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27PROMILITARES.COM.BR GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO No módulo anterior, aprendemos as características do gênero lírico, bem como do gênero épico. Percebemos, além disso, que o estudo dos gêneros literários leva em consideração as estruturas fixas de um texto sem associá-lo a uma escola literária. Neste módulo, analisaremos os textos que foram escritos para contar uma história e também para serem encenados. Quais são os elementos necessários para narrar uma história? Como podemos organizar e estruturar um texto a fim de transformá-lo em peça teatral? GÊNERO NARRATIVO Nomeamos por gênero narrativo os textos que têm por objetivo narrar uma ficção. No texto narrativo, o autor cria um mundo ficcional em que personagens, inseridos em um tempo e espaço específicos, desenvolvem ações (enredo) que serão contadas em primeira ou terceira pessoa por narrador. Vejamos, então, os elementos necessários para elaborar uma narrativa ficcional. ENREDO É a sequência de ações (trama) que será desenvolvida em uma história. NARRADOR Ser de caráter ficcional (faz parte da narrativa) que relata a história. FOCO NARRATIVO 1ª PESSOA O narrador está inserido na trama e dela participa de forma integral ou parcial. • Narrador personagem principal: conta a própria história, contaminando a narrativa com a sua visão pessoal sobre o fato narrado. Veja o exemplo extraído do capítulo inicial do livro Dom Casmurro: Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso. • Narrador personagem secundário: não é o protagonista da obra, mas está perto dele. Observe o exemplo retirado do livro Um estudo em vermelho que narra as peripécias de Sherlock Holmes: Encontramo-nos no dia seguinte, conforme o combinado, e fomos ver o apartamento no número 221-B da Baker Street, que consistia em dois confortáveis quartos de dormir e uma espaçosa sala de estar, alegremente mobiliada e iluminada por duas amplas janelas. Ele preenchia tão bem as nossas necessidades e seu preço era tão módico, dividido por dois, que imediatamente o alugamos e recebemos a chave, Nessa mesma tarde mandei vir do hotel as minhas coisas, e na manhã seguinte Sherlock chegou com as suas várias caixas e maletas. Durante um dia ou dois estivemos ocupados com a arrumação dos nossos objetos pessoais. Feito isso, começamos, pouco a pouco, a nos adaptar ao nosso novo ambiente. 3ª PESSOA O narrador está fora dos acontecimentos narrados, por isso, possui certo distanciamento da narrativa. • Narrador onisciente: possui total ciência de tudo o que acontece, sendo assim, sabe com precisão dos sentimentos e dos pensamentos dos personagens. Analise o fragmento retirado do romance de Senhora de José de Alencar: Aurélia concentra-se de todo dentro de si; ninguém ao ver essa gentil menina, na aparência tão calma e tranquila, acreditaria que nesse momento ela agita e resolve o problema de sua existência; e prepara-se para sacrificar irremediavelmente todo o seu futuro. • Narrador observador: relata tudo que os olhos são capazes de observar, não sabe nada sobre o íntimo dos personagens. Possui olhar objetivo para descrever cenas e personagens. Veja o exemplo presente em Iracema de José de Alencar: Iracema passou entre as árvores, silenciosa como uma sombra: seu olhar cintilante coava entre as folhas, qual frouxos raios de estrelas; ela escutava o silêncio profundo da noite e aspirava as auras sutis que aflavam. Parou. Uma sombra resvalava entre as ramas; e nas folhas crepitava um passo ligeiro, se não era o roer de algum inseto. A pouco e pouco o tênue rumor foi crescendo e a sombra avultou. TIPOS DE DISCURSO É como se caracteriza as diferentes formas que o narrador possui para apresentar as falas dos personagens. DISCURSO DIRETO É a transcrição fiel da fala dos personagens. É introduzido por meio de aspas, travessões e emprega verbos dicendi (verbos de elocução). Exemplo: Maurício saudou, com silenciosa admiração, esta minha vida avisada malícia. E imediatamente, para meu príncipe: - Há três anos que não te vejo Jacinto... Como tem sido possível, neste Paris que é um aldeola, e que tu atravancas? DISCURSO INDIRETO O narrador, em vez de retratar as falas de forma direta, as reproduz mediante o atributo de suas próprias palavras, colocando-se na condição de intermediário frente à ocorrência. Exemplo: Maurício disse que não via Jacinto há três anos. DISCURSO INDIRETO LIVRE As formas direta e indireta fundem-se por meio de um processo em que o narrador insere discretamente a fala ou os pensamentos do personagem em sua fala. Embora ele não participe da história, instala- se dentro de suas personagens, confundindo sua voz com a delas. 28 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR Exemplo: Olhava-a, abria-a e chegava mesmo a aspirar-lhe o perfume do forro, misto de verbena e de fumo. A quem pertenceria?... Ao Visconde. Era talvez presente da amante. Observação Alguns textos são narrados por meio do fluxo de consciência. Essa estratégia foi magistralmente desenvolvida pelo célebre escritor James Joyce, sendo um recurso estilístico muito valioso. Trata- se de uma forma de narrar que apresenta diretamente todo o pensamento de uma personagem, expõe-se a história dentro da mente dela. Isso faz com que o desenrolar dos fatos se torne, por vezes, mais confuso para o leitor. Observe o fragmento retirado do livro A paixão segundo G.H. de Clarice Lispector: A lembrança de minha pobreza em criança, com percevejos, goteiras, baratas e ratos, era de como um meu passado pré- histórico, eu já havia vivido com os primeiros bichos da Terra. Uma barata? Muitas? Mas quantas?! Perguntei-me em cólera. Vagueei o olhar pelo quarto nu. Nenhum ruído, nenhum sinal: mas quantas? Nenhum ruído e, no entanto, eu bem sentia uma ressonância enfática, que era a do silêncio roçando o silêncio. A hostilidade me tomara. É mais do que não gostar de baratas: eu não as quero. Além de que são a miniatura de um animal enorme. A hostilidade crescia. Não fora eu quem repelira o quarto, como havia por um instante sentido à porta. O quarto, com sua barata secreta, é que me repelira. De início eu fora rejeitada pela visão de uma nudez tão forte como a de uma miragem; pois não fora a miragem de um oásis que eu tivera, mas a miragem de um deserto. Depois eu fora imobilizada pela mensagem dura na parede: as figuras de mão espalmada haviam sido um dos sucessivos vigias à entrada do sarcófago. E agora eu entendia que a barata e Janair eram os verdadeiros habitantes do quarto. É como se o autor “largasse” a personagem, deixando-a entregue a si mesma, às suas divagações, resultando um texto que realiza uma associação livre de ideias, de feitio incoerente, desconexo, sem os nexos ou enlaces sintáticos de um texto “bem comportado”. No fluxo de consciência o pensamento simplesmente flui, pois a personagem não pensa de maneira ordenada. PERSONAGEM Aqueles que desempenham as ações na narrativa. TEMPO O tempo tem papel imprescindível em uma narrativa. Situa-nos na história, seja ele o tempo marcado por datas e horas ou o tempo percebido pela personagem. A sua função é a de nos manter situados, de maneira que possamos entender melhor os fatos. TEMPO CRONOLÓGICO Marca-se de acordo com o ritmo do relógio, pelo movimento do sol, pelo