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Libras - Língua Brasileira de Sinais Surdos na Antiguidade e no período da Idade Média Vamos enfatizar o processo histórico dos surdos tanto na Antiguidade quanto na Idade Média de modo a trazermos informações que servirão como referência para a interpretação sobre como esses sujeitos eram conceituados pela sociedade de cada período abordado. Desta forma, compreenderemos como, por meio das mentalidades culturais, religiosas e filosóficas, se processavam as concepções de surdos diante da conjuntura social em que estavam inseridos. Na Grécia Clássica, a educação se dividia em modelos opostos: aquela exercida no seio da família, na qual ocorre a primeira infância, perpassando pela educação heroica destinada aos adolescentes aristocráticos, do exercício da força, da astúcia e da inteligência. A educação comunitária era o lugar de representação das contradições que fustigavam costumes e ridicularizavam comportamentos por meio dos corpos, chegando ao ideal de formação humana: a Paideia. Vamos perceber que, embora houvesse discussões quanto à formação dos surdos no que diz respeito ao processo de comunicabilidade, esses indivíduos eram vistos como sem valor cultural e linguístico. Já no período da Idade Média, a forte presença da Igreja Católica enquanto instituição constituída vai empreender substancial influência e interferir, de forma contundente, na sociedade medieval, como um todo. De certa forma, isso repercute diretamente na formação dos surdos. Levando-se em conta, em perspectiva, a mentalidade medieval, vamos perceber como ela também foi influenciada pelo segmento religioso do catolicismo, pelas concepções escolásticas e, mais adiante, pelas artes com a criação de escolas e disseminação do pensamento cristão e filosófico das concepções aristotélicas, do conhecimento e da harmonia estabelecida entre fé e razão, resgatados por Santo Agostino e Tomás de Aquino. Ao consideramos isso, vamos entender ser indiscutível o fato de que os surdos foram sujeitados a todo tipo de julgamento. Diante do exposto, perceberemos que esse resultado também é verificado pela exposição de motivos que nortearam a literatura sobre a qual a demanda social a educação estava direcionada e a qual público objetivava atender. Nesse sentido, podemos afirmar que os surdos foram alienados do processo educativo, seja pela negligência ostensiva com que eram tratados, seja pela alienação cultural à qual eram submetidos. Portanto, vistos como uma nódoa social, sua desumanidade relacional, pela ausência de uma moradia ordenada, tanto em sua vida interior quanto ao seu lugar no universo real, não parecia sensibilizar a honra e a plenipotência estrutural à qual estavam submetidos. É como se os surdos tivessem perdido “a bênção completa”, uma vez que, segundo mentalidade de época, poderiam ser portadores de forças maléficas que indicavam algum poder de oposição à vida terrena que lhe nega locomoção e afetação, enquanto criatura divergente da forma social pré-estabelecida, seja na forma de se mover seja na forma de funcionar. Isso traçou um limite claramente visível em seu processo educacional com reflexos negativos que se arrastaram por séculos. Esses eventos contribuem para entendermos como se desenrolou em convergência e divergência todo o processo educacional/educativo dos surdos até chegar aos dias atuais. Surdos no contexto moderno e contemporâneo Buscamos apresentar, aqui, de modo interpretativo, os contextos moderno e contemporâneo como marcos na trajetória educacional dos surdos diante dos ajustes advindos da civilização renascentista, que alteraram o comportamento social e cultural com reflexos significativos nos séculos seguintes. A afirmação de novas exigências geradas com o período moderno não expandiu apenas a própria humanidade do homem, mas o fez adquirir consciência de poder ser o agente transformador de sua própria história. Diante dos novos aspectos multiformes (social, cultural, político, econômico) se evidencia a diferença com o passado e faz brotar uma nova concepção de virtude, uma nova formatação de valores entre as quais está a problemática educativa para dar forma e concretude ao novo ideal de homem. Nesse sentido, nenhuma virtualidade humana pode permanecer na sombra. Desta forma, a multiplicação das relações e conquistas humanas e as novas exigências didáticas, em circulação, torna possível descoberta da infância e faz surgir um novo educador. Assim, o domínio racional do Estado moderno determina uma educação articulada multiforme e organizada em diversos agentes (família, escolas, associações, imprensa), com reflexos, também na educação religiosa. Os reflexos das técnicas educativas desse período virão com mais forças, no século seguinte, com escolas que assumem um papel social cada vez mais determinante, instrutivo, planificado. Nesse sentido, o saber pedagógico se apresenta também como um saber político em todas as suas ações, com influência poderosa na vida contínua e nas tomadas de decisões dos envolvidos no processo educativo, como é o caso dos educadores de surdos. Cada qual, com a sua forma e método/metodologia de ensino, busca desenvolver estratégias para melhor corresponder à formação de ensino-aprendizagem dos surdos. Inquestionavelmente, vamos perceber que todo esse processo se origina, fundamentalmente, a partir de um novo olhar sobre os surdos, no sentido de se compreender a importância da efetivação de outro corolário educativo/cultural para atender às novas demandas sociais desses sujeitos e, assim, determinar as novas formas de ensino e aprendizagem adequados à sua comunicabilidade. O que era totalmente improvável em períodos anteriores se torna realidade, no período contemporâneo, com os personagens surdos ganhando espaços e destaques no ensino e na aprendizagem de outros surdos. A partir dessa assertiva, trazemos a conhecimento alguns personagens surdos que se destacaram por suas brilhantes atuações em prol de outros surdos e que, hoje, são aclamados como referências positivas para as comunidades surdas mundo afora. Figura 1 | Francês Jean Ferdinand Berthier (1803-1886). Fonte: Wikipedia. O primeiro deles é o francês Jean Ferdinand Berthier (1803-1886), um erudito professor surdo, acima de tudo, um ativista que proporcionou um legado de grande contribuição para os nossos dias. Figura 2 | A americana Anne Sullivan Macy (1866-1936) ensinando Helen Keller. Fonte: Wikipedia. Temos também a americana Anne Sullivan Macy (1866-1936), uma professora surda-cega que tem em seu currículo, além de outras contribuições, o fato de ter ensinado Helen Keller, uma aluna surda-cega, por meio da Língua de Sinais e por intermédio do tato. Figura 3 | Americana Helen Adams Keller (1880-1968). Fonte: Wikipedia. Destacamos a importância de Helen Adams Keller (1880-1968) porque, além de escritora, foi uma ativista social norte-americana que, após enfrentar inúmeras barreiras, se tornou a primeira pessoa surda-cega da história a conquistar um bacharelado. A invisibilidade desses personagens surdos, tanto pela história quanto pela historiografia tradicional, faz com que prestemos menos atenção em suas qualidades e características pessoais e foquemos nas colocações negativas emitidas pelos arautos da negação. Interpretamos esse processo educativo destacando que novos atores surdos vão ganhando legitimidade por meio de sua trajetória educativa na medida de seu esforço e conquista de sua formação. Surdos na educação brasileira Buscaremos compreender como se processou a formação educacional de Surdos, no Brasil, a partir do surgimento do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), considerado como sendo a “primeira escola de surdos”, 1855/1857. Figura 4 | Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Fonte: MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira, 2022. Desta forma, vamos delinear as disciplinas e estratégias pedagógicas implantadas em conformidade com o modelo de ensino pretendido pelo professor surdo Ernest Huet, um francês que, a convite de Dom Pedro II, veio aoBrasil trazer uma nova concepção linguística a ser aplicada aos estudantes surdos brasileiros. Destacamos a importância social desse processo que se fez aflorar os objetivos ideológicos que nortearam a transmissão de conhecimento, de comportamento, de estilo de vida, social e individual em processo de aculturação linguística como um novo lançar de luzes sobre a aprendizagem. Aprendizagem essa promovida na diversidade do sinalário como processo para o desenvolvimento da dialogicidade entre os estudantes surdos. Como os modelos alternativos no processo educativo, para romper com práticas escolares tradicionais, descolonizou e imprimiu novos valores sociais mais abertos e capazes de dar vida aos surdos e emancipá-los sob o viés do valor da diferença. Isso implica compreender um requalificar da presentificação do estudante surdo e dar-lhe um sentido bem diferente daquela que ele tinha na sociedade ouvintista e oralista (de invisibilidade, de segregação e de inferioridade cognitiva). Assim, a fase contemporânea apresenta-se como oportunidade de inovações e potencialidade, um processo de transformação e de transição que conclama a um conhecimento desafiador para o enfrentamento dos obstáculos que se encontram subliminarmente escondidos nas fronteiras do que se entende por “propósito central da educação no processo da instrução objetivando o desenvolvimento de personalidades humanas” (BOWEN, 1983). Para não nos restringirmos somente ao INES como única referência de ensino aos surdos, no que pese o valor como patrimônio histórico e escolar negável dessa instituição educativa, destacamos que, no século XX, novas instituições educativas vão ganhando forças. Dessa forma, Cunha Júnior (2015) salienta que, em processo histórico para aplicação da realidade, há a preocupação, por parte das comunidades surdas, de melhorar a prática de ensino escolar e, sobretudo, toda a estrutura pedagógica e institucional para contemplar a língua de sinais nas disciplinas e a compreensão da existência de uma cultura. Consideramos a importância de se trazer novo olhar sobre o significado de escola, de educação e de instrução entrelaçado com o cultural, político, o social, o econômico em processo de rearticulação e de fortalecimento da vida coletiva dos educandos surdos, diante do contexto estrutural e dos embates cultural e linguístico que nortearam as políticas educacionais para os surdos no Brasil. Processo histórico e social no contexto da mentalidade clínico-patológico A sociedade tende a ver o surdo como um problema que precisa ser mudado ou ter uma manutenção de si próprio para fazer parte da norma, como se fosse um ser limitado ao que metaforicamente poderia se considerar como uma orelha ambulante em concepção audiológica. É um tipo de perspectiva humana introjetada na cultura social, segundo a qual o surdo deveria ouvir para ser “igual”. Assim, faz parte do contexto educativo, infelizmente, esse olhar sobre o estudante surdo advindo de cima para baixo, como se quem maneja melhor o processo auditivo estivesse em melhores condições em relação àquele que não ouve. Citando Resende (2010), autora surda que denuncia a “captura de bebês surdos por meio do teste da orelhinha”, Bagarollo e França (2015) destacam a controvérsia da chamada “saúde auditiva”, que “para determinados grupos passa a ser vista como extermínio dos surdos”. É por isso que, segundo as autoras, “alguns membros da comunidade surda contrapõem-se à indicação do implante coclear, ressaltando que o surdo não precisa ser curado, já que ele é normal, como os ouvintes” (BAGAROLLO; FRANÇA, 2015, p. 126). Não há que se culpar o fonoaudiólogo e/ou os surdos, mas o certo é que precisamos buscar auferir mais respeito a essa categoria para se pensar em condições iguais e, assim, fazer com que essas questões possam ser quebradas, esclarecidas, para que haja sentido-significado não apenas em questão de inclusão escolar, mas de aceitação social, empatia e autonomia. Consideramos que isso é muito importante. A pergunta é: por que não estabelecer, então, uma relação de socialização e humanismo? A quem interessa essa questão da normalização pretendida pela abordagem médica clínico-patológica que intenta normalizar o indivíduo surdo? Assim, com uma abordagem cultural, buscamos aprofundar questões que vão além do aspecto do risco social de aceitação no sentido de que seja empreendida a valorização das relações e de entendimento humano. Nesse sentido, não é só uma questão de empatia, mas de compreensão e respeito com o outro e com as pessoas que precisam estar juntas e em conjunto para partilharem o mesmo ambiente e espaço de conhecimento e saberes. A escola precisa observar que esse estudante surdo traz e faz uma compreensão de acordo com a sua realidade de mundo e que é preciso interpretar os sintomas das posições distintas que envolvem analisar os fatores linguísticos: oral e surdo, sem oficializar os “sintomas das perdas” nesse processo de aquisição entre línguas para uma melhor ampliar o repertório tanto em Libras quanto em português para a comunicabilidade. Diante do exposto, notamos que as diferenciações de vivências e olhares sobre a realidade surda buscam seguir uma perspectiva cultural educativa de modo a quebrar os estigmas desses indivíduos/sujeitos surdos, porém, pautando o campo linguístico, uma vertente extremamente necessária dentro desse processo histórico e social. Produções de estigma, preconceito e bullying Para interpretar a sociedade sob a ótica do indivíduo e sujeito surdo, torna-se oportuno identificar quais foram os problemas advindos dos alicerces da criação de estigma, preconceitos e bullying, seja em decorrência do conservadorismo histórico, seja daqueles fomentados nos laboratórios onde foram gestados conceitos como da eugenia social e cultural em prol da normalização. Conceitos esses que culminaram na ideia de uma limpeza social que deveria seguir padrão estipulado da perfeição humana. Como resultado disso, orientou-se a colonização da mentalidade e da cultura do outro. Nisso, levando-se em conta a realidade experenciada pelos estudantes surdos brasileiros, encontramos comparação quando abordamos estudantes surdos e ouvintes inseridos no conflito existencial e de presentificação em que se “cria apenas uma única concepção humana” viável. Diante disso, é preciso remodelar essa postura para debelar a manutenção de mentalidade de resumir o indivíduo e sujeito surdo apenas em negação, pela experiência auditiva (de escutar ou não escutar). Entendê-lo como um ser humano introjetado na cultura de relações sociais, cônscio e participativo no tocante às questões do entorno, faz com que o estigma, o preconceito e o bullying sejam substituídos por uma consciência expandida de melhor relação e interação do espaço educativo em formação como ponto necessário para maior discussão e reflexão. Nesse sentido, a escola precisa observar como é o processo de compreensão de acordo com a sua realidade de mundo: se conhece a Libras ou se não sabe língua de sinais, se tem domínio da escrita e interpretação de conteúdo, etc. Enfatizamos que o educador não pode, por essência, criar e/ou permitir estigmas, preconceitos e bullying, mas ter a percepção sobre as diferentes necessidades dos estudantes surdos para uma melhor compreensão de quem se trata, a quem se pergunta ou com quem se interage! Entender que nem sempre dispomos de suportes tecnológicos e recursos de conteúdos necessários, caso do uso de legendas ou janelas de intérpretes, e que a carência dessas ferramentas compromete a formação do estudante surdo. Daí o porquê, ao chegar em sala de aula, de esse estudante ser estigmatizado, sofrer preconceito, bullying, etc., pelos colegas. O preconceito é um julgamento contra uma pessoa antes mesmo de se conhecê-la. Essa questão nos permite refletir sobre a necessidade de o professor conhecer com profundidade a história de vida, de cultura e o que esse estudante surdo tem feito nessa conexão do processo educacional com a realidade social experimentada.Deve-se evitar reproduzir os estigmas, preconceitos e o bullyings historicamente constituídos. Somos todos diferentes, mas, se nos colocarmos para além do processo de empatia, no lugar do outro, o contexto em que se está inserido, se amplia: seja no ambiente familiar, social e cultural. Assim, o papel do professor, por meio do repertório linguístico desses estudantes surdos, pode fazer com que as informações em ensino-aprendizagem cheguem aos indivíduos e sujeitos surdos. Abordagem cultural e linguística O intuito aqui está em aplicar em prática educativa a abordagem cultural e linguística entendendo que ambas se relacionam, pois não podemos considerar a cultura e a língua de forma isolada, mas, sim, no entrelaçamento da realidade em conjunto educativo de formação. É importante considerar que a Libras apresenta sua importância do mesmo modo que o português apresenta suas qualidades. Não podemos menosprezar ou considerar de menor importância a língua de sinais, mas resolver o dilema que envolve o uso do português, não como um domínio linguístico, mas de modo a socializar a Libras, um artefato cultural dos