sempre é possível melhorar. 
Como quer que encaremos, ação é o que importa. 
Nossa primeira ação é nos render. Voltamo-nos para isso a cada dia. Há sempre espaço 
para avançarmos mais. Há muita liberdade em entender que sempre temos a opção de 
nos rendermos. No começo podemos nos sentir confusos e pensar que devemos nos 
render à nossa doença. Na verdade, isso foi o que a maioria de nós fez até encontrar NA. 
38 
 
Na adicção ativa, voltávamos nossa vontade para a doença todos os dias. Em 
recuperação aprendemos a nos render ao processo, ao programa, e, ao final, a um poder 
que é maior do que nós. Quando desistimos do uso, colocamo-nos inteiramente sob seu 
cuidado. Como consequência, comprometemo-nos a ser canais para a sua manifestação 
como quer que o entendamos. 
Render-se significa ter mente aberta para ver as coisas sob uma nova perspectiva tanto 
quanto para viver de uma outra forma. Quando nos abrimos para outras possibilidades 
podemos encontrar novas perguntas para as quais não tínhamos a esperança de 
respostas anteriormente. Toda vez que vemos possibilidades que não nos ocorreram 
antes, ganhamos mais liberdade. Somos livres para mudar nossas mentes, para mudar 
nossa perspectiva e nossas vidas. Liberdade significa que não estamos mais vivendo na 
omissão. Vamos percebendo cada vez mais quanta coragem precisamos ter para nos 
render. 
Vemoso milagre da recuperação em ação quando um adicto que achávamos que não 
ficaria limpo, apreende a mensagem. Vemos uma nova esperança em seus olhos. O 
contraste é tão marcante que não podemos nos furtar a ver o novo brilho em seu olhar. 
Também reconhecemos o milagre quando encontramos as palavras certas para acolher 
o sofrimento do adicto mesmo quando não temos ideia do que falar. Quando nos 
ouvimos, sentimos o poder das palavras que falamos. Sabemos que estamos sendo 
ajudados por elas da mesma forma como aqueles a quem as dirigimos. Saber que já 
temos as respostas de que precisamos é como encontrar a dádiva na soleira de nossa 
própria casa. Quando estamos passando por momentos difíceis, a melhor coisa que 
podemos fazer uns pelos outros é aceitar essa dádiva, utilizando-a como ponte para 
ajudar outros adictos. 
 
Um programa espiritual, não religioso 
 
Cada um de nós tem seu próprio caminho espiritual. À medida que nos aprofundamos 
em nossa espiritualidade, encontramo-nos em uma jornada de autodescoberta. Quando 
vivemos com consciência espiritual, encontramos harmonia com o Deus da nossa 
compreensão, com nós mesmos e com os outros. Não há uma receita simples para a 
espiritualidade. Cada um de nós encontra sua própria maneira e isso nos liberta para 
fazer escolhas de como podemos viver. Isso também, é verdade, nos cobra com a fatura 
da autoresponsabilidade. 
Não podemos fingir que espiritualidade não é algo central no programa ou no modo de 
vida de NA. Há espaço nisso para pessoas de todos os credos – inclusive os que não têm 
nenhum. O direito à nossa espiritualidade em NA é incondicional, e isso significa 
também respeitar o direito dos outros companheiros a essa dimensão. Embora seja algo 
simples, parece que gostamos de complicar isso em nossa recuperação. Qualquer 
39 
 
definição de princípios espirituais seria por demais restritiva para nós. Nossas tradições 
lembram que NA não é um lugar em que se defenda algum caminho espiritual específico. 
Encontrar uma espiritualidade que funcione para nós pode ser um dos desafios mais 
importantes que enfrentamos em recuperação. Ainda assim, sentimos medo de falar 
sobre isso. Podemos nos preocupar pensando que nos sentiremos sem lugar ou que 
incomodaremos os outros com nossa partilha. Quando estamos levando a mensagem, 
lançamos luz sobre o limite que separa nossas experiências espirituais pessoais e a 
mensagem de NA. Encontrar um equilíbrio no qual estamos abertos à experiência do 
outro sem criar a impressão de que estamos defendendo uma religião, em particular, 
pode ser uma luta para nós. 
Enquanto estamos envolvidos com alguma religião ou caminho que utiliza uma 
linguagem específica, perguntamo-nos como expressar isso de uma maneira que todos 
possam entender, sem ofender as crenças dos outros. Usamos uma linguagem mais 
geral por respeito às amplas perspectivas que a irmandade abriga, muito embora, em 
outro espaço, possamos usar uma linguagem mais adequada à nossa fé. Pode ser difícil 
achar uma maneira para conversar sobre nossa espiritualidade e ainda deixar espaço 
para que qualquer um forje seu próprio caminho. Usamos muitas palavras diferentes 
para descrever o Poder Superior. Fazemos o melhor para partilhar a profundidade da 
nossa experiência espiritual de um modo que isso possa estar disponível para todos na 
sala. 
Mais importante ainda, encontramos pessoas em quem confiamos, a quem respeitamos 
e com quem nos sentimos confortáveis para partilhar. O trabalho da recuperação não 
acontece somente nas reuniões; partilhamos e exploramos essa experiência com nosso 
padrinho, no trabalho de passos ou entre amigos em quem confiamos. É possível que 
nunca abandonemos a irmandade de NA para encontrar nossa espiritualidade, mas se é 
verdade que nossas explorações espirituais podem acontecer fora das salas, é também 
crucial entendermos que NA nos acolhe sempre de volta após essas incursões. A cada 
voo, ganhamos um novo entendimento, e novos desafios, a serem partilhados e 
trabalhados, surgem como resultado do nosso crescimento espiritual. 
Uma das coisas mais bonitas da programação é que ela funciona independente das 
nossas crenças. NA é um lugar onde todos nós podemos nos sentir bem-vindos e 
acolhidos. Mesmo quando estamos certos de que todos na sala compartilham a mesma 
fé, ainda assim precisamos ter certeza de que a mensagem de NA é clara, sem vieses 
religiosos. Não limitamos a aplicação das tradições a um tempo em que víamos um 
problema que elas pareciam resolver. Manter a mensagem clara ajuda a todos. “Quanto 
mais aprendo a partilhar minha espiritualidade na linguagem de NA, mais vejo com 
clareza as conexões entre a minha fé e o programa”, um membro partilhou. 
Quando encontramos novas maneiras de partilhar nossos insights usando uma 
linguagem comum de recuperação, nossa habilidade de levar a mensagem de NA se 
fortalece. Nossa irmandade amadurece e se desenvolve à medida que cada um de nós 
traz para a mesa seu entendimento em constante evolução; crescemos a partir das 
experiências do outro quando estamos dispostos a partilhar e ouvir com a mente aberta. 
40 
 
Muito embora isso seja absolutamente crucial para nossa recuperação, muitos de nós 
resistem em falar sobre espiritualidade porque essa conversa em geral se aproxima do 
tema religião. Há muitas razões por que nos sentimos desconfortáveis com isso. 
Primeiro, porque muitos de nós aprenderam que isso não é algo que se discuta. 
Sabemos que fé é algo profundamente pessoal. Outros de nós não conseguem conversar 
sobre isso sem tentar convencer o outro. Ainda precisamos mudar até entender que o 
programa não vai ameaçar nosso entendimento pessoal acerca de uma crença, qualquer 
que seja. Isso pode ser desafiador à medida que começamos a praticar nossa 
espiritualidade mais ativamente. 
Podemos discutir filosofia o dia inteiro e não fazer progresso algum na seara da 
espiritualidade em nossas vidas. Por outro lado, algumas das pessoas mais espirituais 
que conhecemos dizem muito pouco sobre espiritualidade. Seu exemplo de quietude 
fala mais alto que palavras. Os princípios, que compartilhamos nos passos, tradições, 
conceitos, e no resto da literatura, vão além de nos disponibilizar uma linguagem 
comum que possamos entender e com a qual possamos nos identificar. 
Dizemos incontáveis vezes que o programa é espiritual e não religioso, mas isso não 
significa que não funcione para pessoas religiosas. Alguns de nós chegam a NA com um 
alicerce bastante sólido em uma fé específica que lhes conforta. Outros encontram um 
caminho que os conduz até uma religião organizada justamente como resultado do 
trabalho de passos feito para se construir uma relação com um Poder Superior. Alguns 
de nós encontram caminhos espirituais alternativos ou consideram a espiritualidade 
descoberta no programa suficiente. Não há resposta correta sobre isso; não há um 
progresso específico que conduza em direção a uma religião organizada ou desta nos 
distancie. O que importa é aceitar que o programa é espiritual por natureza e que abriga 
um mistério. Muitos de nós dizem, mesmo após estarem, há muito limpos, que ainda 
não sabem como o programa funciona; só sabemos que funciona. Permitir-se acolher a 
possibilidade de que sempre haverá algo que não saberemos ou entenderemos significa 
que sempre haverá espaço para algo maior que nós, para ser trabalhado em nós e por 
meio de nós. 
Alguns mantiveram as crenças espirituais com as quais cresceram, mas na sua adicção 
ativa estavam na direção contrária. Muitos trabalharam tão arduamente para se 
distanciar do que suas crenças haviam sido, que a maneira como responderam a elas 
quando as ouviram se assemelha a uma alergia. Pode levar um longo tempo antes de 
sabermos porque essa linguagem nos torna tão desconfortáveis. Quando ouvimos as 
pessoas falarem sobre um Poder Superior, parece que vamos viver todos os sentimentos 
relativos a nossas antigas crenças e é natural que fiquemos nervosos. 
Podemos ter tido vivênciasnegativas ou experiências que tornaram desconfortável 
nossa relação com a religião. Pode ser desafiador encarar isso. Muitos de nós tentaram 
a religião para nos salvar da adicção e perceberam que a fé religiosa foi insuficiente para 
nos libertar. Ou, por outro lado, pode acontecer de termos uma fé religiosa consolidada 
e temermos que NA vá nos pedir para abandoná-la. Qualquer que seja nossa 
experiência, é importante que encontremos um entendimento sobre esse tema que 
41 
 
possa ajudar na nossa recuperação. Quando estamos nesse processo de entendimento, 
as opiniões dos outros podem parecer confusas ou até mesmo ameaçadoras. É 
imperativo nos concedermos tempo e espaço para que um sistema de crenças 
inteiramente nosso possa realmente surgir. 
Por outro lado, podemos evitar conversas que alguns de nós precisariam ter para 
reconciliar a recuperação com suas crenças. Um membro confessou “tenho estado em 
guerra com minha fé desde que entrei em NA. Eu ainda pratico a fé com a qual fui criado 
e me mantive ativo nela desde que fiquei limpo. Mas quando venho às reuniões e 
partilho os despertares espirituais que tenho tido, me sinto rejeitado. Deixei de seguir 
NA por um tempo, mas percebi que precisava estar aqui – então achei uma maneira de 
fazer as pazes entre o vazio que separava minhas crenças de minha recuperação”. Sem 
nos esforçarmos, arriscamo-nos a afastar as pessoas, ou limitamos nosso próprio 
entendimento das conexões entre o nosso desenvolvimento espiritual e a nossa 
experiência em recuperação. 
Crescimento espiritual pode ser uma luta, às vezes, mas isso não significa que vá 
terminar mal. Essa luta se refere a como podemos encontrar uma espiritualidade que 
pode funcionar para nós. Nossas crenças se fortalecem à medida que nosso espírito 
desperta. Quando vivenciamos nossas crenças, elas se tornam mais vivas. Para alguns, 
isso significa encontrar uma maneira de rezar que reverbere; alguns encontram outras 
maneiras de construir um contato consciente que se adeque às suas crenças. Mas a 
chave para o crescimento espiritual é que se trata de um processo que cresce, o que 
significa que ele muda e, acima de tudo, nos muda. Um membro partilhou “quando eu 
já estava limpo há cerca de 10 anos, percebi que não tinha uma relação honesta com 
Deus porque fingia não sentir raiva. Percebi que se não fosse honesto nessa relação, 
como poderia sê-lo em alguma outra, como poderia esta e minhas outras relações terem 
uma chance de serem bem-sucedidas?” Cada vez que reconhecemos uma oportunidade 
de crescimento espiritual, experimentamos um novo despertar de esperança. 
 
Uma jornada espiritual 
 
Procurar um Deus do nosso entendimento é uma experiência pessoal, mas é preciso 
saber que não estamos sozinhos nessa busca. Há uma parte que é só nossa, inteiramente 
pessoal, e inexplicável de uma maneira maravilhosa. Há momentos em que devemos 
andar sozinhos com nosso Poder Superior. À medida que estudamos as nossas tradições, 
aprendemos que nada que afete nossa recuperação pessoal é um assunto externo e que 
nossa unidade deve vir em primeiro lugar. Esses princípios espirituais não estão em 
conflito, mas talvez seja necessário prece e entendimento para conciliá-los. No décimo 
primeiro passo pedimos força e coragem para realizar a missão que Deus nos reserva. 
Nesse espírito, podemos pedir a nosso Poder Superior que nos oriente quanto às 
palavras que devemos usar para não criar separação ou desunião na irmandade. 
42 
 
Pode ser difícil expressar nossa experiência espiritual em palavras. Por falarmos de 
coisas que não podem ser vistas, a linguagem concreta às vezes parece não dar conta 
do que queremos comunicar. É preciso tempo e prática para que possamos descobrir 
nossa maneira de fazê-lo. Lutamos para encontrar as palavras a fim de descrever nossa 
experiência. Assim, a última coisa de que precisamos é de alguém para nos dizer que 
estamos fazendo errado. Ouvimos uns aos outros com a mente e o coração abertos e 
dividimos nossa experiência e entendimento com a perspectiva de que estes não 
necessariamente serão vistos como certos pelos outros. Nesse sentido, entendemos que 
é difícil para os outros partilharem sobre isso e que, às vezes, nos pedirão para sermos 
mais objetivos e não tão julgadores. 
Encontramos, cada qual, sua rendição, mas isso não significa que todos irão acreditar 
em Deus. Muitos de nós estão limpos há anos como ateus. Para alguns de nós, acreditar 
que NA pode acolher nosso ateísmo sem julgamentos tem sido uma brasa para a nossa 
fé. Somos bem-vindos não importa aquilo em que acreditemos. NA não tem opinião 
sobre como seus membros definem ou praticam cada qual sua espiritualidade. Cada 
membro da irmandade tem o desafio individual de encontrar uma definição de 
espiritualidade que faça sentido para si. Ao ouvir, cuidadosamente e com a mente 
aberta, um amplo espectro de opiniões e experiências de companheiros, conseguimos 
formar um entendimento que possamos usar em nossa recuperação. Um membro 
partilhou que “ não ouvi ninguém falando sobre ateísmo como um caminho legítimo na 
recuperação, mas aceito isso. Com a espiritualidade, fiz o mesmo que faço com outros 
aspectos da programação, separo o que me serve e o restante ponho de lado. No 
decorrer dos anos, tenho aceitado que as ideias dos outros sobre espiritualidade, ética 
e Deus são muito diferentes das minhas. Parte da força e beleza de NA é que a sala está 
aberta e disponível para todos. O que os outros denominam princípios espirituais, eu 
chamo de princípios éticos.” 
Sempre que evocados, os princípios presentes nos passos nos afastam da nossa adicção 
ativa, egocentrismo e medo. Quando ajudamos alguém que está lutando para se limpar, 
nos libertamos de nossa auto-obsessão. Quando retribuímos, afastamos nossa ganância 
e inveja. Descobrimos que nada limita as possibilidades de recuperação de um membro 
que pratica os princípios de NA, quer se denomine os princípios espirituais ou não. 
Para alguns de nós, espiritual se refere apenas ao que não é visto ou que é intangível. 
Cada um de nós tem absoluta autonomia e anonimato, qualquer que seja o conceito 
que construímos em nossa recuperação. A frase “como o entendemos” pode ser um 
obstáculo para muitos de nós. Não temos que entender ou aceitar um Poder Superior 
para viver a espiritualidade. Ninguém tem o direito de nos julgar ou nos dizer o que é 
certo ou errado. O que importa é estarmos disponíveis para ouvir e aceitar a experiência 
do outro com mente aberta, dividindo nossa experiência sem o desejo de persuadir o 
outro sobre o que é certo ou errado. O que nos mantém limpos, pode não funcionar 
para o outro. Só dividimos o que funciona para nós. 
Manter-nos com a mente aberta sobre nossas crenças e as dos outros nos liberta das 
armadilhas que criamos em nossa mente. Percebemos que a espiritualidade está 
43 
 
funcionando em nossas vidas quando fazemos a coisa certa pela razão certa. É isso que 
nosso texto básico chama de “boa vontade”. Somos capazes de ouvir nossa voz interior 
em vez do que se tagarela à nossa volta. 
Quando nos vemos presos em nossas diferenças e reservas, é fácil esquecer porque esse 
tema nos aborrece. O texto básico nos lembra que “aliviamos nossa dor por meio dos 
princípios espirituais”. Nós, adictos, sentimos a vida de modo tão intenso que a dor nos 
leva a usar drogas, mesmo sabendo que isso não vai melhorar a nossa situação. 
Privilegiamos um momento de alívio, ao usar, arcando com uma vida de sofrimento 
como consequência. Sobrevivermos à vida que levamos parece impossível quando se 
chega a Narcóticos Anônimos, mas aprendemos paulatinamente a encarar a realidade e 
a fazer as pazes com a verdade. Os princípios espirituais que praticamos ajudam a 
amenizar a dor e quanto mais os praticarmos mais perceberemos que são a chave para 
a verdadeira liberdade. Nossas vidas se tornam mais fáceis em todos os aspectos à 
medida que ficamos limpos. Com a prática da honestidade, integridade e lealdade nãoprecisamos mais perder tempo em controlar nossas histórias ou disfarçar quem somos. 
Podemos nos surpreender ao descobrir que talvez seja mais fácil viver com base nesses 
princípios. Com efeito, passamos a amar nossas vidas, encontramos alegria por 
estarmos vivos e encaramos o mundo com entusiasmo genuíno. 
Tão logo alcancemos vislumbres espirituais sobre a vontade de Deus para nós, o mesmo 
se dá com a nossa própria espiritualidade. Nossa condição espiritual está sempre 
mudando. Na maior parte das vezes, pensamos que não somos espirituais porque nosso 
contato consciente com um Poder Superior, embora ocorra, logo se perde, ou porque 
temos pensamentos ruins, ou ainda porque usamos demasiadas máscaras quando 
gostaríamos de sermos nós mesmos, mesmo após muitos anos limpos. Quando 
falhamos, não significa que não sejamos espirituais – significa que somos humanos. 
Afinal, se não falhássemos, não poderíamos praticar o décimo passo! Ser humano 
significa estar aberto para o crescimento. Vivemos espiritualmente muito antes de 
sabermos que estávamos fazendo isso. 
Espiritualidade é uma relação com a realidade. À medida que desenvolvemos uma vida 
espiritual, descobrimos que a realidade se torna menos assustadora e menos rígida. 
Aprendemos a viver com a nossa própria liberdade. Percebemos que uma mudança de 
perspectiva pode alterar por completo a maneira como entendemos nossa situação. 
Quando vivemos uma vida espiritual, nossas percepções e respostas às situações estão 
baseadas em uma relação de constante crescimento com algo que é maior que nós. A 
auto-obsessão abre espaço para a humildade. Entendemos que não somos a 
personagem principal em todas as peças que acontecem no teatro da vida, mas que 
nossa disponibilidade e esforço para apoiar pode realmente fazer diferença na vida dos 
que nos rodeiam. 
Com a evolução da nossa espiritualidade, tornamo-nos imensamente gratos por nossa 
vida e pelas pessoas que fazem parte dela. Quanto mais aptos nos tornamos para ver o 
que há de bom no mundo que nos cerca, mais gratos nos tornamos pelo poder que nos 
presenteia com essa consciência. Quando nossos corpos, mentes e espíritos estão em 
44 
 
harmonia, nossas vidas demonstram essa transformação. Somos capazes então de 
vivermos em equilíbrio. 
 
A espiritualidade como prática 
 
À medida que nosso comportamento se alinha mais com nossa crença, alcançamos um 
novo senso de quem somos. Embora tenhamos uma doença que nos requer que 
sejamos vigilantes com nossos pensamentos, podemos ver o que há de bom e de ruim 
em nós. Quando fazemos nosso inventário e praticamos “atenção às nossas ações e às 
razões que estão por trás destas”, às vezes, podemos nos sentir como se fôssemos 
definidos por nossos defeitos de caráter. As piores coisas em nós são as que parecem 
ser as mais verdadeiras. Mesmo assim, sabemos que isso não é a verdade sobre quem 
somos. É preciso tempo para que enxerguemos as coisas com a perspectiva verdadeira. 
Aprendemos que nosso espírito não é uma entidade separada de nós; ele é parte de 
quem somos. Ganhamos consciência da natureza exata do que é certo em nós. Nossas 
personalidades fragmentadas são recompostas em um todo maior e integrado. 
Integridade é um estado em que nos sentimos inteiros: nossas ações, pensamentos, 
sentimentos, ideais e valores se alinham. Leva-se muito tempo para que alcancemos 
esse ponto na caminhada. Vamos, cada vez mais, alinhando nosso comportamento com 
nossos valores e crenças em vez de alinhá-lo com nossos sentimentos e reações. 
Quando deixamos a espiritualidade fluir de modo simples por meio de nós, permitimos 
que ela seja universal, acessível a todos. No que quer que se acredite ser nosso poder 
superior, ou mesmo se não temos um, fato é que todos nós temos um espírito – uma 
luz em nosso âmago que nos impulsiona e nos torna quem somos. “Meu espírito é a 
única coisa viva em mim”, disse um membro. “Meu corpo estava sendo arrastado como 
uma presa que resiste. Nessa época achei que meu espírito estava morto, mas não – nós 
é que não estávamos nos entendendo ainda.” Recém-chegados, às vezes, se perguntam 
quando seu despertar vai chegar. Quando perguntamos, ele já começou a acontecer. 
Podemos não ser capazes de identificar o momento simples e fugaz desse despertar, 
mas sabemos que estamos vivenciando isso agora. 
À medida que afastamos a confusão que nos separa da verdade, percebemos que nossa 
luz brilha cada vez mais intensa. Essa é a beleza que encontramos nos olhos de alguém 
que alcançou isso – seja um recém-chegado ou um companheiro com bastante tempo 
limpo cujo semblante radiante preenche a sala com sua luz. Sentimos isso nas reuniões. 
Muitos de nós já tiveram a sensação de entrar em um prédio em que muitos eventos 
ocorriam simultaneamente para nos sentirmos em casa ao adentrarmos a porta de NA. 
Da mesma forma, aprendemos que encontrar a vontade de Deus para nós é apenas uma 
questão de nos colocarmos à disposição para sintonizar-se com sua energia. Quando nos 
tornamos disponíveis para a vida, com a mente aberta, a coisa correta a se fazer tende 
a se apresentar naturalmente. Deixamos de fazer esforço para procurar o que é certo. 
45 
 
Um padrinho sugeriu a um afilhado “coloque os pés no chão, ao acordar. Tome banho. 
Dirija-se a seus compromissos e os cumpra. Quando encontrar um obstáculo, vire-se 
para o lado em que há uma saída e saia.” Aprendemos a ouvir nosso inconsciente – 
aquela voz suave e calma dentro de nós que nos diz se estamos nos conduzindo na 
direção correta. A saída está onde menos esperamos e ela nos conduz pelo caminho, 
oportunidade ou milagre que, de modo algum, parecíamos buscar. 
Ação criativa é mais do que simplesmente encontrar a saída. Uma vez que tenhamos 
começado a viver, teremos infinitas escolhas sobre a direção que desejamos seguir. Isso 
começa com estarmos disponíveis para a vida, mas não termina aí. Outro membro 
partilhou “evoco meu Poder Superior a cada momento. Peço auxílio para a realização 
das minhas rotinas diárias e isso me ajuda a amá-las cada vez mais. Acredito que a 
vontade de Deus para mim é viver com gratidão, mesmo com as coisas mais ínfimas”. A 
habilidade para aceitar a vida como esta se apresenta em seus próprios termos é parte 
essencial do nosso despertar espiritual. Podemos aceitar isso ou padecer no sofrimento. 
Viver espiritualmente é reconhecer que há espaço para seguir crescendo e se 
desenvolvendo. Um membro partilhou “não é nenhum momento de insight grandioso 
ou genial. É apenas esse entendimento calmo de que não estou fazendo as coisas 
negativas que costumava fazer. Me sinto em harmonia com o mundo”. Começamos a 
experimentar consciência e empatia com os outros. Nossa confiança e força nos são 
restauradas. Nos vemos como parte de algo maior e buscamos viver em harmonia com 
isso. 
Nada disso significa que conseguiremos automaticamente o que desejamos. Nosso 
relacionamento com um poder maior do que o nosso entendimento é importante 
demais para considerarmos que ele só vibra em tempos de bonança. A vida dá e cobra. 
Não é nada pessoal. O reconhecimento do nosso despertar espiritual inclui nos 
sentirmos bem com os desdobramentos da vida embora alguns de nós não se sintam 
bem com o que lhes possa ocorrer, às vezes. Sentimos dor, medo e raiva 
frequentemente. Às vezes, ficamos confusos e pensamos que espiritualidade significa 
que devemos estar sempre felizes e conseguir o que queremos e que, se isso não 
acontece, algo está fora do lugar. Seria ótimo se assim fosse, mas recuperação não é um 
conto de fadas. Quando vivemos alguma perda ou frustração, ou ouvimos notícias de 
que não gostamos, ou provamos situações pelas quais daríamos tudo para não passar, 
isso não significa que nossa espiritualidade não esteja funcionando. Na verdade, há 
momentos que são simplesmente assim; não a sentimos muito poderosa mesmo. Com 
essa consciência, nossa resposta a esses eventos e nossa percepção do nosso papel se 
tornam mais proporcionais e apropriadas. Podemosagir diante desses fatos sem 
exagero ou omissão. Passamos a viver no momento presente. 
 
 
 
46 
 
Percorrendo o caminho 
 
Se quisermos que a relação com nosso poder superior seja útil para nós, ela deve ser 
honesta. Aprender a partilhar nosso medo, desapontamento e raiva exige coragem. 
Rezamos de variadas formas. Muitos de nós começam seu diálogo com o Poder Superior 
por preces formais, e essas podem se tornar ferramentas poderosíssimas. “Rezei a 
mesma prece todos os dias da minha recuperação”, partilhou um membro. “Realmente 
funcionou muito bem no começo. Mas agora, vinte anos depois, ganharam uma riqueza 
e significado que eu nunca poderia imaginar”. Também aprendemos a falar com nosso 
Poder Superior de maneiras menos estruturadas, compartilhando nossos sentimentos, 
esperanças, medos e ideias. 
É importante para nós nos lembrarmos de separar o que o trabalho de um passo em 
específico nos ensina daquilo que nos dizem sobre ele. Do mesmo modo, nossa relação 
com um Poder Superior, à medida que se desenvolve, pode não condizer com o modelo 
que nos foi sugerido pelos outros membros, e pode ser bem diferente inclusive do que 
algum dia imaginamos que pudesse ser. Nesse sentido, é bem parecida com nossas 
relações em geral. A intimidade não é algo pré-definido ou previsível. 
Uma das reservas que costumamos ter com um Poder Superior é que este não permitiria 
que as coisas acontecessem como de fato ocorrem; o inferno da adicção pelo qual 
passamos não pode ser criação de um Poder Superior amantíssimo. Há muitas saídas 
desse beco, aparentemente sem saída, e não nos compete encontrá-la para os outros 
membros. O que descobrimos é que nosso Poder Superior não nos poupa das 
dificuldades que devemos enfrentar na vida, mas que recebemos a graça de atravessá-
las limpos. Aprendemos a lição ao passar pelas dificuldades. Percebemos que muito das 
situações dolorosas pelas quais passamos e que gostávamos de atribuir a Deus são na 
verdade consequências de nossas próprias decisões e ações. Talvez, mais importante 
ainda, seja que essa dor, por nós vivida, pode ser transformada em uma ferramenta para 
ajudar os outros. À medida que nos recuperamos e levamos a mensagem, descobrimos 
que tudo por que passamos e que vivemos pode ser um recurso para que encontremos 
aceitação, empatia, bem como as palavras para ajudar alguém a encontrar a saída do 
seu desespero; somos impotentes diante da nossa adicção, mas com nossa rendição nos 
tornamos uma ferramenta poderosa para a transformação em seu sentido mais 
enriquecedor. 
Essa transformação para cada um de nós, de fato, começa com a rendição. Descobrimos 
cada vez mais que a aceitação da nossa impotência nos ajuda a nos libertarmos da dor 
e do sofrimento. Começamos por aceitar que somos adictos. A partir do primeiro 
momento em que admitimos nossa impotência perante a adicção, bem como que 
havíamos perdido a direção de nossas vidas, começamos a nos sentir aliviados; esse 
conforto inicial é a centelha da gratidão que vai nos guiar por nossa recuperação. 
Gratidão não é apenas um estado de ânimo. É uma ação, uma maneira de nos 
estabelecermos em relação ao mundo. Às vezes, é uma disciplina: pode dar trabalho 
47 
 
para nos mantermos nessa atitude, especialmente quando estávamos acostumados a 
ver o mundo com nossos filtros de preconceito e ressentimento. Humildade e gratidão 
andam de mãos dadas. Costumamos dizer que somos gratos pelo que quer que 
sintamos. Esse sentimento pode não vir naturalmente em um primeiro momento, mas 
quando praticamos dizer “muito obrigado” começamos a reconhecer quanto se há na 
vida para agradecer. Muitos de nós começam se despindo de suas defesas. Quando 
começamos a perceber o tanto que somos agraciados pela vida, nossos problemas já 
não nos amedrontam tanto como antes. Eles podem não ser resolvidos imediatamente, 
mas começamos a ver que nossos questionamentos em relação ao Poder Superior são 
muito menos importantes do que as recompensas que colhemos a partir da construção 
dessa relação, mesmo que não a compreendamos ou nela acreditemos inteiramente. 
Princípios espirituais parecem abstratos até que sejam praticados. Nossos valores são 
princípios que adotamos para nos guiar. Eles podem mudar com o tempo, mas quando 
os alteramos para nossa conveniência ou para agradar os outros, nós sabemos disso. 
Cometemos esse erro algumas vezes até aprendermos a reconhecer isso. Paramos de 
encenar nossos defeitos não porque estão errados, mas porque nos sentimos 
demasiadamente desconfortáveis com isso. Passamos a conviver com a maneira como 
nos sentimos. 
Com frequência agimos orientados por princípios antes mesmo de internalizá-los 
porque queremos simplesmente salvar nossas vidas. No começo, aprendemos os 
princípios pelas sugestões que nos são dadas. À medida que os integramos em nossas 
vidas, eles se tornam valores – ou seja, nós os valorizamos a tal ponto que se tornam 
parte de nós. À medida que essa prática se integra mais à nossa vida, descobrimos que 
podemos encontrar um estado em que a rigidez vai se suavizando. “Meu entendimento 
de honestidade era tão rígido”, disse um membro, “que eu não conseguia nem mesmo 
ser cauteloso para poupar os sentimentos dos outros. Um dia, me peguei em um dilema 
sobre dois padrinhos: um me chamou e confessou que havia causado um grande mal ao 
outro que, por acaso, estava em minha casa naquela ocasião. Uma honestidade crua 
com ambos teria tornado a situação ainda pior. Aprendi a equilibrar o princípio da 
honestidade com o princípio do anonimato. Desde então tenho aprendido a equilibrar 
esses princípios com bondade e compaixão também”. 
Usamos as ferramentas que associamos à espiritualidade desde o mais recente 
momento em que entramos em contato com ela; praticamos a oração e a meditação, 
vamos às reuniões, aceitamos sugestões, trabalhamos os passos. Uma vez que 
identificamos como sentimos nossa espiritualidade ou como ela se nos apresenta, 
reconhecemos que há outras coisas em nossas vidas que são espirituais. Fazer música é 
um ato de oração para alguns de nós; sair para um passeio em espaço aberto pode ser 
uma meditação. “Não sou uma pessoa religiosa de jeito nenhum”, disse um membro, 
“mas eu estava um dia em um oceano, navegando, e pude sentir minha conexão com a 
água me abraçando, com o céu acima de mim e com as pessoas na praia, senti tudo isso. 
Esse sentimento de conexão foi algo poderosíssimo”. Quando praticamos nossa gratidão 
48 
 
ao dar e dividir com os outros, começamos a sentir nossa conexão uns com os outros e 
com algo maior. 
Cada vez que sentimos essa conexão, entendemos melhor nossa espiritualidade. Nos 
vemos como parte de algo maior e procuramos viver em harmonia com isso. Quando 
atingimos essa harmonia, a liberdade que sentimos é inconfundível. Somos libertos de 
nossos sentimentos de alienação e inadequação e do medo egocêntrico que algum dia 
infectou nossos pensamentos e ações. Essa liberdade vem e vai, mas desde que 
sentimos isso pela primeira vez, a esperança nos acolhe e faz a vida parecer algo que 
não seja tão doloroso como em algum momento no passado pensamos que poderia ser. 
A adicção é uma doença dolorosa. Nossa espiritualidade não extingue a dor, mas nos dá 
a habilidade para seguir em frente e superá-la ao longo do resto de nossas vidas. 
Podemos aceitar nossos sentimentos, senti-los e continuar a jornada. Começamos a 
confiar que a dor que sentimos em certos momentos de nossas vidas não vai nos 
consumir. Começamos a confiar em nós mesmos para sentir a vida sem medo de que 
nossas emoções nos destruirão. 
Parte do aprendizado é cometer erros. Aprendemos tanto ao perder o trem quanto ao 
chegar ao lugar desejado. O inventário é o processo de voltar às nossas experiências 
para descobrir em que ponto específico estivemos vivendo em harmonia com nossos 
valores e quando isso não aconteceu. Se não fizermos o inventário pessoal, rezarmos e 
meditarmos, não saberemos se estivemos praticando os princípios em todasas áreas de 
nossas vidas; não viveremos despertos em conexão com a realidade. Os passos nos 
mantêm afinados com os princípios e com nós mesmos. À medida que melhoramos 
nisso, identificamos cada vez mais os lugares em que estamos perdidos na caminhada. 
As pequenas coisas são frequentemente as que produzem as maiores diferenças em 
nossas vidas. Do mesmo modo que uma pequena mudança em curso altera fortemente 
o destino dos navios em alto mar, pequenas mudanças na maneira como lidamos com a 
vida podem nos libertar de velhos padrões repetitivos e nos mostrar a saída para novas 
dimensões do pensar e do agir. 
Nós praticamos os princípios espirituais; testamo-nos e vemos quais os mais 
importantes para nós. Contanto que estejamos disponíveis e abertos, continuamos a 
mudar e a crescer. Nossos valores se tornam claros para nós à medida que agimos. Os 
princípios antes praticados como exercícios, ou porque nos foram sugeridos, se tornam 
parte de nós. Coisas que são profundamente difíceis no começo da nossa recuperação 
se tornam automáticas com a prática e o tempo. Podemos não nos dar conta dessa 
mudança até perdermos por um momento os novos hábitos recém adquiridos. Por 
exemplo, pode ser bem duro começar a ir a reuniões de novo quando estivemos 
afastados por um tempo. A frequência em sala, antes um hábito, agora, mais uma vez, 
requer disciplina. Fica mais fácil com a prática, como foi no início. 
À medida que vamos melhorando nossa prática da recuperação, temos menos medo de 
nós mesmos. Desenvolvemos novas habilidades e nos acostumamos à ideia de praticar 
os princípios em novas áreas de nossas vidas, mesmo quando sentimos medo. 
Entendemos que a dor pode ser um catalisador para a mudança e não apenas uma 
49 
 
ameaça ao nosso recém-descoberto equilíbrio. Por outro lado, também aprendemos 
que dor não é o mesmo que crescimento embora ela nos estimule, sim, a agir se 
quisermos encontrar alívio. Experimentamos, assim, mais disponibilidade para a ação e 
isso nos liberta. Nossa tolerância à dor diminui e impulsiona a nossa necessidade de 
mudança. 
 
Espiritualidade em ação 
 
Compreender e incorporar os passos e tradições é importante para todos nós. Mas é 
preciso que coloquemos em prática o que aprendemos. Quando nos engajamos no 
serviço desinteressado, vemos que todos os princípios que aprendemos e amamos são 
evocados e praticados. Não é fácil sair de nós mesmos, mas é precisamente isso que nos 
liberta das prisões em que nos colocamos. Às vezes, fica claro que precisamos mudar ou 
que estaremos em perigo; em outros momentos, sentimo-nos livres para ficar onde 
estamos, mas isso pode significar que estamos nos subestimando. Há muitas ações que 
podemos adotar quando precisamos mudar, mas as mais simples são as mais 
importantes. Quando damos aos outros de nós, saímos do nosso egocentrismo e 
ganhamos uma perspectiva diferente das nossas vidas. Por incrível que pareça, as coisas 
que fazemos desinteressadamente são as que mais nos produzem sentimento de 
gratificação. O serviço desinteressado é algo que fazemos para o nosso Poder Superior, 
para os nossos irmãos e para nós mesmos. Quando somos parte desse processo, vemos 
um poder maior nos usando como canais para fazer a diferença na vida das outras 
pessoas. Mesmo quando vemos isso acontecer, achamos difícil e costumamos negar 
essa realidade. 
No começo estávamos no modo sobrevivência, mas com o tempo passamos a viver uma 
vida além do que sonhàvamos. Muito embora ouçamos isso nas reuniões por anos, 
ainda é surpreendente quando nosso mundo se abre e se desdobra. Às vezes isso pode 
ser aterrador. Há momentos em que a vida se descortina diante de nós com tantas 
possibilidades que isso pode parecer estranhamente vazio. Nós que estivemos às voltas 
com más escolhas em nossa ativa por tantos anos descobrimos que muitas escolhas 
diante de nós podem nos deixar bem desconfortáveis. Precisamos encarar e resolver 
nossa resistência para assumirmos um compromisso com o programa. Podemos sentir 
medo desse salto. Não há como saber aonde ele irá nos levar. 
Podemos sentir medo de querer as coisas com tanta avidez e por isso parecermos 
egoístas ou temermos que elas nos sejam retiradas. Um membro partilhou “creio que é 
inadmissível falhar e acredito que fui um fracassado. Então para mim, não havia saída. 
Eu precisava de ferramentas para sobreviver à minha própria humanidade.” Libertar-se 
de nossas velhas ideias não é algo que alcancemos com facilidade, e de modo algum, 
isso acontece de súbito. E graças a Deus não é assim. A verdade é que, se houvesse a 
possibilidade de vivermos o processo da recuperação de uma vez só, não resistiríamos. 
50 
 
Aceitar nossa liberdade é um ato de coragem espiritual. Um membro partilhou, “no 
início da minha recuperação alguém me disse que agora eu poderia ter uma vida. Foi 
como se eu ouvisse isso pela primeira vez; o barco da vida estava passando por mim, 
mas eu não conseguia me enxergar nele. NA me fortaleceu o espírito para ser corajoso 
na vida, para vivê-la”. Nossos sonhos e desejos podem nos servir de orientação. Aquele 
“vislumbre fugaz” pode não ser para onde estamos indo, mas pode apontar o caminho 
da jornada. 
Quando nos abrimos para seguir nossos sonhos, terminamos indo além deles. Um 
membro confessou que “... tenho medo de que, se conseguir o que quero, não haverá 
mais nada a ser feito em minha recuperação”. Atingir nossos objetivos não é o fim da 
linha. Alcançar um objetivo é, com frequência, apenas o início de uma nova fase em 
nossas vidas. Muitos de nós estão acostumados a ser movidos por crises ou desastres. É 
preciso prática para aprendermos a nos motivar por outra coisa que não seja 
simplesmente a dor. Estarmos disponíveis para nos aventurarmos e agirmos porque 
sentimos que aquilo é correto exige um novo tipo de confiança. Um membro partilhou, 
“assim como luto para listar minhas qualidades no quarto passo, também o faço para 
listar meus objetivos e as coisas que aprecio agora”. Transformamos necessidade em 
desejo e obsessão em determinação. Quando colocamos abaixo nossas defesas, nossas 
resistências e aceitamos a liberdade de verdade, sentimos a beleza da jornada que 
abraçamos. 
Depois de anos em recuperação, podemos olhar para trás e ver o trabalho que fizemos 
e nos sentirmos gratos e satisfeitos – assim como igualmente pelas lacunas que ainda 
existem. Há um momento em nossas vidas em que reconhecemos quanto do trabalho 
foi feito a serviço da crença de que, se fizermos as coisas certas, conseguiremos o que 
desejamos. Quando percebemos que o que temos procurado não é contato consciente, 
mas conforto constante, ficamos em choque. Nos perguntamos se a nossa relação com 
o Poder Superior é falsa ou se nossa recuperação é uma mentira. Alguns despertares 
são dolorosos. Enxergamos com clareza e o que vemos pode ser assustador. Quando 
acordamos para a escuridão que há em nós, dói. “A primeira vez que olhei dentro de 
mim e vi de verdade as coisas que havia feito”, disse um membro em uma partilha, 
“pensei que aquilo fosse a verdade sobre quem eu era. Fiquei apavorado. Pensei que 
havia tido a oportunidade de ver toda essa graça ao meu redor para perceber apenas 
que isso não era pra mim”. 
A habilidade para mudar nossas premissas sobre o mundo é uma liberdade das mais 
importantes que temos, porque nos possibilita ver alternativas que não víamos antes. 
Disfarçamos nossa baixa autoestima com a falta de interesse pelas coisas que nos 
cercam e vemos nossas vidas como caminhos estreitos entre alternativas ruins. “Eu me 
via como um obstáculo à realização da vontade de Deus”, disse um membro. Nossa 
relação com um Poder Superior foi severamente danificada por nossa adicção, e isso 
pode ser das coisas mais difíceis de serem reformadas. 
Sabemos que indiferença ou intolerância em relação aos princípios espirituais é 
bastante perigoso. Às vezes, ainda desenvolvemos um tipo de intolerância diferente 
51 
 
depois de estarmos limpos por um tempo. Podemosconstruir um conjunto de crenças 
quando estamos em recuperação e resistir a qualquer coisa que pareça ameaçá-las ou 
questioná-las. Mas é precisamente aí que a nossa perspectiva sobre a verdade pode ser 
revista. A verdade não é o que muda; é o que sabemos e o que entendemos dela. À 
medida que nos aproximamos da verdade, entendemos que ela não pode nos machucar, 
ainda que seja dolorosa no momento. Um membro partilhou, “desapegar-me de velhas 
crenças foi tão difícil porque eu realmente não sabia com o que deveria começar”. O 
trabalho de passos pode nos ajudar com a descoberta daquilo em que acreditamos e se 
nossas crenças funcionam para nós. 
“Eu costumava me sentir envergonhado, estranho e vazio quando rezava”, outro 
membro admitiu. “Minha relação com o Deus da minha concepção me exigia 
perseverança. Tive que me manter rezando por um tempo em que não sentia nada. 
Levou muito tempo até isso se tornar natural para mim”. Manter-se tentando quando é 
difícil ou quando não se sente nada é um ato de fé. Passamos por esses dias difíceis, 
praticando uma rotina espiritual. O hábito nos conduz até o ponto em que os 
sentimentos mudam. Temos fé que a experiência de nossos companheiros de alguma 
forma nos ajudará. 
O exercício de boa vontade para começar uma relação com um Poder Superior há que 
ser recheado de determinação, mas podemos hesitar no início. Primeiro colocamos o 
dedo na água. Podemos nos perceber numa luta para rezar e meditar por um longo 
tempo antes de sentirmos que algo aconteceu, que estamos nos conectando. Um 
membro partilhou, “tentei muitas práticas diferentes por sete anos até encontrar a 
graça no lugar certo. Encontrar o caminho para a minha espiritualidade foi como 
encontrar o sapato que especialmente feito para mim”. Outro membro partilhou que 
ela era tão resistente a rezar que seu padrinho teve que recorrer a extremos: “coloque 
seu texto básico de um lado da sala, sente-se do outro lado e estenda sua mão”, disse o 
padrinho. “Pronto, você acaba de rezar”. Rezar é um ato de pedido de ajuda e conexão. 
É um ato de humildade e honestidade e, para alguns de nós, é a primeira ação humilde 
e honesta na vida. 
Podemos nos sentir mais confortáveis na velha rotina desgastada do que em uma nova 
planície com campos verdejantes. É comum não nos darmos conta de que estamos 
estagnados até permanecermos assim por um tempo, e então vermos que é difícil 
abandonarmos o lugar de conforto estéril. Precisamos estar disponíveis para sentir o 
desconforto da estagnação se não quisermos ficar paralisados. Tentar algo novo pode 
trazer uma rendição de que precisamos. Pode ser muito difícil experimentar a liberdade. 
“Como um adicto, sou uma criatura de hábito”, disse um membro. “É a terceira vez que 
vou ao mesmo restaurante e peço a mesma coisa”. Nosso conforto com hábitos torna 
mais fácil aderirmos a uma rotina. O medo de uma doença, às vezes, nos faz recuar 
diante de um passo mais arriscado. Testar novas perspectivas, crenças e experiências 
faz parte de uma vida espiritual. 
Nossas certezas podem nos manter afastados da humildade de que tão 
desesperadamente precisamos para crescer. Mente aberta é um pilar da nossa 
52 
 
recuperação e isso inclui atentar para a programação. Quando deixamos de aprender, 
estamos em perigo. Muitas vezes criamos barreiras onde holofotes eram mais 
apropriados. Quando construímos mais muros que pontes, fechamos as portas às 
possibilidades; nos trancamos em velhos modos de ver e pensar o mundo. É fácil cairmos 
nessa armadilha. Quando finalmente encontramos um pouco de alívio, tendemos a nos 
apegar a isso. Mas à medida que o alívio se transforma em alegria e gratidão, ele se 
torna mais precioso para nós. Podemos sentir tanto medo de perder o que ganhamos 
que impedimos a continuação do nosso crescimento. 
Podemos acreditar que só há uma maneira de NA funcionar e que essa é a maneira que 
funcionou para nós até aqui. Quando alguma prática ou maneira de ser que adotamos 
salvou nossas vidas, podemos evitar nos desviarmos dela. Aquele grão de areia salvou 
as nossas vidas e isso pode realmente ser útil quando estamos levando a mensagem 
também. Mas nesse limiar entre o que nos salva e o que nos impede de continuar 
crescendo, podemos nos tornar obstinados e teimosos e excluirmos membros que não 
fazem as coisas da nossa maneira. Quando pensamos que sabemos exatamente o que o 
programa tem a oferecer, não permitimos que haja espaço para que ele cresça ou para 
que nós cresçamos com ele. Pior ainda, quando chega o tempo em que precisamos de 
algo mais, convencemo-nos de que não haverá mais nada disponível em NA. Por isso 
nossa boa vontade em dividir nossa experiência em recuperação é primordial para 
ajudar os grupos que frequentamos a experimentar o mesmo crescimento e renovação 
que sentimos como indivíduos. 
Vivemos muitos começos em nossa recuperação. Aprendemos desde o início que 
podemos começar a qualquer momento. À medida que avançamos, aprendemos que 
podemos sempre começar uma nova jornada de recuperação e recomeçar sempre que 
necessário. Não precisamos deixar que nossas vidas explodam para recomeçarmos de 
novo. Podemos pensar que estamos acabados quando, de fato, estamos apenas 
começando. Quando NA nos deu tudo que pedimos, isso foi o início de uma nova história 
para nós, um novo capítulo. A conquista dos nossos objetivos é um novo começo na 
nossa jornada, e à medida que ela continua, precisamos de todas as ferramentas que 
nos forem apresentadas. Só porque já as usamos antes não significa que devamos 
guardá-las. 
 
