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| p. 1 MARC 07 – “CURTO- CIRCUITO” (Distúrbios acidobásicos e hidroeletrolíticos) Objetivos: - Diferenciar os distúrbios acidobásicos; - Discutir, clínico e laboratorialmente, os distúrbios hidroeletrolíticos; - Discutir prevenção quaternária; - Desenvolver planos de cuidado. Discutir sobre critérios de alta e segurança do paciente. 1. Distúrbios acidobásicos 1.1. Introdução - Mecanismos compensatórios: Em algumas situações patológicas, tais como ventilação respiratória insuficiente, vômitos, diarreia ou insuficiência renal podem causar perda ou ganho incomuns de ácido ou base. Nosso corpo tenta compensar essas situações com: Sistema tampão: Qualquer substância capaz de se ligar, reversivelmente, ao H+. Respondem em fração de segundo para minimizar as alterações. Os sistemas tampão não eliminam ou acrescentam íons H+ ao corpo, mas apenas os mantém controlados até que o balanço possa ser reestabelecido. ◦ Bicarbonato: Atua, principalmente, no plasma e na hemácia; ▪ Importante no meio extracelular; ▪ O sódio estará sempre acompanhando o bicarbonato quando ele estiver dissociado, formando o bicarbonato de sódio, pois ele é mais facilmente transportado pelo plasma. ◦ Não-bicarbonato: Hemoglobina, proteínas do plasma, fosfato orgânico e fosfato inorgânico. ▪ Mais abundantes no meio intracelular. Componente pulmonar: 2ª linha de defesa. Controle da concentração de CO2 no líquido extracelular pelos pulmões. O aumento da ventilação elimina o CO2 do líquido extracelular, que reduzirá a concentração de H+. Assim como, uma menor ventilação aumenta o CO2, também elevando a concentração de H+ no líquido extracelular. ◦ A hiperventilação é vigorosa na acidose, enquanto que a hipoventilação é pobre na alcalose metabólica. Componente renal: Apesar de ser o 3º componente na linha de defesa contra alterações do equilíbrio ácido-básico, levando horas a dias para agir, é o mais duradouro. ◦ Reabsorção de íons bicarbonato; ◦ Produção de novos íons bicarbonato; ◦ Secreção de íons hidrogênio. 1.2. Gasometria arterial - A gasometria arterial nos dá uma análise rápida e acurada da oxigenação, ventilação e status acidobásico do paciente. Parece ser o único teste que consegue dar o diagnóstico preciso do distúrbio acidobásico do paciente. - Indicações: Pacientes em que há suspeita de distúrbios respiratórios ou metabólicos, nos pacientes com suspeita de intoxicação exógena, rebaixamento do nível de consciência, instabilidade hemodinâmica, submetidos a intubação orotraqueal, ou como regra geral, em todo paciente potencialmente grave, que dá entrada na sala de emergência. Além da dosagem de pH, pCO2, pO2, HCO3 e base excess (BE), alguns aparelhos de gasometria também são capazes de realizar dosagem de eletrólitos, carboxi- hemoglobina, meta-hemoglobina e lactato. - Coleta: Punção arterial ou através de cateteres arteriais (usados geralmente para monitorização da pressão arterial). A punção arterial, geralmente, é realizada na artéria radial, porém quando o pulso radial não é palpável, as artérias braquiais ou femorais são opções alternativas. Complicações relacionadas a punção arterial são incomuns, podendo haver dor no local da punção e formação de hematoma. Laceração arterial, trombose, isquemia da extremidade e formação de | p. 2 aneurisma são raros, mas são complicações graves. OBS: Fique atento aos erros na amostra de gasometria arterial. São exemplos: atraso na leita (> 30 min); bolhas de ar na seringa (pode aumentar o pO2); volume de sangue insuficiente (deve ser > 1 mL); coagular o sangue; quantidade excessiva de heparina (pode reduzir o pCO2 e alterar o pH). - Ânion-gap: Segundo o princípio da neutralidade eletroquímica, o total de cátions deve ser igual ao total de ânions; logo, se levarmos em consideração os ânions e os cátions comumente medidos e subtrairmos um do outro, um número fixo deve ser alcançado. Os cátions medidos comumente estão em excesso, e matematicamente esse “gap” é preenchido por ânions não mensurados, garantindo a neutralidade eletroquímica. O ânion-gap não existe de fato, o que chamamos de ânion-gap na realidade se trata de um índice que quantifica os íons que não medimos comumente (proteínas plasmáticas [p. ex., albumina], fosfato, sulfato e ânions orgânicos). Quando ânions ácidos se acumulam no líquido extracelular, como acetoacetato e lactato, o ânion-gap aumenta, resultando em acidose de ânion-gap aumentado. É possível que haja redução do ânion-gap em algumas situações, tais como: ◦ Aumento dos cátions não medidos. ◦ Adição de cátions anormais ao sangue, como lítio (intoxicação por lítio) ou imunoglobulinas (discrasia de células plasmocitárias). ◦ Redução da concentração plasmática de albumina (síndrome nefrótica). ◦ Hiperviscosidade e/ou hiperlipidemia, que pode levar a medições inadequadas de sódio e cloro. 1.3. Abordagem - Anamnese e exame físico: - Solicitar simultaneamente a gasometria arterial e o perfil metabólico/hidroeletrolítico e checar se os valores estão nas faixas esperadas. - Identificar o distúrbio primário: Paciente está acidêmico (pH < 7,35) ou alcalêmico (pH > 7,45): O distúrbio é primariamente metabólico (quando existe alteração do HCO3) ou respiratório (quando existe alteração da PaCO2)? ◦ Se o pH está baixo, o paciente está em acidose. ▪ Metabólica: HCO3 está diminuído; ▪ Respiratória: CO2 está aumentado. ◦ Se o pH está alto, o paciente está em alcalose. ▪ Metabólica: HCO3 aumentado. ▪ Respiratória: CO2 está diminuído. | p. 3 * Distúrbios respiratórios são identificados pela PaCO2 e os metabólicos, pelo HCO3. - Calcular a compensação esperada: Qualquer alteração no equilíbrio acidobásico determina uma resposta compensatória por ambos os pulmões e/ou rins. A resposta compensatória tem por objetivo alterar a PaCO2 e o HCO3, de forma que a nova razão entre esses dois valores normalize o pH. Nesse momento, determine se a resposta compensatória está dentro dos níveis esperados para aquele distúrbio. Caso a resposta esteja fora do intervalo esperado, existe um distúrbio acidobásico associado. - Calcular os “gaps”: Em acidoses com ânion-gap aumentado, os ácidos se dissociam em H+ e o ânion não medido. O H+ é tamponado pelo HCO3 e o ânion não mensurado se acumula no plasma, resultando em um aumento do ânion-gap. Já nas acidoses de ânion-gap normal, o aumento da concentração de H+ é acompanhado pelo aumento do cloro (um ânion mensurado), logo não há alteração do ânion-gap. Os distúrbios acidobásicos comumente se apresentam como 2 ou 3 distúrbios coexistentes. ◦ É possível que um paciente tenha um distúrbio acidobásico e mesmo assim apresente valores normais de pH, pCO2 e HCO3. Nesse caso, a única pista para o distúrbio pode ser um ânion-gap aumentado. Após calcular o ânion-gap, compare a queda dos níveis plasmáticos de HCO3 (Δbic: 24 – HCO3) com o aumento no ânion-gap (Δânion-gap: AG – 10); tanto a queda do bicarbonato quanto o aumento no ânion-gap devem ser similares em magnitude. Se a alteração no HCO3 for discrepante da alteração no AG (i. e., > 5 mEq/L), existe um distúrbio misto. ◦ Se o aumento no AG (ΔAG) > queda do HCO3 (ΔHCO3): Sugere que exista um componente de retenção de HCO3 associado (alcalose metabólica); ◦ Se o aumento no AG (ΔAG) < queda do HCO3 (ΔHCO3 ): Sugere que exista perda de HCO3 associada (acidose metabólica). | p. 4 1.4. Distúrbios acidobásicos mistos - Definidos como distúrbios independentemente coexistentes, não sendo meramente respostas compensatórias. - Quando coexistem acidose metabólica e alcalose metabólica no mesmo paciente, o pH podeser normal ou próximo do normal. Quando o pH é normal, a presença de um ânion-gap aumentado dá o diagnóstico de acidose metabólica. Nesse momento, deve-se comparar a elevação do ânion-gap com a queda do bicarbonato, se a elevação do ânion-gap for discrepante a queda do HCO3, o diagnóstico é de distúrbio misto (acidose metabólica de ânion-gap aumentado e alcalose metabólica). - Ainda mais complexo, podem existir distúrbios triplos. 1.5. Acidose metabólica - Etiologias: Aumento da produção de ácidos endógenos (p. ex., cetoácidos e lactato), perda de bicarbonato (p. ex., diarreia), acúmulo de ácidos endógenos (p. ex., insuficiência renal), ou ingestão/infusão de ácidos exógenos (p. ex., intoxicação). - Classificação das etiologias: Acidose com ânion-gap aumentado: ◦ Acúmulo de ácidos: ▪ Acidose láctica (L ou D); ▪ Cetoacidose (diabética, alcoólica, jejum); ▪ Intoxicação por metanol (utilizado na adulteração de bebidas e causa toxicidade do nervo óptico), etilenoglicol (cristais de oxalato de cálcio na urina), salicilato (pode cursasr com alcalose respiratória), propileno glicol, ácido piroglutâmico (5-oxoprolina), etc. ◦ Insuficiência renal (aguda ou crônica). Acidose com ânion-gap normal (ou acidose não ânion-gap; ou acidose hiperclorêmica): Nesses distúrbios, as mudanças recíprocas entre o cloro e o bicarbonato mantêm o ânion-gap normal. Logo, o aumento do cloro faz com que o HCO3 − se reduza na mesma proporção. ◦ Perda gastrointestinal de bicarbonato: ▪ Diarreia ; ▪ Drenagem pancreática ou intestinal; ▪ Ureterossigmoidostomia , alça jejunal, alça ileal; ▪ Drogas: Cloreto de cálcio (agente acidificante); Sulfato de magnésio (diarreia); Colestiramina (diarreia – ácidos biliares). ◦ Acidose de origem renal: (não há ganho de ácidos) ▪ Hipocalemia: Acidose tubular renal (ATR) proximal (tipo 2): Induzida por drogas: acetazolamida, topiramato; ATR distal (tipo 1): Induzida por drogas: anfotericina, ifosfamida. ▪ Hipercalemia: Disfunção do néfron distal (ATR tipo 4) (ducto coletor): ◦ Deficiência de mineralocorticoide; ◦ Resistência a mineralocorticoide (pseudo- hipoaldosteronismo); ◦ Defeito de voltagem; ◦ Doença tubulointersticial; ◦ Normocalêmico. DRC progressiva. ◦ Associada a hipercalemia induzida por drogas (com insuficiência renal): | p. 5 ▪ Diuréticos poupadores de potássio (espirnolactona, amilorida); ▪ Trimetoprim; ▪ Pentamidina; ▪ IECA e BRA; ▪ AINEs; ▪ Inibidores da calcineurina (tacrolimus); ▪ Heparina em doentes críticos. ◦ Outras causas: ▪ Sobrecarga ácida (cloreto de amônio, hiperalimentação); ▪ Perda de bicarbonato em potencial: cetose com excreção de cetona; ▪ Acidose de expansão volêmica (solução salina); ▪ Resinas trocadoras de cátions (sorcal). - Manifestações clínicas: Respiração de Kussmaul: A queda do pH sanguíneo altera o padrão ventilatório na tentativa de aumentar o volume minuto; Redução da contratilidade cardíaca: Ocorre venoconstrição central com vasodilatação arterial periférica; com isso, as complacências do SNC e arterial pulmonar se reduzem, predispondo a edema pulmonar, mesmo com pequenas sobrecargas volêmicas. Depressão do SNC: Levando a letargia, torpor, cefaleia e em alguns casos, até mesmo o coma. Hiperglicemia: Pode ocorrer por redução da sensibilidade a glicose. Outros: Arritmias cardíacas, distensão abdominal (íleo) e proteólise. - Tratamento: Em quase todas as situações, o tratamento é voltado para o controle do fator que causou o distúrbio. Há pouca evidência científica que suporte o uso do bicarbonato para o tratamento das acidoses tanto metabólica quanto respiratória. ◦ A infusão de bicarbonato pode levar a diversos problemas em pacientes com acidose, incluindo sobrecarga volêmica, hipernatremia e alcalose metabólica (deslocando a curva de dissociação da hemoglobina, o que aumenta a afinidade pelo oxigênio e reduz a oferta de O2 para os tecidos). Bicarbonato é frequentemente administrado para “corrigir a acidose” em pacientes com cetoacidose diabética, mas os estudos mostram que: ◦ Paradoxalmente a infusão de bicarbonato aumenta a produção de cetonas e lactato. ◦ Durante a infusão, tem-se demonstrado também o aumento dos níveis de acetoacetato, seguido por elevação dos níveis de β-hidroxibutirato ao término da infusão. ◦ Em pacientes pediátricos, o tratamento com bicarbonato aumentou o tempo de internação. ◦ As diretrizes recomendam considerar reposição de bicarbonato apenas se pH < 6,9. Com reposição de 100 mEq (100 mL de bicarbonato de sódio a 8,4% diluídos em solução glicosada). O bicarbonato pode ser considerado uma terapia salvadora de vida em pacientes com intoxicação por etilenoglicol, metanol ou acidose por uremia. A terapia com bicarbonato está indicada nos casos de acidose hiperclorêmica, quando o pH estiver < 7,2. O que pode ocorrer em pacientes com diarreia grave, fístulas de alto débito ou acidose tubular renal. ◦ Em acidoses metabólicas hiperclorêmicas, a regeneração endógena de bicarbonato é incapaz de ocorrer, em razão das perdas do bicarbonato (não devido à metabolização do HCO3 pelos sistemas tampão). Logo, nesses casos, mesmo se a causa da acidose puder ser revertida, a | p. 6 terapia alcalina deve ser instituída para a atenuação da acidemia. ◦ Na tentativa de reduzir a sobrecarga de sódio, recomendamos que a infusão de bicarbonato seja realizada juntamente com solução glicosada a 5% (p. ex., 50 mL de NaHCO3 8,4% + 950 mL de SG5%), em infusões lentas (100-200 mL/h – 30-45 minutos). ◦ A ideia nesses casos não é normalizar o pH, mas aumentar os níveis do HCO3 sérico em 10 mEq/L e/ou aproximar a um pH de 7,2. Outra exceção ao uso do bicarbonato são os casos em que a acidose leva a risco iminente de morte, geralmente, em níveis de pH < 6,9. 1.6. Alcalose metabólica - Distúrbio comum, principalmente, em pacientes de UTI. - É caracterizada como um pH > 7,45 secundário ao aumento da concentração plasmática de HCO3, como também aumento da PaCO2 como resposta compensatória pulmonar. - Comumente se acompanha de hipocloremia e hipocalemia, e resulta de diversas intervenções realizadas no paciente crítico. - Etiologia: Sobrecarga HCO3 exógena: ◦ Infusão de Na HCO 3; ◦ Síndrome do leite álcali. Redução do volume circulante efetivo , normotensão, déficit de potássio e hiperaldosteronismo hiperreninêmico: ◦ Origem gastrointestinal: Vômitos; aspiração gástrica; cloridorreia congênita; gastrocistoplastia; adenoma viloso; ◦ Origem renal: Diuréticos; estado pós- hipercápnico; hipercalcemia ou hipoparatireoidismo; recuperação de acidose láctica ou cetoacidose; ânions não reabsorvíveis incluindo penicilina e carbenicilina; deficiência de magnésio; depleção de potássio; síndrome de Bartter (perda de função do transportador Na-K-2Cl); síndrome de Gitelman (perda de função do cotrasportador Na-Cl). Expansão do volume circulante efetivo , hipertensão, déficit de potássio e excesso de mineralocorticoide: ◦ Renina alta: Estenose de artéria renal; hipertensão acelerada; tumor secretor de renina; terapia com estrogênio; ◦ Renina baixa: ▪ Hiperaldosteronismo primário (adenoma; hiperplasia; carcinoma). ▪ Defeitos enzimáticos da adrenal (deficiência de 11-beta hidroxilase; deficiência de 17-alfa hidroxilase); ▪ Doença ou síndrome de Cushing. Mutação do canal de sódio do túbulo contorcido distal, com expansão do volume circulante efetivo, hipertensão, déficit de potássio, hipoaldosteronismo hiporreninêmico: Síndrome de Liddle. - Manifestações clínicas: Redução do débito cardíaco. Redução do drive ventilatório. Altera a curva de dissociação da hemoglobina. ◦ Hipóxia,hipercapnia e desvio da curva de dissociação da oxihemoglobina para a esquerda e diminuição da liberação de oxigênio aos tecidos, retendo CO2, que leva ao edema cerebral, podendo apresentar sonolência, hipotensão postural e confusão mental. Piora da hipocalemia e hipofosfatemia. Pacientes também podem cursar com hipopotassemia, hipocloremia e hipocalcemia. Afeta negativamente no processo de extubação de pacientes ventilados mecanicamente. ◦ O pH > 7,45 tem sido correlacionado com maior mortalidade em pacientes críticos. - Tratamento: Deve ser voltado para corrigir o estímulo que está gerando bicarbonato. A primeira manobra terapêutica nesse distúrbio metabólico é repor qualquer déficit de fluidos (com salina isotônica) ou eletrólitos. Pode-se lançar mão da correção da hipocalemia para concentrações maiores ou iguais a 5 mEq/L. A acetazolamida é um inibidor da anidrase carbônica, que provou ser bastante efetiva em corrigir alcalose metabólica de pacientes em UTI, na medida em que induz a excreção renal de HCO3. ◦ É particularmente útil nos pacientes com alcalose metabólica pós- | p. 7 hipercápnica, sobretudo, em casos com hipercalemia e sobrecarga volêmica. ◦ A dose sugerida é de 250-500 mg, em dose única (pode ser repetida se necessário), com início da ação em 1,5 h e duração aproximada de 24 h. ◦ Deve-se atentar para potencial piora da hipocalemia. 1.7. Acidose respiratória - Ocorre quando a hipoventilação leva a uma PaCO2 inadequadamente elevada e acidemia secundária. - Etiologias: Qualquer condição que reduza a ventilação-minuto (p. ex.: DPOC) pode causar acidose respiratória. Isso ocorre agudamente no quadro de comprometimento das vias aéreas, lesões pulmonares, trauma, AVCs catastróficos e uso de depressores do SNC. - Manifestações clínicas: Pode ser acompanhada por hipoxemia que pode cursar com consequências agudas graves. Quando a oxigenação tecidual é adequada, a hipercapnia significativa leva a sonolência e obnubilação, com vasodilatação cerebral e consequente elevação da pressão intracraniana. Começando 6 a 12 h após sua instalação e progredindo por 3 a 5 dias, os rins respondem a uma acidose respiratória retendo o bicarbonato. A alcalose metabólica compensatória resultante, com um nível sérico elevado de bicarbonato, corrige parcialmente o pH sérico. ◦ Aumento de aproximadamente 3,5 mEq/L na concentração sérica de HCO3 para cada aumento de 10 mmHg no PaCO2. - Tratamento: Deve ser direcionado à sua etiologia. O alívio da obstrução das vias aéreas e o uso de ventilação não invasiva ou mecânica frequentemente corrigem hipoxemia ou hipercapnia à medida que a terapia direcionada ao distúrbio subjacente é iniciada. Reposição de bicarbonato deve ser evitada em pacientes com acidose respiratória, exceção feita aos casos em que há acidose metabólica associada. Pacientes com acidose respiratória crônica são frequentemente hipoxêmicos e podem ser suscetíveis a hipoventilação adicional se os níveis normais de saturação de oxigênio forem prontamente restaurados, evoluindo com hipercapnia e narcose. ◦ É, portanto, prudente visar a uma saturação de oxigênio abaixo do normal em pacientes considerados habituados a hipoxemia e hipoventilação com alvo de SaO2 entre 88 e 92%. ◦ Em pacientes nos quais não é possível obter esses alvos com oxigenioterapia deve-se considerar o uso de suporte ventilatório. ◦ O oxigênio suplementar, por outro lado, não deve ser evitado em pacientes com saturação de oxigênio perigosamente baixa (SaO2 < 70%) ou naqueles com disfunção orgânica por hipóxia, como isquemia miocárdica ou cerebral. 1.8. Alcalose respiratória - Ocorre quando a ventilação minuto aumentada causa uma PaCO2 diminuída e aumento no pH sérico. - Etiologias: Embora comumente associado à hiperventilação relacionada à ansiedade, deve-se considerar outras condições médicas como diagnóstico diferencial. Uma importante causa é a intoxicação por salicilatos. - Manifestações clínicas: Ocorrem sintomas similares aos da hipocalcemia, como parestesias nos lábios | p. 8 e nas extremidades, espasmo do carpo, câimbras musculares, tontura e síncope. ◦ O pH sanguíneo altera a afinidade da ligação do cálcio com a albumina. ◦ Quando o pH diminui, o cálcio perde afinidade pela albumina (aumentando o cálcio livre); quando o pH aumenta, o cálcio se liga mais fortemente à albumina (diminuindo o cálcio livre). A resposta homeostática à alcalose respiratória envolve primeiro a secreção celular de H+ em troca de K+. Se a alcalose respiratória persistir, os rins excretam bicarbonato e retêm cloro, levando a uma acidose metabólica compensatória, com redução de HCO3− sérico, hipocalemia e hipercloremia. - Tratamento: Deve ser direcionado à sua etiologia. 