calendário, estação do ano, etc. É um tempo objetivo e facilmente notado pelo leitor. Seriam nove horas do dia. Um sol ardente de março esbate-se nas venezianas que vestem as sacadasde uma sala, nas Laranjeiras TEMPO PSICOLÓGICO Não obedece à cronologia, ou seja, não mantém nenhuma relação com o tempo propriamente dito, ele transcorre no interior de cada personagem e é determinado pelo desejo ou imaginação do próprio personagem (ou do narrador), de acordo com suas vivências subjetivas, angústias e ansiedades. O tempo psicológico é o tempo interior e pode ser alongado ou encurtado de acordo com o estado de espírito em que se encontra, ele muda de pessoa para pessoa. Exemplo: Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. ESPAÇO É o ambiente por onde circulam personagens e onde se desenrola o enredo. Exemplo: No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. GÊNERO DRAMÁTICO A palavra “drama” vem do grego e significa “ação”. Ao gênero dramático pertencem os textos, em poesia ou em prosa, feitos para serem encenados. Por isso, os atores possuem muita importância, já que a instância de enunciação é a própria fala do personagem, conduzindo o público para dentro da trama e apresentando os acontecimentos. A essência do teatro é, então, a ação direta das personagens, que se manifesta em suas próprias falas. Na Antiguidade e na Idade Média, as peças dramáticas organizavam as falas em versos. A partir do Romantismo, o verso foi cedendo lugar para a estrutura em formato de prosa. Além das falas que são marcadas pelo discurso direto, as didascálias (rubricas) são recursos usados. Servem como uma espécie de anotação, indicando aos atores e aos outros funcionários do teatro, detalhes da cena. Aparecem sempre grafadas de forma diferente seja por meio de letras maiúsculas, seja em itálico, seja entre parênteses. Observe o exemplo a fim de entender melhor a estrutura. SEGUNDO QUADRO Uma sala da prefeitura. O ambiente é modesto. Durante a mutação, ouve-se um dobrado e vivas a Odorico, “viva o prefeito” etc. Estão em cena Dorotéa, Juju, Dirceu, Dulcinéa, o vigário e Odorico. Este último, à janela, discursa. ODORICO – Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de Prefeito, aqui estou para receber a confirmação, a ratificação, a autenticação e por que não dizer a sagração do povo que me elegeu. Aplausos vêm de fora. ODORICO – Eu prometi que o meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção do cemitério. Aplausos, aos quais se incorporam as personagens em cena. ODORICO – (Continuando o discurso:) Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmente, é uma alegria poder anunciar que prafrentemente vocês lá poderão morrer descansados, tranquilos e desconstrangidos, na certeza de que vão ser sepultados aqui mesmo, nesta terra morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim, basta dizer isso ao padre na hora da extrema-unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o prometido. GOMES, D. O bem amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012. No fragmento da peça, os termos entre parênteses e em itálico são as rubricas. É importante notar também que o texto se organiza em falas. O gênero dramático compreende as seguintes modalidades: • Tragédia: representação de um fato trágico, suscetível de despertar compaixão e terror. 29 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR • Comédia: representação de um fato inspirado na vida e no sentimento comum, de riso fácil, em geral criticando costumes. • Tragicomédia: mistura-se elementos trágicos e cômicos. • Farsa: pequena peça teatral de caráter caricatural, que critica a sociedade e os costumes. Ela baseia-se no lema latino Ridendo castigat mores (Rindo, castigam-se os costumes) e ganha maior espaço na Idade Média • Auto: uma peça curta, geralmente de conteúdo religioso ou profano, e, sobretudo, simbólico, uma vez que seus personagens não eram humanos, e sim, entidades abstratas, caracterizadas pela hipocrisia, bondade, luxúria, virtude, dentre outras. Eram representadas por ocasião das grandes festas religiosas, nos pátios, no interior das igrejas e nas praças. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 01. Leia. MORTE E VIDA SEVERINA Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). (João Cabral de Melo Neto) Em “Morte e Vida Severina”, o drama do homem nordestino aparece como símbolo da condição humana. O poema foi escrito para ser encenado no teatro e seu subtítulo (Auto de Natal pernambucano) registra as influências que a estrutura do texto medieval exercia sobre João Cabral de Melo Neto em sua elaboração poética. Considerando o trecho anterior e a intenção do autor ao escrevê-lo, as características do gênero dramático estão presentes na a) composição dramática dos povos subdesenvolvidos em busca da libertação. b) composição literária destinada à apresentação por atores no palco. c) presença de personagens que estão interligados com a situação de exclusão social. d) trajetória do retirante Severino em busca por melhores condições de vida. e) Visão que o autor deseja expor, dialogando com outros textos de cunho dramático. 02. Leia o texto a seguir, retirado de O auto da compadecida, de Ariano Suassuna. PADRE: - É, você não vê mal nenhum, mas quem me garante que o bispo também não vê? SACRISTÃO: - O bispo? PADRE: - Sim, o bispo. É um grande administrador, uma águia a quem nada escapa. JOÃO GRILO: - Ah, é um grande administrador? Então pode deixar tudo por minha conta, que eu garanto. PADRE: - Você garante? JOÃO GRILO: - Garanto. Eu teria medo se fosse o anterior, que era um santo homem. Só o jeito que ele tinha de olhar para a gente me fazia tirar o chapéu. Mas com esses grandes administradores eu me entendo que é uma beleza. [...] (SUASSUNA, Ariano. Auto da compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 1976. - Fragmento) O texto é classificado, de acordo com os gêneros literários tradicionais, como pertencente ao gênero dramático. Uma característica que justifica essa classificação é a) a ausência de um narrador onisciente, que conte toda a história para o público. b) a designação da fala do personagem, com o respectivo nome no início da linha. c) a utilização do discurso direto, com a reprodução integral das falas dos personagens. d) o diálogo entre pessoas comuns, do povo, como representação da cultura popular. e) o uso de metáforas, tais como na frase “uma águia a quem nada escapa.” 03. Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe: “Dá-me um barco”. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar: “Que rei temos nós, que não atende”), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. (SARAMAGO, José. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.) O narrador presente no fragmento classifica-se como a) intruso. b) observador. c) onisciente. d) protagonista. e) testemunha. 04. Leia o texto a seguir e resolva a questão SEXA - Pai… - Hmmm?