surdos, para a formação do estudante surdo. Pensar nesse compartilhamento de línguas significa considerar a cultura em que vivemos e convivemos, de acordo com as diversidades de línguas e de etnias que vão se amalgamando durante seus estágios de convivência social. Embora as comunidades surdas sejam consideradas como minoria linguística, ainda assim os indivíduos e sujeitos dessas comunidades, não obstante, fazem parte de um país plural. Portanto, há que se considerar a resistência e a luta para que o reconhecimento linguístico alcance, de fato, as comunidades surdas e que as minorias deixem de ser chamadas de minorias, mas que sejam compreendidas, em justaposição, entre as relações compartilhadas. Destarte, que os surdos não sejam vistos como estrangeiros em seu próprio país. Que tenham acessos aos bens culturais em construção coletiva nos aspectos: cognitivas e éticas. Embora a Lei de Libras (10.436/2002) tenha se ampliado e ganhado proporção, ainda há muito por fazer e conquistar. As comunidades surdas estão ancoradas nos seus direitos, no uso da língua de sinais que lhes garantiu acesso à educação, nos movimentos culturais, bem como: teatro, cinema, produções artísticas, poética, as produções acadêmicas, nos movimentos sociais para garantir meios legais, etc. Compreendemos que a língua constitui a cultura, a qual só adquire valor e sentido em seu contexto concreto e social, bem como na escola, uma vez que ainda há falta de informações necessária para uma consciência mais ampla. Por isso, é preciso desarticular esse saber acadêmico que intenta considerar a cultura surda como subcultura, porque, no dizer da autora Sá (2006, pg. 109): “as pessoas pertencentes às consideradas subculturas geralmente são silenciadas pelo saber acadêmico, a autonomia surda, seja pelo saber acadêmico”. Daí, segundo a autora, o “surdo, na sua expressão cultural, não está se calando, está sendo calado” (SÁ, 2006, p. 110). Portanto, considerar uma abordagem cultural linguística compreende a democratização das relações de poder nas sociedades de modo geral. Disso decorre a necessidade de se chamar os surdos a manifestarem suas opiniões sobre as políticas educativas mais adequadas a atender sua necessidade cultural-linguística. Dentro da determinação pela busca da plena participação e das atuações de surdos, resgatamos o lema “nada sobre nós sem nós”. Há que se levar em conta que não é qualquer processo educacional que interessa, mas aquele que tenha a marca surda em sua elaboração e aplicação prática. Traços legislativos no Brasil Com o intuito de compreender conceitualmente os termos legais é que a formulação de políticas públicas e práticas pedagógicas direcionadas à educação precisam ser repensadas, destoando da política da educação especial e da inclusão, com a pauta em perspectiva bilíngue de surdos de modo que a primeira língua seja a língua de sinais e a segunda o português na modalidade escrita. Dessa forma, as políticas linguísticas reconhecem a Libras como língua nacional por meio da Lei 10.436 de 2002, possibilitada pela abertura do decreto nº 5.626 de 2005, que regulamenta a lei e assim, programa uma série de ações aos surdos para que apresentem diferentes representações linguísticas, culturais e sociais no âmbito educacional. Tais diferenças são consideradas na proposição para a legitimidade da educação de surdos. Porém, os traços legais para surdos no Brasil nem sempre estão em consonância com as demandas das políticas públicas, as quais envolvem os surdos, as comunidades surdas em planejamento linguístico favorável à valorização da Libras e ao reconhecimento de fato de seu status linguístico. Não podemos negar os atores nos trâmites burocráticos e político-partidários no movimento educacional de surdos, haja vista que o movimento social surdo, por meio da luta, tem se consolidado no âmbito legal para oferecer a Libras em todos os cursos de licenciaturas, cursos de fonoaudiologia, bem como na criação dos cursos de Letras-Libras para formar professores de Libras e de pedagogia bilíngue, Libras e língua portuguesa, para atuarem na educação infantil bilíngue de surdos e nos anos iniciais da educação básica, e de língua portuguesa para surdos como L2. A educação dos surdos historicamente foi inserida no contexto das políticas de diretrizes da educação especial, excluindo a possibilidade de ensino que pudesse de fato favorecer uma proposta que contemplasse e legitimasse a cultura surda em seu aspecto de formação-conteúdo. Nesse sentido, os estudantes surdos em escola de inclusão, quando não há infraestrutura que os favoreça de fato, têm formação que deixa a desejar. Dessa forma, não são os surdos que deverão se adaptar à sociedade, mas a sociedade – nesse contexto, as escolas – que deverão se adaptar à diversidade presente em socialização de saberes e de comunicabilidade para garantir-lhes o direito à individualidade em meio à coletividade e para que haja nova consciência em benefício da causa educacional surda, seja por meio da formação de professores, dos materiais didáticos, do acesso linguístico, da infraestrutura institucional, da valorização linguística, etc. São temáticas que fazem parte das reinvindicações e da pauta do movimento surdo. Políticas educacionais para surdos Interpretar a realidade educativa de surdos, no Brasil, está em compreender as ações pedagógicas em perspectiva bilíngue (Libras/língua portuguesa). Nas políticas educacionais para surdos, percebemos que muitos espaços educativos necessitam da valorização da formação de professores aos estudantes surdos. Para possibilitar o ensino adequado que promova o aprendizado nas políticas públicas, se faz necessária a construção da política educacional voltada aos aspectos da educação viabilizando as adequações curriculares e de ações pedagógicas e estruturais. Assim, em itinerário legal, o decreto no 5.626/2005: · Defende as escolas bilíngues para a educação dos surdos, ciente da singularidade linguística desse público. · Enfatiza que deve ser oferecido um ensino com a Libras como L1 e língua portuguesa como L2. · Propõe a oferta de formação de professores, de intérpretes e de surdos no ensino superior com o curso de Letras/Libras (licenciatura e bacharelado). · Pedagogia bilíngue e língua portuguesa como L2. A Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021, dispõe sobre a educação bilíngue de surdos, modalidade de educação escolar oferecida em Libras, como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, para educandos com deficiências auditivas. · Determina à União a prestação de apoio técnico e financeiro aos sistemas de ensino para o provimento da educação bilíngue. · Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação. Ou seja, busca respeitar a diversidade humana em seu aspecto linguístico, cultural e identitário. Assim, a criança surda terá oportunidadepara a aprendizagem do conhecimento do zero ano, na educação infantil, que se estenderá conforme as demandas e o processo educativo. Para compreender essa realidade, buscou-se confrontar com os discursos tradicionalistas que entram em contradição com a formação educativa de surdos no sentido de que há necessidade de se repensar as políticas públicas para a educação desse público, buscando ressignificar o espaço educacional das crianças aos adultos surdos, ou seja, assegurando-lhes o direito à educação que reconheça as diferenças linguísticas, pedagógicas e culturais. Cunha Junior (2015) enfatiza que, ao se tratar de políticas educacionais, é preciso antes de tudo, destacarmos as vertentes dentro do sistema educacional: de um lado está o estudante surdo dividindo a mesma sala de aula com aluno ouvinte; há outra situação em que, apesar de dividirem o mesmo espaço físico da escola, ambos estudam em salas diferentes (sala só para surdos e sala só para ouvintes); a outra modalidade é a divisão por instituição escolar. Há ainda lacunas entre o “discurso” e a prática que destoam completamente da realidade em questão. A conjuntura que ora se apresenta, em que se promete e se propaga o slogan de “educação para todos”, uma “educação de qualidade”, de fato traz contradições externas e internas, precisamente na compreensão das políticas em educação direcionadas a este segmento da sociedade e que trazem à pauta o debate que vai envolver novos agentes no cenário interno do país que buscam suprir a lacuna deixada pelo Estado, são as chamadas associações e entidades educativas em prol das comunidades surdas, que estão preocupado em fazer a manutenção política, social e educacional. Políticas linguísticas para surdos A educação de surdos só é possível de ser vislumbrada se consideradas suas peculiaridades linguísticas e culturais na organização/elaboração das ações pedagógicas e estruturais do currículo escolar, de maneira que contemple seu uso linguístico e traços culturais, utilizando-se de estratégias visuais e gestuais de apreensão e de expressão de mundo. Desse modo, é relevante a promoção de uma política linguística na construção da política pública a fim de restabelecer um ensino aos estudantes surdos com currículos reformulados, atentando à sua particularidade linguística/cultural. Ademais, que vise à promoção da sua identidade linguística e que defina a participação das duas línguas em todo o processo de escolarização, de modo a conferir legitimidade e prestígio da Libras como língua curricular e constituidora da pessoa surda. Em documentos nacionais em políticas linguísticas, vemos que o Decreto nº5.626 de 2005 trata da formação de professores no ensino de Libras. Assim, por meio desse decreto, o professor pode lecionar em ensino fundamental e médio, porém, deve ter um curso de licenciatura de Letras, com habilitação em Libras ou Libras/língua portuguesa como L2. Para a educação infantil, além da Libras, a formação em pedagogia torna-se oportuna com a língua portuguesa sendo a L2 para a contemplação da formação e do ensino bilíngue. Trata-se de uma conquista histórica dos surdos, principalmente por prevalecer essa política linguística no âmbito educacional. Em 2013, houve as Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC/SECADI, relatório sobre a política linguística de educação bilíngue – língua brasileira de sinais e língua portuguesa, que defende o direito de os surdos e as comunidades linguísticas decidir qual deve ser o grau de presença da sua língua, como língua veicular e como objeto de estudo, em todos os níveis de ensino no interior do seu território. Em 2014, o Plano Nacional de Educação garantiu a educação bilíngue Libras/língua portuguesa por meio da oferta de educação bilíngue em Libras como L1, e, na modalidade escrita, a língua portuguesa como L2, aos estudantes surdos e com deficiência auditiva de 0 a 17 anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626/2005, e dos art. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do sistema braile de leitura para cegos e surdos-cegos. Nesse sentido, Terezinha Maher (2013) afirma que, para a maioria dos brasileiros, o país infelizmente “é pensado como monolíngue, mas que na verdade as demais línguas sobrevivem na condição de línguas de herança”. Para Quadros (2004, p. 1), a língua de herança “é, normalmente, a língua da família, em um contexto no qual outra língua é falada nos demais espaços sociais, tais como a escola e a mídia”. Em se tratando no caso de famílias de surdos, a grande maioria dos usuários dessa língua não herdam no contexto familiar e é justamente nesse contexto que precisamos relacionar e aplicar com às políticas linguísticas no país, ou seja, expandir para outras esferas além do núcleo familiar e pensando no espaço educativo, social e cultural. O que é cultura surda? Conceituar cultura surda é importante para trazer à tona estudos sobre os grupos culturais, precisamente dos surdos, que estão em resistência ao processo de dominação da cultura tradicional conservadora. Buscamos apresentar subsídios a uma proposta educacional que se interesse e se baseie em preceitos constitucionais para atendimento a um direito ao qual devem ser acolhidos todos os grupos culturais, estabelecidos em mesmo espaço de convivência. Segundo Lacerda, (2009, p. 15), o acesso ao conhecimento que não leve em conta a realidade cultural dos surdos não garante desenvolvimento em condição sociolinguística e isso pode acarretar um desajuste socioeducacional. Para o desenvolvimento linguístico e autonomia do indivíduo surdo, consideramos ser oportuno levar em conta os saberes necessários que pretendem respeitar a língua de sinais como primeira língua e ensinar a língua portuguesa na modalidade escrita considerando a realidade (familiar, escolar e entorno do grupo social, etc.) e o espaço de tempo, pois cada estudante carrega uma reserva psicossocial, cultural e linguística que incidirá em discussões e reflexões para a construção de sua subjetividade. Segundo Cunha Júnior (2022), é justamente pela necessidade de se compreender a realidade que precisamos diagnosticar o tempo todo. Assim, no âmbito educativo a identidade e aprendizagem de línguas (ou aprendizagem por meio da língua) vai tornando-se oportuna por meio de comunicação e compreensão. (CUNHA JÚNIOR, 2022, p. 340) Retomando Castro (2007, p.147), Cunha Júnior (2022) reafirma que “considerar uma língua padrão é instrumentalizar a exclusão, em nome de uma tão defendida identidade”. Considera-se não existir uma definição única de identidade, uma vez que ela depende do ambiente e do tempo histórico com que cada sujeito surdo está, dialeticamente, envolvido, incluindo a maneira como carregamos a percepção do outro sobre nós e nossa realidade. Podemos dizer que existem identidades surdas, que estão em evidência, mas que se mantêm, subliminarmente, escondidas sob as amarras de um sistema excludente que as invisibiliza para o mundo das ideias, das práticas, das reflexões, das afirmações. A cultura surda não nasce pronta, mas vai se constituindo por meio das relações sociais em envolvimento familiar, social, teatro, cinema, produções artísticas, literárias, esportivas, associações, política e, sobretudo, linguístico na produção em espaço educativo e acadêmico. Por essas razões, é fundamental o acolhimento e a participação de todos de modo que os saberes culturais sejam socializados. Então, ao nos aproximarmos da realidade surda pela vivência e pelo estudo, conjuntamente vamos descobrir elementos culturais caracterizados pelas formas interativas dos surdos com a sociedade. A cultura abre espaço para novas reflexões e construções sociais e linguísticas das experiências e convivências de modo entrelaçado e respeitoso, entre as entidades envolvidas em suas diferenças e diversidades como reflexo de traços culturais ou étnicos em momento de transformação histórica. Diferentes identidades surdas Há importância debuscar sentido diante daquilo que é induzido pelo social como informação para aprofundamento da objetividade-subjetividade da existência do ser social surdo, diante do processo cultural em evidência. Ele pode ser compreendido por meio dos comportamentos, tradições e conhecimentos de um determinado grupo social, incluindo a língua e os demais artefatos culturais, em seus diversos aspectos simbólicos naturais e/ou artificiais. Traremos aqui informações que tratam das diferentes identidades surdas para compreensão de que os surdos não fazem parte de um mesmo grupo de identidade, pois, embora tragam em seu gene uma formação simbiótica, devemos considerar que essa formação é variável na medida em que sua configuração está moldada pela diversidade de identidades que a compõem (surdos-cegos, surdos negros, surdos cadeirantes, surdos autistas, deficientes auditivos, etc.). Assim, Claudio, Guarinello e Schelp (2016 p. 40-41), que não acreditam em uma identidade surda ou cultura surda, apresentam a afirmação da autora surda Gládis Perlim (2006) de que a identidade surda é concedida ao surdo que tem envolvimento com a política surda, que tem comportamento, cultura e língua determinados pela experiência visual, que usam a língua de sinais, que têm consciência de que são surdos e aceitam isso, que têm dificuldade de compreender a língua falada, mas os que não se encaixam nesse perfil são outros surdos que vivem como ouvinte e, por isso, estão sujeitos a uma identidade incompleta ou intermediária. Entendemos, também, que a identidade é ininterruptamente concebida por meio da convivência social e, daí, advém sua heterogeneidade e diversidade, no que pese as características em comum, dificuldades e semelhanças. Partindo do pressuposto de que “somos vidas pulsantes em trajetória histórica de mudanças, reflexões e percepções de mundo cultural-linguístico”, Cunha Júnior (2022, p. 138-140), afirma que “a identidade não pode ser compreendida de forma introspectiva, subjetivista, mas por meio de diversas apropriações do entorno”. Assim também, no que diz respeito às “relações em convivência, o processo nos contextos em que está inserido”. Consequentemente, ser surdo para Cunha Júnior (2022) “é estar em processo dialético em identidades, seja do particular para o geral e/ou vice-versa, se constituindo em resistência diante do estigma”. Da mesma maneira, isso ocorre “diante da realidade