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Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes José Raimundo Facion Márcia Maria Stival DIVERSIDADE NA APRENDIZAGEM DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DIVERSIDADE NA APRENDIZAGEM DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes José Raimundo Facion Márcia Maria Stival DIVERSIDADE N A APREN DIZAGEM DE PESSOAS COM N ECESSIDADES ESPECIAIS Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-1110-0 Código Logístico 41986 Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes José Raimundo Facion Márcia Maria Stival IESDE Brasil S.A. Curitiba 2015 Diversidade na Aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images M664 Minetto, Maria de Fátima Joaquim ET ALL. / Diversidade na aprendi- zagem de pessoas com necessidades especiais. / Maria de Fátima Joaquim Minetto ET ALL. — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010. 284 p. ISBN: 978-85-387-1110-0 1.Educação Especial 2.Deficientes – Educação 3.Educação Inclusiva 4. Estu- dantes deficientes I.Título II. Prestes, Irene Carmem Piconi III. Facion, José Raimundo IV. Stival, Márcia Maria CDD 371.9 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP, 1985), Educação Artística pela Faculdade de Artes do Paraná (1983) e Mestrado em Educa- ção pela Universidade Federal do Paraná (UFPR, 2000). Atualmente é professora da Prefeitura Municipal de Curitiba e professora adjunta da Faculdade Evangélica do Paraná. Também ministra aulas em pós-graduação em diversas instituições. Maria de Fátima Joaquim Minetto Psicóloga, Psicanalista, Mestre em Educação (UFPR) na linha de Currículo. Pro- fessora adjunta na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e Uniandrade. Psicóloga Escolar. Irene Carmem Piconi Prestes Psicólogo, Doutor pelo Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Münster – Alemanha, Professor Titular no Programa de Mestrado e Coordenador do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem da Universidade do Contestado (UnC), Campus Caçador. José Raimundo Facion Musicoterapeuta, Doutoranda em Psicologia; Especialista em Educação Especial (IBEPX) e Neuropsicologia e Aprendizagem pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Musicoterapeuta Escolar e Clínica. Professora da Faculdade ISULPAR (Instituto Superior do Litoral do Paraná). Márcia Maria Stival Sumário Olhar a diversidade, olhar o todo ....................................... 15 Abordagem teórica ................................................................................................................... 16 O professor e o diferente ....................................................................................................... 19 O medo ......................................................................................................................................... 20 A diferença e a prática pedagógica ................................................................................... 22 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente ............................................................ 31 Resistências ................................................................................................................................ 34 Contextualizando a ação pedagógica .............................................................................. 38 A inclusão através dos tempos ............................................ 45 Um pouco de história ............................................................................................................. 45 O novo paradigma ................................................................................................................... 47 As pesquisas sobre o professor e a inclusão ................................................................... 49 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” ............................................. 63 O professor e a criatividade ................................................................................................... 67 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar .............................................. 81 A pluralidade na escola ........................................................................................................... 82 Cidadão no papel ...................................................................................................................... 86 O lugar da criança .................................................................................................................... 88 Percorrendo o caminho do infantil ..................................................................................... 90 Inteligências múltiplas .......................................................... 97 A diversidade de aprendizagem sob a perspectiva das inteligências múltiplas ......................................................................100 A diversidade na educação de jovens e adultos .........................................................102 A EJA e os alunos com necessidades educativas especiais .....................................104 O filho com deficiência .........................................................115 A chegada de um filho especial .........................................................................................118 Prevenção .................................................................................131 O Apgar ......................................................................................................................................133 Teste do pezinho .....................................................................................................................135 Crises convulsivas ..................................................................143 As crises.......................................................................................................................................145 O que podemos fazer para ajudar ....................................................................................148 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) .................................................159 O diagnóstico diferencial .....................................................................................................159 Transtorno Autista ..................................................................................................................160 Transtorno de Rett ..................................................................................................................162 Transtorno de Asperger .......................................................................................................162 Transtorno Desintegrativo da Infância ...........................................................................163 Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (sem outra especificação – SOE) .......................................................................................164 Procedimentos educacionais .............................................................................................164 Transtornos de comportamento disruptivo ................171 Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ......................................171 Transtornos de Conduta (TC) ..............................................................................................177 Deficiência intelectual e visual .........................................187Deficiência intelectual ..........................................................................................................187 Deficiência visual ....................................................................................................................191 Deficiência física e auditiva ................................................205 Deficiência física .....................................................................................................................205 Deficiência auditiva ...............................................................................................................211 Diversidade na sala de aula ...............................................221 Autismo .......................................................................................................................................221 O contato do educador com a criança autista .............................................................221 A atuação do educador ........................................................................................................222 Inclusão .......................................................................................................................................224 TDAH ...........................................................................................................................................225 O profissional que atua com a criança ............................................................................227 Aspectos emocionais e o cotidiano escolar .................237 Falando do dia a dia na escola: o que estamos fazendo ..........................................242 Gabarito .....................................................................................259 Referências ................................................................................271 Apresentação Caro aluno, Nosso objetivo é discutir a diversidade e suas particularidades nas diferentes necessidades especiais, considerando aspectos sociais, emocionais e relacionais que de alguma forma interferem na aprendizagem. Quando falamos em necessidades educativas especiais, estamos falando de algo complexo. Mesmo entendendo a filosofia inclusiva como justa e promotora de um contexto escolar melhor para todos, precisamos de muita cautela ao con- duzi-la. O ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no Ensino Regular por si só seria uma pseudoinclusão, o que soa-nos no mínimo como irres- ponsabilidade. A inclusão, por mais justa que seja, requer reflexão e preparo do contexto escolar. Acreditamos que possam existir diferentes formas de inclusão que respeitem a diversidade do alunado. A singularidade de cada indivíduo sus- cita a observância de cada situação em particular. Propomos aqui uma discussão da diversidade e da subjetividade de cada su- jeito, incluindo o educador, considerações detalhadas sobre as necessidades es- peciais e suas particularidades diante da situação de aprendizagem. A seguir, uma poesia sobre a alegria em ser um professor especial. Iolanda Santos Nascimento Ser professor é uma benção E tenho a graça de ser É uma missão divina Que muito me dá prazer Quando chego à escola O que mais me alegra ver É o sorriso dos meus alunos E a alegria deles ao me receber Gosto de todas as crianças Do jeito que elas são Para mim são como filhos Os filhos do coração Por eles me sinto amada, Me aceitam como sou Sou feliz com meus alunos Onde quer que eu estou Na escola, as nossas aulas É um grande divertimento Não há lugar pra tristeza Tudo é só contentamento São crianças muito sensíveis Solidárias e amorosas Amam com sinceridade E são muito carinhosos Se algo me entristece Deles não posso esconder Quando percebem me abraçam Pra tristeza desaparecer Por eles sou compreendida Somos mais que aluno e professor Nossa relação é de amizade Confiança e muito amor Somos amigos, companheiros Para mim são todos especiais Apesar de terem uma necessidade São crianças geniais Por terem uma necessidade São alvo de discriminação Por pessoas que não sabem amar Sem sentimento no coração Se eu pudesse acabaria Com qualquer tipo de preconceito Pois além de ser uma vergonha Só traz tristeza ao peito Quando a criança percebe Que é por alguém rejeitada Sente-se muito infeliz Indefesa e magoada Por que promover tristeza Se podemos dar amor Tratar a todos com respeito Evitando assim a dor De que adianta parecer bonito Quem é feio de coração Com suas atitudes mesquinhas Causando aos outro decepção Sou uma professora privilegiada Por ter alunos tão legais Sinto-me realizada Com minhas crianças especiais Olhar a diversidade, olhar o todo Maria de Fátima Joaquim Minetto Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes. Rece- bemos o sol de maneira diferente. Projetamos nossa sombra de maneira diferente. Por que então não teríamos cores diferentes? Leo Buscaglia Participando de cursos, congressos, consultorias, por todo o Brasil, pu- demos constatar que, quando o assunto é inclusão, o discurso de diversos profissionais, entre eles muitos professores, resume-se em algo como: “Eu não sou especializada para atender essas crianças...” “Sabe, não é má vontade, mas eu não tenho dom!” “Tenho muita pena dessa criança, mas tenho mais 30 me espe- rando.” “E... o governo que não faz a sua parte?” “Se eu quisesse trabalhar com deficientes estaria no Ensino Es- pecial, realmente não tenho paciência.” “Eu não sou contra a inclusão, mas acho muito difícil...” Palavras que perturbam e ao mesmo tempo refletem os conflitos. As pessoas ainda discutem se são a favor ou contra. Mas... contra quem? Contra o deficiente? Suas famílias? Contra as políticas governamentais? Contra si mesmo e seus preconceitos? Contra mudanças? Parece-nos que ainda não é claro para a sociedade o que se quer com a inclusão esco- lar. Além dos problemas de ordem política, legislações, declarações etc., existe a força dos movimentos radicais, que hasteiam a bandeira ignoran- do as consequências de uma situação imposta. Vídeo 16 Olhar a diversidade, olhar o todo Em função disso, muito se tem falado sobre inclusão nos últimos anos. Mas, enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da arte”, dis- cutindo terminologias, as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças com necessidades especiais em um fluxo cada vez mais acentuado. No meio desse turbilhão temos as escolas, os professores, as crianças e os pais tentando acertar o passo. A inclusão é um fato. Um caminho sem volta! O resgate de algo que ficou para trás na história e hoje é reparado. Nós, cidadãos, temos duas opções: pri- meiro, ficarmos estáticos, questionando, culpando e reclamando. Posição essa, que não traz alívio para as angústias e ainda produz sofrimento para si e para todos que nos rodeiam. Ou, numa segunda opção: parar, olhar a nossa volta e reagir, arregaçar as mangas e ver como podemos melhorar essa situação. Refletir sobre si mesmo, como pessoa e profissional, e sobre medos, preconceitos. Com certeza, caro leitor, você optou pela segunda. Por isso, vamos ver o todo através de suas partes. Exploraremos as diversidades de aprendizagem de pessoas com necessida- des educativas especiais (NEE), e também fatores emocionais, sociais, culturais, políticos que permeiam todos os envolvidos. Salientaremos as diferentes abor- dagens teóricas; o professor e sua relação com a diferença; a sua formação e a diversidade; as particularidades da aprendizagem em cada tipo de necessidade especial (NE). Acreditamos que compreendendo esse todo seremos capazes de entender e ressignificar o contexto escolar para contemplar a diferença. Abordagem teórica Sigmund Freud. Olhar a diversidade, olhar o todo 17 As teorias científicas norteiam o trabalho de diversos profissionais nos dife- rentes campos de atuação. Elas surgem influenciadas pela história, condições sociais, econômicas e políticas. Hoje aeducação e os profissionais a ela ligados (educadores, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, entre outros) têm se be- neficiado com as diversas abordagens. O embasamento teórico é escolhido pelo profissional considerando sua visão de homem e de mundo. Cada abordagem vem contribuir muito para o entendimento do processo ensino-aprendizagem e as relações que se estabelecem no contexto escolar. As mais conhecidas são a psicanálise, a comportamental, a teoria sistêmica, entre muitas outras. Para o professor que busca a formação continuada, consi- deramos importante conhecer a contribuição das diferentes linhas teóricas para a educação. Despertando assim o interesse pelo aprofundamento teórico para, além de compreender a forma de intervenção, optar pela que mais lhe agrade. Uma abordagem teórica bastante difundida é o behaviorismo Watson (1913), Skinner (1945), entre outros). O termo behavior significa comportamento. Por isso, também é conhecida como: teoria comportamental, análise experimental do comportamento, análise do comportamento, e mais recentemente uma deriva- ção que é a abordagem comportamental cognitiva. O behaviorismo dedica-se ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, os estímulos do mesmo e a resposta do sujeito. A análise experimental do comportamento pode nos ajudar em muitas situações, através da modificação do comportamento. Os conceitos comportamentalista são amplamente utilizados por educado- res. Muitos métodos de ensino e situações de aprendizagem são organizados e embasados por essa concepção. A educação especial utiliza-se amplamente desses conceitos. Certamente vocês já ouviram falar na Teoria Comportamental Cognitiva (TCC) que tem sua base na aprendizagem social. Diferente dos beha- vioristas radicais que acreditam que o comportamento humano é uma resposta a estímulos do ambiente, a TCC entende que o ambiente, as características pes- soais de temperamento e o comportamento situacional definem o comporta- mento humano. Assim, para a TCC o comportamento humano é um fenômeno dinâmico em construção. Na visão Comportamental Cognitiva, a emoção, o pen- samento, o comportamento, a sensação física são elementos que interagem e que podem ser modificados, sendo que um pode atuar sobre o outro. Uma outra abordagem é a Psicanálise criada por Freud, em 1900; a Psicaná- lise é uma teoria que considera o comportamento humano regido pelo incons- ciente, um método de investigação e uma prática profissional. Enquanto teoria 18 Olhar a diversidade, olhar o todo constitui-se de um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a vida psí- quica. Como método de investigação tem como característica principal a inter- pretação, buscando o significado oculto daquilo que é manifestado pelo sujeito por ações e palavras, pelo imaginário, sonhos etc. A prática profissional hoje não se limita somente à análise (busca do autoconhecimento). A psicanálise é usada como base para a psicoterapia, aconselhamento, orientação, em trabalho de grupos, instituição e também nas escolas. Existe um abrangente e consistente material do uso da psicanálise na educação, como trabalhos sobre dificuldades de aprendizagem, escolarização de crianças com distúrbios globais do desen- volvimento e inclusão. A terceira abordagem que aqui apresentamos, o modelo sistêmico, entende que qualquer organismo é um sistema em interação. Essa interação é simultânea e mutuamente interdependente de outros componentes. Entende que o sujeito está inserido no “mundo das relações”, que ao mesmo tempo em que influencia é influenciado por elas. Essa concepção é vista como uma nova visão da realidade que se baseia no estado de inter-relação e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Configurando uma estrutura inter- -relacionada de múltiplos níveis de realidade, gerando uma mudança de filoso- fia e transformação de cultura. A abordagem sistêmica é utilizada com sucesso no âmbito empresarial, escolar e, principalmente, na terapia familiar. Esse modelo propõe que todas as redes sociais envolvidas numa situação (por exemplo, a aprendizagem de pessoas com necessidades especiais) são cor- responsáveis tanto pelos recursos a ser utilizado quanto pelos impasses que surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir junto com o sujeito, a família, a escola, os profissionais, uma experiência compartilhada, através da busca de alternativas e de intervenção para essa realidade. Dentro dessa visão, as diversidades na aprendizagem têm diferentes origens, causas e manutenção, em função da diversidade dos sujeitos e dos contextos es- colares, exigindo assim a pesquisa em diversos campos do conhecimento. Preci- samos considerar as muitas variáveis que podem favorecer ou não a construção de estratégias de ação. Contudo, não pretendemos organizar uma cartilha, um livro de receitas para ser consultado sem delongas. Pretendemos dar subsídios para a construção do pensamento sistêmico. Olhar a diversidade, olhar o todo 19 O professor e o diferente D iv ul ga çã o G ue rr as C rô ni ca s. Por que sempre se acaba falando do professor, cobrando do professor? Real- mente quando o assunto é educação, aprendizagem escolar, o professor é o eixo principal. Ousaríamos dizer que nele está o segredo do sucesso. Ele não pode tudo, mas pode muito. O professor muitas vezes sabe mais sobre seus alunos do que os pais, pedagogos e ou psicólogos. Ele tem mais conhecimento do que imagina. É capaz de organizar estratégias de ação e reformulá-las em segundos, diante de uma turma de alunos. Muitas vezes esquecemos que o professor é uma pessoa (e não o super-homem), com uma história de vida, concepções próprias, sentimentos, preconceitos, medos etc., oriundos de sua experiência anterior. Concordamos com autores como Becker (2001), Amaral (1998), Rego (1998) e Marques (2000), que têm demonstrado a importância de considerarmos as concepções do professor como elemento constitutivo da prática pedagógica. É preciso observar as necessidades que o cotidiano coloca para os professores, as condições reais que delimitam a sua esfera de vida pessoal e profissional, para não corrermos o risco de se ter uma visão limitada da ação docente. De acordo com Marques (2001), o professor recebe alunos com deficiência a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida pessoal, de sua formação profissional e de sua prática pedagógica, retratando o seu modo de ser, de agir e suas concepções. Contudo, mesmo quando suas práticas pedagógicas têm pres- supostos de integração e de inclusão, elas vêm acompanhadas de concepções excludentes e segregacionistas. 20 Olhar a diversidade, olhar o todo Exemplo claro desse contraste é o momento atual da Educação Inclusiva. A inclusão é considerada como um paradigma possível mediante a constatação da diversidade como elemento integrante da natureza humana. No entanto, sua implantação esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a homo- geneidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), promovendo a exclusão educacional daqueles que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo. Não é possível, pois, estudarmos essas concepções sem identificarmos o entorno socioeconômico, cultural e emocional. O medo Mattos (2003) encontrou dados significativos, e até certo ponto surpreenden- tes, no discurso dos professores; a palavra-chave medo foi a emoção que apare- ceu com maior frequência, deixando em segundo plano palavras-chave como amor, carinho, indicando que é o medo a emoção predominante nos sujeitos face à deficiência dos alunos (independente do tipo dessa deficiência: física, sen- sorial, mental ou distúrbio de comportamento). Temos medo do desconhecido, temos medo do que nos pode fazer sofrer... Temos muitos medos! Pensando a inclusão, será que esse medo está atrelado ao preconceito? Medo do que não conheço? Ou estaria ligado ao medo de sofrer- mos com o fracassodo aluno? Pois, o fracasso do aluno é o fracasso do professor? Diante disso, sentimos a necessidade de fazer uma análise relacionando o medo com o preconceito, uma vez que sabemos que o medo é uma das emoções que está na base de uma conduta preconceituosa, já que não encontramos na litera- tura uma análise mais problematizada da relação entre eles. Para Delumeau (1998), o medo é uma emoção-choque, geralmente ligada à surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo eminente que possa ameaçar nossa conservação. O medo é considerado uma emoção básica primária, uma reação manifestada frente a condições afetivas, que mobilizam algum tipo de ação. É ambíguo, pois tanto pode ser uma defesa essencial contra os perigos como pode criar bloqueios, impedindo o enfrentamento do perigo. Boa parte dos medos é aprendida, transmitida pela cultura. Nesse sentido, ainda de acordo com mesmo autor, há uma diferença entre o medo individual ou par- ticular e os medos culturais ou nomeados. Podemos reconhecer medos chamados “medos particulares” que se consti- tuem numa reação emocional a um objeto determinado ao qual se pode ver Olhar a diversidade, olhar o todo 21 (como uma defesa); os “medos nomeados” são reações emocionais diante de situações ou objetos que se desconhece, o que desencadeia a angústia (blo- queio difuso). Diante da angústia, o indivíduo tenta localizar e nomear o que lhe perturba. Com isso, o objeto, agora nomeado a partir das reações de inade- quação do indivíduo, passa a ser responsável pelo seu medo e, portanto, alvo de condutas e respostas que vão de uma simples resistência, passando pelo temor e hostilidade, agressão até atitudes explícitas de exclusão e extermínio. Mas às vezes isso não é possível, o indivíduo não tem consciência do que o perturba, conforme Mattos (2003). O preconceito é uma “tentativa” de enfrentar emoções intensamente doloro- sas, como o medo e a ansiedade face ao que é identificado mas não totalmente conhecido. Se formos ao dicionário encontraremos algo como “opinião anteci- pada, sem maior ponderação dos fatos, intolerância.” Na pesquisa de Mattos (2003, p. 11), a análise dos dados indicou a coocor- rência mais frequente da palavra-chave medo foi à palavra eu, enquanto que as coocorrências mais frequentes da palavra-chave preconceito foram as palavras família, eles (deficientes), sociedade. Em nenhum momento os sujeitos que par- ticiparam da pesquisa (professores) atribuíram a si mesmos atitudes ou pensa- mentos preconceituosos. Falou-se do preconceito no impessoal, para constatar a sua existência (“existe preconceito”, “há uma atitude preconceituosa na relação que se estabelece com o deficiente”), ou na primeira pessoa, para indicar que quem fala sobre ele já não o possui (“precisamos acabar com o preconceito”, “não aceitamos atitudes segregacionistas...”). Por outro lado, na maioria quase absoluta das respostas, a palavra-chave medo esteve diretamente associada a uma vivência ou acontecimento pesso- al, ligado à história de vida do sujeito (“Sempre tive medo de doido”; ““Eu tinha pânico porque presenciei alguma coisa”; “Tinha receio de ser ofendida”; “Minha mãe deixava a gente afastada porque ele agredia. Eu passei a ter medo dele e das pessoas especiais. Virou segredo de família”). Podemos perceber que en- quanto o medo falou de si mesmo, do medo pessoal na relação dos sujeitos com a deficiência e com o deficiente, o preconceito falou do outro. O preconceito é um tipo de pensamento ligado à experiência vivida. Sua origem encontra-se sempre associada a vivências que são transmitidas culturalmente como verdades. Enquanto os objetos e conteúdos dos preconceitos podem ser universais, culturalmente construídos, as necessidades e motivações as quais eles atendem serão sempre individuais. A maior parte dos preconceitos relacionados 22 Olhar a diversidade, olhar o todo à deficiência é negativa. Expressam a dificuldade dos indivíduos de lidarem com a deficiência e com o deficiente, pela estranheza que a diferença suscita. A vivên- cia dessa estranheza está diretamente associada com o medo do desconhecido, o medo do estranho, o medo da diferença, o medo do outro (HELLER, 2000). O medo, o preconceito quanto ao diferente, seja ele um deficiente, um doente, um desajustado socialmente, está atrelado a nossas concepções. Con- cepções de deficiência referem-se a formas de compreensão do fenômeno da deficiência, atravessadas por valores, crenças, imagens, ideias e representações que dão sustentação às diversas concepções de deficiência. Estas, por sua vez, produzidas pela história da humanidade, expressam, na verdade, a forma como encaramos a diferença. Ao acompanhar essas concepções de deficiência e, particularmente, a história do tratamento dado ao deficiente, teremos em mente que as mesmas represen- tam uma visão preponderante de determinado período histórico. Fruto do enfren- tamento dos homens à estranheza e inquietação que a deficiência causa. Como consequência, temos a coexistência de concepções distintas e até mesmo contra- ditórias e antagônicas que expressam permanências, resistências e, em algum mo- mento, desconhecimento de novas ideias e novos modos de pensar a deficiência, que se traduzem, na verdade, em modelos de enfrentamento da diferença. Estudos como os de Mattos (2003) têm salientado que na base das ações pe- dagógicas estão as emoções, no nosso caso particular o medo. Este é anterior ao preconceito, fato que não tem sido levado em consideração nas capacitações oficiais nem no trabalho cotidiano das escolas. O preconceito representa nossos medos e não necessariamente da falta de aceitação do outro. Podemos então entender o preconceito como uma resposta ao medo e à angústia que o desco- nhecido, o diferente provoca. Por isso, o preconceito, entendido a partir da sua relação com o medo, pode ser considerado um elemento constitutivo, e não o que impede ou dificulta a prática pedagógica. Mas o fundamental é que tanto o medo como o preconceito podem ser superados com aquisição de novos co- nhecimentos, sejam eles teóricos ou vivências. A diferença e a prática pedagógica Aos poucos podemos entender porque a inclusão tem gerado tanta polê- mica e porque é tão difícil de ser efetivada realmente. De acordo com Sacristán (In: NÓVOA, 1995), em meio a esses conflitos, não é a prática pedagógica a ser Olhar a diversidade, olhar o todo 23 definida com as soluções propostas, e sim o papel que o professor ocupa nessa prática que produzirá algum efeito. Visto que a prática pedagógica pressupõe outros elementos que ultrapassam e atravessam um conjunto de experiências. Destacamos aí a importância dos recursos pessoais do professor, considerados como a base que o aproximará ou o afastará do contexto, de novas ideias. Segundo Gonzaga (1998), é possível identificar no processo educacional dois planos de existência por onde transitam as relações e as práticas pedagógicas: � o plano do ideal, que se refere às metas que se deseja alcançar, o desejo daquilo que deveria ser feito ou ainda está por se fazer, as mudanças que se pretende atingir, enfim, as possibilidades de rupturas com que é vivido; � o plano do vivido refere-se ao cotidiano do professor, aquilo que está acontecendo, sua realidade pessoal e profissional, sua subjetividade. A partir dessas considerações, estabelecemos um paralelo entre “novas ideias” e “condições do meio” e o plano do ideal e “significados e usos práticos do profes- sor” e o plano do vivido. O ideal que corresponde a novas ideias é representado pelos pressupostos de integração e de inclusão, pela fala dos especialistas, pela cultura da escola e pela ideologia dos órgãos oficiais, já que tanto os pressu- postos de integração e/ou de inclusão quanto o contexto institucional tratam da educação como deveria ser. Já no vivido os significados e usos práticos do professor estão na formação e na história de vida do professor, nas suas especifi- cidades histórico-culturais,nas suas concepções de deficiência. Observando essas considerações, constatamos que há desigualdade. De um lado, temos especialistas ou representantes autorizados de um saber pedagógi- co e responsáveis pelas propostas educacionais. Na outra ponta, os professores e coordenadores como executores dessas propostas. Nesse sentido, solicita-se a participação do professor como produtor de saberes, mas na prática não se legi- timam as práticas docentes como espaço de produção de conhecimento. De acordo com Nóvoa (1995), a manutenção dos professores no lugar de meros executores das propostas e pressupostos organizados por especialistas e instâncias oficiais está diretamente associada a processos históricos de exclusão dos professores. O autor associa o lugar ocupado hoje pelo professor na educa- ção ao “lugar do morto”, estratégia utilizada em jogo de cartas para manter um dos jogadores neutralizado. Este é obrigado a expor suas cartas aos parceiros, que não poderão realizar nenhuma jogada sem consultá-las; porém ele (o joga- dor morto) não poderá nem ao menos interferir no desenrolar do jogo. 24 Olhar a diversidade, olhar o todo Para o autor, muitas vezes, como no jogo de bridge, o professor está presente no processo educativo, tem de ser levado em consideração; sua imagem é cons- tantemente utilizada, mas sua voz e, por conseguinte, seu saber e sua experiên- cia não são reconhecidos como essenciais para orientar ou definir o desfecho dos acontecimentos e das propostas de mudança na sua prática cotidiana. Texto complementar O sujeito inserido no sistema (POLITY, 2001) Quando o bebê nasce, ele traz consigo tendências hereditárias, que in- cluem processos de maturação. Cada bebê possui uma organização em marcha, ligada ao seu impulso biológico para a vida, para o desenvolvimen- to e crescimento. Entretanto, esse desenvolvimento depende, para sua efetivação, de um ambiente satisfatório de “facilitação”, que deve se adaptar às necessidades constantes dos processos de maturação. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e adapta-se às suas necessidades, ofe- rece o que Winnicott (1982) chama de holding para o bebê progredir no sen- tido de integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. O ambiente por si só não faz a criança crescer, porém, ele é fator primordial, para ao “ser suficientemente bom” (WINNICOTT, 1982), permitir o processo de maturação. Acredito que para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a autorizem. Como afirma Mannoni (1981), “as crianças andam não só porque tem pernas, mas porque seus pais assim o permitem”. Para Bowby (1993), a existência de uma criança com problema represen- ta uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações e fazem com que muitos pais se sintam depredados para a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de Olhar a diversidade, olhar o todo 25 comportamento, onde o tempo não pode passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos, no intuito de manter o sistema homeostático e im- pedir que o grupo evolua de um estágio para outro. Partindo-se do conceito que a família age como uma unidade, de modo a estabelecer um equilíbrio e assim tentar mantê-lo a qualquer custo, pode- mos observar padrões de comunicação que podem revelar o modo como se instala o sintoma e como o membro “doente” tem sua função na manutenção desse equilíbrio. Conforme Bion (In: SOUZA, 1995), o bebê alimenta sentimentos como o ódio e a inveja frente à realidade e à continência materna, que podem inter- ferir na capacidade do sujeito de desenvolver um aparelho de pensar pensa- mentos adequados. Ressaltando, assim, a participação do indivíduo na cons- tituição de sua capacidade de aprendizagem. A relação da criança com a família é marcada por uma característica de dependência relacional, isto é, definem-se reciprocamente. Essa posição é similar à de Sartre (In: CERVENY, 1994) que afirma que somos aquilo que fa- zemos com o que fizeram conosco. Parafraseando Kusnetzoff (1982), podemos afirmar que o sujeito nasce com as possibilidades de ser, mas que só se concretizará quando entrar em contato e interagir com um semelhante. Fica, pois, claro que a herança herdada (seja ela biológica ou psíquica) será condição necessária, mas não suficiente para o processo de aquisição do psiquismo, ou seja, de um aparelho capaz de produ- zir pensamentos e pensar sobre eles. E, portanto, de aprender. “Se olharmos o indivíduo e sua família no aqui e agora, de uma forma circular, tornar-se-á mais fácil o entendimento de que um paciente referido não é uma vítima de seus pais ou do sistema. Existem lucros e prejuízos de ambos os lados. Não há menor dúvida que existe [...] um processo de projeção geracional dos pais, no sentido de que os filhos cumpram expectativas não realizadas por eles em relação aos seus respectivos pais. Esse processo torna todas as partes (pais, filhos, avós) reféns da mesma cadeia geracional; um vai tentar cumprir o que o outro não cumpriu (e que esperavam que ele cumprisse) e que agora ele espera que o seu descendente cumpra” (GROISMAN, 1996, p. 31) (grifos meus). É importante a parte que o indivíduo traz consigo como carga pessoal, mas o que fará com que se constitua como tal é a condição dele se relacionar com outro ser humano. 26 Olhar a diversidade, olhar o todo Por isso, neste trabalho tento mostrar que, embora a dificuldade de apren- dizagem esteja ligada a múltiplos fatores internos do sujeito, é sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar, social, no qual o sujeito está inserido. E que a forma como os diferentes sistemas, em especial a família, definem essa dificuldade terá um papel decisivo na evolução do caso. Dicas de estudo Psicanálise: Freud Além da Alma – o filme mostra o trabalho de Freud em Viena, enfocando sua teoria e a reação da comunidade médica às suas ideias. Comportamental: Meu Tio da América – o filme apresenta a tese de um biólogo comportamentalista e o conflito vivido por pessoas de diferentes níveis sociais. Sistêmica: Casamento Grego – o filme salienta a organização do sistema fami- liar e sua influência na vida de seus membros. Salientando os mitos, segredos, hierarquias e resistências às mudanças. POLITY, Elizabeth. Dificuldades de Aprendizagem e a Famíla, Construindo Novas Narrativas. São Paulo: Vetor, 2001. A autora aborda a relação família-escola e as dificuldades de aprendizagem. O livro é muito rico, pois amplia a visão sobre a queixa escolar. Atividades Façamos a leitura do texto utilizado por Mattos (2003). O saci (MONTEIRO LOBATO, 1977) “– Sabe o que é medo? – Sei sim. [...] O medo vem da incerteza. – Isso mesmo, disse o saci. A mãe do medo é a incerteza e o pai do medo é o escuro. Olhar a diversidade, olhar o todo 27 – Enquanto houver medo haverá monstros como os que você vai ver. – Mas se a gente vê esses monstros, então eles existem. – Perfeitamente. Existem para quem os vê e não existem para quem não os vê. Por isso digo que os monstros existem e não existem. – Não entendo – declarou Pedrinho. Se existem, existem. Se não existem, não existem. Uma coisa não pode ao mesmo tempo existir e não existir. – Bobinho – declarou o saci. Uma coisa existe quando a gente acredita nela; e como uns acreditam, os monstros existem e não existem. 1. Pensando a inclusão, será que esse medo está atrelado ao preconceito? Será que temos medo de sofrer com o fracasso do aluno? O fracasso do aluno é o fracasso de quem? 28 Olhar a diversidade, olhar o todo 2. Quais razões explicam a resistência à aceitação do diferente, do incomum, ainda que as pessoas estejam conscientes e racionalmente convencidas de que o diferente não éameaçador? Olhar a diversidade, olhar o todo 29 3. O texto apresentou três abordagens teóricas que podem auxiliar o professor no entendimento do processo ensino-aprendizagem. Faça um breve resumo de cada uma delas. A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Maria de Fátima Joaquim Minetto [...] ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com sua capacida- de de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, optam pelo profundo engajamento no hoje, com o aqui e o agora; ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã se atrelam a um passado de explora- ção, de rotina. Paulo Freire A educação contemporânea vive um desafio para a aprimorar profissão docente que, ao longo do tempo, tornou-se muito complexa. Isso em con- sequência das mudanças sociais, políticas e econômicas que se transforma- ram numa velocidade frenética pelo desenvolvimento científico e tecnoló- gico. Em contrapartida, o professor tem sua ação pedagógica ligada a um processo contínuo de tomada de decisões que dependem inevitavelmente de seus saberes, agilidades nos esquemas de ação, aliados a suas concep- ções e a forma de olhar o mundo, como salienta Perrenoud (2000). A práti- ca pedagógica pressupõe a relação entre teoria e prática. A teoria compre- ende a sistematização de saberes, tentativa de interpretação dos anseios e necessidades que caracterizam a subjetividade humana, enquanto que a prática se constitui na realização do vivido, do material, do concreto. Ao acompanhar a rotina da escola, constatamos que o professor en- frenta uma avalanche de modificações que o deixam inseguro. Além das modificações pedagógicas, percebem-se as dificuldades na sua prática ao lidar com alunos que se destacam do contexto por dificuldades espe- cíficas de aprendizagem ou por alterações do seu comportamento. Há um pedido eminente de ajuda. Mas para que se possa colaborar com a construção de novos saberes, necessitamos conhecer, olhar o que vemos todos os dias com olhos diferentes. Buscar rever o cotidiano e refletir criti- camente a realidade, os fatores envolvidos. Vídeo 32 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Ainda registramos nos últimos anos que, com a eminência da inclusão esco- lar, a situação se agravou. Hoje, não podemos ignorar a ansiedade e o desequilí- brio que esse fato provocou nas escolas brasileiras. Na verdade, ele só veio revelar o que já era real. O que vemos não vendo, a formação do professor deixa a desejar quando não acompanha as exigências de sua prática. Quando suas competências não se adaptam às diversidades do alunado. Acreditamos ser fundamental correlacionar a formação do professor, seu olhar diante da diferença e a influência desses fatores na relação pedagógica em sala de aula. A constatação da diversidade como elemento integrante da natureza humana esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a ho- mogeneidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), dificultando a relação pedagógica com os que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo. Parece-nos propício acompanhar as colocações de Charlot (2000) quando associa a deficiência a uma “falta”, a uma “diferença”. A situação de fracasso do aluno é identificada pela não correspondência de um resultado esperado, algo que fica faltando. “Ao constatar uma ‘falta’ no fim da atividade: faltam ao aluno em situação ao fracasso recursos... que teriam permitido que o aprendizado (e o professor...) fosse eficaz. Ele é deficiente” (p. 27). Mas, o que falta e a quem falta? Entendemos os questionamentos resultantes da prática como âncoras, que podem incitar a busca de soluções e reportam o educador à responsabilidade em buscar aprimorar suas competências. Reconhecer a necessidade de mu- danças, aprimoramentos, é uma tarefa bastante difícil. Assim, a condição para o aperfeiçoamento pode estar na compreensão de que a formação continuada do profissional docente “se dá num encadeamento de ação e avaliação do ensinar e do aprender” (GIESTA, 2001, p. 17). Perrenoud (2000) salienta que o exercício e o treino poderiam bastar para que mantivéssemos as competências essenciais se o contexto escolar fosse estável. Por isso, ressaltamos que as competências devem ser atualizadas e adaptadas a condições do trabalho em evolução. A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 33 D iv ul ga çã o Re vi st a N ov a Es co la . O professor recebe em sua sala alunos diferentes e a partir de suas experi- ências de vida, de suas relações anteriores, de sua formação profissional e de sua prática pedagógica constrói sentidos que retratam sua forma de ser e agir, enfim, suas concepções. Fatores que influenciam as práticas pedagógicas e as relações em sala de aula, inferindo no processo ensino-aprendizagem, o sucesso ou o fracasso escolar. Charlot (2000) argumenta que a crítica a uma ideologia deve centrar-se no seu próprio modo de ler o mundo e na importância de pro- curar interpretar a experiência diária. Urge considerar as necessidades que o cotidiano coloca para os professores, as condições reais que delimitam a sua esfera de vida pessoal e profissional, para que não corra o risco de se ter uma visão limitada da ação docente, e para que se possa, a partir dessa consideração, propor-se alternativas mais eficientes de intervenção na formação de professores. Há que se conjecturar ideias que pro- voquem transformações reais no saber, ser e fazer do professor (GIESTA, 2001). Assim, o processo de formação do professor deve se estruturar de forma a possibilitar o desenvolvimento pessoal e profissional. Há necessidade de aquisi- ções continuadas de saberes, que venham a favorecer respostas às necessidades reais impostas pela ação educativa. Todo esse contexto leva-nos a refletir sobre o distanciamento das propostas dos cursos de formação e as intenções e ações dos professores na prática docente. 