- Como é o feminino de sexo? - O quê? - O feminino de sexo. - Não tem. - Sexo não tem feminino? - Não. - Só tem sexo masculino? - É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino. - E como é o feminino de sexo? - Não tem feminino. Sexo é sempre masculino. - Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino. - O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino. - Não devia ser “a sexa”? - Não. - Por que não? - Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino. - O sexo da mulher é masculino? - É. Não! O sexo da mulher é feminino. - E como é o feminino? - Sexo mesmo. Igual ao do homem. - O sexo da mulher é igual ao do homem? - É. Quer dizer… Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo? - Certo. - São duas coisas diferentes. - Então como é o feminino de sexo? - É igual ao masculino. - Mas não são diferentes? 30 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR - Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra. - Mas então não muda o sexo. É sempre masculino. - A “palavra” é masculina. - Não. “A palavra” é feminina. Se fosse masculina seria “O pal…” - Chega! Vai brincar, vai. O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta: - Temos que ficar de olho nesse guri… - Por quê? - Ele só pensa em gramática. (Luís Fernando Veríssimo) Sobre os elementos estruturais da narrativa do texto “Sexa”, de Luís Fernando Veríssimo confirma-se pela leitura que a) a ausência do narrador distancia o texto do gênero narrativo, aproximando-o do gênero dramático. b) as personagens são redondas, imprevisíveis, com grande complexidade comportamental. c) o enredo se constrói pelas várias possibilidades interpretativas dos discursos de pai e filho. d) o foco narrativo é em 1ª pessoa, partindo da dúvida que o menino tem quanto ao gênero da palavra. e) o tempo é psicológico, dependente dos pensamentos do pai do garoto. TEXTO PARA AS QUESTÕES 05 E 06: PRIMEIRO ATO PRIMEIRO QUADRO Zé-do-Burro vai até o centro da praça e aí pousa a sua cruz, equilibrando-a na base e num dos braços, como um cavalete. Está exausto. Enxuga o suor da testa. ZÉ: (Olhando a igreja) É essa. Só pode ser essa. (Rosa para também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma). ROSA: E agora? Está fechada. ZÉ: É cedo ainda. Vamos esperar que abra. ROSA: Esperar? Aqui? ZÉ Não tem outro jeito. ROSA: (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato). Estou com cada bolha d’água no pé que dá medo. ZÉ: Eu também. (Contorce-se num rítus de dor. Despe uma das mangas do paletó). Acho que os meus ombros estão em carne viva. ROSA: Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse. ZÉ: (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinhas. ROSA: Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada. ZÉ: Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas. ROSA: Não usou porque não deixaram. ZÉ: Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: - Ah, você é o Zé- do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo. ROSA: Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois desta? Já não chega?... ZÉ: Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia. (Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à procura de uma inscrição). ROSA: Que é que você está procurando? ZÉ: Qualquer coisa escrita... pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara. ROSA: E você já viu igreja com letreiro na porta, homem? ZÉ: É que pode não ser essa... ROSA: Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena, numa praça, perto duma ladeira... ZÉ: (Corre os olhos em volta) Se a gente pudesse perguntar a alguém... ROSA: Essa hora está todo o mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva). Todo o mundo... menos eu, que tive a infelicidade de me casar com um pagador de promessas. (Levanta-se e procura convencê- lo). Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia ir procurar um lugar pra dormir. Você já pensou que beleza agora uma cama?... ZÉ: E a cruz? ROSA: Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia... ZÉ: Podem roubar... ROSA: Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz? ZÉ: Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter quase cumprido a promessa. E você já pensou; se me roubassem a cruz, eu ia ter que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas. ROSA: Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer questão. ZÉ: É o que você pensa. Quando você vai pagar uma conta no armarinho e perde o dinheiro no caminho, o turco perdoa a dívida? Uma ova! ROSA: Mas você já pagou a sua promessa, já trouxe uma cruz de madeira da roça até à igreja de Santa Bárbara. Está aí a igreja de Santa Bárbara, está aí a cruz. Pronto. Agora, vamos embora. ZÉ: Mas aqui não é a igreja de Santa Bárbara. A igreja é da porta pra dentro. ROSA: Oxente! Mas a porta está fechada e a culpa não é sua. Santa Bárbara deve saber disso, que diabo. ZÉ: (Pensativo) Só se eu falasse com ela e explicasse a situação... ROSA: Pois então... fale! ZÉ: (Ergue os olhos para o céu, medrosamente e chega a entreabrir os lábios, como se fosse dirigir-se à santa. Mas perde a coragem) Não, não posso... ROSA: Por que, homem?! Santa Bárbara é tão sua amiga... Você não está em dia com ela? ZÉ: Estou, mas esse negócio de falar com santo é muito complicado. Santo nunca responde em língua da gente... não se pode saber o que ele pensa. E além do mais, isso também não é direito. Eu prometi levar a cruz até dentro da igreja, tenho que levar. Andei sete léguas. Não vou me sujar com a santa por causa de meio metro. ROSA: E pra você não se sujar com a santa, eu vou ter que dormir no chão, no “hotel do padre”. (Olha-o com raiva e vai deitar-se num dos degraus da escada da igreja). E se tudo isso ainda fosse por alguma coisa que valesse a pena... ZÉ: Você podia não ter vindo. Quando eu fiz a promessa, não falei em você, só na cruz. ROSA: Agora você diz isso. Dissesse antes... ZÉ: Não me lembrei. Você também não reclamou... ROSA Sou sua mulher. Tenho que ir pra onde você for... ZÉ: Então... [...] (Disponível em: <http://www.clickfacil.net/cf_conteudo) 31 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR 05. No texto acima, é possível perceber vivamente o que está acontecendo com as personagens. Trata-se da abertura da peça O Pagador de Promessas (1959), de Dias Gomes (1922-1999). O teatro pertence ao gênero dramático. Sobre o fragmento que você leu e sobre esse gênero, constata-se que a) a ação imprime dinamismo ao texto dramático, que apresenta maior fluidez de leitura, quanto mais curtas são as falas das personagens e quanto mais breves são as inserções do narrador. b) a comédia, o drama, o auto, a farsa, a tragédia, são manifestações do gênero dramático. Pela forma que se estabelece o diálogo entre Zé e Rosa, pode-se inferir que o texto se trata de uma farsa. c) promessa de Zé imprime um caráter religioso à peça, o que recupera elementos dos autos medievais, cujo contraponto profano é representado pela personagem Rosa. d) as rubricas (indicações deixadas pelo autor, para os comportamentos dos atores) são o elemento mais importante do gênero dramático, e facilitam a compreensão do leitor. e) o gênero dramático caracteriza-se pela ação. Daí o uso do discurso direto, dos verbos no presente e a facilidade de visualizara cena que ocorre entre Zé e Rosa. 06. Sobre o fragmento lido, conclui-se que: a) Rosa e Zé compartilham da mesma fé, e por isso cumpriram a promessa de levar a cruz, de sua casa, na roça, até a igreja de Santa Bárbara. b) Rosa representa a inocência da fé popular, acreditando que seu marido, Zé, pode “negociar” os elementos acordados da promessa dele com Santa Bárbara. c) Rosa representa a visão machista do período (o texto é de 1959) de que uma esposa sempre deve estar ao lado do marido, e o fazia de boa vontade. d) Zé representa a fé simples do povo, que crê no flagelo de algumas promessas e compara a relação homem-santo com as relações entre os homens. e) Zé e Rosa divergem com relação à fé: enquanto esta é mais maleável e propensa a sacrifícios, aquele é mais objetivo e prático em relação aos compromissos assumidos. 