2. Distúrbios hidroeletrolíticos 2.1. Distúrbios do sódio 2.1.1. Hiponatremia - Definida como a concentração de sódio < 135 mEq/L, sendo o distúrbio hidroeletrolítico mais comum em pacientes internados. - Fisiopatologia: Sódio regulado pela sede e ADH. O ADH é secretado pela hipófise posterior nas seguintes condições: osmolaridade sérica (quantidade de soluto no sangue) elevada e volemia ou PA reduzidas. O ADH se liga aos receptores de vasopressina nos túbulos coletores e promove a reabsorção de água livre através das aquaporinas, restabelecendo a osmolaridade sérica e/ou a volemia. Em condições fisiológicas, quando a osmolaridade sérica cai abaixo de 280 mOsm/L o ADH é suprimido, fazendo com que o rim excrete água livre na tentativa de evitar maiores quedas da osmolaridade sérica. ◦ Consequentemente, a osmolaridade urinária aumenta devido à menor quantidade de água livre na urina. Dessa forma, se por algum motivo o ADH continuar agindo mesmo com osmolaridade sérica baixa e o indivíduo ingerir líquidos hipotônicos, ocorrerá hiponatremia. - Etiologia: Causas fisiológicas: A liberação de ADH costuma ser causada por uma diminuição do volume circulante efetivo, que pode ser gerada por hipovolemia (p. ex., desidratação, diarreia, sangramento), por má distribuição dos fluidos corpóreos, com extravasamento do líquido intravascular (p. ex., cirrose, síndrome nefrótica) ou ainda por diminuição da perfusão (p. ex., insuficiência cardíaca). ◦ Em condições com baixo volume circulante efetivo, como IC e cirrose, há liberação de ADH na tentativa de reter água livre e aumentar a volemia, mesmo com osmolaridade sérica reduzida. Causa patológica: SIADH e hipotireoidismo. - Classificação da hiponatremia conforme a osmolaridade sérica: Hiponatremia hipertônica (> 295 mOsm/L): Hiponatremia é causada por diluição devido a osmolaridade aumentada secundária à presença de outros solutos. ◦ A maior causa desse tipo de hiponatremia são as grandes hiperglicemias. ▪ Com a resolução da hiperglicemia, a água retorna do espaço intravascular para o interstício e a concentração sérica de sódio aumenta. ◦ Pode ser causada ainda por infusão de soluções hipertônicas (manitol e glicose) ou intoxicação por álcoois. Hiponatremia isotônica (Osm 280-295 mOsm/L) (pseudo-hiponatremias): Artefatos na medição do sódio. ◦ Eram mais frequentes quando o método habitual de mensuração de sódio era a espectofotometria de chama. Com os métodos de ionometria esses erros diminuíram, mas ainda ocorrem. ◦ Ex: Proteínas séricas (paraproteinemias como no mieloma, hiperbilirrubinemia, imunoglobulinas) e hipertrigliceridemia. Hiponatremia hipotônica (Osm < 280 mOsm/L) (hiponatremias verdadeiras): Apresentam significado clínico e necessitam de investigação específica. ◦ Pode ser dividida conforme o estadovolêmico do paciente em | p. 9 normovolêmico, hipovolêmico e hipervolêmico. ◦ Etiologias: ▪ Uma das mais importantes etiologias de hiponatremia são o uso de medicações (DIU tiazídicos; fenotiazinas [p. ex., cloprormazina]; antidepressivos tricíclicos; inibidores seletivos da recaptação de serotonina; AINEs, nicotina, opiáceos, clopropramida, fibratos, carbamazepina, ciclofosfamida, vincristina, desmopresina, oxitocina). ▪ A SIADH é a mais importante causa de hiponatremia euvolêmica. Secreção inapropriada de ADH (SIADH) ou Síndrome antidiurese inapropriada (SIAD) Fisiopatologia: - Ocorre por secreção inapropriadamente alta de ADH. - A secreção de ADH pode estar aumentada devido à produção hipofisária ou ectópica. - Os pacientes apresentam natriurese e osmolaridade urinária inapropriadamente altas. Assim, apesar de clinicamente euvolêmicos, os pacientes possuem volume plasmático ligeiramente aumentado. Etiologias: - Neoplasias malignas (carcinomas, principalmente o de pulmão, leucemia, linfoma, timoma, etc.). - Distúrbios do SNC (infecções, trauma, tumores e porfiria). - Doenças pulmonares (tuberculose, pneumonia, infecções fúngicas, abscesso pulmonar, ventilação mecânica, Legionella, Oat cell). - Medicações (antidepressivos, clofibrato, carbamazepina, etc.). - HIV. Principais características da SIADH: - Hiponatremia hipotônica (Osm < 275 mOsm/kg). - Sem sinais de hipovolemia. - Sódio urinário aumentado (Na > 30 mEq/L). - Hipouricemia. - Creatinina normal ou baixa. - Ausência de outras causas claras de hiponatremia. Novos critérios diagnósticos para SIADH: - Critérios essenciais: Osmolalidade sérica efetiva < 275 mOsm/kg; Osmolalidade urinária > 100 mOsm/kg em paciente com osmolaridade efetiva diminuída; Euvolemia clínica; Concentração de sódio urinário > 30 mmol/L com ingesta normal de sal e água Ausência de insuficiência adrenal, tireoidiana, hipofisária ou renal; Sem uso recente de agentes diuréticos. - Critérios adicionais: Ácido úrico sérico < 4 mg/dL; Ureia sérica < 22 mg/dL; Falha na correção da hiponatremia após infusão de solução fisiológica; Fração de excreção de sódio > 0,5%; Fração de excreção de ureia > 55%; Fração de excreção de ácido úrico > 12% Correção de hiponatremia por meio de restrição hídrica. - Classificação da hiponatremia em relação a sua velocidade de instalação: | p. 10 Aguda: < 48 h de instalação; ◦ Geralmente, ocorre devido à infusão excessiva de fluidos hipotônicos parenterais ou intoxicação por água (p. ex., pacientes psicóticos). Crônica: > 48 h de instalação. ◦ Mais comumente quando não se consegue determinar o tempo de instalação pela história. - Classificada da hiponatremia em relação aos níveis de sódio: Leve: 130-135 mEq/L. Moderada: 125 a 129 mEq/L. Grave: < 125 mEq/L. - Manifestações clínicas: Os pacientes, principalmente, nas formas leves de hiponatremia, podem apresentar sintomas como mal-estar e náuseas. Pacientes com hiponatremia de maior gravidade podem apresentar cefaleia, letargia e obnubilação, com a piora progressiva dos sintomas podem ocorrer ainda alteração de equilíbrio e déficits cognitivos. As formas graves de hiponatremia podem cursar com coma e convulsões. Sintomas moderados: Náuseas sem vômitos; confusão mental; cefaleia. Sintomas graves: Vômitos (se secundários a hiponatremia); desconforto respiratório; sonolência anormal ou excessiva; convulsões; coma (escala de Glasgow < 8). - Exames complementares: M ensuração do sódio em intervalos regulares, mensuração o potássio e avaliada a função renal (ureia e creatinina). Em pacientes com hiponatremia hipovolêmica, a dosagem de sódio urinário pode orientar se as perdas de sódio são renais ou extrarrenais (sódio urinário > 30 mEq/L indica perdas renais e valores inferiores indicam perdas extrarrenais). Em pacientes com perdas renais de sódio, pode-se suspeitar de insuficiência adrenal primária e a dosagem de cortisol ou o teste da cortrosina pode ser útil. Em pacientes com hiponatremia hipervolêmica, as hipóteses diagnósticas incluem IC, cirrose e síndrome nefrótica. Assim, exames apropriados para essas condições devem ser realizados. Em pacientes com hiponatremia euvolêmica, temos um desafio diagnóstico maior. ◦ Causas de hiponatremia euvolêmica incluem insuficiência adrenal (principalmente secundária), hipotireoidismo e SIADH, entre outras condições. ◦ Assim, podem ser úteis nesses pacientes a dosagem de cortisol, TSH e exames para descartar SIADH, que incluem sódio urinário, ácido úrico, potássio e função renal. - Diagnóstico: Passo 1 - Assim que for detectada a hiponatremia, deve-se solicitar aferição da glicemia capilar, a fim de se excluir hiponatremia hipertônica induzida por hiperglicemia. Aumentar em 1,6 a 2 mEq/L de sódio sérico para cada aumento de 100 mg/dL da glicemia acima de 100 mg/dL. Caso o paciente se mantenha hiponatrêmico após correção da glicemia, prossiga a investigação. - Procurar na anamnese, evidências de que o paciente possa ter outras causas de hiponatremia hipertônica ou isotônica: Perguntar sobre cirurgias recentes com uso de irrigação com soluções hipotônicas (p. ex., procedimentos de próstata e útero). Tratamentos recentes com manitol, glicerol ou imunoglobulina IV. Icterícia devido à síndrome colestática. Discrasia de células plasmocitárias conhecida ou suspeita. Aspecto lipêmico do soro na coleta sanguínea. - Excluídos os fatores já citados, o paciente é provavelmente portador de hiponatremia hipotônica. Em caso de dúvidas, deve-se realizar dosagem direta da osmolaridade. Passo 2: - Após descartarmos pseudo-hiponatremia, 2 causas muito importantes de hiponatremia devem ser lembradas: Uso de diuréticos tiazídicos: ◦ O diagnóstico é dado quando a suspensão da medicação acarreta retorno do sódio sérico a níveis normais (pode demorar 1 semana ou mais). Disfunção renal avançada (p. ex., ClCr < | p. 11 15 mL/min): ◦ Hiponatremia ocorre devido à incapacidade do rim de excretar água livre, em fases avançadas da doença renal. - Se o paciente não faz uso de diuréticos tiazídicos e não tem filtração glomerular intensamente reduzida, avaliar se há edema e/ou ascite. Caso positivo, existem 3 causas principais: IC; cirrose; e síndrome nefrótica. - Caso o paciente não se apresente clinicamente edemaciado, o próximo passo é pesquisar sinais de hipovolemia: Hipotensão ortostática, turgor da pele reduzido e mucosas secas podem sugerir hipovolemia. - Pacientes que têm esses sinais clínicos, devem estar perdendo sódio pela via renal ou extrarrenal. - Se a causa não estiver clara pela história clínica, orienta-se realizar a dosagem de sódio urinário. Sódio urinário < 25-30 mEq/L (baixo): Sugere perdas extrarrenais de sódio, como gastrointestinais ou para o terceiro espaço. Sódio urinário > 40 mEq/L (alto): Sugere perdas renais de sódio, como insuficiência adrenal (déficit de cortisol e aldosterona), síndrome cerebral perdedora de sal e perdas por diuréticos. - Nos pacientes euvolêmicos, existem 2 exames que nos auxiliam no diagnóstico etiológico da hiponatremia, o sódio urinário e a osmolaridade urinária: Sódio urinário < 25 mEq/L (baixo) e osmolaridade urinária < 100 mEq/L (baixa): Sugerem que o paciente tem ADH adequadamente suprimido e nesses casos você deve pesquisar sobre a ingesta intencional excessiva de água, como na polidipsia primária, maratonistas ou uso de ecstasy. ◦ Caso não exista ingesta excessiva de água, a hiponatremia pode ser secundária a dietas com restrição proteica e alta quantidade de fluidos como na dieta do chá e torrada ou bebedores decerveja em excesso. Se sódio urinário > 40 mEq/L (alto) e osmolaridade urinária > 100 mOsm/L (alto): Deve-se realizar pesquisa para deficiência de glicocorticoide com cortisol sérico da manhã e teste da estimulação do ACTH, e para hipotireoidismo com TSH: ◦ Caso testes positivos para uma das endocrinopatias, iniciar o tratamento. ◦ Caso testes negativos, o diagnóstico de exclusão é SIADH. ▪ Nesse caso deve-se realizar ampla pesquisa para medicações, neoplasias, pneumopatias, doenças neurológicas, infecção pelo HIV e cirurgias, que possam cursar com essa síndrome. - Tratamento: Os objetivos incluem: prevenir maiores reduções no sódio sérico, reduzir PIC em pacientes com risco de herniação, aliviar os sintomas da hiponatremia e não corrigir rápida e/ou excessivamente o sódio sérico para evitar síndrome da desmielinização osmótica. Tratamento convencional: A maioria dos pacientes apresentam hiponatremia crônica ou sintomas, no máximo, moderados. ◦ Preparar a solução que será infundida; recomendamos que a correção seja feita com solução salina a 3%. ▪ 445 mL de SF + 55 mL de NaCl 20% = 500 mL NaCl 3%. ▪ A cada 1 mL/kg de solução de NaCl 3% infundida, o sódio sérico se eleva em 1 mEq/L. ◦ Em uma situação que necessita de celeridade, lembrar que a ampola de bicarbonato de sódio de 8,4% contém 5,8% de Na. ◦ Na hiponatremia crônica sintomática podemos realizar bolus de 50 a 150 mL de salina hipertônica a 3%. | p. 12 Tratamento mais específico: Hiponatremias agudas graves. Esses pacientes costumam se apresentar com coma ou convulsões que presumivelmente são causados pela hiponatremia, e os dados de história permitem supor que a instalação foi rápida, sem tempo hábil para resposta adaptativa do SNC. Nesses pacientes o objetivo é de elevar rapidamente a natremia do paciente em 4 a 6 mEq/L. ◦ Utiliza-se 50-150 mL de salina hipertônica 3%. ◦ Pode-se utilizar alíquotas de 50 mL e repetir a cada 20-30 min até conseguir o efeito clínico desejado (máximo de 150 mL). ▪ A diretriz norte-americana recomenda repetir 100 mL até 3x. ◦ Pode-se considerar o uso de furosemida em pacientes hipervolêmicos. ◦ Após o uso da salina hipertônica, deve- se diminuir o ritmo de correção do sódio para que não ultrapasse 8-9 mEq/L em 24 h a fim de se evitar a síndrome de desmielinização osmótica. ◦ Deve-se monitorar o sódio sérico a cada 2 h. ◦ Considera-se tratar dessa forma pacientes com Na < 120 mEq/L, Na < 125 mEq/L em pacientes sintomáticos. Medidas gerais: ◦ Identificar e tratar a causa de base. ◦ Suspender medicações que possam contribuir com a hiponatremia. ◦ Restringir água livre da dieta ou líquidos hipotônicos. ◦ Para pacientes com SIADH e/ou hiponatremia crônica, deve-se considerar a prescrição de diuréticos de alça e aumento da ingesta de sódio. ◦ Em pacientes com sintomas moderados é recomendada a dosagem do sódio com 1, 6 e 12 h de tratamento. ◦ Pacientes com hiponatremia sem sintomas ou oligossintomática podem ser tratados com restrição hídrica e controle da causa de base. Pode ser considerado o uso de cloreto de sódio por via oral. - Internação: Pacientes com hiponatremia com sintomas moderados ou graves têm indicação de internação hospitalar, assim como aqueles com sódio menor que 125 mEq/L. Os pacientes com hiponatremia aguda com sintomas graves devem ser internados em UTI. 2.1.2. Hipernatremia - Definida por uma concentração de sódio sérico > 145 mEq/L. - Classificação clínica da hipernatremia: Hipovolêmica: Quando o paciente perde água livre e sódio, porém mais água do que sódio. ◦ Pode ocorrer por perdas renais (p. ex., uso de diuréticos) ou extrarrenais de água (p. ex., diarreia). Euvolêmica: Ocorre, na maioria das vezes, por desidratação, ou seja, ocorre perda de água livre do plasma, porém a quantidade total de sódio corporal não muda. ◦ Nessa situação poderia ocorrer por diabetes insipidus e/ou perdas insensíveis (sudorese, taquipneia). Hipervolêmica: Sobrecarga de volume, geralmente, devido à infusão excessiva de soluções cristaloides. Pode ocorrer também devido a erros em hemodiálise ou ingesta excessiva de sal (tentativa de suicídio). - Etiologias: Perda de água livre não reposta (deve haver sede e/ou acesso a água prejudicados): ◦ Perdas insensíveis e suor; ◦ Perdas gastrointestinais; ◦ Uso de diuréticos; ◦ Diabetes insipidus nefrogênico ou central; ◦ Diurese osmótica; ▪ Hiperglicemia; ▪ Dieta hiperproteica (principalmente, nasoentérica) gerando ureia; ▪ Manitol. ◦ Lesões hipotalâmicas que prejudicam sede ou função do osmorreceptor. ▪ Hipodipsia primária; | p. 13 ▪ Excesso de mineralocorticoide gerando reset do osmostato. Perda de água para dentro das células: Exercício extenuante ou convulsões. Sobrecarga de sódio: ◦ Ingesta ou infusão de soluções salinas; ◦ Alimentos ricos em soja (soy bean), a intoxicação praticamente não ocorre em nosso meio. OBS: Medicações que causam hipernatremia: Lítio; vitaminas A e D; cisplatina; aminoglicosideos; demecociclina e tetraciclina; anfotericina; fenitoína; DIU de alça; etanol; manitol; corticosteroides; vaptanos; lactulose/sorbitol; salina hipertônica; uso de produtos de soja em grande quantidade como soybean sauce. - Fisiopatologia: Invariavelmente um distúrbio associado a perda de água, por perdas renais ou extrarrenais. Os pacientes são protegidos da hipernatremia pelo mecanismo de sede, que induz a ingestão de água. Alterações do mecanismo de sede aumentam o risco de desenvolver hipernatremia. Homeostase do sódio e da água Pacientes mais suscetíveis ao desenvolvimento de hipernatremia: ◦ Idosos com capacidade mental comprometida e acesso a água limitado. ◦ Pacientes críticos intubados ou recebendo dieta por via enteral (sem reposição adequada de água livre). ◦ Paciente com diabetes insipidus com acesso limitado a água por algum motivo. - Manifestações clínicas: Instalação rápida em menos de 48 h é usualmente associada a quadros clínicos mais graves. Em pacientes com mecanismo de sede intacto o primeiro sintoma a aparecer é a sede. Sinais incipientes de hipovolemia, como hipotensão ortostática (queda > 20 mmHg na PAS e 10 mmHg na PAD) e aumento da FC em ortostase (> 30 bpm). Sinais e sintomas de desidratação como mucosas secas, olhos encovados e perda de turgor da pele. ◦ A presença de edema de extremidades em paciente com hipernatremia sugere sobrecarga volêmica associada. Pacientes com hipernatremia podem evoluir com agitação, irritabilidade e letargia. Quadros graves de hipernatremia podem cursar com espasmos musculares, hiper- reflexia e piora da letargia. Quadros extremamente graves e agudos podem cursar com coma e apneia. Se a hipernatremia grave se desenvolve no decorrer de minutos a horas, como em uma overdose maciça de sal em uma tentativa de suicídio, o encolhimento repentino do cérebro pode causar hemorragia intracraniana. Outra complicação potencial em hipernatremia aguda grave é trombose de seio cavernoso. Os pacientes podem apresentar sintomas associados a condições subjacentes. ◦ No diabetes insipidus pode haver poliúria. ◦ Na síndrome de Cushing pode haver fáscie em lua cheia, estrias violáceas entre outros estigmas da síndrome. - Exames complementares: Mensuração do sódio sérico. Caso dúvida, pode-se solicitar medição iônica direta ou osmolaridade sérica (osmolaridade sérica > 295 mOsml/L sugere sódio > 145-147 mEq/L). Por definição, salienta-se que todos os pacientes hipernatrêmicos são hipertônicos. | p. 14 É recomendado solicitar função renal e demais eletrólitos, como potássio e o cálcio. O exame de urinálise pode mostraralterações na densidade urinária ou presença de cilindros hialinos, sugestivos de lesão pré-renal ou cilindros granulosos que podem ocorrer em pacientes com necrose tubular aguda. Hipernatremia pode eventualmente ser mascarada (Na < 145 mEq/L) por fatores que alteram a medição indireta do íon, que devem ser descartados. ◦ Hiperglicemia: Devido ao efeito osmótico da glicose no plasma, ou seja, a saída de água do meio intracelular para o meio plasma (a cada aumento de 100 mg/dL da glicemia acima de 100 mg/dL, ocorre uma redução de 1,6 mEq/L no sódio sérico). ◦ Hiperproteinemia e/ou hiperlipidemia: Quando medido por método indireto de eletrodo seletivo de íons. Avaliação da osmolaridade urinária: ◦ Osmolaridade urinária < 300 mOsm/L (ou < a osmolaridade plasmática): Sugere inefetividade do ADH, que pode ocorrer por: ▪ Deficiência de ADH (diabetes insipidus central) → responsiva a administração exógena de ADH. ▪ Resistência a ADH (diabetes insipidus nefrogênico) → não responsivo a administração de ADH exógeno. Portanto, a osmolaridade urinária não se altera após sua administração. ◦ Osmolaridade urinária > 800 mOsm/L: Indica uma resposta adequada do néfron à ação do ADH e capacidade preservada de concentração urinária. ▪ Perdas extrarrenais de água (perdas insensíveis ou gastrointestinais). ▪ Diurese osmótica. ▪ Sobrecarga de sódio (NaCl, NaHCO3, excesso de mineralocorticoides). ▪ Ureia (dieta hiperproteica, sangramento digestivo, hipercatabolismo por queimaduras ou uso de esteroides). ▪ Glicose ou manitol no plasma em excesso. ▪ Hipodipsia primária (condição rara de distúrbio da sede). ◦ Osmolaridade urinária entre 300 e 800 mOsm/L: ▪ Diabetes insipidus parcial tanto central quanto nefrogênico. ▪ Diabetes insipidus central com depleção de volume. ▪ Uso de diuréticos de alça. - Tratamento: Se o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica, inicialmente, administra-se salina isotônica (SF = 154 mEq/L de sódio) até sinais vitais estáveis. Hipernatremia aguda, como na ingestão intencional e sobrecarga de cloreto de sódio em tentativas de suicídio com menos de 6 h de apresentação, pode-se repor o déficit de água livre rapidamente sem eventos adversos. Tratamento convencional nas hipernatremias crônicas (> 48 h): ◦ Utilizar solução com dextrose 5% solução de escolha com taxa de infusão de 3-6 mL/kg/hora. ▪ Objetivo diminuir natremia da ordem de 1 mEq/L/hora nas primeiras 6-8 h. ◦ Monitorização da natremia 2/2 h. ◦ Quando concentração de sódio perto de 145 mEq/L, deve-se reduzir a velocidade da infusão da solução glicosada para 