educativa e linguística que enfrentamos no embate cultural-linguístico que compartilhamos”. Nesse prisma, há o entendimento de que, quando o indivíduo/sujeito surdo adentra o ambiente escolar, a despeito das barreiras que envolvem o processo linguístico, ele vai reinterpretando essa realidade e vai também, remodelando a cultura acumulada, modificando-a e incorporando-a a novos elementos em sua evolução linguística por meio das experiências socializadas, comportamentos, gestuais e dos sinalários em processo de ensino-aprendizagem, enquanto artefatos culturais, em articulação social-cognitiva. Isso implica, de modo consciente, (re)significar as dimensões social, cultural e política, em junção àquelas que compõem a realidade do entorno, em conectividade com as concepções linguísticas adquiridas e afirmadas, nesse processo cultural-linguístico. Artefatos culturais no âmbito educativo e linguístico Aplicar, na prática, as estratégias didáticas de ensino é explorar o campo visual, a produção linguística, a valorização artística, o teatro, a literatura, etc., produções culturais pelos próprios surdos em prol da comunidade surda como um todo. Assim, o intuito é expandir a relação da cultura com a interação de conteúdos de aulas para a formação educativa por meio da transversalidade e da interdisciplinaridade em processo de saberes compartilhado. Strobel (2008, p. 24) apresenta a existência da cultura surda, pautando oito artefatos culturais em sua obra: A Imagem do Outro sobre a Cultura Surda. Explica que “o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas (...) abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo”. Consideramos que a experiência visual vem acompanhada dos mais diversos artefatos culturais e que vai (re) significando as dimensões sociais, culturais e políticas, em junção àquelas que compõem a realidade do entorno, em conectividade com as concepções linguísticas adquiridas e afirmadas, nesse processo cultural-linguístico surdo. Assim, segundo Campos (2016), “constatou-se que a vida da comunidade surda brasileira tenciona por uma cultura própria”, que em árdua reivindicação na sociedade majoritária ouvinte buscar dar ênfase aos “artefatos como língua de sinais, teatro, poesia, entretanto o reconhecimento ainda está distante de ser alcançado, por conta do grande estigma social imposto pelos não surdos”. Dessa forma, Campos (2016) compreende-o como um “grande processo de exclusão e diminuição do surdo frente ao ouvinte”. Aos educadores, é importante considerar a forma como os surdos experimentam o mundo em suas relações de convivências e aprendizagens, ou seja, por meio do visual considerando a língua de sinais em que suas práticas são extremamente significativas para as construções da Libras em todos os espaços que permitem acessos informativos de cultura. Vale destacar que, segundo Strobel (2013), os “artefatos não pode ser confundidos apenas com o materialismo cultural, mas também são o modo em que o sujeito entende, vê e transforma o mundo”. Dessa forma, enfatiza que são baseados nas experiências visuais em ausência de audição que os surdos percebem tudo a sua volta a partir da visão. Embora haja essa preocupação de visualidade, oportuno destacar que a Libras não é universal, mas cada país apresenta a sua cultura linguística, como é o caso da Língua Brasileira de Sinais (Brasil), Língua Francesa de Sinais (França), Língua Americana de Sinais (EUA), Língua Gestual Portuguesa (Portugal). Assim ocorre nos demais locais e países, ou seja, cada qual com suas experiências visuais em decorrência as comunidades surdas envolvidas. Nesse sentido, devemos pensar nos espaços educativos para quebrar paradigmas e recriar novas experiências, embates e construções de aprendizagens. Competências e habilidades: discernir as concepções de surdez Olá, estudante! Atribuir competências de conhecimento e engajamento histórico-linguístico aos surdos remete diretamente às habilidades para a interpretação dos Estudos de casos a serem resolvidos. Nesse sentido, é preciso refinar os conceitos fundamentais, já mencionados, para se ir além das abordagens conceituais, ou seja, resgatar os pontos pertinentes para a resolução de Situação-problema que há de vir! Assim, é importante refletir modos que sejam contemplativos para a formação de educadores em sua criticidade. Buscamos incorporar para melhor compreensão a concepção teórica e prática para que os exemplos, que já foram abordados, sejam úteis para reflexão de modo a serem aplicados de outra maneira na reconstrução prática e promoverem o desenvolvimento de competências e habilidades na forma dialógica com os estudantes surdos. As competências e habilidades para a prática de ensino, em repertório de mobilidade pedagógica e linguística, dessa Unidade, estão amalgamados por meio dos diferentes materiais didáticos elaborados pelos professores, pelas diversas formas de ensino em sua realidade profissional, pela atribuição partilhada em conhecimento. Por isso, é oportuno instigar os estudantes, apresentar os conteúdos programáticos como forma de desenvolver e solucionar a complexa realidade que, historicamente, a educação vem apresentando. Vale ressaltar que, tanto historicamente quanto socialmente, desde a Antiguidade até a contemporaneidade, seja no mundo, seja no Brasil, a pauta linguística e cultural-educativa dos surdos sempre sofreu embates para a formação em comunicabilidade. O verdadeiro problema está em limitar as questõesculturais e linguísticas dos surdos no processo educativo por conta da mentalidade cultural ouvintista que foi estabelecida historicamente. A fim de proporcionar uma nova história, torna-se oportuno resgatar a legitimidade dos surdos em suas potencialidades pela Língua Brasileira de Sinais (Libras), reinterpretar a personalidade do indivíduo/sujeito surdo, comportamentos e condutas, nas relações humanas, de modo a nos permitir obter a consciência social e humana, necessárias, para com os surdos. Embora tenhamos a dimensão da importância de se obter a consciência em potencialidade para a transformação educativa, ainda assim, a abordagem na área médica clínico-patológica e a abordagem cultural-educacional são pautas de situação problemas, que, para os professores, tornam-se oportunidades para discernir potencialidades de modo a não subjugar esses estudantes surdos. Assim, é imprescindível buscar a superação dessa mentalidade clínico-patológica e de produções de estigma, preconceito e bullying. É preciso reconhecer, por meio das experiências surdas, a atuação político-legal engajada para constituir um passo importante da construção de uma nova realidade educativa em forma de identificação dos próprios surdos, em uma perspectiva cultural-linguística. Isso significa buscar entender o caminho das controvérsias pelas quais perpassou a educação dos surdos brasileiros, atrelada a uma concepção clínica e patológica na qual eles são denominados como “deficientes”. Há que se superar essa concepção em que os surdos estão presentes. É preciso encarar seu aspecto linguístico-cultural comunicativo, para se dissipar a análise distorcida que vê o surdo como um problema ou como alguém a quem está faltando alguma coisa. Enfrentar a caótica realidade, em suas contradições, é uma oportunidade de reconhecer a diversidade cultural-linguística tanto no que diz respeito às identidades linguísticas quanto às identidades surdas, para trazer maior visibilidade aos posicionamentos que os surdos têm a esse respeito. Destarte, devemos estar atentos para sabermos que não deve existir homogeneização nesse processo, uma vez que, por meio da atuação de professores, as competências e habilidades no processo pedagógico precisam ser discernidas e valorizadas de modo a estimular a presença de grupos em consciência libertária entrelaçada com as pautas sociais e culturais. Estudo de caso Para instigar a reflexão sobre a realidade surda no âmbito familiar, social e educacional, imagine duas situações envolvendo uma criança surda: a primeira diz respeito à criança que é surda em família de ouvintes e a segunda diz respeito à criança surda em família de surdos. Primeiro relato: A criança surda com a família ouvinte tem os olhares desnorteados, pois tudo lhe chama a atenção. Ela observa bocas se movendo ao olhar para os pais e as expressões raivosas em advertência! Dedo indicador apontado na cara e os braços estendidos para o lado, ao mesmo tempo para o rosto, o menear a cabeça de forma negativa. A criança surda, sem entender, simplesmente, desloca-se para outra dependência da casa e, de imediato, é puxada pelo braço, sofre safanões nas orelhas. Em outro momento, instantaneamente, tapas e chineladas, nos glúteos. A criança surda, sem entender nada, chora, aos berros. Outro dia, em escola infantil, no intervalo da educação, crianças em plena correria no pátio da escola, bagunças em tempos infantis, para lá e para cá, inocências em brincadeiras de corre-corre. Apenas brincadeiras. Mas em seguida, todas as crianças, em grupos, se deslocam para outra repartição da escola. A criança surda continua ali sentada, focada em seu carrinho de brinquedo, sem ao menos se preocupar em seguir os demais. Continua ali até sentir, em seu ombro, o toque da professora e o dedo indicador apontado em direção à sala de aula. Preocupada com aquela situação, a professora conversou com os pais dessa criança, querendo saber se a criança tinha surdez, pois não ela correspondeu quando foi chamada para retornar à sala de aula. Às pressas, os pais levaram-na ao médico para a realização de exames. Testes de audiometria confirmaram a surdez! A orientação médica aos pais foi para evitar o uso da língua de sinais, pois acreditavam que isso geraria atraso cognitivo que prejudicaria o desenvolvimento intelectual da criança; a orientação foi para tratá-la como normal; se possível, com uso de aparelho auditivo. Procurar uma fonoaudióloga para desenvolvimento da fala. Caso não houvesse condições de acompanhar aprendizado, em escola normal, deveriam migrar para uma escola especial. Em busca de melhor corresponder à orientação médica, a criança surda frequentou a escola de inclusão, onde conheceu as dificuldades e precariedade educativa para a formação de aprendizagem. A professora mexia os lábios, em sua explicação, e, às vezes, escrevia no quadro. Porém, para a criança, o aprendizado era nulo. Para ela, devido à falta de orientação, o uso do caderno, para escrever, não fazia sentido. Diante disso, risos em tons de ironias, naquele “espaço educativo”. Ela era tratada como “coitadinha” que estava ali apenas figurativamente, mas sem interagir com os demais. Somente aos dezesseis anos de idade, quando já adolescente, por meio de visita em escola de surdos foi que a língua de sinais (Libras), as comunicações, interações e as histórias, em semelhanças com outros surdos, trouxeram entendimento e clareza sobre aquele universo. Tudo começava a fazer sentido, o processo humanístico de compreensão descortinou um novo horizonte de possibilidades. Segundo relato: Olhares fixos, mãos em movimentos, risos, expressões e espontaneidade! Criança surda com seus familiares surdos, em pátio de casa com seus amigos surdos, o correr, o brincar e o comunicar era de tal forma, inebriante, que fluía a dinâmica comunicativa entre criança e adultos! Membros da família se reúnem com as crianças, contam histórias, emitem expressões corporais e faciais em movimentos diversos, curiosidades de perguntas em contextos narrativos sinalizados. Assim também, na escola, com os demais amigos surdos, enquanto as aulas são expostas em sinais. As excursões em locais de visita possibilitam a aquisição de conhecimento por meio da língua. Em processo estudantil, o teatro surdo possibilita o encontro entre surdos e a relação com os professores flui, naturalmente. No entanto, durante o ensino médio, já em fase de adolescência, o estudante surdo precisou migrar para o ensino de inclusão, onde nem sempre pôde contar com a presença de intérprete. Nessa condição, os ouvintes eram os estranhos, pois não sabiam se comunicar em Libras. Esses estudantes ouvintes “deficientes” por não saberem se comunicar com os surdos representavam uma contradição para os familiares e amigos surdos. Embora o aluno surdo estivesse nesse novo espaço escolar, ainda assim, sentia as barreiras, os preconceitos, o bullying. Porém, mesmo diante disso, empreendendo todo seu esforço, o estudante surdo buscou superar essas contradições educativas. Esses dois relatos servem de aporte para refletirmos sobre Situações-problema que enfrentaremos, quando em condição de professor. Porém, precisamos superar esses desafios que se manifestam quando do ingresso, desses estudantes, nos espaços educativos. _______ Reflita Para responder com criticidade, você pesquisará e contextualizará o que é preconceito e bullying escolar, de modo a refletir sobre a situação dos surdos no espaço social, familiar, escolar, etc. Qual seria o seu papel para conscientizar, minimizar ou até mesmo banir posturas inconvenientes que atrapalham a formação da criança e dos estudantes surdos? Mediante essas reflexões e as feitas a seguir, contextualizadas em condição de professor, sugerimos realizar duas atividades: Na primeira, pesquisar duas notícias de jornais ou revistas ou relatos ou depoimentos para depois descrever, em um único texto, de que forma essas notícias, têm relação com as abordagens que foram estabelecidas no decorrer das aulas. A segunda diz respeitoà criação de uma tabela identificando as duas abordagens mencionadas em aula, de modo que você deverá preencher sua tabela (linhas/colunas) com os temas que combinam, com cada uma das abordagens, de forma contextualizada ou topicalizada. Observações: Para essas produções, você poderá usar como apoio os vídeos A surdez é um problema para o Surdo? e Por que os Surdos são vistos de forma Negativa pela Sociedade?, e os textos que estão nas referências bibliográficas. São dois arquivos a serem enviados em PDF (na primeira etapa, deverá escrever de 350 a 450 palavras; na segunda, nos anexos estão as notícias e a orientação para a criação das tabelas). Conforme os conceitos abordados em aula: preconceito, bullying, abordagem médica e abordagem cultural; vamos perceber que todo Estudo de caso requer pesquisa e análise refinada para os caminhos de resoluções em práticas sociais, familiares, culturais, educativas, etc. No decorrer das nossas aulas, entendemos que o processo histórico, por meio das ações humanas, de conscientização política, vai moldando a realidade social, ou seja, novas mentalidades vão emergindo, as leis vão sendo implantadas, as condutas educativas são repensadas coletivamente, superando a individualidade. Dessa forma, o preconceito traz um julgamento das pessoas antes mesmo de conhecê-las, ou seja, de associá-la a uma forma que imaginam como ela é, e não de fato a sua essência e percepção de vida e de mundo. Em condição de professor, não se pode carimbar e ou rotular antes mesmo de conhecer com profundidade o contexto desses estudantes, mas deve-se entender a sua vida em conexão com seu processo histórico e educacional. Julgamento de que um determinado estudante não terá condições de aprender impõe barreiras para a potencialidade surda. Infelizmente, a maioria dos professores criam barreiras a esses alunos ao invés de libertá-los. Assim, em havendo a presença de estudantes surdos, torna-se oportuno fazer valer uma percepção de mundo que contribua para socialização do seu repertório cultural e linguístico. Conhecer o histórico da pessoa é pensar qual o modelo social e o histórico de cada estudante. O professor não pode criar um modelo, pois somos todos diferentes. Não basta apenas manifestar empatia, meramente se colocar no lugar do outro, é preciso mais do que isso! Significa compreender o contexto familiar, cultural e também o social desses estudantes como um todo. Quando tratamos a questão bullying, entendemos que ele pode ser analisado em níveis de agressividade, ou seja, começa com as intimidações físicas, depois passa para a humilhação, atos de violência e até mesmo a tortura psicológica que afeta a estrutura emocional dos estudantes surdos. O bullying pode ser descrito como processo de humor não consensual à pessoa que está sofrendo por essa pressão psicológica e que se encontra em conflito emocional e psicológico interno na escola, na família ou até mesmo em ato ou conduta impensável do professor com seus estudantes. O preconceito e o bullying são frutos de mentalidade arraigada a concepção médica, clínica, terapêutica e de normatização social. Por outro lado, a área cultural busca valorizar a condição humana, a língua de sinais, a vida social, esportiva, cotidiana. Fazer entender essa realidade no sentido de valorizar a característica da língua de sinais para o desenvolvimento do surdo e a sua superação no aspecto visual, em conectividade, com o pensamento e suas reflexões de mundo. Isso é de extremo valor! Assim, conseguir separar essas abordagens significa superar as barreiras para se fazer entender as perspectivas de análise em que esses estudantes surdos estão inseridos. Resumo visual Figura 1 | Políticas educacionais e políticas linguísticas. Fonte: elaborada pelo autor.Figura 2 | Abordagem clínico-patológica. Fonte: elaborada pelo autor.Figura 3 | Abordagem cultural-educacional. Fonte: elaborada pelo autor. Trajetória histórica, historiografia e o embate em torno da comunicabilidade dos surdos Surdos na Antiguidade e no período da Idade Média Vamos enfatizar o processo histórico dos surdos tanto na Antiguidade quanto na Idade Média de modo a trazermos informações que servirão como referência para a interpretação sobre como esses sujeitos eram conceituados pela sociedade de cada período abordado. Desta forma, compreenderemos como, por meio das mentalidades culturais, religiosas e filosóficas, se processavam as concepções de surdos diante da conjuntura social em que estavam inseridos. Na Grécia Clássica, a educação se dividia em modelos opostos: aquela exercida no seio da família, na qual ocorre a primeira infância, perpassando pela educação heroica destinada aos adolescentes aristocráticos, do exercício da força, da astúcia e da inteligência. A educação comunitária era o lugar de representação das contradições que fustigavam costumes e ridicularizavam comportamentos por meio dos corpos, chegando ao ideal de formação humana: a Paideia. Vamos perceber que, embora houvesse discussões quanto à formação dos surdos no que diz respeito ao processo de comunicabilidade, esses indivíduos eram vistos como sem valor cultural e linguístico. Já no período da Idade Média, a forte presença da Igreja Católica enquanto instituição constituída vai empreender substancial influência e interferir, de forma contundente, na sociedade medieval, como um todo. De certa forma, isso repercute diretamente na formação dos surdos. Levando-se em conta, em perspectiva, a mentalidade medieval, vamos perceber como ela também foi influenciada pelo segmento religioso do catolicismo, pelas concepções escolásticas e, mais adiante, pelas artes com a criação de escolas e disseminação do pensamento cristão e filosófico das concepções aristotélicas, do conhecimento e da harmonia estabelecida entre fé e razão, resgatados por Santo Agostino e Tomás de Aquino. Ao consideramos isso, vamos entender ser indiscutível o fato de que os surdos foram sujeitados a todo tipo de julgamento. Diante do exposto, perceberemos que esse resultado também é verificado pela exposição de motivos que nortearam a literatura sobre a qual a demanda social a educação estava direcionada e a qual público objetivava atender. Nesse sentido, podemos afirmar que os surdos foram alienados do processo educativo, seja pela negligência ostensiva com que eram tratados, seja pela alienação cultural à qual eram submetidos. Portanto, vistos como uma nódoa social, sua desumanidade relacional, pela ausência de uma moradia ordenada, tanto em sua vida interior quanto ao seu lugar no universo real, não parecia sensibilizar a honra e a plenipotência estrutural à qual estavam submetidos. É como se os surdos tivessem perdido “a bênção completa”, uma vez que, segundo mentalidade de época, poderiam ser portadores de forças maléficas que indicavam algum poder de oposição à vida terrena que lhe nega locomoção e afetação, enquanto criatura divergente da forma social pré-estabelecida, seja na forma de se mover seja na forma de funcionar. Isso traçou um limite claramente visível em seu processo educacional com reflexos negativos que se arrastaram por séculos. Esses eventos contribuem para entendermos como se desenrolou em convergência e divergência todo o processo educacional/educativo dos surdos até chegar aos dias atuais. Surdos no contexto moderno e contemporâneo Buscamos apresentar, aqui, de modo interpretativo, os contextos moderno e contemporâneo como marcos na trajetória educacional dos surdos diante dos ajustes advindos da civilização renascentista, que alteraram o comportamento social e cultural com reflexos significativos nos séculos seguintes. A afirmação de novas exigências geradas com o período moderno não expandiu apenas a própria humanidade do homem, mas o fez adquirir consciência de poder ser o agente transformador de sua própria história. Diante dos novos aspectos multiformes (social, cultural, político, econômico) se evidencia a diferença com o passado e faz brotar uma nova concepção de virtude, uma nova formatação devalores entre as quais está a problemática educativa para dar forma e concretude ao novo ideal de homem. Nesse sentido, nenhuma virtualidade humana pode permanecer na sombra. Desta forma, a multiplicação das relações e conquistas humanas e as novas exigências didáticas, em circulação, torna possível descoberta da infância e faz surgir um novo educador. Assim, o domínio racional do Estado moderno determina uma educação articulada multiforme e organizada em diversos agentes (família, escolas, associações, imprensa), com reflexos, também na educação religiosa. Os reflexos das técnicas educativas desse período virão com mais forças, no século seguinte, com escolas que assumem um papel social cada vez mais determinante, instrutivo, planificado. Nesse sentido, o saber pedagógico se apresenta também como um saber político em todas as suas ações, com influência poderosa na vida contínua e nas tomadas de decisões dos envolvidos no processo educativo, como é o caso dos educadores de surdos. Cada qual, com a sua forma e método/metodologia de ensino, busca desenvolver estratégias para melhor corresponder à formação de ensino-aprendizagem dos surdos. Inquestionavelmente, vamos perceber que todo esse processo se origina, fundamentalmente, a partir de um novo olhar sobre os surdos, no sentido de se compreender a importância da efetivação de outro corolário educativo/cultural para atender às novas demandas sociais desses sujeitos e, assim, determinar as novas formas de ensino e aprendizagem adequados à sua comunicabilidade. O que era totalmente improvável em períodos anteriores se torna realidade, no período contemporâneo, com os personagens surdos ganhando espaços e destaques no ensino e na aprendizagem de outros surdos. A partir dessa assertiva, trazemos a conhecimento alguns personagens surdos que se destacaram por suas brilhantes atuações em prol de outros surdos e que, hoje, são aclamados como referências positivas para as comunidades surdas mundo afora. Figura 1 | Francês Jean Ferdinand Berthier (1803-1886). Fonte: Wikipedia. O primeiro deles é o francês Jean Ferdinand Berthier (1803-1886), um erudito professor surdo, acima de tudo, um ativista que proporcionou um legado de grande contribuição para os nossos dias. Figura 2 | A americana Anne Sullivan Macy (1866-1936) ensinando Helen Keller. Fonte: Wikipedia. Temos também a americana Anne Sullivan Macy (1866-1936), uma professora surda-cega que tem em seu currículo, além de outras contribuições, o fato de ter ensinado Helen Keller, uma aluna surda-cega, por meio da Língua de Sinais e por intermédio do tato. Figura 3 | Americana Helen Adams Keller (1880-1968). Fonte: Wikipedia. Destacamos a importância de Helen Adams Keller (1880-1968) porque, além de escritora, foi uma ativista social norte-americana que, após enfrentar inúmeras barreiras, se tornou a primeira pessoa surda-cega da história a conquistar um bacharelado. A invisibilidade desses personagens surdos, tanto pela história quanto pela historiografia tradicional, faz com que prestemos menos atenção em suas qualidades e características pessoais e foquemos nas colocações negativas emitidas pelos arautos da negação. Interpretamos esse processo educativo destacando que novos atores surdos vão ganhando legitimidade por meio de sua trajetória educativa na medida de seu esforço e conquista de sua formação. Surdos na educação brasileira Buscaremos compreender como se processou a formação educacional de Surdos, no Brasil, a partir do surgimento do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), considerado como sendo a “primeira escola de surdos”, 1855/1857. Figura 4 | Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Fonte: MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira, 2022. Desta forma, vamos delinear as disciplinas e estratégias pedagógicas implantadas em conformidade com o modelo de ensino pretendido pelo professor surdo Ernest Huet, um francês que, a convite de Dom Pedro II, veio ao Brasil trazer uma nova concepção linguística a ser aplicada aos estudantes surdos brasileiros. Destacamos a importância social desse processo que se fez aflorar os objetivos ideológicos que nortearam a transmissão de conhecimento, de comportamento, de estilo de vida, social e individual em processo de aculturação linguística como um novo lançar de luzes sobre a aprendizagem. Aprendizagem essa promovida na diversidade do sinalário como processo para o desenvolvimento da dialogicidade entre os estudantes surdos. Como os modelos alternativos no processo educativo, para romper com práticas escolares tradicionais, descolonizou e imprimiu novos valores sociais mais abertos e capazes de dar vida aos surdos e emancipá-los sob o viés do valor da diferença. Isso implica compreender um requalificar da presentificação do estudante surdo e dar-lhe um sentido bem diferente daquela que ele tinha na sociedade ouvintista e oralista (de invisibilidade, de segregação e de inferioridade cognitiva). Assim, a fase contemporânea apresenta-se como oportunidade de inovações e potencialidade, um processo de transformação e de transição que conclama a um conhecimento desafiador para o enfrentamento dos obstáculos que se encontram subliminarmente escondidos nas fronteiras do que se entende por “propósito central da educação no processo da instrução objetivando o desenvolvimento de personalidades humanas” (BOWEN, 1983). Para não nos restringirmos somente ao INES como única referência de ensino aos surdos, no que pese o valor como patrimônio histórico e escolar negável dessa instituição educativa, destacamos que, no século XX, novas instituições educativas vão ganhando forças. Dessa forma, Cunha Júnior (2015) salienta que, em processo histórico para aplicação da realidade, há a preocupação, por parte das comunidades surdas, de melhorar a prática de ensino escolar e, sobretudo, toda a estrutura pedagógica e institucional para contemplar a língua de sinais nas disciplinas e a compreensão da existência de uma cultura. Consideramos a importância de se trazer novo olhar sobre o significado de escola, de educação e de instrução entrelaçado com o cultural, político, o social, o econômico em processo de rearticulação e de fortalecimento da vida coletiva dos educandos surdos, diante do contexto estrutural e dos embates cultural e linguístico que nortearam as políticas educacionais para os surdos no Brasil. Processo histórico e social no contexto da mentalidade clínico-patológico A sociedade tende a ver o surdo como um problema que precisa ser mudado ou ter uma manutenção de si próprio para fazer parte da norma, como se fosse um ser limitado ao que metaforicamente poderia se considerar como uma orelha ambulante em concepção audiológica. É um tipo de perspectiva humana introjetada na cultura social, segundo a qual o surdo deveria ouvir para ser “igual”. Assim, faz parte do contexto educativo, infelizmente, esse olhar sobre o estudante surdo advindo de cima para baixo, como se quem maneja melhor o processo auditivo estivesse em melhores condições em relação àquele que não ouve. Citando Resende (2010), autora surda que denuncia a “captura de bebês surdos por meio do teste da orelhinha”, Bagarollo e França (2015) destacam a controvérsia da chamada “saúde auditiva”, que “para determinados grupos passa a ser vista como extermínio dos surdos”. É por isso que, segundo as autoras, “alguns membros da comunidade surda contrapõem-se à indicação do implante coclear, ressaltando que o surdo não precisa ser curado, já que ele é normal, como os ouvintes” (BAGAROLLO; FRANÇA, 2015, p. 126). Não há que se culpar o fonoaudiólogo e/ou os surdos, mas o certo é que precisamos buscar auferir mais respeito a essa categoria para se pensar em condições iguais e, assim, fazer com que essas questões possam ser quebradas, esclarecidas, para que haja sentido-significado não apenas em questão de inclusão escolar, mas de aceitação social, empatia e autonomia. Consideramos que isso é muito importante. A pergunta é: por que não estabelecer, então, umarelação de socialização e humanismo? A quem interessa essa questão da normalização pretendida pela abordagem médica clínico-patológica que intenta normalizar o indivíduo surdo? Assim, com uma abordagem cultural, buscamos aprofundar questões que vão além do aspecto do risco social de aceitação no sentido de que seja empreendida a valorização das relações e de entendimento humano. Nesse sentido, não é só uma questão de empatia, mas de compreensão e respeito com o outro e com as pessoas que precisam estar juntas e em conjunto para partilharem o mesmo ambiente e espaço de conhecimento e saberes. A escola precisa observar que esse estudante surdo traz e faz uma compreensão de acordo com a sua realidade de mundo e que é preciso interpretar os sintomas das posições distintas que envolvem analisar os fatores linguísticos: oral e surdo, sem oficializar os “sintomas das perdas” nesse processo de aquisição entre línguas para uma melhor ampliar o repertório tanto em Libras quanto em português para a comunicabilidade. Diante do exposto, notamos que as diferenciações de vivências e olhares sobre a realidade surda buscam seguir uma perspectiva cultural educativa de modo a quebrar os estigmas desses indivíduos/sujeitos surdos, porém, pautando o campo linguístico, uma vertente extremamente necessária dentro desse processo histórico e social. Produções de estigma, preconceito e bullying Para interpretar a sociedade sob a ótica do indivíduo e sujeito surdo, torna-se oportuno identificar quais foram os problemas advindos dos alicerces da criação de estigma, preconceitos e bullying, seja em decorrência do conservadorismo histórico, seja daqueles fomentados nos laboratórios onde foram gestados conceitos como da eugenia social e cultural em prol da normalização. Conceitos esses que culminaram na ideia de uma limpeza social que deveria seguir padrão estipulado da perfeição humana. Como resultado disso, orientou-se a colonização da mentalidade e da cultura do outro. Nisso, levando-se em conta a realidade experenciada pelos estudantes surdos brasileiros, encontramos comparação quando abordamos estudantes surdos e ouvintes inseridos no conflito existencial e de presentificação em que se “cria apenas uma única concepção humana” viável. Diante disso, é preciso remodelar essa postura para debelar a manutenção de mentalidade de resumir o indivíduo e sujeito surdo apenas em negação, pela experiência auditiva (de escutar ou não escutar). Entendê-lo como um ser humano introjetado na cultura de relações sociais, cônscio e participativo no tocante às questões do entorno, faz com que o estigma, o preconceito e o bullying sejam substituídos por uma consciência expandida de melhor relação e interação do espaço educativo em formação como ponto necessário para maior discussão e reflexão. Nesse sentido, a escola precisa observar como é o processo de compreensão de acordo com a sua realidade de mundo: se conhece a Libras ou se não sabe língua de sinais, se tem domínio da escrita e interpretação de conteúdo, etc. Enfatizamos que o educador não pode, por essência, criar e/ou permitir estigmas, preconceitos e bullying, mas ter a percepção sobre as diferentes necessidades dos estudantes surdos para uma melhor compreensão de quem se trata, a quem se pergunta ou com quem se interage! Entender que nem sempre dispomos de suportes tecnológicos e recursos de conteúdos necessários, caso do uso de legendas ou janelas de intérpretes, e que a carência dessas ferramentas compromete a formação do estudante surdo. Daí o porquê, ao chegar em sala de aula, de esse estudante ser estigmatizado, sofrer preconceito, bullying, etc., pelos colegas. O preconceito é um julgamento contra uma pessoa antes mesmo de se conhecê-la. Essa questão nos permite refletir sobre a necessidade de o professor conhecer com profundidade a história de vida, de cultura e o que esse estudante surdo tem feito nessa conexão do processo educacional com a realidade social experimentada. Deve-se evitar reproduzir os estigmas, preconceitos e o bullyings historicamente constituídos. Somos todos diferentes, mas, se nos colocarmos para além do processo de empatia, no lugar do outro, o contexto em que se está inserido, se amplia: seja no ambiente familiar, social e cultural. Assim, o papel do professor, por meio do repertório linguístico desses estudantes surdos, pode fazer com que as informações em ensino-aprendizagem cheguem aos indivíduos e sujeitos surdos. Abordagem cultural e linguística O intuito aqui está em aplicar em prática educativa a abordagem cultural e linguística entendendo que ambas se relacionam, pois não podemos considerar a cultura e a língua de forma isolada, mas, sim, no entrelaçamento da realidade em conjunto educativo de formação. É importante considerar que a Libras apresenta sua importância do mesmo modo que o português apresenta suas qualidades. Não podemos menosprezar ou considerar de menor importância