34 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Resistências Há que se reconhecer uma tendência histórica de se negar as transformações reais que ocorrem na escola. As escolas demonstram resistência a mudanças. Formar profissionais capazes de organizar situações de aprendizagem atenden- do às necessidades que se modificam constantemente é algo desafiador. Para Rockewell (1995), as escolas tendem a reproduzir a si mesmas, buscando fortemente manter suas características imutáveis. Esse pensamento impossibili- ta ou dificulta mudanças. Para a autora, os conteúdos programados pela escola correspondem à estrutura da sociedade e suas conjecturas políticas e, se pre- tendemos conhecer as transformações que acontecem na escola, necessitamos aprofundar a análise do cotidiano escolar. Forquim (1992) salienta que uma reflexão sociológica sobre os saberes esco- lares deveria contribuir para dissolver uma certa percepção natural das coisas, de forma a promover um reconhecimento real dos conteúdos e dos modos de programação didática desses saberes. O campo escolar, para o autor, é compos- to de imperativos funcionais específicos como conflitos e interesses que con- cerne o controle do currículo e também, na configuração do campo social, suas postulações ideológicas e culturais. Destacando a constituição da escola como trunfo social, político e simbólico. IE SD E Br as il S. A . Calígrafo DatilógrafoTipógrafo Digitador Cyber telepata A evolução das profissões O mesmo autor ainda analisa que os efeitos sociais das políticas de escola- rização dizem respeito à natureza do que se passa no interior das salas de aula, incluindo as relações sociais que se estabelecem, o conteúdo e o modo de or- ganização dos saberes. Aquilo que pode ser “socialmente construído” ou ideolo- gicamente colocado nos conteúdos de ensino estaria destinado a permanecer despercebido. Mais uma vez, nota-se as interfacesdas relações saberes, culturas A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 35 e práticas escolares. Explicar as relações que favorecem ou mantêm o fracasso escolar é, portanto, a análise das condições da apropriação do saber. Para Charlot (2000), devemos fazer algumas considerações sobre o fracasso escolar: a singularidade da história do indivíduo, os significados que lhe são con- feridos, suas práticas e atividades efetivas, a especificidade dessa atividade ao ser relacionada ao campo do saber, entre outras. O autor ainda destaca a impor- tância de se interpretar o fracasso escolar em termos de origem e deficiências. O fracasso escolar não pode ser justificado única e simplesmente pela origem social, ou seja, pode ter algum tipo de relação, mas a origem social por si não produz o fracasso. Outro ponto de destaque seria a interpretação de que a dife- rença é vista como deficiência sociocultural. As teorias sobre a deficiência refor- çam a ideia de falta. A heterogeneidade, as diferenças constituem o indivíduo. Essas diferenças estão na sala de aula. Charlot (2000) destaca que a noção de deficiência traz para os docentes grandes benefícios. Preservando-se, assim, as críticas que possam aparecer às práticas docentes, transferindo-as aos alunos e suas famílias. “Assim sendo, o ‘verdadeiro’ responsável é a própria sociedade, que produz e reproduz desigualdades, faltas e deficiências” (CHARLOT, 2000, p. 29). Uma pedagogia centralizada na criança parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajus- tar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo. Em seu sentido mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – inde- pendentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidade dos alunos são satisfeitas (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21). O modelo da inclusão escolar, que tem suas bases em noções socioconstruti- vistas, defende – em relação ao aluno com necessidades educativas especiais – o “seu direito e a sua necessidade de participar, de ser considerado como membro legítimo e ativo no interior da comunidade”. Isso vem justificar “as classes inclusivas, onde as relações sociais são compreendidas como catalisadoras da aprendizagem”, nas quais é permitido ao aluno se situar “em um contexto de aprendizagem mais significativo e motivante, suscitando mais esforço de colaboração que a segrega- ção tradicional vivenciada por esses alunos” (JIMÉNEZ In: BAUTISTA, 1997, p. 24). Segundo Mantoan (1997, p. 38), a inclusão questiona as políticas e a organiza- ção da Educação Especial e Regular, bem como tem por objetivo não deixar nin- 36 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente guém fora do Ensino Regular, desde o começo. A escola inclusiva procura valorizar a diversidade existente no alunado – inerente à comunidade humana – ao mesmo tempo em que buscam repensar categorias, representações e determinados rótu- los que enfatizam os deficits, em detrimento das potencialidades dos educandos. A proposta inclusiva estabelece para o sistema educacional vários desafios: a conscientização da comunidade escolar e da sociedade em geral sobre a nova maneira de entender e educar esses educandos; o investimento sério na prepa- ração continuada da equipe escolar; a preparação de pessoas especializadas na área, nos níveis de Graduação e Pós-Graduação, para prestar apoio aos professo- res generalistas; a formação, em nível de Mestrado e Doutorado, de professores formadores de professores e outros profissionais para o atendimento educacio- nal e para o desenvolvimento de pesquisas que possam subsidiar a ação educa- tiva empreendida. Ainda, a estruturação de métodos, técnicas e recursos de ensino adequados a esse alunado; a adaptação de currículos para atender às necessidades e espe- cificidades dos alunos em classes regulares; envolvimento de pais e pessoas da comunidade nesse processo (MARTINS, 1999, p. 78). Podemos registrar esforços no mundo inteiro. Os estudos de Goergen e Saviani (2000) apontam como a formação continuada de professores vem ocorrendo em vários países. Na Alemanha, segundo os autores, há dois tipos de educação con- tinuada. No primeiro tipo há uma regulamentação oficial pela qual o Estado se obriga a manter permanentes ofertas de aperfeiçoamento para os professores. Em todos os estados da Federação são mantidas instituições de formação continuada, como academias, seminários, grupos de trabalho, encontros, entre outros. É asse- gurado ao professor, em qualquer parte do país, a possibilidade de participar dos programas ampliando sua qualificação. Um segundo tipo de formação consiste numa organização interna da escola, numa iniciativa própria, convidando especialistas e professores universitários para refletirem com eles sobre sua prática pedagógica. No Japão, a concepção de educação continuada entrou em debate nos anos 1970, mobilizando governo e comunidade escolar. Setores governamentais e empresariais passaram a elaborar novos parâmetros de formação do trabalhador e de formação tecnológica que influenciaram as políticas educacionais do país. Após uma grande mobilização, a educação continuada vem se desenvolvendo no âmbito do trabalho, da sociedade e da escola, numa abordagem sistêmica. (GOERGEN; SAVIANI, 2000) A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 37 A visão de profissionalismo para Perrenoud et al. (2001) seria mais do que pro- fessores limitarem-se a adquirir truques e/ou gestos estereotipados. Para os auto- res, estudos sociológicos sobre as profissões demonstraram uma evolução clara no decorrer dos anos na maior parte dos ofícios. Para corresponder a desafios sem pre- cedentes que vêm ocorrendo no sistema educacional, o professor deve evoluir. Perrenoud et al. (2001) identificam duas vias possíveis de evolução do ofício de professor: a proletarização e o profissionalismo. Na proletarização, o professor fica dependendo de profissionais que concebam e realizem programas, condutas didáticas, meios de ensinar e de avaliar que possam ser eficazes para a sua ação. Já com relação ao profissionalismo, o autor quer referir-se a professores que con- seguem ser verdadeiros profissionais. Estes são orientados para a buscar por si só resolução de problemas, são autônomos na transposição didática e na escolha de estratégias mais eficazes, organizam-se para gerir sua formação contínua. Schön (1997) entende o aprendizado do profissional definindo-o nas intera- ções com a prática. Deve-se viabilizar o desenvolvimento de suas competências na prática e a partir da prática. O professor pode aprender a partir da prática na medida em que esta constitui o ponto de partida e o suporte de sua refle- xão sobre sua ação. Isso possibilitará aprender através da prática, para a prática (PERRENOUD et al., 2001). Algumas vezes o professor que possui anos de prática pensa que sempre fez daquela forma e deu certo, então por que mudar? Mas, o que muitas vezes es- quecemos é que isso seria viável se a escola, a sociedade e os alunos estivessem estáticos. O que não é verdade! Por isso escutamos a frase: “a prática sozinha anda em círculos”. A educação é um processo de aprendizagem e aperfeiçoamento, por meio do qual as pessoas se preparam para a vida. Através da educação obtém-se o desen- volvimento global do ser humano. Desse modo, cada um pode receber conheci- mentos obtidos por outros seres humanos e trabalhar para a obtenção de novos. Fica evidente, portanto, a importância da educação na vida de todas as pessoas, tornando-as mais preparadas para a vida e também para a convivência. Entre o falar e o fazer, entre o discurso e a ação, temos contradições que re- querem a participação de todos. A implantação, na realidade,de uma nova con- cepção de educação requer a existência de profissionais bem formados, cujo preparo permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à diversidade das necessidades educativas quanto em função das possíveis varia- ções dessas necessidades em consonância com a construção de novos saberes. 38 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Contextualizando a ação pedagógica Explorar o tema formação de professores exige reflexões sobre a ação pe- dagógica que apresenta, muitas vezes, um conflito entre o ideal e real. Para en- tendermos como a formação do professor e a sua prática têm sido insuficientes diante da inclusão, vamos observar alguns aspectos. Nóvoa (1995) faz uma cor- reção da ação pedagógica, segundo Sacristan (2000, In: NÓVOA, 1995), relacio- nando o ideal – desejo – e o vivido – realidade. Vejamos o quadro abaixo. (S AC RI ST Á N , 2 00 0 In : N Ó VO , 1 99 5, p . 7 4)Triângulo da Práxis Pedagógica Práxis Pedagógica Novas ideias Significados e usos práticos do professor Condições do meio Novas ideias – novas teorias, novos paradigmas. São novos modos de compreensão do campo educacional, das relações ensino-aprendizagem, da ação pedagógica. Condições do meio – meio institucional em que a prática pedagógica acontece, às normas e padrões de funcionamento da instituição, a hierar- quização de saberes da instituição e que atravessam a prática pedagógica, conferindo-lhe ou não legitimidade. Significados e usos práticos do professor – formação e a experiência adquirida na sua vivência profissional e pessoal e que, junto com o que foi adquirido na sua formação, constitui sua base conceitual, os mecanismos de segurança pessoal e o próprio autoconceito do professor. São perma- nências que dizem respeito à sua identidade pessoal e profissional. É essa identidade que vai guiar a percepção da realidade. (S AC RI ST Á N , 2 00 0 In : N Ó VO , 1 99 5, p . 7 4) A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 39 As ideias do diagrama acima representam um campo de forças em que o re- levante não está na prática a ser definida, e sim no papel que o professor ocupa nessa prática, visto que a prática pedagógica pressupõe outros elementos que ultrapassam e atravessam esse campo. Destaca-se a importância dos recursos pessoais do professor, considerados como a base que aproximará ou afastará novas ideias e ações pedagógicas. Nóvoa (1995) correlaciona as ideias dos autores acima citados (Gonzaga e Sacristán) e estabelece um paralelo entre os vértices: � novas ideias e condições do meio e o plano do ideal; � significados e usos práticos do professor e o plano do vivido. A ação pedagógica muitas vezes fica limitada quando há uma lacuna entre quem programa e quem executa. Em tempos de inclusão em que vemos a difi- culdade do professor em articular novas ações no cotidiano, pode-se entender que algo está em descompasso. Numa ponta, especialistas de um saber pedagó- gico são os responsáveis pelas propostas educacionais. Na outra ponta, os pro- fessores como executores dessas propostas. Nesse sentido, solicita-se a partici- pação do professor como produtor de saberes, mas, na prática, não se legitimam as práticas docentes como espaço de produção de conhecimento. É comum que o professor seja executor. Para Nóvoa (1995), se comparado a um jogo de bridge, o lugar ocupado hoje pelo professor seria ao lugar do morto, estratégia utilizada nesse jogo de cartas para manter um dos jogadores neutralizado. Este é obrigado a expor suas cartas aos parceiros, que não poderão realizar nenhu- ma jogada sem consultá-las; porém ele (o jogador morto) não poderá nem ao menos interferir no desenrolar do jogo. Como no jogo de bridge, o professor está presente no processo educativo, tem de ser levado em consideração, sua imagem é constantemente utilizada, mas a sua voz, e, por conseguinte, o seu saber e a sua experiência, não são reconhecidos como essenciais para orientar ou definir o desfecho dos acontecimentos e das propostas de mudança na sua prática cotidiana. O ideal que está presente em novas propostas de mudanças permanece como ideal, presente nos discursos, mas ausente na prática pedagógica. Esta ex- pressa o espaço do vivido, que diz respeito às crenças, tradições, concepções de homem e de mundo, enfim, o universo mental dos professores e coordenadores 40 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente que referencia e dá sentido à sua vida cotidiana. O jogo de forças existente no campo da práxis pedagógica produz impactos que podem impedir ou forçar a mudança. Assim, a relação estabelecida entre o ideal e o vivido não é de supe- ração para uma nova postura, mas de resistência face às novas ideias, por conta de como o ideal e o vivido vêm sendo tratados nas capacitações e propostas oficiais. Mudar a ação pedagógica implica em mudança de paradigma, portanto requer tempo e representa um processo de reajustes e novas escolhas. Ignorar esse movimento é desconsiderar os aspectos referentes aos ajustes necessá- rios para que o sujeito ou a coletividade possa, ou não, apropriar-se de qual- quer mudança. Texto complementar Articulação dos processos de ação (PERRENOUD, 2001, p. 32-34) A pesquisa produz saberes sobre os processos e saberes formalizados da prática ao introduzir uma problematização, uma leitura transversal para a análise, para a relação entre as variáveis e a identificação dos mecanismos de funcionamento dos processos. A ação: ensino-aprendizagem A formação através da análise das práticas: o vaivém trialético conhecimentos práticos conhecimentos racionais conhecimentos instrumentais instrumentos de formalização conhecimentos formalizados PRÁTICA PRÁTICATEORIA ANÁLISE Figura 1 – Articulação dos processos de ação, formação e pesquisa. A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 41 ADAPTAÇÃO A QUALQUER SITUAÇÃO PROFESSOR PROFISSIONAL Formação Desenvolvimento de “metacompetências” – saber analisar – refletir na ação – justificar através da razão pedagógica – tomar consciência do seu habitus Práticas em situação Desenvolvimento de saberes e de competências – representações – saberes plurais – rotinas – esquemas de ação habitus Figura 2 – O saber analisar, o saber refletir e o saber justificar no cerne da formação de um professor profissional capaz de adaptar-se. Dica de estudo CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Artmed, 2001. O autor derruba algumas ideias preconcebidas sobre as causas do fracasso escolar. Em especial sugiro a leitura do capítulo: “Serão a reprodução, a origem social e as deficiências ‘a causa do fracasso escolar’?” 42 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Atividades 1. Observe os dois gráficos apresentados por PERRENOUD (2001). Organize um pequeno texto explicativo e comparativo com o texto da aula. 2. Explique a frase abaixo: “A constatação da diversidade como elemento integrante da natureza hu- mana esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a homoge- neidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), dificultando a relação pedagógica com os que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo.” A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente 43 Maria de Fátima Joaquim Minetto Mais do que criar condições para os deficientes, a inclusão é um desafio que implica em mudar a escola como um todo, no projeto pedagógico, na postura diante todos os alunos, na filosofia [...] Artur Guimarães Um pouco de história Para compreendermos melhor a situação atual da inclusão e os aspec- tos que acabam gerando angustias e, algumas vezes, polêmica, precisa- mos voltar um pouco no tempo. Fazendo uma retrospectiva na história poderíamos subdividir o trata- mento dado às pessoas com necessidades especiais em quatro fases dis- tintas, segundo Stainback e Stainback(1999). A primeira delas corresponde ao século XVIII, chamada de “fase da ex- clusão”, na qual a maioria das pessoas com deficiência e outras condições excepcionais era tida como indigna da educação escolar. Nas sociedades antigas era normal o infanticídio quando se observavam anormalidades nas crianças. Durante a Idade Média, a igreja condenou tais atos, mas, por outro lado, acalentou a ideia de atribuir a causas sobrenaturais as anormalidades de que pa- deciam as pessoas, associan- do a punição em decorrência de pecados cometidos. Assim, as crianças que nasciam com alguma deficiência eram sacrifi- cadas, escondidas. D om ín io p úb lic o. A inclusão através dos tempos Vídeo 46 A inclusão através dos tempos No século XVII, os deficientes, principalmente os com deficiência mental, eram totalmente segregados, internados em orfanatos, manicômios e outros tipos de instituições estatais. Esses internatos acolhiam uma diversidade de sujeitos com patologias distintas, alguns deficientes, outros doentes. Essa fase foi chamada de exclusão porque as pessoas que fugiam do padrão de comportamento ou de desenvolvimento, por qualquer motivo, eram total- mente excluídas do contexto e da convivência com os demais. A segunda fase revela-se no final do século XVIII, princípio do século XIX, com o surgimento de grandes instituições especializadas em pessoas com deficiên- cias, e é a partir de então que poderíamos considerar ter surgido a Educação Es- pecial. A partir dessa época, pode-se observar uma divisão do trabalho educa- cional, nascendo assim uma pedagogia diferente, uma Educação Especial institucionalizada que propiciava classes de alfabetização, baseada nos níveis de capacidade intelectual, valorizando o diagnóstico em termos de quociente inte- lectual. Por isso essa fase ficou conhecida como “fase de segregação”. As escolas especiais multiplicam-se e diferenciam-se em função das diferentes etiologias: cegos, surdos, deficientes mentais, paralisados cerebrais etc. Esses centros espe- ciais e especializados, separados dos regulares, com seus programas próprios, técnicos e especialistas, constituíram um subsistema de Educação Especial dife- renciado, dentro do sistema educativo geral. O sistema educacional ficou com dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação: a Educação Especial e a Educação Regular. Na segunda metade do século XX, espe- cialmente a partir da década de 1970, seria a terceira fase do que constitui a “fase da integração”; o portador de deficiência co- meçou a ter acesso à classe regular desde que ele se adaptasse sem causar qualquer transtorno ao contexto escolar. Embora a bandeira da integração já tivesse sido defendida a partir do final dos anos 1960, nesse novo momento, houve uma mudança filosófica em direção à ideia de educação integrada, ou seja, escolas regulares aceitando crianças ou adolescentes deficientes nas clas- ses comuns. Entretanto, só se consideravam integrados apenas aqueles estu- dantes com necessidades especiais que conseguiram adaptar-se à classe regular sem modificação no sistema escolar. D om ín io p úb lic o. A inclusão através dos tempos 47 A educação integrada ou integradora exigia a adaptação dos alunos com ne- cessidades especiais ao sistema escolar, excluindo aqueles que não conseguiam adaptar-se ou acompanhar os demais alunos. As leis sempre tinham o cuidado de ressaltar a condição, como indica Sassaki (1997), preferencial da rede regular de ensino, o que deixava em aberto a possibilidade de manter crianças e adolescen- tes com deficiência nas escolas especiais. A quarta fase, “da inclusão”, começou a se projetar no início da década de 1980, quando um maior número de alunos com deficiência começou a frequen- tar classes regulares, pelo menos em meio turno. Intensificou-se a atenção à ne- cessidade de educar os alunos com deficiência no Ensino Regular como conse- quência das insatisfações existentes em relação às modalidades de atendimento em Educação Especial, que, para muitos, contribuíam para a segregação e estig- matização dos educandos, assim como não davam respostas adequadas às suas necessidades educacionais e sociais. O novo paradigma O movimento de inclusão começou por volta de 1985 nos países mais de- senvolvidos, tomou impulso na década de 1990 naqueles países em desenvol- vimento e vai se desenvolver fortemente nos primeiros 10 anos do século XXI, envolvendo todos os países (SASSAKI, 1997). O modelo da inclusão escolar, que tem suas bases em noções socioconstru- tivistas, defende em relação ao aluno com necessidades educativas especiais “o seu direito e a sua necessidade de participar, de ser considerado como membro legítimo e ativo no interior da comunidade”. Isso vem justificar “as classes inclusi- vas, onde as relações sociais são compreendidas como catalisadoras da aprendi- zagem”, nas quais é permitido ao aluno se situar “em um contexto de aprendiza- gem mais significativo e motivante, suscitando mais esforço de colaboração que a segregação tradicional vivenciada por esses alunos” (JIMÉNEZ In: BAUTISTA, 1997, p. 24). Segundo Sassaki (1997), crê-se que a semente da inclusão foi plantada pela Disabled People Internacional (DPI), uma organização não governamental criada por líderes deficientes, quando em sua Declaração de Princípios, de 1981, defi- niu o conceito de equiparação de oportunidades, que era, em parte, o seguinte: O processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habilita- ção e transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e trabalho, e a vida 48 A inclusão através dos tempos cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, é feito acessível para todos. Isso inclui a remoção de barreiras que impedem a plena participação das pessoas deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhe assim alcançar uma qualidade de vida igual à de outras pessoas. (SASSAKI, 1997, p. 39) Esse novo paradigma começa a ser disseminado, principalmente, a partir da Assembleia Mundial realizada em junho de 1994, na cidade de Salaman- ca, Espanha, sob o patrocínio da Unesco, quando representantes de 92 países e de 25 organizações internacionais se reuniram para discutir o processo de inclusão escolar. Trata-se do mais complexo documento sobre inclusão na educação, em cujos parágrafos fica evidente que a Educação Inclusiva não se refere apenas às pes- soas com deficiência, e sim a todas as pessoas, deficientes ou não, que tenham necessidades educativas especiais em caráter temporário, intermitente ou per- manente. Isso se coaduna com a filosofia da inclusão na medida em que ela não admite exceções, todas as pessoas devem ser incluídas. O encontro em Salamanca reafirma o direito de todas as pessoas à educação, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, e ainda reafirma o empenho da comunidade internacional em cumprir o estabelecido na “Confe- rência Mundial sobre Educação para Todos”. A Declaração de Salamanca é consequência de todo esse processo, mas a au- têntica base do que foi discutido na Espanha estava grifada nas diversas decla- rações das Nações Unidas que culminaram justamente no documento “Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência”. De acordo com essas normas, os Estados são obrigados a garantir que a edu- cação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo (WERNECK, 2000, p. 49). Segundo essa declaração, a exclusão nas escolas lança as sementes do descontentamento e da discriminação social. A educação é uma demanda de direitos humanos, e os indivíduos com deficiência devem fazer parte das escolas, as quais devem modificar seu funcionamento para incluir todos os alunos. Acompanhando essa caminhada histórica, salientamos outros movimentos organizados pela DPI, como a Declaração de Madri, aprovada em 23 de março de 2002, que, segundo Sassaki (2002), proclama o ano de2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiências. O objetivo maior centra-se na conscientização da população sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência. Essa declaração tem como preâmbulo a não discriminação e a ação afirmativa como promotores da inclusão social. A inclusão através dos tempos 49 Seguem com a mesma força e impacto social a aprovação, em outubro de 2002, de mais duas declarações: a de Caracas e a de Sapporo. A Declaração de Caracas que destaca o compromisso de todos em elevar a qualidade de vida de pessoas com deficiências e suas famílias, ainda propõe a construção de uma Rede Ibero-Americana de Organizações não governamentais de pessoas com deficiência e suas famílias. Estabelecendo, assim, o ano de 2004 como o Ano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias, almejando efetivação de Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para pessoas com deficiência; convidando governos e parlamentos dos países latino-americanos a organiza- rem-se em seus territórios. A Declaração de Sapporo, organizada e composta apenas por pessoas com alguma necessidade especial, diz que: na condição de pessoas com deficiências, se opõe a guerras, violência e todas as formas de opressão, além de desejarem construir uma organização unida e forte (SASSAKI, 2002). Todos esses acontecimentos destacam a ampla mobilização mundial de pes- soas com deficiências em busca de seus direitos e uma melhor qualidade de vida. A inclusão social e escolar tem servido como alavanca para esse processo. Segun- do Mantoan (1997), a inclusão questiona as políticas e a organização da Educação Especial e Regular, bem como tem por objetivo não deixar ninguém de fora do Ensino Regular, desde o começo. A escola inclusiva procura valorizar a diversida- de existente no alunado inerente à comunidade humana ao mesmo tempo em que busca repensar categorias, representações e determinados rótulos que enfa- tizam os deficits, em detrimento das potencialidades dos educandos. Em seu sentido mais amplo, o Ensino Inclusivo é a prática da inclusão de todos, independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural, em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas. As pesquisas sobre o professor e a inclusão Os trabalhos e pesquisas envolvendo a inclusão escolar vêm avançando ra- pidamente em função da urgência em atender as solicitações feitas por pro- fessores, orientadores e pais. Contemplando a heterogeneidade da realidade brasileira e a especificidade da prática educativa, os estudos direcionam-se em entender como a inclusão está acontecendo e de que forma podemos melhorar sua efetivação. 50 A inclusão através dos tempos Edler (1998) constatou como os professores de Ensino Especial e Regular de todas as regiões brasileiras entendem as dificuldades de aprendizagem; também anali- sou as grades curriculares dos cursos de magistério da Educação Fundamental. A autora comparou as respostas dadas pelos professores do Ensino Regular e professores do Ensino Especial. Um dos pontos de maior divergência revela-se na resposta da pergunta direcionada aos alunos que “não aprendem”, se são de- ficientes mentais ou não. A maioria dos professores do Ensino Regular acha que os alunos que “não aprendem” têm deficiência mental. Os professores do Ensino Especial discordam dizendo que alunos podem ter dificuldades de aprendiza- gem sem serem deficientes mentais. A divergência das opiniões pode ser ex- plicada, na percepção da pesquisadora, por serem os professores do Ensino Re- gular mais inexperientes em relação às deficiências e menos informados sobre o tema, enquanto os da Educação Especial dominam mais a temática, são mais críticos e “não consideram a deficiência como um rótulo que serve para explicar qualquer problema dos alunos” (EDLER, 1998, p. 82). Para Edler (1998), os professores reconhecem que o Ensino Regular não está bom no dia a dia das escolas, com isso acabam implicitamente criticando a prá- tica pedagógica. Há constatação de que os currículos dos cursos de formação de professores na maioria dos estados tratam das dificuldades de aprendizagem e deficiências de forma muito restrita e, frequentemente, no último ano, impedin- do que haja maior familiarização com o assunto, justificando o despreparo do professor do Ensino Fundamental. Essa pesquisa comprova o que já imaginávamos saber. A escola não conse- gue lidar com alunos que se afastam de um padrão. Crianças normais que apre- sentam dificuldades específicas de aprendizagem são com frequência rotuladas como deficientes. Os levantamentos de Rocha e Marquesini (2002) verificaram a posição de pro- fessores do Ensino Regular e da Educação Especial de quatro cidades da região norte do Paraná, envolvendo 141 docentes. As pesquisadoras utilizaram-se de um questionário de 30 afirmativas, sendo 15 pró-inclusão do deficiente mental no Ensino Regular e 15 contra inclusão. Os resultados revelaram que os docentes posicionaram-se em sua maioria contra inclusão do aluno com deficiência mental no Ensino Regular. Os que se posicionaram mostrando menos resistência eram aqueles que possuíam em sua formação disciplinas específicas para atender crianças com deficiência mental. A conclusão desse estudo propõe a necessidade de capacitação urgente dos docentes e profissionais do sistema educacional. A inclusão através dos tempos 51 Pardo e Faleiros (2002) entrevistaram professores de Ensino Regular que aten- diam alunos com necessidades especiais e a produção acadêmica dos alunos incluídos com idades entre oito e doze anos provenientes de escolas especiais. A análise das respostas dos professores evidencia que a escola não fez alterações no seu funcionamento para receber os alunos com necessidades educativas es- peciais; que os alunos apresentaram melhores resultados na socialização do que na produção acadêmica; e, ao final do ano letivo, os professores acreditavam que os alunos com deficiência mental necessitavam de escola especial. A con- clusão sobre esses estudos propõe a necessidade de maiores investigações dire- cionadas à forma de intervenção oferecida no processo inclusivo e o incentivo a condições mais adequadas para a inclusão do aluno com deficiência mental em ambientes menos segregadores. Outro trabalho realizado na cidade de Marília (SP), por Reganham e Braga (2002), discute a inclusão através da escuta de professores de Ensino Regular que receberam alunos especiais em suas salas de aula. A discussão dos resul- tados descreve dados como: a formação dos professores, na maioria, é de nível superior ou estão em fase de conclusão; de um total de oito professores, apenas quatro possuíam formação em Educação Especial, mas esses também sentem-se inseguros ao atender o aluno com necessidades educativas especiais; os demais (sem especialização) dizem que a falta de formação dificulta muito o trabalho. Para as autoras, a pesquisa permite concluir que a inclusão não deve ser algo obrigatório. Há necessidade do interesse dos professores e de toda a escola. Re- ganham e Braga (2002) explicam que, para os professores entrevistados, a inclu- são é necessária e viável, contudo não deve se tornar um “devaneio otimista”, por isso deve-se investir na efetivação de condições mínimas. Vitaliano (2002) acompanha as percepções de professores universitários da área de Educação Especial e professores do Ensino Fundamental sobre a questão da inclusão e percebe que, para a escola atender melhor os alunos especiais, é fundamental que os professores estejam mais bem preparados, haja adaptações curriculares, redução do número de alunos em sala e apoio de professores espe- cialistas nas áreas específicas. Uma pesquisa realizada por nós em 2003, na cidade Curitiba (com o apoio da Universidade Tuiuti do Paraná), buscou saber quais as concepções de professores do Ensino Regular a respeito da inclusão escolar. A escolha do professor como su- jeitode investigação valeu-se pelo fato de entendermos que, nesse processo ini- cial de concretização da inclusão, o professor terá uma função de destaque, como 52 A inclusão através dos tempos um pilar que se estiver bem respaldado poderá servir de apoio e sustentação para os demais. Isso não diminui a importância e a responsabilidade de outros, como os pais, a escola como um todo, o governo ou a sociedade. Inicialmente foi realizado um levantamento do número de escolas de Ensino Regular na cidade e constatou-se que 331 escolas atendiam crianças especiais nas salas de Ensino Regular em processo de inclusão. Foi separada, aleatoriamente, uma amostra de 50% entre as escolas envolvidas com a inclusão. Foram entre- gues 165 questionários, divididos em duas partes: a primeira sobre o processo inclusivo em si, com 25 perguntas, e a segunda parte voltada para as percepções que os professores tinham de seus alunos especiais, com 17 perguntas. Obteve-se o retorno de apenas 122, ficando sem resposta por parte dos professores 43 ques- tionários. A análise parcial permite-nos fazer algumas considerações. Observa-se mais escolas municipais (42%) com crianças em processo de in- clusão do que particulares (29%) e estaduais (28%). A maioria dos professores (68%) possui formação superior e um grupo considerável (44%) tem especializa- ção em Ensino Médio ou Superior. Muitos professores (76%) entendem o signifi- cado da inclusão como uma possibilidade de integração da pessoa deficiente à sociedade (Tabela 1). Significado da inclusão Frequência Exercício da cidadania 50% Conviver com as diferenças 49% Possibilidade de integração com a sociedade 76% Momento histórico atual 9% Não sei 1% Constatou-se que os professores em sua maioria (95%) acreditam na necessi- dade de adaptações do contexto escolar para receber os alunos especiais, contudo, em uma pergunta seguinte os professores afirmam que grande parte das escolas (66%) não tem feito adaptações. Ainda 85% dos professores salientam as adapta- ções curriculares que acham necessárias; verifiquemos os dados a seguir (Tabela 2): Alterações curriculares necessárias Frequência Não responderam 9% Redução da lição de casa 10% Avaliação diferenciada 47% Flexibilidade do planejamento do ensino 48% Capacitação dos professores 84% Um professor auxiliar na sala 47% Apoio pedagógico extra curricular 66% A inclusão através dos tempos 53 Em 78% das escolas não estão sendo feitas alterações curriculares, conforme os dados fornecidos pelos entrevistados. Ao perguntar aos professores se eles se sentem preparados para atender alunos com necessidades educativas especiais, 32% deles acreditam estar prepa- rados, mas, destacando o desejo de maior aperfeiçoamento, 42% não se sentem preparados, porém estão dispostos a se aperfeiçoar, e registramos que 19% dos professores dizem não estar preparados e não querem se aperfeiçoar para aten- der alunos especiais. Pode-se entender que 61% dos professores não se sentem preparados para receber alunos especiais, fato que justifica que 71% deles terem afirmado que a inclusão não está acontecendo de forma harmoniosa na prática. Quanto aos ganhos (aproveitamento) que os alunos com necessidades edu- cativas especiais estão tendo com a inclusão, os professores acreditam que são na área social (90%), seguido dos emocionais (45%) e cognitivos (26%). Uma das perguntas investigava os benefícios do processo inclusivo. Verificou-- -se que um pequeno número de professores (11%) acha que o aluno com neces- sidades educativas especiais se beneficia, a maioria (55%) acha que o aluno com necessidades educativas especiais em algumas situações fica prejudicado e que o professor acaba desgastado (40%), como descreve a tabela abaixo (Tabela 3): Benefícios e prejuízo Frequência Não responderam 2% Todos se beneficiam sempre 23% Em algumas situações o aluno com NEE fica prejudicado 55% O aluno sem NEE beneficia-se sempre 11% Em algumas situações o aluno sem NEE fica prejudicado 30% O aluno sem NEE beneficia-se sempre 10% O professor fica muito desgastado 40% Mesmo não tendo a análise dos dados dessa pesquisa concluídos, muitas re- flexões registradas aqui podem ser correlacionadas com as pesquisas anterior- mente apontadas. Pontos positivos são comuns a todas as pesquisas analisadas, como: os ganhos sociais para todos e a conscientização dos professores da ne- cessidade de aperfeiçoamento. As análises feitas por Rocha e Marquesini (2002), Pardo e Faleiros (2002), Reganham e Braga (2002), corroboram os dados levantados aqui com relação às dificuldades enfrentadas na efetivação que concilia o processo inclusivo. 54 A inclusão através dos tempos Seria coerente afirmar que, em todas as pesquisas, a formação do professor parece não corresponder às suas necessidades práticas; mesmo aqueles que possuem formação superior mostram-se inseguros ao enfrentar o processo in- clusivo. Poderíamos entender que é plenamente compreensível a sensação de insegurança diante do novo e do diferente, no entanto seu despreparo envol- ve tanto os aspectos pedagógicos como suas crenças, valores e sentimentos. O professor é uma pessoa que tem sua história de vida que não deve ser descon- siderada. Para se alcançar o sucesso de qualquer objetivo, há necessidade de disponibilidade e interesse. Acreditar que somente o professor está despreparado seria simplista. A “escola” necessita urgente de mudanças de postura, formação, procedimentos de ensino, organização, adaptações etc. Entre o falar e o fazer, entre o discur- so oficial e ação, temos contradições que requerem a participação de todos. A implantação, na realidade, dessa nova concepção de educação requer a exis- tência de profissionais bem formados, cujo preparo lhes permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à diversidade das necessidades educativas quanto em função das possíveis variações dessas necessidades em consonância com os diferentes períodos vitais. Texto complementar Inclusão escolar: um desafio entre o ideal e o real (PEREIRA, 2009. Adaptado.) Mas o que é de fato a inclusão? O que leva as pessoas a terem enten- dimentos e significados tão diferentes? Cabe aqui tecer algumas reflexões, pois dessa forma estaremos contribuindo para uma prática menos segrega- cionista e menos preconceituosa. O adjetivo ”inclusivo” é usado quando se busca qualidade para todas as pessoas com ou sem deficiência. Na primeira Conferência da Rede Ibero-Americana de Organizações Não Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunida em Ca- racas, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2002, considerando que é compro- misso de todos elevar a qualidade de vida de pessoas com deficiência e suas A inclusão através dos tempos 55 famílias por meio de serviços de qualidade em saúde, educação, moradia e trabalho, declararam 2004 como o ANO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUAS FAMÍLlAS, almejando a vigência efetiva das Normas sobre a Equipa- ração de Oportunidades para Pessoas com Deficiências e o cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas com Deficiência (Con- venção da Guatemala, 2001). O termo inclusão já trás implícito a ideia de exclusão, pois só é possível incluir alguém que já foi excluído. A inclusão está respaldada na dialética inclusão/exclusão, com a luta das minorias na defesa dos seus direitos. [...] O paradigma da inclusão vem, ao longo dos anos, buscando a não ex- clusão escolar e propondo ações que garantam o acesso e permanência do aluno com deficiência no Ensino Regular. No entanto, o paradigma da segregação é forte e enraizado nas escolas e, com todas as dificuldades e desafios a enfrentar, acabam por reforçar o desejo de mantê-los em espa- ços especializados. Contudo, a inclusão coloca inúmeros questionamentos aos professores e técnicos que atuam nessa área. Por isso, é necessário avaliar a realidade e as controvertidas posiçõese opiniões sobre o termo. Outro aspecto a ser considerado é o papel do professor, pois é difícil re- pensar sobre o que estamos habituados a fazer, além do mais a escola está es- truturada para trabalhar com a homogeneidade e nunca com a diversidade. A tendência é focar as deficiências dos nossos sistemas educacionais no desenvolvimento pleno da pessoa, onde se fala em fracasso escolar, no deficit de atenção na hiperatividade e nas deficiências onde o problema fica centra- do na incompetência do aluno. Isso é cultura na escola, onde não se pensa como está se dando esse processo ensino-aprendizagem e qual o papel do professor no referido processo. Temos que refletir sobre a educação em geral para pensarmos em inclusão da pessoa com deficiência. Há também que se lembrar que todos os alunos vêm com conhecimento da realidade que não pode ser desconsiderado, pois faz parte de sua história de vida, exigindo uma forma diferenciada no sistema de aprendizagem. 56 A inclusão através dos tempos Mas temos que pensar que, para que a inclusão se efetue, não basta estar garantido na legislação, mas demanda modificações profundas e importan- tes no sistema de ensino. Essas mudanças deverão levar em conta o contexto socio econômico, além de serem gradativas, planejadas e contínuas para ga- rantir uma educação de ótima qualidade (BUENO, 1998). Portanto, a inclusão depende de mudança de valores da sociedade e a vivência de um novo paradigma que não se faz com simples recomenda- ções técnicas, como se fossem receitas de bolo, mas com reflexões dos pro- fessores, direções, pais, alunos e comunidade. Contudo, essa questão não é tão simples, pois devemos levar em conta as diferenças. Como colocar no mesmo espaço demandas tão diferentes e específicas se, muitas vezes, nem a escola especial consegue dar conta desse atendimento de forma adequa- da, já que lá também temos demandas diferentes? [...] Temos que diferenciar a integração da inclusão, na qual, na primeira, tudo depende do aluno e ele é que tem que se adaptar buscando alternativas para se integrar, ao passo que, na inclusão, o social deverá modificar-se e preparar-se para receber o aluno com deficiência. A inclusão também passa por mudanças na constituição psíquica do homem, para o entendimento do que é a diversidade humana. Também é necessário considerar a forma como nossa sociedade está organizada, onde o acesso aos serviços é sempre dificultado pelos mais variados motivos. Jamais haverá inclusão se a sociedade se sentir no direito de escolher quais os deficientes que poderão ser incluídos. É preciso que as pessoas falem por si mesmas, pois sabem do que precisam, de suas expectativas e dificuldades como qualquer cidadão. Mas não basta ouvi-los, é necessário propor e desenvolver ações que venham modificar e orientar as formas de se pensar na própria inclusão. A Declaração de Madrid (2002) define o parâmetro conceitual para a construção de uma sociedade inclusiva, focalizando os direitos das pessoas com deficiências, as medidas legais, a vida independente, entre outros: ”O que for feito hoje em nome da questão da deficiência terá significado para todos no mundo de amanhã”. A inclusão através dos tempos 57 O marco histórico da inclusão foi em junho de 1994, com a Declaração da Salamanca, Espanha, realizada pela Unesco na Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, assinada por 92 países, que tem como princípio fundamental: “todos os alunos devem apren- der juntos, sempre que possível, independente das dificuldades e diferenças que apresentem”. O Brasil é signatário de documentos internacionais que definem a in- serção incondicional de pessoas com deficiência na sociedade – a cha- mada inclusão. Muito mais do que uma ideia defendida com entusiasmo por profissionais de diversas áreas desde 1990, a construção de socie- dades inclusivas, nos mais diferentes pontos do planeta, é meta do que se poderia chamar de movimento pelos “direitos humanos de todos os humanos”. No dia 14 de dezembro foi assinada a resolução 45/91da ONU, que solicitou ao mundo “uma mudança no foco do programa das nações unidas sobre deficiência passando da conscientização para a ação, com o compromisso de se concluir com êxito uma sociedade global para todos por volta de 2010”. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, refere-se sobre estar “pre- ferencialmente” incluída, mas também haverá quando necessário serviços de apoio especializado na escola regular para atender as peculiaridades e o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especia- lizados, sempre que em função das condições específicas do aluno não for possível sua integração nas classes comuns do Ensino Regular. [...] No Japão, em 2002, foi aprovada a Declaração de Sapporo, representando por 109 países, por ocasião da VI Assembleia Mundial da Disabled Peoples International (DPI), onde fala sobre a Educação Inclusiva: “a participação plena começa desde a infância nas salas de aulas, nas áreas de recreio e em programas e serviços. Quando crianças com deficiência se sentam lado a lado com muitas outras crianças, as nossas comunidades são enriquecidas com a aceitação de todas as crianças. Devemos instar os governos em todo mundo a erradicarem a educação segregada e estabelecer uma política de Educação Inclusiva”. 58 A inclusão através dos tempos A realidade Nos deparamos com frequência com as resistências dos professores e di- reções manifestadas através de questionamentos e queixas ou até mesmo com expectativas de que possamos apresentar soluções mágicas, de aplica- ção imediata, causando certa decepção e frustração, pois ela não existe. O problema se agrava quando vemos o professor totalmente dependente de apoio ou assessoria de profissional da área da saúde, pois nesse caso a ques- tão clínica se sobressai e novamente o pedagógico fica esquecido. Com isso, o professor se sente desvalorizado e fora do processo por considerar esse aluno como doente, concluindo que não pode fazer nada por ele, pois ele precisa de tratamento especializado da clínica. Parece que o professor está esquecendo do seu papel, porém não se considera o momento do professor, sua formação, as condições da própria escola em receber esses alunos, que entram nas escolas e continuam excluídos de todo o processo de ensino- -aprendizagem e social, causando frustração e fracassos, dificultando assim a proposta de inclusão. Por um lado, os professores julgam-se incapazes de dar conta dessa deman- da, despreparados e impotentes frente a essa realidade que é agravada pela falta de material adequado, de apoio administrativo e recursos financeiros. Observa-se, com frequência, a dificuldade dos professores, a partir de suas falas carregadas de preconceitos e estigmas, frustrações e medo: “não sou capaz disso”, “não sei por onde começar”, “é preciso ter uma equipe técnica na escola”, “a direção não entende”, “vai prejudicar os outros alunos”, “não vou beneficiar o aluno com deficiência”, “a criança com deficiência sofre rejeição dos outros alunos”, “preciso de assessoramento em sala de aula, tanto para os com deficiência quanto para os de altas habilidades”, “ficamos angustiados e sem ação frente a esse aluno” , “precisamos de pessoal qualificado que nos ajude a amenizar a angústia que temos ao trabalhar com eles”, “o professor encontra-se perdido quanto à inclusão”, “alunos e professores despreparados para aceitá-los”, “imposto pelo MEC as escolas tem que recebê-los”, “quais as metodologias mais rápidas, eficientes e adequadas ao nosso aluno?“, ”neces- sitamos treinamento específico”, “não somos preparados para atuar em todas as áreas”, “como alfabetizar o deficiente?“, “como realizar prova diferente para o aluno especial? “, “que atitude tomar com a criança hiperativa se os outros alunos não aceitam o diferente?“, “o professor encontra-se perdido diante o A inclusão através dos tempos 59 aluno portadorde necessidades especiais”, “como trabalhar esse aluno na parte psicológica?“, “os professores são despreparados para atender melhor o aluno especial”[...] Conclusão [...] Para que a inclusão seja uma realidade, será necessário rever uma série de barreiras, além da política e práticas pedagógicas e dos processos de avalia- ção. É necessário conhecer o desenvolvimento humano e suas relações com o processo de ensino-aprendizagem, levando em conta como se dá esse processo para cada aluno. Devemos utilizar novas tecnologias e investir em capacitação, atualização, sensibilização, envolvendo toda comunidade esco- lar. Focar na formação profissional do professor, que é relevante para apro- fundar as discussões teóricas práticas, proporcionando subsídios com vistas à melhoria do processo ensino-aprendizagem. Assessorar o professor para resolução de problemas no cotidiano na sala de aula, criando alternativas que possam beneficiar todos os alunos. Utilizar currículos e metodologias flexíveis, levando em conta a singularidade de cada aluno, respeitando seus interesses, suas ideias e desafios para novas situações. Investir na proposta de diversificação de conteúdos e práticas que possam melhorar as relações entre professor e alunos. Avaliar de forma continuada e permanente, dando ênfase na qualidade do conhecimento, e não na quantidade, oportunizando a criatividade, a cooperação e a participação. [...] Concluímos que, para o processo de inclusão escolar, é preciso que haja uma transformação no sistema de ensino que vem beneficiar toda e qual- quer pessoa, levando em conta a especificidade do sujeito, e não mais as suas deficiências e limitações. Dicas de estudo EDLER, Rosita. Temas em Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1998. Esse livro fala muito sobre a inclusão e sobre temas como: a diferença, a deficiên- cia e as necessidades especiais. 60 A inclusão através dos tempos O filme O Oitavo Dia, de Jacó Van Dormael, relata a realidade de um moço com deficiência e as suas relações sociais. Oferece reflexões importantes sobre a sociedade e seus paradigmas. Atividades 1. Descreva as quatro fases distintas segundo Stainback e Stainback (1999). 2. Observe a tabela abaixo, que apresenta resultados da pesquisa de MINETTO (2003), e explique o que você entendeu: Significado da inclusão Frequência Exercício da cidadania 50% Conviver com as diferenças 49% Possibilidade de integração com a sociedade 76% Momento histórico atual 9% Não sei 1% A inclusão através dos tempos 61 3. Comente o trecho: Segundo Figueira (1995), “palavras são expressões verbais de imagens cons- truídas pela mente. Às vezes, o uso de certos termos, muito difundido e apa- rentemente inocente, reforça preconceitos. Além dessas falas, temos obser- vado o medo da mudança com a certeza do fracasso e o medo da diferença onde se sentem ameaçados, o que provoca o afastamento, o estigma e, con- sequentemente, o preconceito. O professor desconhece quem é esse sujeito, suas possibilidades, seu desejos, suas dificuldades e limitações”. Maria de Fátima Joaquim Minetto Márcia Maria Stival O dicionário Aurélio ao definir diversidade utiliza palavras como diferença, dessemelhança. Bem, entendemos a diversidade como algo inerente ao ser humano. Somos de uma mesma espécie e, apesar disso, não há sequer um polegar igual ao outro nesse mundo, somos únicos! Entender, aceitar e respeitar a diferença é algo que almejamos. Mas quando falamos em diversidade sabemos quão difícil é isso no dia a dia em sala de aula. Às vezes escutamos frases como: “Faltou boa vontade dessa professora[...]” “Ela foi insensível às dificuldades dele”. Mas quem já esteve quatro horas de seu dia, cinco dias da semana com uma sala de aula com mais de 30 alunos sabe que não basta boa vontade ou sensibilidade. Esses fatores são fundamentais, mas não resolvem as dificuldades do dia a dia se não houver modificações para atender a diferença. Quando a dessemelhança no ritmo ou na forma de aprendizagem esco- lar é grande estamos falando em diversidade de aprendizagem que gera a necessidade de criar novas formas de ensinar, ou seja, diversificar o modo que ensinamos. Muitos autores, como Coll (1995); Bautista (1997), Stainback e Stainback (1999), Mittler (2003), Smith (2008), entre outros, procuram de- finir as dificuldades específicas de aprendizagem, no entanto, há de forma geral um consenso que se trata do aluno que apresenta problemas de aprendizagem ao longo de sua escolarização de forma significativamente maior do que a maioria dos alunos da sua idade. Podendo ocorrer de forma temporária ou definitiva, exigindo uma atenção mais específica, maiores re- cursos educacionais do que o necessário para os demais. O conceito de Necessidades Educativas Especiais (NEE) começou a ser difundido em 1978 na Inglaterra. No entanto, só foi adotado e redefinido em 1994, na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), passando a abran- ger todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem, como também superdotação. O termo Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” Vídeo 64 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” é tão amplo na sua aplicação que se estende desde a situação de risco social, as que trabalham, as de populações remotas ou nômades, crianças pertencentes a minorias étnicas ou culturais e crianças desfavorecidas ou marginais, bem como as que apresentam problemas de conduta ou de ordem psiquiátrica. Vejam que a definição em nenhum momento nega a dificuldade ou deficiên- cia do aluno. Isso está explícito quando diz problemas de aprendizagem (em função de necessidades especiais). Mas exige também uma resposta educativa diferenciada da escola quando fala em maiores recursos educacionais (neces- sidades educativas). Vejamos a definição de necessidades educativas especiais apresentada por Jiménez (In: BAUTISTA, 1997, p. 10) que é adotada pelo sistema educativo de Madri: Partindo da premissa de que todos os alunos precisam, ao longo da sua escolaridade, de diversas ajudas pedagógicas de tipo humano, técnico ou material, com o objetivo de assegurar a consecução dos fins gerais da educação. As necessidades educativas especiais são previstas para aqueles alunos que, para além disso e de forma complementar, possam necessitar de outros tipos de ajuda menos usuais. Dizer que um determinado aluno apresenta necessidades educativas especiais é uma forma de dizer que, para conseguir atingir os fins da educação, ele precisa usufruir de determinados serviços ou ajudas pedagógicas. Dessa forma, uma necessidade educativa define-se tendo em conta aquilo que é essencial para a consecução dos objetivos da educação. Entender que o aluno tem o direito de ser incluído, porque esteve à margem da sociedade; não teve oportunidades de estudar no tempo ideal (em termos de idade cronológica); por um motivo qualquer, dessa desigualdade social na qual vivemos, apresenta um comportamento antissocial; e a convivência com os demais poderá melhorar sua autoestima e resgatá-lo como sujeito. Não basta! D iv ul ga çã o Co lé gi o Sa nt a Is ab el . Entender que o aluno tem o direito de ser incluído, porque é portador de uma dificuldade específica de aprendizagem ou uma deficiência qualquer e convivendo com os demais poderá ter maior estímulo, autonomia e, assim, se desenvolverá melhor. Não basta! Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 65 Entender que um aluno tem o direito de ser incluído, porque ele apresenta um transtorno do desenvolvimento e quanto mais ele estiver convivendo com a reali- dade maior será a possibilidade de um resgate de sua identidade. Não basta! Para atender com qualidade alunos com NEE, o sistema educacional enfrenta vários desafios: a conscientização da comunidade escolar e da sociedade em geral sobre a nova maneira de entender e educar o alunado; o investimento sério na preparação continuadada equipe escolar. Há que se subsidiar a ação educativa empreendida; a estruturação de métodos, técnicas e recursos de ensino adequa- dos a esse alunado; a adaptação de currículos para atender às necessidades e es- pecificidades dos alunos em classes regulares; o envolvimento de pais e pessoas da comunidade ampla nesse processo. Precisamos compreender que não basta somente a boa vontade do professor! Se o aluno possui diversidade de aprendizagem por uma razão qualquer, pre- cisamos de diversidade na forma de ensinar. Mas enquanto estivermos presos à ideia de integrar não poderemos realmente incluir. Há uma grande discussão em relação aos termos inclusão e integração. A integração e a inclusão são dois sistemas organizacionais de ensino que têm origem no princípio da normalização. Normalizar uma pessoa não significa tor- ná-la normal. Significa dar a ela o direito de ser diferente e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela sociedade. Na área de educação, normalizar é oferecer ao aluno com necessidades educativas especiais recursos profissionais e institucionais adequados para que ele se desenvolva. Para Sassaki (1997), no modelo integrativo a sociedade praticamente cruza os braços, aceitando receber pessoas com necessidades educativas especiais desde que estas sejam capazes de: moldar-se aos requisitos dos serviços especiais se- parados, acompanhar os procedimentos tradicionais, contornar os obstáculos existentes no meio físico e lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade, resultado de esteriótipos, preconceitos e estigmas. Mantoan (1997, p. 11) considera que “na inclusão o vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos”. A inclusão, portanto, propõe o sistema de caleidoscópio de inserção. Trata-se de uma metáfora criada por educado- res canadenses que têm se destacado, internacionalmente, como pioneiros da luta pela inclusão. No sistema de caleidoscópio não existe uma diversificação de atendimento. 66 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” Na proposta inclusiva, a criança entrará na escola, na turma comum do Ensino Regular e lá ficará. Caberá à escola encontrar respostas educativas para as necessidades específicas de cada aluno, quaisquer que sejam elas. A inclusão não admite diversificação pela segregação. Tende para uma especialização do ensino para todos (WERNECK, 2000). Façamos uma análise do quadro comparativo: Integração Inclusão A deficiência é problema do aluno. Deficiência é uma limitação-problema para a so-ciedade. Reabilitação: a pessoa precisa ser curada. Reabilitação: necessidade de adaptação ao meio. Normalização: tornar normal para viver em sociedade. Normalização: normalizar serviços, ambientes, para dar condições semelhantes. Esforço unilateral. Esforço coletivo. Ensino especial para alguns. Ensino especial para todos. Aprender junto. Aprender com. Professor especializado em deficiências. Professor especializado em alunos. Abordagem terapêutica. Abordagem pedagógica. Integração parcial. Caleidoscópio: a beleza está na variedade, no respeito às diferenças. Para Stainback e Stainback (1999), o principal objetivo desse processo está em oferecer a esses alunos os serviços de que necessitam, mas em ambientes inclusivos, e em proporcionar aos professores atualização de suas habilidades. Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 67 O professor deve ensinar aquilo que seu aluno necessita, e não aquilo que ele acha que seu aluno precisa. Além de adequar esses conhecimentos à capa- cidade do seu aluno, pois “não há maior preconceito do que tratar igualmente aquele que não é igual” (DELORS, 2000, p. 212). Muitas vezes, de forma equivocada, achamos que só há um tipo de apren- dizado, esquecendo-nos das diversidades, das necessidades individuais. Seria importante o professor e os demais profissionais da escola perguntarem: o que esse aluno precisa nesse momento? É ser alfabetizado em um ano? É fazer gran- des cálculos? Ou seria aumentar sua autoestima ? Ou seria ganhar autonomia? Quem ganha também com esse processo são os outros alunos que irão se enriquecer por ter a oportunidade de conviver com o diferente. Nas salas de aula inclusivas, todas as crianças desenvolvem-se para cuidar umas das outras e con- quistam as atitudes, as habilidades e os valores necessários para a comunidade apoiar a inclusão de todos os cidadãos (STAINBACK; STAINBACK, 1999). Pensar em incluir pode ser absurdo quando não há consciência da necessidade de diversificar a forma de ensinar. Mas para diversificar a forma de ensinar é pre- ciso reinventar! Criar um novo caminho, ser criativo. O professor e a criatividade Vivendo em plena era pós-mo- derna, o homem vê-se envolvido por uma gama de informações que vêm de lugares distantes, muitas vezes em tempo real. São informações veicu- ladas pelos meios de comunicação, numa grande quantidade, que des- pertam a curiosidade e a noção de que é impossível absorvê-las na sua totali- dade. Assim, percebe-se a quantidade vindo acompanhada da rapidez. Mas é tempo, também, do fortalecimento das parcerias. Afinal, o advento da globalização dissipa que as alianças fazem a diferença e que é imprescindível estreitar laços e romper barreiras. D om ín io p úb lic o. 68 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” Assim, esse período de notórias conquistas científicas, avanço tecnológico, é igualmente marcado pelas cobranças que a atualidade dirige, ora de forma velada, ora de maneira bem explícita. São exigências que instigam ou, no mínimo, ressal- tam a necessidade de um constante aprimoramento das habilidades humanas. De acordo com as informações organizadas por Virgolin e Alencar (1994, p. 45), [...] a forma costumeira de agir e pensar é insuficiente, ou mesmo inadequada para lidar não só com a realidade, mas também com nossas próprias ideias. O conhecimento e as habilidades, como destaca Lewis (1987), são hoje produtos altamente perecíveis, dependendo integralmente da rapidez com que novos dados são acumulados nas mais diversas áreas do saber humano, tornando o conhecimento obsoleto em pouco tempo. E, como sobreviver nesse contexto que requer rapidez, contínuo aperfeiço- amento, o estabelecimento de boas relações interpessoais e contato com uma quantidade surpreendente de informações, entre outras exigências que caracte- rizam o momento que se vive? E mais: como o professor pode sobreviver num mundo repleto de tantas solicitações? Pressupõe-se que, além de requisitos como conhecimento, aperfeiçoamento continuado, entre outros, o que muitas pessoas acionam é a sua criatividade. Parte-se, então, do princípio que a criatividade é a mola propulsora da reno- vação tão necessária para os dias atuais. Mas, o que é criatividade? Para Oech (1995), criatividade consiste no enlace do antigo com o que é novo. Entenda-se antigo pela soma das experiências teóricas e práticas. Já o novo é o resultado da imaginação e da fantasia. Assim, criatividade insere-se como uma capacidade inerente ao indivíduo, possibilitadora da expressão de ideias únicas em pleno momento que é neces- sário resolver um problema. É uma característica que comporta a capacidade de envolver as pessoas. Para Fernandes (1998), o que se cria depende do olhar do observador que, em seguida, transforma-se no criador. A partir desse ponto de vista, verifica-se que a aparição do ato criador está atre- lada a um olhar peculiar de quem está atento ao que ocorre ao seu lado. Por essa razão, a atenção direcionada, a capacidade de desenvolver uma percepção ime- diata e mediata, a habilidade de correlacionar os conhecimentos acumulados, a flexibilidade, a possibilidade e rapidez de organizar um pensamento são algumas das características típicas do indivíduo que se destaca pelo seu modo criador. Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 69 É interessantepensar, também, que quanto mais consciente do campo e da dimensão de suas competências, maior será a probabilidade do indivíduo dire- cionar sua concentração para a área que, ao ser estimulada pelas situações do cotidiano, lhe trará melhores resultados. Isso porque parte-se das habilidades para as quais tem maior inclinação. Por que o professor deve refletir sobre criatividade? Conforme os conteúdos organizados por Virgolin e Alencar (1994, p. 43), “nas últimas décadas, a concepção de que o potencial criativo de todo indivíduo deve ser desenvolvido desde os primeiros anos tem sido amplamente defendida por psicólogos e educadores de diversos países”. Concorda-se com tal posicionamento, uma vez que o contexto atual marca, cada vez mais intensamente, que para se destacar e até sobreviver nesse mundo tão competitivo é preciso transformar, inovar. E cabe ao professor pensar que ele possui duas vertentes, ou seja, ele deve estar disponível para criar, absorver novas criações, efetivando mudanças simultaneamente, além de estimular o de- senvolvimento da criatividade do aluno. É, sem dúvida, uma tarefa que requer bastante empenho. No meu primeiro ano de magistério, eu trabalhava numa turma onde todos eram repetentes. Eu preparava aula, material, falava, falava, falava. Mas as crianças não me ouviam. Gritavam, jogavam coisas, se espetavam. E então um dia eu descobri que eles eram pedras. E resolvi que, se eles eram pedra, se eu queria trabalhar com eles, se eu queria falar com eles, eu tinha que ser pedra e mais um pouquinho. (Maria José, professora) No que diz respeito ao desenvolvimento do seu potencial, verifica-se a relevância de criar nas situações mais corriqueiras, uma vez que pequenas variações podem favorecer um maior envolvimento do aluno com um deter- minado conteúdo. Cabe ao professor lembrar-se que a realidade brasileira é composta de níveis econômicos e culturais variados, os quais podem trazer consigo obstáculos e imprevistos. Desse modo, durante um mesmo período, o pro- fessor pode estar fazendo parte de um contexto educacional privilegiado e de outro com escassos recursos administrativos e pedagógicos. E o que fazer diante de realidades tão distintas? Para chegar até os alunos, conforme a intenção expressa no relato da profes- sora Maria José, certamente é preciso que o educador crie estratégias e recursos compatíveis com a demanda e necessidade do alunado. Só dessa forma, partindo 70 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” do que há de mais próprio de cada cultura, claro que trazendo inovações, é que a aprendizagem terá condições de atingir seu maior propósito: preparar o aluno para a vida. Um outro ponto, ressaltado por Morin (2001), diz respeito a uma necessidade da reforma de pensamento. Reforma, esta, que valorize uma cabeça bem-feita ao invés de uma bem cheia. De acordo com Morin(2001, p. 21), [...] o significado de uma cabeça bem cheia é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. Uma cabeça benfeita significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; princípios organizados que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. A disponibilidade do professor, para investir num processo de aprendizagem que preze por cabeças benfeitas, pressupõe seu envolvimento com o que até o momento vem sendo o foco dessa exposição: a criatividade. Isso por que não basta acumular conhecimentos, mas organizá-los, relacionando-os e dando fun- ções a essas ideias que, ao serem ligadas, originam algo novo. Etapas do processo criativo De acordo com Oech (1995), há algumas etapas pelas quais uma pessoa passa para tornar concretizado o processo criativo. � Apreensão: essa etapa é caracterizada pela expressão da primeira ideia. � Preparação: nessa etapa são feitas as coletas dos dados, provenientes das várias informações com as quais o indivíduo pode contar. � Incubadora: essa é a fase gestacional. � Iluminação: quando essa etapa chega, notam-se as expressões da descoberta. � Verificação: essa etapa caracteriza-se pela presença do senso crítico, da lógica e da análise do que foi explicitado. Em muitas situações, um adulto sente-se bloqueado e, dessa forma, com difi- culdades para prosseguir seu processo criativo, pelo fato de que apresenta medo de errar, de ousar, com dificuldades de extrapolar as normas e com receio de brin- car, acreditando que não sendo prático e sério, o trabalho não sairá conforme o Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 71 esperado. Oech cita estes, entre outros, como os bloqueios que mais comumente impedem que o indivíduo expresse suas potencialidades criativas. Texto complementar Identificando necessidades educacionais especiais (CAMPINAS, 2009) A expressão “necessidades especiais” tornou-se bastante conhecida no meio acadêmico, no sistema escolar, nos discursos oficiais e mesmo no senso comum. Surgiu da intenção de atenuar ou neutralizar a acepção negativa da terminologia adotada para se distinguir os indivíduos em suas singularidades por apresentarem limitações físicas, motoras, sensoriais, cognitivas, linguísti- cas ou ainda síndromes variadas, altas habilidades, condutas desviantes etc. Tal denominação foi rapidamente difundida e assimilada, talvez, pela am- plitude e abrangência de sua aplicabilidade. Podemos dizer que indivíduos cegos apresentam necessidades consideradas “especiais”, porque a maioria das pessoas não necessita dos recursos e ferramentas por eles utilizados para ter acesso à leitura, à escrita e para se deslocar de um lado para outro, em sua rotina. Essas pessoas necessitam, por exemplo, do sistema Braille, de livros sonoros, de ledores, de softwares com síntese de voz, de bengalas, cães-guia ou guias humanos. O mesmo raciocínio se aplica às pessoas que necessitam de muletas, cadeiras de rodas ou andadores para sua locomoção. Da mesma forma, os surdos valem-se da linguagem gestual e da experiência visual em sua comunicação. Existem também aqueles que necessitam de cuidados es- peciais para a alimentação, o vestuário, a higiene pessoal e outros hábitos ou atividades rotineiras. Nesses casos, essas pessoas necessitam desenvolver ha- bilidades, funções e aprendizados específicos. Algumas dessas necessidades podem ser temporárias ou permanentes, dependendo da situação ou das cir- cunstâncias das quais se originam. A literatura especializada a esse respeito, particularmente representada pelos estudos de Telford e Sawrey (1978), é ilus- trativa do longo e enviesado caminho percorrido para se chegar a uma concei- tuação que fosse mais precisa, científica e qualitativamente aceitável. Para esses teóricos: “A tendência atual é empregar termos menos estig- matizantes, mais gentis e menos carregados emocionalmente, em substitui- 72 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” ção aos mais antigos, que adquiriram conotações de desamparo e deses- perança”. [...] Utiliza-se para evitar as conotações de inferioridade intrínseca que eventualmente se acrescentam aos termos empregados com referência a grupos de pessoas percebidas como deficientes. Embora os rótulos sejam necessários para alguns fins, há uma tendência a utilizá-los tão pouco quanto possível, em vista dos estigmas associados a muitos deles.” (...) É paradoxal que, quanto mais aprendemos acerca das pessoas excepcionais, menos con- fiante nos torna quanto a nossa capacidade de classificá-las de maneira útil” (ROSSMAN, 1973; BOGDAN; TAYLOR, 1976). Esses estudos representam uma contraposição à arbitrariedade, ao cunho preconceituoso e depreciativo que impregnavam a terminologia circulante entre pais, especialistas e o público em geral com referência às limitações física, motora, sensorial, cognitiva, às diferentes síndromes ou ao sofrimento mental. Assim, as manifestações de certascaracterísticas, peculiaridades ou diferenças individuais inspiraram a denominação corrente de “pessoas com necessidades especiais” para desig- nar o que antes era concebido como grupos ou categorias de indivíduos ex- cepcionais. Nesse contexto, a expressão “alunos ou crianças excepcionais” foi substituída por “crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais” e ratificadas internacionalmente na “Declaração de Salamanca” (ESPANHA, 1994). No Brasil, em 1986, o MEC já adotava essa designação que passou a figurar como “portadores de necessidades educacionais especiais – PNEE” na Política Nacional de Educação Especial (SEESP/MEC/1994), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) e, finalmente, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial (MEC/2001). Por- tanto, a nomenclatura está oficialmente consagrada até que seja destituída pela hegemonia de uma nova concepção. 1. Dilemas e Controvérsias A expressão “necessidades educacionais especiais” e correlatas obteve franca adesão por parte do sistema escolar e despontou como um verdadeiro achado no sentido de alargar os horizontes da Educação Especial. Isso porque, além de ser considerada um eufemismo capaz de esvaziar a suposta negativi- dade do termo “portadores de deficiências”, legitima e amplia o contingente de educandos a serem contemplados pelos serviços de apoio especializado. Trata-se, pois, de um postulado atraente pela abrangência e pela pretensão de ressignificar o desgastado jargão de diversos segmentos organizados por áreas de deficiência. Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 73 De acordo com os parâmetros curriculares nacionais para a Educação Espe- cial (Seesp/MEC/01), essa expressão pode ser utilizada para referir-se a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para aprender. Está associada, portanto, a dificuldades de apren- dizagem, não necessariamente vinculada a deficiência(s). [sic] Trata-se de um leque de manifestações, de natureza orgânica ou não, de caráter temporário ou permanente cujas consequências incidem no processo educacional. Ao mesmo tempo, as necessidades especiais são caracterizadas como manifesta- ções decorrentes de dificuldades de aprendizagem, de limitações no processo de desenvolvimento com comprometimento do desempenho escolar, de difi- culdades de comunicação e sinalização, de altas habilidades ou superlotação. A extensão do termo é tão ampla que se torna difícil perceber quem não apre- senta necessidades educacionais especiais. Ao analisar os meandros dessa questão, Mazzotta (2001) nos alerta: “Alunos e escolas são adjetivados de comuns ou especiais e em referência a uns e outras são definidas necessidades comuns ou especiais a partir de cri- térios”. Arbitrariamente construídos por abstração, atendendo, muitas vezes, a deleites pessoais de experts ou até mesmo de espertos. Alertemo-nos, também, para os grandes equívocos que cometemos quando generalizamos nosso entendimento sobre uma situação particular. [...] Hoje, e provavelmente ainda por muitos anos do século XXI, as expressões Alunos Especiais e Esco- las Especiais são empregadas com sentido genérico, via de regra, equivocado. Ignora-se, nesses casos, que todo aluno é especial e toda escola é especial em sua singularidade, em sua configuração natural ou física e histórico-social. “Por outro lado, apresentam necessidades e respostas comuns e especiais ou dife- renciadas na defrontação dessas duas dimensões, no meio físico e social”. Considerem-se também os ecos provenientes do movimento de pessoas com deficiência, especialmente marcado pela década de 1980, quando o grito geral pela afirmação de direitos ecoou em contraposição ao enfoque assistencial e terapêutico da nomenclatura preponderante. Nesse contexto, termos como “deficientes”, “incapazes”, “retardados”, “excepcionais” e correlatos foram descar- tados, consagrando-se a expressão “portadores de deficiência” para referir-se a pessoas com limitações física, sensorial, mental ou múltipla. Posteriormente, a classificação genérica “portadores de necessidades especiais” passou a englobar essas e outras categorias. As incessantes indagações inspiram novas proposi- ções como é o caso, por exemplo, da denominação “portadores de direitos espe- 74 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” ciais – PODE” proposta por Frei Beto. Mas as ressalvas e sutilezas continuam, pois o termo “portadores de” caiu na armadilha do léxico que aprisiona o sujeito ao desconforto de “portar”ou “carregar” deficiências, necessidades ou direitos. 2. As definições do contexto da escola O uso indiscriminado desses termos, nas escolas, pode gerar consequên- cias negativas quando um aluno ou um grupo de alunos são apontados como “especiais” e passam a ser tratados como um “problema” para a escola. Depen- dendo da forma como essas expressões são empregadas, elas deixam de ser achados importantes para se tornarem “achismos” que não contribuem com a escolarização bem-sucedida do alunado. Convém lembrar as recomendações de Mazzotta quanto ao perigo das generalizações, dos construtos arbitrários e abstratos que resultam em práticas e entendimentos equivocados. A terminologia aqui apresentada não escapa ao descontentamento daque- les que encaram tal generalização como meras tentativas de encobrir, negar ou descaracterizar as especificidades das várias deficiências. Além disso, há os que consideram a polêmica inócua e desnecessária ou que serve, apenas, para desviar o foco das discussões primordiais. Essas expressões e seus derivados não deveriam ser empregados para classificar, discriminar, rotular ou incenti- var a disseminação de ideias preconceituosas e pejorativas. O aprofundamen- to dessa temática mostra a persistência de um movimento dinâmico e parado- xal de adesão, contraposição e desconfiança, quando se trata de estabelecer categorias ou classificações de seres humanos. Cada aluno é peculiar em suas características e em suas expressões. Embora haja aquelas que são compartilhadas por grande parte das crian- ças, e existem outras características a serem estudadas individualmente e co- nhecidas em suas peculiaridades e especificidades. Assim, é de extrema importância que não se coloquem rótulos genéricos, nem se teçam conclusões guiadas categoricamente, mas, sim, que a família e a escola se unam, para avaliar, individualmente e cuidadosamente, a cada crian- ça, na busca de identificação de sua expressão no processo de aprendizagem, bem como das necessidades educacionais que apresenta tanto as comuns, como as possivelmente especiais. Atualmente, não mais se percebe a Educação Especial como anexa à Edu- cação Geral. É igualmente o processo com os mesmos objetivos e finalidades, Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 75 mas que se destina a alunos com dificuldades acentuadas de aprendizagem que podem estar associadas a deficiências sensoriais, mentais e às condutas típicas de síndromes de quadros neurológicos, psicológicos complexos e psi- quiátricos persistentes, ou ainda a alunos com altas habilidades. Nem todos os alunos que apresentam dificuldades de adaptação escolar são alunos com condutas típicas de síndromes de quadros neurológicos psico- lógicos complexos e psiquiátricos persistentes, ou apresentam necessidades educacionais devido à sua deficiência. Muitos apresentam quadros psicoló- gicos reativos, necessitando de atenção especial de seu professor sem serem necessariamente encaminhados para Educação Especial. Face à complexidade do tema, o trabalho com esses alunos continua sendo obscuro em muitos aspectos. Isso requer reflexão tanto para a formulação do diagnóstico quanto para a orientação das práticas educativas mais adequadas. É preciso entender que esses alunos necessitam atenção de natureza clínica educacional e social. Seus professores também precisam de orientação espe-cífica para viabilizar o êxito do processo ensino-aprendizagem. 3. Definição do alunado de Educação Especial A identificação do alunado da Educação Especial visa dinamizar o traba- lho educacional, subsidiar o planejamento de Políticas Públicas, a definição e decisões para investimentos e recursos, a organização de propostas de formação de professores e a implantação de serviços de Educação Especial. Segundo a Política Nacional de Educação Especial (1994), seu alunado é aquele que, por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos, no domínio das aprendizagens curriculares correspondentes a sua idade, requer recursos pedagógicos e educacionais específicos. Genericamente chamados de alunos com necessidades educativas especiais, classificam-se em: alunos com deficiência (mental, visual, auditiva, física e múltipla), com condutas típi- cas (problemas de conduta) e os de altas habilidades (superdotados). Identificar as necessidades educacionais de um aluno como sendo espe- ciais implica considerar que essas dificuldades são maiores que o restante de seus colegas, depois de todos os esforços da escola para superá-los atra- vés de recursos e procedimentos adotados por ela. O especial esta vincu- lado ao critério de diferença significativa do que se oferece normalmente para a maioria dos alunos da turma no cotidiano da escola. Não podemos confundir necessidades educacionais especiais com o fracasso escolar. 76 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” São inesgotáveis as discussões no âmbito científico sobre o fracasso escolar; todo conhecimento e estudos obtidos não têm levado respostas eficientes para as soluções. O fracasso escolar é um fenômeno internacional marcado por influências socioculturais, políticas econômicas e pedagógicas. A tendên- cia de atribuir o fracasso escolar ao aluno não tem levado a escola a repensar sua função e sua prática pedagógica, isentando-se da responsabilidade pela aprendizagem ou não do aluno. A identificação dos problemas ficam fora da escola, nas mãos de profissionais que patologizam as dificuldades ou as pro- blematizam como causa social e nunca como situações pedagógicas. Assim, é necessário um novo olhar sobre a identificação de alunos como portadores de necessidades especiais, bem como sobre as necessidades especiais que alguns alunos possam apresentar. Igualmente, um novo olhar cuidadoso nos encaminhamentos de alunos para serviços especializados. Por fim, não podemos deixar de considerar o papel importante do profes- sor da sala de aula. Não se pode substituir a sua competência pela ação exer- cida do professor de apoio especializado ou pelo trabalho com equipes es- pecializadas quando se trata da educação do aluno. O trabalho do professor regente como condutor das ações docentes é insubstituível, não podemos transferir e nem abdicar o professor dessa responsabilidade. Assim, como parte integrante do corpo docente da escola, os professores de Educação Especial da Secretaria Municipal da Educação devem estar envolvidos em todas as discussões coletivas inerentes ao cotidiano escolar. Atividades 1. Escreva o seu entendimento da expressão “diversidade na ensinagem”? Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 77 2. Faça uma leitura e análise do texto a seguir. Depois responda: o que ele pode acrescentar aos seus conhecimentos sobre a necessidade de se observar as diversidades na aprendizagem? (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 152) A inclusão, tal como é discutida por vários autores, não é uma realidade em vá- rias comunidades. [...] Uma verdadeira inclusão deve considerar um conjunto de serviços de apoio, não só para a criança com necessidades educativas espe- ciais, mas também para todos aqueles envolvidos na sua educação. Quando a criança com necessidades educativas especiais é meramente colocada na classe regular sem os serviços de apoio de que necessita e/ou quando se espe- ra que o professor de Ensino Regular responda a todas as necessidades dessa mesma criança sem o apoio de especialistas ou terapeutas, isso não é inclu- são. Nem é Educação Especial ou Educação Regular apropriada – é educação irresponsável. Todos nós devemos estar preparados para denunciar situações em que a criança é atirada na classe regular sem os apoios apropriados. Infe- lizmente, em muitas comunidades, alguns administradores estão a promover esses despejos chamando-lhes de inclusão. 78 Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 3. Para quem será mais difícil criar: para a criança ou para o adulto? Justifique seu posicionamento, com base nas informações do texto. Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” 79 4. O que você entende por Necessidades Educativas Especiais? Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes Meu existir é visto e compreendido por alguém [...] É me devolvida a evidência de que necessito de ter sido percebido como existente. Donald Winnicott Percebe-se que é urgente pensar e agir numa perspectiva inclusiva para que tenhamos uma educação de qualidade para todos os alunos, de acordo com o que prescreve a LDB 9.394/96. Entretanto, há muito para re- fletir e, principalmente, mudar para construirmos a eficácia de uma prática escolar que opere sobre a lógica inclusiva. Entende-se que é importante observar os pormenores, as sutilezas das situações, pois muitas vezes é nos detalhes que se vê uma prática que respeita a singularidade de cada indivíduo. É no ambiente escolar que os desafios para lidar com a diversidade ficam evidenciados. É nesse contex- to que se pode encontrar elementos que auxiliem a escola a oferecer uma educação de qualidade para todos. Procura-se trabalhar com essas crianças, de maneira que elas se perce- bam como sujeitos únicos e singulares. Mesmo com todas as adversida- des e complicações que elas enfrentam, almejem a modificação de suas realidades e, assim, possam se posicionar como seres desejantes perante a vida. Tendo por eixo norteador das práticas educacionais a diversidade na aprendizagem em função do desenvolvimento do ser humano. Essa di- versidade é constituída pelo conjunto de singularidades, de semelhanças, que tece a trama do tecido das relações sociais humanas. A construção dos laços afetivos no ambiente escolar Vídeo 82 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar A pluralidade na escola A presença de um aluno com necessidades educati- vas especiais na sala de aula de uma escola regular pode ser tomada como um ato de democracia no ensino, mas não significa inclusão escolar. Macedo (2002) enfatiza que o desafio da escola hoje é conferir ingresso e perma- nência a qualquer tipo de aluno e oferecer-lhe respos- tas educativas de qualidade. Consequentemente, é ne- cessário repensar o modo de funcionamento do sistema institucional escolar, pauta- do na lógica da exclusão, em favor de outro, pautado na lógica da inclusão. Entende-se incluir como abrir-se para o que o outro é, e para o que eu sou ou não sou em relação ao outro. Argumenta-se que para a almejada boa qualidade educativa da escola é fundamental compreender o lugar dado ao aluno. É preciso levar em conta, no processo de aprendizagem, a singularidade de cada aprendiz. Dessa maneira, é preciso refletir, também, sobre o lugar que o professor representa atualmente na sociedade, pois já se sabe que não é mais o mesmo. Qual é então esse lugar? Como é a representação de educação do professor? São inúmeros os aspectos subjetivos que permeiam as situações do cotidiano escolar, e podem ocorrer de forma sutil e subjetiva. E essencialmente um novo paradigma da educação que resgata o valor da pessoa do professor e da educação como bem social. Carvalho (2000, p. 180) vê a escola como um: [...] espaço plural, extremamente complexo, impregnado de regras, de valores (nem sempre consensuais) e de muitos sentimentos contraditórios quanto às funções políticas e sociais [...].Inúmeras e diversas são as expectativas da sociedade, das famílias, dos alunos, de toda a comunidade escolar, interferindo direta ou indiretamente no dia a dia das escolas. D iv ul ga çã o Ed ito ra A br il. A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 83 Ainda Macedo (2002, p. 10) lembra que durante séculos, [...] a organização escolar foi determinada pela classe, o desafio de uma Educação Inclusiva consiste em romper com o preconceito, ao conviver com as pessoas que, em nossa fantasia, não são como nós, não têm nossas características. Essa atitude permanece até que um acidente, uma morte, nos lembre que essa é uma circunstância de todo nós, em algum momento de nossa vida. Alguns têm essa circunstância permanentemente; para outros, ela se torna permanente e, para outros ainda, ela é momentânea. Considerando os autores citados, para se ter inclusão escolar é preciso ques- tionar concepções e valores, refletir, buscar e construir a partir de cada realidade, de acordo com a especificidade regional da população, alternativas que viabili- zem a diversidade na aprendizagem. Cabe à escola construir respostas e instrumentos que atendam aos “novos tempos” com todas as suas peculiaridades e as diferentes necessidades. Como todas as outras instituições sociais, a escola é um sistema que tem uma pauta de desempenho socialmente definida e historicamente situada. O desempenho adequado e competente dessa tarefa é que estabelece e constitui sua importân- cia e sua função social. A escola pode ser vista como um ambiente, que tanto acolhe como enfoca o sujeito na esfera das relações sociais. Faz pensar, também, que as experiências vividas no contexto escolar serão significativas para seu modo de se colocar no mundo e nas relações com o “outro”. De acordo com Figueiredo (In: ROSA; SOUZA, 2002, p. 69), Cada ser humano é essencialmente singular pelas suas diferenças. Tais dessemelhanças respondem pela nossa unicidade e nos tornam também especiais aos olhos dos outros na convivência. Por outro lado, se as diferenças nos fazem únicos, são as similitudes que nos aproximam como elementos do grupo social, pois as semelhanças vividas no mais profundo do humano é que nos permitem desenvolver o sentimento de pertença. Para Parolin (2002), as pessoas têm diferentes saberes e interesses, necessida- des, habilidades, competências, contextos socioemocionais, histórias e poten- cial, e essas diferenças produzem, ao longo da vida do aluno, a singularidade de cada um. Temos, portanto, a necessidade de identificação e de diferenciação, que nesse processo se evidenciam através de trocas de várias categorias, entre elas as de ordem afetiva e cognitiva. Compreender que existem diferenças e se- melhanças entre as pessoas faz parte da formação do educador. Se esse princí- pio é inegável (FIGUEIREDO In: ROSA; SOUZA, 2002, p. 69), [...] é preciso reconhecer o valor das diferenças como elemento de crescimento dos sujeitos e dos grupos sociais. Por sua vez, a diversidade se faz presente em todos os níveis, do individual para o social. Trazendo essa reflexão para a escola, pode-se perguntar: por que a diversidade tem sido tão pouco valorizada nesse espaço? 