07. NO RESTAURANTE – Quero lasanha. Aquele anteprojeto de mulher – quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia – entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha. O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais. – Meu bem, venha cá. – Quero lasanha. – Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa. – Não, já escolhi. Lasanha. Que parada – lia-se na cara do pai. Relutante a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato: – Vou querer lasanha. – Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão. – Gosto, mas quero lasanha. – Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá? – Quero lasanha, papai. Não quero camarão. – Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão, a gente traça uma lasanha. Que tal? – Você come o camarão e eu como lasanha. O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo: – Quero lasanha. O pai corrigiu: – Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada. A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações apenas se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou: – Moço, tem lasanha? – Perfeitamente, senhorita. O pai, no contra-ataque: – O senhor providenciou a fritada? – Já sim, doutor. – De camarões bem grandes? – Daqueles legais, doutor. – Bem, então me vê um chinite, e para ela... O que é que você quer, meu anjo? – Uma lasanha. – Traz um suco de laranja para ela. Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para a surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte. – Estava uma coisa, hem? – comentou o pai, com um sorriso bem alimentado – Sábado que vem a gente repete... Combinado? – Agora a lasanha, não é, papai? – Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer, mesmo? – Eu e você, tá? – Meu amor, eu... – Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha. O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem. (Carlos Drummond de Andrade. Disponível em: http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/lasanha.htm ) Um texto é composto a partir de vários tipos de discursos: o discurso direto, quando a personagem se pronuncia diretamente; o discurso indireto, quando o narrador se pronuncia pela personagem; o indireto livre, em que pensamento e fala da personagem “amalgamam-se” ao discurso do narrador; e o próprio discurso do narrador. No texto “No restaurante”, de Carlos Drummond de Andrade, existem os quatro tipos de discurso anteriormente descritos. A relação entre a expressão retirada do texto e a classificação de seu tipo de discurso (colocada entre parênteses) está adequada em: a) “A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha?” (discurso indireto livre) b) “– Agora a lasanha, não é, papai? / – Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer, mesmo?” (discurso direto livre) c) “– Estava uma coisa, hem? – comentou o pai, com um sorriso bem alimentado – Sábado que vem, a gente repete... Combinado?” (discurso do narrador) d) “Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.” (discurso indireto livre) e) “O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou.” (discurso direto) 32 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR 08. ROTINA Carlos levantou-se, escovou os dentes, fez a barba, vestiu seu velho e amarrotado macacão de todos os dias. O dono do posto em que trabalhava o advertiu pelo atraso como fizera desde que o havia empregado. Só restou a Carlos sorrir um sorriso amarelo. O chefe nunca ligara para sua vida medíocre. Dia de pagamento, recebeu o que lhe garantia a sua miséria. O tempo passou. O olhar de Carlos estava diferente: chegou ao trabalho sem escovar os dentes, não sorriu, não recebeu salário, pegou um fósforo e explodiu o quarteirão. Desde pequeno gostava de fogos de artifício, sempre quis ver algo grande. (TRUZZI, Flávio Sales. “Rotina”. In Expresso 600. Edson Rossato (org.) São Paulo: Andross, 2006. p. 85.) A partir da leitura do texto, a análise dos elementos da narrativa está certa, exceto em a) O narrador do conto é onisciente. b) O comportamento do protagonista muda. c) O espaço é físico, externo. d) O enredo é inverossímil. e) O tempo é cronológico. TEXTO PARA AS QUESTÕES 09 E 10: SUFLÊ DE CHUCHU Houve uma grande comoção em casa com o primeiro telefonema da Duda, à pagar, de Paris. O primeiro telefonema desde que ela embarcara, mochila nas costas (a Duda, que em casa não levantava nem a sua roupa do chão!), na Varig, contra a vontade do pai e da mãe. Você nunca saiu de casa sozinha, minha filha! Você não sabe uma palavra de francês! Vou e pronto. E fora. E agora, depois de semanas de aflição, de “onde anda essa menina?”, de “você não devia ter deixado, Eurico!”, vinha o primeiro sinal de vida. Da Duda, de Paris. - Minha filha... - Não posso falar muito, mãe. Como é que se faz café? - O quê? - Café, café. Como é que se faz? - Não sei, minha filha. Com água, com... Mas onde é que você está, Duda? - Estou trabalhando de “au pair” num apartamento. Ih, não posso falar mais. Eles estão chegando. Depois eu ligo. Tchau! O pai quis saber detalhes. Onde ela estava morando? - Falou alguma coisa sobre “opér”. - Deve ser “ópera”. O francês dela não melhorou... Dias depois, outra ligação. Apressada como a primeira. A Duda queria saber como se mudava fralda. Por um momento, a mãe teve um pensamento louco. A Duda teve um filho de um francês! Não, que bobagem, não dava tempo. Por que você quer saber, minha filha? - Rápido, mãe. A criança tá borrada! Ninguém em casa podia imaginar a Duda trocando fraldas. Ela, que tinha nojo quando o irmão menor espirrava. - Pobre criança... - comentou o pai. Finalmente, um telefonema sem pressa da Duda. Os patrões tinham saído, o cagão estava dormindo, ela podia contar o que estava lhe acontecendo. “Au pair” era empregada, faz-tudo. E ela fazia tudo na casa. A princípio tivera alguma dificuldade com os aparelhos. Nunca notara antes, por exemplo, que o aspirador de pó precisava ser ligado numa tomada. Mas agora estava uma opér “formidable”. E Duda enfatizara a pronúncia francesa. “Formidable”. Os patrões a adoravam. E ela tinha prometido que na semana seguinte prepararia uma autênticafeijoada brasileira para eles e alguns amigos. - Mas, Duda, você sabe fazer feijoada? - Era sobre isso que eu queria falar com você, mãe. Pra começar, como é que se faz arroz? A mãe mal pôde esperar o telefonema que a Duda lhe prometera, no dia seguinte ao da feijoada. - Como foi, minha filha. Conta! - Formidable! Um sucesso. Para o próximo jantar, vou preparar aquela sua moqueca. - Pegue o peixe... - começou a mãe, animadíssima. A moqueca também foi um sucesso. Duda contou que uma das amigas da sua patroa fora atrás dela, na cozinha, e cochichara uma proposta no seu ouvido: o dobro do que ela ganhava ali para ser opér na sua casa. Pelo menos fora isso que ela entendera. Mas Duda não pretendia deixar seus patrões. Eles eram uns amores. Iam ajudá-la a