a língua de sinais, mas resolver o dilema que envolve o uso do português, não como um domínio linguístico, mas de modo a socializar a Libras, um artefato cultural dos surdos, para a formação do estudante surdo. Pensar nesse compartilhamento de línguas significa considerar a cultura em que vivemos e convivemos, de acordo com as diversidades de línguas e de etnias que vão se amalgamando durante seus estágios de convivência social. Embora as comunidades surdas sejam consideradas como minoria linguística, ainda assim os indivíduos e sujeitos dessas comunidades, não obstante, fazem parte de um país plural. Portanto, há que se considerar a resistência e a luta para que o reconhecimento linguístico alcance, de fato, as comunidades surdas e que as minorias deixem de ser chamadas de minorias, mas que sejam compreendidas, em justaposição, entre as relações compartilhadas. Destarte, que os surdos não sejam vistos como estrangeiros em seu próprio país. Que tenham acessos aos bens culturais em construção coletiva nos aspectos: cognitivas e éticas. Embora a Lei de Libras (10.436/2002) tenha se ampliado e ganhado proporção, ainda há muito por fazer e conquistar. As comunidades surdas estão ancoradas nos seus direitos, no uso da língua de sinais que lhes garantiu acesso à educação, nos movimentos culturais, bem como: teatro, cinema, produções artísticas, poética, as produções acadêmicas, nos movimentos sociais para garantir meios legais, etc. Compreendemos que a língua constitui a cultura, a qual só adquire valor e sentido em seu contexto concreto e social, bem como na escola, uma vez que ainda há falta de informações necessária para uma consciência mais ampla. Por isso, é preciso desarticular esse saber acadêmico que intenta considerar a cultura surda como subcultura, porque, no dizer da autora Sá (2006, pg. 109): “as pessoas pertencentes às consideradas subculturas geralmente são silenciadas pelo saber acadêmico, a autonomia surda, seja pelo saber acadêmico”. Daí, segundo a autora, o “surdo, na sua expressão cultural, não está se calando, está sendo calado” (SÁ, 2006, p. 110). Portanto, considerar uma abordagem cultural linguística compreende a democratização das relações de poder nas sociedades de modo geral. Disso decorre a necessidade de se chamar os surdos a manifestarem suas opiniões sobre as políticas educativas mais adequadas a atender sua necessidade cultural-linguística. Dentro da determinação pela busca da plena participação e das atuações de surdos, resgatamos o lema “nada sobre nós sem nós”. Há que se levar em conta que não é qualquer processo educacional que interessa, mas aquele que tenha a marca surda em sua elaboração e aplicação prática. Traços legislativos no Brasil Com o intuito de compreender conceitualmente os termos legais é que a formulação de políticas públicas e práticas pedagógicas direcionadas à educação precisam ser repensadas, destoando da política da educação especial e da inclusão, com a pauta em perspectiva bilíngue de surdos de modo que a primeira língua seja a língua de sinais e a segunda o português na modalidadeescrita. Dessa forma, as políticas linguísticas reconhecem a Libras como língua nacional por meio da Lei 10.436 de 2002, possibilitada pela abertura do decreto nº 5.626 de 2005, que regulamenta a lei e assim, programa uma série de ações aos surdos para que apresentem diferentes representações linguísticas, culturais e sociais no âmbito educacional. Tais diferenças são consideradas na proposição para a legitimidade da educação de surdos. Porém, os traços legais para surdos no Brasil nem sempre estão em consonância com as demandas das políticas públicas, as quais envolvem os surdos, as comunidades surdas em planejamento linguístico favorável à valorização da Libras e ao reconhecimento de fato de seu status linguístico. Não podemos negar os atores nos trâmites burocráticos e político-partidários no movimento educacional de surdos, haja vista que o movimento social surdo, por meio da luta, tem se consolidado no âmbito legal para oferecer a Libras em todos os cursos de licenciaturas, cursos de fonoaudiologia, bem como na criação dos cursos de Letras-Libras para formar professores de Libras e de pedagogia bilíngue, Libras e língua portuguesa, para atuarem na educação infantil bilíngue de surdos e nos anos iniciais da educação básica, e de língua portuguesa para surdos como L2. A educação dos surdos historicamente foi inserida no contexto das políticas de diretrizes da educação especial, excluindo a possibilidade de ensino que pudesse de fato favorecer uma proposta que contemplasse e legitimasse a cultura surda em seu aspecto de formação-conteúdo. Nesse sentido, os estudantes surdos em escola de inclusão, quando não há infraestrutura que os favoreça de fato, têm formação que deixa a desejar. Dessa forma, não são os surdos que deverão se adaptar à sociedade, mas a sociedade – nesse contexto, as escolas – que deverão se adaptar à diversidade presente em socialização de saberes e de comunicabilidade para garantir-lhes o direito à individualidade em meio à coletividade e para que haja nova consciência em benefício da causa educacional surda, seja por meio da formação de professores, dos materiais didáticos, do acesso linguístico, da infraestrutura institucional, da valorização linguística, etc. São temáticas que fazem parte das reinvindicações e da pauta do movimento surdo. Políticas educacionais para surdos Interpretar a realidade educativa de surdos, no Brasil, está em compreender as ações pedagógicas em perspectiva bilíngue (Libras/língua portuguesa). Nas políticas educacionais para surdos, percebemos que muitos espaços educativos necessitam da valorização da formação de professores aos estudantes surdos. Para possibilitar o ensino adequado que promova o aprendizado nas políticas públicas, se faz necessária a construção da política educacional voltada aos aspectos da educação viabilizando as adequações curriculares e de ações pedagógicas e estruturais. Assim, em itinerário legal, o decreto no 5.626/2005: · Defende as escolas bilíngues para a educação dos surdos, ciente da singularidade linguística desse público. · Enfatiza que deve ser oferecido um ensino com a Libras como L1 e língua portuguesa como L2. · Propõe a oferta de formação de professores, de intérpretes e de surdos no ensino superior com o curso de Letras/Libras (licenciatura e bacharelado). · Pedagogia bilíngue e língua portuguesa como L2. A Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021, dispõe sobre a educação bilíngue de surdos, modalidade de educação escolar oferecida em Libras, como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, para educandos com deficiências auditivas. · Determina à União a prestação de apoio técnico e financeiro aos sistemas de ensino para o provimento da educação bilíngue. · Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação. Ou seja, busca respeitar a diversidade humana em seu aspecto linguístico, cultural e identitário. Assim, a criança surda terá oportunidade para a aprendizagem do conhecimento do zero ano, na educação infantil, que se estenderá conforme as demandas e o processo educativo. Para compreender essa realidade, buscou-se confrontar com os discursos tradicionalistas que entram em contradição com a formação educativa de surdos no sentido de que há necessidade de se repensar as políticas públicas para a educação desse público, buscando ressignificar o espaço educacional das crianças aos adultos surdos, ou seja, assegurando-lhes o direito à educação que reconheça as diferenças linguísticas, pedagógicas e culturais. Cunha Junior (2015) enfatiza que, ao se tratar de políticas educacionais, é preciso antes de tudo, destacarmos as vertentes dentro do sistema educacional: de um lado está o estudante surdo dividindo a mesma sala de aula com aluno ouvinte; há outra situação em que, apesar de dividirem o mesmo espaço físico da escola, ambos estudam em salas diferentes (sala só para surdos e sala só para ouvintes); a outra modalidade é a divisão por instituição escolar. Há ainda lacunas entre o “discurso” e a prática que destoam completamente da realidade em questão. A conjuntura que ora se apresenta, em que se promete e se propaga o slogan de “educação para todos”, uma “educação de qualidade”, de fato traz contradições externas e internas, precisamente na compreensão das políticas em educação direcionadas a este segmento da sociedade e que trazem à pauta o debate que vai envolver novos agentes no cenário interno do país que buscam suprir a lacuna deixada pelo Estado, são as chamadas associações e entidades educativas em prol das comunidades surdas, que estão preocupado em fazer a manutenção política, social e educacional. Políticas linguísticas para surdos A educação de surdos só é possível de ser vislumbrada se consideradas suas peculiaridades linguísticas e culturais na organização/elaboração das ações pedagógicas e estruturais do currículo escolar, de maneira que contemple seu uso linguístico e traços culturais, utilizando-se de estratégias visuais e gestuais de apreensão e de expressão de mundo. Desse modo, é relevante a promoção de uma política linguística na construção da política pública a fim de restabelecer um ensino aos estudantes surdos com currículos reformulados, atentando à sua particularidade linguística/cultural. Ademais, que vise à promoção da sua identidade linguística e que defina a participação das duas línguas em todo o processo de escolarização, de modo a conferir legitimidade e prestígio da Libras como língua curricular e constituidora da pessoa surda. Em documentos nacionais em políticas linguísticas, vemos que o Decreto nº5.626 de 2005 trata da formação de professores no ensino de Libras. Assim, por meio desse decreto, o professor pode lecionar em ensino fundamental e médio, porém, deve ter um curso de licenciatura de Letras, com habilitação em Libras ou Libras/língua portuguesa como L2. Para a educação infantil, além da Libras, a formação em pedagogia torna-se oportuna com a língua portuguesa sendo a L2 para a contemplação da formação e do ensino bilíngue. Trata-se de uma conquista histórica dos surdos, principalmente por prevalecer essa política linguística no âmbito educacional. Em 2013, houve as Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC/SECADI, relatório sobre a política linguística de educação bilíngue – língua brasileira de sinais e língua portuguesa, que defende o direito de os surdos e as comunidades linguísticas decidir qual deve ser o grau de presença da sua língua, como língua veicular e como objeto de estudo, em todos os níveis de ensino no interior do seu território. Em 2014, o Plano Nacional de Educação garantiu a educação bilíngue Libras/língua portuguesa por meio da oferta de educação bilíngue em Libras como L1, e, na modalidade escrita, a língua portuguesa como L2, aos estudantes surdos e com deficiência auditiva de 0 a 17 anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626/2005, e dos art. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoascom Deficiência, bem como a adoção do sistema braile de leitura para cegos e surdos-cegos. Nesse sentido, Terezinha Maher (2013) afirma que, para a maioria dos brasileiros, o país infelizmente “é pensado como monolíngue, mas que na verdade as demais línguas sobrevivem na condição de línguas de herança”. Para Quadros (2004, p. 1), a língua de herança “é, normalmente, a língua da família, em um contexto no qual outra língua é falada nos demais espaços sociais, tais como a escola e a mídia”. Em se tratando no caso de famílias de surdos, a grande maioria dos usuários dessa língua não herdam no contexto familiar e é justamente nesse contexto que precisamos relacionar e aplicar com às políticas linguísticas no país, ou seja, expandir para outras esferas além do núcleo familiar e pensando no espaço educativo, social e cultural. O que é cultura surda? Conceituar cultura surda é importante para trazer à tona estudos sobre os grupos culturais, precisamente dos surdos, que estão em resistência ao processo de dominação da cultura tradicional conservadora. Buscamos apresentar subsídios a uma proposta educacional que se interesse e se baseie em preceitos constitucionais para atendimento a um direito ao qual devem ser acolhidos todos os grupos culturais, estabelecidos em mesmo espaço de convivência. Segundo Lacerda, (2009, p. 15), o acesso ao conhecimento que não leve em conta a realidade cultural dos surdos não garante desenvolvimento em condição sociolinguística e isso pode acarretar um desajuste socioeducacional. Para o desenvolvimento linguístico e autonomia do indivíduo surdo, consideramos ser oportuno levar em conta os saberes necessários que pretendem respeitar a língua de sinais como primeira língua e ensinar a língua portuguesa na modalidade escrita considerando a realidade (familiar, escolar e entorno do grupo social, etc.) e o espaço de tempo, pois cada estudante carrega uma reserva psicossocial, cultural e linguística que incidirá em discussões e reflexões para a construção de sua subjetividade. Segundo Cunha Júnior (2022), é justamente pela necessidade de se compreender a realidade que precisamos diagnosticar o tempo todo. Assim, no âmbito educativo a identidade e aprendizagem de línguas (ou aprendizagem por meio da língua) vai tornando-se oportuna por meio de comunicação e compreensão. (CUNHA JÚNIOR, 2022, p. 340) Retomando Castro (2007, p.147), Cunha Júnior (2022) reafirma que “considerar uma língua padrão é instrumentalizar a exclusão, em nome de uma tão defendida identidade”. Considera-se não existir uma definição única de identidade, uma vez que ela depende do ambiente e do tempo histórico com que cada sujeito surdo está, dialeticamente, envolvido, incluindo a maneira como carregamos a percepção do outro sobre nós e nossa realidade. Podemos dizer que existem identidades surdas, que estão em evidência, mas que se mantêm, subliminarmente, escondidas sob as amarras de um sistema excludente que as invisibiliza para o mundo das ideias, das práticas, das reflexões, das afirmações. A cultura surda não nasce pronta, mas vai se constituindo por meio das relações sociais em envolvimento familiar, social, teatro, cinema, produções artísticas, literárias, esportivas, associações, política e, sobretudo, linguístico na produção em espaço educativo e acadêmico. Por essas razões, é fundamental o acolhimento e a participação de todos de modo que os saberes culturais sejam socializados. Então, ao nos aproximarmos da realidade surda pela vivência e pelo estudo, conjuntamente vamos descobrir elementos culturais caracterizados pelas formas interativas dos surdos com a sociedade. A cultura abre espaço para novas reflexões e construções sociais e linguísticas das experiências e convivências de modo entrelaçado e respeitoso, entre as entidades envolvidas em suas diferenças e diversidades como reflexo de traços culturais ou étnicos em momento de transformação histórica. Diferentes identidades surdas Há importância de buscar sentido diante daquilo que é induzido pelo social como informação para aprofundamento da objetividade-subjetividade da existência do ser social surdo, diante do processo cultural em evidência. Ele pode ser compreendido por meio dos comportamentos, tradições e conhecimentos de um determinado grupo social, incluindo a língua e os demais artefatos culturais, em seus diversos aspectos simbólicos naturais e/ou artificiais. Traremos aqui informações que tratam das diferentes identidades surdas para compreensão de que os surdos não fazem parte de um mesmo grupo de identidade, pois, embora tragam em seu gene uma formação simbiótica, devemos considerar que essa formação é variável na medida em que sua configuração está moldada pela diversidade de identidades que a compõem (surdos-cegos, surdos negros, surdos cadeirantes, surdos autistas, deficientes auditivos, etc.). Assim, Claudio, Guarinello e Schelp (2016 p. 40-41), que não acreditam em uma identidade surda ou cultura surda, apresentam a afirmação da autora surda Gládis Perlim (2006) de que a identidade surda é concedida ao surdo que tem envolvimento com a política surda, que tem comportamento, cultura e língua determinados pela experiência visual, que usam a língua de sinais, que têm consciência de que são surdos e aceitam isso, que têm dificuldade de compreender a língua falada, mas os que não se encaixam nesse perfil são outros surdos que vivem como ouvinte e, por isso, estão sujeitos a uma identidade incompleta ou intermediária. Entendemos, também, que a identidade é ininterruptamente concebida por meio da convivência social e, daí, advém sua heterogeneidade e diversidade, no que pese as características em comum, dificuldades e semelhanças. Partindo do pressuposto de que “somos vidas pulsantes em trajetória histórica de mudanças, reflexões e percepções de mundo cultural-linguístico”, Cunha Júnior (2022, p. 138-140), afirma que “a identidade não pode ser compreendida de forma introspectiva, subjetivista, mas por meio de diversas apropriações do entorno”. Assim também, no que diz respeito às “relações em convivência, o processo nos contextos em que está inserido”. Consequentemente, ser surdo para Cunha Júnior (2022) “é estar em processo dialético em identidades, seja do particular para o geral e/ou vice-versa, se constituindo em resistência diante do estigma”. Da mesma maneira, isso ocorre “diante da realidade educativa e linguística que enfrentamos no embate cultural-linguístico que compartilhamos”. Nesse prisma, há o entendimento de que, quando o indivíduo/sujeito surdo adentra o ambiente escolar, a despeito das barreiras que envolvem o processo linguístico, ele vai reinterpretando essa realidade e vai também, remodelando a cultura acumulada, modificando-a e incorporando-a a novos elementos em sua evolução linguística por meio das experiências socializadas, comportamentos, gestuais e dos sinalários em processo de ensino-aprendizagem, enquanto artefatos culturais, em articulação social-cognitiva. Isso implica, de modo consciente, (re)significar as dimensões social, cultural e política, em junção àquelas que compõem a realidade do entorno, em conectividade com as concepções linguísticas adquiridas e afirmadas, nesse processo cultural-linguístico. Artefatos culturais no âmbito educativo e linguístico Aplicar, na prática, as estratégias didáticas de ensino é explorar o campo visual, a produção linguística, a valorização artística, o teatro, a literatura, etc., produções culturais pelos próprios surdos em prol da comunidade surda como um todo. Assim, o intuito é expandir a relação da cultura com a interação de conteúdos de aulas para a formação educativa por meio da transversalidade e da interdisciplinaridade em processo de saberes compartilhado. Strobel (2008, p. 24) apresenta a existência da cultura surda, pautando oito artefatos culturais em sua obra: A Imagem do Outro sobre a Cultura Surda. Explica que “o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais,que contribuem para a definição das identidades surdas (...) abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo”. Consideramos que a experiência visual vem acompanhada dos mais diversos artefatos culturais e que vai (re) significando as dimensões sociais, culturais e políticas, em junção àquelas que compõem a realidade do entorno, em conectividade com as concepções linguísticas adquiridas e afirmadas, nesse processo cultural-linguístico surdo. Assim, segundo Campos (2016), “constatou-se que a vida da comunidade surda brasileira tenciona por uma cultura própria”, que em árdua reivindicação na sociedade majoritária ouvinte buscar dar ênfase aos “artefatos como língua de sinais, teatro, poesia, entretanto o reconhecimento ainda está distante de ser alcançado, por conta do grande estigma social imposto pelos não surdos”. Dessa forma, Campos (2016) compreende-o como um “grande processo de exclusão e diminuição do surdo frente ao ouvinte”. Aos educadores, é importante considerar a forma como os surdos experimentam o mundo em suas relações de convivências e aprendizagens, ou seja, por meio do visual considerando a língua de sinais em que suas práticas são extremamente significativas para as construções da Libras em todos os espaços que permitem acessos informativos de cultura. Vale destacar que, segundo Strobel (2013), os “artefatos não pode ser confundidos apenas com o materialismo cultural, mas também são o modo em que o sujeito entende, vê e transforma o mundo”. Dessa forma, enfatiza que são baseados nas experiências visuais em ausência de audição que os surdos percebem tudo a sua volta a partir da visão. Embora haja essa preocupação de visualidade, oportuno destacar que a Libras não é universal, mas cada país apresenta a sua cultura linguística, como é o caso da Língua Brasileira de Sinais (Brasil), Língua Francesa de Sinais (França), Língua Americana de Sinais (EUA), Língua Gestual Portuguesa (Portugal). Assim ocorre nos demais locais e países, ou seja, cada qual com suas experiências visuais em decorrência as comunidades surdas envolvidas. Nesse sentido, devemos pensar nos espaços educativos para quebrar paradigmas e recriar novas experiências, embates e construções de aprendizagens. Flexão verbal e nominal na Libras Flexão verbal Há várias formas de se compreender o conceito de flexão. Aqui daremos ênfase sobre flexão verbal, que se refere à distinção entre: um, dois, três ou mais referentes. Quando o verbo apresenta mais de três referentes, tende-se a direcionar de acordo com os espaços incluindo todos os referentes integrantes do discurso em que a comunicação se processa. Vejamos, a seguir, os exemplos que melhor ilustram a flexão verbal, no caso a sinalização do verbo DAR, que pode ser interpretada na ação de DAR (algo) para uma pessoa, DAR (algo) para duas pessoas ou DAR (algo) para três pessoas. Figura 1 | Flexão do verbo DAR. Fonte: Cunha (2011, p. 84). Conforme as sinalizações expostas nessa figura, identificamos que o sinal DAR é o mesmo; porém, o que os diferencia é a posição do espaço em que esse sinal se apresenta. Consequentemente, produz-se mudança no sentido da frase e no contexto de modo que a flexão de aspectos vem relacionada às formas e à duração dos movimentos. Segundo Ferreira (1995), os “aspectos pontual, continuativo, durativo e iterativo são obtidos por meio de alterações do movimento e/ou da configuração da mão”. Outro exemplo que podemos mencionar é a sinalização FALAR, que dependerá do espaço e da direção em que se processa a comunicação. Podendo sinalar FALAR de modo pontual ou sinalizar FALAR sem parar no sentido em direcionar olhar e a duração desse olhar. O mesmo o ocorre quando pensamos no sinal de OLHAR: pode ser OLHAR ou o direcionamento dos olhares em representação do contexto comunicativo. Ou seja, “eu olho” ou “ele fica olhando” ou “observando”; “ele olha de cima a baixo”. Vejamos a seguir o exemplo de flexão verbal: Figura 2 | Exemplo de flexão no verbo OLHAR. Fonte: Cunha (2011, p. 85). Além do que foi exposto acerca do mesmo verbo, mas em seu contexto diferenciado no direcionamento e no espaço sinalizado, vamos perceber que, na Libras, também, há formas verbais por meio da marca de tempo. Ou seja, o tempo pode ser marcado por meio de advérbios de tempo, que indicam se a ação está ocorrendo no presente, se ocorreu no passado (ontem, anteontem) ou se ocorrerá no futuro. Essas formas de comunicação proporcionam entendimento do tempo e espaço em que ocorrem essas sinalizações. Para se compreender melhor o tempo verbal indefinido, utilizamos os sinais referentes ao passado e futuro. Por exemplo, podemos utilizar o sinal de AINDA marcando assim o tempo presente. Quando sinalizamos JÁ, estamos fazendo referência ao tempo passado. Para a marcação do futuro, sinalizamos o sinal VAI. Para fazer referência ao presente, vejamos o exemplo a seguir: Figura 3 | Sinal AINDA usado para marcar o presente. Fonte: Cunha (2011, p. 86). Observamos que o sinal de BEBER tem relação com o sinal “AINDA”, que é feito com a configuração de mão em P se movimentando para frente, referindo-se ao presente. A seguir vamos perceber que, para expressar a ideia de passado, o sinal de “JÁ” antecedendo o verbo com o manear da cabeça, concomitante, também, faz parte do contexto do sinal. Figura 4 | Sinal JÁ usado para marcar o passado. Fonte: Cunha (2011, p. 86). O exemplo da sinalização “JÁ” expressa uma forma que o sinal de BEBER, combinado ao sinal de JÁ em mãos abertas, com movimento para baixo, faz referência ao passado. Vejamos, a seguir, a sinalização BEBER em referência ao futuro: Figura 5 | Sinal VAI usado para marcar o futuro. Fonte: Cunha (2011, p. 87). Observamos, nesse último exemplo, o sinal de BEBER combinado ao sinal de VAI (posição da mão em V passando para I, movendo-se para frente de modo a indicar futuro). Flexão nominal Quanto à interpretação da flexão nominal na Libras, ainda são necessárias mais pesquisas, dados e, sobretudo, estudos teóricos que proporcionem novas construções na categoria gramatical, ou seja, ir além do senso comum da flexão nominal para uma percepção linguística e de estudos de modo a compreendê-la, em sua totalidade, como uma modalidade espaço-visual da cultura surda. Conforme salienta Fabrício (2018), quando discorre sobre pesquisa no campo da flexão nominal, há limitações na formação da flexão nominal em Libras. É nesse sentido que o autor esclarece que a morfologia tem seu papel fundamental para a interpretação de dados, assim, São muitas as teorias, no entanto, existem poucas pesquisas acerca da flexão nominal em Libras, ou seja, há algumas limitações, o estudo teórico em busca da construção e ampliação da categoria gramatical, especialmente na área da morfologia que se baseia especificamente, no item lexical e na internalização da formação de palavras\sinais, em especial, a flexão nominal em Libras. (FABRÍCIO, 2018, p. 31) Dessa forma, Fabrício (2018) explica que a pesquisa deve ter por finalidade observar, registrar e analisar como acontecem os processos morfológicos da flexão nominal de formação de sinais nos quais estão presentes os diferentes aspectos morfológicos em substantivos: “inflexão, flexão direta e flexão indireta da Libras”. Esses fenômenos pertencem à área de morfologia, especificamente no estudo de formação de sinais. Fabrício (2018) salienta ainda que, na Libras, na categoria morfológica de uma flexão nominal há necessidade de se acompanhar “os níveis linguísticos de componentes da gramática que são obrigatórios no estudo do léxico e fonologia” para a identificação dos sinais. Assim, também, Xavier (2016) propicia a compreensão de que o sinal nominal deriva para outro sinal nominal em determinado contexto de comunicação. Para entendermos como isso acontece, vejamos o exemplo destacado, (...) o movimento que faz com que as duas mãos se toquem pelas pontas dos dedos no sinal CASA é modificado em VIZINH@ e FAVELA. Percebem-se que os três sinais nominais em Libras acontecempor meio de um sinal de origem como “CASA”, derivado para dois sinais, desses, os mesmos são substantivos e possuem outros significados, como acontece em VIZINH@ e FAVELA, ambos utilizados com movimentos e vários direcionais. Um sinal substantivo é derivado e passa para outros, ou seja, são sinais substantivos, outros significados têm as mesmas configurações de mãos e diferentes movimentos e direcionais. Essa ocorrência é quando um sinal nominal não muda de sua categoria gramatical. (FABRÌCIO, 2018, p. 62) A partir da pesquisa aqui destacada pelo pesquisador Fabrício (2018), apresentamos, a seguir, exemplos de sinais derivados da modificação do movimento, conforme os dados coletados por Xavier (2016): Figura 6 | Exemplos de sinais derivados através da modificação do movimento. Fonte: Xavier (2016, p. 142). Esse registro em Libras sobre o contexto da flexão nominal contribui grandemente para a nossa percepção de que o que se manifesta na Libras é bem diferente daquela concepção da língua portuguesa na modalidade oral. É oportuno destacarmos que, em Libras, a flexão nominal apresenta flexão de gênero modificando os nomes, a indicação de sexo e, principalmente, a marcação por um sinal que indica se é gênero feminino ou masculino de modo que antecede o próprio nome. Vejamos os exemplos, a seguir, de que o que muda é o gênero, mas o que prevalece é a configuração de mão em C na testa. De acordo com essa perspectiva e como a Libras é uma língua que precisa ser construída diariamente por seus usuários, é preciso interpretar o contexto da flexão nominal, em Libras, entendendo, além da marcação de gênero, a importância dos recursos, como movimento do corpo, das mãos e expressão facial que são evidências da cultura e das identidades das comunidades surdas. Vejamos os exemplos a seguir: Figura 7 | Flexão de gênero da palavra TIO. Fonte: Cunha (2011, p. 87). Conforme vimos a sinalização, o gênero masculino e feminino antecede o nome de Tio e Tia. Nesse sentido, essa marcação de gênero masculino e feminino sinalizado nos ajuda a identificar o contexto. Da mesma forma, podemos interpretar a flexão de plural, obtida na repetição do sinal ou pela proposição contextualizada que antecipa os referentes no que abrange às pessoas. Vejamos a seguir o mesmo ocorre com a sinalização casa, mas o que muda são as posições do sinal dando a compreender outro contexto da comunicação. Figura 8 | Flexão de número na palavra CASA. Fonte: Cunha (2011, p. 88). Percebemos, nas imagens expostas, por exemplo, como são sinalizadas as repetições. A seguir, vamos identificar outro contexto que trata da marcação de plural do sinal CARRO, para o qual as a configuração de mãos, utilizadas para representar os veículos, se repetem, movendo-se para o lado, o que nos traz a ideia da existência de vários carros. Figura 9 | Flexão de número na palavra CARRO. Fonte: Cunha (2011, p. 88) Semântica, sinonímia, homonímia e outros Para compreender a semântica em suas características na estrutura da Libras, vamos retomar o “real significado das palavras e da sentença” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 21), em seus diferentes níveis linguísticos: morfológico, lexical, sintático e, sobretudo, nos aspectos semânticos (sinonímia, antonímia, homonímia, paronímia e polissemia) quanto ao significado das palavras que compõem o sinalário da Libras em razão dos contextos envolvidos. Desta forma, abordaremos cada um desses aspectos semânticos em exemplos expostos para as explicações, começando por sinonímia: Sinonímia: Relação semântica estabelecida entre duas ou mais palavras/sinais que apresentam o mesmo significado. Por exemplo, na língua portuguesa, carro e automóvel tem significados muito parecidos. O mesmo se observa em moradia e residência; delicioso e saboroso etc. Na Libras, há dois sinais para o significado de gostar. (CAMPOS; ALMEIDA, 2019, p. 103) Figura 10 | Exemplo de sinonímia em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 103). Mediante essa foto, fica claro como se processa a diferença na configuração de mão. Do lado esquerdo, podemos compreender a sinalização amar, e, do lado direito, gostar. Antonímia é o fato de duas ou mais palavras possuírem significados apostos, ou seja, uma relação de oposição e contrariedade entre os termos que são formados pelos antônimos. Antonímia: Relação semântica entre palavras/sinais que apresentam significação oposta. Por exemplo, antônimos são acender/apagar, abrir/fechar e amar/odiar. (CAMPOS; ALMEIDA, 2019, p. 104) Figura 11 | Exemplo de antonímia em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 104). Mediante a imagem sinalizada, percebemos que o movimento e a configuração da mão é a mesma, porém o que as diferencia é o movimento dos sinais. A seguir, temos a homonímia, na qual, embora se apresente mesma sinalização, há diferenciação no sentido e na origem da sinalização. Figura 12 | Exemplo de homonímia em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 105). Mediante esses exemplos de homônimos entre os sinais de laranja e sábado, dezembro e Natal, percebemos que cada um apresenta suas características contextuais, porém o sinal é o mesmo. Paronímia indica que dois ou mais sinais sinalizados em um mesmo local, porém, com a configuração ou movimento e sentido diferenciados. Figura 13 | Exemplo de homonímia em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 106). Embora a paronímia apresente dois ou mais sinais em suas diferenciações, por outro lado, a polissemia busca relacionar os sinais com os resultados de significados diferentes. Vale ressaltar que, para os sinais polissêmicos, não basta ter os mesmos parâmetros e conjunto de expressões e movimentos, pois é preciso considerar os diferentes contextos sinalizados. Estrutura sintática da Libras Para aprofundamento de estudos sobre a estrutura sintática da Libras, apresentaremos as informações sobre como as palavras se organizam, na estrutura do texto, pois, Segundo Campos e Almeida (2019), citando Quadros e Karnopp (2004): A sintaxe permite a combinação de palavras, mas com um olhar sempre atento às restrições impostas por princípios (regras) que a determinam (...) tendo em vista a ordem estrutural e gramatical em português sujeito (S), verbo (V) e objeto (O) – estrutura conhecida como SVO. Nas línguas de sinais, essa exigência em manter as sentenças estruturadas no formato SVO não acontece, pois, diferentemente do que ocorre nas línguas orais, as de sinais são organizadas no espaço e podem ser estruturadas na ordem SOV, SVO ou VSO. (CAMPO; ALMEIDA, 2019, p. 108) Seguindo essa dinâmica, podemos considerar diferentes maneiras de a língua de sinais estabelecer relações gramaticais no espaço utilizado para que as combinações lexicais aconteçam de maneira a legitimar a demarcação tanto de seres quanto de objetos, num dado espaço, onde ocorre o ajuste do local da sinalização. Assim, estabelecida a relação com os referentes do discurso e os pontos específicos no espaço, Campos e Almeida (2019, p. 108-109) enfatizam que esses referentes podem ser retomados, no discurso, quantas vezes forem necessárias. Ademais, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 127-130), “o local onde acontece a realização do sinal pode ser referido por meio de vários mecanismos espaciais”. Por exemplo: fazer o sinal em um determinado local, de forma que tal sinal acompanhe o local estabelecido pelo referente. Assim, direcionar a cabeça e olhar (às vezes, o corpo também) para localização em que o sinal foi executado. Utilizar apontamentos (como dedo indicador) antes de um sinal referente específico. Usar verbo direcional (com concordância), incorporando os referentes previamente introduzidos no espaço. Com o objetivo de delinear algumas considerações sobre os mecanismos citados, Campos e Almeida (2019, p, 109-112) apresentam como exemplo um texto em língua portuguesa, para, em seguida, apresentá-lo em Libras, de forma que é percebida a relação dos elementos gramaticais estruturais da Libras com os referentes do discurso. Vejamos a seguir o texto em português e, em seguida,em Libras: (texto em português) Laura está muito feliz, pois se mudou com seus pais para uma casa nova na cidade. O pai de Laura se chama João, e sua mãe se chama Maria. Ele é formado em química, e ela, em pedagogia (CAMPOS, ALMEIDA, 2019. p. 110-112) Nessa citação, vimos como está estruturado o contexto em português em sua estrutura sintática. A seguir, vamos compreender como se processa a estrutura sintática da Libras. Figura 1 | Exemplo em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 110). Observamos, no texto, que algumas estratégias podem ser adotadas para que o discurso fique evidente para o interlocutor. Daí a necessidade de o texto ser “espacialmente mais organizado”. Assim, quem soletrar o nome do pai de Laura, João, deve direcionar levemente o corpo e o olhar para a esquerda do leitor (conforme indicação da seta). Figura 2 | Exemplo de soletração em Libras. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 111). Quem for soletrar o nome de Maria, a mãe de Laura, deve direcionar levemente o corpo e o olhar para o lado oposto ao de João, ou seja, para a direita do leitor. Assim, também, para indicar a formação dos pais de Laura, retomando os referentes descritos anteriormente nos espaços por meio de apontamentos e direcionamento do tronco e dos olhos. Figura 3 | Exemplo do uso do espaço para referenciação. Fonte: Campos e Almeida (2019, p. 112). Recursos narrativos da Libras O discurso narrativo tem como recurso os materiais em histórias em quadrinhos, recriação de história em quadrinho produzida pelos estudantes para uma perspectiva cultural bilíngue surda, vídeos em Libras com roupas de personagens, contextos, complementariedade de ideias em narrativa de acordo com as imaginações e em expressões linguísticas. Outro ponto importante, para o entendimento da literatura ou da narrativa como um todo, está na organização dos principais pontos da obra. Ou seja, em varal ou mapeamento conceitual, destacar as histórias e o que mais importa para o entendimento imagético, material e, sobretudo, sinalizado. Destarte, não podemos interpretar a sinalização ou a comunicação em língua de sinais como sinônimo de recursos, pois não é disso que se trata. Os recursos são formas pelas quais se cria e recria a materialidade para legitimar o entendimento narrativo. A Libras é o processo natural e comunicativo na cultura surda. A Libra tem a sua importância cultural para a formação de conhecimento e de linguagem, assim, por meio dos personagens, do contexto, das questões sociais, reflexões em moralidade e precisamente na forma comunicativa de se fazer entender no espaço de sinalização é que precisamos olhar e reinterpretar novamente as referências de narrativa. A narrativa não trata somente de contar a história, mas do uso e processo linguístico de personagens em relação a um referente mencionado por meio de classificadores, ou seja, o próprio classificador faz parte do contexto narrativo quando estabelecemos um tipo de concordância em uma língua. Assim, na Libras, as classificações podem se manifestar de várias formas, em uma desinência, seja em masculino e feminino para estabelecer concordância em consonância com o verbo, por exemplo. Quando em narrativa ou em contexto se atribui uma qualidade, seja: arredondada, quadrado, cheio de bolas, de listras, etc., esses são tipos de classificação, porque é uma adjetivação descritiva. Quando se trata de narrativa e do processo na comunicação, classificadores são formas necessárias para estabelecer clareza dos significados do que se quer explicar. Assim, na Libras, os classificadores são formas representadas por configurações de mãos que, relacionadas à coisa, pessoa e animal, funcionam como marcadores de concordância. Vale ressaltar que os classificadores podem ter plural, que é marcado ao se representar em movimento repetido. Dessa forma, os classificadores para um determinado objeto podem representar concordância e característica do objeto por meio da ação verbal. O classificador descritivo faz referência ao tamanho e forma de objeto ou contexto, seja pela aparência de um objeto, do tamanho, da textura ou do desenho, etc. Em uma narrativa, isso pode ser simplificado no contexto da forma e do desenho de um vaso, da descrição da roupa ou dos itens que estão no corpo de um determinado personagem, por exemplo. O classificador que especifica o tamanho e a forma de uma parte do corpo serve similarmente para a forma, o tamanho, e a textura de uma parte do corpo de pessoas ou animais ou outro contexto em que faz sentido com a temática, por exemplo: as orelhas, bicos de aves, penteado de uma pessoa, e outras partes que merecem descrições. Assim, o classificador de uma parte do corpo, por exemplo, retrata a forma de uma parte desse corpo, ou do corpo inteiro. O classificador locativo tem o intuito de retratar um objeto como lugar determinado em relação a outro objeto, por exemplo: a biblioteca onde todos os livros estão presentes. O classificador semântico tem a função de retratar um objeto em um lugar ou o modo como é retratado. O classificador instrumental mostra como se usa um determinado objeto ou alguma coisa: uso de caderno, limpando com um apagar o quadro negro, etc. O classificador do plural indica a posição de um número de objetos, pessoas, ou animais. Isso depende da forma como é sinalizada, por exemplo: fila comprida de pessoas avançando lentamente, quantidade de estudantes sentados em sala de aula, etc. O classificador de elemento retrata os elementos ou coisas que não são sólidas, por exemplo: ar, fumaça, água/líquido, chuva, fogo, luz. O classificador de nome e número são parte de uma descrição sobre números e nome, por exemplo, na camisa de futebol, título de um livro, uma sigla, etc. Vimos vários tipos de classificadores que, dependendo do contexto, podem ser utilizados em narrativa em referência aos personagens, aos jogos de mudança de papéis, ou seja, caracterizando sempre mudança na posição do corpo, na expressão facial e no olhar e no papel de um personagem, de modo a mapear a disposição desses mesmos objetos ou pessoas no espaço. As relações espaciais entre os sinais correspondem às relações reais entre objetos descritos. Elas são representadas pela característica visual-espacial, em vez de oral-auditiva, ou seja, pela formação dos sinais, que responde pela organização em estruturas frasais e em textos. Classificadores e contexto É fundamental compreender os classificadores no contexto explicativo da aula, pois os aplicar não significa isolá-los do contexto, mas inseri-los nele. Assim, ao referirmos o modo sinalizado, estamos representando e apresentando formas em descrição que substituem o nome que as precedem. Ou seja, a maneira como é incorporada a sinalização descrita que pode “vir junto com o verbo para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo” (FELIPE, 2009). Para Ferreira (2010), os classificadores funcionam, em uma sentença, como partes dos verbos de movimento, localização, ou seja, os movimentos e localização sinalizada permite campo de representações por meio de categoriais que revelam o tamanho, formato, objeto, descrição de animação corporal seja em personagens, animais, ou até mesmo em um instrumento que é usado. O que questionamos é: em que momento e para que os classificadores devem ser utilizados? Para explicar a importância do uso dos classificadores, Morgan (2005) faz referência aos exemplos de narrativas quando um classificador é usado para manter em destaque a referência de um objeto ou de um personagem, mesmo que não tenha um sinal próprio. Para o autor, o sinal utilizado vai buscar se adequar ao que está sendo abordado para trazer melhor entendimento do contexto. Para sairmos do plano teórico e compreender na aplicação prática da sinalização, mostraremos, a seguir, alguns exemplos para entendimento de como isso pode ser incorporado por meio contextual de sinalização seja em narrativa ou em explicação. Figura 4 | Exemplo de marcador com objeto. Fonte: Pereira (2011, p. 83).Mediante a imagem, vimos que, com a configuração da mão em C, além do COPO, há de se compreender a descrição e a forma como esse copo caiu. Ou seja, descreve-se o objeto em queda. Esse classificador descritivo do objeto em determinada situação nos permite compreender que o COPO sofreu queda, ou seja, o movimento de CAIR é interpretado como COPO CAIR e, em português, “o copo caiu”. Outra explicação que consideramos oportuna está na descrição de como a pessoa anda e depois cai. Vejamos a seguir quando queremos nos referir a duas pessoas andando e, depois, caindo: a configuração de mão está em V e o movimento em ziguezague ou reto ou inclinado, ou caso queira, fazer em ritmo lento, etc. São várias formas e características que dependem do contexto da explicação e interpretação. Figura 5 | Exemplo de marcador com pessoas. Fonte: Pereira (2011, p. 83). Diante do exposto, podemos perceber duas diferentes situações e diferentes frases. Dessa forma, não está inserido somente o sinal, mas o modo como se descreve a situação para se compreender o contexto, ou seja, são modificações observadas, em cada sinal, para referenciar as características que as compõem. Nos classificadores da Libras, como uma língua viso-espacial, temos seus componentes de contextualização relacionados ao verbo para o seu referente de modo a realizar o contexto expresso. Exemplos: MESA; COPO em formato arredondado; colocar COPO na mesa; pessoa CAIR; etc. Vejamos a seguir a forma sinalizada para se compreender os exemplos mencionados. Figura 6 | Mais exemplos de marcadores. Fonte: Felipe (2009, p. 168-169). Essas caracterizações têm seu modo de ser quando consideramos a ordem estrutural das línguas de sinais em contraposição às línguas orais. Nesse sentido, quando usamos os classificadores, vemos que eles apresentam três fatores importantes: princípios universais linguísticos; especificidades linguístico-culturais de cada língua e restrições devidas ao canal de manifestação dessas duas modalidades de língua; o terceiro fator está em considerar as línguas espaço-visuais, línguas de sinais, como pertencentes à própria concepção cultural que tem o potencial linguístico a ser manifesto. Competências e habilidades em perspectiva cultural surda e em sua gramaticalidade linguística Olá, estudante! Compreender as competências e habilidades em perspectiva cultural surda, em sua gramaticalidade linguística, significa promover a capacidade de mobilizar as habilidades nas relações sociais, precisamente no contexto educacional, ou seja, o modo como devem ser aprendidas enquanto formação de educadores e, ao mesmo tempo, permitir a aplicação prática da comunicabilidade na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Por outro lado, quando nos pautamos nas competências que devem ser desenvolvidas na educação e formação desses estudantes surdos, estamos, sem dúvida, valorizando o conhecimento tanto do professor quanto dos estudantes; o pensamento científico, crítico e criativo; a precisão maior no repertório linguístico, comunicativo e cultural; e pontualmente, o sentido e projeto de vida para a argumentação de modo a dar sentido não pela simples empatia, mas pelo autoconhecimento de cada estudante e de todos, inseridos nos espaços educativos, para o respeito e legitimidade enquanto cidadão. Oportuno ressignificar o papel do professor no contexto de formação educativa e de comunicação para com os estudantes surdos. Para isso, temáticas bem como: os pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos, interrogativos; advérbios de lugar; e contextos de negação são importantes para compreendermos como o contexto linguístico e a forma comunicativa adquire legitimidade nas evidências semânticas. Em processo de aula, embasamos o nosso aporte teórico em consonância com a prática social, ou seja, características e mudanças por meio de exemplos da comunicação cotidiana, sinais, sintaxe e, sobretudo, contexto em Libras. É essencial compreender que os tipos de verbos (simples, direcionais e espaciais) são formas de sinalização, cada qual em seu contexto. O professor precisa entendê-las não apenas em razão da dimensão de suas funções e caracterizações, mas para estruturá-las, em processo educativo, para melhor adequar sua pedagogia ao processo de ensino-aprendizagem. Portanto, há que se ter consciência da presença dos verbos no processo comunicativo, no contexto explicativo e nas argumentações. Levando-se em consideração os aspectos gramaticais da Libras, a língua das comunidades surdas brasileiras, podemos afirmar que a flexão verbal, elemento que designa a pessoa do discurso (ou seja, se primeira, segunda ou a terceira), bem como o número (que pode se tratar do singular ou do plural), ocorre por mecanismos discursivos, contextuais e especiais que apontam sua importância no processo de ensino e de aprendizagem dos estudantes surdos. Por esses princípios, consideramos que a magnitude do alcance do que aqui está exposto diz respeito, também ao modo pelo qual o estudante empreende seu relacionamento pessoal com o aprendizado que recebe. Nesta aula de revisão, compreendemos os aspectos gramaticais da Libras enquanto adensamento teórico-prático e conceitual que serão os norteadores para refletirmos sobre a importância da língua de sinais, a Libras, na constituição dos sujeitos surdos. Lembrando que a Libras não é uma adaptação da gramática da língua portuguesa, pois possui estrutura gramatical própria na qual estão presentes todos os elementos gramaticais que compõem seu sistema linguístico. Portanto, devemos considerar que, para a comunicação em Libras, precisamos ir além do conhecimento sobre os sinais. Por isso, torna-se imprescindível conhecer como está estruturada sua gramática e como será realizada a articulação visual-gestual na comunicação e na expressão de qualquer pensamento em Libras nas diversas disciplinas, como: história, sociologia, literatura, filosofia, matemática, etc. Estudo de caso A seguir, em contextualização da realidade educativa, veremos que é comum nos depararmos com a chegada de novos estudantes surdos, ingressos nos espaços educativos. Assim, levando-se em conta que nem todos tiveram o mesmo ponto de partida no processo educativo e de oferta de capital cultural, alguns foram mais instruídos enquanto outros menos, cultural e linguisticamente. Embora haja um descompasso social e educativo, há situação em que o estudante surdo não sabe se comunicar em Libras e nem em português escrito e oral. Nesse ambiente, além da defasagem de comunicação, esse estudante está lá, apenas preenchendo o espaço escolar, como mais um em sala de aula. Aqui, a contradição se manifesta. Outra situação encontrada na realidade educativa, que precisamos entender e acompanhar de perto, é aquela em que o professor saber Libras não é suficiente, pois ele precisa despertar nos estudantes surdos novos vocabulários, para além da formalidade, seja no processo comunicativo seja na contextualização em conversa, etc. Por isso, quando o professor recebe esses estudantes surdos, o dilema está em realizar a leitura e interpretar o texto, estimular a escrita em processo de alfabetização ou aprimorar a língua de sinais em forma de comunicação. Diante dessa situação-problema, em sala de aula, propomos: Como primeiro passo, para a evolução do estudante, o professor precisa ser proficiente na língua de sinais – no básico, no intermediário e avançado; caso o professor não tenha domínio ou fluência em comunicabilidade, ele deve, conscientemente, enquanto profissional, buscar, em pesquisas e/ou estudos diversos, obter esse aporte linguístico dos sinais, das diversas formas comunicativas, e de entendimento comunicativo, etc. Como segundo passo, identificar e conhecer cada estudante, a sua forma de se comunicar, de interagir, os vocábulos em gírias, informal, formal, etc. Com base nisso, interagir em comunicação para compreender o nivelamento desse estudante e, a partir daí, saber qual o ponto em se avançar o conteúdo ou não. Como terceiro passo, identificar comoé o desenvolvimento de escrita desse estudante e, assim, considerar as estratégias de ensino pertinentes ao aprimoramento dela. Outra situação-problema, apresentada aqui, é que alguns considerarem o oralismo como status superior à língua de sinais, o que revela ainda falta consciência crítica mais profunda. Atrelado à mentalidade médica, ao conservadorismo e ao monolinguismo, esse olhar negativo, compromete o itinerário estudantil desses estudantes surdos. Por isso, o professor precisa considerar a importância da Libras, em