84 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar Se a escola responde às necessidades proeminentes do contexto em que ela está inserida e muda sua prática e seu pensar para atender à demanda social, ela continua cumprindo a sua função formadora e continua sendo escola. O modelo proposto por Winnicott (1960) pode ser estendido ao processo de Educação Inclusiva e para as relações no ambiente escolar: professor-aluno, escola-corpo discente, escola-corpo docente. Winnicott (1975, p. 1) afirma: “[...] o meio ambiente facilitante e suficiente- mente bom que, no início do crescimento e desenvolvimento de cada indivíduo, constitui um sine qua non [...] nada se realiza no crescimento emocional, sem que esteja em conjunção à provisão ambiental”. Prover para o indivíduo é prover o ambiente que facilite a saúde mental in- dividual e o desenvolvimento emocional. Saúde é maturidade. A maturidade é uma palavra que implica não somente crescimento pessoal, mas também socialização. De acordo com Winnicott, do professor não se espera outras qualidades que não aquelas que a atitude sensível de um ser humano comum possa reunir. Entre elas, a capacidade de ouvir o outro, de cuidar do outro, de identificar-se com o outro. Dentro dessa ótica, um dos aspectos principais da tarefa educativa é pro- mover uma mudança, que faça emergir o pensamento independente. É preciso saber a importância da continuidade do ambiente humano e, do mesmo modo, do ambiente não humano, que auxilia a integração (identifica- ção/diferenciação) da personalidade do indivíduo; da confiança, que torna o comportamento da mãe (professor) previsível; da adaptação gradativa às neces- sidades cambiantes, em expansão, da criança, cujo processo de crescimento a impele no sentido da independência e da aventura; da provisão para concretizar o impulso criativo da criança (aluno). Esse professor pode aceitar tais sentimentos e responder adequadamente. Isso quer dizer, fazer com que seu aluno sinta que está recebendo de volta sua personali- dade, mas de uma forma que ele agora pode tolerar. Quando isso não ocorre, denota a dificuldade de o professor de trabalhar pedagogicamente com a diversidade. Se o professor não pode suportar essas projeções, o aluno fica limitado às identificações projetivas repetidas, podendo comprometer seu desenvolvimento emocional. Espera-se aqui uma disponibilidade do professor em adaptar-se às ne- cessidades do aluno. Operar com um pressuposto de competência e boa intenção, numa atitude empática que visa à legitimação das experiências de cada aluno. A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 85 Winnicott enfatiza a capacidade de holding do professor, que deve dar susten- tação à realidade, para as vivências do aluno, e julga especialmente importante que o aluno possa adquirir a capacidade de sentir o que há para ser sentido na vida, que faz parte da saúde. O convívio escolar com o aluno com necessidades educativas especiais traz, para ele e para os professores e alunos regulares, impasses que se referem à con- vivência com as diferenças, as quais, se puderem ser trabalhadas, podem conver- ter-se em importante fator de crescimento para todos. Para Winnicott, um outro ponto a ser discutido é com relação à escola, a qual pode ser considerada como um lugar seguro, no qual se pode experienciar alguns conflitos relacionais, utilizando o continente, o holding, oferecido pelo professor. A noção de continente refere-se à forma com que o impacto de uma experiên- cia, a sua própria ou a do outro, pode ser registrado e refletido suficientemente, para que tome alguma forma na mente e possa ser verbalizado, trazendo assim ao indivíduo a possibilidade de manejá-lo. Sua conclusão é de que os educadores precisam entender que ser diferente não é bom nem ruim a priori, é só ser “diferente”. Que ser diferente tem a cono- tação de deslealdade para com planos que, embora tenham sido traçados para ele, não foram consultados. É necessário entender que os alunos não existem para satisfazer os desejos e sonhos do educador, mas para viverem seus desejos e sonharem seus próprios sonhos. Eles não nasceram para fazer pais e professo- res felizes, mas para serem eles próprios felizes. Ao considerar as novas linhas da educação, Carvalho (2000) e Figueiredo (In: ROSA; SOUZA, 2002) entendem que a educação para todas as pessoas é, também, a educação para cada um. Desse modo, é preciso ressignificar as diferenças in- dividuais, tomando-as em termos das necessidades básicas (interações entre as características biopsicossociais dos aprendizes) para a aprendizagem. Adotar a prática da diversidade na aprendizagem implica reconhecer as diferenças e rea- lizar a gestão escolar tendo por ideal político-pedagógico uma educação capazde atender a todos os alunos. Sob essa ótica, o contexto escolar passa a ser um lugar de possibilidades, de mediação dos laços sociais. É no privilégio dos laços que o indivíduo poderá im- plicar-se, comprometer-se, responsabilizar-se com a sua aprendizagem na busca por conhecimento, motivado para o seu crescimento. A escola que se preocupa com a pessoa é a escola que educa. Para isso, a educação deverá ser planejada a 86 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar partir da dimensão do homem como pessoa, como lugar de “diferença”. Assim, a presença de alunos com necessidades educativas especiais na sala de aula requer do professor o aprimoramento no ensino e na aprendizagem, para que ele seja capaz de identificar as dificuldades de seus alunos, buscando eliminar os obstáculos presentes nas suas relações na escola. Segundo Figueiredo (In: ROSA; SOUZA, 2002), o professor deve buscar uma prática educativa de constante reflexão, destacando o trabalho pedagógico co- operativo, respeitando os diferentes estilos de aprendizagem e, fundamental- mente, planejando e assumindo a educação. Cabe à educação inclusiva uma ação formadora de sujeitos, a valorização do trabalho educativo e da pessoa do professor. É no ambiente escolar que o aluno pode desenvolver o sentido da continuidade da existência do ser humano e com- preender as responsabilidades de uma sociedade em constante transformação. Parece-nos que a grande barreira ainda tem sido a falta de tradição que aco- mete a maioria dos educadores em procurar recursos visando desenvolver de forma mais abrangente seu fazer profissional e atualizar-se no exercício da pro- fissão. Às vezes, pela própria dificuldade relativa aos baixos salários, em outras, as atividades escolares estressantes do cotidiano profissional levam o educador a assumir um discurso presente no social, uma postura derrotista onde pensa que nada vai dar certo, que não adianta investir. Mas, enquanto acreditarmos na profissão de educador, enquanto acredita- mos que através do conhecimento, do dinamismo, da motivação, poderemos almejar outros lugares, estaremos lutando a favor do desejo de ser professor. É preciso que o educador tenha claro que o seu trabalho educativo é fundamental à formação pessoal da criança e do adolescente, que acredite em seu valor e, de alguma forma, invista no seu desenvolvimento profissional. Cidadão no papel A obra Cidadão de Papel, de Gilberto Dimenstein, propõe que a criança e o adolescente em situação de risco pessoal e/ou social seja “cidadão no papel”, de fato e de direito. O direito a todos de ter direitos está destacado em documentos nacionais e internacionais; especificamente, consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm di- reito à igual proteção da Lei. Todos têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente declaração [...] ”. A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 87 Nas últimas décadas, o crescimento das desigualdades aconteceu em vários as- pectos, como: no atendimento à saúde, na educação, na falta de emprego. Ainda po- de-se destacar outras dificuldades e conflitos vividos no contexto familiar, como: a violência doméstica, o abuso sexual, o alcoolismo e as drogas, que têm realimentado o fenômeno de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social que saem de casa e buscam, muitas vezes, a rua como alternativa para a sobrevivência. Destaca-se que é a partir da década de 1980 que, no Brasil, cresce toda uma reflexão dos órgãos oficiais de assistência à infância visando à preservação da saúde da criança e à participação da comunidade. Os programas de instituições não governamentais dirigidos à criança e ao adolescente começam a ser reco- nhecidos pela sua importância. Até 1987, o Estado, apoiado na Lei do Código de Menores, limitava-se a depositar em instituições crianças e adolescentes ditos em situação irregular, ou melhor, apenas retirava do alcance do olhar da socieda- de os menores de 18 anos considerados infratores e/ou vítimas de maus-tratos. Nesse momento uma reflexão no país mais focalizada assume a doutrina de proteção integral à criança pobre ou rica, integrante da convenção internacio- nal dos direitos da infância e da adolescência, quando há uma passagem do paradigma corretivo a um paradigma educativo e de defesa de direitos para a criança e o adolescente. Reconhecendo-se que vivem um momento particular do desenvolvimento humano que merece atendimento integral para sua plena formação pessoal e o exercício da cidadania. Portanto, torna-se necessário que haja um trabalho de intervenção no ciclo do desenvolvimento da criança para proporcionar o resgate das fases vitais e inserir conteúdos significativos que venham a suprir o que faltou, possibilitando uma nova experiência a ser assimilada na busca da saúde mental, social, emo- cional a favor do humano. Em 1990, a Lei 8.069/90 regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece conquistas e desafios. O estatuto garante à criança e ao adolescente, como dever do Estado e da sociedade, o direito à vida, à saúde, à educação, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de violência, crueldade e opressão. A inimputabilidade fica definida até os 18 anos e o trabalho proibido até a idade de 14 anos, salvo na condição de aprendiz. Assim, também destaca-se que a escolaridade é fundamental para o desen- volvimento integral e almejado da criança e do adolescente em condições espe- cialmente difíceis. 88 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar O lugar da criança Nosso intento é compreender o significado que a infância assumiu ao longo da história. A indefinição da infância esteve presente durante séculos, onde o lugar social da criança não existia. A infância não era reconhecida, não havendo distinção entre a criança e o adulto. Explicando tal característica, comenta o his- toriador Ariès (1981, p. 50): “É difícil crer que essa ausência se devesse à incom- petência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância neste mundo”. Um aspecto relevante foi a extrema brevidade de duração da infância. A criança tão logo adquirisse alguma desenvoltura era incorporada ao universo adulto, passando a compartilhar de suas atividades cotidianas e a aprender na sociedade do adulto. Um bom exemplo são as roupas usadas pela criança, pois não havia distinção entre as suas e a dos adultos. A criança representava uma cópia miniaturizada do adulto. O século XVII pode ser considerado como um marco, ilustrando as primeiras transformações na forma como a criança era representada. É nesse momento que lhe são proibidos os jogos considerados maus e recomendados os conside- rados bons. Marcam uma postura de cuidado e respeito com a criança, pois no período anterior encontramos relatos de adultos que se divertiam com as brin- cadeiras sexuais das crianças ou que faziam alusões sexuais em sua presença, sendo tal fato entendido como algo natural. A criança passa a ter existência no universo familiar, tendo um lugar de di- versão e relaxamento dentro da família devido à sua ingenuidade e graça, tor- nando-se, assim, segundo o historiador Ariès (1981), objeto de “paparicação” no contexto familiar. Outro aspecto a destacar é o interesse psicológico e a preocupação moral, entre os moralistas e educadores do século XVII. No século seguinte, esses dois sentimentos iriam compartilhar o interior do contexto familiar, a preocupação com a higiene e a saúde física. Essas novas posturas constituem o germe da transformação que irá acontecer somente no século XX na visão de criança. O desenvolvimento da infância passa a ter destaque, demonstrando o sur- gimento de um sentimento de afeição em relação à criança, aliado a uma pre- ocupação de natureza política. A amamentação materna passa a ser valorizada,impondo uma maior convivência relacional mãe/bebê e responsabilidade do Estado que, muitas vezes, se propõe a substituir o pai, criando instituições de A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 89 cuidado às crianças. Havendo uma preocupação com o desenvolvimento saudá- vel da criança, tanto em relação ao seu bem-estar físico, quanto mental. Uma consequência imediata e de amplo alcance, uma vez que alterou a con- dição social da infância, foi a exclusão da criança do meio dos adultos. Outro ponto essencial são as escolas que marcam o surgimento de uma nova mentali- dade sobre a infância, caracterizada pelo seu prolongamento e diferenciação da adolescência, que se distingue no final do século XVIII e início do XIX através do serviço militar e da divisão das classes escolares, separando alunos pela idade e níveis de instrução, prática até então desconhecida. É só no século XX que vemos o Estado assumindo uma responsabilidade mais efetiva com a infância e uma preocupação com programas que beneficiam o ser infantil. Passou-se a acreditar que cuidar da infância era sinal de preocupação com uma sociedade melhor, a longo prazo. Dessa maneira, as ações governamen- tais propõem decretos e leis que garantam os direitos e deveres do adulto com a criança, mas essas leis não foram suficientes para garantir uma ação realmente efetiva e de verdadeira formação dessas crianças e adolescentes. Como exemplo, o mito do trabalho infantil como forma de encaminhamento da criança à vida ainda se mantém na cultura e nas relações de produção no final do século XX. A presença da miséria, da barbárie, do trabalho precoce e da repetência con- vive ainda hoje na sociedade brasileira com um esforço de parte da sociedade, de parte do Estado para reverter essa situação, configurando-se um país dual onde se conflitam estratégias de clientelismo com as de cidadania, de encami- nhamento ao trabalho precoce com as de proteção ao trabalho da criança, de violência e de defesa dos direitos. É dentro desse contexto que é preciso compreender que as transformações na organização político-social e na subjetividade humana vieram sedimentar o saber da psicologia aplicada na Educação Infantil. Desse modo, devemos voltar nosso olhar para aquilo de diferente que a criança ou adolescente traz, para o inusitado, surpreendente, impensado. Longe de significar o questionamento da autoridade do adulto, pode mesmo estar co- locando-lhe alternativas de aprendizagem e crescimento, a partir das propostas que servem como fontes para outras descobertas, buscando reconectar a liga- ção entre o que se aprende e o seu significado. De outro modo, a criança não pode deixar de querer saber; essa é uma ques- tão essencial, pois hoje a pessoa não sabe o que quer, ou seja, o conhecimento 90 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar tem que ter significado para o aprendiz-aluno. Assim, o adulto-professor oferece a chance de que o aluno possa tornar público o conhecimento adquirido, saindo do anonimato e, desse modo, sendo reconhecido no contexto social. Outro ponto complementar para essa reflexão nos é apresentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 em seu capítulo V, que assegura o direi- to da escolaridade para todos e também coloca que as necessidades básicas de aprendizagem incluem não só o que comumente vemos na escola, como leitura, expressão oral e escrita, cálculo e resolução de problemas, mas também conhe- cimentos necessários para que os indivíduos desenvolvam-se plenamente, in- cluindo aí trabalho e cidadania social. Percorrendo o caminho do infantil Desde o nascimento até a sua morte, o homem constitui diferentes víncu- los, e estes, por sua vez, têm como objetivo a sobrevivência desse homem, pois sem eles a existência humana seria nula, já que desde o momento em que nascemos necessitamos do “outro” para suprirmos nossas necessidades básicas e funcionais. O indivíduo tende, então, ao longo de sua vida, constituir vínculos afetivos em suas relações sociais, como na escola, no trabalho ou na família. O vínculo é a ligação mais importante e mais forte que existe entre os seres humanos, mesmo antes do nascimento. Quando os pais são capazes de oferecer à criança um am- biente com uma relação saudável, segura, amorosa e responsiva é mais provável que essa criança desenvolva um laço de pertença e um subsequente senso sau- dável de EU no mundo (BEE,1996; WINNICOTT, 1971; KLAUS, 2000). Vale ressaltar que o sucesso ou insucesso nessas relações está ligado também a questões de estruturação da personalidade dessa criança, e no tratamento dado ao conjunto de fatores envolvidos nas relações de apego. Para Bowlby (1998, p. 402), “a maneira pela qual a pessoa responde a eventos adversos sub- sequentes, entre os quais rejeições, separações e perdas [...], depende da forma como sua personalidade se estruturou”. Além da construção do vínculo afetivo, a socialização também exerce papel essencial no desenvolvimento infantil, principalmente no que diz respeito a crianças em situação de risco pessoal e/ou social. O ser humano apresenta um conjunto de crenças e valores que norteiam, muitas vezes, sua forma de reagir aos estímulos do ambiente. A formação do conjunto de crenças, valores, atitu- A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 91 des e significações foi denominada pela psicologia social de processo de socia- lização. Através da socialização, o sujeito passa a pertencer a um determinado grupo social e os códigos, normas e regras básicas de relacionamento desse con- junto social passam a integrar suas atitudes sociais. Dessa maneira, a proposta é estabelecer o vínculo afetivo como alicerce do trabalho pedagógico. É a partir do vínculo entre professor e aluno que ideias são questionadas, alternativas são descobertas e conteúdos cognitivos são assimila- dos e uma aprendizagem significativa pode ocorrer. Para a construção de víncu- los afetivos são utilizados instrumentos mediadores, como jogos e brincadeiras adequados ao momento do desenvolvimento da criança ou adolescente. O educador busca incentivar a postura participativa e uma consciência crítica da criança, respeitando seus valores e levando em consideração suas vivências. Objetiva desenvolver com elas um pensar sobre si mesmas em que, despertan- do a autoconsciência e autoestima, possibilitam o despertar de novas poten- cialidades referenciadas na tradição cultural, nos valores sociais, no coletivo e colaborativo. Essa postura pedagógica propicia à criança o fortalecimento da autoconfiança e ajuda a interromper o ciclo de violações dos direitos civis basea- do na discriminação, no preconceito, na estigmatização e na exclusão escolar e social que vivem essas crianças e adolescentes. Pontos a refletir para a inclusão escolar de crianças e adolescentes em situação de risco � Oferecer oportunidade de construção de um novo projeto de vida para a criança em situação de risco. � Apropriação de uma proposta pedagógica e estabelecimento de parceria da mesma junto ao grupo de professores e alunos, ou seja, os procedi- mentos pedagógicos devem estar em consonância com o Projeto Político Pedagógico. � Organização da rotina cotidiana escolar. Cultivo de vínculos básicos para a educação. � Encontro individual e/ou de grupo aos educandos. � Atendimento às famílias dos educandos, visando à restauração dos laços familiares. 92 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar � Acompanhamento da vida escolar dos educandos. � Parceria entre comunidade e escola. Tecer as relações do tecido socioedu- cacional. � Manutenção da qualidade do ambiente escolar, com relação ao aspecto humano e físico. Texto complementar 16 mil jovens já assistiram à peça Cidadão de Papel (VALLE, 2009) Em um ano, 16 000 estudantes de escolas públicas, privadas e de entida- des como Travessia, Gol de Letra e Ayrton Senna já assistiram à peça Cidadão de Papel. Escrita por Celso Cruz, ela é baseadaem três das obras do jornalista e diretor da ONG Cidade Escola Aprendiz, Gilberto Dimenstein: Cidadão de Papel, Aprendiz do Futuro e Mano. O espetáculo é dirigido por Paulo Fabiano e encenado pela Cia. Teatro X. Segundo o diretor da peça, Paulo Fabiano, a montagem do Cidadão de Papel pretende, entre outras coisas, mostrar que o teatro pode servir como reflexão crítica da sociedade. Com a mesma proposta do livro, o espetáculo fala do cotidiano de violência vivido pelo brasileiro, levando ao centro da cidade um garoto de classe média que vai procurar emprego. Roubado, o garoto tenta recuperar sua “identidade” quando cruza com a exclusão social, a violência, a agressão, a sexualidade, as drogas e, ao mesmo tempo, a soli- dariedade e o amor. Após a apresentação de cada espetáculo, a plateia participa de um debate com os atores sobre temas como cidadania e respeito à vida. A peça, que fica em cartaz até 10 de dezembro, está sendo encenada no Estúdio Teatro X, no bairro paulistano de Santa Cecília. A Cia. Teatro X faz as apresentações gratuitamente e a Cidade Escola Aprendiz organiza os colégios, públicos ou privados, interessados em levar grupos para assistir ao espetáculo. A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 93 Durante alguns meses ONG recebeu um real por aluno de doação das escolas privadas e, com esse dinheiro, pagou ônibus para levar jovens de es- colas públicas, centros comunitários e entidades para ver a peça. A primeira apresentação de Cidadão de Papel aconteceu no dia 25 de setembro de 2001, no Sesc Anchieta, São Paulo, e depois seguiu para o teatro Sérgio Cardoso, na sala Paschoal Carlos Magno. Dica de estudo O filme Procurando Nemo, desenho infantil da Disney, oportuniza, de forma lúdica, a compreensão sobre a influência dos laços afetivos e a importância destes para o aprendizado. Também oferece uma visão da importância do res- peito à diversidade. Atividades 1. Pense no que você acha que seria fundamental para potencializar os laços no contexto escolar. Baseado no texto da aula desenvolva um programa vol- tado ao atendimento de crianças ou adolescentes em processo de inclusão optando por uma das seguintes áreas: a) Ambiente pré-escolar (creche) 94 A construção dos laços afetivos no ambiente escolar b) Programas para infância (contra-turno escolar). c) Programas para jovens e adultos (inserção profissional, oficinas de teatro, artes plásticas). A construção dos laços afetivos no ambiente escolar 95 2. Observe atentamente o quadro abaixo adaptado de Tonucci (1998, p. 144). Depois redija um texto relacionando o quadro à aula. Luis é vivo demais. Ana é desorganizada. Pierre é abúlico. Henrique é deficiente. Carlos é caracterial. Luísa é tímida demais. Maria é mal-educada. Só José é normal. Assinado: a professora. (T O N U CC I, 19 98 . A da pt ad o. ) Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes A Teoria das Inteligências Múltiplas sugere abordagens de ensino que se adaptam às potencialidades individuais de cada aluno, assim como à modalidade pela qual cada um pode aprender melhor. Howard Gardner A Teoria das Inteligências Múltiplas, do psicólogo americano Howard Gardner (1995), diz que cada indivíduo não é dotado das mesmas compe- tências, é uma alternativa que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação, o que caracteriza a multi- plicidade de habilidades do ser humano. Para Gardner o sucesso escolar está em descobrir alternativas que cola- borem para o desenvolvimento das diversas competências do indivíduo. A insatisfação com a ideia de QI (quociente de inteligência) e com a Teoria da Inteligência Única fez com que, em 1985, apresentasse a Teoria das In- teligências Múltiplas, tendo sido identificadas inicialmente sete inteligên- cias. Na sua pesquisa, Howard Gardner estudou também: � o desenvolvimento de diferentes competências em crianças nor- mais e crianças superdotadas; � adultos com lesões cerebrais e como estes não perdem a intensidade de sua produção intelectual, mas sim uma ou algumas competências, sem que outras competências sejam sequer atingidas; � crianças autistas apresentam ausências nas suas competências intelectuais; � desenvolvimento dos estudos sobre o cérebro. Inteligências múltiplas Vídeo 98 Inteligências múltiplas O psicólogo americano, de 56 anos, é pro- fessor de Cognição e Educação e integrante do Projeto Zero, um grupo de pesquisa em cognição humana mantido pela Universidade de Harvard. Também leciona neurologia na Escola de Medici- na da Universidade de Boston. Escreveu 18 livros. O que ficou A escola deve valorizar as diferentes habili- dades dos alunos e não apenas a lógico-mate- mática e a linguística, como é mais comum. Um alerta Para que as diversas inteligências sejam desenvolvidas, a criança tem de ser mais que uma mera executora de tarefas. É preciso que ela seja levada a G us ta vo L ou re nç ão . resolver problemas. Jean Piaget (1983), estudioso suíço, desenvolveu muitas pesquisas sobre a inteligência, introduziu uma concepção de inteligência voltada ao aspecto fun- cional, estrutural e interativo do intelecto. A Teoria das Inteligências Múltiplas tem como fundamento a pluralidade da mente, e que inteligência não se mede. Dessa maneira, segundo Gardner, uma criança pode ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de pensamento formal) e estar na média ou mesmo abaixo da média em outra (o equivalente, por exemplo, ao estágio sensório-motor). Gardner descreve o desenvolvimento cognitivo como uma capacidade cada vez maior de entender e expressar significado em vários sistemas simbólicos uti- lizados num contexto cultural, e sugere que não há uma ligação necessária entre a capacidade de desenvolvimento em uma área de desempenho e capacidades em outras áreas. Em consequência dessa constatação, Gardner diz que as habilidades huma- nas não são organizadas num eixo horizontal; ele propõe que se pense nessas habilidades como organizadas sob um eixo vertical, e que, ao invés de haver uma faculdade mental geral, como a memória, talvez existam formas indepen- Inteligências múltiplas 99 dentes de percepção, memória e aprendizado, em cada área, com possíveis se- melhanças entre as áreas, mas não necessariamente uma relação linear. A inteligência apresenta, então, uma característica fundamental que é ser criadora, e ter a capacidade de resolver problemas, de criar coisas que sejam essencialmente úteis. Para o autor, os seres humanos dispõem de graus variados de cada uma das múltiplas inteligências e maneiras diferentes com que elas se combinam, organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais para resol- ver problemas e criar produtos. Gardner ressalta que, embora essas inteligências sejam, até certo ponto, independentes uma das outras, elas raramente funcio- nam isoladamente. Vamos conhecê-las: Inteligência linguística Presente nos poetas, nos grandes escritores, nos oradores, na- quelas pessoas que conseguem criar, representar e resolver pro- blemas através da linguagem. É a habilidade para usar a lingua- gem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Em crianças, essa habilidade se manifesta através da capacidade para contar histórias originais, com precisão, experiências vividas. Inteligência lógico-matemática Responsável pelo pensar lógico como uma sensibilidade para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, através da manipulação de objetos ou símbolos, é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los. É a inteligência característica dos advo- gados, matemáticos e cientistas. A criança com especial aptidão nessa inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálcu- los matemáticos e para criar notações práticas de seu raciocínio. Inteligência corporal cinestésica É uma inteligência em que o corpo age lideradopelo cérebro para criação e tomada de decisões. Implica na habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas no controle dos movimentos do corpo e na manipula- ção de objetos com destreza. O aprender fazendo é um aspecto importante no aprender. Inteligência espacial É irmã da inteligência corporal, segundo Gardner, visto que essas duas inteligências têm uma responsabilidade pelo desenvolvi- mento de uma certa espacialidade da inteligência. Descreve a inteligência espacial como a capacidade de perceber o espaço visual e espacial de forma precisa, as transformações que esse espaço sofre. É a inteligência dos pilotos de Fórmula 1, dos enge- nheiros e dos arquitetos. Em crianças pequenas, o potencial es- pecial nessa inteligência é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais. Inteligência interpessoal Essa inteligência nos permite trabalhar com pessoas, perceber as pessoas. Ela está presente nos professores, políticos e vende- dores bem-sucedidos. A inteligência interpessoal em crianças pequenas especialmente dotadas demonstram uma habilidade para liderar outras crianças, uma vez que são extremamente sen- síveis às necessidades e sentimentos de outros. (G A M A , 2 00 9. A da pt ad o. ) 100 Inteligências múltiplas Inteligência intrapessoal Essa inteligência é irmã da interpessoal. Representa a habilida- de para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, da capacidade de controle das próprias emoções, é o autoconhecimento. Como essa inteligência é a mais pessoal de todas, ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas. Como exemplo, os grandes líderes que muitas vezes conseguem superar obstáculos imensos, e não perder a calma, não enlou- quecer e liderar um povo. Inteligência musical Essa inteligência se manifesta através da discriminação de sons, habilidade para perceber melodias, sensibilidade para ritmos, tonalidade, e habilidade para criar através da música. A criança com habilidade musical percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente e, frequentemente, canta para si mesma. Segundo Gardner, todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas usando todas as inteligências. Todos os indiví- duos possuem, como parte de sua bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as inteligências. A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, será determinada tanto por fatores genéticos e neurobiológicos quanto por condições ambientais culturais. Assim, sugere que alguns dons, talentos só se desenvolvem porque são significativos em determinado ambiente cultural. A inteligência pode ser assim definida como a capacidade de responder a situações de maneira muito flexível, dar sentido a mensagens ambíguas. Reco- nhecer a importância relativa de elementos de uma dada situação. Encontrar diferenças entre as situações, apesar das semelhanças que possam uni-las. For- mular ideias que constituem novidades. A diversidade de aprendizagem sob a perspectiva das inteligências múltiplas Descrevendo sobre o papel das múltiplas inteligências no processo de ensi- nar e aprender, em primeiro lugar é necessário que a escola ofereça ambientes de aprendizagem que possibilitem o uso de diversos instrumentos materiais, nos quais se vislumbre possibilidades de construção do conhecimento que respei- tem as diversidades na aprendizagem. Pois, Gardner alerta que a busca e a cons- trução do conhecimento fazem parte da natureza humana, porém em muitas situações, por privilegiar-se determinadas áreas do conhecimento e métodos de aprendizagem, muitos acabam reprimindo seus propósitos e potencialidades. Inteligências múltiplas 101 Essa postura possibilita uma revisão nas estruturas educacionais, nas aulas fragmentadas e com horários rigidamente preestabelecidos. O currículo educa- cional fechado tem que dar lugar a outro em que o tempo e os assuntos apre- sentem maior flexibilidade. O papel do educador também é outro, um profissio- nal mais aberto a mediar as relações no cotidiano escolar. As inteligências múltiplas podem ser desenvolvidas nesse ambiente criativo (por sua diversidade) e rico em instrumentos materiais, tanto por aqueles que apresentam facilidades na (re)construção do conhecimento lógico e escrito, pri- vilegiado até então, como por todos que se destacam nos mais diversos estilos de aprendizagem do ser humano. Conhecer as inteligências dos alunos pode favorecer não só o processo de aprendizagem, mas também as relações, a forma como o professor aborda o aluno. Vejamos um exemplo disso: aqueles alunos com maior capacidade auditiva gos- tarão de aulas expositivas. Aqueles com capacidade visual privilegiada se benefi- ciarão com as aulas que usam retroprojetores ou o PowerPoint. Já os com maior capacidade tátil/motora precisarão ter alguma atividade física intercalada. Aqueles com capacidade em todas as áreas aprenderão sob qualquer formato de aula. As implicações da Teoria das Inteligências Múltiplas para a educação são claras quando se analisa a importância dada às diversas formas de pensamento e à relação existente entre elas, à aquisição de conhecimento e à cultura. Alter- nativas para algumas práticas educacionais são: � o desenvolvimento de avaliações que sejam adequadas às diversas com- petências do ser humano; � uma educação centrada na criança com currículos abertos; � um ambiente criativo educacional; � a avaliação deve favorecer métodos de levantamento de informações du- rante atividades do dia a dia escolar, rompendo com o modelo testista e classificatório. É importante que se tire o maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os estudantes a desenvolver suas capacidades inte- lectuais. A avaliação deve ser feita em ambientes conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das crianças que estão sendo avaliadas. Assim, a ha- bilidade verbal, mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida através de testes de vocabulário, definições ou semelhanças, deve ser avaliada em situ- ações, como: a habilidade para contar histórias ou relatar acontecimentos. 102 Inteligências múltiplas Ao invés de tentar avaliar a habilidade espacial isoladamente, deve-se ob- servar as crianças durante uma atividade de desenho ou enquanto montam ou desmontam objetos. Quanto ao ambiente educacional, segundo Gardner, o primeiro propósito da escola é educar para a cidadania, é somar valores. Ele diz que a escola que se pre- ocupa com a educação para a cidadania, ela não está preocupada só em discutir com seu aluno sobre o direito do consumidor e ou direitos humanos, é pensar que alguém que não aprende o que a escola tem para ensinar está tendo um direito de cidadania negado. A diversidade na educação de jovens e adultos Falar em conhecer diferentes inteligências, em educar para a cidadania, exige abordar sobre o que se tem sido oferecido a jovens e adultos, uma vez que a maio- ria dos trabalhos estão voltados à criança pequena. Ocorre que embora os direitos de todos os cidadãos tenham sido elaborados e proclamados em congressos e instituições internacionais, de fato não são, em geral, postos em prática. É evidente a discrepância entre a idealização e a efetiva mudança de consciência mundial das discussões e providências para garantir o direito de todos, sem exce- ção, ao acesso e usufruto dos bens e serviços socialmente disponíveis a questões da integração das pessoas com necessidades educativas especiais, particularmente, tem sido objeto de sérios questionamentos. Educadores, familiares têm denuncia- do, intensivamente, que os direitos reivindicados, proclamados e garantidos nas letras de leis e recomendações internacionais são frequentementeviolados. Com o objetivo de reverter esse quadro, no qual se inserem as minorias em geral, tem-se discutido um novo paradigma: a inclusão de todos. Para tanto, a sociedade precisa assumir mais corretamente o seu papel, criando as condições necessárias para a equalização de oportunidades. O paradigma da inclusão tem gerado inúmeras discussões e controvér- sias; tantas, que é comum ouvir que a educação inclusiva passa por um mo- mento crítico. De fato, pode ser considerado crítico sob vários aspectos, pois o conceito de educação tem sido objeto de crítica, principalmente quando induz a pensar que a administração do atendimento educacional para esses alunos configura-se como subsistência à parte da educação geral. Inteligências múltiplas 103 As opções nesse sentido parecem ser parte do princípio de que os sujeitos es- peciais impõem uma restrição, um corte particular da educação, e tem-se falado de especial referindo-se ao fato de que as instituições escolares são particulares quanto a sua ideologia e arquitetura educativas, portanto diferente da educação, ou, finalmente, tem-se falado de especial como sinônimo de educação menor, irrelevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção ao menor e especial tanto do sujeito quanto das instituições. O entendimento de que a escola é um espaço inclusivo, integrado exige maior cuidado com a filosofia de educação que sustenta a proposta pedagógica da escola inspirada no modelo de gestão educativa em que prevalecem as di- ferenças individuais dos alunos. A escola será tanto mais democrática à medida que acolher, educar e ensinar a todos ao mesmo tempo a respeitar as diferen- ças individuais, estimulando em especial o desenvolvimento da capacidade do aluno de aprender a aprender. Vale observar o que a legislação (Lei 9.394 /96) aponta a direção que se espera para o atendimento de jovens e adultos. No artigo 1.º podemos destacar “[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações cul- turais”, evidenciando a família como eixo a ser acolhido pelo contexto escolar. Já no Capítulo II, Seção V, artigo 37, a Lei sugere que: Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio em idade apropriada. Assim, os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. §1.º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante curso e exames. Frente a esse novo paradigma educativo, a escola deve ser definida como uma instituição social que tem por obrigação atender ao aluno sem exceção. A escola deve ser aberta, pluralista, verdadeiramente democrática e de qualidade. (SASSAKI, 1998). Sem dúvida, a democracia como um fim constitui um processo de solução e de encaminhamento de propostas e programas, de adoção de regras acei- tas pela maioria, mas com pleno respeito às minorias. É um processo que deve, cada vez mais, ampliar o acesso a direitos, garantir a plena participação de todos dentro de regras claras e aplicáveis a todos, independentemente de raça, cor, sexo, religião e origem social. 