regularizar a sua situação na França. Daquele jeito, disse Duda a sua mãe, ela tão cedo não voltava ao Brasil. É preciso compreender, portanto, o que se passava no coração da mãe quando a Duda telefonou para saber como era a sua receita de suflê de chuchu. Quase não usavam o chuchu na França, e a Duda dissera a seus patrões que suflê de chuchu era um prato típico brasileiro e sua receita era passada de geração a geração na floresta onde o chuchu, inclusive, era considerado afrodisíaco. Coração de mãe é um pouco como as Caraíbas. Ventos se cruzam, correntes se chocam, é uma área de tumultos naturais. A própria dona daquele coração não saberia descrever os vários impulsos que o percorreram no segundo que precedeu sua decisão de dar à filha a receita errada, a receita de um fracasso. De um lado o desejo de que a filha fizesse bonito e também - por que não admitir? - uma certa curiosidade com a repercussão do seu suflê de chuchu na terra, afinal, dos suflês, do outro o medo de que a filha nunca mais voltasse, que a Duda se consagrasse como a melhor opér da Europa e não voltasse nunca mais. Todo o destino num suflê. A mãe deu a receita errada. Com o coração apertado. Proporções grotescamente deformadas. A receita de uma bomba. Passaram-se dias, semanas, sem uma notícia da Duda. A mãe imaginando o pior. Casais intoxicados. Jantar em Paris acaba no hospital. Brasileira presa. Prato selvagem enluta famílias, receita infernal atribuída à mãe de trabalhadora clandestina, Interpol mobilizada. Ou imaginando a chegada de Duda em casa, desiludida com sua aventura parisiense, sua carreira de opér encerrada sem glória, mas pronta para tentar outra vez o vestibular. O que veio foi outro telefonema da Duda, um mês depois. Apressada de novo. No fundo, o som de bongôs e maracas. - Mãe, pergunta pro pai como é a letra de Cubanacã! - Minha filha... - Pergunta, é do tempo dele. Rápido que eu preciso pro meu número. Também houve um certo conflito no coração do pai, quando ouviu a pergunta. Arrá, ela sempre fizera pouco do seu gosto musical e agora precisava dele. Mas o segundo impulso venceu: - Diz pra essa menina voltar pra casa. JÁ! (VERÍSSIMO, Luís Fernando. “Suflê de Chuchu”. In: Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva) 09. Um dos elementos do conto “Suflê de Chuchu”, de Luís Fernando Veríssimo, é o enredo. Este, por sua vez, divide-se em início, desenvolvimento, clímax e desfecho. Sobre as partes do enredo, assinale a alternativa correta. a) O início vai da abertura do conto até “Da Duda, de Paris.” b) O desenvolvimento vai de “E agora, depois de semanas de aflição (...)” até “era considerado afrodisíaco.” c) O desenvolvimento vai de “E agora, depois de semanas de aflição (...)” até “é uma área de tumultos naturais. d) O clímax vai de “A própria dona daquele coração (...)” até “(...) e não voltasse nunca mais.” e) O desfecho vai de “A receita de uma bomba.” ao final do conto. 33 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR 10. Sobre os elementos da narrativa que compõem o conto “Suflê de Chuchu”, de Luís Fernando Veríssimo, assinale a alternativa cuja análise está incorreta. a) O tempo da narrativa é cronológico, de quando Duda parte até o último telefonema para seus pais. b) O espaço é psicológico, imaginado pelas desgraças que a mãe de Duda imagina acontecerem em Paris. c) O narrador é onisciente, havendo a larga ocorrência do discurso indireto livre. d) Duda é uma personagem previsível, uma adolescente contempo- rânea, sem grandes conflitos. e) O ponto alto do enredo dá-se no momento em que o narrador apresenta os conflitos dos corações maternos. EXERCÍCIOS DE TREINAMENTO 01. (ESPCEX/AMAN) Leia o trecho do romance São Bernardo e dê o que se pede. (...) O que estou é velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. (...) Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo? (...) Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçar- mos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, acon- teceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige. (...) Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. (...) (RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1990.) Quanto ao trecho lido, é correto afirmar que a) há predomínio de uma visão ufanista do narrador. b) o intimismo dificulta uma visão crítica. c) a abordagem universal permite alcançar à dimensão regional. d) a incapacidade de modificar o modo de vida revela traços deter- ministas. e) o narrador externo explora conflitos internos do personagem. 02. (ESPCEX/AMAN) Leia o trecho do conto O Peru de Natal e responda. O nosso primeiro Natal em família, depois da morte de meu pai, acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres. Morreu meu pai sentimos muito etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto da família... A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto. Foi decerto por isso que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a ideia de fazer uma das minhas chamadas “loucuras”. Essa fora, aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos...eu consegui no reformatório do lar e vasta parentagem, a fama conciliatória de “louco”. “É doido coitado!” (…) Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas “loucuras”: – Bom, no Natal, quero comer peru. Houve um desses espantos que ninguémnão imagina. (ANDRADE, M. In: MORICONI, I. Os cem melhores contos brasileiros do século. São Paulo: Objetiva, 2000 - fragmento) Nesse fragmento, o universo ficcional constitui a) o ponto de vista externo do narrador, que valoriza a célula dramática das novelas românticas. b) característica da primeira geração modernista, que repudiava o conservadorismo. c) a temática da prosa de costumes, enaltecendo a primeira geração romântica. d) uma temática nacionalista ao exaltar o conservadorismo. e) a valorização do sistema patriarcal. 03. (MACKENZIE) Chicó – Por que essa raiva dela? João Grilo – Ó homem sem vergonha! Você inda pergunta? Está esquecido de que ela o deixou? Está esquecido da exploração que eles fazem conosco naquela padaria do inferno? Pensam que são o cão só porque enriqueceram, mas um dia hão de pagar. E a raiva que eu tenho é porque quando estava doente, me acabando em cima de uma cama, via passar o prato de comida que ela mandava para o cachorro. Até carne passada na manteiga tinha. Para mim nada, João Grilo que se danasse. Um dia eu me vingo. Chicó – João, deixe de ser vingativo que você se desgraça. Qualquer dia você inda se mete numa embrulhada séria. (Ariano Suassuna, Auto da Compadecida) Considere as seguintes afirmações. I. O texto de Ariano Suassuna recupera aspectos da tradição dramática medieval, afastando-se, portanto, da estética clássica de origem greco-romana. II. A palavra Auto, título da obra, por si só sugere que se trata de peça teatral de tradição popular, aspecto confirmado pela caracterização das personagens. III. O teor crítico da fala da personagem, entre outros aspectos, remete ao teatro humanista de Gil Vicente, autor de vários autos, como, por exemplo, o Auto da barca do inferno. Assinale: 34 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR a) se todas estiverem corretas. b) se apenas I e II estiverem corretas. c) se apenas II estiver correta. d) se apenas II e III estiverem corretas. e) se todas estiverem incorretas. 