Contato consciente 
 
 À medida que desenvolvemos mais maneiras de nos relacionarmos com o Poder 
Superior, nos beneficiamos de todas as outras relações em que nos envolvemos. Para 
alguns de nós isso nunca envolve um Poder Superior ao qual se chame por Deus: “minha 
confiança está depositada na unidade de NA”, disse um membro, “é isso que vai me 
ajudar quando eu precisar. NA me carregou quando não eu podia caminhar”. Aprender 
a rezar é um processo. A jornada em si é a própria recompensa. “Aprendi a oração da 
serenidade sem a primeira palavra, pois não acreditava nela. Quando estava 
53 
 
trabalhando o terceiro passo pela primeira vez, comecei a rezar dizendo “muito 
obrigado”. Mas na maior parte do tempo agora não se trata de “por favor” ou de 
“obrigado” ou qualquer outro tipo de diálogo padronizado. Só deixo vir o que houver de 
ser. Respiro fundo e acolho este momento tranquilo de conexão”. 
A prece nos ajuda a libertar-nos do medo e da desconfiança e a viver na fé. Não temos 
que entender esse processo para que ele funcione. Abrimos as portas para uma fé 
profunda dentro de nós que nos permita enfrentar a adversidade com serenidade. “Me 
esforço para praticar a prece a cada momento,” disse um dos membros. “Claro que falho 
todos os dias, mas a prática tem mudado minha perspectiva. Estou bem consciente de 
quão frágil e preciosa a vida é”. Em vez de perder tempo nos perguntando porque as 
coisas acontecem como acontecem, buscamos o que podemos aprender com isso”. Um 
membro partilhou, “no início da minha recuperação minhas preces eram atos 
esporádicos de desespero e rendição. Aprendi a oração como forma de praticar um 
contato consciente. Agora, penso que se posso me lembrar do meu Poder Superior no 
momento, minha vida se transforma em prece, minha sabedoria é ativada na meditação 
e eu passo a viver de acordo com a vontade do meu Poder Superior. Sou livre 
espiritualmente e estou tão mais distante da adicção ativa quanto mais próximo da 
alegria pura presente em cada momento da existência”. 
Muitos membros acreditam que o Poder Superior se comunica por meio das pessoas 
com quem entram em contato. Um membro explicou que “partilhar nas reuniões é a 
forma mais sublime de oração, porque o Poder Superior está lá – eu posso senti-lo. Eu 
preciso fingir que há alguém na minha frente e falo com Deus como se fosse com essa 
pessoa. Às vezes ela me responde o que desejo saber”. A escuta ativa é uma5 
 
Capítulo 6 – Uma nova maneira de viver..................................................................115 
 
 À medida que acumulamos algum tempo em recuperação, também ganhamos 
algum tempo no mundo. Aceitação social não é igual à recuperação, certamente, mas 
isso não significa que ambas sejam mutuamente excludentes também. Para muitos de 
nós, trata-se de algo que devemos aprender na caminhada. Nossos hábitos de trabalho 
e nossas crenças sobre o trabalho, educação, dinheiro e estabilidade mudam e crescem 
às vezes de maneiras surpreendentes à medida que ficamos por perto. Aprender a lidar 
com o sucesso e o fracasso, com o risco e a responsabilidade, com a estabilidade e a 
mudança, tudo é parte do processo que alguns de nós denominam “crescimento em 
recuperação”. 
 
Indo além da “aceitação social”...............................................................................116 
Encontrando nosso lugar no mundo........................................................................118 
Estabilidade...........................................................................................................121 
Liberando o caminho – abandonando o controle.....................................................123 
Um salto para a fé...................................................................................................127 
Compromisso.........................................................................................................129 
Educação................................................................................................................130 
Dinheiro.................................................................................................................132 
Trabalho.................................................................................................................135 
Anonimato.............................................................................................................139 
O dom da esperança...............................................................................................141 
 
Capítulo 7 – A jornada continua...............................................................................143 
 
 Desde a primeira vez que encontramos esperança, estamos em um processo 
constante de despertar espiritual que pode durar para o resto de nossas vidas se 
estivermos disponíveis. Continuar a sentir que nossa recuperação permanece viva nos 
exige que continuemos crescendo. Isolamento e complacência nos impedem de 
vivenciar a liberdade de maneiras que podemos não nos dar conta até percebermos que 
estamos presos. Generosidade espiritual é o antídoto para a solidão e a alienação. Estar 
a serviço nos liberta para vivermos nossas vidas e nos abre ao espírito de amor que nos 
cerca. Vicenciamos esperança incondicional e entendemos que não há limites para o 
6 
 
tanto que podemos ser melhores. Não importa aonde tenhamos chegado, a jornada 
continua. 
 
Despertares espirituais...........................................................................................143 
Vivendo nossos princípios.......................................................................................145 
A rendição é para a vida toda..................................................................................148 
Complacência.........................................................................................................159 
Nos separando.......................................................................................................151 
Andando com a verdade.........................................................................................154 
No serviço..............................................................................................................157 
Princípios, prática e perspectiva..............................................................................161 
Amor......................................................................................................................164 
 
Os 12 Passos de Narcóticos Anônimos.....................................................................168 
As 12 Tradições de Narcóticos Anônimos.................................................................169 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
Prefácio 
 
Nosso texto básico assegura que mais nos será revelado e nossa experiência o 
comprova. Muito se tem desvendado ao largo dos anos, desde que essas palavras foram 
escritas, e mais continua a ser em todos os dias que vivemos limpos e praticamos os 
princípios da recuperação. Crescemos como indivíduos e amadurecemos como 
irmandade. À medida que aprendemos com base em nossa experiência, passamo-la 
adiante. Isso implica que, a cada geração de recém-chegados, mais recursos estão 
disponíveis. Se isso nos fortalece ou enfraquece, depende inteiramente da capacidade 
para compreender nosso propósito primordial, bem como para praticar os princípios do 
“compartilhar, cuidar e servir”. 
Nosso maior tesouro está nos recursos construídos a partir da profundidade que decorre 
do conhecimento sobre o processo de recuperação. Compartilhamos essa preciosidade 
nas reuniões, celebrações, na pausa para o café e em nossa literatura. Mais uma vez, 
oferecemos sob a forma escrita, tanto quanto podemos, a nossa força, experiência e 
esperança coletivas. Este livro, escrito por adictos para adictos, é um retrato da nossa 
irmandade: adictos em recuperação que têm se ajudado a encarar a vida à sua maneira, 
sem o uso de drogas, por dias, meses, anos e décadas consecutivos. Pretende ser um 
presente aos recém-chegados tanto quanto pretende reacender a chama daqueles que 
estão limpos há mais tempo. Possivelmente não contém tudo que os membros sabem 
ou em que acreditam, mas reflete o que tem sido descoberto e compartilhado desde 
1982 quando nosso texto básico foi aprovado. 
O primeiro rascunho de um livro intitulado “Vivendo Limpo” foi criado em 1983, mas a 
história desse projeto remonta a um tempo ainda mais distante. Enquanto se escrevia o 
Texto Básico – Narcóticos Anônimos – alguns de nossos membros já tinham em mente 
que não se tratava da última palavra sobre como viver o programa de Narcóticos 
Anônimos. As versões criadas em 1983 e 1990 continham muitos conselhos concretos, 
sugestões e regras sobre como ficar e permanecer limpo. Mas a maioria de nós não é 
muito boa em seguir regras. Nossa experiência, às vezes, é bem diferente do que 
pensamos que seja a verdade sobre esse processo. Descobrimos que o que temos em 
comum não são as ações específicas que empreendemos, mas os princípios que 
tentamos aplicar em nossas vidas. Nos anos subsequentes, gerações de adictos ficariam 
e permaneceriam limpas usando o texto básico como guia. Essa experiência nos tem 
dado uma perspectiva sobre os princípios da recuperação como nenhuma outra. 
Sabíamos desde o início que estávamos descrevendo um problema que não guardava 
relação com nenhuma substância simples, mas ao contrário, com uma doença que, se 
não fosse tratada, matar-nos-ia. Focar em um sintoma ou substância é demasiado 
superficial no nosso caso. Assim como essa doença afeta todos os aspectos das nossas 
vidas, a recuperação também o faz: nossas relações com familiares, trabalho, 
espiritualidade – até nossos corpos – são profundamente moldados, não só pelo 
ambiente de onde viemos, mas também pelas maneiras como a tratamos. Assim como 
8 
 
as recompensas estão além dos nossos sonhos mais insanos, sabemos que o impacto da 
recuperação em nossas vidas e sobre aqueles que nos cercam está além dos limites 
imagináveis. Podemos não saber nunca o bem que fazemos somente por estarmos 
limpos e vivermos uma vida baseada em princípios da melhor maneira que 
conseguirmos. Nossa gratidão por uma vida nova nos motiva a seguir dando, vivendo e 
amando mais. 
Somos chamados a contar nossa história em NA não apenas uma, mas repetidasforma de 
meditação. Algumas das mensagens mais importantes nos são entregues por pessoas 
de quem não gostamos. Quando ouvimos com a mente aberta, a mensagem de que 
precisamos está lá. Uma das dádivas da empatia é abrir-se para ouvir a verdade do 
outro. Aprendemos a nos confortar em nós mesmos. A paz espiritual se torna o alicerce 
da nossa estabilidade emocional, e isso nos encoraja a assumir riscos. Quando 
acalmamos nossa mente, podemos captar melhor as respostas de que precisamos. 
Constantemente as respostas, em busca das quais estamos, se encontram bem à nossa 
frente. 
Em um certo sentido, o contato consciente com um Poder Superior não é diferente de 
qualquer relação. Encontrar alguém todos os dias no mesmo horário e lugar é um bom 
começo para se conhecer esta pessoa, mas para se melhorar essa relação precisamos 
estar dispostos a compartilhar e dividir nossa vida com franqueza. Intimidade é algo que 
cresce com o tempo. Quando estamos próximos a alguém em um momento difícil, 
aprendemos se podemos confiar ou não nessa pessoa. As relações que cultivamos e 
sobrevivem às dificuldades são preciosas para nós. 
Estar presente no agora e sentir-se feliz, consciente e conectado são sentimentos que 
ouvimos reiteradamente na partilha de membros quando se referem à oração e à 
meditação. A maioria de nós não sente essa sensação profunda de unidade com cada 
momento, mas só de saber que podemos sentir isso às vezes já nos traz uma sensação 
54 
 
de segurança. “O momento efêmero pelo qual anseio é o de uma paz interior que não 
se baseie em nada que está no exterior. Eu só tenho que estar disponível para 
desconstruir meu mundo o suficiente para ter essa chance”. Ainda que provemos essa 
paz só por um momento, podemos mantê-la em nossos corações à medida que 
avançamos na caminhada. Um membro partilhou: “eu estava exausto pelas palavras que 
me vinham à cabeça dizendo que eu não era bom o bastante e nada ficaria bem. Então 
em um dia de meditação eu lancei mãos sobre esses pensamentos de todos os 
instrumentos que NA me ensinou a tocar. Sabe, estamos compondo boas canções 
agora”. 
Quando percebemos que a palavra “ritual” integra a palavra “espiritual”, damo-nos 
conta de que é importante que nossa espiritualidade tenha algum tipo de expressão 
regular e rotineira. Praticar os princípios é o mesmo que praticar qualquer exercício. 
Quanto mais regular e consciente você estiver disso, mas você entende, aplica-os e se 
desenvolve. “Quando não faço minha oração matinal”, partilhou um membro, “sinto-
me desconectado, como se meu motor tivesse funcionando somente com a minha 
própria gasolina, a meio tanque”. Naturalmente, não dizemos a ninguém como, quando 
e onde rezamos. O contato consciente pode até não envolver qualquer palavra. Mas 
algum tipo de pausa regular para a reflexão é útil. “Luto para chegar aos meus 100%”, 
disse um membro. “Eu progrido bem na busca de algum objetivo e então tenho medo, 
recuo e então me censuro por não cumprir o que havia programado para mim.” A prática 
espiritual regular nos ensina a disciplina para cumprir o que planejamos. 
A habilidade para alcançar um objetivo decorre da prática diligente. Ganhar alguma 
autonomia com nossos pensamentos positivos é uma das recompensas da meditação. 
Nossa prática nos ajuda a focar e ver além da névoa que tolda a clareza do 
entendimento. Lembramo-nos então de colocar o programa em primeiro lugar e 
respeitar nossos próprios limites. Esforçamo-nos para, a cada dia, nos manter 
equilibrados espiritualmente. Às vezes, somos mais bem-sucedidos que outros 
membros da irmandade. Quando agimos movidos por amor e humildade, percebemos 
as maravilhas do que alcançamos. Paramos de ter medo de nós mesmos e encontramos 
coragem para lutar por aquilo em que acreditamos. 
Nosso compromisso com Narcóticos Anônimos pode ser a primeira promessa que 
mantemos na vida. “Eu sempre busquei liberdade sem restrições, livre de qualquer 
autoridade. A maneira como me convenci disso foi me tornando uma espécie de 
nômade. Quando você nunca fica em nenhum lugar por algum tempo, você pode fingir 
que suas escolhas não te prendem, que você não deixa nenhum rastro no mundo. Minha 
bagagem emocional estava sempre na porta de saída. NA me mostrou o caminho para 
fazer algo com o qual nunca havia concordado antes: ficar em vez de fugir.” Precisamos 
acertar as contas com nossa resistência para nos comprometermos com o programa. O 
amor incondicional que aprendemos na irmandade é uma das coisas mais sólidas que 
vivemos. A confiança que nos presenteia com a coragem para ficar, a despeito do nosso 
desconforto, é a recompensa decorrente da prática do contato com nosso Poder 
Superior. 
55 
 
Cada vez mais descobrimos que os princípios do programa guiam nossas escolhas. A 
habilidade para escolher com sabedoria se inicia quando somos capazes de ser honestos 
com nós mesmos sobre as razões e os motivos que abrigamos verdadeiramente. Às 
vezes, não fazer nada é a coisa mais espiritual que temos a fazer. Isso nos afasta de ter 
que fazer reparações depois, e nos dá tempo para procurar a orientação do nosso Poder 
Superior. Podemos sentir sem sermos engolidos por nossos sentimentos. A risada e a 
alegria podem ser tão espiritual quanto a prece e o serviço. Alguns de nós dizem que a 
iluminação começa quando nos iluminamos. 
 
Ação criativa do espírito 
 
À medida que ganhamos mais confiança na nossa espiritualidade, sentimo-nos mais 
livres para improvisar, não só em nossa prática espiritual, mas na maneira como 
vivemos. Tornamo-nos mais abertos para fazer a coisa certa e abandonar o medo. 
Saímos de uma conduta em que deixamos somente de bater o ponto para migrarmos 
ao ponto de servirmos a um poder maior que nós da melhor maneira que pudermos. 
Começamos por aceitar e seguir sugestões e, assim, progredimos ao fazer as coisas 
certas pela razão certa. Podemos parar aí – mas se nos esforçarmos, teremos a 
oportunidade de ir além do que esperávamos. Nossa experiência estabelece muito da 
nossa ambivalência sobre a espiritualidade. Nós seguimos em frente na nossa relação 
com o Poder Superior sem nos preocuparmos tanto sobre as coisas de que não sabemos 
ou não entendemos. Cada vez que uma experiência nos desperta novamente, ficamos 
mais conscientes do poder que nos toca e nos pede que despertemos para a vida. 
Grandes ou pequenos, nossos despertares estimulam nossa disponibilidade para 
praticarmos os princípios e levarmos a mensagem. O serviço muito nos ensina sobre 
nossa espiritualidade. É como mostramos nosso amor e gratidão, mas é também como 
aprendemos a vida espiritual. Quando estamos juntos e agimos em conjunto, somos 
maior do que a soma das partes, mais sábios do que nossas próprias decisões e mais 
poderosos do que imaginamos. A segunda tradição nos lembra que um Deus 
amantíssimo dirige os nossos esforços no serviço e que podemos ver isso quando os 
breves reveses ou desentendimentos por que passamos, de alguma forma, não 
interferem na missão que assumimos de levar a mensagem ao adicto que ainda sofre. 
Percebemos que o Poder Superior trabalha por meio de NA e acreditamos que, da 
mesma forma, ele pode fazê-lo por meio de nós. Um membro partilhou, “quando meu 
grupo de escolha adia uma decisão porque não temos certeza do que fazer, é comum 
decidirmos melhor depois. Aprendi a fazer isso na minha vida pessoal: quando reservo 
um tempo para rezar, decido melhor”. 
Alguns veem o serviço em NA como um espaço de treinamento: é onde se pode 
aprender a praticar princípios de aceitação e respeito mútuo. Nem sempre é de modo 
gentil, mas dividimos um propósito e um vínculo comum. Em NA somos sempre iguais e 
por isso estudantes e professores. Não importa o tempo, sempre há mais o que se 
56 
 
aprender sobre nós quando estamos envolvidos. “Servi no início apenas para me 
encaixar. Com o tempo desenvolvi um desejo genuíno de servir a Narcóticos Anônimos. 
O serviço me faz sentir bem comigo. Estou sendo útil, tenho esperança e rezo acada dia 
para que novos membros se juntem ao serviço e ajudem a levar a mensagem. Leva muito 
tempo para NA crescer. Para ver esse crescimento, tenho aprendido a ter paciência, 
esperança, a praticar a aceitação, a amar e a me comprometer. 
Podemos fazer tanto por este mundo. Uma vez que encontremos a recuperação, nossa 
adicção não mais nos limita. Somos valiosos na irmandade e fora dela. “Hoje entendo 
que sou um instrumento a serviço da vontade do meu Poder Superior. Tenho a escolha 
de me sintonizar e compor uma canção de verdade ou apenas fazer barulho. Ao aderir 
a princípios espirituais somos capazes de viver, trabalhar e aceitar as situações do 
mundo real, dentro e fora de NA. Quando trabalhamos os passos na ordem correta, 
aprendemos a aplicá-los nas situações diárias nas quais nos vemos envolvidos. Se os 
praticarmos, não precisaremos usar drogas nunca mais, e poderemos seguir 
melhorando continuamente nossa habilidade de servir e lidar com o que a vida nos 
trouxer. Admitimos que somos impotentes, pedimos ajuda, admitimos nossos erros, 
trabalhamos nossos defeitos, fizemos reparações e rezamos por uma direção 
permanentemente. À medida que aplicamos esses princípios aos nossos pensamentos 
e ações diárias, potencializamos a qualidade das nossas vidas. 
Começamos a nos resolver com o trabalho de passos como uma parte contínua de 
nossas vidas. Expor-nos, quer contando nossa história ou fazendo um inventário, nos 
ajuda a organizar o caos existente em nós. Vivemos o aprofundamento do crescimento 
espiritual cada vez que abraçamos o trabalho de um passo. Nos rendemos mais e mais, 
desapegamo-nos e confiamos no processo: a cada vez uma porta se abre dentro de nós. 
A fome que nos corroía por dentro é preenchida com a prática da oração, meditação e 
com o serviço. Os grilhões representados pelos nossos defeitos começam a ser rompidos 
e ganhamos liberdade então para vivermos plenamente. As condições estreitas que nos 
definiram algum dia deixam nosso caminho e começamos a sonhar, imaginar, criar, 
resolver problemas ou simplesmente buscar a alegria de uma vida verdadeiramente 
plena. A programação nos propicia uma fundação sólida. Podemos usá-la para alcançar 
qualquer coisa, contanto que isso esteja centrado em princípios espirituais. Aprendemos 
a confiar que os princípios de NA nos guiarão nas várias áreas de nossas vidas. 
É importante termos convicção do que fazemos. Não mudamos mais quem somos para 
nos adaptar ao que acontece ao nosso redor. Em razão desse novo senso de convicção, 
temos clareza sobre o caminho a ser seguido. “Antes de encontrar NA, eu era um 
covarde e um bajulador. Meu despertar espiritual me impeliu a ficar firme em minhas 
crenças”, partilhou um membro. Ressentimento, medo e arrogância nos alijam de nossa 
espontaneidade, criatividade e liberdade. Abrimos o canal quando começamos a agir 
com amor, sem interesses mesquinhos. Aprendemos a respeitar e amar as pessoas sem 
buscar a sua aprovação. 
Tornamo-nos membros responsáveis em nossas comunidades, levando o que 
aprendemos nas reuniões para a prática em nossas vidas. O serviço é muito importante. 
57 
 
Em outros momentos, nossos caminhos nos conduziram a sermos úteis aos outros, 
direta ou indiretamente. Um dos sentimentos mais maravilhosos é o de sentir-se parte 
da humanidade. Quando praticamos princípios espirituais, experimentamos consciência 
e empatia com os outros. A espiritualidade nos ensina a nos sentirmos humanos. Depois 
de tantos anos de isolamento, um sentimento de bem-estar nasce em nós, assegurando-
nos que estamos certos ao estarmos exatamente onde estamos. 
Praticamos esse modo de vida com nossas famílias, pessoas do trabalho e em todas as 
outras relações. Fazemos o melhor que podemos a cada dia. Às vezes melhoramos bem 
pouco ou fracassamos; mas em outras ocasiões progredimos bastante ao praticar esses 
princípios. Nosso progresso não é sempre constante, mas podemos ver que está 
funcionando ao longo do tempo. Aprendemos a viver os princípios. Começamos a dizer 
não quando algo não é correto para nós, ainda que percamos a aprovação de alguém 
nesse processo. Aprendemos a cuidar de nós e de nossas responsabilidades, bem como 
a não culpar os outros quando as coisas não ocorrem como gostaríamos. Começamos a 
ver as possibilidades de crescimento disponíveis para nós nos nossos melhores e piores 
dias. 
A liberdade da adicção ativa e a esperança nos foram dadas de graça. Não precisamos 
trabalhar para isso. Mas chega um tempo em que não há mais “só o receber”. Chega-se 
a uma encruzilhada; muitos de nós param aqui e nunca ficam sabendo o que perderam. 
Recebemos as recompensas da recuperação ao retribuir, passando adiante, por 
gratidão, o que aprendemos com o que nos foi dado e, por esperança, confiando no que 
está por vir. Dedicar amor ao serviço é viver a espiritualidade também. Primeiro 
recebemos, depois doamos e então compartilhamos. Viver plenamente é um ato de 
expressão criativa de amor dedicado ao nosso Poder Superior. Viver plenamente e 
desperto, bem como viver com honestidade sobre quem somos é uma dádiva que 
damos e que recebemos. 
Nossa conexão espiritual nos conduz a uma nova vida de alegria, completude e 
aprendizado infinitos. Descobrimos dentro de nós a paixão pela vida. Nossa experiência 
se transforma em ferramentas para a cura e chaves para a compaixão. Encontramos em 
nosso interior a luz e a beleza que nunca suspeitamos possuir. Qualquer que seja a forma 
como experimentemos o contato consciente, um sentimento de aceitação e alívio do 
tumulto, que um dia já nos povoou, parece tomar conta de nós. Os princípios de 
Narcóticos Anônimos são instrumentos para lidarmos com o que quer que a vida nos 
brinde. Buscar nosso Poder Superior nos aproxima ao máximo do desejo que nosso 
coração abriga: sentir-se amado, útil e parte de algo maior que nós. 
O alicerce espiritual que encontramos em NA nos dá a confiança para viver e apreciar a 
vida, ajudar os outros e levar a mensagem ao adicto que ainda sofre com a certeza de 
que estamos sendo guiados para estar onde é necessário que estejamos. Começamos a 
nos sentir conectados com o mundo ao nosso redor e nossa vida passa a ter propósito. 
Encontramos a coragem para seguirmos nosso coração, nossa voz interior, para 
criarmos, comprometermo-nos, explorarmos novas possibilidades e vivermos de forma 
plena e gratificante. 
58 
 
Chegamos a Narcóticos Anônimos com a esperança apenas de sobreviver e o que 
encontramos foi amor, coragem, um senso de conexão e de direção. Em toda nossa 
existência, procuramos a paz e a segurança que vivemos quando entramos em 
recuperação. À medida que buscamos a vontade do Poder Superior para nós, 
entendemos nossa missão. O despertar espiritual é um processo. Talvez seja a essência 
do processo. Nutrimos nossos despertares e então sabemos que finalmente estamos 
livres para viver com dignidade e integridade, bebendo dessa graça. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
59 
 
CAPITULO 4 – O eu físico 
 
Cada um de nós tem sua própria maneira de se enxergar na vida. Somos seres em um 
corpo, além de seres espirituais e também emocionais. Como adictos, tendemos a nos 
alienar – este sentir-se à parte, excluído – e, às vezes, a separar-nos de nós mesmos 
como se todos os pedaços que nos formam não pudessem constituir uma pessoa inteira. 
Mas quando nos concentramos no que é real, podemos começar a nos aceitar com todas 
as nossas contradições. Então todos esses pedaços que nos compõem se juntam como 
um lindo e colorido caleidoscópio mutante. Desapegamo-nos da ideia de que esses 
pedaços precisam se alinhar perfeitamente para que tudo esteja bem. Podemos então 
ver uma harmonia maravilhosa em nossas vidas somente pelo fato de estarmos 
conscientes do que está acontecendo dentro de nós – física, emocional e 
espiritualmente. 
Falamos muito sobre como nossa adicção afetou nossos corpos, mas curiosamente a 
parte física da recuperação é ignorada em umgrau impressionante. Libertamos nossas 
mentes e espíritos, transformando-os na medida da conexão com nosso Poder Superior, 
mas com nossos corpos a história pode ser outra, bem diferente por sinal. Nossas vidas, 
física, emocional e espiritualmente, estão profundamente interligadas e costumamos, 
de modo equivocado, pensar nesses aspectos como partes separadas. Não será possível 
viver com plenitude todas essas dimensões se não trabalharmos para interconectá-las e 
harmonizá-las. Se não lidarmos com o aspecto físico da nossa recuperação, corremos o 
risco de nos desconectarmos da nossa espiritualidade. 
Cuidar de nossos corpos pode ser algo desafiante. Podemos ir e vir entre nos permitir 
caminhos que parecem egoístas ou excessivos, nos punindo por isso, ou ainda empilhar 
dezenas de restrições na tentativa de controlar padrões que julgamos serem sintomas 
da nossa adicção. Depois de longas batalhas para se alcançar um comportamento 
saudável, descobrimos que o que precisamos fazer é nos render. Na imensa maioria das 
vezes, descobrimos a verdade sobre os passos em nossas vidas quando ajudamos um 
membro mais jovem na irmandade a trabalhá-los. 
Muito embora tenhamos nossas crenças sobre como deve ser a relação com o nosso 
corpo, a maioria de nós sente que não está dando a devida atenção a esse aspecto. 
Muitos membros querem nos dizer como fazer isso, mas a verdade é que adotar um 
olhar honesto sobre como nos relacionamos com o nosso corpo é algo completamente 
novo e assustador. Muitas vezes nos afastamos da liberdade que o programa tem a nos 
oferecer por não conseguirmos exercitar o desapego. Estamos conscientes da nossa 
imperfeição, mas a vemos como algo que devêssemos controlar e não a que podemos 
nos render. 
Nosso senso de humor nos possibilita extrair uma atitude positiva a partir da nossa 
autoimagem negativa. Quando somos capazes de rir de nós mesmos, algo se ilumina em 
nós. Fazemos o trabalho, mas também aprendemos a brincar e a relaxar. Passamos a 
60 
 
enxergar não somente nossos defeitos, mas também o que existe em nós que podemos 
amar. O equilíbrio em nossas vidas é algo tão dinâmico como andar em uma corda 
bamba. Para funcionar, precisamos nos mover. Estamos em movimento constante e é 
assim que também nos enxergamos. 
 
Um relacionamento 
 
Uma relação com nossos corpos é apenas isto: uma relação. Pode ser do tipo saudável 
e recompensadora ou do tipo abusivo e destrutivo. Na maioria das vezes é algo entre 
um e outro. Vivemos e crescemos, melhoramos e pioramos e vemos que o processo 
raramente é uma linha reta em uma única direção. Como qualquer outra relação, 
requer-se comunicação e responsabilidade, ou seja, prestar atenção aos nossos corpos, 
fornecendo-lhes o que é necessário, cuidando e pedindo ajuda quando se precisa. Para 
a maioria de nós, isso não é algo que aconteça naturalmente. Um membro partilhou, 
“Eu precisava aprender a tratar meu corpo como algo que não fosse meu inimigo”. 
Muito poucos de nós chegam a NA com educação e experiência sobre o que é bom para 
si. Mesmo quando sabemos mais sobre isso, ter vivido uma vida de adicto significa que 
passamos longos períodos de tempo abusando e negligenciando nossos corpos. 
Nossa relação com nossos corpos foi problemática: passamos muito tempo tentando 
escapar deles. Fomos ao extremo, não só misturando todos os tipos de drogas, passando 
por overdoses e buscando ficar cada vez mais “chapados”, mas também tendo ficado 
acordados por dias para então, na sequência, dormir quase na mesma intensidade. 
Comemos de modo bizarro e nada saudável; vendemos nossos corpos ou fizemos sexo 
de modo leviano, sem a devida proteção. Em suma, expusemos nossos corpos a estados 
de violência extremos. Nossa doença exige satisfação imediata de modo que aprender 
a cuidar de nossos corpos leva tempo, assim como o processo de cura. Podemos desejar 
que os resultados venham logo no início, mas a verdade é que eles se acumulam 
gradualmente. 
A qualidade das relações varia com o tempo. Às vezes cuidamos de nós e às vezes não. 
Às vezes confundimos aquilo que parecemos com o que somos e como somos e 
pensamos que mudar o que está fora consertará o vazio que sentimos por dentro. 
Quando não cuidamos com a devida atenção e respeito do nosso corpo, certamente 
estamos com problemas, seja de autoestima, seja por não termos noção de prioridades. 
Se não cuidamos da nossa morada, muito provavelmente não estamos igualmente 
cuidando de nossas emoções e de nosso espírito. Oscilações de humor podem 
igualmente significar problemas de ordem física. Quando percebemos mudanças na 
maneira como nos sentimos ou reagimos, vale a pena se questionar mais 
profundamente sobre o que está acontecendo e isso inclui a relação com nossos corpos. 
Alguns problemas ou mudanças na vida trazem adaptações para as nossas relações com 
nossos corpos como parar de fumar, engravidar, a chegada da menopausa, ou a simples 
61 
 
recuperação de um machucado. Assumir um trabalho que nos exige mais do que 
estávamos acostumados a dar ou trabalhar em um horário diferenciado pode realmente 
afetar como nos sentimos e como nos cuidamos. Mudanças emocionais, como o começo 
ou término de uma relação amorosa, também podem mudar a maneira como nos 
enxergamos e nos relacionamos com o nosso corpo. Se as mudanças serão para melhor 
ou pior, cabe a nós, ao final, essa decisão. 
O cuidado com nós mesmos nos encaminha para outras dimensões da liberdade, o que 
inclui, por exemplo, o aumento do nosso nível energético, da nossa autoestima, 
disciplina e a liberdade de movimento. Com isso, desenvolvemos a habilidade de agir 
em outras áreas de nossa vida. Se resistimos a mudanças maiores, muito provavelmente 
o fazemos com aspectos menores que são necessários para que aquelas aconteçam. 
Quando não estamos agindo em uma área específica da nossa recuperação, 
frequentemente isso pode ser um indicador de que uma transformação está a caminho. 
O colapso em geral precede o avanço na caminhada. 
 
Nos rendendo 
 
No terceiro passo tomamos a decisão “de entregar nossa vontade e nossas vidas aos 
cuidados de Deus como nós o concebemos”. Muitos de nós tomaram essa decisão cedo 
em suas caminhadas de recuperação, mas nosso desejo de controle se expressa de 
muitas maneiras diferentes. Não é uma decisão que tenhamos que tomar apenas uma 
vez. Cada vez que retornamos a esse passo, nossa resistência se reduz, nosso 
compromisso se fortalece e nossa habilidade de nos render aumenta. Alguns sugerem 
que estamos em um processo de rendição progressiva. Retomamos o controle e o 
abandonamos, mas, a cada vez, somos capazes de nos desligar mais desse nosso desejo 
e, a cada vez que o fazemos, uma parte rígida em nós se dissolve de uma vez por todas. 
A próxima vez em que nos dispomos a nos observar percebemos que ainda estamos 
tentando controlar aqui e ali: “Eu posso virar a página dessa parte da minha vida”, 
dizemos, “mas da outra parte preciso tomar conta”. Encontrar a linha tênue entre a 
responsabilidade pessoal e a vontade controladora é um desafio constante. Um outro 
membro partilhou que para ela, “a rendição real é render-se ao fato de que eu precisarei 
me render para o resto da vida”. É diferente para cada um de nós. De fato, para a maioria 
de nós, as respostas mudam ao longo da recuperação. 
Sentir-se bem e em casa em nossos corpos pode parecer algo que vai além dos nossos 
sonhos mais insanos. Sentimo-nos muito gordos ou magros, muito altos ou baixos, 
muito velhos ou jovens. Alguns de nós sentem que nasceram no tempo, lugar, gênero e 
cultura errados. Mal reconhecemos as pessoas que vemos no espelho ou em fotografias: 
“Não pode ser eu!” Quando algo está errado do lado de fora, precisamos olhar do lado 
de dentro para compreender as razões disso. Nosso senso de alienação surge de todas 
as maneiras. Podemos simplesmente não nos sentir confortáveis em nosso próprio 
corpo. 
62 
 
Trazemos esses problemas para a recuperação junto conosco, mas isso pode acontecerum pouco antes de percebermos sua importância. Muitos de nós compartilham nas 
reuniões que ficaram em pele e osso quando ficaram limpos; falamos menos, no 
entanto, sobre nossa resposta quando nossos corpos começam a se curar e quando 
começamos a ganhar um pouco de peso. Alguns de nós pensam que uma vez que se 
começa a ganhar peso, isso não vai parar. Podemos brincar dizendo “largamos o 
cachimbo, a latinha – enfim, tantos outros objetos que a nossa compulsão nos fez usar 
para manter nossa adicção - e pegamos o garfo”, mas nem sempre isso é divertido. 
Podemos nos sentir profundamente envergonhados e horrorizados com nosso ganho de 
peso. Alguns de nós pensam em voltar a usar para lidar com isso. Podemos ficar limpos 
e descobrir que o comportamento compulsivo – comer até vomitar, ficar horas em 
jejum, abusar de laxantes, tentar dietas radicais, usar o sexo como fuga, nos entupir de 
açúcar e outras substâncias que, embora não nos tirem a consciência, são tão viciantes 
quanto aquelas que nos destruíram, traz seus próprios problemas e sua própria carga. 
A obsessão com nosso peso pode nos conduzir de volta a comportamentos de “jogos de 
controle” com nós mesmos: nos recusamos a comer, nos exercitamos compulsivamente, 
nos punimos para nos colocar em forma. 
A substituição pode ser uma ferramenta importante para nos manter afastados das 
nossas drogas de ativa ou para nos ajudar a substituir o comportamento destrutivo, mas 
também pode criar seus próprios problemas. Padrões de comportamentos compulsivos 
alternativos ao uso de drogas geralmente surgem depois de ficarmos limpos. Muitos de 
nós descobrem que nossa relação com a comida é complicada. Talvez nunca tenhamos 
sabido como nos alimentar adequadamente. Francamente, havia coisas mais 
importantes em nossa adicção. Comíamos em horários irregulares, nos alimentávamos 
de junk food ou não comíamos de jeito nenhum. Acostumamo-nos a ficar com fome, ou 
vomitar, ou ainda, comer tanto quanto pudéssemos por medo de que não comeríamos 
nunca mais. 
Nosso folheto “auto-aceitação” nos adverte: “às vezes tropeçamos no melodrama de 
desejar ser aquilo que achávamos que deveríamos ser”. Costumamos agir como se isso 
somente se aplicasse às nossas partes que não enxergamos. Entendemos que a 
liberdade dos nossos defeitos de caráter vem por meio da aceitação de quem nós 
somos, bem como da boa vontade para permitir que um Poder Superior os remova. Mas 
quando se trata de perceber nossos problemas em relação ao nosso “ser físico”, 
costumamos abordar o problema com tentativas de nos controlar ou nos punir. Criamos 
regras rígidas e tentamos viver de acordo com elas. Agimos como se essas obsessões e 
compulsões fossem de algum modo diferentes de outras que já nos obrigaram a viver a 
dádiva da rendição. Pode ser difícil saber a diferença entre comportamentos que nós 
precisamos mudar por nós mesmos e outros que exigem rendição. Estamos no caminho 
errado quando nos apegamos a padrões irracionais e nos censuramos por não alcançar 
nossas expectativas doentes. Por outro lado, permitir-nos sermos humanos não significa 
vivermos sem limites; significa que procuramos sanidade em nossas vidas ao adotar as 
ações que podemos e entregar os resultados ao Poder Superior. É deixar fluir, não se 
intrometer. 
63 
 
Muito embora tenhamos bastante experiência em compartilhar nossas lutas com um 
Poder Superior e permitir que ele atue em nossas vidas, muitos de nós lidam com a 
relação com seus corpos como se os devessem controlar pela força de vontade. Quer 
estejamos aprendendo a nos alimentar bem – ganhando ou perdendo peso - quer 
deixando de fumar ou abandonando outros hábitos destrutivos, é comum esquecermos 
que temos um programa que nos ensina a ser livres. Em vez disso cometemos o erro 
segundo o qual “temos que nos manter sob controle”. Pode ser que nunca consigamos 
nos enxergar livres da doença da adicção, mas isso não significa que não possamos viver 
com liberdade. 
Medo de mudar é comum entre os adictos – afinal de contas, somos criaturas de hábito. 
Mas, às vezes, isso chega a extremos. Podemos nos paralisar pelo medo. Às vezes, o que 
tememos são resultados ou consequências específicas. Às vezes, experimentamos uma 
espécie de fobia crônica que se apresenta em todas as áreas de nossas vidas: evitamos 
assumir riscos a um ponto em que nossas vidas se tornam pequenas. Alguns de nós se 
afastam do prazer e de “sentir a vida”, quer porque estão com medo do futuro, quer por 
estarem com medo das memórias que podem ser despertadas. Tememos que nos 
render possa significar liberar nossos impulsos mais destrutivos. 
Alguns de nós se escondem ao não se cuidar. Abandonamos os cuidados pessoais, 
inclusive a higiene; ganhamos peso ou simplesmente nos apresentamos como alguém 
com quem não nos importamos muito. Podemos nos tornar invisíveis ou nos esconder 
da atenção dos outros ou mesmo nos afastarmos de um hábito antigo que não 
conseguimos mudar. Quando admitimos nosso medo e o fazemos honestamente, 
percebemos que as ações que empreendemos para evitar que sejamos machucados 
muitas vezes são mais destrutivas que as consequências que tanto tememos. Mas 
quando realmente nos rendemos, praticando a auto-honestidade, somos livres para ser 
tudo que somos, sem medo, sem culpa, sem reservas. Isso libera um fardo e tanto que 
carregamos. 
Começamos a sair do buraco que cavamos para nós mesmos quando reconhecemos que 
nosso comportamento não está funcionando. Começamos a praticar e adotar o hábito 
de “apreciar as pequenas coisas sobre nós mesmos: a maneira única como nos 
movemos, como nossos olhos brilham quando falamos de coisas que nos interessam, o 
calor que sentimos por estarmos conectados a um Poder Superior.” Celebramos o fato 
de que somos únicos e temos beleza para oferecer ao mundo. Somos únicos e isso 
constitui nossa maior dádiva; quando esquecemos isso, abrimos a guarda para que a 
doença volte à nossa vida. 
Quando voltamos ao costume antigo de não nos gostarmos ou nos odiar, nossa 
habilidade de amar fica prejudicada. Caímos de volta no velho sentimento de que não 
temos valor ou que estamos arrasados. À medida que entregamos ao nosso Poder 
Superior nossos defeitos de caráter e outros fardos que temos carregado, começamos 
a descobrir a verdade sobre nossa humanidade, nossa espiritualidade e nossa beleza, 
aceitando que isso é um dos trabalhos mais difíceis, mas também, mais belos que algum 
dia faremos. 
64 
 
Autoaceitação vem à medida que desenvolvemos uma relação saudável com a 
realidade. Aceitamo-la e aprendemos a aplicar a oração da serenidade, mudando o que 
podemos e deixando o restante nas mãos de um poder que nos é superior. Descobrimos 
que podemos ser felizes na nossa própria pele se estivermos dispostos a nos render – 
não no sentido antigo de nos negligenciar, mas permitindo-nos experimentar a 
liberdade por meio da ação criativa. Começamos a vivenciar nossos sentidos. O texto 
básico nos diz que somos “livres para apreciar as coisas simples da vida, como... viver 
em harmonia com a natureza”. E isso é verdade! Quando vemos as cores cambiantes 
nas folhas ou sentimos o vento em nosso rosto, sentimos a alegria de estarmos vivos. 
Encontramos a doçura no prazer que sentimos e que se havia ido há muito tempo. 
Alguns de nós descobrem que querem fazer arte; que querem se comunicar de modo 
criativo. Podemos pensar em algo mais atlético como correr, nadar ou dançar. Nos 
perdemos no momento e vemos que não precisamos pensar de modo algum, só sentir 
a dádiva do agora e sermos nós mesmos. Quando expressamos a alegria que temos ao 
viver, ela se apresenta em nossos movimentos, nosso trabalho, no brilho do nosso olhar. 
Há uma beleza em nós que transborda a soma das nossas partes. Quando permitimos 
que esse espírito brilhe por meio de nós, tornamo-nos belos não importa o que 
pensemos que possamos parecer. 
 