104 Inteligências múltiplas A EJA e os alunos com necessidades educativas especiais A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um programa que atende alunos oriundos de classes sociais de poder aquisitivo muito baixo, que trazem consigo histórias e experiências de vida escolar desagradável, são alunos excluídos da escola por repetência, discriminação social, se evadiram, para auxiliar aos pais na manutenção da família ou outros motivos que os levaram a se afastar da escola na época de escolarização. São pessoas que foram rotuladas de fracassadas e trazem dentro de si a culpa como se fossem os únicos responsáveis pelo seu fracasso. Considerando a crian- ça como causadora do problema, automaticamente aplica-se a ela um rótulo de incapaz de aprender, mas com a inserção da educação inclusiva pressupõe-se a melhoria da qualidade na perspectiva educativa. O aluno que vem à escola, na maioria das vezes apresenta baixa autoestima e vê na escola a solução, vem em busca de novas oportunidades, de melhoria de vida com ânsia de adquirir o conhecimento historicamente acumulado, procu- rando dar um significado maior a sua vida. Cabe ao professor resgatar esse ser humano, incentivando-o e dando-lhe condições de ser crítico e reflexivo, para que seja um agente transformador dentro da sua família, da sua comunidade e em seu ambiente de trabalho. O grande desafio na educação de jovens e adultos, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, está em superar dicotomias entre o ideal e o real, cons- tituindo identidades sensíveis e igualitárias de valores de seu tempo, que resul- tem em respeito e responsabilidade. Por isso, o currículo precisa ser flexível e abrangente de forma a contemplar o desenvolvimento de competências bási- cas, conteúdos que busquem o desenvolvimento da capacidade de aprender. A finalidade maior centra-se na busca de autonomia intelectual, incluindo o pen- samento crítico, desenvolvendo a capacidade de relacionar a teoria à prática. O princípio pedagógico da interdisciplinaridade pressupõe que, na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento deve transcender a situação inicial e ser adequado à experiência do aluno a fim de adquirir novo significado, forta- lecendo o potencial criativo. Segundo Delors1 (1999), a educação crítica deve se organizar em torno de quatro aprendizagens fundamentais: 1 Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors. O relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: um tesouro a descobrir (UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999). Nesse livro, a discussão dos “quatro pilares” ocupa todo o quarto capítulo, p. 89-102, que aqui se transcreve, com a devida autorização da Cortez Editora. Inteligências múltiplas 105 � aprender a conhecer adquirindo instrumentos de compreensão; � aprender a fazer para agir sobre o meio envolvente; � aprender a viver juntos, para participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; � aprender a ser para melhor desenvolver a sua personalidade. A Educação de Jovens e Adultos deve ser organizada como um modelo peda- gógico único, que crie situações de ensino-aprendizagem adequadas às neces- sidades educacionais, atendendo às particularidades dessa etapa do ciclo vital. Segundo o Parecer 11/00 da CEB/CNE que homologou as Diretrizes Nacionais da Educação de Jovens e Adultos, englobam-se as três funções: � Função reparadora – significa a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade e o reconhecimento de igualdade de todo e qualquer ser humano. � Função equalizadora – deve oferecer cobertura a trabalhadores e a tan- tos outros segmentos da sociedade possibilitando-lhes a reentrada no sis- tema educacional. � Função permanente – implica na qualificação de vida para todos, pro- piciando a atualização de conhecimentos por toda a vida. Isso é a função permanente da Educação de Jovens e Adultos. Um destaque que surpreende a muitos educadores está no fato de que alunos com necessidades educativas especiais sejam encaminhados com maior frequên- cia para a EJA. Se existe a Educação Especial, por que alunos com deficiência vão para a EJA? Simplesmente pelo fato da Educação Especial não oferecer termina- lidade, ou seja, não dar ao alunoo documento de conclusão do Ensino Funda- mental, por exemplo. Para o mercado de trabalho, isso é muito importante. Por isso mesmo, em situação de inclusão, temos alunos com necessidades educativas especiais que ultrapassam o limite de idade e são encaminhados ao EJA. Assim, surge um questionamento sobre os profissionais da EJA, se estão ca- pacitados e organizados para receber o aluno com deficiência? Uma pesquisa realizada pela professora Mirela Fonseca (2003), no Mato Grosso do Sul, cons- tatou que a escolarização do jovem e adulto com deficiência mental caminha lentamente. O ensino para jovens e adultos, na área da Educação Especial, “tem aumentado substancialmente por causa de vários fatores que, entre outros, emerge na atualidade a preocupação de oferecer às pessoas com deficiência 106 Inteligências múltiplas suas reais possibilidades, uma vez que os discursos sociais e políticos estão im- buídos da defesa de uma sociedade inclusiva” (FONSECA, 2003, p. 2). Outro fator que a autora destaca como causa da busca da EJA incide na tendência de avanço da educação em direção à construção de uma concepção de cidadania voltada ao desenvolvimento pleno da pessoa, seu preparo para o exercício dessa cidada- nia e sua qualificação para o trabalho. Como vimos hoje, a EJA é mais um aspecto da educação que precisa se ade- quar à diversidade da população, cabe então aos profissionais envolvidos am- pliar seus conhecimentos com relação a essa clientela. Texto complementar Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial: versões e inserções (FONSECA, 2003) “Pode-se concluir então que, se por um lado, a escolarização de alunos jovens e adultos com deficiência mental caminha a passos lentos em relação ao avanço de procedimentos didático-pedagógicos – sendo esses abundan- tes e eficazes nas retóricas dos projetos educacionais, mas pouco efetivados na prática do cotidiano escolar – por outro lado, mesmo que ainda como elemento principal da metodologia a prática seja fragmentada e tradicional, os referidos alunos estão se apropriando da leitura e da escrita dentro de suas reais possibilidades e transformando e enriquecendo sua vida social. Entretanto, poder-se-ia concluir, também, que o avanço da consciência dos direitos, a construção de um conceito mais concreto de jovem/adulto, fun- damentado numa concepção de sujeito de direitos têm exigido a elaboração de novas teorias pedagógicas, a revisão de formas tradicionais de seleção, a criação de novas formas de organizar tempo, espaço escolares. Existe, portanto, o desafio para que sejam geridas propostas político-- -pedagógicas que concebam as diferenças dos alunos como elementos constituintes e fecundos dos processos de aprendizagem, contribuam para transformar a escola num espaço de desenvolvimento e de aprendizagens múltiplas. A superação do senso comum pela aquisição do saber científico Inteligências múltiplas 107 exigirá, portanto, uma cuidadosa tarefa, cujo ponto de partida não será o que o aluno não sabe, e sim seu potencial, convertendo esse saber em ele- mento de transformação social. Viu-se que o acúmulo de novas experiências, conhecimentos e técnicas acarreta, para o presente momento histórico, a necessidade de uma revisão de soluções assumidas no passado, no campo educacional. A descoberta da escola ou dos ensinamentos nela ministrados, não como um objeto de consumo, mas como um instrumento de produção, na formação do capital humano de que o país necessita para a arrancada desenvolvimentista, causa novas e importantes dimensões ao papel a ser desempenhado pelo siste- ma educacional, no contexto mais amplo da sociedade. A importância da participação de todos no processo produtivo transformou um sistema mar- cadamente seletivo em uma escola democrática, aberta para todos, escola esta que teria, para cumprir sua missão, que abandonar certos valores, agora considerados conservadores, a fim de dar lugar a outros mais atualizados e de acordo com a nova temática, a da inclusão. Uma sociedade inclusiva exige, no mundo contemporâneo marcado pelo apelo informativo imediato, a reflexão cada vez mais aprofundada e debati- da sobre as relações sociais que mediam o exercício da cidadania. A escola é a instituição pela qual a sociedade cuida de garantir o conhecimento indis- pensável ao pleno exercício da cidadania, conhecimento este que a família e a comunidade próxima não podem prover suficientemente devido não só às características que definem a educação escolar, pelo seu teor sistemati- zado, como também, pelos entraves sociais vividos ao longo da história da vida do indivíduo, reforçando o fato de que o processo de escolarização não está desvinculado, em seu desenvolvimento, de forças sociais que dominam a estrutura do poder e dos objetivos subjacentes às políticas econômicas, sociais e culturais. Esse movimento pressupõe ser a renovação das políticas educacionais para atender às crescentes exigências de uma sociedade em processo de motivação em busca de uma sociedade mais democrática. Renovar a escola assume aqui o sentido amplo de educação, de modo a integrar a rede pública como referência para a escolarização da pessoa com deficiência, superando o que até agora vem se constituindo em programas de ações isoladas, des- contínuas, assistemáticas e assistencialistas. Além disso, a escola, que está aí, ainda alimenta um ideário de naturalização e aceitação dos processos e 108 Inteligências múltiplas exclusão social, pois impera o jogo das culpas que, no final, ainda é atribuída ao aluno ou a sua formação social. A escola renovada pressupõe, necessariamente, renovar as práticas edu- cacionais. Compreendem essas o político, o administrativo e o pedagógico, buscando superar a exclusão, da produção e da reprodução das relações sociais que as impregnam. A educação, com vistas à abordagem sócio-his- tórica, exige um educador capaz de constantes análises de sua prática e re- orientação de sua ação pedagógica. O ato de ensinar deve se embasar nas diferentes concepções que cada aluno pode ter diante do mesmo objeto; para tanto faz-se necessária uma relação dialógica entre professor e aluno e aluno e aluno, pois é por essa mediação da palavra, da linguagem, que se estabelece a experiência de conhecimento do mundo. É preciso que a escola valorize os conceitos cotidianos do aluno e proporcione a aquisição de conceitos científicos por uma ação pedagógica que envolva movimentos diversos como os de facilitação, de condução diretiva e de propiciamento de conflitos cognitivos. Os conteúdos a serem trabalhados serão os mesmos que em outras abor- dagens, por constituírem conhecimento historicamente acumulado pela hu- manidade, o que muda é a concepção a ser dada a esses mesmos conteúdos e o tipo de homem a que se pretende formar. Para que essa abordagem seja implementada é preciso uma mudança em toda a estrutura da escola, que envolva toda a comunidade escolar: direção, professores, administrativos, pais e outros que façam parte da educação desse alunado. É imprescindí- vel a postura de interação e a colaboração de todos para a efetivação dessa proposta. O primeiro passo dessa abordagem é o conhecimento do sujeito, ou seja, do aluno pelo professor e quando se trata do aluno com deficiência é preciso se observar que culturalmente ele é tido como incapaz, o que vai, com certeza, gerar um sentimento de menos valia; cabe à escola propiciar um ambiente onde esse sujeito seja valorizado em seu potencial e apresen- tar instrumentos, “[...] demonstrando a possibilidade de se dirimir falhas no desenvolvimento e compensar deficiências sensoriais e intelectuais, desen- volvendo-se e aprimorando-se as funções psicológicas superiores” (SILVA, 1996), efetivando-se assim o seu processo de aquisição de conhecimentos. A pesquisa que ora se apresenta, mostrou que a escolarização tem como objetivo trabalhar o desenvolvimento das percepções do aluno – com defici- ência ou não –, do seu poder deescolha, da sua autonomia ocorrendo num Inteligências múltiplas 109 momento importante de formação de posições e atitudes, da sua forma de ser perante o contexto social no qual está inserido. O processo de construção de conhecimento e de aprendizagem de jovens e adultos iguala-se a essa perspectiva e se difere na medida em que se observa o discurso nas políticas educacionais mais abrangentes. Quando então se fala da escolarização de jovens e adultos com deficiência mental, a distância é maior ainda. Alunos com deficiência mental precisam ser considerados a partir de suas potencia- lidades de aprendizagem. Sobre esse aspecto é facilmente compreensível que a escola não tenha que consertar o defeito, valorizando as habilidades que o deficiente não possui, mas ao contrário, trabalhar suas condições cog- nitivas mais benéficas à sua aprendizagem, com vistas a seu desenvolvimen- to. Reconhece-se como inadiáveis o compromisso e a responsabilidade de se atuar na direção de uma transformação mais ampla da educação. É preciso acreditar na possibilidade de se construir uma política educacional mais pró- xima do educando e que atenda às reais necessidades dos seus envolvidos. Não é uma tarefa fácil indicar os meios para a transformação, não é simples admitir que a Educação Especial, engajada na retórica das políticas públicas, está muito distante da realidade. Contudo, espera-se poder crer que propos- tas educacionais servirão como pontos de partida e para o milênio, que ora se inicia. O professor deve ser um otimista no sentido de vislumbrar as perspec- tivas futuras. Assim, um projeto educacional transformador que tenha como objetivo maior a construção de uma nova sociedade, pautada na justiça social, não será efetivado a curto prazo, nem localizadamente. Ou seja, a transforma- ção da educação só pode ser entendida na égide de uma transformação da sociedade, por meio de uma luta profunda, complexa e universal. Dica de estudo O texto sobre o V Colóquio Internacional Paulo Freire sobre Inteligências Múltiplas. Disponível em: <www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/ INTELIG%C3%8ANCIAS%20M%C3%9ALTIPLAS%20EM%20AMBIENTES%20 MULTICULTURAIS%20BUSCANDO%20A%20AUTONOMIA%20FREIREANA.pdf>. O texto traça um paralelo entre as contribuições de Paulo Freire e as de Gardner, dando possibilidades de se organizar formas de ação educativas vol- tadas à pluralidade. 110 Inteligências múltiplas Atividades 1. Vamos avaliar suas inteligências? Responda com atenção, marcando um X nas respostas que você acha que corresponde às suas preferências. No final escreva um texto sobre o que você percebeu sobre suas inteligências. Assi- nale os itens que se aplicam. Você poderá escolher quantos itens quiser. Inteligência linguística Livros são muito importantes para mim. Ouço as palavras antes de lê-las, falá-las ou escrevê-las. Aproveito mais ouvindo rádio ou leituras gravadas em fita cassete do que quando assisto à televisão ou a filmes. Gosto de jogos de palavras, como palavras cruzadas, anagramas ou senha. Gosto de me entreter com trava-línguas, trocadilhos ou rimas sem sentido. As pessoas às vezes pedem para eu parar e explicar o significado das palavras que uso quando escrevo ou falo. Português, Estudos Sociais e História eram mais fáceis para mim na escola do que Mate- mática e Ciências. Aprender uma outra língua (por exemplo, francês, inglês, espanhol, alemão) foi relativa- mente fácil para mim. Quando dirijo em uma autoestrada, presto mais atenção nas palavras escritas em placas do que nas paisagens. Meus diálogos incluem frequentes referências a coisas que li ou que ouvi. Recentemente, escrevi algo que me deixou especialmente orgulhoso ou foi reconhecido por outras pessoas. Inteligência lógico-matemática Tenho facilidade para fazer cálculos de cabeça. Matemática e/ou Ciências estavam entre minhas matérias favoritas na escola. Gosto de jogos ou enigmas que exijam pensamento lógico. Minha mente busca padrões, regularidades ou sequências lógicas nas coisas. Gosto de fazer pequenos experimentos do tipo “e se” (por exemplo, “E se eu dobrasse a quantidade que coloco na minha roseira semanalmente”). Tenho interesses pelos progressos da ciência. Acredito que quase tudo tem uma explicação racional. Às vezes, penso em conceitos claros, abstratos, não verbais e sem imagens. Gosto de detectar falhas lógicas nas coisas que as pessoas dizem e fazem em casa e no trabalho. Sinto-me mais à vontade quando algo foi medido, categorizado, analisado ou quantifi- cado de alguma maneira. Inteligência espacial Quando fecho os olhos, com frequência visualizo imagens claras. Sou sensível a cores. Frequentemente uso uma máquina fotográfica ou uma filmadora para registrar o que vejo ao meu redor. Inteligências múltiplas 111 Gosto de montar quebra-cabeças, labirintos e outros jogos visuais. Gosto de desenhar ou rabiscar. Tenho sonhos claros à noite. Geralmente consigo achar meu caminho em lugares desconhecidos. A geometria era mais fácil para mim do que a álgebra, quando eu estava na escola. Consigo imaginar facilmente como uma coisa pareceria se a visse de cima, panoramica- mente. Prefiro ler materiais com muitas ilustrações. Inteligência corporal-cinestésica Pratico pelo menos um esporte ou atividade física regularmente. Tenho dificuldade em permanecer quieto por longos períodos de tempo. Gosto de trabalhar com as mãos em atividades concretas como costurar, fazer tricô, en- talhes, trabalhos de carpintaria ou modelagens. Minhas melhores ideias ocorrem quando saio para dar uma longa caminhada ou para correr, ou quando estou envolvido em algum outro tipo de atividade física. Em geral, gosto de passar meu tempo de lazer ao ar livre. Frequentemente gesticulo ou uso outras formas de linguagens corporais quando con- verso com as pessoas. Preciso tocar nas coisas para aprender mais sobre elas. Gosto de divertimentos desafiadores ou experiências físicas emocionantes, eletrizantes. Descreveria a mim mesmo como tendo uma boa coordenação. Preciso praticar uma nova habilidade em vez de simplesmente ler sobre ela ou ver um filme que a descreve. Inteligência musical Tenho uma voz agradável quando canto. Percebo quando uma nota musical está fora de tom. Frequentemente ouço música no rádio, em gravações, em fitas cassete, discos ou CDs. Toco um instrumento musical. Minha vida seria mais pobre se nela não houvesse música. Às vezes, eu me pego caminhando pela rua, com um jingle de televisão ou alguma mú- sica na cabeça. Posso marcar com facilidade o ritmo de uma música com um instrumento de percussão simples. Conheço as melodias de muitas canções e músicas diferentes. Se ouço uma seleção musical uma ou duas vezes, geralmente sou capaz de repeti-la com razoável precisão. Com frequência fico tamborilando ou cantando melodias enquanto estou trabalhando estudando ou aprendendo alguma coisa nova. Inteligência interpessoal Sou o tipo de pessoa a quem os outros recorrem para pedir conselhos, nos trabalhos ou na vizinhança. Prefiro esportes coletivos como peteca, tênis, vôlei ou beisebol a esportes individuais como nadar ou correr. Quando tenho um problema, prefiro procurar uma pessoa para me ajudar, em vez de tentar resolvê-lo sozinho. Tenho pelo menos três amigos íntimos. 112 Inteligências múltiplas Prefiro passatempos coletivos como Banco Imobiliário ou canastra a recreações indivi- duais como videogames ou paciência. Gosto do desafio de ensinar uma outra pessoa, ou grupos de pessoas, a fazer coisas que sei fazer. Eu me considero um líder (ou as pessoas assim me consideram). Sinto-me à vontade no meio de uma multidão. Gosto de participar de atividades sociais relacionadas ao meu trabalho, igreja ou comu- nidade. Prefiro passar minhas noites em uma festa animada do que ficar em casa sozinha. Inteligência intrapessoal Costumo passar um certo tempo sozinho, refletindo ou pensando sobre questões im- portantes da vida. Já participei de sessões de orientação ou de seminários de crescimento pessoal para aprendermais sobre mim mesmo. Sou capaz de reagir às dificuldades com coragem. Tenho um passatempo ou interesse especial que guardo para mim mesmo. Tenho alguns objetivos importantes na minha vida sobre os quais reflito regularmente. Tenho uma visão realista das minhas forças e fraquezas (baseada em dados de outras fontes). Prefiro passar um fim de semana sozinho em uma cabana no mato, do que em um hotel chique cheio de gente. Eu me considero uma pessoa determinada, com ideias próprias. Mantenho um diário pessoal para registrar o que se passa na minha vida interior. Sou um profissional autônomo ou pelo menos tenho pensado muito em começar meu próprio negócio. Inteligências múltiplas 113 2. Nesse momento vocês estão recebendo a escala para avaliar o aluno. Então pense em um aluno especificamente e responda ao questionário com suas características. A partir da avaliação do inventário procure indicar como po- deria aproveitar suas inteligências a fim de favorecer sua aprendizagem. Maria de Fátima Joaquim Minetto Se o olhar da mãe se desvia da criança; se a criança muito frágil ainda não olha para a mãe, o investimento de amor entre elas se torna problemático. Catherin Mathelin Para o ser humano, ser pai e mãe é um dos papéis mais importantes, senão o mais importante que pode assumir na vida e, no entanto, é muitas vezes o papel para o qual as pessoas estão menos preparadas. Ser pai e mãe transforma a vida cotidiana do casal e provoca modificações na es- trutura familiar, principalmente emocionais. Os pais querem o melhor para os seus filhos, desejam que sejam saudáveis, felizes e independentes, curiosos da vida, amorosos e responsivos. (KLAUS; KENNEL; KLAUS, 2000). Esperar um filho é um momento de planejamentos, sonhos e expectativas. Os pais constroem no seu imaginário um bebê à sua imagem e semelhança, idealizam um bebê perfeito no qual depositam todas as suas fantasias. “Os pais muitas vezes conferem aos filhos a missão de reparar os seus fracassos, e estes passam a responder pela realização de sonhos não atingidos” (AMIRALIAN, 1986, p. 46). Essas expectativas são rompidas pela rea- lidade quando a criança que nasce tem alguma deficiência. No desenvolvimento psíquico e emocional do indivíduo, um aspecto é defendido por diversos estudiosos como de fundamental importância, que é a interação mãe-bebê. A relação entre a mãe e seu filho, as influên- cias entre ambos, refletem diretamente no desenvolvimento infantil e na sua personalidade posterior. Winnicott (1988) concluiu que a saúde mental do indivíduo é construída por um ambiente facilitador fornecido por uma mãe suficientemente boa, isto é, por uma mãe que reconhece a dependência inicial do filho e se adapta ativamente às suas necessidades. Para isso a mãe se identifica com o bebê, que também estabelece uma identificação com a mãe. Esta irá fornecer o contexto no qual a criança tem a oportunidade de se tornar um O filho com deficiência Vídeo 116 O filho com deficiência indivíduo, permitindo que o bebê comece a existir, a ter experiências, a construir um ego pessoal, a dominar as pulsões e a enfrentar as dificuldades inerentes à vida. Isso torna a criança capaz de desenvolver um self verdadeiro (self – refere- -se ao “eu”, o que é próprio do sujeito. O self verdadeiro consiste na formação da personalidade do sujeito). Para Winnicott (1988), as funções essenciais da mãe “suficientemente boa” re- sumidamente são: � o holding – que está relacionado com a capacidade da mãe de se identifi- car com o seu bebê, se refere ao como a mãe segura ou carrega o bebê. � o manipular – são os cuidados da mãe ao bebê, contribuindo para a for- mação do sentido do real para o bebê. � a apresentação de objetos – se refere a como a mãe apresenta o mundo dos objetos ao bebê dando ao filho capacidade de relacionar-se com os objetos e fenômenos do mundo. Quando a mãe não é suficientemente boa prejudica o desenvolvimento emo- cional do bebê, por não se adaptar ou perceber as necessidades do filho, causan- do posteriormente na criança uma personalidade fraca e instável, dificultando sua adaptação ao mundo. Klaus, Kennel e Klaus (2000) afirmam que o desenvolvimento e sobrevivência do bebê dependem do vínculo formado com seus pais. Um forte vínculo, que se inicia desde a gestação, passando pelo trabalho de parto, o nascimento e o período pós- -parto, melhora a responsividade dos pais às múltiplas necessidades do bebê, fortifi- cando o apego deste com seus pais, especialmente com a mãe. O apego que o bebê desenvolve ocorre devido às respostas da mãe aos sinais da criança, que tendo suas necessidades satisfeitas desenvolve um sentimento de confiança básica. Os autores ainda complementam que o vínculo dos pais com seus filhos é o mais forte e mais importante das ligações humanas. Os recém-nascidos, embora ativos e conscientes, não podem sobreviver por si só, e os vínculos da mãe e do pai são fundamentais para a sobrevivência e o desenvolvimento do bebê. O poder dessa ligação é tão grande que capacita à mãe e ao pai fazerem contínuos sacrifícios necessários para o cuidado da criança. Para Lebovici (1987), a interação mãe-bebê consiste na comunicação da mãe com o bebê por meio de mensagens verbais e extraverbais (gestos, olha- res, vozes, toques), que são representados por afetos mútuos, representando o O filho com deficiência 117 estado emocional de cada um. O autor dá fundamental importância ao olhar entre a mãe e o filho. O olhar mútuo tem por função facilitar a constituição de uma imagem de si do bebê, distinta e diferente daquela da mãe. O rosto da mãe, especialmente seus olhos, serve para favorecer ao bebê a elaboração da imagem de si mesmo e integrar um conjunto unificado de experiências afetivas. Autores como Winnicott (1975) e Sinason (1993) ressaltam a importância do olhar entre a mãe e o bebê, dizendo que a mãe tem o papel precursor do espe- lho, do “espelhar afetivo”, afirmando que quando o bebê olha para a mãe o que ele vê é ele mesmo. A mãe transmite ao filho através de seu olhar seus sentimen- tos, o filho recebe e é influenciado por eles, ou seja, a mãe pode refletir no olhar sua alegria, o prazer que sente em relação ao filho e a vivência desse reflexo forma a base para os sentimentos de bem-estar e segurança do bebê. Segundo Spitz (1979), a interação mãe-bebê é um processo complexo e significativo, ao longo do qual mãe e filho se influenciam e se estimulam mu- tuamente, enquanto a mãe fornece o que o filho necessita, esse, por sua vez, fornece o que a mãe necessita. De acordo com o autor, a necessidade do bebê provoca nele um afeto, conduzindo mudanças em seu comportamento, as quais produzem uma atitude e uma resposta afetiva da mãe. A gratificação da mãe ao satisfazer as necessidades do filho, bem como sua frustração quando isso não acontece, afeta a vida emocional de ambos. Nessa relação recíproca, os afetos desempenham o papel principal. As funções psíquicas se desenvolvem a partir dos fundamentos fornecidos pela troca afetiva. Para o mesmo autor, as relações inadequadas ou insuficientes podem oca- sionar uma quebra na sintonia da interação mãe-bebê, acarretando influências psicológicas prejudiciais à criança, interferindo em sua capacidade de descobrir e partilhar os intrincados vínculos das relações sociais e, portanto, dificultando a sua adaptação à sociedade. De acordo com Bolsanello (1998), quando a mãe se vincula ao filho, ela estabele- ce com ele um compromisso emocional, o qual irá estimulá-la a exercer a função ma- terna. Sem esse compromisso, a vinculação se compromete, gerando perturbações que podem se constituir em ocasiões que levam a criança a ser negligenciada e a não se investir na promoção do seu desenvolvimento. Na relação mãe-filho, o afeto materno gera um clima emocional favorável para todos os aspectos do desenvolvi- mento infantil. “A afeição que a mãe sente pelo bebê o torna um objeto de contínuo interesse para ela, fazendo com queela lhe ofereça uma rica e variada gama de estí- mulos e experiências vitais. Assim, os afetos e atitudes maternais orientam os afetos do filho e conferem a qualidade de vida à experiência do mesmo” [sic]. 118 O filho com deficiência A chegada de um filho especial D iv ul ga çã o Es co la N ilz a Ta rt uc e. O nascimento de um bebê com alguma anormalidade causa um choque, principalmente à mãe, já que é ela que se envolve diretamente nos cuidados com o filho desde a gestação, frustrando todos os seus anseios, causando rea- ções e sentimentos que interferem na interação com o filho. Para restabelecer uma interação saudável entre mãe-bebê e propiciar o de- senvolvimento individual da criança, a mãe geralmente passa por várias fases de adaptação ao filho portador de deficiência, a fim de ressignificar sua relação com esse bebê inesperado. Amaral (1995) define deficiência como toda alteração do corpo ou aparência física, de um órgão ou de uma função, qualquer que seja sua causa, caracterizando- -se por perdas ou alterações que podem ser temporárias ou permanentes e que incluem a existência ou ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou outra estrutura do corpo, incluindo a função mental. As deficiências podem ocorrer em diferentes épocas da vida e de diferentes formas. Elas podem ser adquiridas, através de acidentes ou enfermidades, ou a pessoa pode nascer com alguma deficiência proveniente de alterações genéticas, má-formação ou problemas diversos na gestação ou no parto. Algumas deficiên- cias natas, como a mental, somente são percebidas pelos pais quando seu filho não tem um desenvolvimento normal comparado a outras crianças da mesma idade. Nenhuma mãe ou pai, quando decidem ter filhos, estão preparados para re- ceber um filho deficiente. Durante toda uma existência, homem e mulher se preparam para gerar filhos dos quais querem se orgulhar, há o desejo inconsciente de exibi-los como a prova do quanto se saíram bem na vida. De repente, aquele sonho infantil acaba abruptamente e o casal se vê diante de uma realidade que lhe parece dolorosa demais: eles não geraram um super bebê, mas sim O filho com deficiência 119 uma criança da qual pensam, a princípio, não ter nenhuma razão para se orgulhar. (WERNECK, 1995, p. 118) A reação inicial frente à deficiência do filho é o choque gerado pela notícia, muitas vezes mal fornecida pela ala médica. Muitas mães recebem a notícia ainda na sala de parto. Temos acompanhado alguns depoimentos de mães no Ambulatório da Síndrome de Down da UFPR como os que se seguirão. No relato uma mãe que recebeu a notícia na sala de parto afirma: “Foi como uma bomba na minha cabeça. Saí da sala de parto chorando. Tinha muitas expectativas antes da minha filha nascer. Era a primeira gravidez e foi muito cuidada, planejada, desejada. Chegou na hora e não recebi o que esperava. Cadê tudo aquilo que esperei? Não podia acreditar. Não era isso que eu queria” [sic]. Segundo Shakespeare (1977), quando o conhecimento da deficiência é súbito (no parto, ainda) é observado um padrão de reação que é o choque e um senti- mento de incredulidade seguida pela reação de pranto, que é interpretada como dor e luto pela perda da criança esperada, pelo filho sadio que não nasceu. “A criança perfeita que esperavam não veio e, em seu lugar, os pais terão que acei- tar algo muito aquém de suas expectativas. Essa tomada de consciência traz consigo uma dor profunda e a decepção para toda a família” (BUSCAGLIA, 1997, p. 106). Amaral (1995) afirma que o estado psíquico vivido pela família frente ao nas- cimento de uma criança com deficiência é de perda, de morte mesmo. “Morte” do filho desejado e idealizado. Assim, para que se torne possível receber o filho real faz-se, então, necessário, viver o processo de luto daquele filho “perdido”. Porém, depende de diversos fatores, como a história anterior da família, estru- tura psicológica do casal, o grau de comprometimento da deficiência no filho, entre outros, irá influenciar no tempo que vai levar para que os pais consigam elaborar o processo do luto. Os pais ao “perderem” o filho desejado podem, imersos em seu sofrimento e não elaborando o luto, estarem impedidos de estabelecer um vínculo com o bebê real. Podem estabelecê-lo, por exemplo, com o bebê desejado e perdido, ficando, assim, prisioneiros da melancolia. Ou podem, paradoxalmente, estabelecer o vínculo com a deficiência e não com o filho deficiente, ou seja, suas relações estarão baseadas no fenômeno, e não na criança. (AMARAL, 1995, p. 88) Esse estabelecimento do vínculo com a deficiência ocorre quando os geni- tores só conseguem enxergar a deficiência do filho e os problemas decorrentes dela. Superar esse período é fundamental para que toda a família consiga esta- belecer vínculos afetivos verdadeiros com o bebê real que tanto depende deles para sobreviver. Mas até a superação desse período e o choque do nascimento do bebê deficiente pode causar na mãe uma grande angústia e sofrimento, po- dendo ser refletida num sentimento de rejeição ao bebê (WERNECK, 1995). 120 O filho com deficiência Buscaglia (1997) concorda que os sentimentos de descrença e choque são genuínos. É natural que os pais acreditem que darão à luz a uma criança normal. Certamente estarão mal preparados para o nascimento de uma criança deficien- te. Portanto, é normal, a princípio, questionar, culpar, rejeitar e até mesmo odiar a si mesmos e a criança. Klaus, Kennel e Klaus (2000) destacam em seus estudos que as reações emocio- nais dos pais passam por fases, após a primeira fase do choque vem a segunda que é a negação. Os pais tentam evitar admitir que seu filho tem algum problema. Vejam outro relato: “Antes de pegar o cariótipo (exame que afirma o diagnós- tico de síndrome de Down) existia aquela vontade secreta de que fosse menti- ra, de que não era nada daquilo” [sic]. Segundo Amiralian (1986), ao se deparar com a realidade de uma criança deficiente, os pais tentam acreditar que não há nada de errado com seu filho, não reconhecendo as limitações impostas pela deficiência. Para Buscaglia (1997), é normal tentar evitar a dor. Essa é uma reação normal dos seres humanos a fim de se protegerem do pesar e do sofrimento. É natural que passemos algum tempo negando a sua existência, fantasiando o seu fim. Desejamos eliminá-la de nossa vida a fim de que possamos sentir alegria outra vez. (BUSCAGLIA, 1997, p. 111) Vash (1988) complementa que a culpa pode ser aceita como própria, ou ser jogada sobre os ombros de outra pessoa, acusando-se o médico, o hospital, ou até os avós, por passarem defeitos genéticos manifestados numa geração pos- terior. Outro sentimento que frequentemente ocorre nas mães e pais quando concebem um filho deficiente é a vergonha, que sentem de si mesmos, por não terem sido capazes de gerar um filho normal, e vergonha do bebê, por ele não corresponder àquilo que esperavam. Outra atitude dos pais que é considerada indesejável é a superproteção, pois limita o desenvolvimento da criança. A superproteção caracteriza-se por cuida- dos excessivos, ajuda excessiva ao filho no desempenho de algumas funções e atividades além de imposição excessiva de limites à criança. Para Shakespeare (1977), a superproteção limita o desempenho da criança ao torná-la menos in- dependente e mais lenta no desenvolvimento de aptidões que lhe proporciona- riam certa autonomia. Amiralian (1986) completa que na superproteção as expectativas do que a criança pode fazer são extremamente baixas. Os pais, então, ao invés de auxiliá- -las na realização de algumas atividades, simplesmente as fazem por elas. Muitas O filho com deficiência 121 vezes antecipam seus desejos, não lhes permitindo o desempenho de atividades que poderiam realizar sozinhas. Dessa maneira impossibilitam a criança de se tornar independente, pois a independência só é conseguida através de experiên- cias progressivas. Todos esses sentimentose reações são normais e fazem parte do processo de aceitação do bebê deficiente por parte da mãe, e a superação desses senti- mentos requer tempo e um penoso empenho pessoal além de um intenso apoio familiar, especialmente do marido. Klaus, Kennel e Klaus (2000) salientam que além de seu próprio turbilhão emocional, os pais precisam lidar com as solicitações e as expectativas daqueles que estão em volta deles. Com sua capacidade de gerar uma criança normal em questão e sua pouca reserva emocional, eles devem enfrentar os avós, os pa- rentes, os amigos e os vizinhos. No caso da deficiência, a sociedade tem poucos apoios disponíveis como os que existem em outras crises, como morte de um familiar, por exemplo. Buscaglia (1997) ressalta que a situação de um relacionamento conjugal está diretamente ligada à adaptação da família à deficiência. Grande parte da inte- gração da família e da criança excepcional dependerá do crescimento pessoal e contínuo, além da segurança e conforto que a mãe recebe através do rela- cionamento com o marido e a família. Cada casal, devido às suas experiências pessoais, tem suas defesas e sua maneira de enfrentar o problema. A primeira notícia e os primeiros vislumbres são fundamentais para fazer brotar a angústia ou a esperança, o desespero ou a fé. Danielski relatou essas defesas como: � Os fantasmas – são ideias, conceitos, preconceitos e temores que receberam. Depoimento: “Só conseguia vê-lo numa cadeira de rodas, sem poder falar ou fazer qualquer coisa”. � A desilusão – o que se vê não é o que se espera. Depoimento: “Como iria contar para os familiares, tinha vergonha”. � A culpa – há sempre necessidade de culpar-se ou encontrar um culpado. Depoimento: “Tenho um sentimento de culpa em relação ao meu marido, por ter-lhe dado um filho assim”. Depoimento: “Também já tinha mais de trinta e cinco anos”. 122 O filho com deficiência � O aspecto religioso – ao invés da religião ser um estímulo, um consolo, para muitos é uma sustentação da resignação. Depoimento: “Ele é a cruz que tenho de carregar”. Depoimento: “Se Deus quis assim, só me basta aceitar”. Conforme Klaus, Kennel e Klaus (2000), se o processo de luto tornar-se fixado como uma atmosfera mantida dentro da família, o fantasma da criança desejada, esperada, saudável, por vezes, continua a interferir com a adaptação da família à criança real. E não adianta de nada representar um papel falso, querer transmitir algo que não é verdadeiro. Durante dias, semanas ou talvez meses depois do nascimento do bebê não esperado, pode-se notar algumas reações emocionais “estranhas” e aparente- mente impróprias; quando os pais se percebem, as sensações de peso e tristeza os dominam, provocando aflição e desespero por não saberem o que fazer. Neste momento, cabe aos profissionais da área da saúde fortalecer a con- fiança da mãe em si mesma e em sua capacidade de perceber o seu bebê no decorrer do processo complexo, mas natural, que parte da total dependência e identificação para com a mãe. (WINNICOTT, 2002) A maioria dos pais, compreensivelmente, não gosta de confessar, mesmo que momentaneamente possa não desejar o seu bebê, receiam que alguém possa considerá-los indignos da função paterna ou materna. Ou ainda, segundo Win- nicott (2002), faltaria as funções essenciais das mães suficientemente boas, que são aquelas que permitem que seus bebês introjetem em situações de amor e gratificação; uma mãe amorosa, a qual se torna base para o desenvolvimento saudável desse bebê. A mãe é fantasiada como aquela que contém todas as ri- quezas e capacidades de doar-se a esse bebê. Primeiramente os pais passam por etapas que são muito importantes para a real aceitação do bebê especial e todas essas etapas ocorrem aos poucos. Nessas etapas existem reações que variam desde sensações de êxtase e emoção até a aceitação, irritabilidade ou depressão, dependendo da fase de adaptação onde se encontram os pais. Conforme Klaus, Kennel e Klaus (2000), essas são as etapas para elaboração da situação: O filho com deficiência 123 � Primeira fase: choque A resposta inicial da maioria dos pais a respeito da anormalidade da criança é de um choque que os sobrecarrega. Depoimento: “No começo foi um choque muito grande, porque... sei lá, fiquei zonza, tonta, não sabia o que fazer”. Os pais relatam reações e sensações indicando uma ruptura abrupta de seus sentimentos usuais [...]. Depoimento: “Fiquei super assustada, não entendia nada o que estava acon- tecendo”. Muitos confessam que esse período inicial é de comportamentos irracionais, caracterizados por choro, sentimentos de desamparo e, ocasionalmente, desejo de fugir. Depoimento: “Não conseguia parar de chorar, ficava com ele no colo e não sabia o que pensar”. � Segunda fase: descrença (negação) Muitos pais tentam tanto evitar admitir que seu filho tem um problema quanto amortecer a enorme inundação de sentimentos. Depoimento: “Quando os médicos solicitaram o cariótipo, não sei porque razão nos convencemos de que não havia nada de errado com nosso filho”. Eles podem desejar tanto se livrar da situação quanto negar o seu impacto. Depoimento: “Muitas vezes eu repetia: isto não é verdade, é uma brincadeira de primeiro de Abril”. Depoimento: “Achamos que o exame e os médicos estavam errados”. A ação dos pais diante da confirmação do diagnóstico da síndrome de Down é muito parecida. E, nesse contexto, ressaltamos a colocação de Winnicott (1988) quando ele diz que é inestimável a importância dos sentimentos dos pais em relação a ter um filho, o seu “filho”. A cada explicação do médico sobre os sinais de que a criança nasceu com a síndrome de Down há uma justificativa em contrário. Em Werneck (1993) 124 O filho com deficiência podemos perceber essas justificativas, pelo fato de ser molinho (hipotônico), alegam que alguém da família já nasceu assim, e depois ficou ótimo. Em relação aos traços da face, lembram que o irmão também tem olhos puxadinhos, e por aí vai, tentando provar ao médico que ele está enganado (não há dúvidas de que a criança com síndrome de Down também deverá ter traços semelhantes à de outras pessoas da família). Dessa maneira fica cada vez mais difícil aceitar a síndrome e, consequentemen- te, o bebê, situação esta que leva os pais a negarem a realidade, argumentando, muitas vezes, mesmo com o resultado do cariótipo em mãos e sendo-lhes mostra- das as características do bebê que está em sua frente, que a criança é normal. � Terceira fase: tristeza, raiva e ansiedade Sentimentos intensos de tristeza e raiva acompanham e ocorrem depois da fase de descrença. Depoimento: “Me incomodava muito o seu físico, sentia raiva dele ser feio”. Depoimento: “Entrei em depressão pós-parto, não aguentava ver o sofrimen- to dele, não aceitava isso”. Depoimento: “Estava decepcionada porque não era um filho perfeito”. A reação emocional mais comum é a tristeza. � Quarta fase: equilíbrio Os pais, então, relatam uma gradual diminuição, tanto de sua ansiedade quanto de suas intensas reações emocionais. Depoimento: “Foi uma coisa penosa para mim quando ele nasceu, chorei pra caramba, me desesperei”. Como diminuem os sentimentos de confusão emocional, eles se sentem cada vez mais confortáveis dentro da situação e confiam na sua capacidade de cuidar do bebê. Depoimento: “Depois de um tempo ele já reagia bem, eu já consolava as pes- soas que ainda choravam muito quando olhavam para meu filho”. O filho com deficiência 125 Alguns pais alcançam esse estado de equilíbrio em poucas semanas depois do nascimento, enquanto outros levam muitos meses. Mesmo que seja o melhor, essa adaptação continua a ser incompleta. Depoimento: “O sol começou a se abrir para mim esplendoroso”. � Quinta fase: reorganização Durante esse período, os pais são responsáveis pelos problemas de seus filhos. Depoimento: “Hoje ele modificou meus sentimentos, eu só via a síndrome, e agora eu o vejo saudável einteligente”. Algumas mães relatam que elas tinham que se tranquilizar quanto ao fato de que “os problemas do bebê não haviam sido causados por eles”. A aceitação positiva a longo prazo da criança envolve o apoio mútuo entre os pais, depois do nascimento. Depoimento: “Meu filho sempre me dizia: olha para mim mãe, e agora quando ele me diz isso, eu vou além do que ele quer, na verdade hoje consigo enxergar a beleza do meu filho”. Alguns pais têm dificuldades de superar todas essas fases. Passam anos presos na tristeza e raiva; em função de sua história de vida, são incapazes de ressignificar o contexto. No entanto não reflete a maioria. Muitos passam relati- vamente rápido por essas fases conseguindo se reorganizar e lutar pela criança. Geralmente, os pais que suprem com mais facilidade são os que já tinham um relacionamento conjugal equilibrado, apoio dos familiares e amigos e na sua história de vida eram pessoas menos preconceituosas. Outro fator que apare- ce com frequência como facilitador do enfrentamento da chegada de um filho especial é a religiosidade. As colocações até aqui feitas têm um objetivo principal, conscientizar os profissionais da situação. Propor que reflitam por alguns instantes! Como pro- fissionais não estamos na posição de julgar, mas de ajudar a família a superar e se reorganizar. O julgamento reflete a falta de profissionalismo. É fundamental identificar a fase que a família se encontra para, com respeito e solidariedade, procurar mostrar novos caminhos. 126 O filho com deficiência Texto complementar Bem-vindo à Holanda Frequentemente, sou solicitada a descrever a experiência de dar à luz a uma criança com deficiência – uma tentativa de ajudar pessoas que não têm com quem compartilhar essa experiência única a entendê-la e imaginar como é vivenciá-la. Seria como... (KNISLEY, 2009) Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias – para a Itália! Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelângelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante. Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma suas malas e embarca. Algumas horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz: – “BEM-VINDO À HOLANDA!“ – “Holanda!?!” – diz você. – “O que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu sonhei em conhecer a Itália!” Mas houve uma mudança de plano voo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar. A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar hor- rível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente. Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes. É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas, após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor, come- çar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs. O filho com deficiência 127 Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália, estão sempre comentando sobre o tempo maravilhoso que passaram lá. E por toda sua vida você dirá: – “Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado!” E a dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. Porém, se você passar a sua vida toda remoendo o fato de não ter chega- do à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais sobre a Holanda. (KNISLEY, Emily Perl. Bem-vindo à Holanda. Publicado em: 1987. Disponível em: <www.defnet.org.br/holanda.htm >. Acesso em: jul. 2009.) Dica de estudo O livro: BUSCAGLIA, Leo. Os Deficientes e seus Pais: um desafio ao aconselha- mento. Rio de Janeiro: Record, 1997. O autor tem uma forma direta e simples de escrever sobre um tema tão de- licado. Além de descrever as fases pelos quais a família passa, ensina a forma de abordar pontos delicados que precisam ser trabalhados com os pais. Leitura realmente indispensável. Atividades 1. Para Winnicott (1988), quais são as funções essenciais da mãe suficientemen- te boa? 128 O filho com deficiência 2. Comente sobre as etapas de elaboração da chegada de um filho com deficiên- cia conforme Klaus, Kennel e Klaus (2000). O filho com deficiência 129 Maria de Fátima Joaquim Minetto Não troco minha filha excepcional por nada nesse mundo, mas farei tudo que estiver ao meu alcance para que os outros pais não tenham um filho excepcional. Depoimento de um pai – Campanha prevenção APAE de Curitiba (PR) – 1987 Quantas vezes não ouvimos essa frase: “Prevenir é melhor do que re- mediar!” Muitos estudos comprovam que os gastos com prevenção são infinitamente menores do que os gastos com tratamento e reabilitação. A campanha de prevenção realizada constantemente pela APAE salienta que a reabilitação de um deficiente tem um custo cem vezes maior do que o da prevenção. Isso em termos materiais, mas não podemos deixar de considerar os danos emocionais. Há patologias que não podemos prevenir como as alterações genéti- cas. No entanto, existe uma gama de deficits, lesões, deficiências, carên- cias, que podem e devem ser evitadas. A maioria das pessoas desconhece as formas de prevenção, isso por um simples motivo: “as coisas ruins só acontecem com os outros”. Não acreditamos que estamos sujeitos a ter um filho, um sobrinho, um neto com alguma anomalia. Por um instan- te nos consideramos inatingíveis. As pessoas até desviam palestras sobre prevenção “para não atrair coisas ruins”. A prevenção ainda é a melhor forma de reduzir deficiências. Podemos investir em prevenção em qualquer época de nossa vida (criança, jovem, adulto e idoso). A principal forma de prevenção é manter uma vida saudável, fazer exames periódicos e, principalmente, antes de ter um filho vacinar-se contra rubéola. A rubéola é uma doença benig- na, mas durante a gravidez, principalmente nos três primeiros meses, ela pode causar lesões graves no feto, provocando deficiências múltiplas. Mas é durante a gravidez que a atenção deve ser redobrada. O bebê em formação é muito frágil e pode sofrer alterações com facilidade. O acom- panhamento médico da gravidez é indispensável. Os exames de rotina Prevenção Vídeo 132 Prevenção vão evitar problemas decorrentes de diabetes, pressão alta, infecções, alimen- tação inadequada, vida sedentária, entre outros fatores. Infelizmente, muitos casos de atrasos no desenvolvimento, deficiências mentais leves e moderadas estão relacionados aos problemas sociais que privam uma parte da população de grávidas de alimentação adequada e atendimento pré-natal. Hoje, as escolas especiais têm um número significativo de alunos com deficiência mental por privações durante a gravidez. Durante o nascimento, na hora do parto, também temos que ter alguns cui- dados. Alguns problemas nessa hora vão gerar crianças com paralisias cerebrais, com consequências motoras e, em alguns casos também, deficiência mental. Seria fundamental que todas as mulheres tivessem seus filhos em hospitais com a presença de um pediatra neonatologista. Além de receber orientações da im- portância do aleitamento e a melhor forma de fazê-lo. Logo após o nascimento, os exames de rotina são a melhor forma de prevenir problemas futuros. O Apgar e o teste do pezinho, que falaremos a seguir, vão dar as diretrizes para as intervenções necessárias. Vejamos essa tabela que resume as causas de deficiências e em que fase podem acontecer. Vamos olhá-la atentamente: Causas Durante a gravidez No nascimento Depois do nascimento Genéticas � Síndrome de Down, Tuner etc. � Problemas visuais � e auditivos � Outras � más-formações Infecciosas � Rubéola � Sífilis � Toxoplasmose � Infecção hospitalar � Meningite� Sarampo � Paralisia infantil � Caxumba Mecânicas � Quedas � Traumatismos � Tentativas de � aborto � Partos prematuros � Sangramentos � Traumas cranianos, musculares e ósseos � Lesões nervosas � Acidentes automobi- lísticos � Agressões físicas � Quedas Físicas � Raios X � Fogo, soda � Instrumentos cortantes Prevenção 133 Tóxicas � Medicamentos � Drogas � Álcool � Cigarros � Medicamentos � Oxigenioterapia não controlada (cegueira) � Medicamento (surdez) � Produtos de limpeza � Alimentos contamina- dos Má alimentação � Desnutrição � Anemia � Desnutrição � Anemia � Problemas metabólicos � Desnutrição � Infecções Outras � Hipertensão � Problemas cardíacos � Diabetes � Rh negativo � Prematuridade � Dificuldade respiratória � Icterícia � Problemas metabólicos O Apgar Logo que o bebê nasce já passa por uma avaliação que geralmente é feita por um pediatra neonatologista. Todas as pessoas quando nascem devem passar por esse teste. Na certidão de nascimento, temos dados como peso, altura e também o Apgar. Essas informações são importantíssimas, pois estabelecem as condi- ções de nascimento da criança. O Apgar é o nome de um índice que foi criado por uma anestesista inglesa, Dra. Virgínia Apgar, na década de 1950. Tornou-se uma avaliação obrigatória e rotineira muito importante, feita pelo neonatologista na hora em que o bebê nasce. O Apgar de cada bebê consta da Declaração de Nascido Vivo, documento oficial brasileiro fornecido obrigatoriamente pelos hospitais aos pais dos recém- nascidos. Todos os pais devem saber qual foi o Apgar de seu filho e qual o signi- ficado das notas. Esse índice consiste na avaliação de 5 itens do exame físico do recém-nascido, logo ao nascimento, com 1 e com 5 minutos de vida. Conforme a necessidade pode ser feito com 10 minutos também. Os aspectos avaliados são: � cor da pele – o neonatologista observa se ela está rosada ou se está azula- da, parcial ou totalmente. � frequência cardíaca – verifica-se a presença ou não dos batimentos cardía- cos e se estão acima ou abaixo de 100 por minuto. � esforço respiratório – analisa-se o choro, se está forte, fraco ou ausente. 