04. (PUC-PR) AUTO DO FRADE FREI CANECA: – Sob o céu de tanta luz que aqui é de praia ainda, leve, clara, luminosa por vir do Pina e de Olinda, que jogam verde e azul sob o céu de alma marinha, sob o sol inabitável que dirá Sofia um dia, vou revivendo os quintais que dispensam sesta amiga detrás das fachadas magras com sombras gordas e líquidas. Na iminência da morte na forca, Frei Caneca despede-se se da vida. (NETO, João Cabral de Melo. AUTO DO FRADE. Ano de edição: 2010. 1ª Edição) O trecho citado representa: a) um raro momento lírico da peça. b) a combinação de teatro e poesia, em que sobressai o tom lírico associado à memória e à visualidade. c) a despedida amarga de um inocente prestes a ser executado. d) o tom poético sem dramaticidade que marca todo o texto de “Auto do Frade”. e) a descrição da natureza funciona como oposição barroca aos minutos que antecedem à morte de Frei Caneca. 05. (ESPCEX/AMAN) Leia o texto abaixo e responda o que se pede. (...) – Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimando, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: – Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. (Fragmento de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.) A partir do texto apresentado, é correto afirmar que o personagem Fabiano a) subestima-se pela própria condição animal. b) questiona a própria condição humana. c) valoriza-se como ser humano. d) sente vergonha da condição animal. e) abomina a própria condição animal. 06. (IFAL) Leia o fragmento abaixo e responda à questão. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando. (MACHADO DE ASSIS. Obras completas em quatro volumes, volume 2. São Paulo: Editora Nova Aguilar, 2015, p. 435) Em relação às descrenças de Camilo, há uma opinião do narrador em: a) “[…] diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.” b) “Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo [...]” c) “E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade.” d) “No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião.” e) “Também ele, em criança, e ainda depois foi supersticioso.” 07. (ENEM 2017) SEGUNDO QUADRO Uma sala da prefeitura. O ambiente é modesto. Durante a mutação, ouve-se um dobrado e vivas a Odorico, “viva o prefeito” etc. Estão em cena Dorotéa, Juju, Dirceu, Dulcinéa, o vigário e Odorico. Este último, à janela, discursa. ODORICO – Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de Prefeito, aqui estou para receber a confirmação, a ratificação, a autenticação e por que não dizer a sagração do povo que me elegeu. Aplausos vêm de fora. ODORICO – Eu prometi que o meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção do cemitério. Aplausos, aos quais se incorporam as personagens em cena. ODORICO – (Continuando o discurso:) Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmente, é uma alegria poder anunciar que prafrentemente vocês lá poderão morrer descansados, tranquilos e desconstrangidos, na certeza de que vão ser sepultados aqui mesmo, nesta terra morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim, basta dizer isso ao padre na hora da extrema-unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o prometido. (GOMES, D. O bem amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012.) O gênero peça teatral tem o entretenimento como uma de suas funções. Outra função relevante do gênero, explícita nesse trecho de O bem amado, é a) criticar satiricamente o comportamento de pessoas públicas. b) denunciar a escassez de recursos públicos nas prefeituras do interior. c) censurar a falta de domínio da língua padrão em eventos sociais. d) despertar a preocupação da plateia com a expectativa de vida dos Cidadãos. e) questionar o apoio irrestrito de agentes públicos aos gestores governamentais. 08. (ENEM 2016) LIÇÕES DE MOTIM DONA COTINHA – É claro! Só gosta de solidão quem nasceu pra ser solitário. Só o solitário gosta de solidão. Quem vive só e não gosta da solidão não é um solitário, é só um desacompanhado. (A reflexão escorrega lá pro fundo da alma.) Solidão é vocação, besta de quem pensa que é sina. Por isso, tem de ser valorizada. E não é qualquer um que pode ser solitário, não. Ah, mas não é mesmo! É preciso ter 35 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR competência pra isso. (De súbito, pedagógica, volta-se para o homem.) É como poesia, sabe, moço? Tem de ser recitada em voz alta, que é pra gente sentir o gosto. (Faz uma pausa.) Você gosta de poesia? (O homem torna a se debater. A velha interrompe o discurso e volta a lhe dar as costas, como sempre, impassível. O homem, mais uma vez, cansado, desiste.) Bem, como eu ia dizendo, pra viver bem com a solidão temos de ser proprietários dela e não inquilinos,me entende? Quem é inquilino da solidão não passa de um abandonado. É isso aí. (ZORZETFI, H. Lições de motim. Goiânia: Kelps. 2010 - adaptado). Nesse trecho, o que caracteriza Lições de motim como texto teatral? a) O tom melancólico presente na cena. b) As perguntas retóricas da personagem. c) A interferência do narrador no desfecho da cena. d) O uso de rubricas para construir a ação dramática. e) As analogias sobre a solidão feitas pela personagem. 09. (ENEM 2014) FABIANA, arrepelando-se de raiva — Hum! Ora, eis aí está para que se casou meu filho, e trouxe a mulher para minha casa. É isto constantemente. Não sabe o senhor meu filho que quem casa quer casa... Já não posso, não posso, não posso! (Batendo com o pé). Um dia arrebento, e então veremos! (PENA, M. Quem casa quer casa. www.dominiopubiico.gov.br. Acesso em: 7 dez. 2012.) As rubricas em itálico, como as trazidas no trecho de Martins Pena, em uma atuação teatral, constituem a) necessidade, porque as encenações precisam ser fiéis às diretrizes do autor. b) possibilidade, porque o texto pode ser mudado, assim como outros elementos. c) preciosismo, porque são irrelevantes para o texto ou para a encenação. d) exigência, porque elas determinam as características do texto teatral. e) imposição, porque elas anulam a autonomia do diretor. 10. (ESPCEX/AMAN) Leia o trecho a seguir e responda. “O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. Os gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda parte.” Quanto ao trecho, é correto afirmar que a) não há ponto de vista do narrador, que apenas relata as impressões alheias. b) apresenta alguns neologismos, como “toleima”, “almargem”, “opiniães” e “oestes”. c) não há abordagem universal, a passagem constitui apenas uma descrição do sertão. d) o trecho transpõe os limites do regional, alcançando a dimensão universal. e) transparece todo misticismo sertanejo, baseado apenas nos dois extremos: o bem e o mal. EXERCÍCIOS DE COMBATE 01. Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldade, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. (RAMOS, G. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1998.) Num texto narrativo, a sequência dos fatos contribui para a progressão temática. No fragmento, esse processo é indicado a) pela a alternância das pessoas do discurso que determinam o foco narrativo. b) utilização de formas verbais que marcam tempos narrativos variados. c) indeterminação dos sujeitos de ações que caracterizam os eventos narrados. d) justaposição de frases que relacionam semanticamente os acontecimentos narrados. e) recorrência de expressões adverbiais que organizam temporal- mente a narrativa. 