formação, valorizando o aporte cultural-linguístico surdo, também, para o aprendizado de outras disciplinas, do mesmo modo que o português tem em seu repertório. ______ Reflita Mediante o contexto da situação-problema exposto e os passos necessários para superar essas problemáticas, você, em condição de professor, deverá produzir 5 vídeos em Libras de modo que haja contexto educativo, para o envio dessa atividade. Ao receber estudantes surdos oriundos de famílias, escolas e condições sociais diferentes, o professor precisa recriar materiais, dinâmicas e produções, ainda não implementadas, no campo da prática de ensino. Para colocar a mão na massa, vamos discorrer sobre diversos pontos pedagógicos, a seguir, em valorização à cultura surda, enquanto contexto linguístico. Ou seja, criar projetos articulando-os ao ensino, aos conteúdos e ao lúdico – uma maneira de expressar sentimentos para além da empatia, de forma a permitir a potencialidade significativa no processo de ensino-aprendizagens. Em se tratando de educação infantil ou fundamental I, um exemplo são as cartas em jogos de memórias, que possibilitarão assimilar não apenas os sinais, mas as correspondentes do que se trata e como desenvolver a sinalização ou o desenho daquela carta em processo do português escrito. A temática, para identificação das cartas, em jogo de memória, pode ser diversa: natureza e sociedade; artes visuais; matemática linguagens; personagens narrativos; etc. A produção desse material lúdico apenas requer gastos com colagens de imagens e tesoura com ponta arredondada para o corte de cartolina. O professor pode produzir esses materiais em coletividade, deixando para turma a escolha das temáticas. O objetivo dessa dinâmica está em desenvolver a autoestima, valorizar os sentimentos das crianças e dos estudantes inseridos no ambiente escolar. A interação coletiva para o desenvolvimento estudantil vai além dessas produções lúdicas, uma vez que, quando cada grupo apresenta suas respectivas temáticas sobre o jogo de memória, expande suas expectativas. Conveniente deixar claro que as crianças e os estudantes manifestem as expressões faciais adequadas à representação sinalizada. Mediante esse contexto, o professor explicará como desenvolver a escrita daquela imagem, o contexto em que está inserida, como podemos pensar na formação de frase para o processo da escrita e os sentimentos que traduzem. Embora tenhamos demostrado exemplos de como criar materiais lúdicos para crianças de ensino infantil e fundamental I para o desenvolvimento dos sinais, da escrita, do contexto, das expressões, essas dinâmicas são importantes para aprimorar o conteúdo trabalhado em sala der aula. Por outro lado, ao tratarmos de narrativa para o ensino médio, o processo de leitura e acesso de vocabulário, perceberemos que nem sempre os estudantes têm um repertório apurado para compreenderem o contexto. Nesse sentido, eles necessitam de recursos estratégicos para potencializar o entendimento. Daí a importância da participação desses estudantes em sala de aula. Dinamizar atividades, em grupo, de modo que cada um traga uma imagem com um resumo no verso do que representa aquele contexto, é uma forma de estimular o debate. Feito isso, o professor mediará a apresentação dos grupos, de forma sequencial, para exporem o entendimento em aprofundamento a explicação. Posto isso, cada grupo colará no quadro as imagens para que, ao final da narrativa discutida, a sala tenha plena compreensão do contexto. Diante do exposto a respeito desses materiais lúdicos, de narrativas literárias, tanto para o ensino infantil, fundamental I e ensino médio, em dinâmicas interativas, valorizadas pela cultura surda em sua visualidade cultural, aqui fica sugerido o compromisso e a responsabilidade de o professor pensar em como utilizar materiais didáticos de maneira lúdica. Quando você, em condição de professor, escolher uma turma para recriar esse material, atividade ou dinâmica, torna-se necessário explicar, passo a passo, por escrito ou em vídeo por meio da Libras, o que você pretende com essa atividade. Entrelaçando disciplinas por meio da Libras Olá, estudante! Atribuímos as competências aos profissionais da educação para esta unidade: entrelaçar disciplinas por meio da Libras significa articular as disciplinas de modo dialógico, convergindo para o entendimento amplo, ou seja, repertório para além do aspecto linguístico. É preciso que o professor tenha habilidades necessárias na disciplina em que ministra, para atravessar fronteiras, envolvendo outras áreas do conhecimento aos diversos segmentos de conteúdos temáticos, teórico-práticos. É necessário reinterpretar a educação na prática de ensino, no âmbito conceitual em termos estritos de conteúdos, de interpretação e, precisamente, das aplicações práticas de exemplos concretos e de desenvolvimento de competências, a ser realizado na ação, de forma dialógica com os estudantes surdos. Destarte, é oportuno que o professor, em suas habilidades nas aulas práticas em contexto de ensino-aprendizagem, desperte os estudantes surdos de modo a empreenderem maior envolvimento com os conteúdos tanto em perspectivas culturais quanto linguísticas surdas. Vale ressaltar que o material didático ofertado por meio de apostila, ilustrações, sinalários, vídeos e orientações necessárias devem ser elaborados a partir da realidade surda, para os profissionais da educação trabalhá-los com os estudantes surdos. Destarte, estes podem não apenas incorporar os conteúdos, mas desenvolver a competência esperada para buscar solucionar qualquer situação por mais complexa que seja em vista da realidade contraditória em que os surdos estão inseridos social e educativamente. É importante, inclusive, instigar aos estudantes surdos uma ação reflexiva que envolva a realidade complexa, tanto no âmbito social quanto educacional e conteudístico. Nesse sentido, questionamos como entrelaçar as diversas disciplinas por meio da Libras? Em processo de aula prática, a dimensão do português e da literatura está em construir sentidos na formação dos estudantes surdos, no processo de ensino-aprendizagem, no contexto da compreensão do conteúdo explicativo, da leitura, da escrita, da aquisição de aprendizagens de modo entrelaçado. Ou seja, a percepção cultural linguística da Libras, em intermediação de comunicabilidade e de ensino-aprendizagens, fortalece sentido e proporciona reflexões para a prática educativa. Considerar as disciplinas de história, ciências sociais, geografia, filosofia e artes para além da interdisciplinaridade, mas em transdisciplinaridade, subentende-se processar e ressignificar o conhecimento de modo a estimular e garantir a formação desses estudantes surdos. Em se tratando de matemática e física, não significa somente compreender as questões numéricas, mas a interligação da realidade vivida por esses estudantes surdos com o contexto social e cultural com propósito de aproximações de conteúdos pertinentes às questões de visualidade no ensino-aprendizagem. Ou seja, reconstruir suas práticas de ensino mediante as diversidades desses estudantes para que as estratégias de ensino, de jogos-didáticos, de raciocínio lógico, etc., criem possibilidades de novas maneiras de se aprimorar conhecimentos tanto de quem aprende quanto ao que se aplicar na realidade de ensino. O conteúdo investigado pelas disciplinas de ciência, biologia e química proporciona aos estudantes surdos compreenderem os contextos da vida quedesfrutam com os outros seres vivos de modo a trazer sentido para a formação, sobretudo, quando as estratégias de ensino, por meio de materiais lúdicos e pela habilidade do professor no uso de recursos de materiais didáticos e de apoio, consubstancia uma pedagogia libertadora por conta do aporte instrucional que disponibiliza em sala de aula, ou seja, diversos caminhos para o aprimoramento de conhecimento. Estudo de caso Para o engajamento da praticidade educativa, em estudo de caso, imagine você, professor de educação básica, ingressante, ao se deparar com: a instituição sucateada, falta recursos de materiais didáticos, ausência de intérpretes de Libras em sala de aula, multiplicidade cultural e linguística de estudantes oriundos de outras regiões e bairros. Nesse ínterim, em condição de professor, você conhecerá cada estudante em seu contexto social, cultural, familiar e educativo. A preocupação está sempre em como aproximar-se desses estudantes para estabelecer vínculo, em garantia de credibilidade tanto do seu trabalho como professor quanto da realidade de vivência desses estudantes, ali alocados, em sala de aula. Embora haja diversos estudantes, você, em condição de professor neófito dessa instituição escolar, aos poucos conhecerá os indivíduos inseridos nesse espaço educativo. Em sala de aula, para o processo de leitura e dinâmica, um estudante começa a ler o texto; no meio da leitura, você interrompe e escreve no quadro e ao mesmo tempo fala e comenta sobre o conteúdo. Para dinamizar a aula, você resolve trabalhar com música em seu contexto histórico, trechos de filmes e cada qual com suas opiniões e articulações de ideias e opiniões. A fim de dinamizar o conteúdo, você esquematiza em parágrafos o resumo do que foi tratado na aula. Reconhecendo a precariedade institucional, ainda não podemos negar a potencialidade dos estudantes. Entretanto, na condição de professor, observa que há uma estudante quieta e que, em nenhum momento, participou da aula, das conversas e nem dos conteúdos. Quase ao findar a aula, você pergunta para a estudante por que ela não está participando? Os demais alunos mencionam que ela é surda! De imediato, você fica chocado por não ter obtido essa informação com antecedência. Tomado por uma angústia, diante do ocorrido, você percebeu que todo aquele conteúdo, para aquela estudante, não fez nenhum sentido, que não obteve aquisição de conhecimento e de valores, ou seja, tudo o que foi tratado, programado e preparado como roteiro para ser usado, na aula, estava condicionado ao público composto por estudantes ouvintes. Diante dessa realidade, você abordará e contextualizará, em condição de professor, o seu papel na conduta em sala de aula: como compreender a educação bilíngue para os estudantes surdos em uma perspectiva cultural? Qual o papel do professor na prática de ensino para surdos? Como contemplar a metodologia e a didática de ensino para os estudantes surdos? Como processar uma explicação na qual há diferenças entre aquisição e aprendizagem do português para os estudantes surdos? Diante do exposto, você responderá em contexto a esse desafio proposto, e deverá produzir um texto de 350 a 450 palavras. _______ Reflita Diante dessa situação-problema, pedimos que veja os quatros vídeos a seguir no canal de Elias Paulino da Cunha Junior no Youtube: · Diferenças entre Aquisição e Aprendizagem do Português para alunos Surdos. · Metodologia e Didática de Ensino para os Alunos Surdos. · Papel do Professor na Prática de Ensino para Surdos. · A Educação Bilíngue para Alunos Surdos em uma Perspectiva Cultural. · Embora tenhamos a situação-problema em realidade concreta, em sala de aula, há de se compreender que a questão não se trata somente ao contexto social educativo, mas ao processo cultural-linguístico que permite novos repertórios de conhecimento em partilha, habilidades e competências necessárias por parte do professor em atuação para a resolução de problemas. · A resolução de problemas, ao considerar a fragilidade social, cultural, linguística e institucional enquanto estrutura, necessita de aporte de materiais didáticos para pensar a praticidade de ensino, de modo que corresponda aos estudantes e, precisamente, aos surdos, nesse processo pedagógico. · O professor, para trabalhar em sala de aula, precisa, com antecedência, preparar o plano de aula, os conteúdos, pesquisar os sinais, contexto sinalizado, conhecer os materiais didáticos tanto em Libras quanto em português; caso não os tenha, oportuno será recriar esses materiais. · A questão está em compreender, como o professor prepara o plano de aula que corresponda aos estudantes surdos? Traçar esse itinerário aos futuros formadores de educadores oportuniza a praticidade de ensino, em processo de qualidade cultural e linguística. · Para o plano de aula, o professor precisa ter, antes de tudo, o domínio do conteúdo, do assunto e do ensino de formação que se tem para ensinar, assim, há de se considerar o conhecimento necessário que a formação exigiu para fazer valer o conteúdo a quem se ensina. · Conhecer a turma é extremamente relevante para compreender o itinerário social e histórico de cada estudante; assim, socializar experiências e conhecimentos potencializa laços para além da sala de aula, nas percepções de mundo. · O fato de haver situações inusitadas, em que a própria formação não lhe garantiu os conhecimentos necessários, por exemplo: sobre cultura indígena, cultura dos quilombolas, cultura surda, etc., significa que a formação deve ser continuada, pesquisada, inovada e repensada para se autorreestruturar com a mudança histórica e social que a engendrou conforme as mudanças curriculares de ensino. Então, os profissionais da educação devem abraçar a causa e enfrentar os desafios de transformar a educação, propósito pelo qual se responsabilizou. · Diante dessas diversidades, conhecer a turma oportuniza dinamizar o tema a ser tratado em sala de aula. Ou seja, o que será trabalhado em sala de aula e/ou o capítulo do livro didático. O tema é fundamental para o processo de ensino-aprendizado; caso haja uma montagem realizada pelo próprio professor, ele deve escolher o que de fato importa para a formação desses estudantes e para a vida! Caso, contrário, tem que seguir a proposta curricular e didática que seja necessário à identificação do tema não de modo isolado, mas de forma que o processo explicativo faça sentido tanto quanto ao assunto que será tratado quanto à formação desses estudantes. · Não basta apenas obter o tema da aula seguindo o currículo disciplinar ou escolha do tema, mas considerar em objetivo geral a relevância social e/ou educativa, assim, pensar e refletir a quem se destina o ensino, ou seja, se somente aos estudantes surdos e/ou surdos e ouvintes no processo de ensino-aprendizagens e de que modo buscar contemplar a todos. · Por outro lado, quanto aos objetivos específicos, como o professor pretende relacionar o conteúdo em sala de aula com a realidade de vida desses estudantes surdos; como convergir às diferenças e diversidades culturais e linguísticas em sala de aula por meio dos conteúdos. · Elencar os conteúdos programáticos em topicalização dentro do próprio assunto de aula ou do capítulo, a ser trabalhado em sala, significa programar do que se trata ou a que se refere aquele determinado assunto. Para isso, consideramos um passo necessário para desenvolvimento metodológico o passo a passo da aula em atuação de ensino. · Embora o professor tenha os conteúdos programáticos, como roteirização do que se trata daquele capítulo ou do assunto temático, para que de fato as aulas sejam contempladas na prática, ele deve pensar quais os recursos didáticos para o ensino usará em sala de aula, exemplos: fontes documentais de época, fotos, imagens, lousa, mapas, projetor, livros, maquete, filmes, documentário, jogos interativos, história em quadrinhos, etc., ou seja, a organização desses recursos oportuniza uma boa praticidade de ensino. · Assim, em se tratando depraticidade de ensino, no desenvolvimento metodológico devemos fazer as descrições de ações, de forma contextualizada, expondo a dinâmica detalhada em sala de aula, com exemplos para a caracterização de ensino-aprendizagem, ou seja, deverá apresentar o contexto contemplando as diversidades e os aspectos culturais, em sala de aula. Nessa direção, é importante sempre fazer a relação com os autores pesquisados para que o ensino esteja em consonância com as abordagens teóricas e práticas no processo educativo. · Então, para facilitar e melhor subdividir a explicação da aula, detalhar a cada momento, passo a passo da/ou das aulas, permite compreender como será a dinâmica e o resultado que se espera obter naquela aula. · Assim, o professor precisa decidir na avaliação do aprendizado quais são as atividades e modelos avaliativos que abordará com os estudantes em sala de aula e como pretende avaliar, as expectativas em resposta sobre a prática de ensino e o que se espera desses estudantes, etc. · Destarte, para além da língua de sinais, a Libras não é um recurso didático e muito menos um recurso linguístico, mas é próprio processo cultural-linguístico que devemos compreender na dinâmica de ensino-aprendizagem. · Diante a essa situação, você elaborará um plano de aula em perspectiva cultural surda de modo transdisciplinar, ou seja, articulando as disciplinas no plano de aula no qual contextualizará: a turma (sala de aula ou série); o tema a ser tratado em sala de aula (título do assunto ou do capítulo do livro didático); objetivos: geral e específicos; conteúdos programáticos; os recursos didáticos; desenvolvimento metodológico e avaliação do aprendizado. · Escreva de 350 a 450 palavras, contextualizando o plano de aula.