Sexo 
 
Perguntar em uma sala repleta de adictos como foi sua experiência com o sexo pode 
produzir algumas respostasbem estranhas. Muitos de nós lutam de alguma maneira 
com sua sexualidade. Descobrir o que é certo e errado para nós nessa área pode ser 
bem desafiante. Cada um de nós se virou com esse aspecto da vida à sua própria 
maneira. Os passos disponibilizam as ferramentas para que possamos acertar as contas 
com nosso passado e vivermos livres das associações negativas que alguns de nós 
fizeram com a sua sexualidade. Começamos por aceitar que há muito por ser descoberto 
sobre esse tema que ainda não sabemos. Ter boa vontade para ver o que está na raiz 
das visões que temos sobre a sexualidade dos outros e a nossa pode nos ajudar a 
entender nossas crenças. 
Muitos de nós se sentem muito mais confortáveis com o sexo do que com a intimidade. 
Lutamos contra problemas como autoaversão, desprezo pelos outros e abusos. 
Podemos perceber que preferiríamos ter uma relação sexual desprotegida a uma 
conversa difícil. Ter um diálogo aberto e honesto com nosso padrinho nos conduz a um 
novo nível de confiança. À medida que experimentamos intimidade em uma relação, a 
possibilidade de desenvolver essa habilidade com nossos parceiros e outras pessoas 
também aumenta. 
Algumas de nossas maiores vergonhas decorrem das coisas que fizemos no aspecto 
sexual. Nossos comportamentos passados podem refletir quão desesperados 
estávamos para conseguir e usar mais, ou eles podem ter sido o melhor que podíamos 
65 
 
fazer para encontrar amor e conexão. Abuso sexual também pode fazer parte das nossas 
histórias e pode ser um assunto absurdamente doloroso de se conversar com alguém. 
Podemos pensar que somos os únicos. Mas, pelo contrário, isso é notavelmente comum 
entre adictos. Encontrar as palavras certas – e um lugar seguro para proferi-las – pode 
ser a diferença entre ser capaz de viver conosco ou passar nossas vidas fugindo do 
passado. Examinamos nossa história no quarto passo e começamos a separar quem nós 
somos do que nos aconteceu ou do que fizemos. Curar-nos leva tempo, mas realmente 
é possível e acontece. Devemos ser pacientes conosco. Aos poucos, sentimos a 
liberdade decorrente da cura de alguns de nossos ferimentos mais dolorosos e 
profundos. À medida que se clareia mais o turbilhão da confusão e a contradição de 
nossas vidas, podemos nos mover adiante com menos do peso que trazemos em nossas 
mochilas, antes repletas de mágoas e ressentimentos com o passado. 
Lutamos em nossas relações. Membros com mais experiência sugerem que evitemos 
nos relacionar no primeiro ano e que coloquemos nossa recuperação em primeiro lugar, 
mas muito poucos de nós seguem esse sábio conselho. Começamos nossa recuperação 
sozinhos e inseguros. Estamos crus emocionalmente e nosso senso de julgamento ainda 
está bastante debilitado. Nosso ímpeto nos leva às relações e descobrimos quão 
desafiadoras elas são. Duas pessoas doentes raramente formam um casal equilibrado. 
Confundimos novidade com amor e podemos nos descobrir já em um compromisso 
antes mesmo de conhecer o outro ou temendo tanto o compromisso que mal damos 
uma chance ao nosso parceiro. Abrimos as portas da recaída quando nos pegamos em 
surtos de obsessão e compulsão. Tentamos e, às vezes, erramos. Cada erro traz uma 
dádiva e um perigo: podemos aprender com nossos erros e usá-los para nossa melhora 
ou deixar que nossa culpa e remorso nos conduza porta afora do programa. Quanto mais 
prática adquirimos ao usar os passos e outras ferramentas de recuperação, mais somos 
capazes de usar nossos erros para avançarmos na construção de nós mesmos. 
Definimo-nos em parte por nossa sexualidade. Para alguns, essa definição é a maior 
porção da identidade. Às vezes manejamos isso como uma arma para justificar o fato de 
nos sentirmos diferentes. Podemos estar mais conscientes das pessoas que não estão 
abertas para nós do que aquelas que estão. Nas salas de Narcóticos Anônimos nos 
sentimos confortáveis independentemente da nossa sexualidade. Encontramos pessoas 
que nos amam e com quem nos sentimos confortáveis não importa quais sejam nossas 
crenças sobre a sexualidade. 
Embora alguns de nós tenham chegado na irmandade seguros de sua identidade sexual, 
outros lutam com a confusão e distorções acerca das questões de gênero e orientação 
sexual. Podemos ter adotado comportamentos que eram incompatíveis com nossas 
crenças somente para continuarmos a usar ou sermos aceitos e reconhecidos pelos 
outros. Ou simplesmente buscamos sexo da mesma forma que fizemos com as drogas, 
sentindo-nos completamente sem controle ou domínio sobre esse comportamento. 
Alguns de nós viveram isso relação após relação sem nunca realmente se sentirem 
preenchidos. Muitos de nós confundiram conexão sexual com intimidade e se tornaram 
tão dissociados de seus sentimentos e desejo de conexão emocional que se 
66 
 
contentaram com uma interação apenas física. Isso pode nos acompanhar em nossa 
recuperação e nos conduzir a uma luta contra a vivência da intimidade emocional. Para 
aqueles de nós que usaram o sexo como uma maneira de lidar com o mundo, pode levar 
um tempo para descobrir a diferença entre sexualidade e intimidade. Trabalhar esses 
problemas leva tempo: confiar em nossos padrinhos e amigos próximos, boa vontade 
para desafiar nossas certezas, fé e autoaceitação, tudo isso vem com o tempo. 
O próximo capítulo abordará nossas relações com mais detalhes. Aqui, por hora, é 
importante saber que uma parte importante sobre como viver em nossos corpos é 
aprender a reconhecer a realidade da nossa sexualidade. Queremos aprender a 
expressar nossa sexualidade de maneira saudável e gratificante – algo inimaginável em 
nossa adicção ativa. 
O sexo se torna diferente quando estamos limpos. Quando não estamos anestesiados 
ou artificialmente estimulados, podemos nos sentir presentes em nossa própria 
experiência, bem como para o nosso parceiro de uma maneira bastante diferente da 
que costumávamos vivenciar. Às vezes, isso pode parecer assustador e, às vezes, pode 
ser bastante excitante. Encontrar prazer em nossa sexualidade sem pensar nisso como 
uma moeda de troca ou exercício de poder pode nos possibilitar experimentar uma 
grande liberdade; para alguns de nós, isso demora mais do que para outros. Podemos 
nos apreciar, e ao outro de modo inteiro, no momento, e aprender o que realmente é 
nos conectar. Podemos então vivenciar a intimidade. Podemos nos abrir e sermos reais. 
Não precisamos usar o outro como fazíamos com as drogas; quando tratamos os outros 
como seres humanos, encontramos nossa própria dignidade. 
 
Aventura e busca de emoção 
 
Bem depois que a obsessão do uso cessou, muitos de nós ainda procuram a “fissura” do 
uso de outras maneiras. A busca por excitação nos leva a viver vidas emocionantes 
plenas e ricas de aventura aparentemente. Não temos medo de assumir riscos e 
buscamos a oportunidade de fazer coisas que sempre quisemos. Às vezes, no entanto, 
parece simplesmente que ficamos viciados em nossa própria adrenalina. Quer seja em 
jogo, sexo, drama, podemos acelerar tão rápido que nem percebemos que estamos 
descendo uma ladeira. Podemos nos distrair com comportamentos de risco enquanto 
estamos tentando, na verdade, é preencher um vazio ou bloquear um sentimento. Cabe 
a cada um de nós encontrar um equilíbrio entre uma busca desenfreada por uma fissura 
destrutiva ou realmente viver nossas vidas na realidade plena. 
Um número surpreendente de membros são fãs de esportes radicais. Um membro que 
costuma escalar montanhas cobertas de neve disse: “Nesses momentos quando 
realmente estou no pico da vida e da morte, quando não tenho certeza de como vou 
encontrar um novo lugar para encaixar minha pisada, é quando sinto que estou presente 
no momento. Não penso nas contas, na esposa ou no trabalho, somente em como é 
67 
 
bom estar vivo e como posso me manter assim”. Alguns de nós se engajam em esportes 
competitivos ou halterofilismo e realmente se sentem muito entusiasmados sobre o que 
estão fazendo. Encontramos uma paixão e um compromisso nessasatividades que 
pareciam haver se perdido com a nossa adicção. Temos a liberdade de tentar novas 
coisas e assumir novos riscos. 
Muitos de nós gostam de motos e um impulso similar pode nos levar a pilotá-las. 
Gostamos da sensação de liberdade, tanto quanto de poder e também de nos arriscar. 
Alguns de nós dirigem seus carros em alta velocidade e partilham que o entusiasmo não 
decorre apenas de se andar rápido, mas de se sentir em fuga e transportando algo. 
Podemos pensar que isso não se aplica a nós, até nosso padrinho nos sugerir que 
tentemos obedecer às leis de trânsito por uma semana – só como uma experiência. 
Enquanto alguns de nós encontram maneiras razoáveis de continuarem perseguindo a 
fissura ao longo da recuperação, outros descobrem a necessidade de estabelecer raízes 
depois de um tempo – ou que os destroços que criaram simplesmente se tornaram 
grandes demais. 
Às vezes, sem uma válvula de escape para nossa energia, nos sentamos em nossa própria 
ansiedade. Pode ser surpreendente aprendermos que a ansiedade vem da mesma fonte 
de onde jorra o entusiasmo; é uma energia útil que podemos canalizar para coisas boas 
ou que pode ser incrivelmente destrutiva. O mesmo poder que alimenta nossos 
impulsos destrutivos pode alimentar nosso entusiasmo, criatividade e ambição; pode, 
igualmente, nos dirigir à aventura ou ao caos. Como muito do que descobrimos sobre 
nós mesmos, pode ser um ativo valioso ou um defeito com forte poder de destruição, 
dependendo de como o usarmos. 
“Quando me vejo no meu medo egocêntrico”, disse um membro, “eu assumo riscos que 
podiam me fazer perder tudo. Eu vivia no limite, embora limpo, para poder sentir outra 
coisa que não o abismo de não usar. Eu preenchia o vazio com coisas como jogo, 
compras, qualquer coisa que me fizesse sentir poderoso quando me sentisse sem poder. 
Agora que consigo me enxergar mais claramente, eu percebo que tenho que ser mais 
agressivo no tratamento da minha doença, levando sua natureza destrutiva em 
consideração”. 
Em alguns momentos, pode parecer que estamos agarrando nossa recuperação com 
ambas as mãos. Mas há momentos em que nós escavamos, tentando buscá-la, por meio 
de uma obsessão para usar. Por vezes, há momentos em que o medo da nossa doença 
nos leva a um colapso ou a uma resistência à mudança ou ainda medo de uma novidade 
porque qualquer coisa que nos tire da rotina pode nos pôr em risco. É assim que 
pensamos. Para alguns de nós, no entanto, se render e se entregar pode ser mais 
dramático ainda. Mas a recuperação nem sempre é sobre se esquivar: quando sabemos 
que nossas vidas estão aos cuidados de um Poder Superior, que é amantíssimo e maior 
do que nós, somos capazes de nos render e nos entregar. Alguns de nós expressam isso 
literalmente, indo saltar de paraquedas ou de bungee jumping para se divertir. 
Começamos a experimentar a vida como uma aventura e a aplicar o princípio da boa 
vontade em outras áreas de nossa existência. 
68 
 
 
Bem-estar e saúde 
 
A vida é uma aventura e somos capazes de ir além e vivenciar muito mais do que algum 
dia sonhamos. Somos capazes de viver além dos muros que nos impusemos quando nos 
rendemos aos limites reais que se encontravam diante de nós. Outra porta se abre toda 
vez que uma se fecha: com autoaceitação vem a boa vontade para explorar novas 
direções com o uso da nossa criatividade. Muitos de nós se arrependem do tempo ou 
habilidades perdidas, mas quando realmente nos propomos a iniciar nossa jornada de 
exploração com a mente aberta, descobrimos que temos outras opções que talvez 
nunca houvéssemos considerado. 
Tivemos uma relação difícil com a palavra “deveríamos”. Temos passado muito tempo 
da vida nos rebelando contra as coisas que os outros esperam de nós, mas quando 
ficamos limpos descobrimos que temos longas listas de coisas que pensamos que 
“deveríamos” fazer ou estar fazendo. A paranoia do “deveria” é tão grande que não 
importa o que estejamos fazendo, parece que está errado. Nossas expectativas sobre 
nós mesmos podem ser tão esmagadoras que chegam a nos mutilar às vezes. Uma parte 
importante de se desenvolver novos hábitos que sejamos capazes de sustentar é 
encontrar razões mais apropriadas para as atividades que desejamos realizar em vez do 
velho bordão “eu deveria estar fazendo isso ou aquilo”. É muito mais provável que os 
comportamentos gratificantes se incorporem em nossas vidas quando aplicamos o 
princípio da ação criativa na busca de novos hábitos ao contrário de assumirmos algo 
porque imaginávamos que aquilo era o que “deveríamos estar fazendo”. É bem verdade 
que teremos que persistir um pouco antes de encontrarmos as recompensas. Quer seja 
a paz que encontramos ao fazer atividade física ou a gratificação de ver nosso 
desenvolvimento, quer seja a melhora de alguma habilidade, sentimo-nos satisfeitos em 
saber que somos capazes de manter um compromisso que assumimos com nós mesmos. 
Para alguns de nós, a atividade física é algo que fazemos apenas para cuidar de nossa 
saúde. Mas para outros, é algo mais. “Quando estou correndo”, disse um membro, “eu 
capto um sentido do que seja rezar. Minha mente se torna clara”. Encontrar uma 
conexão espiritual no exercício físico é mais fácil para alguns de nós do que na meditação 
em alguma posição parada. A atividade física é mais fácil de se fazer quando é parte da 
nossa prática espiritual do que quando se trata simplesmente de fazer o que 
“deveríamos” fazer. 
Alguns de nós encaram o autocuidado como um aspecto permanente do processo de 
reparação. Começamos por não nos engajar em nenhum ato de abuso contra nós 
mesmos e, gradualmente, aprendemos a tratar nosso corpo, mente e espírito com 
dignidade e respeito. Quando cuidamos do nosso bem-estar como de um amigo 
querido, começamos a nos sentir diferentes sobre quem somos e sobre quem podemos 
nos tornar. Mudamos do “eu deveria” ou do “eu tenho que” para “eu faço” e 
descobrimos que cuidar de nós não é uma tarefa; é um privilégio. Quando nos tratamos 
69 
 
com compaixão, aprendemos a nos valorizar. Nos exercitar diariamente pode ser uma 
maneira de agir com respeito próprio e construir uma relação diferente com nossos 
corpos. Podemos nos desapegar do nosso tumulto emocional sobre o que parecemos 
ou pensamos que parecemos e começarmos a nos amar como somos. Somos capazes 
de andar com dignidade e tratar os outros com respeito. Começamos por nos enxergar 
com um senso de unidade: abandonamos a ideia de que nossos corpos estão separados 
de nossos espíritos ou de nós mesmos. 
Nos sentimos renovados e recuperados fisicamente e percebemos que somos capazes 
de nos levar além dos limites que havíamos nos imposto. Estabelecer objetivos físicos 
para nós e alcançá-los nos traz imensas recompensas. À medida que experimentamos a 
liberdade de nossa doença por meio da prática dos princípios do programa, aprendemos 
que disciplina é, na verdade, uma parte essencial da liberdade: ganhamos liberdade para 
buscar nossos sonhos e fazemos isso estabelecendo e alcançando um objetivo de cada 
vez. 
Podemos resistir em cumprir as metas estabelecidas para se alcançar um objetivo, bem 
como em nos tornar “demasiado saudáveis”. Nos afastamos de tudo que podemos ser, 
seja porque sentimos que não merecemos, seja por medo da mudança que isso nos 
acarretará. Às vezes, precisamos rezar pela boa vontade e isso pode iniciar o processo 
de mudança. Um simples ato de preparar uma refeição balanceada pode ser o começo 
de algo maior; à medida que incorporamos padrões saudáveis em nossas vidas, 
começamos a nos sentir renovados, restaurados e aptos a estabelecer novos objetivos. 
Pode levar um longo tempo para se abandonar a crença segundo a qual, de alguma 
forma, as regras simples da vida não se aplicam a nós, desde o limite de velocidade às 
leis da física. Por haver cortejado a morte por tanto tempo, alguns de nós pensam que 
são imunes a ela. Muito embora estejamos mais conscientes, o poderoso senso de que 
estávamos fazendo a coisa certa - aindaque isso fosse usar drogas - e que nos 
automatizou em fazer o que nos era exigido para manter esse hábito, não desaparece 
imediatamente. Ademais, muitos de nós se confundem com o sentimento de que, por 
estarmos limpos, o mundo deveria celebrar esse triunfo e nos conceder, por 
consequência, o que queremos. 
Para alguns, esse falso sentimento é tão profundo que produz uma percepção distorcida 
segundo a qual cuidar de si não parece uma responsabilidade e, sim, uma obrigação que 
compete aos outros. Nossa literatura sugere que “por nossa inabilidade em aceitar 
responsabilidades pessoais, criamos nossos problemas”. Conversar com o padrinho ou 
madrinha em busca desse entendimento é fundamental. Então perguntamos a eles 
“quais são nossas responsabilidades e quais não são? Quando olhamos para isso, 
podemos descobrir que nos sentimos mais responsáveis pelos outros que por nós 
mesmos. Aprender a nos cuidar é parte fundamental do processo de responsabilização 
que passamos a assumir por nossa vida e isso pode se mostrar surpreendentemente 
difícil. 
70 
 
Um de nossos membros veteranos costumava partilhar que “não há nada mais triste 
que um adicto com alta tolerância à dor”, e a verdade é que muitos de nós lutamos 
contra isso. Alguns de nós suportaram muita dor física e abusos; muitos de nós 
suportaram terríveis sofrimentos emocionais. Faz sentido que o adicto seja um sujeito 
do tipo durão. A resiliência parece trazer sua própria recompensa e isso certamente é 
uma habilidade de sobrevivência que não estamos dispostos a abandonar. Para muitos 
de nós, essa tenacidade é parte da nossa identidade, tanto em termos de como nos 
enxergamos como em termos de como queremos que o mundo nos conheça. Qual seria 
o problema, afinal de contas, com o fato de sermos capazes de suportar tanto? 
 A resposta é a questão essencial. Quando vemos um adicto na ativa com alta tolerância 
à dor indo para o buraco, podemos ver quão desnecessário é esse sofrimento. Mas em 
nossas vidas podemos não perceber quando estamos fazendo a mesma coisa. À medida 
que trabalhamos os passos, vemos que toleramos bem mais do que precisávamos e 
provavelmente mais do que é saudavelmente aceitável. Um membro partilhou que “não 
vivo mais como um animal, mas quando ignoro a dor que persiste em meu corpo e 
desejo que ela vá embora, isso ainda representa uma forma de sofrimento 
desnecessário”. Aprender que as regras realmente se aplicam a nós significa que, 
quando algo está errado, paramos para olhar com atenção o problema. 
Ser um bom governante do nosso corpo significa aceitar que ele precisa de cuidado e 
manutenção. À medida que nos recuperamos, muitos de nós descobrem que adquirem 
uma nova importância na vida de suas famílias. Desenvolvemos amizades profundas; 
nos tornamos úteis em nosso trabalho e nossas comunidades. Onde antes éramos um 
fardo, agora somos importantes para os outros. Fazemos diferença! Ao não cuidar de 
nós e vivermos de modo destrutivo, descobrimos que a velha mentira “o mal que faço 
é apenas a mim mesmo” é um disfarce para o sentimento de “fracasso”. Para as pessoas 
que se importam conosco, não nos cuidarmos é, no mínimo, frustrante. É muito comum 
que essas pessoas se vejam, mais uma vez, cuidando de nós. Cuidar-nos é um ato de 
reparação não somente conosco, mas também com as pessoas que nos amam e com 
nosso Poder Superior. É uma maneira de demonstrar gratidão por estarmos vivos. 
 
Doença 
 
Muitos de nós sofrem de doenças decorrentes da adicção. Algumas podem ser 
consequência direta de nossa adicção ou de coisas que aconteceram enquanto 
usávamos drogas. Outras podem não ter nada a ver com a nossa doença, mas impactam 
em nossa recuperação. Às vezes, parece que elas tomam conta de nossas vidas inteiras. 
Aprender a usar as ferramentas que NA nos oferece para lidar com nossos outros 
desafios faz parte de viver a vida como ela é. 
Quando sofremos ou vemos alguém sofrendo, queremos entender isso e, portanto, 
buscamos uma explicação. Mas um impulso positivo pode se transformar em algo 
71 
 
negativo. Assim, queremos uma explicação, mas terminamos por julgar ou culpar o 
outro. Constantemente, nos momentos em que mais precisamos de carinho e conforto, 
ficamos com raiva de nós mesmos, de nosso Poder Superior, de qualquer coisa. 
Afastamos aquilo de que mais precisamos. Fantasias sobre o que é e o que não é “justo” 
tendem a nos manter no ressentimento e na autopiedade. Às vezes, tentamos apoiar 
nossos companheiros na tentativa de encontrarem uma explicação e sentimos que 
estamos apenas contribuindo para que mais culpa se amontoe. Então podemos mudar 
a perspectiva aos poucos e olhar para a lição em vez de buscar uma explicação. Talvez o 
que precisemos seja apenas colocar os questionamentos de lado e viver o dia. 
Quando algo se passa com nossa saúde, temos a opção de aceitar e lidar com isso ou 
fingir que nada está acontecendo. Grande parte do tempo que escolhemos negligenciar 
o que sabemos ser verdade é porque sentimos medo ou porque não queremos nos 
incomodar com isso. Para alguns de nós, o medo de ser submetido a tratamento médico 
é compreensível, especialmente se isso traz a possibilidade de se usar alguma 
medicação. Avaliar os riscos e benefícios não é fácil. Encontrar um médico em quem 
possamos confiar torna o processo mais tranquilo. Aos poucos passamos a considerar 
que não cuidar do problema pode piorar as coisas. Entregar nas mãos de um Poder 
Superior o que está além de nossas capacidades de resolver não é o mesmo que ignorar. 
Quando agimos e deixamos os resultados a cargo de um poder maior que nós, nós 
estamos nos rendendo. Entretanto, quando não assumimos a responsabilidade, mas 
esperamos por uma resposta mágica, não estamos trabalhando o terceiro passo; 
estamos sendo irresponsáveis. Fé não é o mesmo que um desejar superficial. 
Há uma diferença entre negação e recusa. Quando estamos na negação, não temos 
consciência de que estamos. O fato pode ser evidente, mas não o vemos. Quando 
finalmente dizemos “estou negando os fatos”, isso já não é mais verdade, pois nesse 
momento, fazemos uma escolha consciente de aceitar o que é real ou de não mais 
fingirmos ou nos iludir. Quando nos recusamos a admitir a verdade, estamos em perigo. 
A rebeldia pode ser fatal. “O agir como se” é uma ferramenta que podemos usar para o 
bem e para o mal. 
O medo que nos impede de seguir caminhando pode ser proveniente de muitas causas. 
As opiniões de outras pessoas sobre nós ainda podem ser importantes o bastante para 
que arrisquemos nossas vidas por isso; o estigma da doença, quer venha da reação da 
sociedade na maioria das vezes, de nossos entes queridos ou mesmo de nossos 
companheiros de NA, pode nos afastar da procura por um tratamento. Nosso próprio 
senso de julgamento e medo também pode nos surpreender. No início da recuperação, 
aprendemos algo sobre projeção: o que realmente nos incomoda nos outros 
provavelmente é o que precisamos trabalhar em nós. Da mesma forma ocorre com este 
medo: o que imaginamos que os outros podem estar dizendo sobre nós é muito 
provavelmente aquilo em que nós mesmos estamos pensando. Podemos precisar agir 
muito antes de nos julgarmos prontos com essa questão. 
Podemos ficar surpresos ao perceber, por exemplo, como um problema dentário pode 
nos conduzir ao sexto ou sétimo passos novamente. Mas quando reconhecemos que 
72 
 
nosso medo tem impedido que nos cuidemos, identificamos o trabalho que precisamos 
fazer. Às vezes isso nos ajuda a olhar para a ação que precisamos empreender como 
parte do processo de reparação; estamos lidando com os destroços do nosso passado. 
Um membro partilhou, “gastei uma parte do meu segundo ano de recuperação 
consertando meu dente e percebi que muitos outros faziam a mesma coisa. Isso deu 
uma tremenda aumentada na minha autoestima e constituiu uma reparação importante 
com meu corpo”. Isso pode ajudar na relação com o décimo passo ao se abordar o que 
está errado no momento presente. Alguns de nóssentiram que criaram seus próprios 
problemas de saúde como resultado da adicção e que esse quinhão lhes pertence. O 
texto básico diz que embora não sejamos responsáveis por nossa adicção, somos 
responsáveis pela nossa recuperação; isso nos leva a crer que isso se aplica tanto a nosso 
corpo quanto a nosso espírito. 
Podemos sentir verdadeiramente medo de ficarmos doentes. Se é um diagnóstico 
particular ou uma ideia geral de que “há algo de errado conosco”, isso pode ser um tipo 
de impotência que não estamos de modo algum prontos para aceitar. Podemos temer 
que nossos problemas de saúde nos gerarão incerteza em nossas finanças, carreiras e 
famílias: ou que a medicação poderá colocar nossa recuperação em risco. O medo que 
sentimos de algo, até aqui fora do nosso controle, pode ser surpreendente para pessoas 
que assumiram tantos riscos inconsequentes em suas vidas. As percepções, às vezes, 
são bem diferentes e sem sentido. O medo nos dá a chance de agir com coragem. 
Podemos, às vezes, não nos sentir muito corajosos, mesmo quando lutamos, encarando 
o que está errado e lidando com tudo da melhor maneira que podemos; mas é nesses 
momentos que, ao seguirmos a programação, servimos como canais poderosos para o 
que poderia parecer impossível. Demonstramos nossa firmeza de caráter. 
Quando usamos as ferramentas que o programa nos disponibiliza – pedindo ajuda ao 
nosso padrinho e procurando a experiência, força e esperança dos outros, permitindo 
que nosso grupo de escolha nos apoie, bem como recorrendo ao “Em tempos de 
doença” e outras literaturas de NA – somos capazes de tomar decisões com as quais nos 
sentimos confortáveis e, assim, agimos na direção correta. Esses são momentos que 
definem nossa recuperação. 
Podemos começar por barganhar com Deus, prometendo toda sorte de coisas se ele, 
como em um passe de mágica, retirar o que nos incomoda. Esse tipo de ardil não é 
incomum, mas é perigoso e completamente inútil. Quando negociamos promessas e 
expectativas em nossas preces, estamos preparando o terreno para a crise espiritual. O 
Poder Superior não é uma máquina de refrigerantes. Quando aceitamos a vida como ela 
é, entendemos que os termos que a vida nos oferece são inegociáveis. Ela é soberana. 
Milagres, no entanto, acontecem a todo momento à nossa volta. O próprio fato de 
estarmos limpos para encarar esse desafio é um milagre e mais está sendo revelado a 
todo instante se prestarmos atenção. Gratidão pode ser aquilo de que mais precisamos 
quando isso se torna o mais difícil de sentirmos. Procurar as razões pelas quais podemos 
sentir gratidão em um momento de crise pode fazer toda a diferença. Mas exigir 
73 
 
milagres não costuma funcionar bem. Agimos, sim, mas os resultados não estão em 
nossas mãos. 
Render-se em momentos de doença pode significar muitas coisas diferentes. Rendemo-
nos ao processo, à nossa mortalidade e à possibilidade de sobrevivência. Nesse caso, 
render-se não significa desistir. Um membro passando por uma doença de longa 
duração disse, “tem sido bastante fácil me render à ideia de que posso vir a morrer. Por 
outro lado, foi um tipo diferente de rendição me abrir para o fato de que deveria lutar 
por minha vida”. 
Não há um padrão ou modelo de recuperação para quem é adicto, uma maneira certa 
de fazer as coisas. Alguns de nós, ao se olharem honestamente, realmente não 
pretendem viver tanto tempo. Pode parecer esquisito, mas é verdade. Longevidade não 
é um objetivo ou um bem universal. Alguns de nós fazem escolhas sabendo que isso vai 
diminuir seu tempo de vida. Podemos escolher fumar; comer de uma maneira que é 
prejudicial à nossa saúde ou nos recusar algum tratamento de que precisamos. Um 
membro cujos pais passavam por dificuldades devido à idade avançada disse, “não vou 
fazer minha filha passar por isso. Amo minha vida e não vou seguir pedindo ajuda até o 
fim”. Podemos nos surpreender com algumas decisões que tomamos, ou com a força 
dos nossos sentimentos sobre elas. Essas decisões são profundamente pessoais e as 
tomamos de acordo com nossos valores. Queremos estar certos de que agimos de 
acordo com nossas crenças, sem alimentar as reservas que poderiam nos levar de volta 
ao uso. Cada um de nós encontra um equilíbrio com o qual possa viver que vai do 
cuidado excessivo e perfeccionista à negligência destrutiva. Quaisquer que sejam as 
escolhas que façamos, o que importa é sabermos que elas são nossas, que nós as 
fazemos, que entendamos que temos escolha e que possamos considerar isso de um 
modo honesto e aberto. 
Estamos sempre em um caminho permanente entre a saúde e a doença, entre a ação e 
o desejo, entre viver de acordo com nossas crenças e traí-las. Recorremos às 
ferramentas do programa vezes e mais vezes a fim de encontrar essa sintonia, esse 
equilíbrio, de sorte que possamos viver uma vida com a qual nos sintamos confortáveis. 
O inventário, as reparações e a rendição são fontes infinitas de aperfeiçoamento para 
nós. Descobrimos nossos valores e vivemos de acordo com eles. Com o tempo, nos 
desapegamos das expectativas que temos sobre como a vida deveria ser ou o que os 
outros esperam de nós e passamos a viver de acordo com os valores que encontramos 
dentro de nós. Ao aprender o que é certo para nós, descobrimos que não precisamos 
mais nos obrigar a sermos perfeitos para agradar alguém ou nos destruir. Somos livres 
para viver de acordo com nossas escolhas genuínas. 
 
 
 
 
74 
 
Deficiências 
 
“Só por hoje”, diz a nossa literatura, “vou tentar trabalhar uma perspectiva melhor para 
a minha vida”. Embora muitos de nós, enquanto adictos, resistamos à mudança, 
sabemos que é positivo para nós mudarmos nossa percepção, mudando, assim, nossa 
perspectiva. Nada muda mais nossa perspectiva do que a experiência com algum tipo 
de incapacidade física. É provável que, se vivermos uma vida plena, em algum momento 
vamos experimentar algum tipo de deficiência – quer por um tempo curto ou, às vezes, 
permanente. Em ambos os casos, essas lições enriquecem sobremaneira nossa vida, 
alargando nosso entendimento, ainda que nosso espectro de escolhas se estreite. 
Sabemos que nossa recuperação deve vir em primeiro lugar, que quando estamos 
lidando com algum tipo de “deficiência”, precisamos de algo mais para atravessar o dia. 
Alguns de nós entram em recuperação com alguma deficiência de tipo permanente. 
Nossa experiência, no entanto, tem nos mostrado que qualquer adicto pode se 
recuperar e que os desafios decorrentes de uma incapacidade permanente ou provisória 
não são barreiras para uma vida rica de significados positivos. É como um membro 
partilhou “sei que não haverá nenhum tipo de recuperação para minha cegueira; mas 
minha percepção da minha deficiência pode melhorar e a partir disso meu espírito 
também. Assim como um membro que enxerga bem, tudo se resume à autoaceitação. 
Há mais uma coisa que preciso aceitar”. 
Por saber que o impossível não existia, foi lá e simplesmente fez, diz o ditado. Podemos 
ser tão dolorosamente conscientes de nossas limitações que mal conseguimos nos 
imaginar sem elas. Lamentamos as habilidades que perdemos e temos medo do que há 
por vir. Muitos de nós lutam por ter dificuldades em pedir ajuda. Frustrações com coisas 
pequenas – buracos no asfalto, os botões na camisa e outras pequenas coisas – podem 
nos desencorajar de modo esmagador. Podemos nos surpreender com a quantidade de 
tempo e pensamentos que gastamos com coisas sem grande significado. 
Tentar falar sobre gratidão nessas horas parece absurdo e nos encoleriza. Podemos 
pensar, “você simplesmente não entende; você não tem ideia de como é isso”. A 
autopiedade não é menos perigosa quando nos justificamos do que quando sabemos 
que estamos fora de órbita. Qualquer que seja a forma, pode nos matar. Na verdade, 
sabemos que a gratidão quase sempre é o caminho mais curto para o alívio. Alguns de 
nós encontram gratidão na certeza de que poderia ser pior e acham alívio em ajudar ou 
simplesmente em ficar conscientesdaqueles que estão lutando contra desafios ainda 
maiores. Para alguns de nós, isso é um conforto gélido, mas encontramos gratidão 
quando atentamos para as coisas que temos – começando pelas pessoas que cuidam de 
nós e por nossa relação com um Poder Superior. Uma lista de gratidão pode ser uma 
ferramenta vital nesses momentos. Um veterano costumava dizer, “se você não tem 
nada por que se possa sentir grato, comece com o fato de que não está imerso em um 
incêndio, pegando fogo, e trabalhe a partir daí”. 
75 
 
Aprender a ajudar outros membros pode fazer parte desse processo também. Perguntar 
como se pode ajudar, em vez de pressupor do que o outro precisa, gera empatia. 
Aprendemos que oferecer essa pequena ajuda, dedicada aos companheiros com 
gratidão por tudo que temos recebido do programa, pode ser uma forma de trabalhar 
nosso amor e aceitação. É possível também que nossas tradições e política precisem ser 
adaptadas para que os companheiros com algum tipo de condição física especial possam 
vivenciar a alegria do serviço. 
Uma deficiência não desqualifica ninguém para o serviço; pelo contrário, pode nos 
tornar mais conscientes das necessidades dos companheiros e dos obstáculos à 
recuperação dos adictos que ainda sofrem. Há diversas maneiras por meio das quais 
todos podemos retribuir o milagre que vivemos dentro e fora da irmandade, ainda que 
tenhamos que usar um pouco da nossa criatividade para encontrá-las. Podemos ser 
exemplos poderosos de compromisso e boa vontade quando olhamos para os 
obstáculos que superamos em nosso passado e dedicarmos isso sob a forma de ajuda 
aos outros. Podemos nos tornar bastante conscientes sobre problemas de acesso, 
mesmo se eles não nos afetam diretamente e isso gera um poderoso sentimento de 
empatia. Percebemos se a ata de reunião nos informa se podemos ter acesso às 
dependências físicas com uma cadeira de rodas, por exemplo. Começamos a olhar com 
mais cuidado o que torna uma reunião mais segura e acolhedora. Para alguns de nós, a 
reunião cuja porta de entrada está no nível de baixo e o banheiro em um nível acima é 
tão inacessível quanto se tivéssemos que ir a uma reunião na lua. Quando estamos 
conscientes disso podemos oferecer nossa experiência por meio do serviço à 
comunidade local, ajudando a assegurar que a mensagem estará disponível a todos os 
adictos, não importa seu grau de mobilidade ou quaisquer deficiências que lhes gerem 
problemas de acesso; nesse sentido, nosso desafio é ajudar a irmandade como um todo 
a levar a mensagem de modo mais efetivo, ou seja, considerando todas as dificuldades 
físicas de que um adicto pode padecer. 
Em períodos de dificuldade, quase sempre percebemos que os membros de NA estão 
disponíveis para nos ajudar. Podem não ser as pessoas que esperamos. É surpreendente 
ver quem está disposto a atravessar um momento de dificuldade conosco e quem não 
está. O princípio do anonimato sustenta que somos todos iguais. Cada um de nós tem 
habilidades que são valorosas e limitações lamentáveis, mas juntos podemos fazer o que 
sozinhos nos era impossível. Abraçamos as pessoas que querem caminhar conosco em 
vez de manter o foco na decepção com aqueles que não desejam isso. Embora 
desejemos que as pessoas se comportem segundo nossas expectativas, não queremos 
perder os pequenos milagres ao testemunhar aqueles que jamais imaginamos nos 
surpreender com sua resposta positiva diante das dificuldades e ainda nos oferecer 
ajuda. 
As lições que aprendemos em NA sobre compartilhar e cuidar, pedir ajuda e oferecer o 
que temos são ferramentas poderosas que podemos usar fora da irmandade também. 
Podemos nos conectar com outras pessoas que lutam com deficiências físicas e 
descobrir que nossa experiência compartilhada nos aproxima delas. Podemos encontrar 
76 
 
alívio, dentro e fora da irmandade, acompanhados dos companheiros que também 
enfrentam os mesmos tipos de problemas e encontram maneiras de se superar gerando 
empatia com as pessoas que estão fora da irmandade. 
Nosso orgulho pode ser uma desvantagem maior que o desafio físico que estamos 
enfrentando. O orgulho nos diz que queremos parecer bem e isso nos atrapalha. 
Embaraço, vergonha ou falta de boa vontade para sermos vistos desta ou daquela forma 
nos afastam de fazermos o que podemos para viver e desfrutar a vida como esta 
realmente poderia ser. Nossa deficiência física pode se tornar um álibi para o 
afastamento, isolamento e medo, se não nos apercebermos disso. O orgulho impede a 
nossa união dentro e fora da irmandade. 
Aos poucos, descobrimos que a deficiência que nos impeliu a mudar os hábitos também 
muda o ângulo a partir do qual vemos o mundo. Notamos detalhes que antes não 
percebíamos; nos conectamos com pessoas que não conhecíamos. À medida que o 
ritmo da nossa vida muda, também muda a música que flui por meio de nós. 
Aprendemos a respeitar em vez de sermos indulgentes com nossas limitações e, assim, 
construímos habilidades e competência em novas áreas. Aprendemos a sabedoria do 
tempo e também que nossas maiores graças nos são presenteadas nos piores 
embrulhos. Abrir-nos às lições com que a vida nos brinda nos ajuda a vencer, mesmo os 
momentos mais difíceis; e saber que não precisamos fazer isso sozinhos certamente 
torna esse processo mais fácil e mais rico em significados. 
 
Crise emocional e espiritual 
 
Fala-se muito nas salas e na literatura sobre a insanidade da nossa adicção. Embora 
esteja bastante claro que nosso pensamento é profundamente distorcido pela nossa 
doença, também é verdade que esta difere de outras formas de doença, agrupadas sob 
a denominação “doenças mentais” pelos profissionais da área de saúde. Nosso livreto 
“In Times of Illness” - pode ser uma fonte útil para aqueles de nós que lutam contra a 
doença mental na recuperação. 
A doença mental é real e pode ser bem séria. É essencial que entendamos que, enquanto 
a doença em si é algo externo e que precisa de tratamento, nossas batalhas contra nossa 
doença mental e a maneira como estas impactam na nossa recuperação são, em grande 
parte, um problema interno. Precisamos fazer essa distinção para assegurar que não 
falharemos ao buscarmos ajuda extra, seja pelo estigma nas salas, seja pela confusão 
acerca da relação entre doença mental e recuperação. Mas é também essencial que 
entendamos que podemos nos sentir muito deprimidos, ansiosos e fora de controle, 
mesmo sem possuir algum tipo de doença mental. 
Às vezes o que sentimos é uma consequência de uma condição física; quando estamos 
nos desintoxicando, por exemplo, as coisas se tornam bastante intensas. A maioria de 
nós nos primeiros momentos da recuperação sente que falta um botão de ajuste para 
77 
 
nossas emoções: nosso humor oscila fortemente, nossas vidas parecem dramáticas e 
podemos ser surpreendentemente impulsivos. Quando não somos mais um perigo para 
nós mesmos e para os outros, muitos de nós descobrem que foram capazes de suportar 
essa fase – as coisas se acalmam e nós nos acostumamos às nossas novas vidas; nossos 
corpos se acostumam a ficarem limpos. Às vezes, parece insano, mas precisamos 
somente de um pouco mais de tempo. A “Desintoxicação emocional” pode levar mais 
tempo que a desintoxicação física e há dias em que pode ser especialmente difícil. O 
momento em que estamos nas reuniões pode ser o único em que nossos pensamentos 
insanos e doentes podem cessar completamente. Ter pessoas ao nosso redor que já 
viveram e atravessaram o inferno desse momento na recuperação é muito 
reconfortante: podemos não estar convencidos de que isso vai passar, mas a confiança 
que nosso padrinho depositou em nossa superação dessa fase nos alimenta com 
esperança. E esperança é o otimismo no futuro. Ainda que o programa seja só por hoje, 
nos conectarmos com o otimismo no futuro nos ajuda a viver o dia de hoje. 
Outras mudanças físicas nos trazem desafios emocionais também. Algumas doenças 
físicas ou machucados na cabeça possuem componentes emocionais ou cognitivos e 
aquelesde nós que lutam contra outras doenças físicas podem achar que nossa maneira 
de pensar, às vezes, é profundamente afetada por isso. Quando nós ou nossos entes 
queridos percebem alguma mudança abrupta em nosso comportamento, vale a pena 
considerar se há algo físico acontecendo. 
Mas sempre há uma causa física ou orgânica por trás do nosso desequilíbrio. Passamos 
por intensas mudanças emocionais na recuperação e elas podem ser bem 
atemorizantes. Frequentemente confundimos crise espiritual com doença mental. 
Mágoa, depressão ou pânico podem nos acometer como uma onda. As lembranças do 
passado surgem e parecem engolir nosso presente; e tudo isso pode ser parte do 
processo que estamos atravessando para encontrar a saída para uma vida livre. O que 
realmente queremos é uma cura para nossos sentimentos. 
A dor do crescimento espiritual pode soar como depressão. Uma noite de escuridão na 
alma pode ser assustadora e dolorosa. Mas o que está acontecendo por dentro 
frequentemente é justamente a transformação que nos conduzirá à luz. Às vezes, é só 
um mau tempo passageiro em nossas mentes e que logo vai desaparecer. Aguentar 
firme, adaptar-se, dar as caras e partilhar abertamente com nosso padrinho e outros 
membros em quem confiamos é, às vezes, tudo que podemos fazer enquanto esse mau 
momento está passando. Falamos sobre “o processo” e somos incentivados a confiar 
nele, mas nem sempre sabemos o que “o processo” significa. Podemos nos sentir 
bastante confusos quanto ao lugar a que estamos sendo conduzidos. No entanto, se 
canalizarmos nossa fé para a ação, podemos sair da dificuldade com um novo nível de 
entendimento e consciência. 
Este tipo de crise pode ser assustadora em sua intensidade e, às vezes, só conseguimos 
distingui-la quando a comparamos com outro tipo de desafio que estamos enfrentando. 
Por mais intensa que seja, ela é temporária e se ameniza por algum avanço ou 
descoberta que possamos deparar no processo, ou mesmo um desejo obstinado de 
78 
 
suportá-la até que passe. “Nós vivenciamos uma experiência espiritual vigorosa e somos 
modificados”, diz o Texto Básico. Voltamos à sanidade e passamos a viver vidas alegres 
e produtivas. Pode ser o mais aconselhável esperar para descobrir por que tipo de crise 
estamos passando antes de procurar ajuda. Podemos precisar de novas ferramentas 
para construir nossa casa; isso não significa que estejamos abandonando o trabalho que 
fizemos até então ou que estejamos traindo nosso compromisso se procurarmos por 
elas em outro lugar. 
Alguns dos membros mais experientes partilham que seus momentos de maior 
insanidade acontecem quando o interior não encontra correspondência com o exterior 
– quando estamos fazendo coisas que vão de encontro a nossas crenças, quando 
estamos de uma ou outra maneira vivendo uma mentira, ou quando estamos negando 
o que realmente acontece ao nosso redor. A desconexão entre o que queremos, no que 
acreditamos e o que estamos fazendo é suficiente para nos trazer a sensação de 
insanidade – e pode ser uma força poderosa que nos conduz à recaída. Voltar a viver 
com integridade começa com a boa vontade para compartilhar honestamente a vida 
com outras pessoas. Pode ser uma longa estrada de volta, mas o caminho pode ser tão 
doloroso que talvez não consigamos sobreviver limpos. Quando dizemos ao nosso 
padrinho ou a um amigo confiável o que realmente está acontecendo, começamos a nos 
sentir esperançosos novamente. 
 
Envelhecimento 
 
Os caminhos da vida com os quais temos de lidar mudam por conta da nossa doença. 
Eles podem ser ampliados por nossa obsessão ou egocentrismo, ou nós podemos nos 
tornar simplesmente mais dramáticos que nossos amigos ou vizinhos que não são 
adictos. Mas temos problemas físicos com os quais precisamos lidar que são 
consequência da nossa adicção – em suma, trata-se da fatura que nos chega exigindo 
que a paguemos. Muitos de nós são acometidos por outras doenças como resultado 
daquilo por que passamos e precisamos passar, quer seja pela vergonha, quer seja pela 
culpa, antes de desenvolvermos a boa vontade para buscarmos ajuda. Alguns de nós 
viveram algum tipo de trauma, violência ou abuso cujas consequências duram para 
muito além dos machucados após estes cicatrizarem. “Entrar em contato com meu 
corpo tem sido um processo bem lento para mim”, disse um membro. Qualquer 
novidade acerca dele me deixa em pânico”. Passamos por acidentes, relações violentas, 
brigas, guerras, prisões – todas essas situações tiveram consequências físicas e 
emocionais que se manifestam de diferentes maneiras ao longo do tempo. Para alguns 
de nós, ficou a experiência simples e estranha de havermos perdido tempo: quando nos 
limpamos podemos ter a sensação de estar acordando de um longo cochilo: “eu olho o 
espelho e uma mulher velha me olha de volta”, relatou uma companheira, “e é sempre 
um choque para mim”. Na última vez que olhei parecia que eu estava só começando, 
me sentia como uma criança, muito embora parecesse com uma avó”. 
79 
 
A possibilidade da morte é menos assustadora para alguns de nós do que a de 
envelhecer. Ficar limpo por um longo tempo é uma coisa: aceitar o envelhecimento é 
bastante diferente. E para alguns de nós, quando nos damos conta disso, a dor nos 
acomete. Podemos nos afligir por um longo tempo e perdermos muitas oportunidades 
por conta desse sentimento decorrente de nossa adicção. Podemos viver esse senso de 
perda depois de termos estado limpos por muito tempo – quando, por exemplo, nos 
tornamos avós e percebemos quanto de nossa infância perdemos. Podemos não nos ter 
dado conta que o tempo realmente passou até que alguém nos chame atenção para o 
fato de que nossos amigos ou parceiro amoroso pertencem a uma geração mais jovem. 
Podemos exagerar as pressões para parecermos jovens ou ficarmos bonitos 
verdadeiramente em virtude não só da consciência de nosso egocentrismo e defeitos de 
caráter, mas também pelo senso da perda de tempo que vivemos; o sentimento de que 
nossa aparência é algo com o que possamos negociar, além da velha fantasia do adicto 
sobre morrer jovem e de forma glamorosa. Quando percebemos que estamos velhos 
demais para morrermos jovens e que temos uma vida que pode ser vivida de forma 
plena, alguns de nós se sentem confusos. Alguns de nós tentam preservar sua juventude 
da melhor maneira que podem, esforçando-se para se vestir bem e se cuidar na luta por 
assegurar um futuro para si e seus filhos. Encontrar o equilíbrio entre vaidade e 
autorespeito, entre a autoaversão e a autoaceitação, é o cerne da luta para muitos de 
nós. Quando realmente nos rendemos, descobrimos que envelhecer é uma jornada e 
então podemos aproveitar a aventura. Não estamos apenas envelhecendo; estamos 
crescendo. 
Um membro partilhou, “não há muito para se dizer sobre envelhecer a não ser que 
precisamos nos aceitar”. Como muitas coisas em recuperação, parece tão simples visto 
do outro lado da margem, mas, até chegar lá, há uma longa caminhada. Pode ser 
impossível separar as mudanças que acompanham um envelhecimento virtuoso das que 
decorrem do trabalho de passos; juntos, no entanto, a combinação é extraordinária. À 
medida que o tempo passa e nossa irmandade envelhece, começamos a perceber que 
alguns de nossos veteranos se tornam mais bonitos. Há uma espiritualidade que irradia 
por meio de nossos corpos, um tipo de intemporalidade que aparece como elegância e 
dignidade. Embora possamos temer o envelhecimento, muitos de nós descobrem que é 
possível abraçar e amar aquilo em que nos tornamos – nossas dores e tudo mais. “À 
medida que envelheço e tenho mais dificuldade de me levantar da cadeira sem me 
escorar na mesa”, disse outro membro, “me sinto mais seguro sobre quem sou. Me acho 
mais atraente do quando era um garotão!”. 
 