02. Somente uns tufos secos de capim empedrados crescem na silenciosa baixada que se perde de vista. Somente uma árvore, grande e esgalhada mas com pouquíssimas folhas, abre-se em farrapos de sombra. Único ser nas cercanias, a mulher é magra, ossuda, seu rosto está lanhado de vento. Não se vê o cabelo, coberto por um pano desidratado. Mas seus olhos, a boca, a pele – tudo é de uma aridez sufocante. Ela está de pé. A seu lado está uma pedra. O sol explode. Ela estava de pé no fim do mundo. Como se andasse para aquela baixada largando para trás suas noções de si mesma. Não tem retratos na memória. Desapossada e despojada, não se abate em autoacusações e remorsos. Vive. Sua sombra somente é que lhe faz companhia. Sua sombra, que se derrama em traços grossos na areia, é que adoça como um gesto a claridade esquelética. A mulher esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mineraliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado. Mas os traços de sua sombra caminham e, tornando-se mais longos e finos, esticam-se para os farrapos de sombra da ossatura da árvore, com os quais se enlaçam. (FRÓES, L. Vertigens: obra reunida. Rio de Janeiro: Rocco. 1998.) Na apresentação da paisagem e da personagem, o narrador estabelece uma correlação de sentidos em que esses elementos se entrelaçam Nesse processo, a condição humana configura-se a) amalgamada pelo processo comum de desertificação e de solidão. b) fortalecida pela adversidade extensiva à terra e aos seres vivos. c) redimensionada pela intensidade da luz e da exuberância local. d) imersa num drama existencial de identidade e de origem. e) imobilizada pela escassez e pela opressão do ambiente. 03. (PUC-CAMP) − Quer assunto para um conto? – perguntou o Eneias, cercando-me no corredor. Sorri. − Não, obrigado. − Mas é assunto ótimo, verdadeiro, vivido, acontecido, interessantíssimo! 36 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR − Não, não é preciso... Fica para outra vez... − Você está com pressa? − Muita! − Bem, de outra vez será. 1Dá um conto estupendo. E com esta vantagem: aconteceu... É só florear um pouco. 2− Está bem...Então...até logo...Tenho que apanhar o elevador... 3Quando me despedia, surge um terceiro. Prendendo-me à prosa. Desmoralizando-me a pressa. − Então, que há de novo? − Estávamos batendo papo... Eu estava cedendo, de graça, um assunto notável para um conto. Tão bom, que até comecei a esboçá- lo, 4há tempos. Mas conto não é gênero meu − continuou o Eneias, os olhos azuis transbordando de generosidade. 5− Sobre o quê? − perguntou o outro. Eu estava frio. Não havia remédio. Tinha que ouvir, mais uma vez, o assunto. − Um caso passado. Conheceu o Melo, que foi dono de uma grande torrefação aqui em São Paulo, e tinha uma ou várias fazendas pelo interior? Pergunta dirigida a mim. Era mais fácil concordar. (In: Omelete em Bombaim, 1946. Disponível em: www.academia.org.br) É correta a seguinte observação: a) O fragmento transcrito mostra que essa narrativa reproduz uma cena bastante curta como se fosse captada mecanicamente por um cinegrafista, sem a presença da subjetividade de um narrador. b) A narrativa que se caracteriza pelo ritmo acelerado, em decorrência da grande presença da fala direta entre personagens, conta com a presença de um narrador que, onisciente, faz algumas intromissões no relato. c) Em relato realizado estritamente por meio de diálogos, as informações são transmitidas ao leitor pelo que falam ou fazem as personagens que participam da cena representada. d) O trecho é metalinguístico, pois uma personagem, Eneias, centra seu interesse em convencer, com fundamentos, um contista a escrever sobre fatos verídicos; o objetivo da personagem é legítimo, porque a veracidade do fato narrado é que caracteriza a narrativa como literária. e) No conto, os comentários de Eneias permitem compreender o que esta personagem entende que seja um conto, demonstrando seu desconhecimento de que, numa produção literária, a forma não constitui simples ornamento, mas produz sentidos. 04. Leia o texto e observe a figura a seguir. Para Tadeusz Kantor (Polônia, 1915-1990), nada expressamelhor a vida do que a ausência de vida, sendo a morte um processo que está muito distante do religioso-sobrenatural. Ela é a condição finita da temporalidade que fundamenta o sentido da existência e que permeia o tempo todo a vida humana. Em sua concepção, o teatro se constrói na ação e não pelo aparato de reprodução literária. Um texto dramático, não fechado, não conclusivo. (Adaptado de: CINTRA, W. F. A. A morte como poética no teatro de Tadeusz Kantor. In: VI Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2010.) (Cena da peça A classe morta, Tadeusz Kantor, 1975. Imagem disponível em: <http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/teatro/teatrocontemporaneo/tadeusz- kantor-fases-a-classe-morta-partequatro.html>. Acesso em 28 maio 2017.) Com base no texto, na figura e nos conhecimentos sobre o teatro, na relação entre obra e contexto e na arte contemporânea, considere as afirmativas a seguir. I. A proposição teatral de Kantor se dá de acordo com a ideia de mimesis e, para ele, a função do teatro é demonstrar, a partir da definição das personagens e das suas falas, o modo como o homem e a arte se constituem na vida cotidiana. II. É perceptível, na disposição dos objetos em cena e dos atores, o modo como o autor evoca o sentido de vida e morte, intensificado pela atmosfera criada por esses elementos. III. A concepção teatral de Kantor considera o texto não como determinante de toda ação, mas como guia; nesse sentido, o processo de construção da peça é um fator importante, ficando de lado a representação da vida e, em jogo, sua presentificação. IV. Em A classe morta, a morte é elevada à condição de elemento estético e, como elemento, constitui um processo criativo que nada tem de sobrenatural e se institui como realidade sensível. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 05. VIANNA (Bem sério, mas neutro, autoritário) – E aqui, antes de continuar este espetáculo, é necessário que façamos uma advertência a todos e a cada um. Neste momento, achamos fundamental que cada um tome uma posição definida. Sem que cada um tome uma posição definida, não é possível continuarmos. É fundamental que cada um tome uma posição, seja para a esquerda, seja para a direita. Admitimos mesmo que alguns tomem uma posição neutra, fiquem de braços cruzados. Mas é preciso que cada um, uma vez tomada sua posição, fique nela! Porque senão, companheiros, as cadeiras do teatro rangem muito e ninguém ouve nada. (FERNANDES, Millôr; RANGEL, Flávio. Liberdade, liberdade. Porto Alegre: LP&M Pocket, 2013. p. 31.) Na fala transcrita, há um sentido político associado ao contexto dos primeiros anos do regime militar no Brasil. Esse sentido se expressa no emprego 37 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR a) da expressão “posição neutra”, para satirizar a ideologia do partido Aliança Renovadora Nacional. b) das expressões “posição definida” e “de braços cruzados”, para criticar a extinção dos partidos políticos. c) da ordem “fique nela!”, que denuncia o poder de repressão dos anos de chumbo do governo militar. d) da rubrica “Bem sério, mas neutro, autoritário”, que ironiza a direção dada ao país pelo presidente Garrastazu Médici. e) dos termos “esquerda” e “direita”, para cobrar uma posição da sociedade diante da restrição das liberdades individuais. 