1 mL/kg/hora. Repor água: Restabelecer o acesso ou suprir a necessidade diária de H2O (≥ 1 L/dia) pode ser suficiente para corrigir a hipernatremia. | p. 15 ◦ Assim que se atingir a euvolemia, dosa- se novamente o sódio sérico, calcula-se o déficit de água livre e realiza-se a reposição. O déficit de água livre pode ser calculado com a fórmula abaixo: ▪ Déficit de água livre (L) = [(sódio sérico – 140)/140] × água corporal total. ▪ Água corporal total = peso × 0,6 (homens) ou 0,5 (mulheres) / se idoso 0,5 (homens) ou 0,45 (mulheres). ◦ Em um paciente alerta capaz de beber água com segurança, a via de administração recomendada pela maioria dos autores é de 2/3 de água livre por via oral e 1/3 de água por via intravenosa. ◦ Para realizar essa correção, recomendamos a utilização da fórmula de Androgué, que estima a variação da natremia com cada litro de solução infundida. ▪ Variação de sódio para cada litro de solução infundido = (sódio sérico – sódio solução) / água corporal total (ACT) + 1. ▪ Vale ressaltar a concentração de sódio de diferentes soluções: NaCl 0,9%: 154 mEq/L. NaCl 0,45%: 77 mEq/L. SG 5%: 0 mEq/L. Recomendações gerais: ◦ A variação de sódio nas primeiras 24 h não pode ultrapassar 8-10 mEq/L, para hipernatremia crônica (> 48 h de duração). ▪ Se o sódio sérico variar mais do que isso, existe o risco de edema cerebral. ◦ Para hipernatremia aguda utilizamos uma taxa de correção de 1 mEq/L/h nas primeiras 6 a 8 h. ◦ Reposição pode ser realizada tanto com glicose a 5% como com salina a 0,45% ou 0,225%. ◦ Vale lembrar que a cada litro infundido de glicose a 5% existe 1 L de água livre, para salina a 0,45% (77 mEq/L de Na) existe 0,5 L e salina a 0,225% (38 mEq/L de Na) existem 0,75 L. ▪ Optamos por soluções salinas quando se deseja repor o déficit de água livre associado a reposição volêmica. ◦ Sempre tratar a causa de base (p. ex., suspensão de diuréticos, tratar diarreia). Medidas gerais: ◦ Suspender o aporte de sódio. ◦ Repor o déficit de água livre de acordo com as fórmulas citadas. ◦ Administrar diuréticos, tanto para sobrecarga volêmica quanto para sobrecarga de sódio. Dessa forma, associam-se tiazídicos com diuréticos de alça. Tratamento do diabetes insipidus: ◦ Diabetes insipidus central: Acetato de desmopressina (DDAVP), SC ou intranasal. ▪ Via nasal: Dose inicial de 5 mcg a cada 12-24 h. ▪ Via SC: 1-4 mcg ao dia. ◦ Diabetes insipidus nefrogênico: Tentar controlar o agente etiológico (p. ex., suspender medicação culpada). Opções de tratamento farmacológico incluem: ▪ Diurético tiazídico, associado a restrição de sódio da dieta. ▪ Amilorida deve ser prescrita quando o diabetes insipidus é induzido por lítio. - Internação: Pacientes com hipernatremia com sintomas graves ou com valores de sódio entre 155-160 mEq/L têm indicação de internação hospitalar. Os pacientes com raros casos de hipernatremia aguda grave têm indicação de internação em UTI. 2.2. Distúrbios do potássio 2.2.1. Hipocalemia - Definida pela concentração sérica de potássio < 3,5 mEq/L, muito embora as manifestações clínicas só ocorrem em níveis séricos mais reduzidos (< 2,5 mEq/L). Leve: 3,1-3,5 mEq/L. Moderada: 2,5-3,0 mEq/L. Grave: < 2,5 mEq/L. - Etiologias: As mais comuns são vômitos, diarreia e uso de diuréticos. | p. 16 - Fisiopatologia: Na homeostase do potássio, sua distribuição é regulada pela insulina e por catecolaminas beta-adrenérgicas, que elevam a captação celular via bomba Na+/K+ ATPase. Outro hormônio fundamental é a aldosterona, que promove excreção de K+ no néfron distal. - Manifestações clínicas: Sobretudo, neuromusculares e cardíacas, relacionadas à alteração na geração do potencial de ação responsável pela transmissão neural e muscular. Alterações na PA: A depleção de potássio aumenta as pressões sistólica e diastólica caso a ingesta de sódio não tenha sido restrita. ◦ Hipertensão pode levantar a suspeita de hiperaldosteronismo primário, síndrome de Cushing e excesso aparente de mineralocorticoide. ◦ Pressões reduzidas são condizentes com abuso de diurético, diarreia (hipovolemia), Bartter e Gitelman. Fraqueza muscular: Manifesta-se com níveis séricos < 2,5 mEq/L, caso sua instalação seja insidiosa. O padrão é similar ao apresentado na hipercalemia – ascendente, progressiva, que se inicia nas pernas e progride para tronco e braços – pode simular quadro de paralisia flácida aguda sugerindo Guillain-Barré. ◦ A paralisia muscular pode evoluir para paralisia da musculatura respiratória, ocasionando insuficiência respiratória e óbito. ◦ A depleção grave de potássio (< 2,5 mEq/L) pode ocasionar, ainda, caimbras, rabdomiólise e consequente mioglobinúria. ◦ Diminuição dos reflexos tendinosos profundos. Manifestações cardíacas: Hipocalemia gera atraso na repolarização ventricular por inibir a atividade dos canais de potássio. ◦ Arritmias ectopias atriais e ventriculares, bradicardia sinusal, BAVs, traquicardias supraventriculares e juncionais, fibrilação e taquicardiaventriculares. ◦ Alterações mais comuns são redução da amplitude das ondas T (achatamento ou até inversão), depressão do segmento ST e ondas U (principalmente em V4- V6). ◦ Outros achados, especialmente, em concomitância com hipomagnesemia, incluem: prolongamento do intervalo QT, extrassistolia ventricular, arritmias ventriculares (TV, torsades de pointes, FV) e supraventriculares (taquicardia atrial paroxística, FA e flutter). Os sintomas associados a hipocalemias mais graves são: constipação (íleo paralítico), palpitações, síncope, fraqueza muscular, fadiga, paralisia ascendente e desconforto respiratório (K+ < 2 mEq/L). - Investigação etiológica: Dosagem do potássio urinário de 24 h: K+ urinário 24 h > 30 mEq/dia indica perda urinária de potássio. | p. 17 ◦ Em pacientes com hipocalemia grave essa medida não deve ser realizada, pois neles a reposição de potássio deve ser imediata. ▪ Nessas ocasiões, podemos utilizar a razão K+ urinário/Crurinária em amostra isolada (spot); valores > 13 mEq/g Cr sugerem perda urinária de potássio. ◦ Dosagem do K+ urinário em amostra isolada é pouco acurada, pois é influenciado pelo volume urinário. ▪ Valores > 15 mEq/L sugerem perda renal de potássio. Avaliação do equilíbrio acidobásico: Exames considerados na investigação etiológica da hipocalemia: ◦ Exames laboratoriais iniciais: ▪ K, Na, Cl, HCO3, Mg; ▪ Glicose; ▪ Ureia e creatinina. ◦ ECG; ◦ Avaliação urinária: ▪ K+ urinário amostra isolada (spot); ▪ K+ urinário/Crurinária amostra isolada (spot); Somente se naurinário > 30 mEq/L e osmurinária > osmplasmática. ▪ K+ urinário 24 h. ◦ Dosagem de renina e aldosterona; ◦ Gasometria arterial. - Tratamento: O principal tratamento é a reposição de potássio. Estimativa de deficit de potássio: Deve ser calculada apenas em pacientes com déficit de potássio verdadeiro (não deve ser utilizada em pacientes com cetoacidose diabética, hiperglicemia e etiologias distributivas como paralisia periódica hipocalêmica). ◦ De forma geral, a redução de 1 mEq/L na calemia corresponde a aproximadamente 200 a 400 mEq de perda de potássio corporal. Considera-se a reposição caso o K+ < 3,5 mEq/L, mesmo se o paciente for assintomático, com objetivo de manter ≥ 4 mEq/L. Indicações de reposição (National Council on Potassium in Clinical Practice): ◦ Pacientes incapazes ou que recusam-se a reduzir a ingestão de sal. ◦ Sintomas gastrointestinais (náusea, vômito, diarreia), bulimia ou abuso de diurético ou laxativo. ◦ Hipocalemia relacionada a droga. ◦ Paciente com insuficiência cardíaca, hipertensão, ou arritmias, mesmo se o potássio sérico está aparentemente normal (próximo de 4 mEq/L). Hipocalemia leve (potássio entre 3,0 e 3,5 mEq/L): Tendem a ser assintomáticas. ◦ Nos pacientes que não apresentem perda de potássio urinária associada, a reposição preferencial é por via oral em doses moderadas por dias a semanas. ◦ Recomenda-se a prescrição de 10 a 20 mEq 2 a 4x/dia, a fim de evitar eventos adversos gastrointestinais (40-100 mEq/dia é usualmente adequado). ◦ Idealmente, não deve exceder 200 mEq/dia em adultos. ◦ A formulação mais comum é a de cloreto de potássio – líquida (xarope), cuja formulação de 6% possui 12 mEq a cada 15 mL – ou em cápsulas (600 mg/cápsula = 8 mEq/cápsula). ◦ Caso a via oral não seja possível, a reposição deve ser feita via endovenosa. ◦ Nos pacientes com excreção urinária de potássio elevada e/ou | p. 18 hiperaldosteronismo primário, considera-se a associação de DIU poupadores de potássio (amilorida ou espironolactona). Hipocalemia moderada a grave ou sintomática: Potássio < 2,5-3,0 mEq/L ou sintomáticos (fraqueza/paralisia muscular, rabdomiólise ou arritmias). ◦ Orienta-se a utilização de via endovenosa, concomitante com a via oral caso esta seja possível. ▪ Por via oral, nesse caso, pode-se administrar 40 mEq de 3/4x ao dia (120-160 mEq/dia). ◦ Dose inicial: ▪ 20-40 mEq diluídos em SF se [K+] entre 2,5-3,0 mEq/L. ▪ 40-80 mEq diluídos em SF se [K+] < 2,5 mEq/L. ◦ Reduzir dose em > 50% em pacientes com disfunção renal. ◦ Dose máxima diária de 240-400 mEq/dia. ◦ Infusão de 10 a 20 mEq/hora. ▪ Monitorização cardíaca contínua é recomendada caso se infunda > 10 mEq/hora, em casos de alterações eletrocardiográficas ou doença cardíaca que predisponha a maior risco de arritmias (síndrome do QT longo, infarto do miocárdio, intoxicação por digoxina). ▪ Considerar infusão em veia central se > 10 mEq/hora, em decorrência de dor e flebite. Nesses casos, pode- se diminuir a taxa de infusão ou a concentração da solução, sendo a segunda opção a preferida. ◦ A diluição da reposição deve ser realizada com solução salina, visto que soluções com glicose podem induzir liberação de insulina e consequentemente ocasionar hipocalemia rebote. ◦ Deve-se realizar a infusão preferencialmente em bomba de infusão contínua, a fim de se prevenir administrações inadvertidamente rápidas. ◦ As concentrações máximas de K+ nas soluções são 80 mEq/L em veia periférica e 120 mEq/L em veia central. ◦ Evidências apontam que a suplementação de magnésio pode otimizar o balanço de potássio em pacientes críticos. ▪ Mg < 