Sobre Morte, morrer e viver com Dor 
 
Adictos morrem. Falamos sobre isso em nossa literatura e nos lembramos uns aos 
outros, a cada reunião, que o fim da doença é “prisão, instituições e morte”, mas quando 
um devezes. 
Não vemos nossa inteireza em um quinto passo ou em uma partilha, e não podemos ver 
a completude da nossa recuperação de uma única vez também. Nós a observamos em 
camadas e nossa visão de nós mesmos se transforma toda vez que vivenciamos uma 
mudança de perspectiva ou uma alteração em nossa percepção. Começamos a ver os 
pontos que permeiam nossa experiência muito embora possamos sentir que abrigamos 
diferentes pessoas em nós no curso da vida. Enxergamos os padrões que nos ajudam e 
também os que nos mantêm paralisados, bem como encontramos esperança em 
momentos de dificuldade. 
Recuperação é um processo longo e de contato pleno com a vida. Quanto mais a sério 
o encararmos, mais claramente poderemos identificar o crescimento disponível que a 
caminhada nos oferece, não importa a etapa em que nos encontremos. O aprendizado 
nunca termina. A prática do programa de NA não torna nossas vidas mais fáceis. Ela 
torna nossas vidas mais ricas, melhores e mais interessantes. Começamos por ficarmos 
limpos e a partir desse ponto o programa nos oferece as ferramentas de que precisamos 
para encontrar as respostas que nos orientarão na trilha da recuperação. Momentos 
diferentes se apresentam a nós, nos ensinam e nos ajudam a avançar. Esperamos que a 
experiência aqui compartilhada sirva para encorajar nossos membros para além do que 
já se sabe sobre esse processo. 
Este livro não é um catálogo de conselhos, mas antes uma coleção de experiências de 
força, fé e esperança sobre como experimentamos o modo de viver limpos no dia a dia, 
em nossas relações e em nosso serviço na irmandade. Nem tudo nas páginas que se 
seguem será igualmente importante para todos. Cada um de nós tem diferentes 
desafios na jornada. Entretanto, esperamos que haja aqui um segredo para cada um dos 
membros da nossa irmandade. 
O que se apresentará neste livro é a experiência partilhada de muitos adictos de todo o 
mundo. Centenas de membros compartilharam seus insights sobre como viver limpo em 
workshops, cartas, conversas, revistas eletrônicas e gravações de áudio. O livro ganhou 
forma em um processo contínuo à medida que conteúdo e estrutura se adaptavam aos 
insumos recolhidos. O processo foi conduzido de portas abertas e nos maravilhou ver 
aonde chegamos. Aprendemos uns com os outros e a soma resultou bem maior que 
suas partes. A característica comum da nossa experiência nos revela que NA é a fonte 
da nossa força, independente do nosso tempo limpo, dos passos que trabalhamos e de 
por onde nos tenha conduzido a vida. Compartilhar nossa experiência nos dá sentido e 
valor. E quanto mais profundas as relações que construirmos em NA – com os outros, 
conosco e com o poder superior –, mais valor agregaremos à nossa recuperação. 
9 
 
Ficamos conectados ao programa e à irmandade no decorrer dos anos porque 
necessitamos. Se um dia chegamos, é verdade, a cogitar como NA poderia fazer parte 
de nossas vidas, não é menos verdade que agora muitos de nós não conseguem 
conceber suas vidas sem a irmandade. Quando usamos as ferramentas que o programa 
nos disponibiliza, nossa recuperação continua a nos entusiasmar não importa o que 
enfrentemos ou o nosso tempo limpos. 
A coisa mais importante sobre viver limpo é que estamos vivos justamente graças a isso, 
e para as pessoas com a doença da adicção isso representa nada menos que um milagre. 
Recuperamo-nos para viver uma vida plena e recompensadora. Mas essa experiência 
nos presenteia com desafios nunca esperados. Viver além dos nossos sonhos mais 
insanos significa estarmos em território desconhecido. Os inúmeros adictos que 
contribuíram com a elaboração deste livro revelaram que o milagre de viver limpo não 
é o último a se experimentar, ou o último de que se precisa. Temos aprendido que 
podemos sobreviver a tudo e permanecermos limpos. Nunca é tarde para recomeçar, 
reconectar-se com a irmandade, trabalhar os passos, viver um despertar espiritual e 
encontrar uma nova maneira de levar a vida. Contanto que estejamos dispostos a ficar 
limpos e continuar voltando, nossa recuperação seguirá se desdobrando de maneiras 
inimagináveis. Vivemos limpos e a jornada continua a cada dia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
Capítulo 1- Vivendo limpo 
 
Viver limpo é uma jornada para a vida, e o programa de NA nos capacita para 
construirmos uma caminhada com esperança. Não importa o estágio do trajeto em que 
nos encontremos, acreditamos que a caminhada, assim como nós, pode tornar-se 
sempre melhor. Praticamos uma vida orientada por princípios e encontramos uma nova 
maneira de viver. Tentamos novas coisas e descobrimos que algumas delas nos fazem 
mais bem do que outras. Ao experimentarmos a vida limpos, com seus altos e baixos, 
milagres e lutas, becos sem saída e novas portas que se abrem, observamos o mundo 
com mais clareza e entendemos melhor nosso lugar nele. 
O programa de Narcóticos Anônimos é a saída que encontramos para escapar do 
desespero e da dor em que se havia transformado nossas vidas. Mas isso não é tudo que 
NA representa: ele é um caminho, um processo e uma maneira de viver. Muitos de nós 
chegam com quase nenhuma esperança de que possam fazer a dor cessar. No começo, 
nossa disponibilidade em conhecer o programa decorre do nosso sofrimento e medo. 
Viver o programa nos transforma de uma maneira inesperada e também de um modo 
nunca imaginado. NA nos concede a habilidade de converter nosso desespero em paixão 
por viver uma vida plena, baseada em crescimento espiritual. Sentimos alívio quase 
imediato desde o começo da recuperação e nossas primeiras experiências de alegria são 
como enxergar cores vivas pela primeira vez. Nossa mente se abre e nosso espírito 
começa a se libertar. Ainda que tal experiência se dê por momentos ainda fugazes, essa 
alegria nos guia ao longo dos nossos dias e noites mais difíceis. 
Não é o que pensamos sobre recuperação que faz a diferença; é o que fazemos. Viver 
limpo é um processo espiritual que nos ensina que, se o mundo é maior do que 
imaginávamos, por um lado, não é tão inalcançável quanto temíamos, por outro. Nossas 
crenças equivocadas sobre as pessoas que não usavam drogas moldaram nossas 
opiniões sobre o que poderíamos ser quando parássemos de usar. Quando ficaram 
limpos, muitos de nós se preocuparam com o tédio e a pequenez em que poderia se 
tornar suas vidas. O que encontramos realmente estava além de nossos sonhos mais 
loucos. Agora temos a oportunidade e a habilidade de seguirmos em busca deles. Talvez 
ainda mais importante, nossas conexões com as pessoas se tornaram enriquecedoras e 
gratificantes para nós. A amizade próxima, construída com outros companheiros que 
compartilham a jornada da recuperação, pode ser um vínculo mais profundo que o que 
temos com nossa família. Expomos e presenteamos os outros com nossa intimidade, e 
esse processo, ao longo do tempo, cresce até se transformar em uma afeição e 
entendimento profundos do outro e de nós mesmos. 
Compromisso com a recuperação é parte essencial dessa caminhada. Mantê-la como 
prioridade pode, no entanto, significar coisas diferentes para nós à medida que o tempo 
transcorre. Fato é que precisamos manter a conexão com NA e, não menos importante, 
assumirmos a responsabilidade por nossas vidas. Muitas coisas competem pela nossa 
atenção e, como adictos, temos a tendência a caminhar pelos extremos: tudo ou nada, 
11 
 
certo ou errado. Encontrar o equilíbrio é, portanto, uma tarefa permanente. Frequentar 
reuniões regularmente não significa estar presente em todas as noites da semana, 
embora as reuniões sejam espaços muito importantes para o nosso bem-estar, assim 
como para a transmissão da mensagem. Cuidar desse barco que nos salvou a vida exige 
contínua atenção e se torna mais fácil quando nos desapegamos da ideia segundo a qual 
as coisas têm que ser difíceis. Depois de muitos anos de recuperação, um companheiro 
finalmente pode responder à questão: “é realmente possível que a vida seja tão 
simples?”,nós morre, geralmente reagimos como qualquer pessoa o faria: com surpresa, 
80 
 
choque e angústia. Quando perdemos um companheiro para a doença, podemos 
retornar às mesmas reservas pelas quais passamos no início de nossa recuperação; de 
que o programa não funciona. Muitos de nós vivem outras reservas a essa altura da 
jornada – o sentimento de que não compensa o cuidado com os outros, o sentimento 
de que amar adictos só gera perda e dor. Para alguns de nós, ficar na irmandade depois 
de uma perda dolorosa pode ser bem difícil. Não é incomum sentirmos que outros 
membros estão se afligindo de modo indesejável, que as pessoas não estão reagindo do 
melhor modo. Quando estamos magoados ou com raiva é fácil recorrer à autopunição, 
mais do que nos sentir compassivos e conectados. Mas o que a experiência nos tem 
ensinado é que, quando estamos limpos, são esses momentos que tornam possível a 
superação das dificuldades – mesmo quando eles incluem dor e aflição. 
Obviamente perder companheiros para a doença da adicção não é a única maneira 
como experimentamos a morte quando estamos em recuperação. Adictos morrem 
limpos também. Perdemos membros da família e amigos; às vezes, parece que quanto 
mais conectados nos sentimos, mais sentimos a perda. De um certo modo, é verdade; 
amamos e cuidamos mais, dividimos mais do que nunca e, talvez, mais do que as pessoas 
que não fazem parte de uma irmandade como a nossa. Uma das recompensas da 
recuperação é que nossas vidas são tão ricas e cheias de pessoas que realmente 
apreciamos que, quando nós as perdemos, a dor é incomensurável. Às vezes, o que 
sentimos é a culpa de termos sobrevivido: podemos nunca entender por que alguns de 
nós vivem vidas longas e alguns se vão tão cedo. Para muitos de nós, as respostas que 
encontramos nos passos nos oferecem a ponte para a travessia desses momentos de 
dúvida. Mas elas são muito particulares e variam para cada um de nós. O processo da 
dor nos força a fazer as pazes com questões não respondidas e, nesse sentido, isso é 
uma dádiva. 
Alguns de nós descobrem que uma morte que vivemos em recuperação aciona 
sentimentos de perdas passadas cuja dor não vivenciamos. Aprendemos, ao praticar os 
passos, que as emoções que não sentimos no exato momento em que nos acometem 
geralmente esperam por nos encontrar, bem como para podermos fazer as pazes com 
elas tempos depois; a experiência de viver uma perda no presente pode trazer de volta 
perdas há muito esquecidas, por exemplo. Nos surpreendemos com a fossa das nossas 
emoções ao deparar a perda de um amigo ou mesmo um animal de estimação. Podemos 
ter pensado que passaríamos facilmente pela experiência e, então, nos percebermos 
arrasados. Outros de nós descobrem que ainda há uma distância entre nós e o mundo, 
ou que nossas reações são retardadas. Às vezes, nossos sentimentos não são tão 
profundos como deveriam; pensamos que deveríamos estar vivendo uma experiência 
particular e, na verdade, estarmos passando por algo muito diferente. Permitir-nos 
sentir sem nos julgar é uma dádiva poderosa que podemos nos conceder. Qualquer que 
seja a resposta, ela é nossa, e podemos nos apropriar dela sem nos deixarmos engolir 
ou sermos definidos por isso. Temos a liberdade de viver plenamente o mais amplo 
espectro de emoções e saber ao mesmo tempo que essas emoções não constituem o 
limite do nosso mundo ou de quem somos. 
81 
 
A dor é uma experiência única. Permitir-nos o tempo e o espaço para atravessá-la deve 
ser um compromisso com nós mesmos e com a honestidade para além daquilo por que 
já passamos. Os sentimentos têm seu próprio ritmo e tempo, e pensar que não estamos 
“fazendo certo”, ao sermos surpreendidos com uma onda de emoção em um momento 
inapropriado, pode ser muito difícil. Como tantas coisas por que já passamos em 
recuperação, não há uma maneira correta de se viver isso. Nos confortamos ao saber 
que tudo passa, que nossos sentimentos vão mudar certamente e que os que nos 
rodeiam também amargaram suas dores e encontraram um caminho para sobreviver a 
esses momentos e para vibrar novamente pela vida. Descobrimos na recuperação que 
mesmo as piores coisas por que passamos podem ser transformadas em lições e 
ferramentas valiosas de que podemos dispor para ajudar os outros. 
Quando procuramos um contato consciente com um poder superior a nós, encontramos 
maneiras de sermos úteis. Dentro ou fora de NA, estar a serviço nos ajuda a encontrar 
valor em nossas vidas quando não o víamos em nós mesmos. Doar generosamente aos 
outros quando estamos sentindo dor pode ser o caminho para atravessar nossa tristeza 
e confusão. 
Constantemente ouvimos membros partilharem coisas como “cada dia em recuperação 
é um bônus, uma vitória que quero prorrogar”. Temos uma doença mortal e temos 
sorte em estarmos vivos. Muitos de nós experimentaram na adicção um tipo de vida 
meio morta na qual cada dia parecia representar um fardo do qual precisavam dar conta 
e ainda assim sobreviver. Muitos de nós conviveram com tentativas de suicídio; se 
tentamos ou não tirar nossa própria vida, fato é que ela é importante e desejamos 
expandir seu significado de modo positivo, rico e construtivo. 
No entanto, nos surpreende quão chocados ficamos quando recebemos más notícias de 
um médico. Nossa reação perfeitamente humana e natural pode nos fazer parecer que 
somos ingratos ou sem noção. Mais uma vez, nos permitir sentir o que quer que seja é 
tão importante quanto difícil. Somente admitindo nossos sentimentos podemos 
aprender a lidar com eles. A partir do momento em que passamos a falar dos nossos 
sentimentos, seu poder se reduz. Um membro que havia passado por várias crises 
médicas disse, “eu não sei se tenho um dia ou uma década a mais, mas não quero viver 
com medo”. À medida que usamos as ferramentas que estão disponíveis, encontramos 
consolo. As mesmas ferramentas que nos guiam pelas veredas da felicidade podem nos 
ajudar a terminar nossa jornada com dignidade e serenidade. 
Naturalmente, nenhum de nós sabe o que esperar quando a morte está a caminho e 
alguns de nós vivenciam alarmes falsos ou escapam dela por um fio. Às vezes, esses 
arranhões, que a proximidade da morte nos deixa, podem ser um sinal para acordarmos, 
possibilitando-nos considerar, em um nível prático e espiritual, o que poderia significar 
organizar nossa vida. 
Quando estamos conscientes, paradoxalmente, em momentos de dor intensa, uma 
calma profunda nos visita; nesses momentos, podemos ver as profundezas da escuridão 
dentro de nós, mas também a grandeza do poder ao qual estamos conectados. A aflição 
82 
 
terrível que sentimos pode nos proporcionar um contato com tamanha consciência que 
nada mais o faria. O impulso de se isolar, de se afastar do barulho e dos aglomerados de 
pessoas e, às vezes, até de pessoas próximas que nos apoiam, é frequentemente uma 
forma de autoproteção. Podemos sentir tanto medo de reconsiderar nossos 
sentimentos que mal conseguimos nos mover. Mas permitir que pessoas de confiança 
se aproximem e nos apoiem nos relembra que não estamos sozinhos, mesmo em nossos 
momentos mais difíceis. E permitir que as pessoas nos ajudem também é um serviço 
que prestamos a elas. Quando permitimos que uma pessoa nos ame em um momento 
vulnerável, elas – e também nós – somos todos recompensados. O cuidado e a partilha 
recíprocos são uma via de mão dupla e aqueles de nós que estão mais acostumados a 
cuidar podem ter dificuldades em receber amor como retribuição. 
É um ato de amor permitir que os outros nos amem. Quando nos encontramos em uma 
posição de necessidade, podemos facilmente experimentar isso como algo humilhante 
e pesado. Mas temos a oportunidade de deixar que aqueles que nos amam expressem 
isso de maneiras concretas. A vulnerabilidade que estamos vivendo nos conecta com 
uma experiência diferente de amor. É um ato de generosidade sobre o que está 
acontecendo. Nosso treinamento para sair da nossa auto-obsessão nos ajuda agora: à 
medida que ajudamos nossosentes queridos com seus medos e tristezas, podemos 
encontrar palavras que precisamos ouvir para também atravessar nossas dores e 
aflições. 
Certamente, ao reconhecermos que somos amados e queridos, percebemos que nossas 
vidas são realmente diferentes do que tinham sido: ganhamos importância no mundo; 
contribuímos com as pessoas que estão ao nosso redor e com outras que não 
conhecemos. O amor que damos às famílias de que somos parte, as reuniões que 
secretariamos, em que servimos e partilhamos – tudo é uma forma de reparação, uma 
maneira de fazer as pazes conosco e com o mundo. Somos gratos pelo que temos e pelo 
que temos tido, e sabemos melhor do que a maioria das pessoas que a morte não é a 
pior alternativa. Testemunhamos outros viverem destinos piores e, talvez, nós mesmos 
em algum momento, possamos ter vivido algo assim. Alguns de nós, após viverem 
momentos de sofrimento e, então, o processo de rendição, descobrem que finalmente 
estão aptos a se desapegarem e viverem o momento presente. Deixar o medo, a raiva e 
as coisas que nos prendem, aos poucos, irem embora, finalmente, nos liberta. 
 
Coragem 
 
A serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar frequentemente vem 
depois de termos tido a coragem de mudar as que podemos. É preciso coragem e 
humildade para abrir novas portas e fechar as antigas. Para muitos de nós, coragem não 
foi algo com que entrássemos de mãos dadas em uma sala de NA, mas nós a 
encontramos na irmandade. Podemos sentir medo, mas isso não nos impede mais de 
83 
 
nos levantarmos e enfrentarmos os desafios de cabeça erguida. Quando seguimos com 
o medo, esse medo se torna fé. 
No fim das contas, este capítulo é sobre coragem: a coragem para aceitar as coisas que 
não podemos mudar e para mudar as que podemos, de olhar para nós mesmos como 
somos e nos aceitar integralmente, de conversar sobre as coisas que nos causam 
desconforto e de assumir os desafios que mais profundamente se apresentam a nós. 
Trabalhar o programa na relação com os nossos aspectos físicos em nossa recuperação 
não significa necessariamente um programa físico, embora para alguns de nós possa ser 
isso. Nem todos praticam exercícios físicos, alimentam-se de forma adequada ou 
adotam algum processo consciente de cura do corpo como parte de um programa 
diário, embora alguns de nós façam disso um ponto central de sua recuperação. O que 
temos em comum são os princípios, mesmo quando as práticas são diferentes. Todos 
achamos necessário, cedo ou tarde, encarar a verdade acerca de nossos corpos, 
qualquer que seja esta; abordar o dano que nos causamos; tratar o que for possível e se 
render no resto; e, sempre, sempre sermos honestos. O que ganhamos nesse processo 
é a aceitação da nossa realidade física, a habilidade de viver tão plenamente quanto 
somos capazes e a boa vontade para assim fazê-lo - de acordo com o que a vida nos 
oferece. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
84 
 
CAPITULO 5 – Relações Humanas 
 
A recuperação não ocorre em um vácuo. Precisamos uns dos outros e é necessário que 
nos envolvamos com o mundo ao nosso redor para que nos recuperemos. Viver limpo 
envolve necessariamente nos relacionarmos – com nós mesmos, com nossos entes 
queridos, com os membros da irmandade, com a sociedade e, sempre e acima de tudo, 
com nosso Poder Superior. As pessoas que estão em nossa vida são os meios pelos quais 
podemos viver a graça da recuperação. Vemos o milagre da mudança nos outros e eles 
refletem nossa própria mudança. Eles são a janela e o veículo por meio dos quais 
podemos ver o mundo e alcançar o progresso espiritual. 
A verdade é que a maioria de nós não tem sido muito habilidosa em suas relações 
humanas. Alguns podem dizer que a inabilidade para constituir relações de longo prazo 
é um sintoma da doença da adicção. O Texto Básico nos diz que a doença nos torna 
“desonestos, amedrontados e solitários”, que desenvolvemos hábitos estranhos e 
perdemos nossa habilidade social. Quando entramos em recuperação, não 
reconhecemos o que estava errado na maneira como nos relacionávamos com as 
pessoas. Nossas experiências como adictos na ativa havia moldado nossos hábitos e 
expectativas. 
Não fomos pessoas fáceis de se lidar. Causamos dano enquanto estivemos usando 
drogas e nossos entes queridos são os que sentiram isso da pior maneira. Podemos ser 
teimosos e desconfiados, raivosos e receosos, sarcásticos, voluntariosos e 
ensimesmados egocêntricos. Passamos pelo inferno e levamos os outros conosco. 
Vivemos perda, falência, e muitas vezes violência. Ainda que cheguemos a NA com 
nossas famílias e carreiras intactas, precisamos mudar a maneira como lidamos com 
elas. Adquirir a habilidade para fazer isso em recuperação pode ser um processo longo 
e doloroso. Quando olhamos para nossa adicção ativa no passado e vemos o mal que 
causamos, as relações que destruímos e as oportunidades perdidas de vivenciarmos a 
intimidade, podemos nos sentir esmagados pelos destroços avassaladores do nosso 
comportamento. Mas também podemos encontrar alguma gratidão pelo fato de 
estarmos limpos agora e, acima de tudo, vivenciando um processo de mudança. Nosso 
histórico de relacionamentos pode nos fazer pensar que não nos resta esperança nessa 
área, mas nossa experiência com o segundo passo nos mostra que o programa pode nos 
transportar de volta à sanidade. Precisamos de uma ajuda que não encontramos em 
nossos entes queridos. O valor terapêutico de um adicto ajudando o outro não encontra 
paralelo. O carinho, o cuidado e a partilha sobre o caminho de Narcóticos Anônimos é 
uma grande arma que temos contra a alienação, isolamento e a destrutividade da nossa 
doença. 
É necessário que se trabalhe com seriedade. Os temas com os quais precisamos lidar 
surgem no curso das interações que desenvolvemos fora e dentro de NA. À medida que 
levamos nossa vida, sendo apenas quem nós somos, começamos a nos curar. Enquanto 
o processo de cura está se operando, enfrentamos dificuldades e conflitos. Quando não 
85 
 
temos mais as drogas para culpar, começamos a entender nossa verdadeira 
responsabilidade nas lutas que enfrentamos. No entanto, quando nos apercebemos 
criando ainda mais destroços, mesmo estando limpos, pode ser difícil nos apaziguarmos. 
Alguns de nós lutam para acreditar que uma mudança duradoura é possível. Nossos 
companheiros de jornada podem nos ajudar a enxergar as maneiras pelas quais ainda 
estamos criando nossos próprios problemas, embora seja sempre nossa 
responsabilidade fazer algo sobre isso. 
Aprendemos a partilhar, e a fazê-lo intimamente. Para alguns de nós, a relação com o 
padrinho é a primeira, em um longo tempo, a ser honesta e funcional. O padrinho pode 
nos servir como um modelo por meio do qual começamos a construir outras relações, 
dessa vez, saudáveis, amorosas e produtivas. Muitos de nossos veteranos se lembram 
de quando eram recém-chegados e do trabalho que davam – questionadores, céticos, 
briguentos e cheios de reservas. Cometemos erros publicamente e tivemos que lidar 
com as consequências disso. Nós construímos a base para a nossa recuperação, não 
fingindo, mas enfrentando os desafios e lutas, com honestidade e coragem e, não menos 
importante, praticando a aceitação e a humildade de pedir ajuda. A recuperação nem 
sempre é um processo ordenado; estamos em meio a um processo de construção de 
relações de intimidade com os outros e com o nosso Poder Superior e nada disso ocorre 
de modo natural e abrupto. 
Não chegamos a NA sozinhos: muitos de nós chegam com companheiros, crianças, pais 
e outros de quem são próximos. Mas muitas dessas relações estão comprometidas por 
nossa doença. Em meio ao processo de reconhecimento de que não se é possível 
consertar tudo de uma só vez, a tentação de abandonar o programa nos seduz. Mas 
relações não são como drogas, embora as tenhamos vivenciado da mesma maneira e 
com o mesmo propósito; não podemos simplesmente nos abster. O verdadeiro trabalho 
de se viver limpo acontecequando estamos no mundo, nos relacionando com os outros. 
A única escolha que temos nessa jornada é aprender à medida que seguimos. 
Aprendemos a lidar com nossa família, nosso ambiente de trabalho e comunidade, ao 
mesmo tempo em que estamos aprendendo a encontrar nosso lugar nas salas. Cada 
relação que temos afeta todas as outras. Com efeito, cada uma nos ensina algo que nos 
ajuda nas outras. 
Não alcançamos uma recuperação de longo prazo sem desenvolvermos a habilidade de 
nos relacionar, dentro ou fora de sala. A relação é a refeição completa; a carne, os 
legumes, as frutas, os cereais e a sobremesa da vida! As relações afetam tudo o que 
fazemos e tudo o que somos. A maneira como reagimos às experiências pelas quais 
passamos molda quem vamos nos tornar. Quando temos a boa vontade de entrar em 
recuperação, abrimos o portal do crescimento e da mudança e passamos a viver um 
amplo espectro de emoções. O fato de termos ficado limpos é um milagre. Mas não 
paramos por aqui; crescemos e nos tornamos pessoas estáveis, confiáveis e amorosas 
de sorte que podemos ser um farol iluminando e mostrando a possibilidade da mudança 
na vida de outros, quer sejam adictos, quer não. 
86 
 
As relações são um aspecto essencial de tudo que fazemos. Todos os passos ou tradições 
têm a ver essencialmente com relações e toda nossa literatura trata desse tema de uma 
maneira ou de outra. Não há aspecto que nos cause mais dor ou mais alegria do que o 
das relações; é nesse aspecto que vemos nosso crescimento e recuperação com mais 
clareza. 
 
Irmandade 
 
Quando NA começou, a simples ideia de que adictos poderiam se recuperar na 
sociedade, em vez de serem internados por longos períodos de tempo, era algo radical. 
Para muitos de nós, atualmente, o que é revolucionário em nossa recuperação é o amor 
e intimidade que vivemos com outros membros. Nós estamos unidos pela irmandade. À 
medida que ficamos juntos, encontramos uns nos outros uma afeição profunda e 
confiamos que podemos superar as mágoas e disputas que encontramos pelo caminho. 
Os vínculos que nos unem também são as raízes que nutrem nosso crescimento. 
Quando nossa rendição acontece pela primeira vez nos braços da irmandade, uma 
conexão é criada entre esta e o adicto que ainda sofre. Sabemos desde o início que NA 
é nossa salvação. Quando algo desconhecido nos conduz até a margem, podemos ainda 
não perceber claramente o que aconteceu. Pode ser frustrante quando precisamos 
ensinar às pessoas que NA não é uma simples extensão de algum programa de cuidados 
ou de tratamento. Fato é que as pessoas ficam e permanecem limpas na Irmandade. 
Parte do que faz a unidade ser tão essencial para nossa recuperação é que podemos 
esquecer com facilidade o tanto que somos parecidos. Mesmo após algum tempo de 
permanência, podemos ver nossas diferenças como algo que nos separa em vez de 
percebê-las como pontes para o exercício da liberdade, tão importante para crescermos 
em direção à descoberta de quem somos. Uma coisa é ajudar um recém-chegado que 
mal conhecemos, mas quando, mesmo após anos estando limpos, nós ainda não temos 
muito cuidado com os outros, talvez precisemos nos esforçar mais para vencer essa 
resistência. Podemos ver que alguém de quem não gostamos tanto pode levar melhor 
do que nós a mensagem. Cuidar do outro em vez de nos preocuparmos unicamente com 
nós mesmos pode nos trazer recompensas surpreendentes. Quando nos vemos 
cuidando de alguém de quem não gostamos ou que não conhecemos, podemos sentir 
também nossa humanidade compartilhada e então reconhecemos um novo nível de 
espiritualidade em nós. 
Nós chamamos Narcóticos Anônimos de irmandade por uma razão: somos uma 
comunidade de iguais. Nós nos unimos por necessidade, mas à medida que voltamos 
encontramos um laço comum. Temos uma escolha, não só quanto a nos tornarmos, ou 
não, membros da irmandade, mas também sobre o que isso significa para nós, e como 
viver e demonstrar isso. À medida que nossa conexão com outros se desenvolve, saímos 
da posição em que vivíamos, sozinhos, de modo abjeto e mergulhados em autopiedade, 
87 
 
e passamos a viver com uma conexão profunda. Alguns costumam dizer que “NA” 
significa “nunca mais sozinhos, nunca novamente” “Never Alone, Never Again”. A 
conexão nos transforma, e o fato de estarmos todos ligados por uma doença fatal 
significa que as bases são mais sólidas. A gratidão que sentimos ao ver um membro ficar 
limpo não é abstrata. Podemos nos sentir gratos por ter alguém como nosso amigo por 
anos – mas o fato de termos perdido tantos pelo caminho dá outro significado para a 
gratidão que sentimos. Nossa amizade é também uma celebração da nossa 
sobrevivência. Conectados que estamos por nossa doença comum e nosso propósito 
primordial, dividimos um vínculo diferente de quaisquer outros. 
Desde o momento em que chegamos à porta de uma sala de NA para nossa primeira 
reunião, nossa experiência é essencialmente sobre relações. As boas-vindas que 
recebemos como um recém-chegado ficam conosco. Muitos partilham sobre haverem 
sido tratados como seres humanos pela primeira vez em anos: “a primeira reunião foi a 
primeira vez em longo tempo em que alguém me tratou como uma pessoa, e não como 
um problema ou objeto.” O fato de as pessoas nos cumprimentarem, sentarem conosco, 
e nos abraçarem sem querer nada em troca, parece mais surpreendente do que a 
mensagem que ouvimos por meio de palavras. “Essa linguagem pela qual você se 
reconhece no outro sem palavras, crença, ou fé, a qual chamamos de “empatia”, é 
exatamente do que precisamos, e isso acontece nos encontros e trocas entre, 
supostamente, estranhos nas reuniões. Não há nada mais milagroso que isso. Com o 
tempo, aprendemos que temos uma rede segura na qual podemos confiar e pessoas 
que se preocupam conosco e nos ajudam a seguir na caminhada. 
As relações são uma área em que mostramos nossas diferenças de modo mais agudo. 
Alguns de nós ficam bastante isolados enquanto outros cercados de pessoas; alguns de 
nós desenvolvem largos e vibrantes círculos sociais dentro da irmandade enquanto 
outros de nós têm poucos amigos com os quais nos sentimos confortáveis. Alguns de 
nós descobrem que em recuperação nós nos acalmamos, mesmo enquanto, às vezes, 
festejamos até o amanhecer, pois estamos fazendo isso limpos. Alguns de nós param de 
ter encontros quando ficam limpos, já outros afundam o pé. Provavelmente não há 
nenhuma área de recuperação em que ofereçamos tanto conselho e absorvamos tão 
pouco; isso tem a ver com a natureza da nossa doença e com as ferramentas que usamos 
para lidar com ela. O que temos em comum é a doença da adicção e os princípios da 
recuperação que podem nos guiar em todos os aspectos da nossa vida. 
Há algumas coisas que se aplicam a todos nós. Temos uma doença e o seu núcleo é a 
auto-obsessão. A ferramenta mais importante para lutar contra a doença é a empatia: 
a percepção de que outros nos entendem de uma maneira profunda. É a consideração 
que construímos pelos outros que nos permite sair da nossa auto-obsessão e nos 
conectar com algo maior. Empatia significa que entendemos uns aos outros; vemos e 
entendemos nosso lado sombrio, o amor, a dor. Isso é diferente de uma honestidade 
brutal, aquela utilizada para machucar alguém. Entregamos uns aos outros a verdade 
em um prato – inevitável, óbvia, aterradora, e por que não, um pouco divertida – mas 
não a usamos como uma maneira de ganhar poder sobre os outros, bem como para 
88 
 
humilhá-los. Mostramos uns aos outros nossa percepção e exemplo de como temos nos 
tornado melhores e, mais, que podemos continuar crescendo. 
As coisas sobre o que mais reclamamos na irmandade são aquelas a partir das quais mais 
podemos aprender. Por mais que imaginássemos que aprenderíamos a praticar os 
princípios espirituais ao lê-los, a verdade é que os aprendemos na prática ao bater de 
frente uns contra os outros, às vezes, rudemente. Não contribuir, por vezes, para o 
aumento do conflito já é um sucesso. Podeser que não tenhamos o poder de fazer as 
pazes, mas certamente podemos evitar alguma situação constrangedora que poderia 
comprometer a atmosfera de recuperação que tanto valorizamos. Muitas vezes vemos 
membros que, apesar de suas diferenças, as colocam de lado para ajudar o recém-
chegado ou a um amigo, à beira do leito de morte ou em um momento de aflição. As 
lutas de vida e morte que experienciamos e suportamos colocam tudo sob perspectiva. 
Os conflitos, o drama, as rupturas que ocorrem na sala, tudo ajuda a dissolver os limites 
de nossas atitudes rígidas e rudes. 
A força da irmandade, que é responsável por nos tirar da nossa condição de isolamento, 
alienação e de adictos assustados, gradativamente, vai nos tornando membros 
amorosos. Quando estamos no meio do pior tipo de conflito, podemos lembrar que 
ainda somos bem-vindos nas reuniões, que ainda temos pessoas em quem podemos 
confiar e que se importam conosco e que ainda estamos em meio à irmandade e à nossa 
recuperação. Aprendemos que quando temos uma necessidade ou preocupação 
genuínas, quase todos os membros se apresentarão para ajudar, mesmo havendo 
alguma discordância ou desavença. Com o tempo, à medida que cuidamos dos outros e 
percebemos que eles realmente nos apoiam, começamos a nos sentir mais seguros. 
Podemos então nos sentir mais dispostos a arriscar algo, nos desapegar do que não está 
funcionando, e tentar algo diferente. Cada vez que nos tornamos vulneráveis e 
encontramos alguém na irmandade para nos acolher, alcançamos um novo nível de 
segurança e confiança. 
Nós sempre dizemos que amaremos o recém-chegado até que ele aprenda a amar a si 
próprio. O que estamos fazendo é amá-lo para que volte a viver novamente. Isso é 
verdade não importa como nós expressemos o nosso amor. Alguns de nós são 
acolhedores e afetuosos, alguns grosseiros e distantes, mas fazemos a mesma coisa 
quando uma reunião começa. Estamos tirando a atenção de nós mesmos e fazendo um 
outro tipo de conexão. O livro básico nos diz que o amor “ é o fluxo de energia da vida 
que circula entre nós”. Isso é essencial para a nossa compreensão. Nos conectamos com 
outros, e por meio deles, a um poder maior do que nós. Abrir-se para o mundo ao nosso 
redor é um despertar espiritual. 
Uma de nossas primeiras conexões quando estamos em recuperação é normalmente 
com nosso grupo de escolha (quer o chamemos ou não assim) – aquele em que 
frequentamos reuniões com regularidade. Percebemos a conexão que existe entre os 
membros do grupo e desejamos isso. Fazemos contato com outros membros recém-
chegados que estão se degladiando internamente e nos preocupamos se voltarão na 
próxima reunião. Começamos a ter esperança nos outros e encontramos esperança para 
89 
 
nós também. Percebemo-nos realmente entusiasmados ao ver o tempo limpo dos 
outros. Nos interessamos por eles. Praticar a abnegação nos alivia de nossa auto-
obsessão. Cuidar dos outros e perceber que as pessoas cuidam de nós é outro despertar 
que vivemos. 
Nosso despertar espiritual se revela em nossas ações. Juntamo-nos ao grupo, 
encontramos um padrinho e servimos. Assumimos o compromisso de estar presente nas 
reuniões e agir com regularidade. Aprendemos novas maneiras de demonstrar nossa 
gratidão ao mesmo tempo em que aprendemos a ser cobrados em nossas tarefas. 
Quando assumimos um compromisso, aprendemos a aceitar a responsabilidade, a 
passar pelos momentos adversos, a fazer o melhor que podemos e a pedir ajuda quando 
precisamos. Aprendemos nossos limites pelos compromissos que assumimos, tentamos 
encontrar uma maneira responsável de nos desapegarmos, quando for o caso, e 
descobrimos que faz parte do caminho cometer erros. Aprendemos que a adversidade 
e os conflitos não são o fim da linha. Podemos começar a servir por ego, mas 
aprendemos, por meio da dificuldade, a sermos altruístas e esse é o objetivo. Tornamo-
nos parte de algo maior do que somos. Para a maioria de nós o foco anterior era a 
autodestruição. Que felicidade fazer parte de algo que não só salvou nossa vida, mas 
que torna a vida digna de ser apreciada. 
O desejo de servir vem desse senso de cuidado e preocupação – e é importante notar 
que o serviço não está limitado ao que fazemos dentro da irmandade. Sob qualquer que 
seja a forma, o serviço é o que fazemos levando em consideração os outros. Nas 
reuniões isso pode significar arrumar as cadeiras ou ajudar a limpar a sala; pode ser 
passar um tempo e conversar com um adicto que está com problemas, dar uma carona 
para alguém ir a uma reunião, ou assegurar que outros não se sintam excluídos. Ajudar 
é a maneira como rompemos nossa auto-obsessão. O serviço nos abre à transformação 
pelo exercício do músculo do amor. Quanto mais praticarmos o altruísmo abnegado, 
mais fácil e mais compensadora percebemos que essa atitude se torna. 
 
Amizade 
 
Podemos escolher as primeiras pessoas de quem nos aproximamos em recuperação 
somente porque estão disponíveis, ou porque vão às mesmas reuniões. Quando 
estamos em crise, não importa se confiamos ou não em alguém; nós ajudamos e 
agradecemos por alguém nos ajudar a sair da beira do penhasco. Precisamos confiar 
antes de começar a discernir quem é confiável. O discernimento vem com as 
experiências difíceis: confiar em pessoas em quem não deveríamos, sermos magoados 
e voltar mesmo assim. À medida que nosso auto respeito cresce, escolhemos com mais 
cuidado a quem podemos confiar nossos segredos. Passamos a nos conhecer melhor – 
melhoramos nossa ideia acerca de nós mesmos e ganhamos clareza sobre o que 
queremos e desejamos em nossas amizades. Começamos a identificar os elementos de 
uma relação saudável. Uma sensação de segurança pode ser a maior diferença que 
90 
 
percebemos em nossas relações. Começamos a sentir que podemos confiar nas pessoas 
e nos tornamos mais dignos de confiança para nós mesmos. 
Nossa terceira tradição nos ensina que somos todos aceitos em NA. Não seremos 
expulsos se cometermos algum erro. Então começamos a experienciar diferentes tipos 
de relação e conflitos, abrigados no conhecimento de que ainda seremos bem-vindos 
quando estes terminarem. Uma das coisas que percebemos em recuperação é que 
temos muitas amizades diferentes. Experimentamos isso e descobrimos os meios com 
os quais nos sentimos mais confortáveis para nos conectar. Isso também muda com o 
tempo. Relações são fluidas, e isso é parte do que as torna tão desafiadoras. Elas podem 
mudar ao longo do tempo. Um membro com o qual tivemos pouco contato por anos 
pode nos pedir café e, de repente, nos tornarmos amigos rapidamente – ou perceber 
que alguém de quem éramos mais próximos agora está se afastando e já não temos mais 
tanto em comum como antes. Nossas expectativas de como deve ser um amigo (ou um 
parceiro, ou padrinho, ou parente) pode nos impedir de encarar a realidade de nossas 
relações. 
Nos desapegamos das coisas que nos afastam das outras pessoas e de nós mesmos. Os 
passos e as tradições nos ensinam como praticar os princípios e arrumar a bagunça que 
torna a visão da realidade tão difícil. “Há partes em mim que ficaram congeladas pelo 
dano que me foi causado na infância”, explicou um membro. “Eu tomei a decisão de que 
ninguém jamais me magoaria e que somente confiaria em mim mesmo. Criei um mundo 
bem solitário: não havia lugar para ninguém mais, nem mesmo para o meu Poder 
Superior. Foi preciso aderir seriamente ao trabalho de passos para reconhecer como 
minhas relações antigas haviam estabelecido os padrões para as demais”. 
O núcleo da nossa doença é a auto-obsessão. Temos que aprender a lidar com isso desde 
o princípio da nossa recuperação e seguir, para o resto da vida, nos cuidando. 
Começamos a aprender isso na primeira vez que entramos em uma reunião e sentimos 
que estávamos no lugar certo. A identificação que sentimos e a sensação de que os 
outros sabem o tanto que sofremos rompem os grilhões da auto-obsessão e nos 
libertam de nós mesmos. Escapar da armadilha do egocentrismo nos tornaabertos para 
o outro, e, de repente, nos assustamos com nossos talentos, dons e com o tanto que 
cada um é único. Somos, cada um, fortes, em alguns aspectos, e fracos, em outros. 
Descobrimos que podemos ajudar e sermos ajudados pela mesmíssima pessoa. Eles 
precisam do que temos a oferecer e nós, da mesma forma, deles. Acordamos para um 
mundo em que as pessoas não são simplesmente o que julgamos que elas sejam. Todos 
têm suas histórias, lutas, habilidades e falhas. Podemos aprender com qualquer um e 
com todos. Escapar do ciclo da vitimização, culpa e vergonha nos possibilita ver as 
muitas maneiras de nos conectarmos com as pessoas ao nosso redor – mesmo com as 
que ainda não conhecemos. 
As dádivas da recuperação estão disponíveis para todos nós e nos chegam por meio de 
todos. Sentimos as alegrias e tristezas dos outros, vemos seu crescimento e queremos, 
genuinamente, ajudar ainda que, aparentemente, não tenhamos nada a ganhar com 
isso. Empatia é a habilidade de se conectar com os outros no nível do coração e do 
91 
 
espírito. Aprender a desenvolver a empatia requer que desenvolvamos uma consciência 
ampla, inclusive uma que está fora de nós mesmos. Desenvolvemos cuidado, interesse 
e, em alguns casos, amor pelas pessoas sem querer nada em troca. A empatia nos ajuda 
a perceber, cada qual, onde nos encontramos em nossa caminhada. 
Há um paradoxo aqui: precisamos desenvolver empatia e interesse pelos outros, e nos 
desapegar de nossa auto-obsessão sem nos perder de vista ao mesmo tempo. Podemos 
oscilar entre os extremos; da auto-obsessão a autonegligência. Quando nos vemos 
presos nesse padrão, podemos estar cheios de ressentimentos e frustrações. Quando 
damos um passo atrás e fazemos um inventário, podemos ver que nossa boa vontade 
em ajudar alguém com suas necessidades específicas não era abnegação de modo 
algum, mas antes uma tentativa de controle – tornar-se indispensável nos dá a sensação 
de importância assim como ser cuidado pelos outros também. Quando largamos as 
rédeas do nosso egoísmo e egocentrismo, não nos perdemos de nós; pelo contrário, nos 
encontramos verdadeiramente e uma sensação de alívio e melhora nos invade. 
Sentimos que estamos fazendo o certo pelo motivo certo. Há sempre mais espaço para 
a empatia e para a capacidade de amar. Elas são infinitas. Começamos a entender que 
sermos apenas nós mesmos é suficiente para sermos amados e cuidados pelos outros 
ou por um Poder Superior. Todos temos a oportunidade de vivenciar essa liberdade, 
mas, para alguns de nós, isso leva mais tempo. Libertamo-nos do nosso egocentrismo à 
medida que aprendemos a distinguir nossas necessidades, desejos e medos. O 
autoconhecimento é a melhor e mais segura porta de saída para a liberdade genuína. 
Encontramos nossos iguais nas salas – pessoas que nos entendem claramente. Rimos de 
nossas experiências e piadas. Uma vez que nos sentimos mais confortáveis com as 
mudanças em nossas vidas, somos capazes de encarar, com bom humor, aquilo que 
havia sido um grande problema no início da nossa recuperação. Quando ainda estamos 
sob a influência dominadora da adicção, isso não é nada engraçado. Nossos amigos de 
recuperação nos ajudam a rir de nós mesmos. Eles podem nos ajudar na nossa 
construção, e também nos pôr abaixo, mas ao final certamente nos aceitam como nós 
somos. As amizades que fazemos quando estamos em recuperação estão entre as mais 
importantes para nós. 
Alguns de nós usam a palavra “família” para descrever os laços que nos unem – nossa 
proximidade; é isso que acontece quando passamos feriados juntos, quando celebramos 
algo, quando estamos de luto, assistimos a alguma partida, e por aí vai. Um membro 
sugeriu que o grupo de escolha é como uma família, não só pela proximidade, mas 
também porque não pré-selecionamos seus membros. “Alguns deles são realmente 
difíceis”, um membro comentou, “mas são nossos companheiros e nós os amamos”. 
Alguns de nós têm parentes que estão nas salas e que estão envolvidos em recuperação 
e os membros da irmandade podem fazer parte da vida de nossas crianças, nossos pais 
e nossas esposas. Um membro, cuja mãe era idosa e sozinha, a trouxe para todos os 
eventos locais de NA e ela rapidamente se tornou uma “mãe” para todo um grupo de 
pessoas em recuperação que estavam ansiosos por conexões familiares. 
92 
 
Alguns consideram a irmandade como uma família, e geralmente há alguns que dizem, 
“Então família...”, quando vão começar sua partilha. Já outros de nós se sentem 
desconfortáveis com isso. Especialmente se nossa família foi violenta ou gerou um 
ambiente inseguro, ou se tivemos alguma experiência em outros grupos que, por 
alguma razão, tenham exigido algum tipo específico de lealdade, então esse papo sobre 
“família” pode fazer a irmandade ser considerada insegura também: essas exigências 
podem haver feito alguns de nós pensarem que são machucados pela “família NA”. Para 
alguns de nós, no entanto, isso não é nada ameaçador – só parece um pouco infantil. 
Nós podemos até mesmo não ter uma linguagem que nos permita descrever os tipos de 
conexões que temos em NA, mesmo após algum tempo. 
Apoiamo-nos em nossas lutas do dia a dia: romances e rupturas, nascimentos e mortes. 
Nosso senso de conexão se aprofunda e nossa afinidade se desenvolve. Podemos não 
ter a intensidade que tivemos nos primeiros anos em nossas relações, mas a 
profundidade que cresce em seu lugar é também maravilhosa. Quando as pessoas que 
fizeram parte do início da nossa recuperação continuam sendo parte de nossas vidas, o 
tempo se torna uma dimensão que enriquece essas relações de uma forma única. 
Desenvolvemos amizades de longa data que resistiram a violentas tempestades, 
pessoas que vemos duas vezes ao ano, mas com as quais retomamos a relação tão logo 
a encontramos; pessoas que salvaram nossas vidas e que não as encontramos mais por 
um ano ou uma década, enfim, pessoas que, a despeito da distância, estão 
completamente envolvidas em nossas vidas diárias. Essas são conexões emocionais 
profundas que vão além do que consideramos amizade, mas que também não se 
encaixam no que consideramos “família”. 
À medida que ficamos limpos e construímos relações duradouras, experimentamos um 
tipo de segurança que nunca imaginamos. Conhecemos os outros como qualquer um 
nos conhece. Testemunhamos o crescimento e envelhecimento uns dos outros, e vemos 
nas marcas de expressão de cada um os sinais das gargalhadas e lutas que 
compartilhamos ao longo da caminhada. Podemos estar inacreditavelmente próximos e 
distantes em períodos determinados, mas há algo que nos consola e nos preenche; a 
confiança de que não estamos sozinhos nesse trajeto. Esse amor e conexão é tão 
profundo quanto qualquer um que já tenhamos experimentado. 
As maneiras sob as quais se manifestam nosso amor em recuperação podem ser 
intensas e belas. Aprendemos a amar os outros – não somente nossos companheiros 
adictos, mas nossas famílias e os que estão à nossa volta – com um força que nunca 
imaginamos. Muitos de nós se afastaram do amor na adicção. Aqueles que nos amaram 
nos fizeram sentir envergonhados. Em nossa auto-obssessão nada era suficiente e as 
maneiras como éramos amados nunca pareciam adequadas às nossas necessidades e 
demandas sempre crescentes. Quando havia cuidado, interesse e apoio suficientes, nós 
explorávamos isso. Alguns de nós foram criados em casas de adictos ou em condições 
sob as quais nunca nos sentimos amados ou ainda em circunstâncias tão aleatórias que 
não nos permitiram confiar na possibilidade e realidade do amor. 
93 
 
As relações estão sempre evoluindo e nós estamos continuamente em um novo 
território à medida que nossas relações crescem e se aprofundam. Erros sempre 
acontecerão. Estar apto a reconhecê-los, repará-los e seguir em frente é uma dádiva do 
décimo passo, e não se trata apenas de evitar que problemas pequenos se tornem algo 
maior. Lutamos com a crença de que não somos bons o suficiente. Problemas pequenos 
em uma relação podem ampliarnosso senso de inadequação, de falta de amor e 
dignidade. Mesmo com muitos anos limpos, oscilamos entre evitar a responsabilidade 
por um problema e acreditar que não é nossa culpa. A rendição nos liberta do 
sentimento de que devemos constantemente ter que compensar os outros por sermos 
tão inadequados. Podemos lidar com o que nos diz respeito, nos render, e entregar o 
restante. Aceitar que podemos cometer erros e que eles não são o fim do mundo ou de 
uma relação faz parte do processo de apaziguamento com nossa própria humanidade. 
Podemos partilhar honestamente sobre quem somos. Para além da nossa adicção, 
somos seres humanos: membros da sociedade com dons e falhas como qualquer um. 
Somos capazes de amar e sermos amados, de cuidar dos outros e contribuir para o seu 
bem-estar. No processo de reconstrução do nosso eu, que a recuperação nos 
oportuniza, construímos uma nova relação com nossos companheiros e com o Poder 
Superior. “Ao fim, o que está acontecendo é que me sinto amado e apoiado enquanto 
aprendo a construir relações honestas, sem segredos e manipulações. Seguro pelo amor 
da irmandade, meu coração está se descongelando.” 
 
