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Pergunta 7 Leia o texto a seguir, de Rachel de Queiroz. Um primo e um livro Parece que cada dia as coisas vão ficando mais conhecidas, mais sem surpresa. O mundo anda cheio de prodígios e, contudo, o homem não quer mais prodígios: boceja de tédio ante todas as maravilhas e pede, como o outro, para ver algo nuevo. Pois felicitai-me, que num dia só tive duas surpresas felizes: descobri um livro e descobri um primo. Talvez alguém vá dizer que não há novidade em livros nem em primos. Mas é que tudo depende da qualidade. E, no caso em apreço, livro e primo são raridades preciosas, sendo ainda mais que é o primo o autor do livro. Vamos primeiro ao primo, o que dito assim vem a ser um pleonasmo, pois primo quer dizer primeiro. Mas vamos ao primo. Não é engraçada a ideia de se pensar que há espalhados, não só em terra nossa como em terra estrangeira pessoas desconhecidas, das quais nunca tivemos notícias, nem mesmo sabemos o nome, que têm nas veias o nosso sangue, e falando e andando usam vozes e gestos idênticos aos nossos, ou que têm o nosso nariz, o nosso ondeado de cabelo, ou a nossa idiossincrasia por pimenta de cheiro.... Não é estranho? Porque os parentes já identificados são entidades conhecidas e deixam de interessar. Mas o parente ignorado até faz um certo receio. Imagine se fosse eu à cidade de Juiz de Fora ― que não conheço senão de nome e fama ― e visse passeando pela rua um senhor jamais visto antes, mas no qual sentiria qualquer coisa familiar. O andar, um cacoete, uma feição. Mas que poderia eu ter de familiar com um passeante da rua Halfeld, onde jamais pusera meus pés? Seria um desses mistérios do espiritismo e ali estaria encontrando um amigo de passadas encarnações! E quando eu já estivesse sentindo um pouco de medo, porque a verdade é que não gosto de mistérios, alguém me diria o nome do senhor em questão ― e diante do nome eu identificava o primo. Ora veja! Ali, em plenas Alterosas, trazido por ignorada emigração, estava o neto de um avô ou bisavô comum, traço de união da terra que eu nunca vira com as margens da lagoa de Mecejana, onde costumavam nascer os Alencar. Sim, o primo chama-se Alencar, Gilberto de Alencar. Não sabiam que também tenho direito de usar Alencar no sobrenome? Não o uso porque sou mesmo uma modesta violeta. Mas posso. E tanto eu como o meu primo Gilberto somos parentes muito próximos do Guarani, de Iracema e de Lucíola. Nossa vovó Miliquinha, que eu ainda conheci, escutou, na roda de primas, a leitura do Guarani, feita pelo romancista em pessoa, à medida que ia terminando os capítulos. Diz que no primeiro original Ceci e Peri morriam no incêndio da casa de fazenda. Mas as primas choraram tanto, fizeram tal alarido com pena dos namorados que o primo José teve que arranjar um happy end; por isso inventou a enchente, a palmeira, o feito hercúleo do índio. Depois os entendidos ficaram dizendo que o autor deliberadamente dera ao par um destino alegórico, baseado na lenda de Tamandaré. Pode ser; mas nesse caso a alegoria foi empregada apenas para consolar o choro das primas. Falemos agora do livro do meu novo primo: chama-se Memórias sem malícia de Gudesteu Rodavalho. Não sei se por causa do parentesco ― mas creio que não ― o fato é que essas memórias souberam-me maravilhosamente. Falei que são memórias porque assim as chama o autor; mas a intenção de quem as fez foi de romance e não sei se a realizou; pois saíram umas memórias tão aparentemente genuínas que a gente tomaria o livro por nada mais que autobiográfico. E quanta coisa deliciosa que elas contam! Lembraram-me outro livro, lido há algum tempo com enorme prazer: “Minha vida de menina”, de Helena Morley. O cenário é quase o mesmo: as pequenas cidades do estado de Minas. A época é também mais ou menos idêntica ― a penúltima e a última décadas do século passado. E o colorido de autenticidade o mesmo, a mesma despretensão de narrativa, o mesmo desdém pelos grandes efeitos cênicos. A linguagem é que varia porque a da moça Helena é mais desataviada e corredia, enquanto a do primo Gilberto tem fatura artística excelente e está dentro da melhor tradição machadiana. Disponível em . Acesso em 11 jul. 2025 (com adaptações). Com base na leitura do texto, conclui-se que a. a autora está abalada por ter descoberto que um de seus primos publicou um livro baseado em histórias familiares sem ter pedido consentimento a ela para publicá-lo. b. há uma exaltação à família e aos parentes, especialmente àqueles já conhecidos, com quem ela teve bastante convivência e a quem atribui como qualidade principal o fato de serem pessoas interessantes e importantes em sua vida. c. a autora reflete sobre o estilo de vida de um de seus primos, que ela considera obsoleto por estar alinhado a valores do passado. d. a partir de recordações de caráter afetivo, a autora reflete acerca das relações familiares, especialmente as de primos e de parentes desconhecidos, e das casualidades da vida. e. a autora exalta o romance como o melhor gênero literário, bom a ponto de nem precisar, necessariamente, da presença de acontecimentos na estrutura narrativa.
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Marta Bernardes

há 3 semanas

Respostas

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há 3 semanas

Vamos analisar as alternativas uma a uma, com base no texto de Rachel de Queiroz. a) A autora está abalada por ter descoberto que um de seus primos publicou um livro baseado em histórias familiares sem ter pedido consentimento a ela para publicá-lo. - Essa alternativa não é correta, pois a autora expressa alegria e surpresa com a descoberta do primo e do livro, não abalo. b) Há uma exaltação à família e aos parentes, especialmente àqueles já conhecidos, com quem ela teve bastante convivência e a quem atribui como qualidade principal o fato de serem pessoas interessantes e importantes em sua vida. - Embora a autora mencione a importância da família, o foco do texto está mais na descoberta de parentes desconhecidos e na reflexão sobre isso, não apenas nos conhecidos. c) A autora reflete sobre o estilo de vida de um de seus primos, que ela considera obsoleto por estar alinhado a valores do passado. - Essa alternativa não se sustenta, pois não há uma crítica ao estilo de vida do primo, mas sim uma apreciação do livro e da relação familiar. d) A partir de recordações de caráter afetivo, a autora reflete acerca das relações familiares, especialmente as de primos e de parentes desconhecidos, e das casualidades da vida. - Esta alternativa é a mais adequada, pois o texto realmente reflete sobre as relações familiares, a descoberta de um primo e a conexão afetiva que isso traz. e) A autora exalta o romance como o melhor gênero literário, bom a ponto de nem precisar, necessariamente, da presença de acontecimentos na estrutura narrativa. - Embora a autora mencione o livro e faça comparações, o foco não é uma exaltação do romance em si, mas sim a relação com o primo e a descoberta. Portanto, a alternativa correta é: d) a partir de recordações de caráter afetivo, a autora reflete acerca das relações familiares, especialmente as de primos e de parentes desconhecidos, e das casualidades da vida.

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