134 Prevenção � tônus muscular – observa se o bebê tem boa flexão dos membros ou se o bebê está flácido. � irritabilidade reflexa – verifica se o bebê reage ou não aos estímulos, com choro forte. Para cada um dos 5 itens é atribuída uma nota de 0 a 2. Somam-se os escores de cada item e temos o total, que pode dar uma nota mínima de 0 e máxima de 10. Uma nota de 8 a 10, presente em cerca de 90% dos recém-nascidos, significa que o bebê nasceu em ótimas condições. Uma nota 7 significa que o bebê teve uma dificuldade leve. De 4 a 6, traduz uma dificuldade de grau moderado, e de 0 a 3 uma dificuldade mais grave. O significado do Apgar é completamente diferente no primeiro e no quinto minuto. O boletim Apgar de primeiro minuto é considerado como um diagnóstico da situação presente. Já o Apgar de quinto minuto e o de décimo minuto são con- siderados como fatores de prognóstico da saúde neurológica da criança. Ou seja, uma nota mais baixa no primeiro minuto não é tão importante, desde que o bebê seja prontamente atendido e a nota do quinto ou décimo minuto seja maior. O momento do nascimento é crucial para o bebê. Enquanto a criança está dentro do útero toda a oxigenação vem pela placenta, através da respiração ma- terna. No momento em que se corta o cordão umbilical, a criança tem de respi- rar sozinha. Quando isso não se dá, o neonatologista tem de agir rapidamente, pois a falta de oxigenação pode levar a sequelas graves, por exemplo, a paralisia cerebral ou outros problemas neurológicos, se não for rapidamente tratada e revertida. Esta falta de oxigenação chama-se anóxia. Felizmente, existe um treinamento padronizado em reanimação neonatal que foi criado pela Academia Americana de Pediatria e que hoje é ministrado em todo o mundo, inclusive no Brasil. Nele, o neonatologista é exaustivamente treinado para reverter uma situação desfavorável de anóxia em, no máximo, 20 segundos após o nascimento. Sabemos hoje que, infelizmente, em muitos casos, a anóxia pode ocorrer ainda dentro do útero, antes do nascimento, e nessa situação o neonatologista pouco pode fazer. Aqui entra a importância fundamental de um pré-natal bem feito. Entretanto, para que se possa diagnosticar a anóxia é preciso que, além de uma nota Apgar baixa persistente, o recém-nascido apresente alterações neuro- lógicas (como convulsões, por exemplo) e determinadas alterações sanguíneas comprovadas laboratorialmente. Prevenção 135 As crianças com diagnóstico de anóxia perinatal ou com notas Apgar baixas per- sistentes necessitam posteriormente de um acompanhamento mais cuidadoso de seu desenvolvimento neuropsicomotor. De preferência em ambulatório com pro- fissionais especializados em desenvolvimento neuropsicomotor. É importante frisar que a maioria dos bebês nasce bem, com boas notas Apgar, sem anóxia. E este é o grande objetivo dos pais e dos profissionais. Para alcançá-lo é fundamental fazer um bom pré-natal, desde o início da gestação, realizar a entrevista com o pediatra no último trimestre da gestação, tudo para prevenir ao máximo qualquer dificuldade. Boletim Apgar Sinal apresentado pela criança Nota 0 Nota 1 Nota 2 Frequência cardíaca Ausente Menor que 100 Maior que 100 Esforço respiratório Ausente Irregular Bom, choro Tono muscular Flácido Alguma reflexão Movimentos ativos Irritabilidade reflexa(cateter nasal ou estímulo plantar) Ausente Movimento Choro forte Cor Azul, pálido Róseo com extremi-dades cianóticas Róseo Teste do pezinho O teste do pezinho é um exame muito falado, mas a maioria das pessoas não tem noção de sua importância. Ele é capaz de diagnosticar muitas doenças que levam a deficiências mentais, visuais e auditivas. Consiste em um exame laboratorial simples que tem o objetivo de detectar precocemente doenças metabólicas, genéticas e infecciosas, que poderão causar lesões irreversíveis no bebê. Por ser realizado através da análise de amostras de sangue coletadas do calcanhar do recém-nascido, o exame ficou popularmente conhecido como teste do pezinho. Em quase todos os estados brasileiros, ele é obrigatório e o sistema único de saúde realiza gratuitamente para detectar se existem algumas anomalias. Vários laboratórios no país realizam esse exame além de prestar informações à sociedade sobre o mesmo. As informações que se seguem são fornecidas pelo Centro de Triagem Neonatal (CTN), localizado no Rio Grande do Sul. A maioria das doenças pesquisadas pode ser tratada com sucesso desde que identificadas antes mesmo de manifestar seus sintomas claramente, para pais e médicos. Nesse sentido, todos os recém-nascidos devem ser submetidos ao 136 Prevenção teste a partir do 3.º dia de vida e, após este, o mais breve possível, mesmo os que não apresentam nenhum sintoma clínico anormal. Vejamos as doenças detectadas pelas diferentes modalidades do teste do pezinho: – Fenilcetonúria e outras aminoacidopatias; – Hipotireoidismo congênito; – Anemia falciforme e outras hemoglobinopatias; – Hiperplasia adrenal congênita; – Fibrose cística; – Galactosemia; – Deficiência de biotinidase; – Toxoplasmose congênita; – Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase; – Sífilis congênita; – Citomegalovirose congênita; – Doença de Chagas congênita; – Rubéola congênita; – HIV 1 e 2; – Deficiência da MCAD; – Pesquisa da mutação 35delG da Conexina. Casos suspeitos Os casos suspeitos serão confirmados por dosa- gem sérica e/ou urinária e, quando positivos, comuni- cados diretamente ao responsável para a busca ime- diata do recém-nascido e o devido encaminhamento ao tratamento clínico. Convênios Os melhores convênios de saúde do país incluem em seus benefícios o teste do pezinho. Para tanto é necessário que sejam solicitados, de forma discriminada, todos os exames que o compõem. Idadedo bebê O período ideal para a realização da coleta do teste do pezinho é a partir D iv ul ga çã o C TN . D iv ul ga çã o C TN . D iv ul ga çã o C TN . D iv ul ga çã o C TN . D iv ul ga çã o C TN . Prevenção 137 do 3.º dia de vida do bebê, o mais brevemente possível. Isso não invalida, entretanto, a sua realização em bebês com mais dias de vida. O que poderá ser prejudicada é a eficácia do tratamento, caso necessário. Alimentação do bebê A coleta da amostra pode ser realizada em qualquer momento, indepen- dente da alimentação administrada ao bebê. Saúde do bebê Nenhuma patologia presente no bebê constitui-se em impeditivo para a realização do teste do pezinho, mas é imprescindível notificar ao “CTN Diag- nósticos” casos dessa ordem no verso da requisição de exames. (Disponível em: <www.ctn.com.br>. Adaptado.) Educação Especial: a prevenção das deficiências e a busca de melhoras para amenizar a deficiência adquirida (PASIAN, 2009) Quando pensamos em pessoas com necessidades especiais fica claro que é preciso discutir terminologia, instrução, formação, atendimento e infraes- trutura para que a deficiência não impeça o indivíduo de viver em todos os aspectos de uma maneira confortável e prática. No entanto, é preciso primeiro investir na promoção da saúde para preve- nir que possíveis deficiências ocorram, pois muitas são geradas por problemas que podem ser evitados. Muitos fatores podem facilitar a prevenção da defici- ência, entre eles estão: Quanto mais consciente estivermos de que temos que assumir uma atitude preventiva tanto na nossa vida pessoal quanto em nossa função de educador, menor serão as deficiências. Texto complementar 138 Prevenção � Saneamento básico e educação sanitária – isso pode evitar diversas doenças que causam danos irreversíveis ou mesmo a morte. � Proteção contra-acidentes – muitos destes podem e devem ser evitados com orientações e materiais adequados de proteção. Como exemplo, podemos citar o caso dos protetores auriculares, que devem ser utiliza- dos nas indústrias onde o nível de ruído está acima do nível permitido, afetando a audição dos operários. Os danos mais frequentemente cau- sados por acidentes no trabalho são deficiência física e surdez. � Evitar doenças contagiosas através de vacinação, orientação e divulgação. � Tratar da cura das doenças o mais cedo possível, buscando-se diag- nósticos precoces, podendo assim evitar consequências irreversíveis. � Exames realizados no nascimento dos bebês podem servir para a des- coberta de alguma anormalidade com necessidade de tratamento, a qual descoberta a tempo e tratada pode evitar uma futura deficiên- cia. Por exemplo, o teste do “pezinho” ou testes que podem diagnos- ticar uma futura surdez ou cegueira. Mas é preciso que todos tenham direito a esses exames e que haja uma orientação e principalmente informação para que todos, além do acesso, estejam cientes que é preciso realizá-los. � A orientação aos pais sobre o pré-natal e os cuidados básicos que de- vem ter com o bebê pode evitar que ele se torne um futuro portador de alguma deficiência. É necessário investir primeiro nos aspectos que podem evitar a defici- ência. Alertar para os cuidados, precauções e, principalmente, informações à população. No entanto, esses fatores e a falta de informação para a população são falhos, mas estão melhorando. A vacinação e alguns testes têm evitado defi- ciências antes comuns. Uma vitória alcançada é a erradicação da poliomieli- te, graças a grandes campanhas de informação e o esforço das autoridades. Nem toda deficiência pode ser prevenida e evitada. Mas podemos dimi- nuir o número de casos com vacinas, cuidados e precauções. Prevenção 139 Melhoras possíveis para amenizar a deficiência Quando a deficiência existe e não há mais nada a fazer para solucionar o pro- blema do indivíduo, é preciso então buscar alternativas para amenizá-la. Muito se pode fazer para bebês e crianças que têm algum tipo de deficiência, para que possa ter alternativas de melhora no desenvolvimento físico e intelectual. Os esclarecimentos aos pais da deficiência que seu filho possui e o que eles podem fazer é muito importante. Em alguns casos, onde os pais sentem- -se incapazes ou perdidos é preciso oferecer apoio, isso pode ser fundamen- tal para conseguir que eles aceitem e entendam a deficiência, para poder trabalhar melhor com seus filhos. No caso dos adultos que adquirem alguma deficiência, o treinamento e a reeducação são necessários para possibilitar a máxima utilização das capaci- dades restantes, ensinando-os a alcançar os melhores resultados. A intervenção precoce pode ajudar o desenvolvimento dos bebês. A fisio- terapia, a linguagem e a estimulação podem ser trabalhadas com profissio- nais e também com os pais que devem ser orientados no que for preciso. No entanto, apesar de procurar amenizar, é importante mostrar a realida- de, que o indivíduo possui uma deficiência. Isso deve estar claro para os pais e para o próprio indivíduo. O termo “indivíduos com necessidades especiais” expressa de maneira menos aversiva essa realidade. Infelizmente nem sempre se pensou assim, vamos relembrar um pouco da história de como as pessoas consideradas fora do padrão estipulado como normalidade foram tratadas. Dicas de estudo Os sites abaixo trazem um número grande de informações e esclarecimentos sobre o índice Apgar e o teste do pezinho. <http://guiadobebe.uol.com.br>. <www.ctn.com.br>. 140 Prevenção Atividades 1. Qual a principal forma de prevenção? Prevenção 141 2. Qual a importância do teste do pezinho? Maria de Fátima Joaquim Minetto Jamais deixe que as dúvidas paralisem suas ações. Tome sempre todas as decisões que precisar tomar, sem ter a segurança de estar decidindo corretamente. Paulo Coelho Crises convulsivas são comuns. Elas são distúrbios neurológicos que acontecem geralmente em crianças, mais frequentemente antes dos 14 anos. Podem acontecer na escola, como em qualquer outro lugar. Quando essas crises se repetem são denominadas de crises epilépticas. Mas, ter convulsão isoladamente não significa que a criança ou o adulto tenha epi- lepsia. Segundo a Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), a epilepsia é desordem crônica do cérebro e as suas características clínicas associadas às alterações eletroencefalográficas estão relacionadas a descargas neu- ronais excessivas, periódicas e sincrônicas, resultando em fenômenos psí- quicos, motores, sensoriais e sensitivos anormais. IE SD E Br as il S. A . A crise epiléptica Epilepsia é uma condição na qual ocorrem crises que se repetem (de repetição) e não é encontrado um fator desencadeante. Geralmente existem antecedentes familiares de epilepsia. Estima-se que 1% da população tenha epilepsia até os vinte anos de idade e que 3% receba esse diagnóstico até os 65 anos de vida. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) Crises convulsivas Vídeo 144 Crises convulsivas É muito importante salientar que epilepsia não é uma doença mental, nem uma deficiência. Também é preciso saber que não é contagiosa. Muitas pessoas sem nenhum comprometimento, com inteligência normal têm epilepsia. A maio- ria dos epilépticos são pessoas saudáveis (PALMINI, 1996). A epilepsia não está relacionada a problemas graves da esfera psicológica, e não é um tipo de deficiência mental sendo que, se tratada convenientemente, o paciente epiléptico poderá gozar uma vida normal. A epilepsia não é contagiosa por nenhum meio ou forma. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) A etiologia da palavra epilepsia é um termo derivado de uma palavra grega cuja tradução livre poderia ser “mal súbito”. Uma crise epiléptica resulta um sin- toma neurológico passageiro ocasionado pela atividade anormal dos neurônios do cérebro. As causas são variadas, mas aproximadamente 70% dos pacientes têm epi- lepsia denominada idiopática ou criptogenética (literalmente: de causa não co- nhecida), enquanto que somente em30% dos casos pode-se detectar a causa, desde que se investigue corretamente. Crise epiléptica pode ser desencadeada por diferentes situações: febre alta, infecção, batidas na cabeça, envenenamen- to, excesso de medicamentos, entre outros. Por isso, repetimos que uma crise convulsiva isolada não caracteriza a epilepsia. Segundo Antoniuk (1999), em torno de 20 a 30% dos pacientes encaminha- dos a um serviço de neuropediatria com suspeita de epilepsia, na realidade não são epilépticos. O diagnóstico da epilepsia é essencialmente clínico, uma ana- mnese cuidadosa e detalhada deve ser realizada através do próprio relato do paciente ou daqueles que assistiram as crises. Não existe cura para a epilepsia, porém o tratamento médico pode reduzir ou controlar as crises, sendo que para a maioria dos pacientes os sintomas podem desaparecer totalmente. A história familiar é muito importante. Há necessidade de se pesquisar se há antecedentes familiares na primeira geração que apresentam o mesmo quadro. A história da gestação também precisa ser considerada: se a criança nasceu pre- matura, se houve sofrimento fetal, ameaça de aborto etc. Na epilepsia podem ocorrer crises sem uma causa desencadeante determinável. Esse conceito é muito importante visto que qualquer indivíduo sem antecedentes neurológicos pode apresentar crises epilépticas isoladamente ou em decorrência de uma série de afecções até mesmo não neurológicas, por exemplo: alterações metabólicas (hipoglicemia), infecções (septicemia), traumatismos (trauma do crânio), uso de drogas, suspensão repentina de drogas, entre outros. Essas crises podem ser focais ou generalizadas e não significam que o paciente seja epiléptico. Um importante e frequente exemplo é a crise convulsiva febril da infância. Trata-se da crise que ocorre geralmente do primeiro ao sexto ano de vida na vigência de febre alta (mais do que 37,8ºC). Geralmente, tais crises têm um caráter benigno e não ocorrem sem febre. Crises convulsivas 145 Estima-se que de 2% a 4% das crianças dos Estados Unidos e Europa (onde são feitos estudos estatísticos) por volta de 5 anos de idade terão experimentado uma crise epiléptica febril e, destes, menos de 3% terão epilepsia aos 20 anos de vida. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) Para o diagnóstico diferencial também é necessário investigar como foi ou está sendo o desenvolvimento psíquico motor; a história mórbida pregressa, como traumas que possam ter ocorrido, internamentos, meningites, desidrata- ção, entre outras, além de um exame clínico geral: estigmas genéticos, lesões cutâneas etc., incluindo um exame neurológico que observe sinais e sintomas de localização, hipertensão intracraniana. Se possível, a realização de avaliação laboratorial no período imediato após a crise, como hemograma, V.H.S. e estudo metabólico completo. As crises De acordo com Antoniuk (1999), as crises epilépticas podem ser classificadas como: � Crises parciais (também chamadas de focais) – a distinção fundamental entre os dois tipos de crises parciais é feita pela presença ou não de com- prometimento da consciência (definido como a incapacidade de responder normalmente a estímulos externos, devido à falta de atenção ou de respos- ta). Nesses casos, os sintomas dependem da área afetada do cérebro. Os pacientes cujas crises se iniciem com abalos na mão direita ou com a sen- sação de um cheiro de doce queimado, por exemplo, têm crises epilépticas parciais atribuíveis a lesões nos lobos frontal e temporal respectivamente. As crises parciais não apresentam alterações da consciência e quando isso ocorre são conhecidas como crises parciais complexas e devem distinguir-se das crises parciais simples, em que não há prejuízo da consciência. As crises focais podem se espalhar por todo o cérebro tornando-se então generalizadas. Em alguns casos, tal fenômeno ocorre tão rapidamente que pode não ser percebido clinicamente o caráter focal da crise, especialmente se o paciente não conseguir recordar-se dos sintomas iniciais da mesma. Nesses casos, pode ser útil o eletroencefalograma para demonstrar o caráter focal da crise. As crises parciais ou focais são usualmente desencadeadas pela presença de lesões cerebrais tais como traumatismos, tumores, doenças vasculares, anormalidades congênitas, complicações do parto etc. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) Parciais simples – não ocorre comprometimento da consciência. Con- forme a área cortical cerebral onde se inicia a descarga epiléptica tere- mos o tipo de sintomatologia inicial, que pode ser: motora, sensitiva, autonômica ou psíquica. Anteriormente eram denominadas crises epi- lépticas focais. 146 Crises convulsivas Parciais complexas – ocorre o comprometimento da consciência. Divi- de-se em dois tipos: com comprometimento da consciência como uma única manifestação, ou com automatismo. Anteriormente eram deno- minadas crises epilépticas psicomotoras. Automatismos são atividades motoras involuntárias parcialmente coordena- das e práxicas, que ocorrem no período de comprometimento da consciência, durante ou após uma crise epiléptica, e são seguidas por amnésia para tal fato (por exemplo: mastigação, repetição de palavras ou gestos etc.). � Crises generalizadas – quando a primeira manifestação clínica e eletro- encefalográfica indica um desenvolvimento inicial de ambos hemisférios cerebrais, com comprometimento da consciência desde o início da crise e presença de manifestações motoras bilaterais. Nas crises epilépticas generalizadas não há alteração localizada em porção específica do cérebro. Ocorre nesses casos uma susceptibilidade geneticamente determinada que leva a essas crises. É um distúrbio difuso de todo o cérebro. As crises generalizadas mais frequentes são as crises de ausência e as crises tônico-clônicas generalizadas, sendo as últimas as mais conhecidas dos leigos. Nas primeiras ocorrem rápidas e frequentes perdas da consciência, enquanto nas segundas ocorrem abalos violentos de toda a musculatura, especialmente dos membros. Pode haver dificuldade respiratória e o paciente pode ficar com os lábios arroxeados. Tais crises duram minutos podendo ocorrer micção, defecação e salivação. Após a crise, o paciente pode apresentar-se confuso e/ou sonolento. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) O padrão eletroencefalográfico inicialmente é bilateral, refletindo provavel- mente uma descarga neuronal difusa em ambos hemisférios. Podem ser: � Ausência – crise caracterizada por início súbito com interrupção da ati- vidade, olhar parado e perda de contato com o ambiente. Tem duração de segundos até meio minuto e termina abruptamente, sem alterações pós-crise, com retorno imediato à atividade anterior. Podem ocorrer au- tomatismos e alterações motoras discretas durante a crise. Anteriormente era denominada crise epiléptica tipo pequeno mal. � Mioclônica – apresenta contrações súbitas, breves, semelhantes a um choque (abalo mioclônico), podendo ser generalizada ou localizada. Ocor- re predominantemente no início do sono e/ou despertar. � Clônica – presença de abalos repetitivos clônicos, sem a presença de uma fase de contração muscular entre os abalos. � Tônica – crise caracterizada pela presença de contração muscular intensa e sustentada, ficando os membros estirados, geralmente com desvio late- ral dos olhos e da cabeça. Crises convulsivas 147 � Tônico-clônica – tipo mais frequente de crise generalizada, iniciada por perda súbita da consciência, sem sinais premonitórios concomitante a mo- vimentos convulsivos clônicos alternando-se com períodos de contração tônica. Segue-se um período variável de inconsciência após a cessação da crise. Anteriormente eram denominadas crises epiléptica tipo grande mal. Hoje, com o avanço da medicina, o tratamento da epilepsia é essencialmente medicamentoso. Uma boa porcentagem, cerca de 65% dos pacientes, terá con- trole das crises pelos medicamentos, podendo levar uma vida normal. Uma por- centagem menor tem dificuldades em responder adequadamenteà medicação e ainda existe um grupo de aproximadamente 15% que pode se beneficiar com tratamento cirúrgico. Os pacientes que experimentam súbita piora no número de crises, em geral deixaram de tomar seu remédio corretamente, usaram álcool ou outras drogas, contraíram infecção, tiveram diminuído o número de horas de sono etc. Em nosso meio, o alcoolismo é um dos principais fatores de insucesso no tratamento. O tratamento cirúrgico da epilepsia é indicado nos casos de pacientes que não responderam ao tratamento medicamentoso e esgotaram suas possibilidades. Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, aproximadamente 10% dos pacientes epilépticos podem se beneficiar do tratamento cirúrgico. O propósito da cirurgia é remover o tecido cerebral lesado que desencadeia a atividade epiléptica ou impedir o espalhamento dessa atividade pelo cérebro. Tais cirurgias já eram realizadas no século XIX (KRAUSE, 1893) e passaram a ser mais frequentes a partir de 1930 após as pesquisas de Penfield. Com os avanços na investigação clínica, nas técnicas de diagnóstico radiológico, nas técnicas cirúrgicas e anestésicas, tais procedimentos cirúrgicos se tornaram muito mais seguros e eficazes, e um número cada vez maior de pacientes tem se beneficiado desse tipo de tratamento. (JORNAL BOA SAÚDE, 2009) Diagnóstico diferencial � Síncope (perda da consciência) – mais frequente em pré-puberes, existe hereditariedade e são relacionadas a certas instabilidades do sistema cen- tral vasomotor. Suas principais características são: associação à situação de tensão em escolas, igrejas, perspectivas de uma injeção, visão de san- gue etc. Clinicamente caracteriza-se por debilidade muscular, tremor, náu- seas, mal-estar abdominal, sudorese, sensação de desequilíbrio; no exame clínico apresenta palidez, bradicardia, pulsos geralmente impalpáveis. � Crises de perda de fôlego – essa é uma outra situação clínica muito co- mum na primeira infância, igualmente desaparece até a idade escolar, mas o seu início dramático, com cianose ou palidez, causa intensa ansiedade aos pais e médicos, até que a situação seja esclarecida e explicada. A histó- ria clínica corresponde a uma criança que subitamente sofre um estímulo 148 Crises convulsivas doloroso, susto, frustração ou contrariedade. Ela grita de forma vigorosa, retém a respiração em expiração, torna-se cianótica e perde a consciência. Geralmente, essa crise tem a duração de alguns segundos e a seguir reco- bre a consciência. � Distúrbios do sono – devemos estar atentos para os movimentos do pré-- -sono, terror noturno, pesadelos etc., que não devem ser valorizados ex- cessivamente. � Histeria ou simulação – a frequência das “pseudocrises” é muito maior do que imaginamos, principalmente nos pacientes epilépticos controlados. As informações obtidas nos dão a pista diagnóstica para essas crises, por exemplo, forjam quedas, não existem lesões, ausências de sinais pós-cri- ses etc. O diagnóstico nem sempre é fácil e, às vezes, precisamos de ajuda psicológica tanto para o diagnóstico como para o tratamento. O que podemos fazer para ajudar O fato de presenciar ou ter uma crise convulsiva é algo que pode causar muita angústia e, às vezes, medo. Isso tanto para quem está tendo a crise como para aque- les que a observam. Quanto mais soubermos sobre as crises e como elas acontecem melhor será nossa reação, e assim poderemos ajudar melhor nosso aluno. As pessoas que têm epilepsia muitas vezes sofrem com o preconceito e também com a falta de informação geral. Por isso, se tivermos na escola algum aluno ou professor que apresente essa desordem, devemos procurar conversar de forma clara, com todos, passando o maior número de informações, sempre considerando a faixa etária dos alunos que serão orientados. Ajuda muito se os colegas souberem do que se trata e como agir na hora da crise. Há necessidade de um trabalho para diminuir o preconceito, não supervalorizando a situação. As crises convulsivas não são previsíveis, podendo ocorrer inesperadamen- te, e se manifestar de diferentes formas. Muitas vezes o desencadear de uma crise pode provocar uma modificação de comportamento da pessoa afetada, algo diferente de seu comportamento habitual, às vezes muito discreto. Se o Crises convulsivas 149 professor estiver atento poderá perceber o início da crise. Primeiramente, ele deverá marcar o tempo de duração de uma crise. Ela normalmente dura de 2 a 5 minutos e termina naturalmente. Se uma crise demorar mais do que 5 minutos ou se a pessoa ficar roxa deve-se levar ao hospital. É muito importante manter o controle, não se apavorar. Evite o acúmulo de pessoas em cima do aluno que está tendo a convulsão. Se o professor se deses- perar, os outros alunos também ficarão muito assustados. Procure afastar obje- tos que possam causar alguma lesão como cadeiras, mesas, cintos e fivelas. Durante o tempo em que a crise estiver acontecendo não interfira, apenas observe e procure acomodar a cabeça em uma almofada, um pano ou casaco para protegê-la e evitar lesões. Em seguida, se possível, tente girar a cabeça para o lado e segure-a nessa posição, para facilitar a respiração. É comum, durante a crise, a respiração ficar ofegante e haver contração mus- cular involuntária (que envolve todos os músculos do corpo). As contrações musculares, muitas vezes, fazem com que os músculos da garganta se fechem. Com isso, é possível se ouvir um ruído em função da passagem do ar. Também é natural a saliva não ser engolida e ficar acumulada na boca. Assim, ao se misturar com o ar acaba ficando “areada”, parecendo uma espuma. Essa baba espumosa nada mais é do que saliva misturada com ar e não se pega doença alguma ao entrar em contato como muitas pessoas acreditam. Pode-se enxugar com um lenço se necessário. Não coloque objetos na boca, nem tente segurar a língua. Quando a crise acaba há um relaxamento muscular e, com isso, algumas pessoas acabam por perder momentaneamente o controle dos esfíncteres1. Também ao final da crise a pessoa pode permanecer sonolenta e confusa por um determinado tempo. Vejamos os desenhos ilustrativos do folheto organizado pelo Dr. Sergio Antoniuk et al. (2001): 1 Esfíncteres são musculaturas dispostas em forma de anel que contraem e relaxam permitindo abertura e fechamento de um orifício. No corpo humano temos 42 musculaturas dessas. O sistema digestivo humano tem três esfíncteres importantes: o esfíncter cárdico, o esfíncter anal e o esfíncter pilórico, que faz comunicação entre o estômago e o duodeno. Aqui no texto referimo-nos aos esfincteres anal que controlam a micção (xixi) e evacuação (cocô). 150 Crises convulsivas IE SD E Br as il S. A . 1. Não mova a pessoa, a menos que este- ja em perigo ou se a crise se prolongar por mais de cinco minutos. 2. Não restrinja seus movimentos. 3. Não tente levantar a pessoa. 4. Não coloque nada entre os seus dentes. 5. Não lhe dê nada para beber. 6. Não interfira desnecessariamente durante o período de recuperação após a crise. 1. Fique calmo. Anote a duração da crise. 2. Abra um espaço livre em torno da pessoa. 3. Afrouxe as roupas em torno do pescoço. 4. Proteja-lhe a cabeça com algum tipo de almofada. Vire a pessoa ou o rosto dela para o lado. 5. Cessadas as convulsões, coloque-a numa posição para recuperar-se. 6. Demostre compreensão e ofereça seu apoio durante a recuperação. O que não fazer O que fazer A seguir você vai ver dicas importantes que são oferecidas aos familiares de crianças com crises epilépticas que frequentam o ambulatório de neuropedia- tria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Crises convulsivas 151 Essas sugestões são dadas para as pessoas que têm epilepsia (ANTONIUK, 2001) Há muitos passos que você pode tomar para minimizar seu risco de lesão no caso de uma crise. Em casa Faça uma inspeção de sua casa para identificar as medidas de segurança importantes que você pode tomar. Banheiro � Mantenhao aquecedor de água baixo o suficiente para prevenir queimaduras. � Tome banho sentado se as crises forem frequentes. � Mantenha as portas do banheiro destrancadas. Quartos e salas de estar � Use telas de segurança nas lareiras. � Mantenha os aquecedores em locais que não possam virar. � Acolchoe os cantos. � Acarpete o chão. Cozinha � Sirva a você e aos outros diretamente do fogão para que você não tenha que carregar pratos quentes. � Use um forno de micro-ondas para cozinhar. � Mantenha os utensílios longe da pia. No trabalho � As pessoas com epilepsia podem trabalhar em uma variedade de empre- gos. Se suas crises estão sob excelente controle, você pode ter qualquer emprego. Se as crises não estiverem sob controle, então você irá precisar analisar se o local em que você trabalha oferece algum risco de lesão. 152 Crises convulsivas � Você poderá querer aprender como conversar confortavelmente com seu chefe sobre sua epilepsia. É importante educar seus companheiros de tra- balho sobre como mantê-lo seguro na eventualidade de uma crise. No carro � Se as crises estiverem sob controle por um período longo de tempo, as pessoas com epilepsia podem obter uma licença para dirigir. A maioria dos estados americanos definem as crises como controladas se não ocorrer uma crise em um período de tempo de 3 a 12 meses, variando de acordo com cada estado. � Um efeito colateral comum das drogas antiepilépticas é a sonolência. Você deve evitar dirigir até que tenha se adaptado à medicação. � Se você tiver tido uma crise e necessita ir ao seu médico ou ao hospital, peça para que alguém dirija para você. No lazer � A atividade física pode te ajudar a se sentir mais autoconfiante, a se olhar melhor, e melhorar seu astral. Uma caminhada com um trajeto preestabelecido pode ser um bom começo. � Para se exercitar com segurança, converse com seu médico sobre o controle de suas crises. Participar em atividades específicas como na- tação e futebol devem ser consideradas em bases individuais. Você e seu médico devem discutir os riscos potenciais. Efeitos do exercício físico na frequência de crises epilépticas e no humor em pacientes com epilepsia (OLIVEIRA, 2009) Introdução Apesar do efeito favorável do exercício físico sobre a saúde ser inquestio- nável, programas de exercício físico para portadores de epilepsia são, ainda, Texto complementar Crises convulsivas 153 assuntos de controvérsia. Poucas evidências têm sido observadas em relação ao efeito do exercício sobre a ocorrência de crises epilépticas, estado depres- sivo e ansiedade em portadores de epilepsia (BENNETT, 1981). Nesse sentido, temos que o exercício físico tem efeito benéfico consisten- te na disposição e bem-estar psicológico, ansiedade, depressão e estresse psicológico e pode melhorar a função cognitiva. Estudar essa relação entre epilepsia, depressão, ansiedade e exercício físico é um campo vasto a ser pesquisado e melhor delineado (Consensus Conference on Physical Activity, Health and Well-Being, 1995)[sic]. Nakken (2000) sugere que os portadores de epilepsia, especialmente aqueles com crises incontroladas, vivem uma vida sedentária e de baixa apti- dão física, o que os leva a uma grande angústia, tendo como consequências a depressão, a ansiedade e o isolamento social. O exercício físico é um dos recursos terapêuticos que poderia ser utilizado para minimizar a ocorrência de crises e, nesse sentido, existe uma dicotomia na relação entre crises epi- lépticas e exercício físico. Martinsen (1985), Morgan (1994) e Hassmén et al. (2000) confirmam as informações sobre a diminuição do número e intensi- dade da crise com o exercício, por outro lado Ogunyemi et al. (1988), Williams et al. (1994) Frucht et al. (2000) contestam essa melhora. Apesar dos portadores de epilepsia evitarem a prática de exercício físico, Sirven e Varrato (1999) demonstram que, contrariamente ao que se pensa, as crises epilépticas ocorrem com maior frequência no período de recupe- ração do exercício. As crises no período do exercício físico são raras, embora existam relatos de crises induzidas por exercícios físicos (LIND et al., 1990; FAUGHT et al., 1994). No entanto, Nakken (2000) acrescenta que as bases dos mecanismos de interação entre epilepsia e exercício físico são desconhecidas, levando-nos a propor que, por essas razões de incertezas quanto à realização ou não de exercícios, pessoas com epilepsia deveriam ser estimuladas a participar de atividades recreativas e/ou físicas, e não simplesmente desprezadas e até mesmo coibidas quanto a desfrutarem dessas atividades. O exercício físico é um grande aliado no tratamento antidepressivo, mi- lhões de pessoas saudáveis participam de algum esporte e, na última década, pacientes com crises epilépticas têm sido estimulados a participar de ativi- dades esportivas como parte de sua reabilitação. Um fator importante é o 154 Crises convulsivas tempo de ausência de crises. Se a crise está controlada por dois anos, o risco de recaída durante o exercício físico é o mesmo risco de uma primeira crise. Dessa forma, percebemos que uma visão histórica acerca da epilepsia permite constatar a multiplicidade de causas que, em seu cerne, conduzem a diversas formas de exclusão e controle social dos pacientes com epilepsia, indicando o tipo de sociedade à qual pertencem. Nesse sentido, a investiga- ção dos processos que pautam o ingresso desses pacientes no mundo do trabalho, no exercício físico, na vida social, nas perspectivas de melhoria psi- cológica, representa campo privilegiado de pesquisa para elucidar situações de rejeição explícitas ou implícitas (SARMENTO; MINAYO, 2000). No intuito de esclarecer tais questões, esse estudo teve o propósito de avaliar a ocorrência de crises epilépticas e as alterações nos níveis de depressão e ansiedade em pacientes epilépticos após serem submetidos a um programa de exercício físico aeróbio durante 12 semanas. Discussão Perrine, Hermann e Meador (1995) afirmam que os níveis de ansiedade e depressão frequentemente são maiores em portadores de epilepsia que na população geral. Assim, os índices observados, nesse estudo, no período pré-treinamento aeróbio de 12 semanas em relação aos indicadores de de- pressão, revelam a realidade do problema mundial vivido pelo portador de epilepsia. Isso os torna mais passíveis de experimentar impressões negativas nos assuntos diários e descuidos pessoais com o próprio corpo. Nesse senti- do, McGlone e Wands (1991) reportaram que a baixa autoestima associada à depressão e um nível alto de ansiedade pode induzi-los ao desinteresse da prática de exercício físico, trabalhar, estudar e até envolver-se emocional- mente com outra pessoa. Piazzini et al. (2001) constataram que o nível de interesse do portador de epilepsia com a sua saúde vai se deteriorando com o passar dos anos, e pode proporcionar um estágio de total desinteresse e despreocupação com sua vida. Depois de aplicar questionários de ansiedade (Inventário de Ansiedade Estado e Traço) e depressão (Escala de depressão de Zung) em 150 portadores de epilepsia, concluíram que a principal causa para o insucesso no tratamento desses pacientes era a ansiedade e depressão, sendo evidenciada uma maior ansiedade tipo traço (aquela formada a partir da personalidade). Esses dois transtornos psiquiátricos (ansiedade e depressão) sobrepunham-se a toda Crises convulsivas 155 ideia construtiva ou tentativa de ajuda por parte de pessoas envolvidas no tra- tamento e na vida dos pacientes. O exercício físico vem despontando como um dos recursos terapêuticos indicados para complementar o tratamento do portador de epilepsia. Assim sendo, vários autores defendem a ideia de que o exercício físico possa atuar como um agente antidepressivo. Van et al. (1990), Karzmark et al. (2001) e Lorig et al. (2001) vêm direcionando cada vez mais para a possibilidade do exercício físico ser reconhecido e utilizadocomo tratamento alternativo no combate à depressão. Os benefícios fisiológicos e psicológicos, observados após a prática de exercícios físicos, podem estar relacionados a alterações bioquímicas envol- vidas com liberação de neurotransmissores, com a ativação de receptores específicos e com a adequação dos níveis serotoninérgicos, Sonenreich et al. (1991), após observar os benefícios advindos dessas alterações promovidas pelo exercício físico, constatou que o exercício físico pode estar relacionado à redução dos níveis de depressão e à tendência de melhora na ansiedade (THOMPSON; BAXENDALE; DUNCAN, 2000; LOPES, 2001). Os achados do nosso estudo demonstram que após o tratamento com exercício físico houve uma melhora significativa da depressão. O que se ob- serva é que o número de sujeitos com indicativos de normalidade depois do programa de exercício físico aumentou consideravelmente com redução no número de sujeitos com depressão severa. Portanto, os extremos, normali- dade e depressão severa, foram inversamente proporcionais depois do pro- grama de exercício físico, o que nos indica um excelente índice de resposta e que reflete a tendência de terapia alternativa no tratamento de portadores de epilepsia com muita eficácia. Em relação à ansiedade, traço e estado, depois do exercício físico, não foi observada diferença significativa, muito embora os resultados da ansiedade estado tivessem um valor expressivo. Os dados da ansiedade traço ficaram coerentes com o estudo que indica estar mais ligada à personalidade do que a estímulos externos, como o exercício físico (RIED et al., 2001). A angústia, a solidão, o estigma, a ansiedade e a depressão são fatores que frequentemente pioram o estado de saúde dos pacientes com epilepsia. E entre os fatores que mais dão prazer e ajuda no tratamento estão: o respei- to e a valorização do portador de epilepsia, o reconhecimento de que são 156 Crises convulsivas úteis para a sociedade em que convivem, o entendimento da crise epiléptica sem ficar com medo ou receio que ela ocorra, a oportunidade de fazer exer- cício físico como uma pessoa comum e participar de atividades esportivas (SUURMEIJER; REUVEKAMP; ALDENKAMP, 2001). Nakken (1990; 2000) não somente confirma que, entre os fatores que mais dão prazer e ajuda no tratamento da epilepsia está o exercício físico, como acrescenta que pessoas com epilepsia podem ter os mesmos benefícios de um programa de treinamento físico que qualquer outra pessoa: aumento da capacidade aeróbica máxima, aumento da capacidade de trabalho, frequên- cia cardíaca reduzida para um mesmo nível de esforço, redução de peso com redução de gordura corporal e aumento da autoestima. Conclusão Os resultados obtidos nesse estudo sugerem que o exercício físico pode ser um agente terapêutico nas questões relacionadas à melhor qualidade de vida para os portadores de epilepsia. Nossos resultados confirmam os dados da literatura, demonstrando uma redução no número de crises e uma redu- ção nos níveis de depressão após participação em programa de exercício físico, mediante questionários que avaliaram os indicadores de depressão. Portanto, a prática de atividade física regular para portadores de epilepsia pode fornecer os mesmos benefícios propiciados a qualquer pessoa, como a melhora da capacidade funcional, a autoestima e o relacionamento social. (OLIVEIRA, Ricardo Jacó de. Efeitos do Exercício Físico na Frequência de Crises Epi- lépticas e no Humor em Pacientes com Epilepsia. Disponível em: <www.efdeportes.com/efd62/epilep.htm>. Acesso em: jul. 2009.) Dica de estudo Esse vídeo apresenta de forma clara e ilustrada o funcionamento normal do cérebro e as diferentes crises epilépticas. O tempo de duração do vídeo é de 30 minutos. Disponível em: <http://video.google.com/videoplay?docid=47960146 12935392589>. Crises convulsivas 157 Atividades 1. Você já viu uma crise convulsiva ou conhece alguém que tem epilepsia? De- pois do que foi lido se, por ventura, tiver um aluno acometido por essa desor- dem, o que você faria na hora da crise? 2. Leia atentamente as sugestões apresentadas por Antoniuk e, em seguida, sintetize algumas ações que podem ser feitas na escola. Maria de Fátima Joaquim Minetto José Raimundo Facion Educar uma criança autista é uma experiência que leva o professor a questionar suas ideias, seus princípios e sua competência profissional. Bereohff, Leppos, Freire, 1994 Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) são caracterizados por prejuízos severos e invasivos em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de comunicação; presença de comportamentos, interesses e atividades estereotipadas e habilidades de interação social recíproca. Dentro dos TIDs observamos cinco subtipos principais: Transtorno Au- tista, Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtor- no de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (SOE). O diagnóstico diferencial Ainda que vários sintomas sejam encontrados nos diversos subtipos dos TIDs, a formação do conjunto desses é que vai caracterizar um diag- nóstico mais específico. O Transtorno de Rett tem sido observado no sexo feminino, enquanto o Transtorno Autista acomete muito mais frequentemente o sexo masculi- no, numa proporção de até quatro meninos para cada menina. No Transtorno de Rett há um padrão característico de desaceleração do crescimento craniano, perda de habilidades manuais voluntárias ad- quiridas anteriormente e o aparecimento de marcha pouco coordenada ou movimentos do tronco. Mesmo que durante os anos pré-escolares, meninas com Transtorno de Rett podem exibir dificuldades na interação social similares àquelas observadas no Transtorno Autista, estas tendem a ser temporárias. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) Vídeo 160 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) O Transtorno Autista difere do Transtorno Desintegrativo da Infância, que tem um padrão distinto de regressão seguindo-se a pelo menos 2 anos de de- senvolvimento normal. No Transtorno Autista, as anormalidades do desenvolvimento geralmente são percebidas já no primeiro ano de vida. Quando não se dispõe de informa- ções sobre o desenvolvimento inicial ou quando não é possível documentar o período exigido de desenvolvimento normal, deve-se fazer o diagnóstico de Transtorno Autista. O Transtorno de Asperger pode ser diferenciado do Transtorno Autista pela ausência de atraso no desenvolvimento da linguagem. Transtorno Autista O autismo Infantil é uma síndrome presente desde o nascimento, e se mani- festa invariavelmente antes dos 36 meses de idade. Suas principais característi- cas são respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais e problemas graves quanto a compreensão da linguagem falada. A fala custa a aparecer e, quando isso acontece, observa-se uma ecolalia (repete mecanicamente palavras ou frases que ouve). O uso inadequado dos pronomes, a estrutura gramatical imatura e uma inabilidade de usar termos abstratos são muito comuns no autismo. Observa-se também uma incapaci- dade na utilização do comportamento social, tanto da linguagem verbal como da corpórea. Problemas muito graves de relacionamento social antes dos cinco anos de idade são comuns, por exemplo, a incapacidade de desenvolver o contato olho no olho. O comportamento é usualmente ritualístico (metódicos e repetitivos, como abanar as mãos) e agregado a rotina de vidas anormais, assim como uma forte resistência a mudanças, fixação por objetos estranhos e um padrão de brin- car estereotipado. A capacidade para pensamentos abstratos e simbólicos ou para jogos ima- ginativos fica diminuída. A inteligência varia de muito subnormal a normal, ou acima da normalidade. A performance é melhor em tarefas que requerem memória simples ou habilidade visoespacial (visão com relação ao espaço, um exemplo seria encaixe peças), quando se compara com aquelas que requerem uma capacidade simbólica ou imaginativa.Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) 161 Sintomas do autismo De acordo com a definição dada pela Nacional Society for Autistic Children – (Nasc) e pela American Psychiatric Association, os sintomas incluem: � anormalidades no ritmo de crescimento e na aquisição de habilidades físi- cas, sociais e de linguagem; � respostas anormais aos sentidos. O autista pode ter uma combinação qual- quer dos sentidos (visão, audição, olfato, equilíbrio, dor e paladar). A ma- neira como a criança equilibra o seu corpo pode ser também inusitada; � ausência ou atraso de fala ou de linguagem, embora possam se apresen- tar algumas capacidades específicas de pensamento; � modo anormal de relacionamento com as pessoas, objetos, lugares ou fatos. Crianças com autismo podem manifestar apenas alguns desses sintomas. Para outras, porém, eles podem ser severos ou moderados e instáveis. Devido ao fato de que nenhum sintoma por si só é exclusivo do autismo, os diagnósticos são frequentemente confusos e desorientadores, principalmente quando o pro- fissional não está bem informado. Para o reconhecimento do Transtorno Autista, pode-se indicar 14 sintomas cardeais que frequentemente estão presentes nesse transtorno: � não se mistura com outras crianças; � age como se fosse surdo; � resiste ao aprendizado; � não demonstra medo de perigos reais; � resiste a mudanças de rotinas; � usa as pessoas como ferramentas; � risos e movimentos não apropriados; � resiste ao contato físico; � acentuada hiperatividade física; � não mantém contato visual; 162 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) � apego não apropriado a objetos; � gira objetos de maneira bizarra e peculiar; � às vezes é agressivo e destrutivo; � modo e comportamento indiferente e arredio. Transtorno de Rett De acordo com o American Psychiatric Association (2003, p. 104), “a caracterís- tica essencial do Transtorno de Rett consiste no desenvolvimento de múltiplos de- ficits específicos após um período de funcionamento normal durante os primeiros meses de vida”. Aparentemente, os indivíduos têm um período de vida pré-natal e perinatal normal e um desenvolvimento psicomotor regular durante os primeiros 5 meses de vida. Ao nascer, o perímetro cefálico também está dentro dos limites normais e, entre os 5 e os 48 meses, há uma desaceleração do crescimento craniano. Observa-se também, entre os 5 e os 30 meses de idade, uma perda das habi- lidades voluntárias anteriormente adquiridas das mãos (como explorar os brin- quedos), passando a ter movimentos estereotipados1, nesse caso muito seme- lhante ao de lavar as mãos. A diminuição do interesse pelo ambiente social nos primeiros anos após o início do transtorno é observado, ainda que a interação social possa se desenvol- ver com o avançar da idade. Problemas na coordenação da marcha, movimentos do tronco, reflexo de apreensão e outros podem também aparecer. Severos prejuízos no desenvolvimento da linguagem expressiva ou receptiva e um retardo neuropsicomotor são muito comuns neste transtorno. O Transtorno de Rett está tipicamente associado com Retardo Mental Severo ou Profundo [...] Não existem achados laboratoriais específicos associados com o transtorno. Pode haver uma frequência aumentada de anormalidades EEG e transtorno convulsivo em indivíduos com o transtorno. Foram informadas anormalidades inespecíficas em imagens do cérebro. (DSM, 2003, p. 104) Transtorno de Asperger De acordo com o DSM-IV (1995, p. 107), “As características essenciais do Trans- torno de Asperger são um prejuízo severo e persistente na interação social [...] e 1 O movimento estereotipado é a repetição de uma sequência de movimentos invariáveis sem nenhum objetivo. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) 163 o desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, inte- resses e atividade [...]” A perturbação acarreta lesão clinicamente significativa nas áreas social, ocupacio- nal ou outras áreas importantes de funcionamento. Contrastando com o Transtorno Autista, não existem atrasos clinicamente significativos na linguagem (isto é, pala- vras isoladas são usadas aos 2 anos, frases comunicativas são usadas aos 3 anos). “Além disso, não existem atrasos clinicamente significativos no desenvolvi- mento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de autoajuda apropria- das à idade, comportamento adaptativo (outro que não na interação social) e curiosidade acerca do ambiente na infância”. O diagnóstico não é fornecido se são satisfeitos critérios para qualquer outra Transtorno Invasivo do Desenvolvimento específico ou para Esquizofrenia. O Transtorno de Asperger parece que se inicia mais tarde que o Transtorno Autista, ou pelo menos parece ser identificado apenas mais tarde. “Atrasos motores ou falta de destreza motora podem ser notadas no período pré-escolar. É durante esse período que determinados interesses idiossincráticos ou circunscritos (por exemplo: fascinação com horários de trens) podem apare- cer e ser reconhecidos como tais [...]” (American Psychiatric Association). Transtorno Desintegrativo da Infância Nesse transtorno há um desenvolvimento aparentemente normal, pelo menos durante os dois primeiros anos após o nascimento, manifestado pela presença de comunicação verbal e não verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamentos adaptativos apropriados à idade. Além disso, há uma perda clinicamente significativa de habilidades já adqui- ridas (antes dos 10 anos) em pelo menos duas das seguintes áreas: linguagem expressiva ou receptiva, habilidades sociais ou comportamento adaptativo, con- trole intestinal ou vesical, jogos e habilidades motoras. Observa-se, também, anormalidades do funcionamento em pelo menos duas das seguintes áreas: � Prejuízo qualitativo na interação social (exemplo: prejuízo nos comporta- mentos não verbais, fracasso para desenvolver relacionamentos com seus pares, falta de reciprocidade social ou emocional). 164 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) � Prejuízos qualitativos na comunicação (exemplo: atraso ou ausência da linguagem falada, incapacidade para iniciar ou manter uma conversação, uso estereotipado e repetitivo da linguagem, falta de jogos variados de faz de conta). � Padrões repetitivos, restritos e estereotipados de comportamento, inte- resses e atividades incluindo estereotipias motoras e maneirismos. Por fim, a perturbação não é melhor explicada por um outro TID específico ou esquizofrenia. Podemos destacar que essa condição também é conhecida como síndrome de Heller, demência infantil ou psicose desintegrativa. Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (sem outra especificação – SOE) Existem alguns comportamentos muito característicos apresentados por crianças que não podem ser correlacionados com nenhum dos transtornos já apresentado. Veja abaixo como o American Psychiatric Association (1995) expli- ca isso: Essa categoria deve ser utilizada quando existe um prejuízo severo e invasivo do desenvolvimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal e não verbal, ou quando comportamentos, interesses e atividades estereotipados estão presentes, mas não são satisfeitos os critérios para outro TID específico, Esquizofrenia, Transtorno de Personalidade Esquizotípica ou Transtorno de Personalidade Esquiva. Inclui autismo atípico, quando os sintomas manifestam-se tardiamente. Procedimentos educacionais Comentar acerca do processo educacional de pessoas com Transtornos Inva- sivos do Desenvolvimento é mencionar, invariavelmente, a respeito da inclusão. A inclusão é um ato democrático, de cidadania porque atinge a todos, e mais, deflagra uma urgência na modificação de nós mesmos para: � a aceitação da pessoa com necessidades educacionais especiais não como ser limitado, mas como indivíduo produtivo; Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) 165 � para a compreensão plena de suas afetividade e desejos;� admitir sua capacidade intelectual de forma a incitá-la ao convívio social. Atualmente, não se pode falar mais em desenvolvimento de sociedade sem falar do desenvolvimento de seus cidadãos e, sendo a pessoa com necessida- des educacionais especiais um cidadão, não se pode deixar de falar em inclu- são já que, essencialmente, esta se remete à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na atualidade, algumas vertentes de estudos que trabalham de forma bas- tante proximal a pessoas com transtornos mentais têm indicado dois métodos em confluência, dos quais bons resultados têm se obtido relativo ao processo de educação do aluno com necessidades educacionais especiais. São eles: � Terapia Comportamental; � Método Teacch. Crianças com autismo, por exemplo, funcionam significativamente melhor em condições estruturadas, segundo trabalhos científicos mais recentes e esses métodos viabilizam tal premissa. Segundo Costa de Leon e Lewis (1997), os princípios norteadores da Terapia Comportamental Cognitiva seriam: (1) Busca de entendimento exaustivo de como é, como pensa, como age a criança e o adolescente autista; (2) Determinação de objetivos específicos e claramente definidos com relação à terapia; (3) Especificação dos repertórios de comportamento que a criança pode ou não desempenhar sem ênfase à rótulos, categorizações e suposições gerais e vagas; (4) Elaboração de planos terapêuticos dirigidos aos comportamentos alvos com especificação das respostas; (5) Adaptação dos métodos de tratamento à problemática da criança ou adolescente; (6) Atenção constante naquilo que vemos a criança ou adolescente fazer, com registros imediatos; (7) Seleção cuidadosa e exaustiva de comportamentos que sejam realmente relevantes; (8) Seleção cuidadosa de comportamentos que respeitem e mantenham alguma semelhança com aquilo que a criança já saiba fazer ou esteja fazendo; (9) Divisão do comportamento final esperado em pequenas unidades (tantas quantas forem necessárias), numa sequência progressiva e repetida; (10) Utilização de esquemas de reforçadores (primários e secundários) e de estímulos de preparação como recursos importantes do desenvolvimento dos repertórios condutuais. Já o método Teacch foi desenvolvido a partir de um trabalho de pesquisas coorde- nado por Eric Schopler na Universidade da Carolina do Norte em meados da década de 1960. A tradução ao português mais aceita de Teacch (Treatment and Education of Autistic and Related Comunication Handicapped Children) tornou-se: Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficiências Relacionadas à Comunicação. 166 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) Segundo o próprio Schopler (1997), “O Teacch é um programa que oferece amplos serviços para pessoas de todas as idades que sofrem de autismo ou dis- túrbios afins do desenvolvimento, em que os pais podem e devem colaborar em todas as fases do programa”. O programa enfatiza sete principais áreas ao tratamento educacional: � envolvimento dos pais, o qual traduz um papel central na evolução do programa; � avaliação e diagnóstico; � ensino estruturado; � manejo de comportamento; � habilidades de comunicação; � habilidades sociais e de lazer; � treinamento pré-vocacional e de independência. Costa de Leon e Lewis (1997) atentam também à importância do espaço físico, do tempo, da duração e do material utilizado e sugerem a estrutura de uma sala Teacch como um local para a atividade individual com o terapeuta, para a atividade em grupo, para lanche e para tempo livre, onde cuidadosamen- te seleciona-se tudo o que a criança gosta de fazer. Nesse local, os terapeutas não devem interferir no comportamento, para que haja discriminação (impor- tância da criança discriminar momentos de atividades estruturadas e momentos livres). Nesse trabalho em grupo a programação deve ser feita individualmente e após exaustivo conhecimento do funcionamento da criança, no caso autista, através da informação dos pais e extensa avaliação dos repertórios condutuais. Conforme podemos perceber, muito já foi conquistado ao longo dos anos a partir dos estudos e pesquisas dirigidas às pessoas com Transtornos Invasivos do Desen- volvimento, entretanto há muito no que avançar. E certos estamos de que apenas através do incentivo a pesquisas e de produção de literatura pertinente, além do incentivo e investimento em profissionais afins no trabalho em prol da orientação e no franco empenho em discussões e acordos, pode-se aumentar acentuadamente o avanço ao processo de desenvolvimento da Educação Especial. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) 167 Texto complementar Ambiente de trabalho estruturado (CAMARGOS, 2002) O educador é aquele que propicia condições que levem o aluno a se de- senvolver ao máximo, e um ambiente tranquilo, organizado e estruturado de acordo com suas necessidades é fundamental para que isso ocorra. Portanto, na minha opinião, em classes de crianças portadoras do TID, devemos ter extremo cuidado com alguns aspectos, tais como: � o excesso ou a ausência de estímulos visuais em sala de aula; � objetos de grande interesse do aluno expostos, evitando situações de conflito; � brinquedos e outros objetos quebrados causando frustração durante o manuseio dos mesmos; � brinquedos e outros objetos que possam ser quebrados com muita facilidade, dificultando o manuseio livre da criança; � brinquedos e outros objetos que possam oferecer algum risco para a criança durante seu manuseio livre ou mesmo supervisionado; � ausência de música no ambiente, música inadequada ou ainda mais com volume inadequado; � ausência de condições para momentos de liberdade e/ou de descanso do aluno entre uma atividade e outra. Na medida em que tivermos alguns cuidados básicos como estes, estare- mos evitando alguns problemas e possíveis alterações de comportamento que quando presentes causam consideráveis transtornos na condução das atividades e na manutenção desse ambiente que tanto desejamos. 168 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) Não podemos esquecer que devemos respeitar o ritmo de cada criança e um ambiente adequado deve incluir, na medida do possível, um local adequado para que o aluno possa descansar, relaxar, ou mesmo ficar um pouco sozinho. (CAMARGOS, W. et al. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Brasília: CORDE, 2002. p. 142-143.) Dicas de estudo Os filme abaixo revelam características de TID: O filme Rain Man fala de um jovem que viaja a um asilo a fim de aproximar-se do irmão autista, que não vê desde pequeno, e herdar toda a fortuna paterna sozinho. Em sua viagem de volta, os dois redescobrem antigos sentimentos e passam a viver juntos. O filme O Enigma das Cartas (House of Cards, 1993) mostra o caso de uma menina que deixa de falar repentinamente após a morte de seu pai. Com o tempo, vai apresentado um comportamento arredio e sua mãe procura um es- pecialista. A mãe esforça-se para trazer a filha de volta à realidade, reproduzindo em grande escala um castelo de cartas que a filha tinha construído. Atividades 1. Defina Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) 169 2. Você já conhecia o método Teacch? Descreva-o em poucas palavras. Maria de Fátima Joaquim Minetto José Raimundo Facion Quanto mais significativo for para o aluno o professor, mais chances o mesmo terá de promover novas aprendizagens. Bereohff, Leppos, Freire, 1994 Os dois transtornos de comportamento disruptivo mais conhecidos são o Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e os Trans- tornos de Conduta (TC). Transtorno de Deficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH) O TDAH manifesta-se através das características centrais da hiperati- vidade, do distúrbio de atenção (ou concentração), da impulsividade e da agitação. Como consequência desses sintomas surgem, muitas vezes, outros graves problemas como distúrbios emocionais e dissociais de aprendizageme aproveitamento. De acordo com o DSM-IV-TR (2003, p. 112-113), esse transtorno é assim definido: [...] Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que causam prejuízo devem ter estado presentes antes dos 7 anos, mas muitos indivíduos são diagnosticados depois, após a presença dos sintomas por alguns anos. Algum prejuízo devido aos sintomas deve estar presente em pelo menos dois contextos (por ex., em casa e na escola ou trabalho). Deve haver claras evidências de interferência no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional apropriado em termos evolutivos. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não é melhor explicada por um outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou Transtorno da Personalidade). Os indivíduos com esse transtorno podem não prestar muita atenção a detalhes ou podem cometer erros por falta de cuidados nos trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho frequentemente é confuso e realizado sem meticulosidade nem consideração adequada. Os indivíduos com frequência têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas até seu término. Eles frequentemente dão a impressão de estarem com a mente em outro local, ou de Transtornos de comportamento disruptivo Vídeo 172 Transtornos de comportamento disruptivo não escutarem o que recém foi dito. [...] Os indivíduos diagnosticados com esse transtorno podem iniciar uma tarefa, passar para outra, depois voltar a atenção para outra coisa antes de completarem qualquer uma de suas incumbências. Eles frequentemente não atendem a solicitações ou instruções e não conseguem completar o trabalho escolar, tarefas domésticas ou outros deveres. O fracasso para completar tarefas deve ser considerado, ao fazer o diagnóstico, apenas se ele for devido à desatenção, ao invés de outras possíveis razões (por ex., um fracasso para compreender instruções)[...] As tarefas que exigem um esforço mental constante são vivenciadas como desagradáveis e acentuadamente aversivas. Por conseguinte, esses indivíduos em geral evitam ou têm forte antipatia por atividades que exigem dedicação ou esforço mental prolongados ou que exigem organização ou concentração (por ex., trabalhos escolares ou burocráticos)[...] Os hábitos de trabalho frequentemente são desorganizados e os materiais necessários para a realização da tarefa com frequência são espalhados, perdidos ou manuseados com descuido e danificados. Os indivíduos com esse transtorno são facilmente distraídos por estímulos irrelevantes e habitualmente interrompem tarefas em andamento para dar atenção a ruídos ou eventos triviais que em geral são facilmente ignorados por outros (por ex., a buzina de um automóvel, uma conversa ao fundo). Eles frequentemente se esquecem de coisas nas atividades diárias (por ex., faltar a compromissos marcados, esquecer de levar o lanche para o trabalho ou a escola). Nas situações sociais, a desatenção pode manifestar-se por frequentes mudanças de assunto, falta de atenção ao que os outros dizem, distração durante as conversas e falta de atenção a detalhes ou regras em jogos ou atividades [...] Em adolescentes e adultos, os sintomas de hiperatividade assumem a forma de sensações de inquietação e dificuldade para envolver-se em atividades tranquilas e sedentárias. As manifestações comportamentais geralmente aparecem em múltiplos contextos, incluindo a própria casa, a escola, o trabalho ou situações sociais[...] Os sinais do transtorno podem ser mínimos ou estar ausentes quando o indivíduo se encontra sob um controle rígido, está em um contexto novo, está envolvido em atividades especialmente interessantes, em uma situação a dois (por ex., no consultório do médico) ou enquanto recebe recompensas frequentes por um comportamento apropriado [...] Epidemiologia Segundo Facion (1991), Gonzalez (2007), Smith (2008), Tuchman (2009), entre outros estudos transculturais nos Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia e Uganda, comprova-se que a hiperatividade não representa um produto da civi- lização ocidental. Portanto, os sintomas do TDAH são aparentemente indepen- dentes do tempo e da cultura. Dados de prevalência encontram-se na literatura, exclusivamente referentes à amostragem entre os alunos de escolas. Nos Estados Unidos são indicados de 3 a 15% e na Alemanha cerca de 9% da população escolar. Para os autores, esse transtorno é muito mais frequente no sexo masculino, sendo que alguns estudos dizem que para cada 4 meninos diagnosticados uma menina tem TDAH, e outros que para cada 9 meninos diagnosticados uma menina tem TDAH. Essas oscila- ções são resultados tanto de problemas de classificação quanto de definições de casos escolares de pesquisas singulares. No Brasil não temos conhecimento de nenhum levantamento sistemático realizado sobre esse transtorno. Transtornos de comportamento disruptivo 173 Etiologia Não se conhece ainda as causas do TDAH. Na maioria dos casos não se obser- vam evidências de amplas lesões estruturais ou doenças no Sistema Nervoso Cen- tral. Há uma série de hipóteses relacionadas a esse transtorno. Autores como Gon- zalez (2007), Smith (2008), Tuchman (2009), entre outros, destacam as principais: � Defeitos orgânico-cerebrais Aqui se supõe um distúrbio da função do cérebro na primeira infância pro- vocado por uma lesão pré, peri ou pós-natal no Sistema Nervoso Central. Esta poderia ter sido causada por problemas circulatórios, tóxicos, meta- bólicos etc., ou por stress e problemas físicos no cérebro durante a primei- ra infância, provocados por infecção, inflamação e traumatismos. Muitas vezes são sinais bem sutis e subclínicos. Porém, não se sabe bem ainda sobre a total validade dessa correlação, vis- to que os fatores de risco estão presentes em outros distúrbios diferentes, além de nem todas as crianças portadoras desse transtorno terem sido vítimas desses fatores de risco. Os mecanismos exatos pelos quais se desenvolve um transtorno de vá- rias funções dos centros nervosos são ainda desconhecidos. Os Eletroen- cefalogramas (EEGs), as Imagens por Ressonância Magnética (IRM) ou as Tomografias Computadorizadas (TCs) não reconhecem ainda os indícios para diagnósticos específicos, ou seja, para a identificação do transtorno. Supondo-se uma causa orgânica, reuniu-se uma série de itens de anoma- lias físicas, chamadas minor, anomalias essas que muitas vezes, mas não somente, podem ser observadas em crianças com TDAH. � Fatores neuroquímicos Através de experiências clínicas com uso de estimulantes (anfetaminas, entre outros) ou drogas tricíclicas (como, por exemplo, a desipramina), pode-se conseguir resultados terapêuticos evidentes em crianças hipera- tivas. Por isso, supõe-se uma ação desequilibrada dos centros excitatórios e inibidores do Sistema Nervoso Central, causada por distúrbios no meta- bolismo de aminoácidos e dos neurotransmissores: noradrenalina, seroto- nina e dopamina. Na realidade não existem evidências claras implicando um único neurotransmissor no desenvolvimento do TDAH. Vários desses neurotransmissores podem estar envolvidos no processo. 174 Transtornos de comportamento disruptivo � Fatores genéticos Investigações com familiares e gêmeos de crianças com TDAH indicaram uma alta correlação hereditária das crianças atingidas (ROHDE; BENCZIK, 1999). No caso de famílias com mais de um hiperativo, foram encontra- dos alcoolismo e distúrbios sociopatas nos pais e distúrbios histéricos nas mães. Em consequência disso, supõe-se aqui uma sucessão poligenética (FACION, 1991). � Fatores alergênicos Incentivado por observações de casos clínicos isolados, há alguns anos, nos países anglo-americanos, discute-se a possibilidade de que esse trans- torno seja causado por determinados ingredientes presentes nos alimen- tos. Muitos estudosrespectivos ocupam-se com os efeitos de salicítricos e de fosfatos na alimentação, entre eles a Liga Antiphosfato, uma Organiza- ção não governamental sediada em Hamburgo, na Alemanha. Essa orga- nização faz experimentos há vários anos com crianças com TDAH usando a dieta livre de fosfato. De acordo com os relatos e materiais informativos (folders e boletins) divulgados pelos profissionais, os resultados, em vários casos, são bastante promissores. Entretanto, as altas expectativas iniciais aqui apresentadas não puderam ser confirmadas. A chamada dieta de fosfato mostrou-se eficaz somente no caso de certas crianças e somente sob certas condições. Curso e prognóstico O TDAH é geralmente diagnosticado quando a criança começa a frequentar a escola, ainda que os sintomas já estejam presentes antes disso, segundo Tuch- man (2009). Os principais sintomas podem persistir na adolescência e até na vida adulta. É, em alguns casos, comum observar uma remissão na puberdade, sendo ainda mais comum na juventude. Essa remissão pode permitir uma vida adoles- cente ou adulta mais produtiva, relacionamentos interpessoais gratificantes e poucas sequelas significativas. A maioria dessas pessoas, entretanto, apresentam uma remissão somente parcial e podem ficar bastante vulneráveis ao distúrbio da personalidade antissocial e a outros distúrbios da personalidade e do humor. De acordo com Kaplan, Sadock e Grebb (2002), em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas persistem na vida adulta. Ainda que a hiperatividade apre- Transtornos de comportamento disruptivo 175 sente uma melhora, os indivíduos podem apresentar uma impulsividade, estan- do propensos a acidentes. Observa-se também que as famílias destes, normal- mente, estão estruturadas de uma forma caótica. Tratamento Atualmente as terapias que apresentam melhores resultados nos casos de TDAH são: � Farmacológica As alternativas farmacológicas para o tratamento das pessoas com esse trans- torno podem ser divididas em três grupos: � psicoestimulantes (anfetamínicos, metilfenidatos e pemolinos); � neurolépticos; � antidepressivos tricíclicos. Especialmente no tratamento com estimulantes, o controle motor e a capaci- dade de atenção puderam ser positivamente influenciados (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2002). Entretanto, a medicação parece ser útil apenas nos casos em que a manifestação do transtorno tem como sintomas cardeais a impulsividade, a inquietação motora e os distúrbios de atenção. Nas formas do transtorno, nos quais predominam um comportamento antissocial ou agressivo, ou distúrbios de capacidade parcializada, esses grupos farmacológicos não são indicados devido ao seu efeito insuficiente e possibilidade de efeitos colaterais. � Tratamento dietético Baseado nos princípios já citados nas hipóteses etiológicas, que consideram os fosfatos alimentícios, ingredientes artificiais de sabor, conservantes e coran- tes nos alimentos como fatores, senão causadores, reforçadores desses trans- tornos. Sendo assim, são elaborados planos de dieta livres dessas substâncias. Observa-se em vários casos – principalmente quando se trata de crianças que mantêm um nível de inteligência e capacidades acadêmicas dentro dos padrões da normalidade – uma melhora significativa tanto no comportamento quanto na organização da escrita e da leitura. Contudo, os resultados dessas pesquisas e experiências não são suficientes para a comprovação das hipóteses, pois, em outros casos, esse procedimento não tem demonstrado resultado algum. 176 Transtornos de comportamento disruptivo � Princípios Psicoterapêuticos Duas modalidades psicoterapêuticas têm demonstrado alguns avanços no tratamento de pessoas com TDAH: � Psicoterapia e Medicina Comportamental Fundamentado e orientado nos princípios da teoria behaviorista de re- forço, os indivíduos são “recompensados” regularmente quando perma- necem realizando uma atividade por um determinado período de tempo (que inicialmente pode ser limitado e, posteriormente, sucessivamente aumentado). A recompensa realiza-se através de atitudes carinhosas, afetuosas acompanhadas de elogios. De maneira semelhante, outras formas de comportamento, como controle motor, podem ser reforçados sistematicamente, integrando, desse modo, o repertório de comporta- mento dos pacientes. O objetivo central dessa modalidade é treinar o in- divíduo a exercer um controle sobre os seus próprios comportamentos. � Treinos de autoinstrução: Esse treino, uma adaptação do modelo proposto por Meichenbaum, executa-se em três etapas: � A criança observa o pedagogo (a professora) realizando determina- do trabalho, com calma e concentração (por exemplo, faz um de- senho), comentando em voz alta suas atividades (“eu pinto agora devagar esse canto”). � A criança é solicitada para efetuar a tarefa observada e verbalizá-la em voz alta da mesma maneira que a professora. � As autoinstruções faladas em voz alta são substituídas pela tonali- dade de voz cada vez mais reduzida, até que a criança seja capaz de estruturar sua atividade verbal em nível de pensamento. A orientação familiar assim como as modalidades de modificações de compor- tamento são sempre necessárias. A estruturação do ambiente, a organização do ciclo circadiano e a educação com limites podem ajudar a diminuir o nível de an- siedade e desorganização da pessoa com TDAH. Sendo assim, os pais, professoras e profissionais da saúde mental devem estabelecer uma estrutura de relaciona- mento organizada, previsível de recompensas e punições1. Os familiares devem ser orientados no sentido de compreender que a permissividade, a compaixão, a 1 Procedimento explicado por Caballo (1996). Transtornos de comportamento disruptivo 177 falta de limites não são úteis para a criança. Elas não se beneficiam por serem dis- pensadas das exigências, expectativas e planejamentos da vida diária de qualquer outro indivíduo. Esses procedimentos são especialmente adequados para contribuir com o desenvolvimento do potencial de atenção e concentração, estimulando o au- mento geral dos resultados. Com tudo isso, pode-se diminuir o grau de sofri- mento tanto da criança como das pessoas que convivem com ela no dia a dia. Transtornos de Conduta (TC) O Transtorno de Conduta caracteriza-se por um padrão repetitivo e persis- tente de mau comportamento, no qual os direitos mais básicos e a privacidade dos outros são violados. De acordo com o DSM-IV (1995), as pessoas com esse transtorno apresentam: � conduta agressiva causadora ou com perigo de lesões corporais a outras pessoas ou a animais; � conduta não agressiva que causa perdas ou danos ao patrimônio; � defraudação ou furto; � sérias violações de regras; Ainda de acordo com o DSM-IV-TM (p. 120), essas pessoas [...] podem exibir um comportamento de provocação, ameaça ou intimidação; iniciar lutas corporais frequentes; fazer uso de arma que possa causar séria lesão corporal (por ex., “bater carteira”, arrancar bolsa, extorsão ou assalto à mão armada); ou forçar alguém a manter atividade sexual consigo [...] A destruição deliberada do patrimônio alheio é um aspecto característico desse transtorno, podendo incluir a provocação deliberada de incêndios com a intenção de causar sérios danos ou destruição de outras maneiras (por ex., quebrar vidros de automóveis, praticar atos de vandalismo na escola) [...]. Mentir, não cumprir com os compromissos ou promessas, furtar objetos de valor ou falsificar documentos são outros comportamentos frequentes. Os indiví- duos com esse transtorno podem faltar à escola com frequência sem justificativa. Epidemiologia Cerca de 8% dos meninos de 10 e 11 anos em áreas urbanas e aproximadamente 4% das crianças em áreas rurais apresentam tais comportamentos (FACION, 1991). A ocorrência se dá mais em meninos do que meninas, numa proporção de 4 para 1, e 178 Transtornos de comportamento disruptivo ele é mais comum em filhos de pais com transtorno da personalidade antissociale dependência de álcool do que na população em geral. Ele está também significati- vamente relacionado a fatores socioeconômicos (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2002). O Transtorno de Conduta está também intrinsecamente relacionado ao com- portamento disruptível e criminoso na fase adulta das pessoas. De acordo com Holmes (1997), a agressão na infância é o melhor previsor de agressão poste- riormente na vida adulta. Muitas crianças com Transtorno de Conduta terminam como criminosos quando adultos, ainda que nem todos os criminosos tiveram diagnóstico de Transtorno de Conduta quando criança. Etiologia Não se conhece até hoje uma causa capaz de explicar o Transtorno de Con- duta. Acredita-se que uma variedade de fatores biopsicosociais possa contribuir para o seu desenvolvimento. Famílias com problemas e métodos falhos de edu- cação, por exemplo, condições domésticas, lares desfeitos, negligência, sociopa- tia, dependência de álcool e abusos de substâncias podem contribuir também para o desenvolvimento desse transtorno. De acordo com Kaplan, Sadock e Grebb (2002), estudos recentes sugerem que muitos pais de crianças com Transtorno de Conduta sofrem de uma série de pro- blemas psicopatológicos, incluindo psicoses. Sob o ponto de vista neurobiológico em algumas crianças com Transtorno de Conduta, observa-se um baixo nível de dopamina-β-hidroxilase plasmática, uma enzima que converte dopamina em noradrenalina. Por outro lado, foi observado em alguns jovens com Transtorno de Conduta, nível sanguíneo aumentado de serotonina (5HT), que poderia estar relacionado à agressividade e à violência. Tratamento Os melhores resultados podem ser obtidos para o tratamento do Transtorno de Conduta quando usados recursos familiares e comunitários, assim como uma atenção interdisciplinar (psicologia, terapia ocupacional, esportes etc.). Porém nenhum destes podem ser considerados curativo, exigindo, portanto, uma aten- ção especializada e intensiva durante a fase da adolescência e juventude dos indivíduos com esse transtorno. Transtornos de comportamento disruptivo 179 Um acompanhamento familiar buscando uma estrutura organizacional e social pode ser um grande fator de melhoria dos problemas. A instalação de regras e consequências consistentes e a aprendizagem dos pais no manejo de técnicas comportamentais podem também auxiliar na diminuição dos proble- mas do Transtorno de Conduta. Entendemos que, quando a família é extremamente desorganizada, caótica e desestruturada, a criança deveria ser removida de sua casa por um determinado período de tempo. De acordo com Kaplan, Sadock e Grebb (2002, p. 100): Os contextos escolares também podem usar técnicas comportamentais para a promoção de um comportamento socialmente aceitável para com os colegas e para o desencorajamento de incidentes antissociais velados. A psicoterapia individual orientada para a melhoria das habilidades de resolução de problemas pode ser útil, já que as crianças com Transtorno de Conduta podem ter um padrão duradouro de respostas mal-adaptativas às situações da vida diária. A idade na qual o tratamento inicia é importante, já que, quanto mais tempo os comportamentos mal-adaptativos permanecem, mais enraigados eles se tornam. Sob o ponto de vista farmacológico, as substâncias antipsicóticas, por exem- plo, o haloperidol e a risperidona podem apresentar alguns resultados satisfató- rios. Em alguns casos, a carbamazepina assim como o lítio e a clonidina podem apresentar algum benefício. Texto complementar O que é o TDAH? (ABDA, 2009) O Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um trans- torno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequen- temente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Deficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD. Existe mesmo o TDAH? Ele é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mun- dial da Saúde (OMS). Em alguns países, como nos Estados Unidos, portado- 180 Transtornos de comportamento disruptivo res de TDAH são protegidos pela lei quanto a receberem tratamento diferen- ciado na escola. Não existe controvérsia sobre a existência do TDAH? Não, nenhuma. Existe inclusive um Consenso Internacional publicado pelos mais renomados médicos e psicólogos de todo o mundo a esse respei- to. Consenso é uma publicação científica realizada após extensos debates entre pesquisadores de todo o mundo, incluindo aqueles que não perten- cem a um mesmo grupo ou instituição e não compartilham necessariamen- te as mesmas ideias sobre todos os aspectos de um transtorno. Por que algumas pessoas insistem que o TDAH não existe? Pelas mais variadas razões, desde inocência e falta de formação científica até mesmo má-fé. Alguns chegam a afirmar que “o TDAH não existe”, é uma “inven- ção” médica ou da indústria farmacêutica, para terem lucros com o tratamento. No primeiro caso se incluem todos aqueles profissionais que nunca publi- caram qualquer pesquisa demonstrando o que eles afirmam categoricamen- te e não fazem parte de nenhum grupo científico. Quando questionados, falam em “experiência pessoal” ou então relatam casos que somente eles co- nhecem porque nunca foram publicados em revistas especializadas. Muitos escrevem livros ou têm sítios na internet, mas nunca apresentaram seus “re- sultados” em congressos ou publicaram em revistas científicas, para que os demais possam julgar a veracidade do que dizem. Os segundos são aqueles que pretendem “vender” alguma forma de tra- tamento diferente daquilo que é atualmente preconizado, alegando que somente eles podem tratar de modo correto. Tanto os primeiros quanto os segundos afirmam que o tratamento do TDAH com medicamentos causa consequências terríveis. Quando a literatura científica é pesquisada, nada daquilo que eles afirmam é encontrado em qualquer pesquisa em qualquer país do mundo. Essa é a principal característica desses indivíduos: apesar de terem uma “aparência” de cientistas ou pesquisadores, jamais publicaram nada que comprovasse o que dizem. O TDAH é comum? Ele é o transtorno mais comum em crianças e adolescentes encaminha- dos para serviços especializados. Ele ocorre em 3 a 5% das crianças, em várias Transtornos de comportamento disruptivo 181 regiões diferentes do mundo em que já foi pesquisado. Em mais da metade dos casos o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta, embora os sintomas de inquietude sejam mais brandos. Quais são os sintomas de TDAH? O TDAH se caracteriza por uma combinação de dois tipos de sintomas: 1) Desatenção; 2) Hiperatividade-impulsividade. O TDAH na infância em geral se associa a dificuldades na escola e no re- lacionamento com demais crianças, pais e professores. As crianças são tidas como “avoadas”, “vivendo no mundo da lua” e geralmente “estabanadas” e com “bicho carpinteiro” ou “ligados por um motor” (isto é, não param quietas por muito tempo). Os meninos tendem a ter mais sintomas de hiperativida- de e impulsividade que as meninas, mas todos são desatentos. Crianças e adolescentes com TDAH podem apresentar mais problemas de comporta- mento, por exemplo, dificuldades com regras e limites. Em adultos, ocorrem problemas de desatenção para coisas do cotidiano e do trabalho, bem como com a memória (são muito esquecidos). São in- quietos (parece que só relaxam dormindo), vivem mudando de uma coisa para outra e também são impulsivos (“colocam os carros na frente dos bois”). Eles têm dificuldade em avaliar seu próprio comportamento e[o] quanto isso afeta os demais à sua volta. São frequentemente considerados “egoístas”. Eles têm uma grande frequência de outros problemas associados, tais como o uso de drogas e álcool, ansiedade e depressão. Quais são as causas do TDAH? Já existem inúmeros estudos em todo o mundo – inclusive no Brasil – de- monstrando que a prevalênciado TDAH é semelhante em diferentes regiões, o que indica que o transtorno não é secundário a fatores culturais (as práti- cas de determinada sociedade etc.), o modo como os pais educam os filhos ou resultado de conflitos psicológicos. Estudos científicos mostram que portadores de TDAH têm alterações na região frontal e as suas conexões com o resto do cérebro. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas no ser humano em comparação com 182 Transtornos de comportamento disruptivo outras espécies animais e é responsável pela inibição do comportamento (isto é, controlar ou inibir comportamentos inadequados), pela capacidade de prestar atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento. [...] A) Hereditariedade: Os genes parecem ser responsáveis não pelo transtorno em si, mas por uma predisposição ao TDAH. A participação de genes foi suspeitada, inicial- mente, a partir de observações de que nas famílias de portadores de TDAH a presença de parentes também afetados com TDAH era mais frequente do que nas famílias que não tinham crianças com TDAH. A prevalência da doença entre os parentes das crianças afetadas é cerca de 2 a 10 vezes mais do que na população em geral (isto é chamado de recorrência familial). [...] B) Substâncias ingeridas na gravidez: Tem-se observado que a nicotina e o álcool quando ingeridos durante a gravidez podem causar alterações em algumas partes do cérebro do bebê, incluindo-se aí a região frontal orbital. Pesquisas indicam que mães alcoo- listas têm mais chance de terem filhos com problemas de hiperatividade e desatenção. É importante lembrar que muitos desses estudos somente nos mostram uma associação entre esses fatores, mas não mostram uma relação de causa e efeito. C) Sofrimento fetal: Alguns estudos mostram que mulheres que tiveram problemas no parto que acabaram causando sofrimento fetal tinham mais chance de terem filhos com TDAH. A relação de causa não é clara. Talvez mães com TDAH sejam mais descuidadas e assim possam estar mais predispostas a problemas na gravi- dez e no parto. Ou seja, a carga genética que ela própria tem (e que passa ao filho) é que estaria influenciando a maior presença de problemas no parto. D) Exposição a chumbo: Crianças pequenas que sofreram intoxicação por chumbo podem apre- sentar sintomas semelhantes aos do TDAH. Entretanto, não há nenhuma necessidade de se realizar qualquer exame de sangue para medir o chumbo numa criança com TDAH, já que isto é raro e pode ser facilmente identificado pela história clínica. Transtornos de comportamento disruptivo 183 E) Problemas familiares: Algumas teorias sugeriam que problemas familiares (alto grau de dis- córdia conjugal, baixa instrução da mãe, famílias com apenas um dos pais, funcionamento familiar caótico e famílias com nível socioeconômico mais baixo) poderiam ser a causa do TDAH nas crianças. Estudos recentes têm re- futado essa ideia. As dificuldades familiares podem ser mais consequência do que causa do TDAH (na criança e mesmo nos pais). Problemas familiares podem agravar um quadro de TDAH, mas não causá-lo. Dicas de estudo Os vídeos disponíveis no site da ABDA sobre TDAH são bastante ilustrativos, trazendo dicas práticas de como atender a criança. Disponível em: <www.tdah. org.br/videos/videos01.php>. Você pode encontrar informações variadas, artigos entrevistas e resenhas sobre o tema no site: <www.psiqweb.med.br>. A Revista Brasileira de Psiquiatria traz vários artigos interessantes, em especial destacamos este por falar de comportamento antissocial: <www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S151644462000000600004>. Atividades Leia as frases s seguir: “Mas entre querer fazer e ser capaz de, a distância se mede pela disponibili- dade interna que caminha lado a lado com a tão almejada competência profis- sional” (p. 140). “O conhecimento dos conceitos teóricos, somente, [...], é suficiente para via- bilizar a operacionalização das atividades em sala de aula. Dificilmente sabere- mos o que fazer sem antes saber como essa criança funciona” (p. 140). “A essência está no professor que deve: 184 Transtornos de comportamento disruptivo � Ter conhecimento teórico atualizado sobre os transtornos do aluno. � Ter conhecimento prático sobre o aluno. � Estabelecer um canal de comunicação com o aluno. � Ter tolerância à frustração, persistência e consciência. � Trabalhar em parceria com a família do aluno.” (p. 141) (CAMARGO. Transtornos Invasivo do Desenvolvimento: Brasília: Corde, 2002.) 