Construindo a ponte entre dois mundos: Relações fora de NA 
 
Nossas relações em NA podem não ser como nenhuma outra que temos, mas isso não 
significa que sejam as únicas em nossas vidas ou mesmo as mais importantes. Temos 
família e amigos fora da irmandade. Nossos empregos em geral nos colocam em contato 
com outros; muitos de nós voltam a estudar ou encontram outras maneiras de buscar 
seus objetivos pessoais e profissionais. Desenvolvemos interesses e habilidades que 
nada têm a ver com recuperação, exceto que, sem esta, muito provavelmente não 
teríamos condições de perseguir nossos interesses. Na busca de nossas paixões, 
carreiras ou hobbies, nos conectamos de maneiras surpreendentes com o mundo que 
está além de nossas portas. Alguns de nós fazem parte de comunidades de fé ou outras 
organizações que têm seus critérios vinculantes. Em todas essas relações, aprendemos 
e crescemos, praticamos princípios e tentamos lidar de outras formas com velhos 
sentimentos. Nosso anonimato pode ser algo que guardamos com cuidado para 
resguardar nosso lugar no mundo fora da irmandade. 
Quadrado, careta, entre outros – são termos que usamos para nos separar das pessoas 
que não frequentam a sala e terminamos por, equivocadamente, reforçar nossa 
alienação. Lutamos com o medo de que se nos integrarmos demais com o mundo fora 
de NA, vamos abandonar a irmandade. Cada um de nós procura o próprio equilíbrio que 
permita participar do mundo sem comprometer sua recuperação ou se colocar em risco. 
94 
 
Com uma base que nos concede intimidade e segurança na irmandade, pode ser mais 
fácil se aventurar mundo afora. Aprender a viver e a servir de acordo com as tradições 
nos dá habilidades específicas que são muito bem-vindas fora da irmandade. Boa 
vontade, honestidade, crença na unidade e fé no processo de recuperação nos torna 
valiosos onde quer que escolhamos servir e trabalhar. Sabemos como nos fazermos 
úteis, como nos tornarmos disponíveis para aprender, como demonstrar respeito e 
permitir que os outros falem. Estar focado na recuperação e trabalhar de modo criativo 
para alcançar isso é tão parte da nossa maneira de viver que podemos não perceber o 
tanto que esse ativo é valioso no mundo. Aprender a servir nos capacita para a liderança. 
Nas nossas relações dentro de NA aprendemos muitas habilidades e realizamos 
trabalhos importantes, o que nos empodera também nas relações fora de NA. Eis uma 
das razões pela qual é tão importante nos mantermos conectados com a irmandade. 
Com toda a conversa sobre NA como “o último lugar” ou o lugar em que precisamos 
estar ou onde sempre somos bem-vindos não importa o que aconteça, às vezes, 
perdemos contato com a beleza do que temos. Quando permitimos que outros 
acompanhem nossa recuperação e o que significa para nós termos uma irmandade em 
nossas vidas, podemos nos surpreendemos com o tanto que isso atrai. Não é incomum 
ouvirmos de um não-adicto “eu gostaria de ter o que vocês têm”. Eles podem ver a 
beleza da graça, mas podem não compreender o que tivemos de apostar e passar para 
conseguirmos esse lugar. Mesmo sendo afortunados por não possuírem nossa doença, 
eles nunca entenderão o milagre que vivemos. Nós podemos ficar tão felizes por sua 
sorte quanto agradecidos pelo que temos. 
Aprendemos a cuidar dos outros e a compartilhar com eles. Mesmo os limites sendo 
bastante diferentes em relação às pessoas de fora da irmandade, os princípios que 
aprendemos em recuperação podem ser praticados em todas as áreas de nossas vidas. 
Honestidade e sinceridade são quase sempre apreciados em todos os lugares. Às vezes, 
pensamos que somente nós estamos encurralados pela dor, mas as outras pessoas 
também têm seus problemas. Quando compartilhamos com elas, descobrimos que 
temos muito a aprender uns com os outros. 
 
Família 
 
A relação com nossos familiares pode representar um dos maiores desafios em nossa 
recuperação. Nunca há somente uma camada de sentimentos em relação à nossa 
família. Há momentos em que vemos nossa infância por lentes cor de rosa e outros em 
que esquecemos que havia alguma alegria lá. Pode ser difícil deixar no passado a lista 
das mágoas reais e imaginárias praticadas por ambos os lados. Se eles ainda fazem parte 
das nossas vidas, fato é que a relação com a família é crítica para nós. 
Se temos uma relação contínua com nossa família, podemos não conseguir esperar até 
o nono passo para lidar com dificuldades decorrentes dessa relação. Quer façamos ou 
95 
 
não reparações com os membros de nossa família, haveremos de lidar com as 
consequências de nossas ações e de nossa recuperação toda vez que os encontrarmos. 
“Eles eram legais, mas eu tinha que descobrir quem eu era e isso não podia ser feito em 
companhia da minha família”, um membro falou em sua partilha. Outro membro 
descobriu que as reparações em seu caso significavam não tolerar mais abusos, e ela 
sentiu que finalmente ganhara permissão para sair de um lar abusivo e destrutivo. 
Por outro lado, à medida que nos recuperamos, muitos de nós desejam relações mais 
próximas com suas famílias. Apreciamos nossas famílias e a habilidade para estarmos 
presentes e participarmos como um membro saudável e responsável já é uma 
recompensa em si. O que aprendemos sobre ser membro de NA também se aplica à 
nossa família. Quando aparecemos com a mente aberta e boa vontade para servir, as 
recompensas podem ser bastante superiores aos esforços; às vezes, são as recompensas 
diretas do sentimento de amor decorrente de nos relacionarmos com as pessoas com 
quem nos importamos. Mesmo quando as recompensas não são tão diretas, podemos 
vê-las com o passar do tempo: reeducar nosso comportamento não é algo que façamos 
para conseguir algo em troca, mas para mudar nossa relação com nós mesmos, com 
nosso Poder Superior e com todos à nossa volta. À medida que aprendemos a dissolver 
e reeducar nossos aspectos negativos - raiva, ressentimento, medo - pela graça do Poder 
Superior, desenvolvemos uma maturidade emocional que talvez não esperássemos. Isso 
libera parte importante da nossa energia, anteriormente aprisionada por nossos 
aspectos sombrios, que agora pode ser canalizada para ações produtivas. 
É desafiador abandonar as velhas maneiras de se relacionar com nossa família, 
especialmente quando precisamos abrir mão dos benefícios que normalmente nos 
traziam. Às vezes, o serviço prestado a NA nos abre uma janela para compreendermos 
nossos padrões com nossa família. Podemos perceber que estamos repetindo papéis 
como fazemos em outras relações: estamos agindo como vítimas ou salvadores, 
mediadores ou instigadores. Às vezes, é positivo e, às vezes, não. Mas a habilidade para 
enxergar esses padrões em uma área de nossas vidas permite que mudemos nosso 
comportamento em todas as outras dimensões. 
Quando as pessoas se acostumam anos resgatar ou assumir a responsabilidade por nós, 
pode ser cômodo deixar que as coisas permaneçam desta forma. À medida que fazemos 
nosso inventário, podemos perceber o preço de não haver assumido a responsabilidade 
por nós mesmos em nossas relações, carreiras, e, acima de tudo, por nosso espírito. É 
possível desatar os nós de nossa dependência em relação aos outros sem uma aspereza 
desnecessária. Somos gratos pelas pessoas que tentaram nos ajudar, quer tenhamos 
ou não aceitado seu auxilio. Tentamos manter conosco a sabedoria da Sétima Tradição: 
“tudo tem seu preço, independente da intenção. ” Fazemos o que está ao nosso alcance 
para aceitar ajuda quando precisamos e fazemos a nossa parte no que podemos. Há 
uma grande sensação de liberdade ao assumirmos a responsabilidade por nós mesmos. 
Somos capazes de olhar nos olhos dos outros e sermos claros quanto ao que queremos. 
Depois de muitos anos de recuperação, um membro se viu na posição de cuidar dos pais 
com quem havia passado por dificuldades na infância. “Recentemente ficou claro pra 
96 
 
mim como eles são humanos e frágeis”, ele disse. “Me machuca quando vejo meu pai 
não se lembrar mais de quem eu sou, mas no geral isso pouco importa porque eu me 
lembro de quem ele é”. Alguns dos momentos mais difíceis por que passamos contêm a 
chave para a cura de nossas cicatrizes mais profundas e dolorosas. Frequentemente as 
recompensas na recuperação vêm quando não estamos buscando nada, a não ser a 
próxima coisa correta a se fazer. 
Podemos nos surpreender ao aprendermos de quantas maneiras diferentes os 
companheiros vivem essas coisas. Mesmo se procurarmos ajuda profissional para tratar 
das nossas relações de infância e com nossa família, nossa recuperação em NA não 
precisa ser colocada de lado. Pelo contrário, a base de nosso programa nos apoia 
enquanto estamos lutando contra sentimentos e recordações marcantes. À medida que 
outros membros compartilham seu amor e compaixão, aprendemos mais uma vez que 
não estamos tão sozinhos quanto poderíamos nos sentir. 
Quando olhamos de forma honesta nossa vida, podemos ver o que há de bom e ruim 
em nossas famílias mesmo quando são bem complicadas. O processo de recuperação 
nos oferece a liberdade de escolher o que queremos trazer à tona do nosso passado, e 
o que realmente desejamos deixar para trás. Nem sempre é tão fácil agir quanto se é 
falar, mas a habilidade para decidir, que ganhamos com a aplicação do programa, 
aumenta consideravelmente a probabilidade de sermos capazes de levar isso adiante. 
Nossos veteranos, às vezes, nos lembram: “se você ainda não sabe o que quer, é 
provável mesmo que não consiga”. 
Muitos padrões de relacionamento que desenvolvemos em nossas vidas foram 
estabelecidos muito cedo. Não nascemos com toda essa carga danosa, mas precisamos 
viver com os eventos do nosso passado e alguns deles foram de fato traumáticos. Abusos 
podem assumir muitas formas e não é fácil qualificar nossa história. Não importa o lado 
da equação em que estamos, as lembranças nos assediam. Nossa história nos lega 
problemas que vem à superfície muitas vezes: vergonha, medo, a crença de que 
precisamos justificar nossa existência, e um senso de alienação de nós mesmos, de 
nossos corpos, e dos outros. Em nossas relações, isso aparece como um sentimento de 
fracasso mesmo antes de as começarmos. Parece impossível para nós que possamos ter 
uma relação saudável e amorosa de modo que qualquer sinal de rusga ou fricção parece 
confirmar nossas piores suspeitas. Nós intensificamos nossos medos ou nos afastamos 
deles antes que se confirmem ou que vejamos que não são a realidade. 
Chegar a um bom termo com nossa experiência de vida acontece aos poucos e em 
camadas: há problemas que precisamos abordar imediatamente se quisermos encarar 
a vida limpos e outros para cuja resolução precisamos desenvolver uma base sólida em 
recuperação. A bagagem que nos acompanha em nossa longa viagem pode nos trazer 
sentimentos de desesperança. De fato, há momentos em que podemos nos sentir bem 
frustrados ao nos vermos encarando os mesmos problemas já existentes há anos, mas 
encontramos uma liberdade crescente à medida que seguimos fazendo-o. Quando 
estamos nas garras de um antigo padrão, devemos nos lembrar de nosso lema: não use, 
não importa o que aconteça! É como se nos lembrássemos de que devemos agir 
97 
 
diferente se quisermos resultados diferentes. Mas pode levar muito tempo entre nosso 
trabalho para melhorar em algum aspecto de nossa vida e a tomada de consciência 
desse processo. 
Para aqueles de nós com padrões de relações dolorosas que vêm de longa data, pode 
ser surpreendente perceber o número de relações amorosas e duradouras que temos 
na irmandade. O amor pode nos encontrar de surpresa. O próprio fato de que esse amor, 
e a sua inegável presença em nossas vidas, realiza seu trabalho silencioso, curando 
nossas feridas, pode ser percebida pela sensação de renascimento advinda do ar que 
preenche, pela graça de nosso Poder Superior, nossos pulmões a cada amanhecer. 
 
Paternidade 
 
Talvez nada mude mais nossa perspectiva sobre nossa infância do que termos nossos 
próprios filhos. Adquirimos uma perspectiva diferente sobre a experiência de nossos 
pais e nos vemos por meio deles. Queremos tanto fazer certo – mas não sabemos o que 
isso significa. Ser um bom pai pode significar coisas diferentes para cada um de nós, mas 
o que quer que pensemos que isso possa representar, a verdade é que queremos fazê-
lo da maneira certa. Ficamos tão imersos em nossas teorias e expectativas acerca do 
que deve ser pai que nos esquecemos que se trata de uma relação. Tudo que 
aprendemos sobre relações em recuperação pode nos ajudar como pais – vemos nossos 
problemas nas lutas que travamos virem à tona, de uma forma ou de outra, em nossas 
relações com nossos filhos. 
Aprendemos a ouvir e a nos comunicar cuidadosamente. Assim como fazemos em nossa 
relação de apadrinhamento, aprendemos a lidar com nossos filhos em seu processo de 
crescimento. Talvez mais importante seja perceber que quando saímos de nossa auto-
obsessão, podemos sentir e vivenciar amor, compaixão, empatia e intimidade. À medida 
que nos apaziguamos, encontramos paz com os que estão à nossa volta, incluindo 
nossos filhos. Quando praticamos a autoaceitação, podemos aceitar nossos filhos como 
os seres humanos que são. Talvez a maior dádiva com que possamos presentear nossos 
filhos seja aceitá-los. Considerando que não podemos dar o que não temos, o que 
queremos para eles pode ser o mesmo alvo que buscamos em nossa jornada da 
recuperação. 
Ter filhos é um compromisso para a vida, quer isso nos tenha chegado de modo 
cuidadoso e planejado ou inteiramente por acaso. Uma das coisas que distingue a 
relação de paternidade e maternidade das outras é o seu caráter de permanência: nunca 
deixaremos de ser pais, mesmo se não estivermos próximos aos nossos filhos o tempo 
todo. Quer estejamos, ou não, próximos a nossos filhos constantemente, o fato de 
sermos pais nos expõe a um poder para amar que podemos nunca haver conhecido 
antes. Somos mais capazes – e mais vulneráveis – do que imaginávamos. Ter filhos nos 
98 
 
oportuniza uma abertura para uma conexão mais profunda do que qualquer outra em 
nossas vidas, além de nos agraciar também com uma lição de vida sobre o desapego. 
Muitos de nós pressupõem que ser pai é algo que devêssemos saber instintivamente de 
modo que pode ser difícil pedir ajuda em relação a isso. O princípio da mente aberta nos 
permite continuarmos sendo alunos e a procurar os vários professores que nos cercam 
na irmandade. Alguns de nós encontram o apoio de que precisam trazendo seus filhos 
às reuniões e criando-os dentro da irmandade; outros de nós têm filhos que não sabem 
de modo algum que seus pais estão em recuperação. Quaisquer que sejam as escolhas 
que façamos em relação a como nossas famílias e a irmandade se intersectam, sabemos 
que as habilidades desenvolvidas em recuperaçãonos fazem pais, parceiros e filhos 
melhores em qualquer estágio de nossas vidas. 
Há uma ampla variedade de experiências de paternidade e maternidade na jornada da 
recuperação. Alguns de nós se fazem acompanhar dos filhos durante a adicção e 
recuperação; alguns formam família após ficarem limpos; alguns de nós nunca têm 
filhos, mas se tornam importantes na vida de crianças de alguma forma. É difícil falar 
sobre essa experiência sem se distrair em meio a nossas muitas teorias e crenças acerca 
da paternidade e maternidade, ou a nossos variados meios de comunicação. Todos 
temos opiniões sobre o que é certo e errado. A recuperação em NA nos abre as portas 
da liberdade para descobrirmos o que é certo para nós, assim como para podermos 
vivenciar isso da melhor maneira possível de acordo com nossa habilidade. Assim como 
não há modelo para a recuperação de um adicto, também não o há para um 
companheiro, que está em recuperação na irmandade, ser pai. 
Pode ser bastante confuso, nas relações com nossos filhos, distinguirmos entre o que 
está, e o que não está, sob nosso controle. Fazer um inventário nos ajuda a resolver os 
aspectos sobre os quais devemos agir. “Eu fiquei maluca quando soube que teríamos 
um bebê. Não tinha ideia do que fazer. Minha madrinha me pediu para escrever algumas 
perguntas simples que me foram muito úteis: o que é uma criança? Quais são suas 
necessidades? Quais as minhas responsabilidades? O que é um pai? Quais são as suas 
responsabilidades? A paternidade e a maternidade são aspectos de nossas vidas aos 
quais nosso egocentrismo pode causar dano real. Trabalhar o programa nos impede de 
ficarmos presos em nossa auto-obsessão e nos ajuda a detectar quando estamos 
recriando antigos padrões que não queremos deixar para a nossa descendência. Viver 
vidas simples baseadas em honestidade e integridade formam um padrão de mudança. 
Nosso exemplo ensina mais nossos filhos que nossas palavras. 
Se houvermos sido separados de nossos filhos por um tempo, poderemos precisar nos 
conhecer novamente à medida que aprendemos a lidar com eles. Frequentemente há 
conflito quando nos reunimos com nossos filhos após algum tempo; eles têm seus 
sentimentos sobre o que aconteceu e isso pode nos machucar. Nossas relações com 
nossos filhos podem ser manchadas, não somente pelo estrago que causamos com 
nossa adicção, mas também pela culpa e vergonha que sentimos em relação ao que 
aconteceu. Autodepreciação é apenas outra forma de auto-obsessão e nos cega às 
necessidades de quem está ali bem à nossa frente. Quando saímos do caminho, 
99 
 
descobrimos que podemos ser bons pais em qualquer época do desenvolvimento de 
nossos filhos. Ainda que eles tenham se tornado adultos, ainda temos algo a lhes 
oferecer. Nossa experiência com o serviço abnegado em recuperação nos ensina que se 
mostrarmos boa vontade, as oportunidades para ajudar aparecerão naturalmente. 
“Deixo minhas crianças assumirem a responsabilidade por amor. Elas me mostram o 
carinho caloroso que eu não conheci anteriormente. Aprendi a parar de controlar e 
apenas a apreciar”, disse outro pai em recuperação. “A família grande e afetuosa da 
minha parceira ensinou meu filho a amar e a abraçar. Estou aprendendo com ele a 
aceitar o afeto, mesmo quando é desconfortável para mim”. Parte da alegria e da 
dificuldade de ser pai é que estamos em constante experimentação. Cada criança é 
única e cada pai também. Aprendemos a adaptar nossas crenças à realidade, a 
avaliarmos nosso comportamento e a usarmos as ferramentas que aprendemos em NA 
para formar uma família da qual fazer parte nos faça felizes. 
Mesmo os melhores pais atravessam momentos em que não estão tão certos sobre se 
gostam dos filhos. Somos humanos; há momentos em que apenas não fazer a próxima 
coisa errada é o melhor que conseguimos. “Eu costumava correr para o banheiro e 
fechar a porta,” disse uma mulher . “Eu ficava de joelhos e apenas rezava para que o 
desejo de bater em meu filho passasse”. Uma outra companheira disse: “Eu ia para o 
meu quarto e rezava para eu dormir.” Nossas frustrações e medos podem nos levar a 
reagir do modo como fizemos anteriormente. Não somos perfeitos, mas estamos 
melhorando. Começamos por não machucar os outros e descobrimos que podemos 
fazer muito bem se praticarmos o princípio da boa vontade. 
Ter filhos em meio à adicção ativa é sempre difícil. Em geral, nem os piores pais desejam 
causar mal aos filhos, mas em nossa adicção nós os machucamos com o que fazíamos e 
com o que deixamos de fazer. Alguns de nós fizeram o seu melhor na ativa, mas 
falharam: “eu pensei que ser um bom pai era comprar fast food e brinquedos para meu 
filho com o dinheiro que eu adquiria furtando,” disse um membro. Em muitos casos, 
parecia mais simples para todos os envolvidos se nós simplesmente não estivéssemos 
por perto. Deixamos nossos filhos com outros pais, parentes ou em abrigos para 
continuarmos na nossa adicção e descobrimos, ao ficarmos limpos, que nosso desejo de 
sermos bons pais não era suficiente. Alguns de nós estavam presentes fisicamente, mas 
emocionalmente distantes, imprevisíveis ou, simplesmente, ausentes. Alguns de nós 
sabem que causaram mais mal do que pode ser reparado: “eu era um mau pai”, um 
membro reconheceu. “Não há negação nisso e não posso desfazer o mal que fiz de 
nenhum modo. Eu vou passar a vida reparando isso.” 
Sabemos que machucamos nossos filhos, mas, às vezes, nos esquecemos das outras 
crianças que nos cercavam em nossa adicção: tomamos conta de crianças enquanto 
usávamos drogas e ignoramos a negligência ou abuso praticados contra elas em nossos 
locais de adicção. Se não pudermos desfazer o mal que causamos, podemos ao menos 
parar de fazê-lo. Isso já faz uma grande diferença. O programa nos ajuda a parar de 
causar danos às pessoas, compartilhar nossa experiência com os companheiros nas 
reuniões e vivenciar a experiência renovadora do apadrinhamento e do poder valioso 
100 
 
do exemplo. Podemos quebrar os ciclos de autodestruição em nossas famílias e ajudar 
os outros a melhorarem com seus filhos também. 
Por outro lado, alguns de nós querem assumir mais responsabilidade do que lhes é 
possível em determinado momento de suas vidas. Vemos nossos filhos brigando e 
queremos nos culpar por suas dificuldades. Projetamos o pior com base em nossa 
experiência. Nosso egocentrismo também se manifesta ao enxergarmos nossos filhos 
não como eles são, mas como um reflexo de nós mesmos, nossa paternidade ou nossas 
decisões. “Eu pensei que meu filho era uma versão de mim”, disse um membro. “Pensei 
que gostaríamos das mesmas coisas, que desejaríamos as mesmas coisas e pensaríamos 
da mesma maneira. Me custou muito ver que ele era uma pessoa única, diferente de 
mim, e sou grato por isso. Agora estamos nos conhecendo. Ele não sou eu, mas alguém 
de quem realmente gosto”. Acreditar que nossos filhos têm seu próprio caminho e sua 
relação com um Poder Superior pode nos trazer um novo entendimento de nosso 
terceiro passo. Quando saímos do caminho, nossos filhos podem ser vistos como 
indivíduos únicos que são. Nossa recuperação é uma mensagem para eles de que há 
“uma segunda chance” na vida. 
Frequentemente vemos traços de nossa doença em nossos filhos e não fica claro se é 
somente uma fase ou se eles são adictos como nós. Oscilamos entre a negação do que 
está acontecendo e rotularmos seu comportamento de inadequado como sintoma da 
adicção. Nosso desejo de poupar nossos filhos da nossa infeliz experiência com a adicção 
pode, às vezes, nos levar a pressupor equivocadamente que sabemos o que é melhor. 
Assegurar que nossos filhos tenham acesso à recuperação pode significar simplesmente 
não os pressionar demais. Mesmo para as pessoas que mais amamos, este ainda é um 
programa de atração, não de imposição. 
Muitos de nós perderam os filhos de uma maneira ou de outra. Eles foram tirados de 
nós, ou nós os demos para garantir sua segurança, ou algo lhes aconteceu. Para alguns 
de nós, essa é a feridamais profunda de nossa adicção, a perda que sentimos mais 
agudamente. No entanto, com o tempo e as ferramentas do programa, começamos a 
nos curar, quer ou não a relação com eles seja restabelecida. 
Se formos afortunados em ter nossos filhos juntos conosco em nossa recuperação, 
podemos descobrir que nossos processos e os deles não são tão diferentes: “Crescemos 
no mesmo passo”, disse um companheiro. “Eu era tão criança quanto meu filho, e tinha 
que ser pai de nós dois. É bastante constrangedor quando nossos filhos amadurecem 
antes de nós”. Precisamos de ajuda, aconselhamento e do poder do exemplo. Nos voltar 
aos nossos amigos de NA, às pessoas de nossa comunidade, e a outros adultos que estão 
envolvidos nas vidas de nossos filhos nos disponibiliza as informações de que 
precisamos. “Eu era mãe solteira, mas não estava sozinha”, uma companheira partilhou. 
Quando nos sentimos livres para pedir ajuda, somos aptos a adquirir as ferramentas que 
necessitamos para criar nossos filhos como acreditamos ser correto. 
Se entramos ou não em recuperação com nossas famílias, temos a tendência de 
construir relações familiares assim que começamos nossa jornada. Algumas delas se 
101 
 
parecem às famílias a que estávamos acostumados – encontramos um parceiro e temos 
filhos ou criamos os filhos em comum já existentes. Mas também reunimos famílias de 
outras formas: acolhemos os filhos de famílias ou amigos que não são capazes de criá-
los; nós os adotamos ou os ajudamos. Misturamos as famílias de maneiras 
surpreendentes. “Fiquei de coração partido quando aprendi que uma das consequências 
de minha adicção foi não poder ter tido filhos. Uma afilhada estava partilhando seu 
trabalho de passos comigo e comentou se não haveria uma mãe sem filhos que pudesse 
ser mãe das crianças que não tinham mãe. Foi como se uma luz entrasse na sala – eu 
olhei ao meu redor e lá estavam algumas crianças de rua que não tinham mãe, e então 
tive clareza sobre a vontade de Deus para mim”. Alguns de nós terminam por tomar 
conta de amigos ou pessoas idosas que não possuem famílias. Como quer que aconteça, 
muitos de nós encontram suas casas repletas de amor e pessoas que nos amam, quer 
sejam ou não nossos parentes. Os laços que nos unem não se limitam aos primeiros 
companheiros que reconhecemos quando nos reunimos na irmandade. Família pode ser 
um conceito difícil para alguns de nós. Fazemos as pazes com ele, às vezes, ao reinventá-
lo completamente. 
 
Reparações e reconciliações 
 
À medida que nosso comportamento se transforma, não deixamos mais um caminho de 
caos e destruição em nosso rastro. Reconhecemos que não há como voltar atrás após 
quebrarmos um vaso; há exemplos de dores que causamos que podem ser difíceis de 
serem reparadas. Repararmos nossos erros é importante para se viver livre da culpa, 
vergonha e remorso que nos mantêm na armadilha da autopunição. Mas o processo 
nem começa e nem termina quando nos sentamos para conversar com a pessoa que 
machucamos. Com a ajuda de nosso padrinho, nos reconciliamos com a verdade do que 
fizemos e iniciamos o processo de apaziguamento com as consequências das nossas 
ações. Uma relação honesta conosco e uma mudança tangível e real em nossas vidas 
são necessárias para que as reparações tenham valor. Há uma razão para que essa fase 
somente ocorra após estarmos trabalhando os passos há algum tempo. Esse processo, 
pelo qual não é fácil passar, é um dos mais importantes que levaremos adiante em nossa 
recuperação. 
As reparações que fazemos por meio de palavras são cruciais em nossa recuperação, 
mas são somente uma parte do processo. Vivê-las significa permitir que as mudanças 
em nossos comportamentos e em nossas personalidades se tornem consistentes e 
confiáveis nas vidas daqueles com quem nos importamos. Fazemos isso ainda que as 
pessoas que amamos estejam ou não evoluindo, mesmo se nos perdoaram ou não, 
mesmo se as relações se tornaram aquilo que desejávamos ou não. Quando limpamos 
nossa parte da sujeira, nossos corações e espíritos se aliviam e se elevam. Mas isso não 
obriga de modo algum que os outros limpem sua parte da sujeira, nem que nossa família 
se torne aquilo que desejamos. É mais provável que façamos as pazes com as famílias 
102 
 
que temos e aceitemos a realidade de quem somos. Aprendemos a viver com eles, como 
são, sem impor-lhes condições ou alimentarmos falsas expectativas. 
Há pessoas que nunca nos perdoarão. Frequentemente alguns são membros da nossa 
família. Por mais que ansiemos por seu perdão, a verdade simples é que isso não virá 
até que estejam prontos para tal. Viver com isso pode ser imensamente difícil. O desejo 
de consertar pode ser tão forte que pioramos as coisas e não deixamos a cura acontecer 
em seu próprio tempo. Uma companheira, 12 anos após iniciar seu processo de 
reparação, ouviu de sua filha que ela finalmente havia sido perdoada. “Foi uma dádiva 
não saber que ela ainda lutava contra isso todo esse tempo”, ela disse, “porque se eu 
soubesse eu teria me desapegado e não haveríamos chegado até aqui”. O que quer que 
precisemos dizer às pessoas que magoamos, sabemos que a mais profunda reparação 
que podemos fazer se refere à nossa mudança. Enquanto sentimos a profundidade da 
transformação em nossas vidas, as pessoas que viveram nossa adicção podem levar 
muito tempo para acreditar e confiar em nós. Mesmo nós podemos ter problemas em 
acreditar nisso. Abrigamos a mesma dúvida de que a mudança que estamos vivendo 
pode emperrar e que, se os outros não acreditam em nós, podemos cair na mesma 
armadilha de não acreditar nisso também. Ter pessoas que acreditam em nossa 
recuperação pode ser essencial para atravessar a tempestade, especialmente quando a 
perspectiva de sua duração é longa. A recompensa pode ser uma profunda auto 
aceitação: nos perdoamos, perdoamos os outros e encontramos paz – não importa o 
que os outros possam pensar, sentir ou nos dizer. Um membro partilhou, “eu não sou 
mais quem eu era, não interessa se alguém está, ou não, convencido disso. Essa mentira 
está morta.” 
A reconciliação é um princípio espiritual importante para nós: tomamos pé da realidade 
de nossas ações e nos reconciliamos com as pessoas. Às vezes, reconciliar-nos significa 
restaurar a relação ao seu estágio inicial, ou entrarmos em uma nova fase assentada na 
realidade atual ou ainda, às vezes, fazermos as pazes com o fato de que a conexão com 
essa pessoa se perdeu. Mas a reconciliação significa o restabelecimento do equilíbrio. 
Da mesma forma, quando assumimos o que não é nosso, como quando assumimos a 
responsabilidade por algum sentimento ou ação de alguém, estamos desequilibrados e 
o resultado disso frequentemente é destrutivo. Fazemos o possível para reparar o mal 
que fizemos e restabelecer o equilíbrio em nossas relações, abrindo mão do controle 
sobre os resultados. Encarar as reações de algumas pessoas com quem tivemos contato 
no passado pode nos fornecer uma visão mais aguçada sobre quem fomos, bem como 
custar nossa paz. Queremos estar bem conscientes de quem estamos nos tornando e 
usar nossas experiências passadas para nos ajudar a seguir em frente. 
Se fazer reparações é mudar, uma mudança crucial que podemos fazer é não nos 
submetermos mais a qualquer tipo de abuso. Encontrar o equilíbrio entre ouvir 
atenciosamente alguém sem nos colocar em uma situação de risco pode ser difícil. 
Somos os únicos capazes de estabelecer essa linha tênue e podemos não conseguir em 
dado momento. Como muito do que acontece em recuperação, as coisas trabalhadas e 
vivenciadas vêm em camadas. Pode ser útil saber que um tema abordado em 
103 
 
determinado momento não necessariamente significa que já o tenhamos esgotado, 
quer seja um problema, uma lembrança ou uma reparação. Mais nos é revelado e, às 
vezes, no decurso daquilo com que estamos lidando, aprendemos mais do que já 
havíamos feito anteriormente. 
Seguir nosso caminho com o conhecimento de que alguém não nos perdoou é duro, mas 
pode nos conduzira níveis de aceitação e perdão que não sabíamos ser possível. Isso 
nos revela um entendimento mais claro de para que serve o nono passo e aprendemos 
a reconhecer a diferença entre esperança e expectativa. Por mais que desejemos que 
alguém nos perdoe ou arque com sua responsabilidade em algo cujo dano foi recíproco, 
não temos o direito, nem razão de esperar por isso. Às vezes o caminho para nos 
perdoarmos se inicia ao perdoarmos o outro pela sua inaptidão para perdoar. À medida 
que perdoamos os outros, podemos vivenciar a compaixão pela dor que sentem com o 
fardo de seus ressentimentos – e também pela dor que lhes causamos. Entendemos que 
o senso do dano causado varia de companheiro para companheiro. Algo de que nos 
desapegamos facilmente pode ser, para outro, algo imperdoável: isso não nos diz 
respeito. Quando entendemos a gravidade do dano que causamos, podemos entender 
que aceitar essa falta de perdão é parte do nosso processo de reparação. Percebemos 
também que nos perdoar pode impactar a pessoa a quem estamos fazendo reparações. 
Isso pode ameaçar as suas relações ou seu senso de individualidade. Só temos controle 
sobre nossa recuperação. Só podemos reparar o que é nosso. O restante, em relação ao 
qual praticamos o desapego, não está em nossas mãos. 
Milagres acontecem e não somos os únicos a vivenciar a experiência de cura. Às vezes a 
reconciliação é possível, mas não necessariamente em nosso tempo e termos. É preciso 
que pratiquemos o perdão, a paciência e a aceitação. Precisamos dar tempo, ainda que 
seja o tempo de uma vida. Nesse ínterim, estamos cercados de pessoas que acreditam 
em nós e nos dispensam cuidado – e se prestarmos atenção, há sempre alguém 
precisando de nós. Podemos entregar o amor que sentimos àqueles que lhe dão as boas-
vindas, construindo e zelando pelas relações atuais em nossa vida. 
 
Relações amorosas 
 
O Texto Básico oferece uma sugestão sobre relações amorosas: que comecemos por 
escrever o que queremos, o que estamos buscando e o que estamos conseguindo. 
Quando exploramos essas questões simples, começamos a ver como podemos usar as 
ferramentas de recuperação para mudar nosso comportamento e nossa vivência da 
intimidade em uma relação amorosa. Aprendemos a desvendar nossos motivos e a 
sermos honestos sobre o que queremos; começamos a nos libertar de nosso antigo 
fardo e, assim, a vivenciar relações no agora. Praticar princípios como honestidade, 
coragem e fé nos permite abrir a porta para a experiência do amor, da aceitação e da 
confiança em nossas vidas. 
104 
 
 
O que queremos 
 
Frequentemente ouvimos que, se fizemos uma lista do que desejávamos no início de 
nossa recuperação, muito provavelmente não a fizemos com a devida profundidade. 
Não foi só no começo que isso foi verdade – muitas vezes nossos sonhos podem ser 
indicativos da vontade do Poder Superior para nós, mas ainda não são o mapa da mina. 
Muitos de nós vivem isso em suas relações amorosas também. Podemos começar a 
jornada para encontrar um parceiro da mesma forma como saímos para comprar um 
automóvel: fazemos uma lista das características que queremos e das que não 
desejamos e começamos a avaliar os pretendentes marcando simplesmente o que nos 
convém. Podemos nos surpreender, pensando haver encontrado a pessoa que atenda 
aos nossos critérios, ao perceber que as coisas não estão funcionando como planejamos. 
Nosso padrinho pode nos sugerir que olhemos a lista e pensemos no custo envolvido 
para que nos tornemos a pessoa que idealizamos como nosso parceiro. Outros podem 
sugerir que deixemos completamente de lado a lista, pensando em vez disso em como 
seria a relação na qual gostaríamos de estar. Alguns de nós são mestres da projeção: 
quando vamos encontrar alguém pela primeira vez, já imaginamos toda a relação, desde 
o mágico início até o divórcio amargo. Permitirmo-nos estar presentes no agora implica 
podermos desenvolver uma relação com uma pessoa, não com uma fantasia. Viver no 
agora nos liberta para nos apreciarmos, para gostarmos de nós mesmos. Aplicar as 
ferramentas que o programa disponibiliza como a escuta ativa, a prática de princípios 
como a unidade, a compaixão e o ato de compartilhar, tudo isso nos prepara para o 
estabelecimento de uma relação sólida muito antes de a vivermos de fato. Esses 
comportamentos não somente tornam mais provável alcançarmos o que queremos; nos 
tornam mais felizes e realizados onde quer que estejamos. 
Há tanta coisa que pode nos impedir de alcançar o tipo de relação que almejamos: 
medo, egoísmo, reservas, a crença de que as coisas terminarão mal. Quanto mais 
fazemos nosso inventário, mais claro fica o que está entre nós e aquilo que queremos. 
Podemos confundir nossa impulsividade com intuição e imaginar que nos apaixonamos 
tão logo sentimos a primeira excitação da emoção. Ou podemos resistir a qualquer tipo 
de emoção. Não arriscar nossos corações significa a possibilidade de eles não serem 
correspondidos e preenchidos. À medida que nos abrimos, também aprendemos a 
sobreviver à dor de sermos feridos. Estranhamente, à medida que se torna mais fácil 
suportar esses ferimentos, eles parecem acontecer com menos frequência. Escolhemos 
melhor, passamos a ter mais cuidado ao entrar em uma relação, além de aprender a 
reconhecer e tratar os sinais de dificuldade com mais urgência. Relações saudáveis 
começam a ocupar o lugar do caos que algum dia consumiu nossas vidas. Às vezes 
sentimos falta do tumulto. Viver sem o drama e a confusão da adicção ativa nos causa 
estranheza. Podemos ser impelidos a criar algum tipo de drama na recuperação só por 
isso nos haver sido tão familiar. 
105 
 
“É melhor não se relacionar com ninguém no primeiro ano” pode ser o mais repetido e 
também o menos ouvido conselho veiculado na irmandade. Precisamos de tempo para 
assentar nossos pés no chão, construir uma base de apoio, trabalhar os passos e 
descobrir quem somos, embora muitos de nós não se deem esse tempo no início. É 
como construir uma casa sem uma boa fundação: cedo ou tarde, a base precisa ser feita, 
e é muito mais fácil fazê-la no início do que a construir sobre uma casa já pronta. Muitos 
de nós não se dão esse tempo no início e descobrem depois que precisam dele. Se 
sobrevivermos a esta primeira etapa limpos, teremos uma boa noção sobre a 
importância e a utilidade desse tempo. 
Nem todos demoram um ano, e alguns muito mais que isso, até começarem uma relação 
amorosa. Podemos mesmo pensar que somos mais felizes e estamos mais serenos 
quando estamos solteiros e escolher essa opção. Ao descobrirmos que não há nada de 
que ter medo e que não há resposta correta, podemos responder nossas grandes 
questões sabendo que sempre podemos alterar a rota se assim o desejarmos. 
Nós queremos uma fórmula mágica que faça as relações funcionarem: um ano, três 
anos, um quinto passo, uma etapa inteira dos passos. A verdade é muito mais simples e 
difícil de definir. Alguns de nós nunca estão “prontos” e lutam por toda uma vida. 
Conhecemos membros que são catedráticos sobre os princípios e colecionam 
casamentos fracassados; também vemos recém-chegados tropeçarem em uma relação 
e fazerem isso funcionar. Quando funciona, ficamos felizes em recebermos os créditos. 
Quando não funciona, tentamos entender o porquê. As lições estão sempre disponíveis. 
Experiência é o que alcançamos quando não conseguimos o que queríamos. Algumas 
lições são tão claras que não é preciso que atuemos para entendê-las. Com a prática, 
desenvolvemos responsabilidade pessoal, discernimento e aptidão para sermos 
fiscalizados. Na maioria das vezes sabemos quando estamos fazendo algo errado; 
levando vantagem sobre alguém que é mais vulnerável, sendo controladores, 
enganadores ou abusivos; por isso temos a responsabilidade em relação a nós mesmos, 
tanto quanto em relação aos outros, de paralisar e reeducar nossos comportamentos 
destrutivos. 
Pode ser difícil admitir, mas os momentos em que mais queremos estar em uma relação 
são aquelescom um simples “sim, é possível”. 
Os princípios que praticamos em NA ganham significado ao longo de nossas vidas. Eles 
nos oferecem uma maneira de abandonar o uso de drogas e nos libertar para sermos 
nós mesmos. Trabalhar os passos, estudar as tradições e servir, dentro e fora de NA, nos 
conduz à descoberta de quem somos e daquilo em que acreditamos. Levar a mensagem 
nos torna conscientes de nossos dons e limitações e também nos guia rumo à mudança. 
Podemos avaliar nossa caminhada não em anos ou pelas coisas que ganhamos ou 
perdemos, mas pelo grau de paz que alcançamos em nossas vidas, assim como com os 
outros. Crescimento espiritual é o verdadeiro sucesso. Nossa recuperação se desdobra 
e, então, podemos seguir nos apaziguando com sentimentos que nunca havíamos 
admitido. O princípio da mente aberta nos habilita a investigar-nos e enxergar-nos com 
clareza cada vez maior à medida que nos entregamos ao processo infinito da rendição. 
Seguimos fazendo nosso inventário e aceitando o convite que a mudança nos faz. 
A mensagem que levamos possui três pontos fundamentais: qualquer adicto pode parar 
de usar, perder o desejo e encontrar uma nova maneira de viver. Falamos muito sobre 
os dois primeiros, pois parar é algo emergencial e abandonar a obsessão do uso é 
essencial para apreciar a vida. Mas o trabalho não termina aí. Encontrar uma nova 
maneira de viver não é algo que se faz imediatamente. Alguns de nós vivem um turbilhão 
na busca por uma vida que faça sentido. Seguimos levando a mensagem e 
compartilhando nossa experiência para o auxílio dos outros. Quanto mais experiência 
angariamos, mais rica se torna nossa mensagem. 
 