1 mg/dL – repor 4-8 g em 12- 24 h. ▪ Mg 1-1,5 mg/dL – repor 2-4 g em 4- 12 h. ▪ Mg 1,6-1,9 mg/dL – repor 1-2 g em 1-2 h. Dieta: Deve-se assegurar adequada ingestão dietética de potássio. ◦ > 1.000 mg (25 mEq)/100 g: Fígado, melado de cana e algas marinhas. ◦ > 500 mg (12,5 mEq)/100 g: Frutas secas, nozes, abacate e germe de trigo. ◦ > 250 mg (6,25 mEq)/100 g: Vegetais (espinafre, tomate, brócolis, abóbora, beterraba, cenoura, couve-flor, batata), frutas (banana, melão, kiwi, laranja, manga) e carnes. - Monitorização e seguimento: A monitorização dos níveis de potássio deve ser realizada a cada 2 a 6 h em pacientes com sintomas graves ou que tenham recebido reposição agressiva parenteral. A reposição endovenosa deve ser mantida até resolução dos sintomas associadas a hipocalemia e níveis séricos superiores a 3,0 mEq/L. Caso esses objetivos tenham sido atingidos, a transição para terapia via oral deve ser realizada e a dose utilizada é a mesma para pacientes com hipocalemia leve a moderada (20-80 mEq/dia). | p. 19 2.2.2. Hipercalemia - Definida por níveis séricos de potássio > 5,5 mEq/L. Leve: [K+] 5,5-5,9 mEq/L. Moderada: [K+] 6-6,4 mEq/L. Grave: ◦ [K+] ≥ 6,5 mEq/L. ◦ Alterações eletrocardiográficas e [K+] ≥ 5,5 mEq/L. ◦ Sintomas de hipercalemia (fraqueza, paralisia flácida, palpitações ou parestesia) e [K+] ≥ 5,5 mEq/L. - Etiologias: Insuficiência renal (77%); hiperglicemia (49%); suplementação de potássio (15%); relacionada a drogas (imunossupressores como tacrolimus e ciclosporina, IECA, BB, digoxina, AINEs) (63%). - Fisiopatologia: O potássio é um cátion predominamente intracelular, com concentração intracelular de aproximadamente 140 mEq/L, ao oposto do fluido extracelular, com concentrações entre 4 e 5 mEq/L. A diferença de concentração entre ambos compartimentos é mantida graças à bomba Na/K/ATPase na membrana celular, que realiza o efluxo de sódio para o meio extracelular e o influxo de potássio para o meio intracelular. Em suma, a hipercalemia é resultado de um desequilíbrio entre a entrada e a capacidade de excreção (renal ou grastrointestinal) de potássio ou do shift do meio intra para o extracelular. - Manifestações clínicas: As manifestações mais graves são fraqueza/paralisia muscular, defeitos de condução cardíaca e arritmias cardíacas. Fraqueza muscular/paralisia: Fraqueza muscular ascendente, progressiva, que se inicia nas pernas e progride para tronco e braços – pode simularquadro de paralisia flácida aguda (Guillain-Barré); em geral, não há comprometimento da musculatura respiratória. Alterações cardíacas: As primeiras alterações a serem observadas são onda T apiculada associada a diminuição do intervalo QT. A progressão da hipercalemia pode gerar outras alterações, como prolongamento do intervalo PR e do QRS, com desaparecimento da onda P e finalmente o alargamento do QRS no padrão de sinusoide. ◦ Distúrbios de ritmo (bloqueio de ramo direito, bloqueio de ramo esquerdo, bloqueio bifascicular e BAV total), além de arritmias (bradicardia, ritmo idioventricular lento, taquicardia/fibrilação ventricular, assístolia) e até mesmo padrão que simula supradesnivelamento ou infradesnivelamento de segmento ST. - Investigação etiolpogica: Avaliação inicial: ECG e exames laboratoriais, como função renal e eletrólitos. Afastar pseudo-hipercalemia ou hipercalemia espúria: De forma geral, os pacientes apresentam-se assintomáticos a despeito do potássio elevado, além de não possuírem causa aparente e fatores de risco | p. 20 para o distúrbio (DRC, IRA, acidose, medicações hipercalemiantes). ◦ Principais causas de hipercalemia espúria: ▪ Lise de hemácias na amostra. ▪ Trombocitose e leucocitose. ▪ Liberação de potássio de plaquetas em amostra coagulada. ▪ Síndromes genéticas (pseudo- hipercalemia familiar e esferocitose hereditária). ▪ Resfriamento da amostra ou tempo longo de armazenamento. ▪ Contração e relaxamento repetidos do pulso durante a venopunção, com consequente liberação local de potássio pelas miócitos do antebraço. ▪ Centrifugação repetida do sangue no laboratório. Excluir efluxo celular de K+. ◦ Elevação aguda dos níveis de potássio: Em geral, relacionada a liberação do potássio do meio intracelular, sendo possível por meio dos exames laboratoriais e história identificar a causa. Como exemplo, podemos citar pacientes politraumatizados, síndrome lise tumoral ou ainda cetoacidose diabética, principalmente em pacientes com função renal alterada. ◦ Hipercalemia persistente: As principais etiologias estão relacionadas a diminuição da excreção urinária de potássio, seja pela diminuição da secreção/atividade da aldosterona, IRA/DRC e diminuição do volume arterial efetivo. Avaliar a função renal: Caso normal, investigar diminuição de fluxo no néfron distal de água e sódio. ◦ Se normal, realizar investigação de hipoaldosteronismo. - Avaliação da urgência do tratamento: Urgência hipercalêmica: Os pacientes que possuem sinais e sintomas associados à hipercalemia (fraqueza muscular, alterações eletrocardiográficas) são considerados com urgência hipercalêmica e submetidos a terapias de ação imediata. ◦ Isoladamente, K+ > 6,5 mEq/L é uma urgência hipercalêmica. ◦ Os pacientes que apresentem hipercalemia leve a moderada (K+> 5,5 mEq/L) associada a disfunção renal moderada/grave e risco de elevações rápidas dos níveis de potássio – síndrome lise tumoral, rabdomiólise, politraumatizados, hemorragia digestiva e acidose metabólica com ânion-gap normal – apresentam risco de elevação abrupta dos níveis séricos de potássio e devem ser conduzidos como urgência hipercalêmica. Redução rápida do K+: Pacientes sem urgência hipercalêmica não necessitam de terapia imediata para diminuição dos níveis de potássio, porém devem ter seus níveis de potássio reduzidos paulatinamente. A queda do potássio nesse grupo de pacientes pode ocorrer entre 6 e 12 h. ◦ Nesse grupo, encontram-se os casos com hipercalemia leve a moderada (K+ 5,5-6,5 mEq/L), sem risco de elevação abrupta nos níveis de potássio, associado a disfunção renal (DRC dialítica ou oligúria), além de pacientes com hipercalemia moderada que necessitem de otimização para realização de procedimento cirúrgico. Redução lenta do K+: Esse grupo de pacientes não necessita de diminuição dos níveis de potássio de forma rápida. Apresenta hipercalemia secundária ao uso de medicações (IECA, BRA, DIU poupadores de potássio) ou doença renal crônica. A hipercalemia é leve ou moderada, caso não haja disfunção renal ou oligúria. ◦ É possível, nesse ínterim, o manejo ambulatorial, sem necessidade de internação hospitalar. | p. 21 - Tratamento: Monitorização: ◦ Monitorização cardíaca continua e realização de ECG seriado devido ao alto risco de arritmias cardíacas. ◦ Novas dosagens de potássio são necessárias após 2 h de introdução da terapêutica e, em seguida, conforme a resposta inicial ao tratamento. ◦ Nos pacientes que utilizarem insulina como medida terapêutica, recomenda-se monitorizar a glicemia capilar de hora em hora até 6 h após o término da administração. Cálcio: Atua antagonizando diretamente o efeito do potássio no potencial de membrana. ◦ Deverá ser a 1ª medida a ser realizada, principalmente, na vigência de alteração eletrocardiográfica. ◦ Não reduz os níveis de potássio, portanto, nunca deve ser utilizado como terapia única. ◦ Os efeitos do cálcio iniciam-se em minutos após sua administração, porém, sua meia-vida é curta (30-60 minutos). ◦ Gluconato de cálcio: Dose habitual é de 1.000 mg (10 mL de solução a 10%) diluído em 100 mL de solução glicosada 5% em infusão rápida EV durante 3-5 min com monitorização cardíaca contínua. Nos pacientes que persistirem ou recorrerem com alterações eletrocardiográficas, a dose poderá ser repetida após 5 min. ▪ Formulação preferida devido ao menor risco de irritação local e necrose tecidual em caso de extravasamento. ◦ Cloreto de cálcio: Possui concentração 3x superior ao gluconato. A forma de administração é a mesma já descrita. ◦ O cálcio não deve ser administrado concomitantemente a soluções com bicarbonato devido ao risco de precipitação de carbonato de cálcio. Insulina com glicose: A insulina visa diminuir os níveis de potássio por aumentar a atividade da bomba Na-K-ATPase e consequentemente carrear o potássio para dentro das células e a glicose visa evitar hipoglicemia, porém, em pacientes com glicemia superior 250 mg/dL, a insulina pode ser infundida isoladamente. ◦ 10 UI de insulina regular diluído em 500 mL de solução glicosada 10% (50 g de glicose) ou 10 UI de insulina regular em 100 mL de glicose 50% (50 g de glicose), administrado via EV durante 30-60 min. ◦ 10 UI de insulina regular EV em bolus seguido por bolus imediato de 50 mL de glicose 50% (25 g de glicose). ▪ Maiores taxas de hipoglicemia. ▪ Pode-se evitar hipoglicemia subsequente com administração de solução glicosada 10% na taxa de 50-75 mL/h. ◦ Em todos os pacientes que recebem insulina, a glicemia capilar deve ser verificada de 1/1 h pelas próximas 6 h devido ao risco de hipoglicemia. Os esquemas acima podem ser repetidos de 4/4 h ou até de 2/2 h caso os níveis de potássio permaneçam elevados. ◦ As medidas acima visam diminuir os níveis de potássio transitoriamente, pois não eliminam o excesso de potássio corporal. Seu início de ação se dá em menos de 15 min, com pico em 30-60 min e duração de efeito de 4-6 h. Eliminação do excesso de potássio corporal: DIU, resinas de troca intestinal e diálise. ◦ DIU de alça: Promovem aumento da eliminação do potássio na urina. A eficácia do diurético requer que o | p. 22 paciente possua função renal normal ou no máximo disfunção moderada. ▪ Furosemida, 40 mg EV, com início de atuação em 30 a 60 min. ◦ Resinas de troca: Atuam como trocadores de cátions que transferem potássio para o interior do TGI e subsequente excreção. Seu início de efeito é variável (2-6 h), o que os torna uma opção inadequada e pouco útil no manejo agudo da hipercalemia. ▪Poliestirenosulfonato de cálcio (Sorcal®), 30g, VO, de 8/8 h ou até 4/4 h. Devido ao seu efeito constipante, costuma-se diluir em 100 mL de