06. QUERÔ DELEGADO — Então desce ele. Vê o que arrancam desse sacana. SARARÁ — Só que tem um porém. Ele é menor. DELEGADO — Então vai com jeito. Depois a gente entrega pro juiz. (Luz apaga no delegado e acende no repórter, que se dirige ao público.) REPÓRTER — E o Querô foi espremido, empilhado, esmagado de corpo e alma num cubículo imundo, com outros meninos. Meninos todos espremidos, empilhados, esmagados de corpo e alma, alucinados pelos seus desesperos, cegados por muitas aflições. Muitos meninos, com seus desesperos e seus ódios, empilhados, espremidos, esmagados de corpo e alma no imundo cubículo do reformatório. E foi lá que o Querô cresceu. (MARCOS, P. Melhor teatro. São Paulo: Global, 2003 - fragmento). No discurso do repórter, a repetição causa um efeito de sentido de intensificação, construindo a ideia de a) opressão física e moral, que gera rancor nos meninos. b) repressão policial e social, que gera apatia nos meninos. c) polêmica judicial e midiática, que gera confusão entre os meninos. d) concepção educacional e carcerária, que gera comoção nos meninos. e) informação crítica e jornalística, que gera indignação entre os meninos. 07. O fragmento abaixo pertence ao gênero dramático. MICROFONE - Buzina de automóvel. Rumor de derrapagem violenta. Som de vidraças partidas. Silencio. Assistência. Silencio. VOZ DE ALAIDE (microfone) - Clessi... Clessi... (Luz em resistência no plano da alucinação. 3 mesas, 3 mulheres escandalosamente pintadas, com vestidos berrantes e compridos. Decotes. Duas delas dançam ao som de uma vitrola invisível, dando uma vaga sugestão lésbica. Alaíde, uma jovem senhora, vestida com sobriedade e bom gosto, aparece no centro da cena. Vestido cinzento e uma bolsa vermelha.) ALAIDE (nervosa) - Quero falar com Madame Clessi! Ela está? (Fala à 1ª mulher que, numa das três mesas, faz “paciência”. A mulher não responde.) ALAIDE (com angústia) - Madame Clessi está? - pode-me dizer? ALAIDE (com ar ingênuo) - Não responde! (com doçura) Não quer responder? (Silêncio da outra.)” (RODRIGUES, Nelson. Teatro completo I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 109.) Nesse gênero literário, o narrador é a) onisciente. b) inexistente. c) observador. d) personagem. e) distante. 08. Associe os gêneros literários às suas respectivas características. 1 – Gênero lírico 2 – Gênero épico 3 – Gênero dramático ( ) Exteriorização dos valores e sentimentos coletivos. ( ) Representação de fatos com presença física de atores. ( ) Manifestação de sentimentos pessoais predominando, assim, a função emotiva. A sequência correta, de cima para baixo, é a) 3 – 2 – 1. b) 2 – 3 – 1. c) 2 – 1 – 3. d) 1 – 3 – 2. e) 1 – 2 – 3. 09. Leia atentamente o trecho de Conto de verão nº 2: Bandeira Branca, de Luis Fernando Verissimo. Ele: tirolês. Ela: odalisca. Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval. Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia. Tentaram recomeçar o montinho, mas dessa vez as mães reagiram e os dois foram obrigados a dançar, pular e entrar no cordão, sob ameaça de levarem uns tapas. Passaram o tempo todo de mãos dadas. Só no terceiro Carnaval se falaram. – Como é teu nome? – Janice. E o teu? – Píndaro. – O quê?! – Píndaro. – Que nome! Ele de legionário romano, ela de índia americana. (VERISSIMO, Luis Fernando. Histórias brasileiras de verão. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.) A partir da interpretação do trecho acima, assinale a alternativa incorreta. a) O conto apresenta um narrador em terceira pessoa. b) Embora não descreva o ambiente de forma detalhada, o narrador apresenta algumas informações que permitem ao leitor identificar o espaço onde se passa a história narrada. c) O narrador deixa claro, desde o início, que há uma perfeita harmonia entre as duas personagens, uma vez que elas combinam em absolutamente todos os aspectos. d) A narrativa utiliza-se do discursodireto para apresentar os diálogos das personagens. e) O narrador indica claramente a passagem do tempo, que é apresentado em uma ordem cronológica direta. 10. (UERJ) Há alguns meses fui convidado a visitar o Museu da Ciência de La Coruña, na Galícia. Ao final da visita, o 1curador anunciou que tinha uma surpresa para mim e me conduziu ao 2planetário. Um planetário sempre é um lugar sugestivo, porque, quando se apagam as luzes, temos a impressão de estar num deserto sob um céu estrelado. Mas naquela noite algo especial me aguardava. De repente a sala ficou inteiramente às escuras, e ouvi um lindo acalanto de Manuel de Falla. Lentamente (embora um pouco mais depressa do que na realidade, já que a apresentação durou ao todo quinze minutos) o céu sobre minha cabeça se pôs a rodar. Era o céu que aparecera sobre minha cidade natal – Alessandria, na Itália – na noite de 5 para 6 de janeiro de 1932, quando nasci. 3Quase hiper- realisticamente vivenciei a primeira noite de minha vida. 38 GÊNEROS LITERÁRIOS: UM ESTUDO DOS GÊNEROS NARRATIVO E DRAMÁTICO PROMILITARES.COM.BR Vivenciei-a pela primeira vez, pois não tinha visto essa primeira noite. Provavelmente nem minha mãe a viu, exausta como estava depois de me dar à luz; mas talvez meu pai a tenha visto, ao sair para o terraço, um pouco agitado com o fato maravilhoso (pelo menos para ele) que testemunhara e ajudara a produzir. O planetário usava um artifício mecânico que se pode encontrar em muitos lugares. Outras pessoas talvez tenham passado por uma experiência semelhante. Mas vocês hão de me perdoar se durante aqueles quinze minutos tive a impressão de ser o único homem desde o início dos tempos que havia tido o privilégio de se encontrar com seu próprio começo. Eu estava tão feliz que tive a sensação – quase o desejo – de que podia, deveria morrer naquele exato momento e que qualquer outro momento teria sido inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a mais bela história que li em toda a minha vida. 4Talvez eu tivesse encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual as estrelas e eu éramos os protagonistas. Era ficção porque a história fora reinventada pelo curador; era História porque recontava o que acontecera no cosmos num momento do passado; era vida real porque eu era real e não uma personagem de romance. (Umberto Eco. Adaptado de Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.) 1curador − responsável pelo museu. 2planetário − local onde é possível reproduzir o movimento dos astros. Umberto Eco narra, no segundo parágrafo do texto, uma experiência surpreendente que vivenciou. Pode-se compreender essa experiência pela relação que se estabelece entre os seguintes elementos: a) tempo cronológico e reconstrução ficcional. b) avanço tecnológico e ilusão cinematográfica. c) registro documental e sonho cotidiano. d) narrativa biográfica e história universal. GABARITO EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 01. B 02. B 03. C 04. C 05. E 06. D 07. A 08. D 09. C 10. B EXERCÍCIOS DE TREINAMENTO 01. D 02. B 03. A 04. B 05. B 06. C 07. A 08. D 09. B 10. D EXERCÍCIOS DE COMBATE 01. B 02. A 03. E 04. E 05. E 06. A 07. B 08. B 09. C 10. A ANOTAÇÕES