Chaves para a Liberdade 
 
À medida que praticamos os princípios em todas as áreas, eles ganham aderência em 
nossa vida e começamos a senti-los com mais naturalidade. Por exemplo, no começo 
podemos usar nossa consciência para praticar o princípio da honestidade. Com a 
continuidade, percebemos a desonestidade com desconforto, até mesmo com agonia; 
e gradualmente notamos que a honestidade se torna mais normal para nós. Tornamo-
nos simplesmente honestos, e começamos a apreciar essa sensação. Alguns dizem que 
é como percebem a presença do Poder Superior. Quando nossos defeitos são 
removidos, podemos não sentir tal conquista num primeiro momento até percebermos 
o retorno de algum padrão antigo e, então sim, constatar seu desconforto e sua 
12 
 
incompatibilidade com nossa nova vida. Ligamos para o nosso padrinho ou madrinha, 
desesperados, dizendo-lhe “fiz de novo”, ou porque estamos pensando em trabalhar 
esse defeito, para, de repente, perceber quanto tempo já transcorreu desde a última 
vez em que havíamos pensado nesse comportamento. Aprender a sobreviver aos nossos 
impulsos sem ceder à nossa natureza inferior representa uma nova liberdade. Com o 
tempo, as máscaras que usamos e o desejo de sucumbir ao nosso lado sombrio 
começam a desaparecer. 
As prisões que criamos para nós mesmos não nos cabem mais. Tornamo-nos livres para 
explorar e descobrir aquilo em que somos bons. Somos livres para participar, criar, 
cuidar e dividir, nos surpreender, assumir riscos, sermos vulneráveis e permanecermos 
de pé. Encontramos nossos valores, começamos a trabalhá-los e decidimos com base na 
orientação pela qual estes nos conduzem. Atravessamos o medo e despertamos para os 
milagres que estão acontecendo ao nosso redor. Tornamo-nos então livres para sermos 
quem somos e vivermos com base em nossas escolhas. 
De posse de uma profunda gratidão, podemos olhar para trás e ver que nossa 
caminhada até o momento presente não foi pequena, tampouco sem percalços. O que 
nos pareceram as piores decisões, em algum momento da recuperação, abriram as 
portas para algumas das nossas maiores oportunidades. Somos capazes de superar e 
melhorar algumas de nossas decisões. O que nos pareceu correto em determinado 
ponto da caminhada pode não nos servir mais na continuação do caminho. Presentes 
nos chegam, às vezes, em pacotes estranhos que nem sempre reconhecemos à primeira 
vista. Nada que aconteça é inteiramente bom ou ruim. Não fingimos não haver erros em 
recuperação, mas, às vezes, tais tropeços nos guiam em direção a novas descobertas. 
Recuperação não é algo padronizado como um produto em série gerado a partir de uma 
linha fabril. Não vivenciamos o processo, cada qual, da mesma maneira, mas há alguns 
marcos que nos são comuns. Avançamos por fases, estágios, becos, escadarias. Cada um 
de nós passa por períodos de intenso crescimento e momentos em que a mudança se 
torna mais sútil. Adotar uma nova maneira de viver pode nos deixar confusos e perdidos, 
às vezes, mesmo quando já estamos, há muito, limpos. Conceder espaço para o 
crescimento uns dos outros, cada qual em seu ritmo, não é fácil, especialmente quando 
precisamos nos cuidar. Por isso a auto aceitação e o auto respeito são, ao mesmo tempo, 
meio e fim dessa caminhada. 
Tempo não significa experiência. Só por estarmos há bastante tempo na programação 
não significa que saibamos tudo de que necessitamos. Não nos tornamos graduados na 
programação simplesmente a partir dos passos que nos fizeram limpos e livres da 
adicção. Os desdobramentos das nossas vidas são um processo permanente. 
Começamos em lugares diferentes e crescemos a passos diferentes na jornada. O tempo 
representa uma oportunidade para o crescimento, mas é necessário aceitar o desafio e 
abrir-se às lições que se apresentam. Praticar os princípios da honestidade, mente 
aberta e boa vontade mantém-nos em constante aprendizado, além de humildes e 
gratos. A diferença entre humildade e humilhação pode estar no nível de aceitação que 
temos em relação à informação que nos chega por meio do programa. Quando ouvimos 
13 
 
com uma mente aberta, qualquer um pode nos transmitir a mensagem de que tanto 
precisamos. 
Narcóticos Anônimos não se baseia em princípios sem importância, muito embora os 
aprendamos em ordem e em momentos que se adaptem às nossas necessidades. Não 
podemos ser ingênuos e esperar descobrir o que estamos buscando se trabalhamos 
apenas alguns e não todos os passos – ou se ignoramos o aprendizado das tradições, ou 
ainda se vivemos em conflito com nossos valores. Princípios espirituais não dependem 
de tempo ou circunstâncias. Aprendemos por observação e experiência. Há uma 
diferença fundamental entre saber que estamos tão doentes a ponto de não sentir 
qualquer perspectiva de melhora e saber que, em recuperação, o processo de 
crescimento é gradual e permanente. A exploração da jornada dura a vida inteira. 
Começamos e recomeçamos sempre. A permanência no programa torna mais fácil 
agirmos em prol dos nossos interesses mais genuínos mesmo quando nos sentimos 
resistentes. Um membro partilhou, “ouço com frequência recém-chegados dizerem que 
não conseguem se imaginar frequentando as reuniões ao longo de uma vida. Eu tinha a 
mesma reserva, mas hoje não consigo imaginar minha vida sem NA.” Aprendemos a 
fazer o que é necessário para assegurarmos o que conquistamos, mas também 
alcançamos uma liberdade para novas explorações assentadas no alicerce sólido dos 
princípios espirituais que aprendemos a praticar. Sabemos das recompensas e revezes 
que a prática e a omissão da programação nos trazem. 
Novas informações são difíceis de serem assimiladas por nós quando pensamos que nos 
chegaram de maneira indevida. Quer seja a informação nova ou o transmissor, alguém 
com quem alimentamos alguma resistência, podemos desconsiderá-la por não 
gostarmos da embalagem. Um membro partilhou, “ é moleza fazer o que meu padrinho 
me pede para fazer, mas quando as palavras que podem salvar a minha vida me são 
ditas por alguém com quem não me importo, eu facilmente as desconsidero.” 
Enriquecemos nosso repertório de recuperação quando nos dispomos a ser 
surpreendidos tanto pela mensagem quanto pelo mensageiro. Se isso nos leva a 
reavaliar nosso sistema de crenças, tanto melhor – assim podemos ver nossa resistência 
inicial comoem que menos estamos preparados para tal. Tantos de nós lutam contra o 
medo de que nunca terão um parceiro e que isso possa significar que estarão sempre 
“sós”. Esse tipo de medo leva ao pânico e à dor. Quando estamos sozinhos, tristes, ou 
tentando nos distrair, podemos escolher uma opção que não seja a que realmente 
queremos para a vida. Quando nossa prioridade é simplesmente não estar sozinho, 
podemos comprometer nossos valores ou nossas prioridades, comprometendo-nos 
rapidamente com alguém que estamos simplesmente conhecendo. Há um ditado antigo 
que diz “cuidado com o que você pede em suas orações – você pode conseguir”. 
Confundimos intensidade ou sexo com intimidade e podemos pensar que algo é sério 
quando estamos apenas procurando distração. Também podemos nos contentar com 
sexo quando na verdade o que queremos é intimidade e amor. Pelo medo de ficarmos 
sozinhos, tentamos, equivocadamente, remendar o vazio que sentimos com uma 
106 
 
relação. “Ele se tornou meu Poder Superior e minha droga de preferência”, uma 
companheira disse ao se referir a um namorado recém-chegado à Irmandade. “Eu ligava 
o tempo todo quando estava entediada ou feliz, perguntando o que ele estava fazendo. 
Eu estava limpa, mas sem conhecimento algum sobre as ferramentas do programa, e 
com uma nova obsessão. Nada havia mudado” (Essa companheira também relatou que 
alguém lhe sugeriu o seguinte: “se aquilo em que estiver pensando for para depois das 
22h00 e soar como uma boa ideia – não faça”). Às vezes é como se nossa última droga 
de escolha fosse uma pessoa. Pode ser surpreendente descobrir que uma queda que 
temos por alguém pode se transformar facilmente em uma auto-obsessão; e quando 
examinamos nosso pensamento, poderemos ver nosso interesse voltado para se 
estamos sendo notados ou como estamos sendo percebidos. 
Muito frequentemente podemos nos acomodar em nossa recuperação em razão de 
estarmos em uma nova relação. Começamos a faltar às reuniões, ligamos menos para 
nossos companheiros e deixamos de nos trabalhar com todo o afinco como fazíamos 
anteriormente. Não deveria ser uma surpresa se a relação se abala quando não estamos 
cuidando bem de nós mesmos. Mas a relação pode ser um centro energético que nos 
abastece quando dedicamos tempo ao trabalho do programa. Trabalhamos para nos 
tornar o tipo de pessoa que está pronta para a relação na qual queremos estar – e 
precisamos continuar fazendo o trabalho necessário para ser essa pessoa em uma 
relação também. “É como salpicar sua recuperação com gotas de milagre”, um membro 
disse. “Se quiser se conhecer, então comece uma relação com alguém.” “Não”, disse 
outro membro: “Se quiser conhecer o seu padrinho – comece uma relação com 
alguém!” 
Alguns de nós ficam limpos e começam a desenvolver um padrão de relacionamento 
aparentemente sério que termina em confusão. O drama de apaixonar-se e de se 
desapaixonar pode constituir uma recompensa em si e nós nos vemos repetindo o 
padrão muitas e muitas vezes, somente trocando de pessoas. A intensidade do início de 
uma relação pode ser tão viciante que seguimos buscando isso repetidamente. Às vezes, 
é nosso próprio comportamento na relação que atrapalha, mas também podemos 
antever problemas antes mesmo de a relação começar – percebemos que estamos 
escolhendo pessoas que não são apropriadas para nós. Brincamos às vezes sobre termos 
“um radar avariado”, mas a verdade pode ser bem dolorosa de fato. 
Não é surpresa que alguns de nós fiquem sequelados com o sexo. Queremos algo que 
nos faça sentir bem, mas queremos isso rápido. Às vezes, só o flerte já produz frisson – 
gostamos de jogar. Se conectar já produz uma descarga emocional poderosa, mesmo 
antes de que algo aconteça. Não é preciso dizer que isso é um problema para todos nós, 
ou ao menos para todos cujas relações costumam ser do tipo “sexo casual”. Como tantas 
coisas em recuperação, não há problema até que isso se torne um problema para nós. 
Podemos nos perguntar se o sexo está tornando nossas vidas incontroláveis, se está 
contribuindo para nossa felicidade ou infelicidade, se obsessão e compulsão estão ativos 
em nosso comportamento, ou se estamos mentindo, mantendo segredos ou se 
107 
 
escondendo por aí. Olhamos com honestidade se nosso comportamento está magoando 
nossos entes queridos – ou se os machucaria se eles soubessem disso. 
Precisamos ser honestos sobre o que estamos fazendo. Podemos estar em busca de uma 
relação com significado, ou de um momento agradável ou podemos simplesmente estar 
buscando problemas. Entender nossa motivação torna muito mais fácil entender as 
consequências. Não é sempre que conseguimos o que pedimos, mas quando queremos 
uma coisa e pedimos outra, as consequências normalmente são desalentadoras. Como 
podemos ter a esperança de sermos honestos e francos com um parceiro se ainda 
estamos praticando o autoengano? 
O que importa é estarmos confortáveis com nosso comportamento e nossas decisões. 
As pessoas têm suas opiniões, mas nós aprendemos a identificar o que queremos, no 
que acreditamos e como escolhemos viver. Isso pode variar bastante de um membro 
para o outro ou de acordo com o momento das nossas vidas. Um comportamento que 
tenha sido confortável no início da recuperação pode se tornar algo impensável depois; 
ou podemos descobrir, após anos de programação, que sentimos uma liberdade para 
experimentar que era impensável no início. É complemente razoável que nosso 
comportamento se altere à medida que nossas necessidades, desejos e expectativas 
mudam; o ponto primordial é que a luz da clareza se acende dentro de nós sobre isso. 
 
O que pedimos 
 
Com o tempo, encontramos uma aceitação crescente sobre nós e as circunstâncias que 
nos rodeiam. Aprendemos a desfrutar de nossa própria companhia e a lidar com nossos 
desejos e responsabilidades de forma apropriada. Pode nos surpreender percebermos 
que não mais “precisamos” de alguém como já o fizemos. O que mais surpreende é quão 
mais fácil e confortável se torna estar com alguém quando sabemos que o que 
realmente queremos é uma relação – mas não “precisamos” de uma para sermos felizes. 
Termos as ferramentas do programa à mão como apoio significa que podemos ser bem-
sucedidos em nossa relação, mas também que temos o auxílio necessário caso as coisas 
não aconteçam como esperávamos. 
Relacionamentos são uma área de nossas vidas em que a prática solitária não leva à 
perfeição. Alguns dos trabalhos mais importantes que fazemos para melhorar nossas 
relações não são feitas no âmbito das relações em si, mas com nossos padrinhos, 
madrinhas e amigos de confiança. Mesmo com muitos anos limpos, reconciliar o que vai 
em nossos corações e em nossas mentes não é algo que acontece automaticamente. 
Precisamos de outros olhos; precisamos de um ouvinte carinhoso e atento para nos 
iluminar a solução de nossas angústias. Um bom padrinho/madrinha é a chave para abrir 
as possibilidades de mudança na maneira como nos relacionamos com os outros. Essa 
relação forma a base para todas as outras relações que desenvolveremos em 
recuperação. Alguns de nós já estão limpos há muito tempo antes de encontrarem um 
108 
 
padrinho com o qual possam construir uma conexão. Podemos então descobrir aquele 
ouvinte em um amigo de confiança. Onde quer que encontremos a segurança para 
começar, compartilhar nossa experiência é algo crucial para a mudança que estamos 
buscando. 
Não é segredo que adictos têm problema em aceitar a realidade. Isso não é menos 
verdade em nossas relações íntimas; ficamos encurralados na fantasia de como nossa 
relação deveria ser e perdemos a percepção do que ela realmente é. Quando amamos 
uma fantasia, ficamos com raiva da realidade; e raiva da realidade é o oposto da 
aceitação. Podemos ficar tão envolvidos com a fantasia sobre o nosso parceiro que 
ficamos furiosos por eles não viverem de acordo com a imagem idealizada que criamos. 
Às vezes o melhor que podemos fazer é nos afastar, mas frequentemente nos 
afastarmosé apenas a saída mais fácil. O segredo é aprender a aceitar a pessoa que 
amamos a despeito de todas as suas características que não correspondam à nossa 
fantasia de como supostamente ela deveria ser. É possível que amor incondicional seja 
algo que somente o Poder Superior possa dar, mas à medida que nos aproximamos 
desse ideal, nossos espíritos florescem. Quanto mais profundamente amarmos, mais 
seremos capazes de amar. Quanto mais abertos estamos para vivenciar nossas relações, 
mais intimidade experimentamos. 
Com muitos anos limpos, podemos descobrir que parecemos maduros, que de muitas 
formas nossas vidas começam a parecer com o que sempre quisemos – mas ainda assim 
lutamos em nossas relações afetivas. Distinguir o amor maduro do imaturo pode levar 
tanto tempo quanto se leva para amadurecer. É um processo para a vida. Quando 
admitimos quanto do dano vivido em nossas vidas tem a ver com sexo e amor, podemos 
perceber quanto ganhamos nessas áreas ao restabelecermos nossa sanidade. 
Trabalhamos os passos para tirar do caminho os destroços do nosso passado; com o 
auxílio de um padrinho, podemos encarar nosso presente; usamos as tradições para 
aprender novas maneiras de se relacionar bem com os outros. Tornamo-nos mais 
generosos, menos egoístas e menos medrosos. Aprendemos a estabelecer referências 
e limites e também a nos permitir: podemos haver nos tornado tão rígidos, às vezes, em 
nossas exigências que encontrar um parceiro pode se tornar impossível. Nos 
desprendemos de nossas expectativas em relação aos outros e começamos a nos 
investigar mais. 
Gradualmente percebemos em que precisamos mudar e quando precisamos estar 
firmes em nossas crenças, mesmo que isso signifique esperar. Começamos a ver quando 
nossas crenças nos mantêm a salvo e quando nos conduzem ao velho padrão vezes e 
mais vezes. “Eu não tenho medo do abandono,” disse um membro. “Eu espero por isso”. 
Quando esperamos o pior, é geralmente isso que nos sobrevém. Aprender com a nossa 
experiência é importante, mas estarmos disponíveis para acreditar que podemos seguir 
adiante é também crucial. Dar aos outros e a nós permissão para mudar também 
significa se render à possibilidade de que possamos nos encontrar em território 
estranho: quando não estamos repetindo a mesma relação, podemos não saber o que 
fazer de modo algum. “Levou muitos anos,” um membro disse, “mas em meu quarto 
109 
 
passo, de repente, ficou claro que eu não tinha me envolvido com a mesma pessoa – eu 
tinha sido a mesma pessoa todo o tempo. Não importava quem o outro era, eu ainda 
reagia da mesma forma.” Fazer algo diferente representa um risco – mas cometer os 
mesmos erros representa uma garantia de fracasso. Um veterano colocou isso da 
melhor forma: “costumávamos pensar que tínhamos problemas com a confiança, mas 
agora sabemos que temos problemas com a coragem.” 
Quanto mais experimentamos a liberdade da adicção, mais podemos ver como isso nos 
conduz a recantos em nós ainda não conhecidos, mesmo quando não estamos usando 
drogas. As maneiras pelas quais causamos dor em nossas próprias vidas tendem a se 
repetir. Um pouco de clareza pode ser tudo de que precisamos para mudar um antigo e 
doloroso padrão. Às vezes podemos ver tudo com muita clareza e ainda assim fazer do 
jeito antigo. Examinamos nossos motivos e nossa boa vontade e partilhamos sobre isso, 
abarrotamos nossos notebooks com nossos inventários – mas ainda estamos lá no 
mesmo lugar, experimentando o mesmo conflito que vivemos em nosso último 
emprego ou relação. 
Pode ser fácil julgar os outros quando vemos algum tipo de repetição, mas a verdade é, 
o jogo não acaba até que o último grão de areia escorra pela ampulheta. Às vezes tudo 
de que se é preciso é que a dor seja grande o bastante; mas às vezes, olhando para trás, 
podemos ver que outros tipos de cura tiveram que acontecer antes de estarmos prontos 
para lidarmos com as coisas que estavam profundamente enterradas e escondidas. 
Podemos nos desapontar ao descobrir que nossas rotas de fuga da realidade foram 
removidas, mas não na ordem de nossa preferência. Toda vez que passamos por uma 
tempestade emocional, nos é dada a oportunidade de nos desprendermos mais do 
nosso fardo passado e ao mesmo tempo encontrarmos mais liberdade, por outro lado. 
Nosso futuro passa a ser cada vez menos determinado por nossa história pregressa. 
 
Coragem para confiar 
 
Não há certo ou errado quando se trata de amar. O que importa é nos darmos esse 
presente. Amamos quem amamos, é simples assim. Nem sempre faz sentido ou parece 
bom no papel. Um casal colocou desta forma: “o ponto é que, se amamos ou 
suportamos um ao outro, é sempre divertido. Podemos ser brincalhões, podemos 
brigar, mas ficamos juntos e apreciamos a companhia um do outro. Pode parecer meio 
falso visto de fora, mas nós apreciamos cada minuto da nossa relação.” Talvez tenhamos 
realmente encontrado nosso parceiro – ou talvez haja uma lição que tenhamos que 
aprender. Quando deixamos o controle e permitimos que os outros sejam quem eles 
são, estamos aptos a nos desapegar um pouco mais de nossas inseguranças e podemos 
ser mais honestos em relação a quem somos; podemos ser brincalhões e bobos, 
amorosos e ternos, assustados e tristes. Então finalmente nos libertamos desta terrível 
sensação: a de que o que somos não é suficiente ou a de que se nos conhecessem 
seríamos abandonados. 
110 
 
Nossa relação conosco determina a qualidade de nossa relação com os outros. É tão 
óbvio, mas basta um momento para isso nos escapar. Quando não estamos nos sentindo 
tão bem a nosso respeito, quando algo dói, quando nos sentimos solitários e inseguros, 
naturalmente desejamos que haja alguém que possa nos dizer que está tudo bem. Mas 
quanto melhor nos conhecermos, melhor conheceremos nossas necessidades e o que 
poderemos oferecer em uma relação. “Ajuda se ao menos uma pessoa da relação 
conhecer ao menos uma pessoa na relação,” um membro explicou, “mas eu sempre fui 
um estranho para mim, mesmo quando não era mais jovem. Me enxergar com 
honestidade e acurácia é algo que vai e vem. Agora sei que posso nomear muitas 
emoções, mas isso não significa que eu saiba o que estou sentindo a todo momento, 
especialmente quando as emoções são fortes. Eu ainda falho ao pensar que sinto raiva, 
depressão e resistência quando o que realmente sinto é solidão, desespero ou medo. 
Isso acaba chegando indiretamente às pessoas que estão ao meu redor. Eu me conforto 
com a ideia de que agora reconheço melhor minhas emoções do que costumava 
anteriormente – após uma semana ruim em comparação com um mês ruim ou um 
término de uma relação. Mas sei que essa dificuldade ainda não se foi.” Podemos ver a 
recompensa do décimo passo quando começamos a ser capazes de reconhecer nossas 
emoções no momento em que as estamos vivenciando. Quando podemos identificá-las, 
podemos também escolher responder em vez de reagir. 
Praticar os princípios em nossas relações não significa sermos outra pessoa, ou uma 
farsa, embora possa nos deixar desconcertados em um primeiro momento. Nosso 
padrinho/madrinha pode ser de grande ajuda quando começamos a identificar a 
diferença entre responder e reagir. À medida que tentamos substituir nossa velha e 
falha maneira de pensar por novas ideias e atitudes, surgem problemas que não eram 
antes percebidos. Somos defrontados com escolhas e desafios que não costumávamos 
reconhecer. 
Começar uma relação é uma experiência diferente quando colocamos o princípio da 
unidade em primeiro lugar. Quando pomos de lado nossas próprias necessidades e 
consideramos o bem do nosso parceiro ou da família como um todo, isso não significa 
que iremos tolerar o não reconhecimento e a não satisfação das nossas necessidades 
honestas e saudáveis. Começamos a reconhecer que cada um de nós receberá o que 
precisa se tivermos uma atitude de boa vontade e uma atitude segundo a qual, quando 
permitimos que a unidade seja uma prioridade, podemos entregar os resultados nas 
mãos de umpoder maior do que nós. Apoiar-nos é um princípio espiritual e aprender a 
apoiar nossos espíritos constitui uma parte crítica do nosso desenvolvimento. 
Naturalmente não fazemos isso simplesmente “sozinhos”. Temos o grupo, nosso 
padrinho/madrinha, nossos amigos próximos e um Poder Superior que nos ajuda a 
seguir na jornada da recuperação. Compartilhamos nossos triunfos e fardos com nosso 
companheiro, mas aprendemos a não fazê-lo responsável pelos nossos estados 
emocionais ou pela nossa qualidade de vida. Quando temos um dia ruim sem insistir 
para que o mesmo aconteça com a pessoa com quem temos uma relação amorosa, 
percebemos que algo está mudando. “A primeira vez que voltei pra casa com raiva, e 
111 
 
minha namorada falou comigo e eu não disse nenhuma palavra rude, eu soube que um 
Poder Superior estava agindo em minha vida”, um membro partilhou. 
Aprender a diferença entre estar em uma relação com alguém e tornar alguém refém – 
ou se fazer refém – é um grande passo para muitos de nós. Desprender-nos das 
expectativas pode ser um bom nome para o abandono das rédeas do desejo infantil de 
controlar as coisas. Permitir que nossos parceiros e nós mesmos possamos viver 
autonomia na relação significa que crescemos e mudamos no nosso ritmo e que a 
relação pode se beneficiar do que cada um tem a oferecer. Quando temos boa vontade 
para permanecermos quietos e presentes em uma relação, mesmo quando ela muda, 
ou nós mudamos, entendemos o significado de um compromisso de outra forma. Assim 
como é normal em recuperação pensar em usar às vezes, fazemos o mesmo em uma 
relação ao pensarmos em fugir. Permanecer, em vez do impulso de fugir, pode ser um 
grande exercício espiritual. Sempre é possível encontrar uma solução saudável se 
tivermos boa vontade para aguardar as respostas de que necessitamos. Mente aberta é 
essencial para enfrentar e superar as dificuldades inerentes a uma relação sexo afetiva. 
Estar com alguém que não se encontra em recuperação pode trazer desafios em 
particular. Um deles é que podemos nos sentir excluídos ou julgados por nossos 
companheiros em sala. Muito frequentemente deparamos dois tipos de pessoas: as que 
estão em recuperação e as que precisam de recuperação. A própria ideia de uma relação 
saudável com uma pessoa que não seja “um de nós” pode parecer improvável. De fato, 
não é mais improvável do que ser feliz com uma pessoa que também esteja em 
recuperação. É possível que tenhamos que trabalhar com mais afinco para equilibrar 
nossas prioridades, conciliando os compromissos com nosso parceiro e com a nossa 
recuperação. Quando não estamos equilibrados, parece que estamos levando uma vida 
dupla. Relacionamentos requerem compromisso e capacidade de aprendizagem. Nas 
salas, podemos encontrar as ferramentas de que precisamos para ter as relações que 
desejamos em nossas vidas. Fora da irmandade, podemos encontrar maneiras de aplicar 
os princípios sem necessariamente nomear o que estamos fazendo. A flexibilidade que 
as relações requerem torna-se real quando estamos praticando os princípios da 
recuperação em nossas vidas. Aprendemos a solucionar os conflitos à medida que eles 
surgem e a termos coragem para dizer o que pensamos e como nos sentimos, mesmo 
quando isso seja desconfortável. Boa vontade para mudar significa que deixamos a 
relação crescer, se acalmar e se desenvolver até um ponto em que não imaginávamos 
ser possível. 
Quando uma relação importante para nós não está funcionando, parece que nada está 
funcionando. Os conflitos com nossos entes amados podem ser traumáticos e o término 
de um relacionamento amoroso pode acionar uma avalanche de emoções. Problemas 
em relacionamentos podem ser difíceis para qualquer um, mas para adictos trazem um 
perigo em particular: a dor pode ser tão grande que a opção de usar drogas pode ser 
considerada novamente. Se nossos companheiros de recuperação começam a adotar 
posições antagônicas, podemos nos sentir tão alienados que ir às reuniões pode nos 
parecer inseguro. O velho triângulo do medo, raiva e ressentimento pode parecer uma 
112 
 
jaula de ferro e o antídoto para isso – conectar-se aos outros – pode parecer a última 
coisa que desejamos. Nos cuidar das maneiras mais simples como comer, dormir e ir 
trabalhar pode ser muito difícil quando estamos sentindo dor. Os recém-chegados que 
nos cercam nos servem como exemplos poderosos, lembrando-nos de ir às reuniões e 
de prestar ajuda em nossos momentos de dor. Qualquer membro em qualquer 
momento é confiável para salvar nossas vidas. 
Podemos concluir, após alguma consideração, que uma relação realmente precisa 
chegar ao fim. Mas podemos fazer isso de uma maneira com a qual nos sintamos 
confortáveis em vez de agir por impulso e deixar um rastro de confusão dolorosa para 
trás. Terminar uma relação não significa que tenhamos que nos sentir mal ou errados 
com algo; na verdade, pode ser a melhor opção para todos os envolvidos. Podemos nos 
sentir pressionados a permanecer em uma relação – quer seja por aprovação social, 
pelos filhos, por complacência ou medo – muito embora saibamos que a hora seja de 
partir. É um ato de coragem fazer o que pensamos estar correto sem precisar causar 
dano para justificar nossas ações. Não precisamos mais ter um caso para terminar um 
casamento; podemos ter clareza para não entrar nesse casamento ou para sair com 
dignidade e integridade quando desejarmos. Abandonamos nossa mentalidade infantil 
e nos permitimos estar presentes com o outro, com boa vontade para compartilhar a 
experiência. 
Às vezes estamos lidando com a perda de uma relação e somos surpreendidos pela 
intensidade de nossos sentimentos. Nossa reação pode ser desproporcional em relação 
à perda que estamos vivendo – e pode mesmo ser isso. Não há nenhuma razão para nos 
julgarmos ou fingirmos que não está acontecendo, embora possamos nos sentir 
tentados a tal. Não há certo ou errado sobre como nos sentimos. Alguns dos 
sentimentos que não vivemos enquanto estivemos usando ainda esperam por nós 
quando ficamos limpos. Perder algum companheiro na jornada da recuperação, por 
exemplo, pode acionar uma enxurrada dessas emoções decorrentes de perdas passadas 
cujas mágoas não nos permitimos sentir no momento de seu acontecimento. Nosso 
padrinho/madrinha pode ser como um bote salva-vidas quando passamos por esses 
momentos. Se estivermos dispostos a aguentar firme, confiar e trabalhar, podemos 
encontrar uma cura real no trabalho de passos. A recaída é uma possibilidade, assim 
como jogos de azar, compras, sexo e comida, da mesma forma, podem tornar nossas 
vidas igualmente caóticas e incontroláveis quando tentamos evitar o contato com 
nossas emoções, por longo tempo, represadas devido à fuga que nos propiciava a 
adicção. Alguns de nós repetem este padrão por anos em recuperação antes de 
mostrarem boa vontade ou estarem aptos a encarar a dor e o que está acontecendo 
com honestidade. 
Nossas ideias sobre relações com frequência se baseiam em qualquer coisa, menos na 
realidade; queremos acreditar que relações podem se desenvolver por si só, que 
podemos subir sem qualquer esforço ou trabalho em um carrossel e que isso vai nos 
levar sem que precisemos fazer nada. Assim como pensamos que uma combinação 
correta de drogas faria tudo certo, às vezes, imaginamos que a reunião certa de alguns 
113 
 
atributos pode materializar nossa alma gêmea. Alimentamos expectativas irreais sobre 
nós e sobre os outros. Fantasiamos e projetamos “como deveriam ser as coisas”. Uma 
parceria não se encontra; se constrói. Precisamos estar presentes e participar 
ativamente nessa construção. Mas, uma vez que comecemos a nos cuidar, se torna 
possível vivenciar todas as dimensões da intimidade. 
 
Contato consciente 
 
Não é verdade que, em NA, nós não podemos amar os outros até que amemos a nós 
mesmos; na verdade, o que fazemos é amar o outro porque reconhecemos nele a nossa 
própria dor. Experimentamos empatia; isso cresce e se torna algo maior. Gradualmenteconstruímos uma relação com nós mesmos, limpando as coisas que nos mantém no 
autodesprezo e na autosabotagem. Aprendemos a amar os outros, mas nossas relações 
com eles constituem uma luta até que aprendamos a nos relacionar com nós mesmos e 
com o nosso Poder Superior. Em troca, essa relação é enriquecida e nutrida pelas 
relações que temos com as outras pessoas. 
Aprendemos a respeitar o espírito que existe em cada um com quem travamos contato. 
Todos temos nossas maneiras peculiares de pensar e sentir. Quando reconhecemos que 
cada um de nós está sob os cuidados de um Poder Superior amoroso, podemos nos 
aceitar uns aos outros no estágio da jornada em que estamos e perceber que cada um 
tem seu próprio caminho. Se isso estiver baseado em princípios espirituais, servirá como 
um bom guia. Aprender a sair do caminho criado pelas nossas próprias reações e aceitar 
a realidade nos torna mais flexíveis e aptos a lidar com os desafios que as relações nos 
apresentam. 
Pelo fato de a recuperação ser progressiva, continuamos a trabalhar os passos e mais 
nos é revelado acerca de quem somos. Começamos a conhecer nossas intenções. 
Melhoramos na escuta de nossa própria voz, consciência e intuição. Adictos em 
recuperação que fazem isso desenvolvem uma boa intuição, mas também nos 
ensinamos, ao longo da nossa adicção, a não confiar nela. Aprender a diferença entre a 
voz da nossa intuição e a voz da nossa doença não é algo que pode ser explicado; 
desvendamos isso no processo de meditação quando praticamos a escuta da nossa voz 
interior e do nosso Poder Superior. Compartilhamos nossas experiências com nosso 
padrinho/madrinha e este (a) nos aponta quando nossa intuição está nos servindo bem. 
Vamos nos tornando crescentemente consciente de nossas escolhas, motivos e 
comportamentos. Passamos a saber o que estamos pensando quando tomamos uma 
decisão e reconhecemos a diferença entre uma decisão que precisa ser tomada e reagir 
ou agir por impulso. Ouvir nossa intuição significa que podemos estar abertos aos outros 
sem sermos inocentes ou ingênuos. Aprendemos a confiar na nossa intuição e a honrar 
nossos sentimentos. 
114 
 
O contato consciente sobre o qual se fala no décimo primeiro passo é uma relação com 
nosso Poder Superior. Intimidade é contato consciente com outro ser humano. Nos 
conectamos. À medida que nos aproximamos dos outros, enxergamos o que há de 
divino neles e vemos isso também em nós. Prestamos atenção a eles e a nós quando 
estamos com eles. Quando sentimos a alegria verdadeira ao ver um membro, após a sua 
luta, receber a ficha de 30 dias, quando encontramos as palavras que sabemos ter para 
oferecer, quando fazemos uma conexão genuína com nossos sentimentos e com outro 
ser humano, algo muda em nós – sentimos o amor agindo, fluindo através de nós, nos 
transformando para melhor. 
Cada uma de nossas relações nos ensina a como melhorar as outras, tornando-as mais 
fortes e significativas – se, por meio da escuta ativa, ouvimos e aprendemos as lições 
que os outros tem a nos ensinar. E todas essas relações, por sua vez, nos devolvem e 
presenteiam com mais riqueza à nossa relação com nós mesmos, criando um ciclo 
virtuoso. Não podemos dizer que há relações mais importantes que outras do mesmo 
modo que não podemos afirmar que uma parte da pirâmide é mais importante que as 
outras. Na verdade, a pirâmide, que é nosso símbolo, é formada por relacionamentos; 
conosco, com a sociedade, com o serviço e com Deus. Firmada em uma base sólida de 
boa vontade, nossas relações nos trazem liberdade. Nossa capacidade de amar cresce 
na proporção do esforço que fazemos para amar e na disponibilidade para aceitar isso. 
E com a capacidade de amar – alguns de nós nem mesmo algum dia pensaram que 
desejariam isso – começamos a sentir que nossas vidas se preenchem de sentido e 
propósito. O dano que causamos, a dor que sofremos, as perdas que vivemos, tudo isso 
aprofunda nossa compaixão pelos outros e nosso entendimento de suas lutas e 
dificuldades. Nosso valor real está em sermos nós mesmos, não a despeito do que 
passamos, mas por causa disso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
115 
 
CAPITULO 6 – Uma nova maneira de viver 
 
 
Nossa literatura nos assegura que nos tornamos “cidadãos produtivos, responsáveis e 
aceitos na sociedade,” mas ela também adverte que “aceitação social não significa 
recuperação.” Ambas as afirmativas são verdadeiras, mas não são mutuamente 
excludentes. Cada um de nós avalia o que significa ser um membro produtivo na 
sociedade à sua maneira. 
Nossas ideias de sucesso são tão individuais quanto podemos ser. Começamos nossa 
recuperação em lugares diferentes e nossos destinos serão igualmente distintos. 
Sabemos fazer algumas coisas muito bem e outras nada bem. Podemos começar nossa 
recuperação ativos em uma carreira ou podemos considerar um grande passo 
conseguirmos um lugar estável para vivermos. Temos isto em comum: queremos ser 
livres. Queremos nos sentir aceitos e respeitados sem precisar fingir sermos algo 
diferente de quem realmente somos. Independente das nossas conquistas, o fato é que 
os princípios pelos quais nos orientamos na vida são responsáveis por nos sustentar ou 
nos destruir. Por isso sua escolha é tão crucial. 
Progredimos em nossa jornada ao aplicarmos o que aprendemos em recuperação ao 
restante de nossas vidas. O décimo segundo passo nos conclama a “praticar os princípios 
em todos os aspectos de nossas vidas.” A liberdade que estamos buscando não é uma 
coisa abstrata. É nosso modo de vida. Nosso texto básico nos diz, “os passos não 
terminam aqui. Os passos são um novo recomeço!” NA nos oferece os princípios que 
nos transformarão, bem como o laboratório para praticarmos a sua aplicação antes de 
o fazermos fora da irmandade. 
O trabalho de passos nos ajuda a definir nossos valores e nos ensina a buscarmos a 
realização de nossos objetivos. Não importa quantas vezes o fazemos; há sempre uma 
nova recompensa quando o fizermos o melhor que pudermos. Mas quando paramos no 
meio do caminho, metade das dádivas também se perde; perdemos o foco. 
Estranhamente, é quando nos defrontamos com nossos mais dolorosos defeitos de 
caráter que paramos de nos render. Quando avaliamos o processo, percebemos que 
trabalhar os passos nos toma muito menos energia do que se não o fizéssemos. 
Rendemo-nos, aceitamo-nos naquele momento e, graciosamente, permitimos que 
nossas vidas comecem a se expandir. Finalmente, podemos parar de procurar o pedaço 
que faltava em nosso quebra-cabeça. Praticamos viver uma vida assentada em 
princípios e nossa jornada no mundo se forma a partir disso. Nos desprendemos do 
medo da mudança e percebemos que estamos mudando constantemente. Acolhemos 
isso e acreditamos verdadeiramente que podemos ficar limpos não importa o que 
aconteça. O processo se torna mais simples; fazer a coisa certa pelo motivo certo se 
torna algo cada vez mais natural. 
116 
 
Tentamos novas abordagens, explorando camadas mais profundas dentro de nós e 
níveis mais elevados em nossa vida exterior. O processo é como uma escada em espiral. 
Chegamos vezes e mais vezes à mesma visão, mas cada vez com uma perspectiva 
diferente. Estarmos abertos aos pontos de vista de outras pessoas nos ajuda a clarear 
nossa própria maneira de pensar. Quando colocamos amor, suor e compromisso em 
ação, nossas vidas mudam milagrosamente. 
 
Indo além da “aceitação social” 
 
Quando chegamos à irmandade, nos disseram que “não estamos interessados...em seus 
contatos, no que fez no passado, no que possui, mas tão somente no que quer fazer 
sobre seu problema e como podemos ajudar.” Anos se passaram e essa firmação 
permanece verdade. Não importa para onde estejamos indo, começamos a construção 
de nossas novas vidas da mesma maneira. Com o tempo, aprendemos que como 
chegamos ao destino importa mais do que o destino em si. 
Um dos benefícios de nossa experiência é que sabemos que nossa participação na 
sociedade é uma escolha. Como nos engajamosno mundo ao nosso redor é uma decisão 
que cabe a nós. Se ou onde queremos nos encaixar é uma decisão inteiramente nossa. 
Integrar-nos ao mundo de um modo confortável faz parte de nossa jornada, mas não é 
o nosso destino. Encontrar nosso lugar na sociedade não é o objetivo principal; é apenas 
um meio pelo qual alcançamos nossa maior meta; despertar nossa espiritualidade. 
Muitos de nós se questionam sobre para qual sociedade desejamos nos tornar 
aceitáveis. Alguns de nós entendem sociedade como sendo a própria irmandade. 
Descobrimos uma maneira de nos sentir em casa em Narcóticos Anônimos, mesmo 
tendo sido sempre solitários, céticos ou forasteiros. No entanto, quando pensamos em 
encontrar nosso lugar no mundo podemos encontrar desafios adicionais. Se formamos 
nossa identidade a partir de nos sentirmos forasteiros, a ideia de juntar-se a qualquer 
coisa pode parecer duvidosa. Reintegrar-se à sociedade pode ser um passo difícil, com 
riscos envolvidos, mas ninguém pode tomar essa decisão por nós. “Sempre me senti 
como um intruso quando era criança. A aceitação que encontrei foi na cultura do uso de 
drogas”, um membro partilhou. Essa sensação de pertencimento pode ser um poderoso 
atrativo para nós. O estilo de vida é, às vezes, algo que é mais difícil de abandonar do 
que as drogas em si. 
Quando prestamos atenção no que nos impele a colocar tanta ênfase em coisas que são 
exteriores a nós, frequentemente percebemos que o que está nos dirigindo na vida é o 
medo. Estamos com medo de nós mesmos, com medo do mundo e com medo de que 
alguém perceba o tamanho do nosso medo. Nos escondemos detrás de qualquer 
artifício, desde a rígida conformidade social à hostilidade ostensiva. Para pessoas que 
passaram por tanta coisa como nós, podemos ser extraordinariamente sensíveis. 
Acreditamos enganosamente que aceitabilidade social pode nos conceder imunidade 
117 
 
contra a dor que parece acompanhar a preocupação que temos em relação ao que os 
outros pensam de nós. 
Descobrir nossas fortalezas e fraquezas pode ser complicado, pois, às vezes, elas são 
muito parecidas. Cada um de nós sente que faltam peças e partes do seu quebra-cabeça. 
Alguns de nós precisam percorrer uma longa caminhada para aprender os princípios 
básicos de um comportamento apropriado enquanto outros parecem dominar a arte de 
encobrir o que quer que pareça errado com um casaco de couro ou um batom fúcsia. 
Podemos ficar presos à ideia de “parecer estarmos bem”, ou projetar uma imagem de 
quem nós desejaríamos ser. Se permitirmos que coisas exteriores nos definam, 
podemos terminar como uma árvore sem raiz que tombará ao primeiro sinal de 
tempestade. Quando a busca por reconhecimento se torna mais importante que a 
recuperação, estamos mais propensos a recair do que imaginamos. 
Lidar bem com o aspecto da vida exterior não significa apenas buscar aprovação. O que 
estamos buscando é responder de modo apropriado à vida. Muitos de nós mascaram 
sua baixa autoestima com um comportamento inapropriado. Muitas vezes pressupomos 
que os outros farão o que fizemos em nossos piores momentos. Afastamos as pessoas 
por medo de que elas nos vejam como nós nos vemos. Permitirmo-nos estar no mundo 
como somos é um grande passo. Passamos a ser cuidadosos quanto ao nosso 
comportamento e com os nossos arredores sem abrir mão de nossa individualidade. 
Também começamos a baixar a guarda, a permitir que as pessoas entrem em nossas 
vidas, além de compartilharmos quem somos de verdade. Ao final, o ponto não é como 
a sociedade nos aceita, mas se nós aceitamos a sociedade e o papel que podemos 
desempenhar nela. 
Nossas prioridades mudam ao longo do processo de recuperação. No início, 
simplesmente não usar nos toma todo o tempo. Quando nos sentimos fortes e 
superamos essa fase inicial do desespero, muitos de nós começam a se preocupar com 
coisas materiais. Confundimos sucesso com segurança. Quando nossas prioridades 
mudam novamente, pode ser que sejam resultado de um novo tipo de mudança; uma 
percepção gradual de que uma satisfação mais profunda nos aguarda. “Eu acreditava 
que eu era uma pessoa aceitável desde que pagasse as contas. Eu trabalhava duro, mas 
esquecia completamente de mim física, mental e espiritualmente. Aos poucos, meu 
entendimento começou a se desenvolver. À medida que a conexão com meu Poder 
Superior se aprofundava, pude ter clareza do que eu queria. Eu já não mais me deixava 
aprisionar ou definir por rótulos. Parei de pensar em aceitação social como status. Eu 
queria ser uma pessoa ao lado de quem era confortável estar. Depois de encontrar a 
saída do buraco onde me encontrava e chegar à claridade presente na superfície para 
respirar, o que eu queria era simplesmente compartilhar livremente o que eu era com o 
mundo sem falsas justificativas.” 
 