manitol 10 a 20%. ▪ Em pacientes em que a VO é indisponível, pode-se realizar enema de retenção (30-60 g, via retal, de 6/6 h). ◦ Diálise: Preferencialmente a hemodiálise, é indicada em pacientes que apresentem disfunção renal grave. Estima-se redução na [K+] de 1 mEq/L na 1ª hora e de 2 mEq/L em 2-3 h de diálise. ▪ Nos casos que já possuem acesso vascular para diálise, este é o método de preferência caso seja possível pronta realização. Outras medidas translocacionais de potássio disponíveis: ß2-agonistas e bicarbonato de sódio, porém com menos evidência de benefício na literatura. ◦ ß2-agonistas: Aumentam a atividade da bomba Na/K/ATPase no músculo esquelético, translocando potássio para o meio intracelular. ▪ Salbutamol (5 mg/mL), 10 a 20 mg, diluído em 10 mL de SF via inalação durante 10 min. ▪ O efeito taquicárdico do ß2 agonista pode ocasionar angina em pacientes com doença coronária prévia; sendo assim, seu uso deve ser evitado nessa circunstância. ◦ Bicarbonato de sódio: Ocasiona elevação do pH sérico e liberação intracelular de íons H+ pelo sistema tampão. A fim de manter a eletroneutralidade, o potássio é transferido para o meio intracelular. ▪ A sua eficácia é questionável e limitada; portanto, não deve ser utilizado como monoterapia. ▪ Tampouco deve ser prescrito em pacientes não acidóticos, com clara ausência de benefícios, bem como em pacientes dialíticos. ▪ A dose habitual é de 50-100 mEq (50-100 mL bicarbonato de sódio a 8,4%), infundidos em 1-2 h. 2.3. Distúrbios do cálcio 2.3.1. Hipocalcemia - Definida por cálcio total < 8,5 mg/dL ou 2,2 mM ou cálcio ionizado < 4,4 mg/dL ou 1,10 mmol/L (os valores de referência podem ser ligeiramente diferentes, dependendo do laboratório). - Fisiopatologia: O adulto apresenta cerca de 1.000 a 1.500 mg de cálcio, sendo 99% deste em forma de hidroxiapatita no esqueleto e 1% no compartimento extracelular e tecidos moles. | p. 23 O cálcio é predominantemente extracelular e seus níveis séricos são mantidos por alguns hormônios reguladores como o paratormônio (PTH), vitamina D, fator de crescimento de fibroblastos 23 (FGF23) e a calcitonina. ◦ No compartimento extracelular, 50% do cálcio está sobre a forma de cálcio ionizável e o restante ligado a albumina ou formando complexos com outros íons. - Etiologias: As principais causas de hipocalcemia em departamentos de emergência são hipoparatireoidismo, deficiência ou metabolismo anormal da vitamina D, doença renal e hipomagnesemia. Causas associadas com PTH diminuído: ◦ Agenesia da paratireoide (isolada ou associada a outras anormalidades como na síndrome de Digeorge [alterações faciais, palato em ogiva, doença cardíaca congênita e anormalidades orofaringeanas associadas ao hipoparatireoidismo]); ◦ Destruição da paratireoide (radiação, cirurgia, metástases e doenças infiltrativas); ◦ Autoimune (isolado ou associado a doença poliglandular autoimune tipo 1); ◦ Defeitos de função da paratireoide (alterações genéticas do PTH, hipomagnesemia, síndrome do osso faminto e alteração dos receptores sensores do cálcio). Causas associadas com PTH aumentado (hiperparatireoidismo secundário): ◦ Deficiência de vitamina D; ◦ Resistência a vitamina D (raquitismo e osteomalácia); ◦ Resistência ao PTH (pseudo- hipoparatireoidismo/hipomagnesemia); ◦ Medicações (bifosfonados, anticonvulsivantes, antineoplásicos e medicações associadas com hipomagnesemia, como a furosemida); ◦ Pancreatite aguda; ◦ Rabdomiólise; ◦ Lise tumoral maciça; ◦ Metástases osteoblásticas; ◦ Síndrome do choque tóxico; ◦ Hiperventilação; ◦ Doença aguda grave. OBS: Outras causas: Hipoalbuminemia pode levar a mensuração de cálcio total diminuído. Por esse motivo, a concentração de cálcio sérico deve ser ajustada para a concentração de albumina como na fórmula: ◦ Ca corrigido = Ca medido + [(4,0 – albumina) × 0,8]. Hiperfosfatemia pode induzir o paciente a hipocalcemia, assim como a infusão de citrato (presente, por exemplo, como anticoagulante nos principais hemoderivados) também é descrita como causa de hipocalcemia. - Manifestações clínicas: O determinante dos sintomas de hipocalcemia é a concentração de cálcio ionizável. Os sintomas são, principalmente, de hiperexcitabilidade neuromuscular, e alterações de dentes e anexos e cardíacas. Em casos leves, os pacientes apresentam parestesias de extremidades e periorais, e, em casos graves, espasmo carpopedal, laringoespasmo e contrações musculares graves podem ocorrer. Outros pacientes apresentam sintomas menos específicos, como fadiga e irritabilidade, entre outros. Hipocalcemia aguda tem como marca registrada a tetania. ◦ Geralmente, o cálcio ionizável está < 4,0 mg/dL ou o cálcio total < 7,0 mg/dL. ◦ Condições como hipomagnesemia, hipocalemia, alcalose e descarga adrenérgica contribuem para a manifestação desses sintomas. ◦ Esse quadro, geralmente, inicia-se com parestesias acrais. Esses sintomas | p. 24 podem levar a ansiedade e hiperventilação que exacerbam as parestesias. ◦ Os sintomas motores ocorrem em seguida com mialgias, espasmos musculares, rigidez muscular, e o espasmo da musculatura respiratória pode levar a estridor laríngeo e cianose. A chados clássicos de irritabilidade neuromuscular: ◦ Sinal de Trousseau: Indução do espasmo carpopedal ao se insuflar o manguito de PA acima da PAS por 3 min; a manobra pode ser melhorada pedindo-se ao paciente para hiperventilar por cerca de 1 min. ▪ Mais específico. ◦ Sinal de Chvostek: Contração de músculos faciais ipsilaterais ao se percutir o trajeto do nervo facial próximo à orelha. Convulsões , tanto na forma de crises de ausência, focais, como na de crises tônico- crônicas generalizadas. Alterações de movimento semelhantes ao parkinsonismo com distonias, hemibalismo e coreoatetoses, assim como disartria e ataxia. Na hipocalcemia crônica, pode haver calcificações de gânglios da base. Hipocalcemia grave é associada à presença de papiledema e ocasionalmente com neurite óptica, que tendem a melhorar com a correção da hipocalcemia. Alterações psiquiátricas como labilidade emocional, ansiedade e depressão podem ocorrer também. Manifestações cutâneas incluem hiperpigmentação, dermatites e eczema. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjuntivite podem ocorrer. Hipoplasia dentária e alteração da mineralização dos dentes são manifestações crônicas associadas. Manifestações cardíacas com disfunção sistólica, arritmias cardíacas secundárias e prolongamento do intervalo QT. ◦ Trata-se de um prolongamento do segmento ST e onda T relativamente normal. ▪ A única outra condição que provoca a mesma alteração é a hipotermia, cuja suspeita clínica, em geral, é evidente. Prolongamento de QT na hipocalcemia - Exames complementares: O diagnóstico de hipocalcemia deve idealmente ser confirmado em mais de uma ocasião, e o cálcio ionizado deve ser mensurado. Devem ser dosados magnésio e fósforo; Deve-se dosar PTH; Devem ser dosados calcidiol e calcitriol; Outros exames: ◦ ECG: Prolongamentos do intervalo QT (prolongamento do segmento ST com onda T normal); ocasionalmente prolongamento de QRS e alterações de segmento ST. Arritmias cardíacas secundárias à hipocalcemia são raras. ◦ TC de crânio: Pacientes com hipoparatireoidismo ou pseudo- hipoparatireoidismo podem apresentar calcificações de gânglios da base. Interpretação inicial: ◦ Hipofosfatemia+ hipocalcemia: Direciona o diagnóstico para excesso de secreção de PTH, o que no contexto desses pacientes define hiperparatireoidismo secundário ou dieta extremamente deficiente em fósforo. ▪ Deficiência de vitamina D e osteomalácia: Cálcio e fósforo diminuídos, FAL aumentada, PTH elevado, função renal normal e 1,25 hidróxi-vitamina D baixa. | p. 25 ◦ Hiperfosfatemia + hipocalcemia: Ausência de doença renal ou lesão tecidual grave é virtualmente diagnóstica de hipoparatireoidismo ou pseudo-hipoparatireoidismo. ▪ Hipoparatireoidismo: Cálcio sérico baixo, fósforo alto, PTH indetectável e 25 hidróxi-vitamina D e 1,25 hidróxi-vitamina D normais. ▪ Pseudo-hipoparatireoidismo: Cálcio sérico baixo, fósforo alto, PTH alto e 25 hidróxi-vitamina D e 1,25 hidróxi-vitamina D normais. ▪ DRC: Cálcio sérico baixo, fósforo elevado, FAL, creatinina e PTH elevados, 25 hidróxi-vitamina D normal e 1,25 hidróxi-vitamina diminuída. - Tratamento: Hipocalcemia leve sintomática: Pacientes com cálcio iônico > 3,2 mg/dL (0,8 mmol/L) ou cálcio total entre 8,0 e 8,5 mg/dL (2 mmol/L) são, em geral, assintomáticos e podem ser tratados apenas com reposição de cálcio pela dieta ou com formulações de cálcio por via oral. ◦ A suplementação de cálcio pode ser feita com carbonato de cálcio ou citrato de cálcio. ◦ Em pacientes com hipocalcemia assintomática com disfunção renal e baixos níveis de vitamina D, os objetivos primários são corrigir a hiperfosfatemia e repor vitamina D, não sendo necessária reposição de cálcio. Hipocalcemia sintomática: Os sintomas geralmente aparecem quando o cálcio ionizado é < 2,8 mg/dL (< 0,7 mmol/L) ou o cálcio total é < 7,0 mg/dL (1,75 mmol/L), embora pacientes com calcemia menor que esta possam apresentar-se assintomáticos. ◦ Esses pacientes apresentam parestesias e sinais de irritabilidade neuromuscular, muitas vezes com sinal de Trousseau e Chvostek positivo; nesse caso, a preferência é realizar o tratamento com cálcio endovenoso. ◦ Indicações de reposição EV de cálcio: ▪ Presença de sintomas. ▪ QT prolongado. ▪ Ca corrigido < 7,5 mg/dL. ◦ A reposição EV inicial é com 100 a 200 mg de cálcio elementar (equivalentes a 1-2 g de gluconato de cálcio). ▪ Cada mL da solução de gluconato de cálcio a 10% tem 9 mg de cálcio elementar, e a solução de cloreto de cálcio, o correspondente a 27 mg de cálcio elementar. ◦ Essa reposição deve ser feita em 10 a 20 min, diluída em solução de dextrose ou salina, e preferencialmente administrada via acesso central. ▪ Reposições rápidas de cálcio estão associadas a arritmias e até mesmo a parada cardíaca principalmente em pacientes usando digitálicos. ◦ A reposição inicial emergencial de cálcio deve ser seguida por reposição lenta EV com 0,5 a 1,5 mg/kg de cálcio elementar por hora; na sequência, essa infusão será progressivamente diminuída com a normalização do cálcio, sendo instituída reposição de cálcio por via oral e tratamento conforme a etiologia da hipocalcemia. | p. 26 ▪ Na alta hospitalar, o paciente pode receber carbonato de cálcio 1.000 a 1.500 mg ao dia (2 ou 3 cps de 500 mg). ◦ A reposição de vitamina D também é recomendada nesses pacientes, e o calcitriol em dose de 0,25 a 0,5 μg 2x/ dia é a medicação de escolha em pacientes com hipocalcemia aguda, pois sua ação tem início mais rápido. ◦ Os pacientes com hipomagnesemia devem ter esse valor corrigido, pois ela induz resistência e diminui a secreção de PTH. Sugerimos a reposição de 2 g de sulfato de magnésio (2 ampolas a 10% de 10 mL) em 100 mL de salina fisiológica em 10 minutos como esquema de reposição. - Internação: Pacientes com hipocalcemia sintomática grave têm indicação de internação, que usualmente é breve, não ultrapassando 2 a 3 dias, sendo raramente necessários recursos de terapia intensiva, exceto em casos de arritmias cardíacas graves, laringoespasmos e convulsões reentrentantes. 