 
 
118 
 
Encontrando nosso lugar no mundo 
 
Começamos com o objetivo de não usar e então nossos sonhos e objetivos crescem à 
medida que nos recuperamos. Enquanto alguns de nós anseiam por sucesso material ou 
status social, outros não tem isso como objetivo. Finalmente somos capazes de definir 
aceitação social para nós. Ainda assim, esse é um alvo dinâmico que, evidentemente, 
muda com o tempo. O que consideramos uma vida aceitável no início de nossa 
recuperação, pode ser considerado inadequado ou constrangedor em um momento 
posterior. "Só de ser capaz de tomar banho e passar pelo dia sem cometer nenhum 
crime já era algo grandioso pra mim”, um membro partilhou. Entretanto o muito ou 
pouco que temos, nossos sentimentos de medo ou conforto, segurança ou escassez, 
muito tem a ver, mais do que qualquer coisa, com a nossa perspectiva. Sempre nos 
lembramos de que um dia limpo é um dia ganho não importa quanto tenhamos 
percorrido ou ainda tenhamos por percorrer. 
Sonhos realmente se tornam realidade, mas isso nem sempre é o fim da história. As 
conquistas nos conduzem ao lugar de chegada onde nosso planejamento ou projeto nos 
conduziu. Podemos confundir um objetivo com um ultimato: se não for exatamente da 
maneira como planejamos, todo o resto é fracasso. Precisamos nos lembrar que temos 
apenas um vislumbre fugaz do que seja a vontade de nosso Poder Superior para nós. 
Nossos desejos podem nos levar a uma determinada direção e a jornada nos conduzir a 
um lugar que nunca nos havia ocorrido. 
Alguns de nós são naturalmente dinâmicos e florescem com vibração e cor. Preocupa-
nos, no entanto, que a vida com a qual nos sentimos confortáveis, às vezes, não seja 
muito emocionante. Soltar as rédeas do drama torna possível apreciar as coisas simples 
sem o sentimento de que algo deve estar constantemente acontecendo para a vida valer 
a pena. Descobrimos que podemos ser apaixonados por nossas vidas como elas 
realmente são. Aprendemos que o tipo de trabalho requerido para se ter uma vida boa 
não é de modo algum tão difícil quanto o tipo de trabalho que resulta de sabotarmos 
nossos próprios esforços. Passamos anos cultivando lixo internamente, causando danos 
e alimentando o monstro do drama somente para então, de modo doente, voltar a fazer 
o mesmo. Enquanto estamos obcecados pedalando nossa bicicleta do caos, nosso 
padrinho pode nos perguntar: “Do que você está fugindo?” Depois de conseguirmos 
paralisar esse ciclo espiral destrutivo, podemos perceber o tanto que isso exigiu de nós. 
Descobrimos que podemos ser radiantes sem sermos radioativos. Quando finalmente 
conseguimos nos acalmar, a poeira baixa, respiramos e nossas vidas se tornam muito 
mais fáceis. O espaço emocional, que antes ocupávamos com nossa destrutividade, 
agora pode ser utilizado para que olhemos ao redor e nos perguntemos o que amamos 
de fato em nossas vidas e o que verdadeiramente desejamos mudar. 
Parte do que muda para nós é simplesmente a nossa percepção do que constitui uma 
crise. Muitos de nós passam muito do seu tempo inicial em recuperação em um estado 
de alerta máximo. Estamos tão mais conscientes da destruição do nosso passado 
119 
 
comparada ao milagreda recuperação que parecemos estar em um estado crônico de 
emergência. Nós adictos somos engraçados: tendemos a ser bastante dramáticos sobre 
coisas pequenas, mas lidamos melhor do que a maioria das pessoas com catástrofes. 
Passamos a compreender melhor o espectro de nossas experiências à medida que 
aceitamos a vida em seus próprios termos. A experiência nos dá habilidade para colocar 
as situações e fatos de nossa vida em perspectiva. 
Quanto menos segredos temos, menos estamos propensos a nos preocupar com o que 
os outros estão dizendo ou fazendo. É dos nossos segredos que temos medo. Nos 
escondemos porque temos vergonha. Dizer a verdade sem firulas ou julgamentos põe 
fim ao drama. Nossa própria boa vontade em viver na verdade e lidar com isso retira 
muito da energia dedicada ao drama e às rodas de fofoca. O trabalho permanente dos 
passos retira a negação e a decepção de nossas ações. À medida que aprendemos a ter 
compaixão, temos menos prazer em nos focar na vida dos outros. 
Quando trabalhamos duro e vivenciamos uma vitória, certamente ficamos orgulhosos 
de nós mesmos. Entretanto, há uma grande diferença entre nos sentirmos bem e 
acreditarmos em nossa euforia. Nos colocamos em perigo quando confundimos sucesso 
material com recuperação. À medida que perdemos nossa humildade e integridade, 
estamos nos colocando em perigo, além dos que estão ao nosso redor. Quando 
confundimos nossas prioridades, podemos perder mais do que achávamos que estava 
em jogo. Quando tentamos preencher os espaços vazios existentes em nós com coisas 
materiais ou posições elevadas, descobrimos que isso nos torna mais vazios que 
anteriormente. Quando perdemos contato com a graça da recuperação, nos 
esquecemos de onde viemos e já não mais nos importamos com o recém-chegado. 
Ficamos tão perdidos na desilusão que nem mais nos damos conta de que há um 
problema. Muitos membros morrem em razão dessa arrogância. Uma rede de valor não 
significa valor próprio. Todos temos visto membros alcançarem grande sucesso e ainda 
assim usarem e desejarem destruir suas próprias vidas. 
Talvez por termos visto, tão claramente, até então, como é, por fora, a sociedade, 
tendemos a ser muito conscienciosos acerca de como ela funciona. Não temos tempo 
para pessoas apressadas e complacentes com a verdade, muito embora nós mesmos 
tenhamos dificuldades em praticar de modo consistente o princípio da honestidade. É 
nossa própria luta com o princípio da honestidade que torna esse princípio tão 
importante para nós. Sabemos o tanto que é fácil abrirmos mão de nossa integridade 
em favor de um ganho no curto prazo, mesmo quando sabemos das consequências. 
Somos profundamente perspicazes sobre relacionamentos, bem como sobre o fluxo de 
dinheiro e poder, e sabemos como nos posicionar para conseguirmos o que queremos. 
Não é de se estranhar que muitos de nós se peguem presos à procura de status, quer 
dentro ou fora da irmandade. 
Encontramos liberdade quando aprendemos a sermos nós mesmos e apoiamos nossos 
próprios esforços. Não se trata apenas de uma questão financeira. Quando aprendemos 
a aplicar a sétima tradição às nossas próprias vidas, descobrimos que temos ideias bem 
distorcidas sobre independência. Por um lado, podemos ser violentamente indiferentes, 
120 
 
sem boa vontade para confiar ou para correr o risco de se vincular a alguém ou qualquer 
coisa. Por outro, podemos estar acostumados a conseguir a satisfação de nossas 
necessidades sem ter que assumir responsabilidade alguma. Alguns de nós temiam a 
independência em nossa adicção ativa, nos agarrando em nossos parceiros ou famílias 
como fonte de apoio. Havermos sido internados deixou alguns de nós se sentindo 
absolutamente sozinhos e sem qualquer autonomia. “Sair da prisão significava a tão 
sonhada liberdade”, disse um dos membros, “mas também algo aterrador. Eu não sabia 
como viver e eu não estava muito certo de que quisesse aprender.” Aprender a decidir 
por nós mesmos também significa aceitar a responsabilidade por essas decisões. 
Culpar os outros e abrigar ressentimentos pode ser uma maneira de fingir que não 
temos responsabilidade pelo trabalho interno que precisamos fazer e também pela 
maneira como nos posicionamos no mundo. “Eu fui para a prisão limpo”, disse um 
membro. “Eu continuei alimentando minha doença sem drogas até aprender a aplicar o 
programa a todas as áreas da minha vida. O quarto passo iniciou o processo de 
demolição que me preparou para viver uma vida em sociedade. Eu tive que aprender a 
como participar sem ser destrutivo.” Assumir a responsabilidade por nós mesmos é 
necessário para que nós sigamos adiante e isso abre as portas para o processo de 
reparação. É uma tremenda reparação àqueles que se preocuparam e sempre cuidaram 
de nós que não mais sejamos um fardo para eles. É uma reparação à sociedade que nós 
possamos retribuir, dar algo em troca pela oportunidade de estarmos limpos, sendo 
produtivos. E é uma reparação com nós mesmos que pratiquemos a autodeterminação, 
forjando nosso próprio caminho e nossas próprias escolhas. 
Um dos benefícios de iniciar um inventário pessoal é que não precisamos esperar para 
que alguém nos diga quem nós somos e como somos. Quando estamos aptos a defender 
nossos próprios sonhos e crenças, estamos nos apoiando de um modo mais profundo. 
Desenvolvemos a habilidade de escolher e defender o que é certo para nós mesmo 
quando os outros não acreditam nisso. Passamos a não mais precisar ser defensivos, 
nem lutar pelos princípios que nos orientam na vida. Com uma nova perspectiva, 
começamos a confiar em nossa recuperação e em nossos instintos. Adictos realmente 
tem bons instintos – mas infelizmente tendem a reagir mal. Aprender a reconhecer a 
diferença leva tempo e exige prática. Um padrinho e um amigo confiável podem nos 
ajudar a reconhecer a diferença entre nossos desejos e nossas compulsões. 
Podemos mudar porque escolhemos ou a mudança pode ser resultado das 
circunstâncias que estão além do nosso controle. Nossas vidas requerem manutenção 
permanente e nossa definição de sucesso muda à medida que a vida nos dá e nos tira. 
“Fui bem-sucedido em todas as áreas da minha vida. Depois que troquei de carreira e 
me mudei para outra cidade, tudo se foi – meu sucesso, minha autoestima, até mesmo 
minha alegria em frequentar as reuniões de NA. Eu era um veterano e não sabia o que 
fazer. Comecei a entender que minha recuperação e valor próprio estavam ancorados 
em coisas externas. Quando o sucesso e a aprovação acabaram, tive um colapso. Uma 
nova perspectiva e uma nova caminhada com o direcionamento dos passos se faziam 
necessárias.” Comparar nossos problemas rotineiros com aqueles que tínhamos quando 
121 
 
estávamos na ativa pode ser uma tática que usamos para evitar ter que lidar com eles. 
Às vezes diminuímos as lutas que temos que enfrentar como se fossem “problemas 
insignificantes“, mas se as ignorarmos poderemos ter que enfrentar uma recaída nada 
insignificante. Ao fim, nosso sucesso é mensurado não com base no que nos é exterior, 
mas no que construímos dentro de nós. Quando aplicamos os princípios a nossas vidas, 
somos bem-sucedidos de muitas formas, mas, mais importante que qualquer coisa, nos 
sentimos inteiros. 
A ideia de integração está intimamente relacionada com o princípio espiritual da 
integridade. Integridade é unidade dentro de nós: somos a mesma pessoa onde quer 
que estejamos. O compromisso com os nossos valores não está assentado na 
conveniência das circunstâncias. Não precisamos fingir sermos alguém que não somos, 
ou deixarmos somente um lado nosso à mostra enquanto escondemos o outro para 
sermos funcionais ou aceitos. Sentirmo-nos confortáveis com quem somos atrai. 
Quando estamos praticando integridade, quer alcancemos ou não a aprovação dos 
outros, sabemos quem nós somos. 
A liberdade vem a partir da descoberta de quem somos verdadeiramente por dentro. 
Adictos em recuperação são brilhantes, criativos e pessoas compassivas, quer saibamos 
ounão isso a nosso respeito. Os passos nos auxiliam na construção de nossa integridade, 
no desenvolvimento de uma perspectiva realista sobre nós mesmos, como meio de 
alcançar autoaceitação e como processo para nos tornarmos aceitos pela sociedade. 
Muitos de nós não se sentem bem o suficiente para a vida em recuperação e 
demonstramos isso na maneira como nos tratamos. Quando praticamos respeito e 
compaixão por nós mesmos, nossos pensamentos e sentimentos começam a mudar. A 
autoaceitação nos liberta para assumirmos responsabilidade por nossas vidas e aceitar 
os dons que estão disponíveis para nós. Quando fazemos a oração da serenidade e 
realmente consideramos aquilo em nossa vida que temos coragem para mudar, 
descobrimos que nossa habilidade de moldar nossas vidas está muito mais limitada pelo 
exercício da nossa boa vontade do que por qualquer razão que habite fora de nós. 
 
Estabilidade 
 
Como muitas das coisas pelas coisas batalhamos em recuperação, estabilidade é um 
trabalho interno. A sentimento de estabilidade começa a partir da consciência de que 
podemos estar bem não importa o que aconteça. Trata-se de uma sensação de 
segurança em nossa própria vida. Podemos acreditar que isso será resultado da 
conquista de objetivos – como conseguir uma casa, um parceiro, um emprego ou alguma 
quantidade sonhada de dinheiro. Mas quando o medo nos acomete, não importa o que 
temos ou com quem estamos. A segurança que buscamos vem da paz interior com nós 
mesmos, uma relação com um Poder Superior e a conexão com os outros. Acreditar que 
somos os capitães de nossas vidas, que a vida é realmente nossa, pode levar um longo 
tempo. 
122 
 
Para alguns de nós, estabilidade começa quando estamos dispostos a nos comprometer 
com um endereço fixo. Podemos começar com uma frequência regular no nosso grupo 
de escolha e iniciar nossa trajetória de recuperação a partir daí. Alguns de nós chegam 
com todos os penduricalhos da vida normal e então descobrem que estes são 
completamente “superficiais”. Pode ser necessário quebrarmos as amarras que nos 
cegam antes de sermos nós mesmos. Segurança, previsibilidade e um sentimento de 
pertencimento nos possibilitam mudar sem a sensação de que estamos nos perdendo. 
Um membro partilhou: “quando eu estava usando, sempre tinha uma muda de roupa 
em minha bolsa porque eu nunca sabia onde acordaria. Depois de ficar limpa, me peguei 
entulhando minha casa com muita mobília. Depois eu percebi que estava adquirindo 
todas essas coisas para ter certeza de que seria difícil removê-las. Eu não queria mais 
pratos; o que eu queria era saber que eu estava indo para algum lugar dar um tempo”. 
Serenidade pode ser a presença de paz ou a ausência de caos. 
Muitos de nós passaram pela vida sem “estarem presentes”, como se os eventos 
simplesmente os houvessem incluído. Nosso senso de nós mesmos era tão distorcido 
que não sentíamos que poderíamos fazer qualquer diferença no mundo. Quando 
entendemos o quinto passo, descobrimos que o bordão “eu sou impotente diante de 
tudo” é uma justificativa, uma racionalização. Na verdade, somos impotentes perante 
nossa adicção e o tempo que não pode mais voltar. Uma vez que tenhamos tomado 
consciência disso, podemos nos maravilhar com a habilidade que temos de fazer 
escolhas e moldar nossas vidas de um modo novo e genuíno. Nossa relação com o 
mundo é um reflexo da relação que desenvolvemos com nós mesmos. Abrimo-nos a 
novas ideias, a novas maneiras de pensar e novas maneiras de olhar para aquilo que 
pensamos saber. Confiar nas pessoas que acreditam em nós nos permite tentar novas 
coisas, mesmo quando isso parece assustador, além de ter fé na verdade das mudanças 
que vemos. 
Nosso senso de estabilidade nos possibilita assumir riscos maiores, quer isso signifique 
buscar uma nova carreira, quer harmonizar nossos corações com alguém que amamos. 
Quando aprendemos a confiar nessa estabilidade, permitimos que mais do nosso fardo 
se desprenda. Não precisamos mais passar nossos dias e noites nos preocupando ou 
desejando que tudo isso fosse embora. “Sinto tanto medo de aparecer e de crescer que 
sonho que estou fugindo, recomeçando, deixando tudo isso para trás”. Tememos a 
segurança porque temos muito medo de não sermos capazes de sustentá-la. Estarmos 
presentes, vivenciando com atenção nossas vidas sem criar ou alimentar perturbações 
ou drama pode ser algo completamente novo para nós. 
É fundamental que desenvolvamos estabilidade em nossa jornada de recuperação, mas 
há uma diferença entre ser estável e estar parado. Pode ser que tenhamos parado de 
nos mover porque chegamos a um destino almejado. Naturalmente é justo e sadio que 
desejemos usufruir os frutos de nosso trabalho, mas precisamos ter cuidado para não 
usufruirmos desses frutos até que apodreçam. “Quando fiquei limpo foi relativamente 
fácil para mim fazer a transição para um estilo de vida normal”, disse um membro. “Mas 
123 
 
o medo da mudança me paralisou. ” Temos dificuldade em perceber a diferença entre 
uma roda e um buraco. 
Há alguns sinais que nos ajudam a distinguir serenidade de complacência: quando 
estamos julgadores, ingratos e agitados muito provavelmente estamos do lado errado. 
Quando interagir com os outros começa a parecer exaustivo e penoso ou esquecemos 
de que somos importantes para os outros, é possível que estejamos escorregando 
novamente de volta ao caminho da auto-obsessão. Quando nos sentimos apáticos e 
ingratos, dizemos que estamos “entediados”. O mundo é tão entediante ou 
emocionante quanto o tornarmos. Um membro partilhou, “quando um dia começa a se 
confundir com o outro, geralmente é porque não estou vivenciando os princípios”. 
Quando voltamos ao velho comportamento, precisamos retomar o que é básico no 
programa. Tempo limpo não nos exime de ficarmos enganchados em algum lugar da 
nossa caminhada. Às vezes uma nova perspectiva sobre nossas vidas requer um novo 
olhar sobre os passos. Podemos descobrir que precisamos de atitudes melhores ou que, 
de fato, é necessário que façamos mudanças em nossas vidas. 
Somos capazes então, cada vez com mais frequência e mais cedo no processo de 
recuperação, de reconhecer nossa responsabilidade por nossas ações e as razões que as 
embasam. Identificar o que nos motiva nos ajuda a encontrar alívio de todas as maneiras 
quando a doença aparece em nossas vidas. Isso também nos habilita a seguir em frente 
rumo ao que desejamos e não apenas nos manter fugindo do que tememos. 
Somos livres para conceber uma vida que valorizamos. Quando estamos colaborando 
com nosso Poder Superior, ação e rendição andam de braços dados. Podemos dedicar 
muito do nosso tempo para convencer nosso Poder Superior de como as coisas 
deveriam ser. Cada um de nós já vivenciou haver tentado transformar um desejo em 
realidade e ter deparado os obstáculos mais bizarros até finalmente entendermos que 
a melhor coisa a se fazer é soltar as rédeas e deixar as coisas fluírem nos termos 
soberanos em que a vida as estabelece. Por outro lado, às vezes um desafio ou 
compromisso permanece se colocando diante de nós. Não importa o tanto que 
tentemos evita-lo, ele continua aparecendo inevitavelmente. Quando nos rendemos e 
tentamos, podemos ficar perplexos com o que podemos alcançar. Quanto maior e mais 
completa for nossa rendição, mais aptos estaremos a dar conta dos nossos 
compromissos e então brilharmos como estrelas. 
 
Liberando o caminho – abandonando o controle 
 
Muito da nossa experiência é resultado de nossa percepção. Podemos nos sentir bem 
firmes e enraizados na vida mesmo quando as circunstâncias externas são dinâmicas e 
mutantes. Por outro lado, há momentos em que tudo parece estar bem, mas nos 
sentimos como se as coisas tivessem dado errado. De fato, podemos atravessar 
decepções e mudanças de curso e ver que ainda estamos sendo bem-sucedidos, 
124 
 
progredindo em nossas vidas ou simplesmente nos sentirmos fracassados mesmo 
quando tudo vai bem. Talvez o que percebemos como bom ou ruimseja simplesmente 
um evento; fazemos disso algo bom ou ruim de acordo com nossa atitude em relação a 
esse evento. Às vezes transformamos um simples revés em um drama que dura para 
sempre e que, na verdade, foi culpa de todos os envolvidos. Passamos pela dificuldade 
muito mais rapidamente se simplesmente a aceitarmos e seguirmos em frente. Deixar a 
necessidade de controlar se torna mais fácil se aprendermos simplesmente a não nos 
agarrarmos tão firmemente às coisas. 
Nem mesmo o céu pode ser um limite para nós. As limitações podem ser estabelecidas 
por circunstâncias em nossas vidas que acabam por determinar algumas de nossas 
decisões. Na maioria das vezes, o que nos limita são as barreiras que nós mesmos nos 
impomos. Estamos tão acostumados a nos olhar sob uma lente particularista, que é 
difícil enxergar de outro modo. Podemos ser brutais com nós mesmos. Conceder-nos 
um tempo é uma das habilidades mais importantes que adquirimos em recuperação, 
além de ser decisivo para nossa habilidade em mudar. É difícil aprender algo novo se 
não nos dermos a oportunidade de sermos imperfeitos. Nossas deficiências e 
fragilidades nos impedem de agirmos em prol de nossos interesses mais genuínos. 
Algumas das coisas mais difíceis das quais precisamos nos libertar são justamente nossas 
crenças acerca de nós mesmos e de nossas limitações. 
Os obstáculos nos dão a chance de examinar nossa boa vontade. Alguns de nós lutam à 
sua maneira para atingir um objetivo apesar de suas deficiências físicas, passagens pela 
polícia e outras dificuldades. As resistências que encontramos em nosso caminho podem 
fortalecer nosso senso de compromisso com nossos objetivos. Encontramos uma 
maneira para fazer o impossível. Em outros momentos, as barreiras nos conduzem a 
pensar criativamente, olhando para outras direções nas quais podemos empregar 
melhor nossas energias. 
A frequência com que falhamos ou somos bem-sucedidos nos indica a eficácia do 
programa. Nossas derrotas não têm o poder de nos definir. Fracasso é uma experiência, 
uma força e uma esperança disfarçada. É extremamente importante aprender a 
diferença entre falhar em algo e ser um fracassado. Quando somos honestos, 
começamos a assumir a responsabilidade pelo que nos diz respeito na vida. O remorso 
pode ser um combustível para alimentar uma nova dose de boa vontade para se mudar. 
Fracasso, assim como sucesso, desempenha um papel importante em nossas vidas, nos 
conduzindo a lugares desconhecidos para nós que talvez nos quais não escolheríamos 
estar. Pode nos libertar para buscar novas experiências, bem como horizontes mais 
amplos. 
Às vezes o que vivenciamos como fracasso pode ser na verdade um redirecionamento 
em nossas vidas. Podemos nos tornar tão focados que, às vezes, se faz necessário um 
solavanco para mudar o curso de navegação anteriormente adotado. Depois de passar 
por um momento difícil limpo, um membro disse: “Eu precisava falhar. Eu estava 
completamente fora de controle porque eu pensava que tinha tudo sob controle. Eu 
tinha confundido sucesso material com crescimento interno em recuperação.” 
125 
 
Respondemos ao nosso medo nos tornando mais controladores e com isso findamos por 
nos causar ainda mais problemas. 
Quando estamos sendo profundamente desafiados em alguma área de nossa vida, é 
possível, com frequência, que todas as outras sintam o baque desse momento. Quando 
as coisas ficam difíceis, nunca parece que é somente uma coisa. Então retomamos 
velhos hábitos muito embora saibamos ou costumássemos saber que eles não 
funcionam. O descontrole se retroalimenta. Uma dura lição de humildade nos lembra 
que nunca somos graduados no programa. Quando paramos de praticar o que é básico, 
estamos enrascados. 
É preciso coragem para nos equilibrar. Se os riscos que estamos enfrentando são reais, 
então certamente iremos perder às vezes. Se, ocasionalmente, não fracassarmos é 
possível que estejamos sendo complacentes com a referência que estabelecemos. 
Aprendemos com nossos erros, mas a experiência pode fortalecer nossa fé. Mais 
importante, não precisamos passar por nada sozinhos. À medida que aceitamos que 
tudo ficará bem mesmo quando somos frustrados em nossas tentativas, começamos a 
nos sentir mais confortáveis com a ideia de assumirmos riscos. Aprendemos a ouvir 
nossos instintos e começamos a caminhar no nosso ritmo verdadeiro. Podemos agir 
diante de guinadas à medida que elas surgem sem nos distrairmos pelo desejo de julgar 
ou justificar. 
Estabelecemos objetivos para nós e buscamos sua realização um dia de cada vez, minuto 
a minuto, sabendo que quando estamos fazendo as coisas certas, as coisas certas 
tendem a acontecer – mesmo que não sejam exatamente como previmos. Temos a 
tendência de agir como se os progressos que alcançamos não contassem até que 
cheguemos exatamente ao destino pretendido. Aprender a seguir, passando pelas 
frustrações e eventuais fracassos, nos treina para continuar avançando ainda que as 
coisas não aconteçam do nosso jeito. 
Alguns de nós nunca chegam aonde gostariam, mas isso não significa que haja algo 
errado com sua recuperação. Não ficamos limpos visando alguma recompensa; muito 
embora seja absolutamente recompensador estarmos limpos. Quaisquer que sejam os 
dons e potencialidades que descubramos ter, fazemos bem ao lembrar que não há nada 
de ruim hoje que não possa piorar. A verdade é que todos vivenciamos perdas e 
dificuldades em algum momento da nossa recuperação e que se não tivermos boa 
vontade para aceitar isso como parte do processo, nosso desejo de sucesso pode se 
tornar uma reserva insidiosa. Se nos sentimos envergonhados pela dificuldade que 
estamos atravessando ou que não podemos ser honestos acerca de nossas batalhas, 
nossa relação com a irmandade se tornará sofrida não importa há quanto tempo 
estejamos limpos. 
Muitos de nós esperam que se fizerem tudo certo em recuperação não haverá 
dificuldade ou dor e que, portanto, conseguirão tudo que quiserem. Essas expectativas 
podem ser fatais. Podemos acreditar que se trabalharmos o programa, da melhor forma 
possível, jamais sofreremos reveses quando, na verdade, trabalhar o programa nos 
126 
 
ajuda a continuar seguindo não importa o que aconteça. Alguns de nós vivem apenas 
pequenas perdas ao passo que outros experimentam tragédias e tragédias. Seguir 
adiante não é fácil, mas é o que fazemos. Não podemos estabelecer limites ou molduras 
para nossos sentimentos. “Eu preciso ser brutalmente honesto sobre como me sinto”, 
partilhou um membro, “mesmo quando isso faz o meu estômago doer. Eu estava triste, 
com raiva, com medo e com ciúmes dos outros que tinham tido sucesso.” Não 
precisamos escutar como devemos vivenciar nossos sentimentos, mas é bacana saber 
que somos amados e apoiados. Uma vez que tenhamos passado por um momento ruim 
limpos, podemos nos tornar conscientes de nossa força e de que tudo ficará bem. 
Começamos a acreditar na nossa própria resiliência e a confiar na nossa recuperação. 
Conquistamos uma fé e uma força dentro de nós mesmos que nada, nem ninguém é 
capaz de nos roubar. 
Se tivermos um histórico de fracassos, é bem possível que não acreditemos na 
possibilidade de sermos bem-sucedidos em nossos projetos. Assim, nossa história 
passada pode não ser uma boa bússola para a mudança que agora desejamos. Assim 
como o segundo passo nos ensina que insanidade é fazer as mesmas coisas esperando 
resultados diferentes, às vezes fazemos coisas diferentes e esperamos resultados iguais. 
Mas a verdade é que, embora não mais estejamos fazendo o que sempre fizemos, ainda 
esperamos conseguir a mesma coisa de sempre. Aprendemos que as coisas realmente 
podem mudar para nós se tivermos boa vontade e disposição. Se desejamos algo que 
nunca tivemos, precisaremos tentar coisas que nunca tentamos antes, além de termos 
fé. Quando mudamos nossas ações, motivações e crenças, nossa vida muda – mas não 
da maneira como costumávamos pensar que mudaria. O princípio da mente aberta que 
praticamosem nossa recuperação nos concede a habilidade para sermos flexíveis 
quando as coisas mudam de modo inesperado. “Aprendi a ter mente aberta em relação 
a todos os tipos de coisas,” um membro partilhou, “inclusive sobre o que me faz feliz.” 
Podemos já estar livres muito antes de nos apercebermos disso. 
É preciso que tomemos cuidado para não nos impedir ou desmotivar, uns aos outros, na 
tentativa de seguir nossos sonhos. “Após muitos anos como padrinho”, um membro 
partilhou “eu finalmente percebi que eu não impediria ninguém de fazer o que 
realmente queria fazer. O ponto era se meus afilhados se sentiriam confortáveis em 
partilhar isso honestamente comigo. Quando eu estabelecia exigências ou limitações, 
eu acabava por me tornar mais um tema a ser trabalhado pelos meus afilhados.” 
Ajudamo-nos uns aos outros a ver claramente aquilo no que estamos nos envolvendo e 
aprendemos também a escuta ativa, tão necessária para nos orientarmos melhor em 
nossa caminhada. 
O ponto verdadeiro pode não ser nosso último fracasso ou sucesso, mas nossa fé no 
processo. Um outro adicto partilhou: “eu estava limpo há anos e tudo desmoronou: 
casamento, emprego, finanças e minha relação com meus filhos. Os companheiros 
nesse momento me lembravam de que cada dia limpo era um dia bem-sucedido. Mas 
isso não me aliviava. Eu pensava que eles queriam me colocar ainda mais pra baixo. Mas 
na verdade eu estava trabalhando de modo bem-sucedido meu programa de 
127 
 
recuperação em NA. Eu precisava de um ajuste com foco no que era prioritário. Ainda 
estou rearranjando as coisas, mas hoje em dia estou mais feliz e satisfeito.” Começamos 
a ver que grandes mudanças em nossas vidas não são o fim do mundo, apenas o início 
de uma nova fase ou mais uma etapa de experimentação. Um membro observou, “eu 
pensei que não importava o que significava “não usar” mesmo se houvesse um ciclone. 
Mas eu estou aprendendo que isso também significa seguir em frente mesmo quando 
não sinto vontade de fazer isso.” 
Continuar a fazer simplesmente como nosso hábito antigo nos condicionou, mesmo 
quando vemos o céu desabar, não nos ajuda na travessia das turbulências. Quando 
enfrentamos períodos difíceis, podemos ficar com raiva, defensivos e bem resistentes. 
Pode ser difícil ficar sentado em uma reunião e ouvir o que um companheiro tem a dizer. 
Pensamos em baixar a cabeça e murmurar, mas isso tende a piorar as coisas. É como se 
disséssemos “eu vou seguir sozinho até conseguir atravessar esse momento difícil e 
então dou a volta por cima”. Quando nos mantemos indo a reuniões, ouvimos a 
mensagem apesar de nossa resistência. Aparecemos e a mensagem nos encontra, quer 
estejamos ou não procurando por ela. Aprendemos com a experiência e isso nos faz 
crescer. Frequentemente percebemos que o novo lugar em que nos encontramos é 
melhor do que nossa resistência anterior em abandonar o controle. 
 
Um salto para a fé 
 
NA nos oferece versões de sucesso e fracasso diferentes das que encontramos no 
mundo. Nossas vidas são bem-sucedidas porque estamos limpos, ajudamos às pessoas 
e cultivamos uma relação com um Poder Superior maior do que nós. Pode ser difícil nos 
lembrarmos disso quando nosso mundo exterior está caótico. Se a vida é um sonho, não 
é menos verdade que pesadelos podem nos acometer. Passamos por altos e baixos. 
Temos uma condição que nos diz que sempre foi dessa maneira, não importa se estamos 
vivendo bem ou não. Nós podemos ser tragados pelo pensamento de sermos imunes ao 
fracasso ou de a vida ser muito difícil para nós. Cada um de nós atravessa momentos 
difíceis e de sucesso e por isso aprendemos que a história não se resume a isso – ou ao 
menos a parte mais importante dela. 
Ambos, sucesso e fracasso, podem ser desafiadores para nós. Alguns de nós entram em 
crise porque não sabem lidar com vivências positivas. Podemos temer o sucesso porque 
isso vai nos trazer mais responsabilidade e isso pode nos parecer uma armadilha. 
Podemos nos preocupar sobre se o sucesso vai nos conduzir à perda do foco em ficarmos 
limpos. Pode ser simplesmente pelo fato de que pode ser mais fácil evitar um desafio 
do que arriscarmos falhar. Talvez não nos sintamos dignos ou falhar nos pareça algo 
normal. 
Recuperação é um processo de evolução. Queremos nos tornar a melhor pessoa que 
pudermos ser, trabalhando no que achamos que é importante, nos sentindo amados e 
128 
 
valorizados. Não pode haver uma maneira única de fazer isso, porque somos todos 
diferentes. Queremos que nos deem um mapa com a trilha do sucesso, mas poucos de 
nós encontram aquele tipo de direção específica que nos conduz mais longe. 
Aprendemos o que é certo para nós por meio de nossos próprios esforços. 
Podíamos não ter sonhos quando chegamos aqui. Nossa experiência pode ter nos 
ensinado que não é seguro compartilhar nossos sonhos ou desejá-los com muita avidez. 
Precisamos descobrir uma maneira de ouvir nossos próprios anseios. Com o passar do 
tempo, adquirimos uma compreensão perspicaz do que significa viver em harmonia com 
nossas crenças. Mesmo quando partilhamos nossas vidas com outros, nossa 
disponibilidade para sermos responsáveis por nós mesmos determina nossa habilidade 
de sentir amor e ficarmos satisfeitos. É a integridade com a qual vivemos nossas vidas 
que importa. Afinal, se não gostamos de quem somos ou de como agimos, se achamos 
nossa própria companhia desconfortável, que importa se possuímos algo ou quanto 
possuímos? 
Construímos uma base, uma irmandade, e uma vida – não necessariamente nessa 
ordem. Aqueles de nós que foram afortunados por estarem envolvidos no 
desenvolvimento da irmandade sabem quão gratificante é ver algo crescer desde a 
semente. Essa experiência é distinta de qualquer coisa que conhecemos. Muitos de nós 
devotaram seus corações e almas a NA e viram o processo de construção de suas 
próprias vidas acontecer como decorrência disso. Podemos nos ver começando uma 
carreira ou nos preocupando com nossa segurança financeira anos após nossos 
companheiros já estarem estáveis. Não há maneira certa ou errada de se recuperar. 
Todos nós já vivemos o recomeço em nossas vidas com novas pessoas, lugares, coisas, 
enfim, entrando em um novo modo de vida que não entendemos muito bem. O desejo 
de sobreviver e se sentir realizado não é privilégio de quem é adicto. Em recuperação, 
começamos nos conectando com os outros e trabalhando, cada qual à sua maneira, 
nossa segurança básica. Talvez tenha que ser dessa forma. Acreditar que podemos 
confiar no amor em nossas vidas é desafiador. Aquelas nossas necessidades profundas 
são justamente as que não acreditamos que a vida possa preencher. A resposta está no 
processo de reparação por meio da compreensão de que podemos perdoar e sermos 
perdoados, de que podemos assumir a responsabilidade por nossas ações e fazer 
escolhas melhores. 
Através de nossa recuperação, melhoramos nosso comportamento, nossas atitudes, 
nossas perspectivas e nossas vidas. Os despertares que temos à medida que 
trabalhamos os onze primeiros passos nos equipam com a habilidade de agir de uma 
nova maneira. Pedimos pelo conhecimento da vontade do nosso Poder Superior para 
nós e pelo poder de realizá-la. Depois de todo processo de rendição e limpeza da nossa 
casa nos passos anteriores, um contato constante com o décimo segundo passo nos 
muda. Quanto mais abraçamos e nos rendemos à nossa impotência, mais 
profundamente somos empoderados para agir em nossas vidas. Nosso texto básico nos 
diz que encontramos a vontade de Deus para nós nas coisas que mais valorizamos. 
Podemos descrever isso em uma linguagem bem espiritual ou simplesmente sentir que 
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somos um com o criador em tudo que fazemos. “Eu sei que estou realizando a vontade 
do meu Poder Superior quando todo o barulho da minha cabeça cessa.” 
Em algum nível, trata-se de fé. Viver nossos sonhos requer que acreditemos que eles 
são possíveis. Quando agimos apoiados pela fé, nos movemos em uma direção positiva. 
Pode ser bem assustadore, às vezes, estranho, é bem verdade. Saltar para a fé nos exige 
tanto que confiemos que haverá solo sob nossos pés quanto que seremos capazes de 
voar. Os primeiros pequenos passos nos fornecem a coragem para esse salto. 
 
Compromisso 
 
As ferramentas que usamos para praticar os passos nos servem em todos os aspectos 
de nossas vidas. A imaginação é uma dessas ferramentas de modo que, quando nos 
permitimos sonhar, podemos usá-la para explorar nossos corações. Pode ser assustador 
olhar para aquilo em que acreditamos, o que queremos e quem somos. Com a prática 
da oração e meditação, aprendemos a ouvir nossa voz interior e a identificar quando 
algo é verdadeiro para nós. As pessoas em quem confiamos nos ajudam a desvendar a 
verdade dentro de nós em contraposição à voz ditadora da compulsão. Tomamos 
decisões com base no desejo – como foi o de ficarmos limpos. “Dizemos aos recém-
chegados para colocarem os uniformes, virem às reuniões e dedicarem a NA tudo que 
puderem. Por que nós não deveríamos fazer isso em outras áreas de nossas vidas?” um 
membro perguntou. Aprender a sonhar é importante, mas não é um modo de se viver. 
Boa vontade sem ação é fantasia. 
Uma coisa é ter fé em um poder maior do que nós e outra bem diferente é ter fé em nós 
mesmos. Alguns de nós levam muito tempo até acreditarem que podem contribuir com 
o mundo de um modo que serve a um poder maior, aos nossos valores e que nos dá 
senso de propósito. Fazer a coisa certa quando ninguém vê é um ato de serviço dedicado 
àquilo em que acreditamos. Alguns de nós chamam isso de integridade; o sexto passo 
chama isso de caráter. Como quer que se chame, essa prática constitui a disciplina que 
forma as bases do processo permanente de construção da nossa maturidade. 
Quando se comparam os princípios, a disciplina é um dos menos populares. Falamos em 
compromisso quase que a partir do nosso primeiro dia limpos. Nos comprometemos a 
voltar, a ficarmos limpos até a próxima reunião, a chamar alguém antes de seguirmos. 
Agir com base nos compromissos que assumimos exige disciplina e esta é uma 
habilidade que desenvolvemos à medida que praticamos. Isso não acontece 
naturalmente para a maioria de nós e sabemos que nossos objetivos de longo prazo com 
frequência serão alcançados se aprendermos a adiar nosso prazer e satisfação 
imediatos, tão característicos da nossa ativa. Disciplina é compromisso em ação, é uma 
demonstração de nossa boa vontade. É diferente de “força de vontade” ou 
“obstinação”, pois não estamos tentando nos forçar a mudar. O que estamos fazendo é 
mudar nossa relação com nosso próprio comportamento. Quanto mais confiarmos no 
130 
 
processo, mais estaremos propensos a praticar a disciplina. “Cheguei onde estou pela 
graça de Deus – e uma recusa obstinada de largar o programa”, um membro partilhou. 
Quando disciplina e fé andam juntas, começamos a nos tornar as pessoas que sempre 
quisemos. 
O talento ou interesse podem surgir naturalmente, mas qualquer habilidade requer 
prática. Desenvolver o foco e a energia para permanecer firme na realização de um 
objetivo é um desafio; nos permitir assumir riscos é outro. Demanda coragem encarar 
nossa própria criatividade e então disciplinar e direcionar esse aspecto para as coisas 
que queremos. Um membro partilhou: “Eu sinto que não tenho a liberdade interna para 
fazer aquilo que tenho a habilidade para fazer fora. Eu vejo isso como uma liberdade 
que terei no futuro.” 
Consciência não é o mesmo que controle. Não conseguimos automaticamente a 
liberdade de nossos defeitos somente por que os enxergamos. A consciência nos dá 
esperança e direção. Às vezes isso pode nos motivar a arregaçar as mangas e colocar a 
mão na massa e, às vezes, o melhor que podemos fazer é esperar. Quando não podemos 
ver um obstáculo ou um defeito ao nosso redor é porque geralmente algum trabalho 
ainda precisa ser feito primeiramente. Auto-aceitação liberta nossa imaginação. O 
trabalho de reparação presente nos passos permite que nos sintamos dignos de sucesso. 
As respostas estão em lugares diferentes para cada um de nós e não as conhecemos até 
que as encontremos. Estar em recuperação nos liberta de maneiras imprevisíveis. É 
somente ao vivenciar a liberdade que aprendemos onde estivemos confinados. 
Objetivos são sonhos aos quais adicionamos ação. Podemos entender o trabalho e 
mensurar a melhora do nosso progresso se desmembrarmos nossos objetivos em passos 
simples a serem alcançados, um de cada vez. Afinal, nós sabemos uma ou outra coisa 
sobre passos! Estabelecer objetivos realizáveis e celebrar as conquistas pelo caminho 
nos possibilita ver nosso progresso e nos agracia com momentos em que podemos nos 
colocar de lado e avaliar onde estamos e para onde estamos indo. 
 
Educação 
 
A doença da adicção pode ser bastante perturbadora quando se trata do aspecto 
educacional. Alguns de nós pararam cedo nesse processo ou nunca se sentiram de modo 
algum engajados. Há lacunas em nosso conhecimento, quer seja como resultado da 
nossa adicção, quer seja como decorrência do lugar de onde possamos ter vindo e isso 
pode ser uma fonte de vergonha para nós. Mas falta de informação não é um defeito de 
caráter; é apenas algo de que não tínhamos conhecimento ainda. Há uma diferença 
entre não saber e não ter capacidade de aprender. 
Recuperação é eminentemente um processo de educação. Estamos aprendendo 
princípios e praticando uma nova forma de viver. Aprendemos a ler, escrever, cuidar, 
compartilhar, praticar, frequentar as reuniões e continuar voltando nesse processo. As 
131 
 
habilidades que aprendemos ao praticar os passos podem ser facilmente adaptadas e 
utilizadas em outras áreas de nossas vidas. Quando aplicamos essas habilidades a outros 
tipos de aprendizado, tendemos a nos sair surpreendentemente bem. Se ainda 
estivermos no início do trabalho, a probabilidade, naturalmente, é de que haja limites 
quanto ao lugar a que podemos chegar. 
Muitos de nós voltam à escola após ficarem limpos. Podemos ficar surpresos com os 
desafios que enfrentamos. Mesmo um programa de treinamento no trabalho pode nos 
intimidar quando não estamos acostumados a aprender. Não é algo que todos nós 
façamos e muitos de nós dão um passo atrás por um tempo e decidem que o que 
estamos fazendo “não é apenas por nós”. “ Eu estava agradecido pela oportunidade, 
mas também descobri que não tinha que fazer isso”, um membro partilhou. Podemos 
voltar à escola porque precisamos desenvolver novas habilidades ou porque queremos 
experimentar algo novo. “Minhas ideias sobre a sociedade eram realmente distorcidas”, 
disse um membro, “e também sobre a arena em que eu iria jogar. Antes que eu pudesse 
participar plenamente, eu tinha que aprender como o jogo funcionava.” 
Aprendemos mais do que meramente nosso objeto de estudo. Aprendemos como 
aprender. Assim como nossos corpos foram danificados pela adicção ativa, nossos 
cérebros também foram maltratados. O que quer que estudemos, um instrumento, 
solda, tricô ou filosofia, aprender dá bastante trabalho a nossas mentes. Podemos ver a 
cura à medida que praticamos absorver e reter a informação. Aprendemos a trabalhar 
sob pressão e a aceitar os feedbacks. Aprendemos a perseverar na construção da nossa 
curva de aprendizagem. A impaciência é uma pedra no caminho: queremos conhecer 
com profundidade as coisas, não simplesmente aprendê-las. Estudar é um exercício que 
requer nosso foco constante. Começarmos aprendendo a sermos seres que aprendem 
é um bom começo. 
Alguns de nós voltam para a escola com um plano específico em mente, muito embora 
possamos nos surpreender. A alegria de aprender pode ser uma recompensa em si. 
Podemos não saber aquilo em que somos bons e pode ser que as chances sejam de que 
sejamos melhores do que pensamos. “Eu acreditava que era estúpido porque recaí 
muitas vezes antes de ficar limpo,” um membro partilhou. “Me formar me ajudou a 
acreditar em minha própria inteligência.” Ter mente aberta em relação aos nossos 
talentosuma reserva à nossa boa vontade. Tentar novas abordagens na nossa 
recuperação é apenas uma das formas por meio das quais evitamos ficar paralisados ou 
procrastinar nossa caminhada. Não importa quanto tempo estejamos limpos, podemos 
ir a reuniões e ouvir novas canções. “É como se uma mensagem me visitasse os ouvidos”, 
compartilhou um companheiro. “De repente, eu podia ouvir aquilo que não sabia que 
estava faltando para mim. ” 
As tradições nos ensinam que em NA seus membros não dão aulas. Disso decorre que o 
recém-chegado pode salvar a vida de um membro com mais tempo limpo assim como o 
oposto. Ficamos abertos a essa realidade e, como resultado, muitas das limitações que 
havíamos estabelecido para nós mesmos desaparecem. Ensinamos pelo exemplo. 
Mesmo quando estamos ensinando o que não se deve fazer, somos portadores de uma 
mensagem. Quando compartilhamos nossa experiência, esta ganha valor e significado. 
Nem sempre funciona, pois tendemos a aprender as coisas da pior maneira. Mas quando 
14 
 
um membro, há dois anos limpo, partilha que a experiência de um membro com dez 
anos de programação, por exemplo, o afastou de cometer os mesmos erros, sabemos 
que estamos nos tornando melhores como pessoa e como irmandade. 
A sabedoria é construída com base na experiência recolhida nos fatos passados para 
lidar com eventos novos. Quando pensamos em nossa vida atual em contraste com a 
adicção ativa, é importante lembrar-nos de que “não é onde estivemos que importa, 
mas para onde estamos indo”. Por onde temos andado no processo de recuperação 
constitui as bases promotoras da nossa sabedoria. Aprendemos com nossa experiência 
e passamos isso aos outros. Nossa sabedoria cresce na mesma proporção em que nos 
observamos com honestidade, sem julgamentos ou conclusões precipitadas. 
 
Dores Crescentes 
 
Cedo ou tarde, vivemos uma oportunidade específica ou uma catástrofe sobre a qual 
não ouvimos ninguém falar nada nas reuniões. Às vezes algo como um término de uma 
relação, a perda de um emprego, ou mudanças em nossas famílias que acionam uma 
enxurrada de sentimentos. Mágoa, dificuldades ou traição podem nos fazer sentir 
terrivelmente sozinhos. Ocasionalmente, experienciamos mudanças físicas que nos 
acarretam uma carga emocional, gerando ansiedade, depressão e medo profundos. 
Há momentos também em que nos encontramos em crise mesmo quando as 
circunstâncias de nossas vidas parecem realmente boas. Mesmo o entusiasmo com a 
vivência dos nossos sonhos – uma nova carreira, mudar-se para um lugar distante, 
construir uma família – pode nos fazer sentir inadequados. Às vezes um evento externo 
aciona o gatilho. Em outros momentos, uma erupção de emoções parece jorrar não se 
sabe de onde. Parece que nos sentimos acuados mesmo quando nada está acontecendo 
na verdade. Uma vez que passamos por isso limpos, sabemos que não durará para 
sempre. Mas isso também não significa que enxergamos a saída. Passamos por isso 
focando em uma análise e entendimento profundos e também com fé na nossa 
recuperação. Por meio do trabalho árduo e da graça, se continuarmos voltando, nos 
libertamos. 
Finalmente é chegada a hora de uma crise emocional na nossa recuperação. Nos 
indagamos se a recuperação vai durar ou se o que alcançamos foi apenas uma breve 
prorrogação da nossa insanidade. Um membro partilhou “minha vida parece estável 
para quem está de fora, mas por dentro está uma zona. Eu estou limpo, mas sofrido, 
reativo e com medo”. Nos encontramos nesses lugares após anos limpos. Lidamos com 
nossa adicção, mas, muitas vezes, não visitamos os lugares sombrios que tanto 
precisamos conhecer dentro de nós. Emoções há muito soterradas brotam na superfície 
e podemos ter ou não as ferramentas para lidar com elas. “À medida que descubro 
coisas em mim”, partilhou um membro, “minhas emoções me deixam com muita raiva”. 
Não há finais amargos em recuperação, mas, às vezes, é o que parece termos. A opção 
15 
 
pela recuperação sempre nos dá uma nova chance na vida. Às vezes precisamos aceitar 
o convite mais uma vez. 
Os limiares que encontramos na recuperação podem ser assustadores. Passamos por 
momentos difíceis. Quando sentimos dor, é bem difícil oferecer ajuda. É simplesmente 
mais fácil observar o que nos difere. Mas mesmo nesses momentos de escuridão, o 
processo de recuperação está em andamento. Quando os membros de NA dizem “não 
desista cinco minutos antes de o milagre acontecer”, já não estamos mais falando do 
primeiro que vivemos e testemunhamos. Nossas vidas estão repletas de momentos em 
que nos deparamos com a difícil decisão de crescer ou desistir. Muitos de nós partem 
não quando as coisas estão terrivelmente árduas, mas quando é necessário avançar 
sobre mais um obstáculo que nos separa de mais um ganho espiritual. Perdemos a 
direção pouco antes de o milagre acontecer e deixamos de testemunhar seus 
desdobramentos – por vezes e vezes. 
A fé que nos guia pela construção de uma vida bem-sucedida pode não ser suficiente 
para sustentar o dia a dia. Um novo tipo de rendição é necessário se quisermos ficar 
limpos e seguir crescendo. O crescimento espiritual pode ser desconcertante, 
assustador e bem solitário. Alguns de nós desistem nesse ponto crucial do processo, 
quando não há mais nada em que pôr a culpa, a não ser em nós mesmos. O egoísmo e 
o egocentrismo levam a uma morte cheia de dor. Mas podemos atravessar essa etapa 
com a ajuda dos outros que venceram esse momento e desfrutar das recompensas que 
nos esperam na outra margem do rio. O que nos foi dito quando éramos recém-
chegados continua valendo: continua voltando, independentemente, de qualquer coisa, 
funciona! Muitos dos desafios que enfrentamos têm sintomas concretos, mas na 
essência são espirituais. É difícil identificar uma crise espiritual: em geral, ela está 
disfarçada de uma crise em nossos relacionamentos, finanças, carreiras ou família. 
Quando vivenciamos uma crise, podemos tentar todos os tipos de fuga e desculpas 
antes de recorrer aos passos. Podemos ser intolerantes, raivosos, defensivos, vingativos, 
podemos nos sentir culpados, ressentidos, testando assim a paciência e tolerância dos 
que estão conosco. A única saída é encontrar coragem para atravessar esse mar de 
emoções. Precisamos arregaçar as mangas e trabalhar com empenho. Essas batalhas 
costumam nos fazer avançar para uma nova fase da recuperação. Sairemos mais fortes 
e saudáveis da experiência vivida se estivermos dispostos a encarar o trabalho que 
precisa ser feito. 
Quando iniciamos nossa recuperação nos disseram para continuar voltando, pois cedo 
ou tarde ouviríamos a nossa história. Mas é um erro pensar que nossa história é a única 
que precisamos ouvir. Nossa história de recuperação não é menos dramática e há 
momentos em que precisamos ir a reuniões para ouvi-la tantas vezes quanto necessário. 
Aprendemos quando escutamos tanto com o coração quanto com os ouvidos. Às vezes, 
é preciso buscá-la em outras reuniões, perguntar e partilhar sobre o que está 
acontecendo. Encontramos pessoas que passaram limpas pelo que estamos passando. 
A conversa com outros companheiros muito nos ajuda a atravessar tais momentos e 
precisamos dividir isso com os outros à medida que superamos essas fases. 
16 
 
A esperança é real. Quando escutamos os outros partilharem como atravessaram 
momentos de dor, ganhamos uma visão mais ampla da vida. Aprendemos a seguir 
adiante com nossas vidas com as ferramentas decorrentes dessas experiências. Quando 
mudamos nossas atitudes e perspectivas, podemos encontrar um novo senso de 
compaixão e gratidão. Talvez a maior lição de todas seja a empatia. Entretanto, empatia 
não é um sentimento pontual; é um modo de vida. Quando nos relacionamos com os 
outros e observamos seu crescimento, começamos a acreditar na possibilidade de nossa 
própria recuperação. Ouvir a partilha de outros adictos sem julgamentos é pressuposto 
essencial para ouvirmos nosso próprio coração sem julgamento ou punição. Quando 
temos compaixãopode nos possibilitar seguir um caminho que era inimaginável anteriormente 
para nós. 
Muitos compartilham o sentimento de que precisam compensar o tempo perdido em 
sua adicção. Lutamos com o sentimento de que não somos bons o bastante. Conciliar o 
tempo dedicado aos nossos compromissos na escola e em NA pode ser uma 
aprendizagem sobre equilíbrio. Podemos imaginar que todos nossos colegas de classe 
estão usando ou que eles constituem uma unidade na qual não nos encaixamos. 
Podemos nos sentir inseguros e julgadores ao mesmo tempo. “O processo era 
surpreendentemente emocional,” partilhou um membro. “Minha recuperação era uma 
armadura que eu punha. Me sentia sozinho e não percebido pelos outros, mas ao 
132 
 
mesmo tempo eu não tinha a auto-aceitação necessária para deixar ninguém entrar em 
minha vida.” 
Se nossa tendência é buscar a perfeição, é bem provável que enfrentaremos isso quando 
formos para a escola. Um membro partilhou: “Eu me sentia um fracassado se não 
conseguisse tirar dez em uma prova. Não conseguia dormir até entender o que tinha 
feito de errado. Eu não estava competindo contra outros estudantes: estava 
competindo contra meu próprio medo.” Logo atrás do perfeccionismo existe um muro 
de vergonha. Qualquer passo em falso parece abrir uma janela que revela esse segredo. 
Sugestões soam como críticas e críticas como uma condenação. 
Com frequência agimos como se nossas vidas fossem começar em algum ponto no 
futuro: quando conseguirmos algum tempo limpo, quando terminarmos a escola, 
quando arranjarmos um emprego ou quando nossas vidas se tornarem magicamente 
controláveis. Em um programa que funciona “só por hoje”, aprendemos que o que 
importa não é o que vai acontecer em uma data futura. Nossas vidas são o que estamos 
fazendo agora. Vivemos como vivemos nossa busca dos nossos objetivos. Árvores altas 
requerem raízes profundas. Precisamos nos assegurar de que estamos utilizando com 
sabedoria nosso tempo para construir e manter nossa fundação à medida que seguimos 
em frente. 
 
Dinheiro 
 
Quer tenhamos muito ou pouco dinheiro, a maioria de nós tem uma relação desafiadora 
com ele. Não há nenhum conjunto de valores corretos, mas temos princípios que 
aplicamos em recuperação. Nossa sétima tradição nos fala sobre o auto sustento por 
meio de nossas próprias contribuições, e enquanto a tradição faz referência direta aos 
grupos, muitos de nós descobrem que praticar o princípio em suas próprias vidas é 
essencial para vivenciar a liberdade. Aprendemos a nos manter financeiramente e 
descobrimos que há outras maneiras por meio das quais podemos praticar o auto 
sustento. Aprendemos a carregar nosso fardo, a limpar nossa bagunça e a contribuir nos 
lugares que são importantes para nós. Pode ser bem difícil para nós partilhar sobre 
nossa relação com dinheiro. Partilhar honestamente sobre isso com nosso padrinho 
pode abrir as portas para a cura em todas as áreas de nossa vida. 
Ter dinheiro e trabalho podem ser coisas completamente sem relação quando 
chegamos em NA. Encontramos os recursos de que precisávamos em nossa adicção 
ativa de todas as formas. Furtávamos, manipulávamos, levávamos vantagem, enfim 
persuadíamos todos quantos aparecessem em nossas vidas. Éramos sanguessugas e 
dissipávamos os recursos que estavam disponíveis para nós. Em nosso egocentrismo, 
tornamo-nos míopes aos pedágios que impusemos às pessoas ao nosso redor. A 
consciência de que talvez nunca poderemos reparar o que devemos pode fazer parte da 
força que nos guia até uma nova maneira de viver. Temos uma dívida, mas toda vez que 
133 
 
agimos a serviço de um poder maior podemos sentir algo mudando dentro de nós. 
Temos uma contribuição a fazer e fazê-la não é algo sacrificante. Ela nos serve tanto 
quanto nós servimos aos outros. 
Nosso senso de direito ilimitado tão presente em nossa adicção ativa pode nos 
acompanhar até a recuperação. No entanto, ele aparece frequentemente de formas 
mais sutis. Não roubamos mais as bolsas das pessoas, mas pode nos parecer 
perfeitamente normal levar alguns itens do estoque da empresa em que trabalhamos, 
apenas furtar um pouco ou seguir tirando vantagem das pessoas. Podemos saber que 
esse tipo de desonestidade está errada, mas abrigamos a justificativa de que não 
estamos sendo pagos dignamente, de que merecemos um descanso que não nos 
concedem ou de que as pessoas a quem servimos no trabalho, em casa ou em NA, 
deveriam ser mais agradecidas a nós. Às vezes esse sintoma da nossa ativa aparece sob 
a forma de desconfiança dos outros: suspeitamos constantemente que alguém está 
tentando se dar bem em cima de nós. 
O ressentimento que fervilha dentro de nós pode ser inacreditavelmente destrutivo. 
Vemos não o que temos, mas o que nos falta. Sentimos mais nossa vulnerabilidade do 
que nossa segurança. É difícil sentir-se feliz quando o mundo parece um lugar hostil. 
Aprender a praticar fé e gratidão não significa que abandonamos nossas “manhas de 
rua”. Significa nesse primeiro momento que começamos a desenvolver um tipo 
diferente de inteligência. Podemos lutar por nós mesmos sem sentirmos que estamos 
lutando por nossa vida. Começamos a confiar que nossas necessidades serão satisfeitas 
e a ver que as imperfeições presentes nas circunstâncias são, na verdade, oportunidades 
e não barreiras ao nosso crescimento. 
Uma vez que tenhamos entrado em recuperação, a obsessão e a compulsão podem se 
manifestar também em nossos hábitos de consumo. Compramos impulsivamente e 
compulsivamente e ficamos obcecados com termos o que é mais novo ou o melhor. 
Usamos nosso dinheiro sem sabedoria na tentativa de preencher o vazio: queremos 
comprar amor, aprovação ou a aparência de sucesso. “Eu pensei que poderia comprar 
meu passe para a cura da adicção,” disse um membro. O dinheiro se torna mais uma 
maneira de manifestar nosso comportamento controlador. Tornamo-nos tão rígidos que 
criamos mais problemas do que soluções ou simplesmente deixamos o dinheiro e as 
oportunidades se esvaírem, pensando que a pobreza é o que nos cabe. Alguns de nós 
descobrem que não são as “coisas” que nos atraem, mas a sua busca. Essa força pode 
nos trazer grande sucesso ou pode se tornar a compulsão que alimenta outros sintomas 
da nossa adicção. Só nós sabemos a verdade. Se estamos apostando, vivendo o sistema, 
abrindo e fechando negócios, pendulando entre sucesso financeiro e fracasso sem 
parar, talvez seja preciso pararmos para analisar aquilo para que estamos prontos. Pode 
ser difícil admitir que temos uma relação problemática com o dinheiro; partilhar 
honestamente com alguém em quem confiamos pode começar o processo de mudança. 
Descontrole financeiro é sempre um sintoma de algo maior. Como tantas coisas contra 
as quais lutamos, trata-se de um problema prático com uma solução espiritual. 
134 
 
“Coisas muito pequenas”, disse um membro, “como pagar as contas no prazo me deram 
um sentido de dignidade.” Outro membro partilhou que ela começou a superar seu 
ressentimento com o pagamento de suas contas ao escrever “obrigado pelos seus 
serviços” no verso dos boletos. Cumprir com nossas obrigações mais simples pode ser 
uma vitória. Para alguns de nós, isso se resolve rápido. Já outros passam a vida inteira 
aprendendo a lidar com esse aspecto. Desordem financeira não é algo extraordinário 
para membros de NA, mas não é uma exigência para se adentrar a irmandade. Brincar 
com a doença que temos traz sérias consequências financeiras. Mas muitas das 
maneiras como vivemos nossa recuperação também. Isso não significa que trabalhar o 
programa vai nos tornar ricos. Alguns de nós não ganharam mais dinheiro em 
recuperação do que quando estavam usando drogas; tornar-se responsável pode ser 
caro. Mas muitos de nós se tornam bem-sucedidos em recuperação e alcançam 
conforto financeiro. Quando estamos praticando a sanidade e vivendo dentro de nossas 
possibilidades financeiras, nos sentimos confortáveis com quem somos e com as 
circunstâncias que nos rodeiam, não importapelos outros, nos permitimos ser e estar no mundo, e isso nos torna 
úteis para a sua construção. 
Nossa habilidade de sentir alegria e gratidão pode ser um resultado direto do sofrimento 
que suportamos. Ficar limpo não garante que nada ruim possa nos acontecer, mas os 
princípios que aprendemos a praticar com os passos nos ensinam a viver a vida como 
ela é, dando-nos coragem, enchendo-nos de força e fé para continuarmos limpos não 
importa o que aconteça. Somos capazes de viver vidas alegres e com propósito, não 
interessa aquilo por que tenhamos passado. Fé é o que nos mantém fazendo o básico, 
mesmo quando não vemos razão para tal. 
Um dos benefícios de nos ajudarmos é perceber que nossas experiências mais 
dolorosas, de fato, ajudam os outros. Quando dizemos “eu passei por isso limpo” 
percebemos que atravessamos algo que temíamos e chegamos ao outro lado da 
margem. Há grande satisfação não só em olhar para trás, mas também voltar atrás e 
ajudar alguém a atravessar seu martírio. 
Passar por momentos difíceis fortalece nossa fé. Quando lidamos com assuntos 
complexos, podemos viver nossas maiores experiências de crescimento. Um de nossos 
membros comentou “há turistas espirituais e buscadores espirituais; um busca com 
verdade, de coração, e o outro está apenas testando Deus.” Ganhamos mais certeza da 
relação com o Poder Superior à medida que seguimos em frente. Na proporção em que 
amadurecemos na recuperação, aprendemos a nos sentir confortáveis com questões 
difíceis em vez de apenas nos sentirmos bem em pensar que as resolvemos. Quem sabe 
tudo tem grandes dificuldades em aprender. Com frequência, quando dizemos que 
estamos buscando alguma solução, o que buscamos, na verdade, é ter controle. Por 
muitas vezes buscamos respostas, mas, na verdade, não há muito o que se buscar, nem 
precisamos dessas respostas. Os passos nos preparam para sermos honestos conosco e 
com os outros. Começamos a nos tornar responsáveis por nossas ações. Identificar o 
que nos motiva a agir nos ajuda a encontrar alívio sobre as manifestações da nossa 
doença. Também nos possibilita enxergar com mais clareza. Começamos a canalizar 
nossa energia para nos mover em direção ao que queremos em vez de nos afastarmos 
do que tememos. 
Toda vez que nos desapegamos de algo, há um grau de tristeza, mas uma possibilidade 
se abre. Toda vez que passamos por esse processo, encontramos liberdade em nós. Mas 
pode se levar anos para se livrar do que é preciso para nos sentirmos livres. Equivocados, 
17 
 
nos apegamos à tentativa de controlar todas as variáveis na nossa vida por vigilância em 
nossa recuperação. O desapego apresenta diferentes significados com o avanço da 
nossa caminhada. 
Fazer as pazes com as perdas é uma maneira de praticar a aceitação. Quando passamos 
por perdas e, ainda assim, nos sentimos inteiros, algo muda. O sentimento de que 
precisamos lutar pela nossa sobrevivência constantemente começa se dissolver. 
Podemos aceitar que o outro esteja certo ou abandonar algo sem nos perder ou a nossa 
própria dignidade. Frequentemente uma perda com a qual estamos lutando nos serve 
para aliviar danos que nos foram causados no passado e que ainda nos assombram. 
Aceitação não é algo como “tudo ou nada” e não acontece do dia para noite. Como 
tantas outras lições em recuperação, há certamente maneiras menos dolorosas de se 
aprender, mas não é sempre que as alcançamos ou as escolhemos. 
Quanto mais nos desvendamos, mais somos capazes de trabalhar nossa visão de 
esperança. Ao mesmo tempo, nos lembramos de que nossa visão de nós mesmos é 
apenas um olhar fugaz da vontade do Poder Superior para nós. Enquanto buscamos a 
realização de nossos sonhos, podemos nos encontrar em lugares nunca imaginados. 
Tudo é possível, mas isso implica assumir riscos e, às vezes, nossa experiência falha. 
Mesmo quando despencamos e caímos, nos levantamos e seguimos em frente. Isso faz 
parte da jornada também. Passamos a ter menos medo da verdade. Mas não chegamos 
a isso procrastinando ou nos paralisando, esperando pela recuperação. Aprendemos, 
crescemos, doamos, criamos – e continuamos voltando. 
 
Uma visão de esperança 
 
Aprender sobre aceitação, amor e compaixão nos ajuda a aceitar-nos sem condições. 
Enquanto nossa fé se aprofunda, nosso entendimento do que significa agir de boa-fé 
também muda. Com efeito, não usamos mais nossa doença como álibi para 
comportamentos destrutivos. Nosso comportamento se enriquece constantemente 
pelo que aprendemos. Fazemos as pazes conosco – com tudo que ganhamos, perdemos, 
aprendemos e nos tornamos. Somos gratos aos fatos que nos trouxeram até o momento 
em que estamos vivendo. Este processo é algo maior que nós. A recompensa por 
permanecer no programa é sentir-se em paz com quem somos. 
A autoaceitação muda com o passar do tempo. Aprendemos a viver com nossas 
fragilidades e imperfeições. Sentimos que os defeitos que aceitamos e perdoamos em 
nós são mais facilmente removidos do que aqueles contra os quais lutamos para ter 
algum controle. Podemos nos enganar sobre os obstáculos na caminhada. Aprender a 
direcionar nossa atenção para nossas qualidades e objetivos e manter-nos distantes de 
nossos defeitos e obsessões representa uma nova liberdade. Mesmo assim ainda 
podemos acreditar que nossos atributos positivos são parte de uma fachada ou uma 
invenção da nossa imaginação. Mas o fato é que nossos sentimentos já não mais nos 
18 
 
assustam tanto como antigamente e parecem, de fato, nos deixar em paz mais 
rapidamente. Sabemos que não podemos modificar nossos sentimentos 
imediatamente, mas podemos modificar nossos comportamentos. Nosso estado de 
espírito acompanha o que colocamos em prática. Quando fazemos a coisa certa, nos 
sentimos melhor. 
A pessoa que vemos no espelho pode guardar pouca relação com a versão que 
costumavam ter de nós. Quando estamos presos na obsessão, podemos não ter ideia 
do dano que causamos aos que nos cercam ou a nós mesmos. Do mesmo modo, quando 
nos prontificamos a ajudar, podemos não ver os efeitos positivos que geramos em nós 
e para aqueles que nos rodeiam. Podemos nos ver como quando chegamos, não 
reconhecendo que a aplicação dos princípios da irmandade já se tornou parte de nós. 
Confiamos em nosso padrinho e madrinha que nos mostram as mudanças conquistadas, 
porém ainda não reconhecidas. 
Cuidar de nossa condição espiritual é como limpar a casa: se quisermos os benefícios, o 
trabalho não deve ter fim. Quanto melhor nos mantivermos ativos na condução de 
nossa rotina diária, menos dor sentiremos quando precisarmos fazer uma faxina grande, 
e menor será a sua frequência. Somos responsáveis pela nossa recuperação, mas isso 
não precisa significar um fardo. Um membro partilhou “houve um tempo em que tive 
medo do trabalho de passos. Eu o sentia como se fosse uma punição. Agora estou 
entusiasmado de novo para me recuperar, porque sei que os passos são a estrada da 
recuperação.” 
Não é a recuperação que é dolorosa; nossa resistência é o que nos machuca. Quando 
nos afastamos de nossa recuperação e agimos contra nosso sistema de crenças – isso, 
sim, nos causa dor. Usar drogas é distorcer as coisas. Nos prendemos em coisas que 
alteram nossa percepção, seja droga ou ressentimento. Sanidade é viver em harmonia 
com a realidade. Quando estamos espiritualmente despertos, estamos disponíveis para 
ver com clareza. Reconhecemos os hábitos mentais que nos levam de volta aos mesmos 
sentimentos sem parar, independentemente do que esteja acontecendo ao nosso redor. 
Até que rotulemos isso com o nome de “entusiasmo” ou “medo”, o sentimento pode 
ser idêntico. Escolher como descrevemos nossa experiência nos dá a possibilidade de 
escolher como queremos sentir nossas vidas. 
Nos permitir ser felizes pode ser um processo surpreendentemente longo. Mas isso 
continua de um jeito ou de outro. Alguns de nós temem a felicidade porque isso pode 
nos conduzir à complacência. Outros de nós temem que se estiverem sempre felizes não 
haverá maisnada a se buscar. Aprender o que nos faz verdadeiramente felizes pode ser 
difícil, especialmente se nossa relação com a busca por prazer está enredada em nossos 
comportamentos mais destrutivos. O desafio é sempre encontrar o equilíbrio. “Quando 
fiquei limpo pude sentir a dor de cada folha sendo arrancada da árvore”, um 
companheiro partilhou. “Me sinto como uma criança encontrando a alegria. Achei que 
tinha que abrir mão do prazer para ficar limpo”. 
19 
 
O que aprendemos sobre o amor prepara-nos para outros tipos de relação. Podemos 
achar amor, conceber famílias, ou retornarmos a famílias que havíamos abandonado. 
Alguns de nós descobrem que têm talentos para contribuir com o mundo de outras 
maneiras, quer seja por sua criatividade, empatia ou nossa obsessão por focar em algo 
e ir até o fim. As habilidades que aprendemos pela vida se tornam ferramentas úteis 
para levar a mensagem. Quando nos envolvemos com NA, vemos que temos uma 
contribuição valiosa para dar ao mundo. Podemos não ver todas essas mudanças em um 
primeiro momento, mas sentimos, de alguma forma, como uma centelha de esperança, 
que nossas vidas estão se tranformando. 
 
Do desespero à paixão 
 
Uma vez que tenhamos começado a limpar os escombros, as maneiras de que 
precisamos para crescer podem não parecer visíveis para quem nos vê pelo lado de fora. 
Oscilamos entre sermos completamente impulsivos e pensarmos que nossas decisões 
são permanentes. Precisamos de algo para nos dirigir ou nos puxar. Permanecer parado 
gera desesperança e pode facilmente convergir para a complacência e a indiferença. 
Podemos nos sentir mal ou envergonhados, enquanto estamos lutando para manter a 
luz de nossa recuperação acesa, ao pensarmos que deveríamos estar levando a 
mensagem a outros adictos. Mas sem verdade, não temos mensagem alguma a ser 
transmitida. E quando não estamos com a mente aberta, é difícil nos chegar alguma luz. 
Admitir é o início da mudança. 
Colocar nossa vida nos trilhos da recuperação não é algo tão difícil. Buscamos a paixão 
pela recuperação e a nutrimos. A parte mais difícil é exercitar a boa vontade e agir, 
pegando o telefone ou indo a uma reunião quando nos sentimos sem inspiração. Há 
uma mágica e uma graça curativa nas reuniões, mas não podemos vê-las quando nossa 
atitude nos cega. Voltar às reuniões quando nos ausentamos por um tempo pode ser 
difícil e pode, tanto nos causar um sentimento de estranheza, quanto simplesmente 
uma sensação de volta à casa. Há um sentimento de leveza ao adentrarmos a sala em 
que não pisamos há tempo e ver tudo inalterado. É claro que as reuniões ganham mais 
sentido quando as frequentamos com regularidade. Quando oscilamos indo e voltando, 
elas podem parecer maçantes e entediantes. Parte da mágica é frequentar com 
regularidade: ver os outros crescendo e se transformando e perceber o milagre se 
manifestando na vida dos outros. Ocasionalmente alguém dá uma partilha brilhante. 
Mas frequentemente o brilhantismo encontra-se mais no que vemos e não no que 
ouvimos. 
Paixão se parece muito com desespero: é motivante, uma força energizante que pode 
nos mover para frente. Mas a paixão raramente é algo que nos seja concedido de fora; 
ela vem de dentro. Quanto mais você a cultiva, mais você a vivencia. Transitar do 
desespero à paixão é o primeiro passo. Nossa jornada está sempre começando e nossa 
capacidade e necessidade de crescimento espiritual é infinita. As mesmas ferramentas 
20 
 
que nos tiraram das garras da morte permanecem nos brindando com milagres além da 
medida, quando aprendemos a alimentar nossa jornada com paixão e entusiasmo em 
vez de dor e desespero. 
Há uma transição por que passamos no processo de recuperação, um momento 
indefinido que marca a passagem do desespero à paixão. O foco, antes localizado no 
medo de uma dor crescente, transfere-se para novas oportunidades de crescimento ao 
defrontarmos as lutas e desafios que se apresentam, motivando-nos com esperança a 
seguir em frente e superá-los. Pode não ser o nosso primeiro despertar espiritual, mas 
claramente se trata de um despertar do espírito para uma nova perspectiva repleta de 
possibilidades. 
Fé no processo significa que estamos indo na direção correta, mesmo quando pensamos 
que não é para onde iríamos. Assumimos grandes desafios, lutamos por princípios que 
não tínhamos e não fugimos às responsabilidades, mesmo quando estas parecem um 
fardo impossível de se carregar. Aprendemos que o poder superior nos ajudará a fazer 
o que não podemos – mas que ele não fará por nós o que nós mesmos não fazemos. É 
surpreendente descobrir o quanto somos capazes. Quando deixamos de controlar as 
coisas em relação às quais somos impotentes, aprendemos onde realmente reside nosso 
poder e como podemos usá-lo para operar mudanças em nós e no mundo. 
Fazemos parte de algo hoje. Mas não somos apenas parte disso: o que aprendemos 
sobre a unidade de NA nos ajuda a entender como sermos membros de nossas famílias, 
membros de nossas comunidades, membros de um time que trabalha e que joga bem. 
Aprendemos que nunca estamos sozinhos. Estamos aqui com e para os outros. Nossa 
confiança aumenta proporcionalmente à nossa experiência. Percebemos que nossas 
ações têm consequências para nós e para as pessoas que nos rodeiam. Negar isso é uma 
forma de obsessão e um sintoma do egocentrismo cuja manifestação se traduz na ilusão 
da autossuficiência. Somos importantes e podemos contribuir com muito. 
Cada vez que nos rendemos, percebemos mais uma vez que o desespero, que nos fez 
ajoelhar, alimenta a paixão que nos move adiante. Quando a esperança se torna 
realidade, nossas vidas mudam. Nossa experiência confirma aquilo em que acreditamos 
e nossa crença se desenvolve até virar fé. Quando essa fé cresce ao ponto de se 
transformar em conhecimento, o programa, que em algum momento nos exigiu esforço 
para ser colocado em prática, torna-se parte do que somos. Encontramos na 
programação aquilo em busca de que sempre estivemos: conexão com os outros, 
conexão com um Poder Superior, conexão com o mundo ao nosso redor – e o mais 
surpreendente: conexão com nós mesmos. 
 
Por que permanecemos 
 
O que nos mantém em NA depois que o desespero inicial se ameniza? Naturalmente, 
surge o desejo de ajudar o recém-chegado; nosso décimo segundo passo nos lembra 
21 
 
que isso deve vir em primeiro lugar. Mas muitos de nós, em alguma etapa da 
recuperação, podem perceber que isso é tudo que nos resta. Nosso compromisso de 
ajudar pode haver nos mantido voltando, mas alguns de nós podem experimentar o 
sentimento desconfortável que hesitamos em partilhar: “é só isso?” 
Nossa resposta hoje é um ressonante “não”. Em nossas vidas e nas de outros adictos 
pelo mundo, percebemos a mudança – não só do desespero que se transmuta em 
paixão, mas da solidão em que nos encontrávamos quando em NA chegamos. Vemos 
grandes mudanças na maneira como nos relacionamos com os outros desde a primeira 
vez que começamos a trabalhar os passos. Nossa experiência no serviço em NA nos 
ensina a interagir com outros em ambientes que, às vezes, são estressantes e ainda 
assim continuarmos amorosos e abertos mesmo quando estamos de pé em uma 
reunião. Aprendemos quando é importante lutar pelos princípios e quando o melhor é 
nos colocarmos à parte em nome da unidade, sabendo que um Deus amoroso está no 
comando. Planejamos o futuro apenas por hoje e nos desapegamos do resultado, 
mesmo quando o desejamos na verdade. Viver, amar, sobreviver às perdas, celebrar o 
sucesso; descobrimos que as ferramentas da recuperação, que nos devolveram a vida, 
também nos ajudam a viver com graça, integridade e alegria. À medida que praticamos 
os princípios, nosso entendimento cresce e se aprofunda. 
O processo não conhece fronteiras. Nossa recuperação nos transporta a lugares 
infindáveis; não há limites para quão melhores podemos nos tornar. Prejudicamos nossa 
recuperação quando mantemos alguma reserva em relação ao nosso segundo passo, ao 
pensarque há partes em nós que não podem ser recuperadas. Quando aceitamos a 
possibilidade de que podemos nos tornar infinitamente melhores – que não há fim para 
o que a recuperação nos oferece – começamos a entender que a espiritualidade não é 
apenas uma saída. Ela é um modo de vida que continua a nos presentear com novas 
possibilidades, nova consciência, contanto que a busquemos e a coloquemos em 
prática. Se nos deixarmos motivar, não pelo medo do passado, mas pela esperança no 
futuro, nos entusiasmaremos para avançar quando a vida está boa, tanto quanto 
quando nos encontramos em meio a uma batalha. 
Descobrimos uma entrada para uma nova vida de liberdade, paixão e crescimento 
ilimitado. Não estamos mais presos na armadilha do nosso próprio desespero. Algo 
diferente acontece enquanto nos movemos, guiados na recuperação e motivados pela 
paixão, esperança e entusiasmo. Somos libertos para viver nossa vida. Ficamos livres do 
sentimento de que devemos estar constantemente com a guarda armada. Nos 
libertamos para vivenciar a capacidade dos nossos corações. Onde nos fechamos, 
encontramos a habilidade para amar e cuidar dos outros, mais profundamente do que 
um dia imaginamos. 
Sim, somos uma visão de esperança, nos diz o texto básico. Este livro encara a esperança 
como algo que cresce continuamente, nos conduzindo ao longo da recuperação e de 
nossas vidas. Não nos recuperamos apenas; vibramos com nossa caminhada. O 
programa nos concede ferramentas para viver. O trabalho nunca finda e as recompensas 
de se viver esse caminho são também constantes e ilimitadas. Trabalhamos para 
22 
 
melhorar a conjuntura da nossa vida, criando e recriando-a de sorte que se adeque à 
visão que construímos para nós. Com frequência, a mudança que buscamos está nas 
nossas ideias e atitudes. Aprendemos a ver o mundo com mais clareza. Tornamo-nos 
imensamente gratos pela recuperação que testemunhamos em nós e naqueles que nos 
cercam. Recompensas gratificantes sempre nos esperam se estivermos dispostos a fazer 
o esforço. 
Narcóticos Anônimos é uma ponte para a vida, um caminho pelo qual podemos conduzir 
nossas existências. O maior presente é a liberdade. Cada nível de evolução alcançado 
nos descortina algo maior da mesma forma como um nível maior de consciência nos 
permite reconhecer o tanto que ainda há por se descobrir e conquistar. Embora cada 
qual viva de modo diferente, compartilhamos a mesma jornada. Nos sentimos 
imensamente gratos por havermos encontrado a recuperação, por vivermos limpos e 
por sabermos que, onde quer que nos encontremos na viagem, a jornada é contínua. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
Capítulo 2 – Os laços que nos unem 
 
Narcóticos Anônimos é um programa de ação, não uma teoria. Não pensamos sobre 
transformar nossa vida em um novo modo de viver; nós vivemos isso. Antes de ficarmos 
limpos, nossa identidade foi forjada na fantasia; quem poderíamos, quem deveríamos, 
ou mesmo, quem costumávamos ser. Em recuperação, nos conectamos com a realidade 
por meio da ação. Aparecemos e fazemos a nossa parte. Tentamos novas atitudes em 
nosso trabalho, nos nossos relacionamentos e nos compromissos com o serviço na 
irmandade. Alguns de nós começam por simplesmente tentar manter uma planta viva 
em casa. Por onde quer que comecemos, nos aventuramos no mundo – limpos – 
tentando algo novo. Aprendemos a ser quem somos, assumindo posições, riscos e nos 
permitindo sermos vulneráveis. Mesmo quando erramos, podemos aprender algo 
essencial sobre nós mesmos. 
Nos identificamos como adictos, e o princípio do anonimato nos ensina que isso é a coisa 
mais importante. Se nos esquecermos de que temos uma doença fatal, não terá 
importância, realmente, quem ou o que pensamos ser. Mas, uma vez que tenhamos 
clareza disso, e nos acostumemos à ideia de ficarmos limpos, todas as possibilidades se 
abrem. Como adictos em recuperação, somos livres para explorar o mundo e considerar 
quem somos e quem desejamos nos tornar. Um membro experiente sugeriu que o 
segredo da vida é descobrir quem somos e nos empenharmos nessa busca 
deliberadamente. 
 
Conectando-nos conosco 
 
Pode levar um longo tempo até nos libertarmos. Quando encontramos a recuperação, 
estávamos destruídos de muitas maneiras. Embora viver limpo não seja, de modo 
algum, estar sempre em crise, às vezes, é o que pode nos parecer. Nossos sentimentos 
são muito poderosos e, vez por outra, há tanta mudança em nossas vidas que isso pode 
se dar de modo desordenado mesmo quando positivo. Nossas personalidades e nosso 
senso de quem somos foi deformado pela nossa adicção e quando ficamos limpos 
sentimo-nos ainda mais confusos. Isso pode acontecer pouco antes de termos a 
oportunidade ou necessidade de perguntar “Sim, mas quem sou eu?” Mudamos quando 
entramos em recuperação e vamos descobrindo quem fomos todo o tempo. Nos 
encontramos. Para muitos de nós, essa é a renovação de que trata o segundo passo. 
Pode também significar a entrada em um estágio nunca antes vivenciado, porque nunca 
tivemos a chance de sermos nós mesmos sem precisar fingir, nos esconder e tentar ser 
algo que não éramos. 
Podemos nos descrever de diversas maneiras, e aquelas mais importantes podem 
mudar, a depender do estágio ou momento em que nos encontramos na vida. 
24 
 
Identidade é uma palavra que confunde. Indica as coisas que nos diferem dos outros e 
as coisas que nos fazem exatamente os mesmos. Nossa identidade é composta de coisas 
que nos distinguem, tanto como parte de um mesmo grupo quanto como algo que não 
faz parte deste. Somos tão diferentes quanto nossas histórias, mas nossa literatura nos 
relembra que “a adicção nos faz parte de um grupo com suas particularidades.” 
Em algum momento, nossa identidade como adictos nos definiu. No final, parecia que 
éramos somente nossa adicção. À medida que ficamos limpos, começamos a descobrir 
quem realmente somos. Alguns de nós retornam à uma identidade que algum dia 
conheceram e que haviam perdido; outros de nós entram pelo processo incerto sobre 
quem podemos nos tornar. As experiências do nosso passado podem tornar nossa 
caminhada difícil em direção a nos enxergarmos de modo diferente. Os rótulos que nos 
aplicamos na ativa podem impedir nossa mudança agora que entramos em recuperação. 
Experiências emocionais fortes podem dar forma à nossa identidade; às vezes elas nos 
definem. Essas experiências nos tornaram quem somos e nós as incorporamos. Nesse 
sentido, podemos não desejar nos enxergar. Às vezes, estamos simplesmente 
paralisados em experiências passadas como algum tipo de abuso, prisão ou morte de 
um ente querido. Como reconciliar o que fomos com aquilo em que estamos nos 
tornando na recuperação? Queremos nos libertar do passado ao mesmo tempo em que 
aproveitamos essas experiências para aprendermos com elas. 
Às vezes pode levar um tempo para a nossa percepção acerca de nós mesmos alcançar 
quem somos. Podemos mesmo nos sabotar, retornando ao caos familiar ou à dor 
quando vemos que nossas vidas estão se tornando diferentes do que um dia foram. 
Gradualmente, aprendemos que muito do que parece incontrolável, e contra o que tão 
obstinadamente lutamos, é o resultado das escolhas que fazemos. Quando começamos 
a nos sentir confortáveis com as novas escolhas que fazemos, nossa vida começa a 
mudar – às vezes, de modo radical. 
O que nos faz felizes agora são coisas que nunca nos haviam ocorrido antes. Alguns de 
nós testemunham um despertar de sonhos adormecidos, recolhendo o desejo de algum 
lugar perdido e finalmente retomando-o como sempre o imaginaram. Alguns de nós 
percebem que a retomada dos sonhos deixados para trás não faz mais sentido algum. 
Entramos na irmandade com uma história arrependida de promessas e sonhos partidos, 
de desonestidades, traições e derrotas. Acreditar que somos dignos das coisas que 
desejamos pode ser o caminho. Podemos ter vivido um medo avassalador de sonhar. 
Alguns de nós se punem ao longo dos anos de recuperação,separando-se da alegria por 
pensarem que não são merecedores dela. As ferramentas e o amor que encontramos 
em NA podem nos ajudar a romper esses padrões, não importa o tempo que tenhamos 
vivido com eles. 
Podemos nos prender rapidamente a esses padrões. A vigilância é necessária para poder 
impedir o ressurgimento deles. Algo precisa quebrar o ciclo do nosso pensamento 
negativo. Pode ser alguma ação que empreendemos como meditar ou ir a uma reunião; 
pode ser uma ação que nos é mostrada por um companheiro. Nossos amigos e padrinho, 
que nos conhecem bem, reconhecem quando não estamos bem e nos ajudam com a 
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mudança necessária. Quando vivemos só por hoje, encontramos uma coragem que não 
conhecíamos e, assim, podemos ir ao encontro de nossas vidas com alegria, entusiasmo 
e uma esperança grandiosa no que é possível. Mas quando ficamos presos no passado 
ou deslizamos em direção ao futuro, nos encontramos presos na mesma armadilha, 
como antes de saber o que nos tinha acontecido. 
Não há uma resposta simples para como se fazer as pazes com o passado e, raramente, 
isso acontece de uma só vez. Ao longo da recuperação, algumas partes do que somos se 
tornam disponíveis para nós e outras partes estão prontas para serem abandonadas. Às 
vezes, pode ser um processo que transcorre em paz e, às vezes, pode ser aterrador. O 
fato de algo não se resolver com os passos ou nas conversas com nosso padrinho não 
significa que não estejamos avançando em nossa recuperação. Manter-se retornando, 
quer no trabalho de passos, quer em sonhos, à cena do crime, é parte da experiência 
que muitos companheiros partilham em sala. Cada passo que trabalhamos nos traz de 
volta um pedaço de nós que abandonamos e alivia algo do nosso fardo de 
arrependimento, vergonha e medo. Abandonamos algumas coisas que pensávamos 
sobre nós e descortinamos outras. Retomamos algumas coisas que algum dia 
apreciávamos e descobrimos se elas ainda cabem em nossas vidas. A maneira como 
mudamos pode ser surpreendente. 
Deixamos pedaços pelo caminho. É quase como se fosse uma brincadeira de criança. A 
cada passo adiante, nos viramos e restauramos um pedaço do nosso passado, agora sob 
os holofotes dos princípios que aprendemos. Defeitos de caráter são removidos e outras 
coisas negativas também. Trocamos de emprego e descobrimos quanto da nossa 
identidade esteve ligada ao que fazíamos para viver, ou mudanças sobrevêm em nossas 
relações e vemos que isso nos muda de outras maneiras. Isso pode nos chatear, às vezes. 
Podemos não querer admitir que o que funcionou para nós ontem não mais nos serve 
hoje. À medida que começamos a nos conhecer, podemos sentir medo de continuar 
crescendo, porque isso nos abre a possibilidade de que possamos perder o nosso novo 
eu, recém-descoberto. A experiência nos ensina que quanto mais disponíveis e abertos 
estivermos para seguir adiante com nossas vidas, mais completos e mais nós mesmos 
nos tornamos. 
Aprendemos o que é verdade por nós mesmos ao atravessarmos limpos as dificuldades 
e mantermos a experiência que o passado nos concede. Podemos pensar que estamos 
sendo testados, mas a verdade é que nós é quem estamos testando nossa fé e 
entendimento em face das novas experiências. Quando atravessamos uma tempestade 
na recuperação, pode parecer que estamos no mesmo lugar em que estivemos quando, 
em um primeiro momento, ficamos limpos. Do mesmo modo, às vezes, costumamos 
recriar velhas experiências em nossas novas vidas, frequentemente confundindo 
também um momento de dificuldade com uma condição permanente. 
O simples fato de nos aceitarmos nos transforma. Começamos por nos tratar melhor e 
responder ao mundo com uma nova humildade. O texto básico diz em seu oitavo passo, 
“Queremos olhar para o mundo no olho, mas sem agressividade ou medo.” Ao passo 
em que limpamos nossas ruínas e adotamos um modo de vida diferente, podemos 
26 
 
respeitar nossas ações e desenvolver também nosso autorrespeito no processo de 
recuperação. Parte do charme de muitos de nossos membros mais experientes é que 
parecem ser muito excêntricos. Um deles partilhou que isso é fruto de não mais possuir 
defesas na caminhada da vida. Mais e mais, tornamo-nos confortáveis com quem 
somos. Estamos no mundo exatamente como somos. Esta liberdade é parte da 
promessa encerrada na nossa terceira tradição. Em virtude de haver somente um 
requisito para o ingresso na irmandade – o desejo de parar de usar – o programa nos 
presenteia com a permissão para sermos quem realmente somos. Não precisamos mais 
mentir para sermos aceitos. 
 
Conectando-nos com um Poder Superior 
 
Muitos de nós percebem quando vêm pela primeira vez às reuniões que os membros 
que já se encontram em recuperação estão felizes e parecem ter um brilho especial em 
seus semblantes. Essa luz do espírito é a coisa mais linda que temos a oferecer e isso é 
mais forte do que possamos imaginar. Afinal, isso sobreviveu à nossa adicção. Cuidar 
dessa luz significa nutrir a paixão dentro de nós, bem como um processo por meio do 
qual expurgamos tudo que nos impede de encontrar a nós mesmos. Nossos defeitos 
crescem na escuridão quando não se deseja desvendá-la. À luz da recuperação, o que 
temos de melhor começa a desabrochar. 
Há mais de uma perspectiva sob a qual podemos entender a frase “praticar esses 
princípios”. Nós os praticamos, mas cometemos erros. O texto básico nos diz no sexto 
passo, “aprendemos que estamos crescendo quando cometemos novos erros...” A 
prática regular, começando com o que é elementar, e o progresso gradual, são 
exatamente os meios pelos quais nos tornamos bons em alguma coisa, desde aprender 
a tocar um instrumento ou uma língua, até viver uma vida gratificante e 
recompensadora assentada em princípios espirituais. Não estamos apenas aprendendo 
novas habilidades; estamos quebrando velhos hábitos. Alguns destes estão tão 
profundamente arraigados que se confundem com o que somos. 
Construir uma relação com algo maior que nós é um projeto que assumimos quando 
entramos, pela primeira vez, em contato com os passos e que continua com a jornada 
da recuperação. Para alguns de nós, práticas espirituais, como a prece e a meditação, 
moldam e conduzem nosso dia. Outros de nós tentam viver a vida como uma prece, 
oferecendo todas as nossas ações e dons ao nosso Poder Superior. Como quer que 
pratiquemos e vivamos, nossa relação com nosso Poder Superior delineia nosso 
entendimento de quem somos e como podemos nos relacionar com o mundo que nos 
cerca. Nossas ações e motivos refletem nossos valores e crenças. Quando nos 
sintonizamos com um poder maior que nós, parecemos nos mover com mais sutileza, 
acompanhando o fluxo da vida. 
27 
 
Depois de anos limpo, nossa relação com nós mesmos é bastante diferente da que 
tínhamos no momento em que começamos a jornada. À medida que desenvolvemos 
uma identidade para além do nosso eu adicto, nos perguntamos se esse rótulo ainda se 
aplica a nós, se ainda fazemos parte da irmandade. Estamos caminhando para aprender 
o equilíbrio, pisando cada vez menos as pontas extremas do espectro de nossos 
comportamentos. Questionar nossa relação com Narcóticos Anônimos pode levá-la a 
um nível mais profundo. As respostas que encontramos podem nos ajudar a resolver 
nossas reservas. A segurança para questionar nosso alicerce é parte do segredo para 
torná-lo sólido em nossas vidas. 
Costuma-se dizer que aquele que deseja descobrir uma nova terra precisa navegar por 
longo tempo no mar. Às vezes, quando nos sentimos perdidos no mar, podemos nos 
perguntar se o programa ainda é importante para nós. Temos medo de duvidar, pois 
sabemos que isso pode nos matar, mas o medo de questionar nossa nova maneira de 
viver pode nos levar a ser desonestos com nós mesmos. A essência de NA não é tornar-
se obediente: é estabelecer uma relação com algo maior que nós, ainda que 
frequentemente essa relação possa ser um pouco turbulenta. É importante saber que 
há membros que nos concederão espaço para questionarmos

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