2.3.2. Hipercalcemia - Definida como cálcio sérico > 10,5 mg/dL e cálcio iônico acima do valor normal (4,68 a 5,28 mg/dL). Vários fatores influenciam na dosagem do cálcio sérico, entre eles proteínas séricas, gamopatias monoclonais, desidratação, distúrbios do equilíbrio acidobásico, modo de coleta, entre outros; portanto, deve-se ter cuidado ao avaliar o paciente com achado de hipercalcemia laboratorial. Idealmente deve-se utilizar o cálcio iônico para o diagnóstico de hipercalcemia. Também deve-se corrigir o cálcio sérico na presença de valores anormais de albumina. Classificação: ◦ Leve: Cálcio iônico de até 6 mg/dL (1,5 mmol/L). Cálcio total > 12 mg/dL. ◦ Moderada: Cálcio iônico de 6 a 7 mg/dL (1,5 a 1,75 mmol/L). Cálcio total: 12 a 14 mg/dL. ◦ Grave: Cálcio iônico > 7 mg/dL (3,5 mmol/L). Cálcio total: > 14 mg/dL. - Fisiopatologia: A hipercalcemia é decorrente da alteração de mecanismos homeostáticos que resultam em influxo de cálcio proveniente do esqueleto, absorção de cálcio intestinal e diminuição do clearance renal do cálcio. - Etiologias: Em 90% dos casos, a hipercalcemia é consequência de hiperparatireoidismo ou de malignidade. Hipercalcemia dependente do PTH: ◦ Hiperparatireoidismo primário; ◦ Hiperparatireoidismo terciário; ◦ Hipercalcemia hipocalciúrica familiar; ◦ Hipercalcemia secundária ao lítio. Hipercalcemia independente do PTH: ◦ Oncogênica: Dependente de PTHrp; outras síndromes humorais; metástases osteolíticas e mieloma múltiplo; ◦ Excesso de vitamina D: Ingestão de vitamina D; intoxicação por vitamina D; análogos tópicos de vitamina D; doenças granulomatosas (aumento da conversão de 25-hidroxi-vitamina D em 1,25-di-hidróxi-vitamina D por aumento da expressão da enzima 25-hidroxi- vitamina D1 α-hidroxiase na lesão); síndrome de Williams; ◦ Outras causas: Tireotoxicose; insuficiência adrenal; insuficiência renal aguda; insuficiência renal crônica com doença óssea adinâmica; imobilização; feocromocitoma; vipoma; doença de Jansen; rabdomiólise na fase de recuperação; doença de Paget; ◦ Drogas: Intoxicação por vitamina A; síndrome milk-álcali; diurético tiazídicos; teofilina; antiestrogênicos (tamoxifeno); ganciclovir; GH. - Manifestações clínicas: A maioria dos pacientes com hipercalcemia leve é assintomática ou apresenta sintomas vagos, com 50 a 60% dos casos com diagnóstico por meio de achado de exame laboratorial solicitado por outro motivo. Alguns pacientes com hipercalcemia crônica leve apresentam-se com mal-estar inespecífico que após resolução da hipercalcemia referem melhora do estado geral e que nem ao menos percebiam o quão mal se sentiam. Os sintomas são inespecíficos, como letargia, fraqueza muscular, confusão mental, anorexia, náusea, vômitos, constipação, poliúria e polidipsia. As complicações decorrentes da hipercalcemia incluem desidratação, nefrolitíase, nefrocalcinose, insuficiência | p. 27 renal, hipertensão, arritmias cardíacas, úlcera péptica, pancreatite e até coma. Manifestações gastrointestinais: Resultam do relaxamento da musculatura lisa, sendo que constipação é o sintoma mais comum. ◦ Anorexia, náuseas e vômitos . ◦ Cálcio estimula a secreção de gastrina. Manifestações neuropsiquiátricas: Sintomas vagos como dificuldade de concentração, alterações de personalidade, ansiedade e depressão. ◦ Relacionados, sobretudo, ao hiperparatireoidismo primário. ◦ Quando a hipercalcemia é aguda, a apresentação pode ser dramática, com confusão mental, psicose orgânica e letargia, que pode progredir para estupor e coma. Manifestações cardiovasculares: A hipercalcemia crônica está associada a deposição de cálcio em válvulas cardíacas, coronárias e fibras miocárdicas. ◦ A hipercalcemia podeainda diminuir os potenciais de ação miocárdico, o que resulta em encurtamento do intervalo QT. ECG de paciente com hipercalcemia (encurtamento de QTc). ◦ Hipertensão arterial ocorre com maior frequência nesses pacientes. Isso pode ocorrer por alterações renais secundárias a hipercalcemia ou vasoconstrição secundária ao cálcio. Manifestações musculoesqueléticas: P rofunda fraqueza muscular e miopatia ou leve fraqueza muscular ou sem sintomas musculares. ◦ Quadros reumatológicos, incluindo pseudogota, condrocalcinose e gota. ◦ Pacientes com hiperparatireoidismo primário crônico são associados a osteíte fibrosa cística, que se caracteriza por reabsorção subperiosteal das falanges distais e atingindo as regiões distais da clavícula e em região de escalpo e crânio, tendo a aparência classicamente descrita como “sal e pimenta” e em ossos longos, formando cistos ósseos e os chamados tumores marrons. Manifestações renais: ◦ A mais comum é a nefrolitíase que ocorre em pacientes com hipercalcemia crônica. ◦ A hipercalcemia crônica é associada com defeito na habilidade da concentração renal, que pode induzir poliúria e polidipsia, levando a quadro de diabetes insípido nefrogênico. ◦ Insuficiência renal secundária pode ocorrer por diminuição da TFG causada por vasoconstrição direta e por contração de volume induzida por natriurese. ◦ Nefropatia crônica intersticial ainda pode ocorrer por calcificação, degeneração e necrose de células tubulares com eventual atrofia tubular, fibrose intersticial e nefrocalcinose secundários a hipercalciúria. Crise hipercalcêmica: C álcio corrigido > 14 mg/dL associada com disfunção de múltiplos órgãos. Os pacientes se encontram profundamente desidratados e este é o achado dominante da apresentação clínica. ◦ Achados como anorexia, náuseas, vômitos e confusão mental ou sonolência são indicativos de gravidade da crise hipercalcêmica. ◦ Na maioria das vezes, não há hipotensão arterial, pois o cálcio aumenta tônus vascular, o que torna a PA um indicador pouco acurado do grau de desidratação nesses pacientes. ◦ Deve-se ainda atentar para a presença de bradiarritmias, BAVs ou de ramos e PCR. - Exames complementares: Dosagem de cálcio, PTH, vitamina D e derivados, fósforo. Outros: ECG, exame oftalmológico, etc. | p. 28 - Tratamento: Hipercalcemia aguda: Valores de calcemia > 14 mg/dL classificam o paciente como hipercalcemia grave, que é associada em grande número de casos com confusão mental e necessita de atendimento imediato e agressivo. O tratamento também é recomendado se cálcio > 12 mg/dL e presença de sintomas. ◦ Hidratação vigorosa: Reposição hídrica com salina fisiológica é recomendada, frequentemente sendo necessário 4 a 6 L nas primeiras 24 h de tratamento dependentes do grau de desidratação e comorbidades presentes como insuficiência cardíaca. ▪ Um esquema recomendado é de 200-300 mL de salina fisiológica por hora, procurando manter débito urinário entre 100 e 150 mL/hora. ▪ DIU de alça podem ser usados conjuntamente, embora sua eficácia para tratamento da hipercalcemia seja questionável; podem, entretanto, prevenir a hiper- hidratação. A dose recomendada é de 20 a 40 mg de furosemida EV ao dia. ◦ Terapia antirreabsortiva óssea: Bifosfonados representam droga de escolha. Suprimem a reabsorção mediada por osteoclastos por estimularem a apoptose nestes e diminuem indiretamente a atividade dos osteoblastos. ▪ Pamidronato (mais utilizado): Dose de 60-90 mg via EV infundidos em 2 a 4 h. A normalização da calcemia ocorre em 70% dos pacientes, e a medicação não deve ser repetida pelo menos por 7 dias. A medicação controla a calcemia por 2-4 semanas, com média de 15 dias. ▪ Ácido zoledrônico (mais potente bifosfonado disponível): Dose de 4 mg EV, infundido em 15 min; pode ser repetido outras vezes, até normalização do cálcio. Efeito imediato. Normalização do cálcio, em menos de 3 dias, em 80 a 100% dos pacientes. ▪ Mialgia, febre e flebite são efeitos colaterais. ◦ Calcitonina: Apresenta vantagem de início rápido (em poucas horas), podendo ser usada no início do tratamento até o início dos efeitos dos bifosfonados em pacientes com cálcio > 14 mg/dL, não deve ser utilizada isoladamente para tratamento da hipercalcemia, devido a taquifilaxia induzida pelo medicamento. ▪ A dose de calcitonina é de 4 a 8 unidades a cada 8 a 12 h. ▪ Deve-se repetir a dosagem do cálcio antes de se decidir continuar o uso da hiipercalcemia. ◦ Outras medidas importantes: ▪ Hemodiálise sem cálcio no fluido deve ser considerada em pacientes refratários a outros tratamentos; ▪ Denosumab (anticorpo IgG contra RANKL); ▪ Calcimiméticos (cinacalcet e etelcalcetide) (aumentam a sensibilidade do receptor sensor de cálcio da paratireoide); ▪ Nitrato de gálio e mitramicina (agentes antirreabsortivos). | p. 29 - Internação: Os pacientes com níveis de cálcio total > 12 mg/dL e sintomas têm indicação de internação hospitalar. Pacientes com hipercalcemia grave, principalmente se valores de cálcio > 16 mg/dL, têm indicação de internação em UTI. Todos os pacientes com hipercalcemia têm indicação de seguimento ambulatorial. Referências: - NETO, R. et al. Medicina de emergência: abordagem prática. 17. ed., rev., atual. e ampl. Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2023.