1. O texto acima traz que tipo de contribuição para a sua atuação com necessi- dades educativas especiais? Transtornos de comportamento disruptivo 185 2. Diferencie TDAH de TC. Maria de Fátima Joaquim Minetto Deficiência intelectual Como aprendemos? Uma questão para muitos educadores. Piaget (1978) nos diz que a aquisição do conhecimento acontece a partir de uma interação entre o sujeito e o objeto. A criança constrói seu conhecimento no contato com o ambiente e o meio social. Quando temos por objetivos conhecer a organização do conheci- mento e o processo de aprendizagem da criança especial, no intuito de aprimorá-la, precisamos inicialmente fazer um esclarecimento em relação à terminologia. O vocábulo sobre deficiência pode ser entendido, respec- tivamente, em inglês e espanhol como disability e discapacidad. Refere-se à condição da pessoa resultante de um impedimento (impairment, em inglês). O termo impairment pode, então, ser traduzido como impedimen- to, limitação, perda ou anormalidade numa parte (isto é, estrutura) do corpo humano ou numa função (isto é, funções fisiológicas) do corpo. De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), aprova- da pela 54.ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde em 22 de maio de 2001, as funções fisiológicas incluem funções mentais. O termo “deficiência intelectual” refere-se ao funcionamento cogniti- vo significativamente abaixo da média, e foi escolhido para este trabalho entre as diferentes terminologias utilizadas pela comunidade científica da área. Atualmente, quanto ao nome da condição, há uma tendência mundial (brasileira também) de usar o termo deficiência intelectual, para referir-se ao funcionamento do intelecto especificamente, e não ao fun- cionamento da mente como um todo, substituindo assim a terminologia deficiência mental. Por isso, quando você ler algum texto que apareça o termo deficiência mental saiba que ele é sinônimo de deficiência intelec- tual, termo esse mais atualizado. Um texto que usa o termo deficiência Deficiência intelectual e visual Vídeo 188 Deficiência intelectual e visual mental não perde seu valor, apenas quem o lê precisa entender que a deficiência atinge somente o desenvolvimento intelectual (SASSAKI, 2005). Compondo essa perspectiva, Piaget compreende o desenvolvimento inte- lectual em quatro grandes estágios ou períodos. Cada um destes, por sua vez, define um momento do desenvolvimento como um todo a partir do qual a criança constrói suas estruturas cognitivas. Esses estágios são: � o período sensório-motor, que inicia-se no nascimento e vai até os 2 anos; � o segundo período é chamado de pré-operacional, que vai dos 2 até os 7 anos; � o período operatório-concreto, que vai dos 9 aos 12 anos; � o período operatório formal, que inicia-se na adolescência (12 anos) e vai até a vida adulta. Entendemos que a teoria da epistemologia genética de Jean Piaget é, entre as propostas da atualidade, a que descreve de forma mais detalhada a cons- trução da inteligência da criança, podendo proporcionar inúmeras fontes de referência. Os estudos desse autor duraram mais de 40 anos, fornecendo-nos uma base segura de apoio teórico. Na visão construtivista do desenvolvimento dessa teoria, devemos levar em conta um contexto voltado para a construção das estruturas da inteligência no qual poderíamos obter respostas às indaga- ções que se seguirão. Piaget (1978) constatouque o conhecimento é construído durante as intera- ções da criança com o mundo. O desenvolvimento para esse autor depende dos seguintes fatores: as características biológicas, as transmissões sociais e os co- nhecimentos que a criança adquire a partir de suas relações com o meio. Todos os três fatores são insuficientes se os considerarmos de forma isolada. Eles pre- cisam estar em harmonia, mostrando coordenação entre si para que possamos explicar o desenvolvimento cognitivo. O marco significativo dos estudos sobre o raciocínio de deficientes intelectu- ais indiscutivelmente são centrados nos trabalhos de Barbel Inhelder, principal colaboradora de Piaget, autora de Le Diagnostic de Raisonnement Chez les Débiles Mentaux. Neste livro Barbel preocupa-se com o acabamento das estruturas de pensamento e com o processo de desenvolvimento do mesmo. A autora tinha a hipótese de que os atrasos no desenvolvimento cognitivo estão relacionados à impossibilidade das operações intelectuais (pensamento abstrato). Para com- Deficiência intelectual e visual 189 provação de sua hipótese, examinou 150 crianças aplicando nelas o método clínico de Piaget. Conclui que os estágios observados nas crianças normais ao resolver tarefas foram observados com impressionante regularidade, bem como nas pessoas com deficiência mental. O principal destaque das pesquisas realizadas por Inhelder foi comprovar que deficientes mentais pensam com lógica e raciocinam, mas só conseguem atuar com lógica quando os objetos estão apresentados de forma concreta, demons- trando que essas crianças só não têm acesso à lógica formal. Suas constatações revolucionaram as concepções sobre a deficiência mental. Em síntese, podería- mos dizer que as crianças com deficiência mental, entre elas as afetadas pela sín- drome de Down (SD), passam pelos mesmos estágios da criança normal, apenas com lentidão, o que essa autora chamou de “viscosidade genética”. Ainda po- deríamos incluir nas conclusões de Inhelder a necessidade de se fazer um diag- nóstico com base na análise genética dos mecanismos operatórios da criança. (FERREIRA, 1993, p. 14). Mantoan (1991) faz um estudo referenciando algumas pesquisas realizadas com crianças deficientes mentais, inspiradas em autores de concepção piage- tiana, como Inhelder (1943), Paour (1980), Weisz, Zigler e Yates (1982), que con- cluem que na deficiência intelectual não há quaisquer diferenciações estrutu- rais (diferença nas etapas do desenvolvimento, ou seja, passam pelas mesmas etapas que qualquer outra criança). A Psicogênese infantil ocorre para qualquer indivíduo independente do lugar onde vive, cor ou raça. Piaget diz que este é um processo universal, mas sabemos que atrasos em relação a idades podem ocorrer por fatores genéticos, como é o caso da síndrome de Down. Para que o desenvolvimento ocorra de forma satisfatória, a criança dependerá de determi- nantes básicos como explica Piaget: maturação, estímulos do ambiente, intera- ção social e tendências para o desequilíbrio. Piaget (1978) batizou de período sensório-motor o processo de início do desenvolvimento da inteligência. Se pegarmos como exemplo de deficiência mental a síndrome de Down (SD), poderíamos dizer que o bebê afetado por essa síndrome demonstraria um prejuízo desde o início de seu desenvolvimento. As trocas com o meio tão necessárias são de alguma forma prejudicadas, ocasio- nando uma interação deficitária, também apresenta falta de organização dos comportamentos adaptativos desde o período sensório-motor, como nos expli- ca (FERREIRA, 1993). Observa-se uma dificuldade de organizar seus esquemas de ação, prejudicando as relações espaciais, temporais e causais. Por isso, a constru- ção da realidade acaba ficando deficitária. 190 Deficiência intelectual e visual As considerações até aqui levantadas revelam que as crianças com SD pos- suem um desenvolvimento cognitivo igual às crianças normais de menos idade, mas em contrapartida apresentam um funcionamento deficitário. Para que a evolução cognitiva da criança com deficiência intelectual ocorra de forma me- lhorada é necessária a estimulação permanente. Piaget (1978) revela-se interacionista, considerando que o conhecimento é construído durante as interações da criança com o mundo. Interação é uma pa- lavra composta por dois afixos, “inter” e “ação”, ou seja, a ação da criança sobre o mundo e a ação do mundo sobre a criança. (SEBER, 1989, p. 15). Coll, Palacios e Marchesi (1995, p. 37) referem-se à interação ao dizer “a intera- ção constitui o núcleo da atividade, já que o conhecimento gerado, construído, ou melhor, dito co-construído, ou seja, construído conjuntamente, e exatamente porque produz interatividade entre duas ou mais pessoas que participam dele”. A interação social ocupa um lugar de destaque ao falarmos em construção do conhecimento, pois envolve relacionamentos sociais. A interação pode ocorrer de muitas formas e situações envolvendo crianças e crianças, crianças e adul- tos e o resultado dessas relações pode ser distinto. Interações podem promover conflitos e desequilíbrios cognitivos, como podem ser indiferentes para a crian- ça. Assim, cada situação de interação pode produzir resultados distintos, princi- palmente envolvendo a criança especial e sua interação social com o meio. Vygotsky (1988) também preocupou-se com as crianças especiais. Procurou compreender e definir a deficiência, discutindo aspectos socioculturais e emo- cionais. Ao pensar na gênese social do desenvolvimento também diz que as leis que regem o desenvolvimento da criança com deficiência intelectual são as mesmas que regem o desenvolvimento da criança sem deficiência. O autor vê o desenvolvimento insuficiente das funções psicológicas superiores. Para ele, o preconceito restringe as relações sociais, prejudicando as possibilidades de es- timulação, resultando num acúmulo de complicações cognitivas e emocionais que agravam a deficiência. Os estudos feitos por Vygotsky (1988) concluem que crianças deficientes mentais não são muito capazes de ter pensamento abstrato. Esse estudo é amplo e rico, mas poderíamos resumi-lo lembrando que as funções psicológi- cas se realizam de diversas formas, podendo, em nível de sua expressão exter- na, aproximar-se ou conduzir resultados iguais, mesmo que internamente nada tenham em comum. O fundamental está centrado na ideia de que essas funções psicológicas organizam-se por mediadores e têm um papel definitivo no desen- Deficiência intelectual e visual 191 volvimento da criança. De forma geral, as conclusões atestam alterações funcio- nais e não estruturais cerebrais. O funcionamento alterado pode ser melhorado pela intervenção adequada. As colocações de Mantoan (1991, p. 55) são bastante significativas: Já ficou claro que a inteligência dos deficientes evolui na medida em que se atua pedagogica- mente em duas frentes: a que se refere à solicitação do desenvolvimento das estruturas mentais e a que propicia uma melhoria de condições de funcionamento intelectual. Têm-se portanto de assegurar ao sujeito cognitivamente prejudicado uma ação concomitante de apoio e estimulação da construção de seus instrumentos intelectuais(estrutura mental) e de utilização mais ampla, adequada e eficiente dos mesmos na resolução de situações-problemas (funcionamento intelectual). A solicitação do meio é fundamental. Mesmo apresentando um quadro de deficiência mental, todos os indivíduos podem progredir cognitivamente. Muitos podem se alfabetizar, isso inclui crianças com síndrome de Down. Antigamente não se acreditava nisso, por isso não havia investimentos por parte dos profissionais. Hoje sabemos que o contexto precisa se organizar e, principalmente, acreditar. A educação de alunos com deficiência mental deve investir no desenvolvi- mento de todas as potencialidades, preparando-o para enfrentar o mundo que o cerca. Isso inclui o investimento na alfabetização e o cálculo. Estabelecer es- tratégias de açãoque estimulem a percepção, a discriminação, a motricidade, a autonomia, a comunicação etc., pois estas se constituirão em estruturações ne- cessárias para que as aprendizagens escolares possam revestir-se de significado para o aluno. Deficiência visual Muitos autores, como Gonzalez e Smith, consideram a definição de deficiên- cia visual como quantitativa. O termo deficiência visual refere-se a uma situação irreversível de diminuição da resposta visual, em virtude de causas congênitas ou hereditárias, mesmo após tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de óculos convencionais. A diminuição da resposta visual pode ser leve, moderada, severa, profunda (que compõem o grupo de visão subnormal ou baixa visão) e ausência total da resposta visual (cegueira). É considerada cegueira a acuidade visual de 6/60 ou menos no melhor olho com correção apropriada, e uma restrição do campo visual menor que 20 graus, caracterizando a “visão de túnel” (6/60 significa que a pessoa precisa de uma dis- tância de seis metros para ler o que normalmente leria a sessenta metros). 192 Deficiência intelectual e visual Segundo Gonzalez (2007), o indivíduo com baixa visão ou visão subnormal é aquele que apresenta diminuição das suas respostas visuais, mesmo após tra- tamento e/ou correção óptica convencional e uma acuidade visual menor que 6/18 à percepção de luz, ou um campo visual menor que 10 graus do seu ponto de fixação, mas que usa ou é potencialmente capaz de usar a visão para o plane- jamento e/ou execução de uma tarefa. A cegueira ou deficiência visual é um tipo de deficiência sensorial. As seque- las nos sistemas sensoriais trazem dificuldades de obter informações e, com isso, atrasos no desenvolvimento e aprendizagem. É importante ressaltar que atraso não significa que a pessoa cega tenha deficiência mental instalada, salvo aque- las que tenham outro quadro associado à cegueira que possa resultar em um deficit cognitivo. Alguns sinais apontam que a criança pode ser portadora dessa deficiência. São eles: � irritação constante nos olhos; � aproximação do papel junto ao rosto, quando escreve e lê; � dificuldade para copiar bem da lousa a distância; � olhos franzidos para ler o que está escrito na lousa; � cabeça inclinada para ler ou escrever, como se procurasse um ângulo me- lhor para enxergar; � tropeços frequentes por não enxergar pequenos obstáculos no chão; � nistagmo (olho trêmulo); � estrabismo (vesguice); � dificuldade de enxergar em ambientes muito claros. Existem vários tipos de distúrbios visuais, com causas e características distin- tas. É preciso considerar duas dimensões que são responsáveis pela diversidade dessa população: o momento do surgimento da deficiência e o grau da dimi- nuição da visão. Dessa forma encontramos sujeitos mais ou menos afetados. A perda ou diminuição da visão na maioria das vezes é irreversível, podendo acon- tecer por causas congênitas, hereditárias, adquiridas (acidentes, infecções, entre outras). Mesmo com a possibilidade de uma intervenção cirúrgica, tratamentos clínicos ou uso de óculos, as sequelas podem permanecer. Deficiência intelectual e visual 193 Segundo Smith (2008), podemos considerar que as principais causas são in- fecciosas, nutricionais, traumáticas e doenças como a catarata. Nos países desen- volvidos são mais importantes as causas genéticas e degenerativas. As causas podem ser divididas também em: congênitas ou adquiridas. � Causas congênitas – amaurose congênita de Leber, más-formações ocu- lares, glaucoma congênito, catarata congênita. � Causas adquiridas – traumas oculares, catarata, degeneração senil de mácula, glaucoma, alterações retinianas relacionadas à hipertensão arte- rial ou diabetes. A perda da visão também pode ser decorrente de ferimentos, traumatismos, perfurações e vazamentos nos olhos. Durante a gestação, doenças como rubé- ola, toxoplasmose e sífilis podem causar a deficiência na criança. Infecções em recém-nascidos também podem vir a provocar deficits visuais. Algumas doenças que ocorrem, na maioria das vezes, em adultos, se não forem tratadas, propi- ciam a ocorrência da deficiência. São elas: glaucoma, catarata, descolamento de retina, retinopatia, cegueira noturna. Vejamos algumas de suas características: � Glaucoma – é o aumento da pressão intraocular que se manifesta por dor de cabeça, olho vermelho e, se não tratado, pode produzir perda de visão a longo prazo. � Catarata – pode ser caracterizada como uma perda da transparência do cristalino, que causa distorção nas imagens ou impede a visão. � Degeneração macular – é a principal causa de deficiência visual no mun- do entre pessoas acima de 60 anos. A doença atinge a parte central da re- tina, responsável pela visão dos detalhes, mas não evolui para a cegueira. Sua causa é desconhecida, mas pode ser resolvida cirurgicamente com uso do laser ou por terapia fotodinâmica. � Retinopatia pigmentar – é a doença hereditária degenerativa da retina mais frequente em todo o mundo. O termo “retinopatia” quer dizer lesão da retina e “pigmentar” descreve o aspecto de pigmento encontrado na retina das pessoas afectadas. A retina é uma estrutura muito fina que re- veste o olho por dentro. Ela é constituída por vários tipos de células. As que recebem o estímulo luminoso são os fotoreceptores. Outras organi- zam essa informação e outras ainda servem de sustentação. Na retino- patia pigmentar, são os fotoreceptores que estão lesados. Existem duas qualidades de fotoreceptores, os cones, responsáveis pela acuidade visual 194 Deficiência intelectual e visual fina, dos pormenores da leitura, e pela visão das cores, e os bastonetes, responsáveis pela visão noturna e pela visão periférica. � Cegueira noturna – é causada pela deficiência da vitamina A, um micro- nutriente que desempenha papel essencial na visão, crescimento, desen- volvimento do osso, desenvolvimento e manutenção do tecido epitelial, processo imunológico e reprodução. Aproximadamente 90% da vitamina A do organismo é armazenada no fígado; o remanescente é armazena- do nos depósitos de gordura, pulmões e rins. A deficiência de vitamina A também causa ressecamento da esclera (parte branca) e córnea dos olhos, inflamação da pele (dermatite) e endurecimento das membranas muco- sas dos tratos respiratório, gastrointestinal e genito-urinário. O excesso da vitamina causa dor de cabeça, ressecamento da pele com fissuras, perda de cabelos, aumento dos ossos, do baço e do fígado, além de dor nas jun- tas. A vitamina A é encontrada em alimentos de origem animal (leite, ovos, fígado). Já os vegetais folhosos verde-escuros , vegetais e frutas amarelo- alaranjados possuem carotenoides, que são convertidos em vitamina A pelo organismo. A deficiência visual pode se caracterizar por: � Visão subnormal ou baixa visão: � diminuição da capacidade visual – leve, moderada, severa ou profunda. � Ausência total da visão. Assim, dependendo da intensidade da perda visual, o desenvolvimento e a aprendizagem podem estar proporcionalmente comprometidos. Em função disso, o tato é a função sensorial mais importante para a pessoa cega. Coll (1995) diferencia tato passivo de tato ativo. O tato passivo consiste na informação re- cebida de forma não intencional, como o toque da roupa que usamos, calor, frio etc. O ativo, há uma intenção em sentir, em obter uma informação. Por isso en- volve não somente os de pele, mas também os receptores dos músculos e todo o sistema perceptivo. Pelo uso frequente e pela importância desse tipo de tato ativo para a construção do real, acaba potencializado. Deficiência intelectual e visual 195 Durante os primeiros meses de vida, o desenvolvimento do bebê cego é igual a de um outro bebê vidente. Pois nessa fase inicial as ações são basicamente re- flexas. Mas o período sensório-motor depende exclusivamente da exploração do meio e da ação motora da criança. As pesquisas apontam um desenvolvimento mais lentoda aquisição das noções de objeto permanente, espacialidade, cau- salidade física e temporalidade, mas todas essas noções podem se organizar em um tempo maior se houver uma boa estimulação do meio. Já na idade escolar entre 6 e 12 anos, os estudos de Hatwell (In: Coll, 1995) apon- tam de forma geral que as crianças com cegueira total apresentavam um atraso de 3 ou 4 anos na aquisição das operações concretas, mas o autor salienta que nas tarefas com base verbal o rendimento é bastante próximo ao de outras crianças. A representação mental acontece a partir da capacidade imitativa, da mani- festação da imagem mental pelo desenho, jogo simbólico e pela linguagem. Em função disso, a criança cega precisa de um incentivo em relação à linguagem e diferentes estratégias de estimulação para compensar sequelas das demais ca- pacidades que possam estar privadas. Ao longo do tempo as crianças cegas vão adquirindo capacidade de organi- zar o real através de “atos interiorizados”, construindo uma imagem mental de forma flexível, lógica e coordenada. Bautista (1997, p. 326) afirma que as crianças cegas em relação às visuais apresentam maior defasagem em tarefas de tipo figurativo perceptivo do que as de caráter linguísticos. A principal causa desse atraso está centrada na forma sensorial de recolher a informação: “a percepção tátil e a aptidão natural. Essa modalidade perceptiva não lhes permite atingir um nível semelhante ao dos normovisuias até os 11 ou 14 anos, em tarefas relacio- nadas com as operações concretas”. Todas as alterações que podem se atrelar ao desenvolvimento do deficiente visual afetam a aprendizagem escolar. Se não atendermos estes precocemente e permanentemente, teremos um atraso escolar cada vez maior. A ação educativa deve estar dirigida à ênfase de estratégias ou técnicas específicas para a estimu- lação visual, a orientação e a mobilidade. Investindo na autonomia, atividades de vida diária, leitura e escrita e cálculo, com materiais específicos e adaptados que ampliem a imagem visual com um reforço em determinadas áreas do currí- culo sempre que necessário. 196 Deficiência intelectual e visual Texto complementar Você sabe o que é um optometrista? (SACI, 2009) Uma curiosidade importante: é um prestador de serviços de saúde que envolve-se exclusivamente com a refração visual. Esses profissionais são es- pecificamente educados e habilitados em uma Faculdade de Optometria, mas sem terem cursado medicina. Aprendem a fazer a refratometria, ou seja, ficam capacitados apenas para encontrar o erro de refração (grau) e pres- crever a correspondente correção óptica (óculos). Dessa forma, devem en- caminhar ao oftalmologista todos os examinados que apresentarem outros problemas no sistema visual. O que é refração visual? É um exame médico habitual que ajuda os oftalmologistas a descobrir qual o grau das lentes que o paciente precisa usar em seus óculos. Existe alguma lei em tramitação no Congresso Nacional para aprovar a optometria como atividade independente da oftalmologia e aberta a profissionais sem formação médica? Não, o que existe são iniciativas judiciais de alguns setores do comércio óptico tentando exigir o reordenamento da legislação. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a maioria dos oftalmologistas têm combatido essas iniciativas com todas as armas legais disponíveis. É possível obter mais infor- mações no site: <www.cboobrasil.com.br/legislacao.htm>. O que é distúrbio de refração? Os raios luminosos atravessam os meios transparentes do olho (córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo), possibilitando a chegada dos es- tímulos visuais até a retina e a formação de uma imagem nítida. A isso cha- mamos de refração. Quando o olho não consegue formar sobre a retina a imagem nítida dos objetos, dizemos que há um distúrbio, vício ou anomalia de refração, que pode ser: hipermetropia, miopia ou astigmatismo. Deficiência intelectual e visual 197 O que é ambliopia? É a baixa de visão, mesmo usando óculos e com as estruturas oculares nor- mais. O olho amblíope não teve o desenvolvimento normal da visão. Também é conhecido como “olho preguiçoso”. Se durante a idade de maior desenvolvi- mento da visão, que é até aproximadamente 7 anos, ocorrerem alterações que impedem o foco de imagens nítidas na retina, o olho não amadurece a visão. As alterações que levam à ambliopia, com mais frequência, são o estrabismo, os erros de refração (anisometropia) e a catarata congênita. O que é presbiopia? É uma alteração da visão associada ao envelhecimento. Nesse distúrbio, existe uma maior rigidez do cristalino (órgão do olho que é responsável pela acomodação visual, ou seja, a propriedade que permite enxergar objetos próximos e distantes), que acarreta dificuldade para ver objetos próximos. O que é descolamento de retina? A retina é a parte do olho responsável pela captação do estímulo lu- minoso, transformando-o em estímulo elétrico, que é levado até o cé- rebro pelo nervo óptico. Quando a retina está descolada, o cérebro não recebe as imagens captadas pela retina e o paciente deixa de enxergar. O descolamento de retina pode ser regmatogênico (por um “rasgo” na retina), tracional (membrana que “puxa” a retina) ou exsudativo (por um líquido que flui da retina). São várias as causas de descolamento de retina. As principais são: trauma, diabete, alto grau de miopia, inflamação e tumores. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 135 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum grau de perda da visão. Devido ao aumento da expectativa de vida, esse número pode dobrar nos próximos 20 anos ao menos que medidas preventivas sejam adotadas. Ainda não há um consenso sobre a definição de baixa visão. Ela está compreendida entre 5% a 30% da visão normal mesmo após o tratamento da causa ocular ou cerebral que provocou essa perda e atinge principalmente crianças e idosos. A lesão é irreversível, porém a pessoa que tem baixa visão pode receber um tratamento onde a sua visão será melhorada pelo uso de lentes especiais. Algumas pesso- as conseguem atingir de 50 a 60% da visão normal quando realizam determi- nadas tarefas como a leitura pelo uso destes recursos. O atendimento oftalmo- lógico completo deve incluir o diagnóstico e o tratamento da baixa visão pois a orientação do especialista pode evitar a “cegueira desnecessária”. [...] 198 Deficiência intelectual e visual Dicas de estudo Uma leitura indispensável, sem dúvida, é sobre o que diz a Associação Ameri- cana de Deficiência Intelectual (AAMR), a última atualização foi em 2002, mas vem sendo acatada no mundo todo até hoje. O site abaixo faz uma boa descrição do assunto. Disponível em: <http://images.jbarbo00.multiply.com/attachment/0/ SEHPvQoKCBkAABr6Bn01/DEFMENTALaamr.pdf?nmid=98808924>. Recomenda-se a leitura do artigo “Um olhar sobre a cegueira”. Disponível em: <www.ibc.gov.br/?itemid=94>. Sites: <www.fundacaodorina.org.br>. <www.entreamigos.com.br/textos/defvisu/inbadev.htm>. <www.drauziovarella.com.br/entrevistas/dvisual.asp>. Atividades 1. O que a citação de Mantoan (1991, p. 55) nos diz? “ Já ficou claro que a inteligência dos deficientes evolui na medida em que se atua pedagogicamente em duas frentes: a que se refere à solicitação do desenvolvimento das estruturas mentais e a que propicia uma melhoria de condições de funcionamento intelectual. Têm-se, portanto, de assegurar ao sujeito cognitivamente prejudicado uma ação concomitante de apoio e esti- mulação da construção de seus instrumentos intelectuais (estrutura mental) e de utilização mais ampla, adequada e eficiente dos mesmos na resolução de situações-problemas (funcionamento intelectual).” Deficiência intelectual e visual 199 2. O livro a seguir apresenta, de forma bastante lúdica e ilustrada, a história de uma professora chamada Sofia que, no início do ano, apresenta a seus alu- nos novos colegas que farão parte da turma e suas necessidades específicas. Esta coleçãoé bastante interessante, pois apresenta junto com o livro um vídeo com sugestões. Embasados na leitura que vocês fizeram do texto e nas observações deste livro, escrevam o que seria necessário para a inclusão do aluno cego na sua escola, de forma a atender as diversidades de sua apren- dizagem. Lembramos que o livro divide as orientações com relação à criança cega em dois grupos: os cegos e os com visão subnormal. Aqui veremos ape- nas o aluno com cegueira total. 200 Deficiência intelectual e visual Você tem aqui algumas dicas para trabalhar melhor com a pessoa com deficiência visual! (TURRA; MARTINES; PINTO, 2002) � Ao receber o aluno cego, a escola já deve- rá ter em mãos o laudo oftalmológico, com orientações médicas. � Ao chegar na escola, o aluno cego deverá fa- zer o reconhecimento total do espaço físico antes de iniciar as atividades educacionais. � O cego necessita do método Braille (ou Brailie, criado por Luis Braille – 1809-1852 – e que consiste num sistema de escrita em relevo) para ler, escrever e contar. � Existem alguns recursos instrucionais: a máquina de Braille e o reglete de mesa e de bolso que, com o auxílio do perfurador, produz a escrita manual em Braille; a máquina de escrever com tipos ampliados, o sorobã (para cálculos) e, mais recentemente, o cego pode fazer uso do compu- tador. � O aluno poderá frequentar, no período contrário ao da escola regular, um centro especializado ou receber na escola um professor itinerante, que o ajudará na realização de tarefas escolares. � Antes de ajudar a criança cega, pergunte se ela necessita de auxílio. � Quando falar com o aluno cego, use tom e velocidade normais de voz. � Trate seu aluno com o mesmo carinho e respeito que você trata uma pessoa que enxerga. � Não exclua seu aluno cego das atividades em grupo, nem procure mi- nimizar tal participação. IE SD E Br as il S. A . Após observar os desenhos e a explicação, faça um levantamento da utilida- de destes para a prática pedagógica com o aluno cego. Deficiência intelectual e visual 201 � Para o registro das explicações do professor, uma dica para o aluno cego é que o mesmo utilize um gravador para gravar as aulas explica- tivas para depois estudar em casa. Alfabetos e números Braille Os seis pontos da unidade Braille são organizados e numerados do seguinte modo: 1 4 2 5 3 6 (T U RR A ; M A RT IN ES ; P IN TO , 2 00 2) O sinal da letra maiúscula, ponto 6, colocado antes de uma letra, a torna maiúscula. O sinal de número, pontos 3, 4, 5, 6, colocado antes de um carac- tere, o transforma em número e não em letra. y q 1 a 9 i t 4 d l Letra maiúscula u 5 e m s 3 c k Z r 2 b 0 j Sinal de número v 6 f n Ponto final w 7 g o Vírgula x 8 h p (T U RR A ; M A RT IN ES ; P IN TO , 2 00 2) 202 Deficiência intelectual e visual A escrita Braille é um outro acréscimo ao currículo das crianças cegas. É ensinada depois da leitura. Há vários instrumentos para escrever os símbo- los, sendo o mais fácil e mais rápido a máquina de escrever Braille ou máqui- na de escrita Braille. Ela tem seis teclas, que correspondem a cada um dos seis pontos da unidade. Um bom datilógrafo Braille pode bater de 40 a 60 palavras por minuto O Braille também pode ser escrito à mão, utilizando-se uma plaqueta e um estilete que permitem que a criança faça as perfurações numa unidade Braille padrão. Deficiência intelectual e visual 203 Maria de Fátima Joaquim Minetto Há caminhos com mil léguas de distância, mas todos começam com um passo. Autor desconhecido Deficiência física Quando falamos em deficiência física, precisamos ter em mente que existe uma vasta gama de condições que podem acometer um sujeito, por motivos diferentes. Assim, uma deficiência motora pode ir desde a ausência de um membro até um funcionamento inadequado de uma das partes decorrente de lesões diferentes, como alterações neurológicas, neuromusculares, orto- pédicas ou adquiridas. Muitas vezes, não percebemos, mas a própria fala é uma execução motora, que por diferentes lesões neurológicas pode ser afe- tada. Segundo Gonzalez (2007), Smith (2008), entre outros, a deficiência física refere-se ao comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema ósteo-articular, o sistema muscular e o sistema nervoso. Os dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que em tempos de paz, 10% da população de países desenvolvidos são constituídos de pessoas com algum tipo de deficiência sendo que 20% seriam pessoas que têm deficiência física. O destaque foca para o fato de que apenas 2% deles têm acesso a atendimento especializado, público ou privado. No conjunto de etiologias (fatores que podem gerar deficiência física), podemos encontrar: � fatores genéticos; � fatores virais ou bacterianos; � fatores neonatais; � fatores traumáticos (especialmente os medulares, normalmente causados por acidentes ou violência urbana). Deficiência física e auditiva Vídeo 206 Deficiência física e auditiva Smith (2008, p. 264) apresenta um quadro que resume um diagrama que or- ganiza e categoriza as condições que podem resultar em alterações físicas e ne- cessidades de cuidados com a saúde: Condições que resultam em: DEFICIÊNCIAS FÍSICAS NECESSIDADES DE CUIDADOS ESPECIAIS COM A SAÚDE DANOS NEUROMOTORES * Paralisia cerebral * Esclerose múltipla * Distrofia muscular * Poliomelite * Distúrbios convulsivos * Distúrbios da medula * Espinhal DOENÇAS CRÔNICAS * Asma * Doenças sanguíneas * Câncer infantil * Defeitos cardíacos * Fibrose cística * Diabetes CONDIÇÕES ÓSSEAS E MUSCULARES * Artrite juvenil * Deficiência dos membros * Distúrbios ósseos DOENÇAS INFECCIOSAS * Hepatite * HIV/aids * Infecções congênitas Conforme o esquema representado, para cada segmento corporal afetado teremos um tipo de lesão específica. A literatura apresenta uma nomenclatura que ajuda a caracterizar cada caso. Vejamos: � Paralisia cerebral Pode se caracterizar por diferentes quadros clínicos. Em todos os casos, há algum tipo de alteração do sistema nervoso em virtude de lesões ce- rebrais. Os problemas motores que observamos nos indivíduos não são problemas originados nos membros (pernas, braços, outros), mas sim, disfunções cerebrais que impedem que o movimento aconteça de forma adequada. A pessoa pode ter alterações do tônus (força muscular sem controle), da coordenação motora (o movimento em si), ou ainda conti- nuar apresentando reflexos que geralmente somem no primeiro ano de vida de uma criança. As causas mais comuns são prematuridade (o bebê nasce antes da hora e seu cérebro ainda não tem condições de oxigenar todas as partes de forma eficiente, resultando em sequelas), anóxia ou Deficiência física e auditiva 207 hipóxia perinatal (sem oxigenação ou com pouca oxigenação na hora do nascimento em função de um parto demorado ou outros), desnutrição materna, rubéola, toxoplasmose, trauma de parto, entre outras. � Lesão medular Consiste em uma lesão ou má-formação que atinge a coluna vertebral em lugares variados. Conforme a localização do trauma, mais acima da colu- na ou mais abaixo, o grau de comprometimento motor varia. Precisamos pensar que é através da coluna vertebral que o cérebro envia as mensa- gens para a execução do movimento. As causas mais comuns são aciden- tes automobilísticos, quedas, ferimentos, infecções, entre outras. � Espinha bífida (ou mielomeningocele) Essa alteração motora resulta de uma má-formação congênita da coluna, ocorre quando o feto ainda está em formação na barriga da mãe. Hoje os exames de pré-natal já identificam e existem muitas formas de tratamento dependendo da intensidade da lesão. A principal consequência é a paralisia de membros (quanto mais alta na coluna for a localização da lesão maior será o comprometimento, que pode ir desde uma dificuldade de locomoção até a impossibilidadede andar, incluindo a dificuldade de controle de esfíncteres). As causas são genéticas, ou seja, na formação do embrião ocorre o acidente genético. No entanto há uma grande parte dos afetados por essa patologia que tem como fator a hereditariedade (outros casos na família). � Distrofia muscular progressiva Há casos mais raros em que a criança adquire o movimento com precisão, mas aos poucos vai tendo perda progressiva dos mesmos. Esses casos são de etiologia (origem) desconhecida, mas considerados como doença he- reditária (já existindo outros casos na família). � Amputações Consistem em casos que a execução motora fica prejudicada pela necessi- dade da retirada parcial ou total de um dos membros, em função de infec- ções, acidentes, alterações metabólicas, câncer. O que foi exposto acima são apenas grupos principais, ainda encontramos pessoas que apresentam lesões motoras em função de sequelas de queimadu- ras, quando a pele perde a elasticidade e impede o movimento, e casos de com- posição múltipla. 208 Deficiência física e auditiva A paralisia cerebral é um termo muito usado, e certamente o professor irá se deparar com ele, por isso requer uma atenção maior. Segundo Souza (1994), Gonzalez (2007), Smith (2008), entre outros, paralisia1 ou paresia2 pode ser entendida como uma disfunção ou interrupção dos movi- mentos de um ou mais membros, incluindo os superiores ou inferiores ou ambos. Quando há uma debilidade do movimento, pouca força muscular, o diagnóstico aponta paresias; ainda podem ocorrer casos mais brandos com pouco compro- metimento da força muscular que são chamados de semiparesias. Para identificar precocemente a deficiência física, se há deficiência motora, é preciso observar sinais de alerta. No bebê é preciso observar o atraso no desen- volvimento neuropsicomotor, como: � não firmar a cabeça; � não sentar; � não falar (lembrando que a fala tem um aspecto motor). Se for constatado que há um atraso no desenvolvimento dos aspectos acima citados, é preciso buscar uma avaliação mais detalhada com neuropediatra, que irá solicitar exames que possam conduzir a um diagnóstico o mais cedo possível. Já na criança maior ou adulto, os sinais de alerta incluem a observação da perda ou das alterações dos movimentos, da força muscular ou da sensibilidade para mem- bros superiores ou membros inferiores; além da identificação de doenças infectocon- tagiosas e crônico-degenerativas; controle de gestação de alto-risco, entre outros. Segundo vários autores como Souza (1994), Gonzalez (2007), Smith, (2008), entre outros, conforme a área corporal afetada pode-se ter uma classificação: Área do corpo afetada Nomenclatura Um membro afetado (braços/mão ou pernas/pé) Monoplegia Os dois membros superiores afetados (mãos e braços) Diplegia Os dois membros inferiores afetados (pernas e pés) Paraplegia Os membros de um mesmo lado do corpo, um hemicorpo afetado (o lado direito ou esquerdo) Hemiplegia Três membros afetados Triplegia Os quatro membros afetados (braços/mãos e pernas/pés) Tetraplegia ou Quadriplegia 1 Perda da capacidade de movimento voluntário de um músculo, originada por problema neurológico. Privação de sensibilidade sensorial parcial ou generalizada. (Dicionário Eletrônico Houaiss, 2008) 2 Perda parcial da motricidade. (Dicionário Eletrônico Houaiss, 2008) Deficiência física e auditiva 209 É fundamental destacar que uma criança ou adulto com deficiência física ou paralisia cerebral não necessariamente terá atraso cognitivo. Em muitos casos, há comprometimento motor e não intelectual, em outros temos múltipla de- ficiência, ou seja, deficiência física e deficiência intelectual no mesmo sujeito. Para que o desenvolvimento ocorra com qualidade o acompanhamento in- terdisciplinar é muito importante, incluindo fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia. A reabilitação de crianças com deficiências físicas Em função da diversidade de sequelas, geralmente podemos ter vários pro- fissionais envolvidos nos cuidados com a criança portadora de deficiência física. A equipe de reabilitação, normalmente, é composta por neuropediatra, ortope- dista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, oftalmologista, psicólogo, pedagogo, mu- sicoterapeuta e terapeuta ocupacional, e tem papel fundamental no tratamento da criança com paralisia cerebral. Segundo Nickel (2001), de maneira geral, a fisioterapia tem por objetivo dar condições à criança de realizar posturas e padrões normais de movimento. A fonoaudiologia está ligada a aspectos da comunicação (fala e audição) e da ali- mentação (sucção, mastigação, deglutição) dessas crianças. E a terapia ocupacio- nal trabalha voltada à realização de atividades de vida diária e vida prática, com ênfase no uso dos membros superiores e utilização de adaptações necessárias para realização dessas atividades. Independentemente do tipo da lesão física, o importante no tratamento diz respeito ao atendimento precoce. Bobath (1993) diz que, quando a criança é trabalhada desde cedo no servi- ço de reabilitação, os resultados da intervenção aparecem mais rapidamente e evitam padrões motores e posturais que muitas vezes levam a graves encurta- mentos musculares e deformidades osteoarticulares. Há poucos estudos sobre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem da criança portadora de deficiência física (DF). Mantoan (1996), pesquisadora dessa área, chama a atenção sobre a falta de conhecimento que temos sobre o desen- volvimento cognitivo da criança com deficiência e, sobretudo, da importância desse conhecimento para melhor adequar a metodologia de ensino às dificul- dades apresentadas por elas. Autores como Mantoan e Shakespeare (1977) afirmam que esse aluno em es- pecial tem sua aprendizagem de forma mais lenta, mesmo na ausência de retar- 210 Deficiência física e auditiva do intelectual ou quando a deficiência física é moderada. A falta de experiências ambientais é um fator interferente. Os autores salientam casos em que há uma deficiência mental “circunstancial”, que leva o indivíduo a estar deficiente por determinantes sociais, afetivos, culturais, escolares, entre outros. Na prática, em sala de aula, encontramos uma grande dificuldade em adap- tar os meios e materiais de ensino à criança portadora de paralisia cerebral. No processo de inclusão temos que estar atentos à falta de condições da escola, à falta de professores aptos a lidar com as necessidades especiais, bem como em relação ao excesso de alunos em sala de aula. Acreditamos que há necessidade de um empenho em se entender o desenvolvimento cognitivo da criança porta- dora de deficiência física, nas suas diversas especificidades. Há muitos casos em que não se tem nenhuma alteração cognitiva, mas como citamos acima, a falta de condições pode de alguma forma impedir seu aprendizado. Por entender que professores e psicólogos encontram uma grande dificul- dade em organizar o aspecto motor da criança quando se trata da realização de uma tarefa, é fundamental, para se organizar metodologias de ensino adequa- das a elas, existir um trabalho conjunto entre os profissionais da reabilitação e os profissionais responsáveis pela educação dessas crianças. Em resumo, antes de iniciarmos o processo de inclusão de uma criança com deficiência física, precisamos observar qual o seu diagnóstico e quais as suas necessidades primordiais para locomoção e execução. A partir daí, podemos considerar a diversidade de cada caso. Com relação ao: � Espaço físico – procurar fazer as adaptações necessárias ao espaço físico da escola, incluindo banheiros, pátios, rampas, carteiras especiais, mate- riais adaptados para a educação física etc. � Material de apoio pedagógico – usar fita crepe para prender a folha de papel sempre que a criança não tiver controle de seus movimentos. Lápis maiores e linhas com espaçamento mais largo, se a letra não acompanhar o espaço padrão. � Currículo – procurar seguir o currículo regular, principalmentese não houver um atraso mais significativo, introduzindo adaptações e atenden- do às particularidades de cada caso. � Autonomia – investir na autonomia do aluno, evitando ao máximo que este dependa de outros para se locomover no contexto escolar. Por exem- plo, ser carregado para entrar ou sair de sala de aula. Deficiência física e auditiva 211 Deficiência auditiva Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), podemos considerar que uma pessoa é surda quando não consegue perceber sons, mesmo que com ajuda de apa- relhos. González (2007) faz um resumo das definições mais aceitas na atualidade, dizendo que surdo é aquele cuja a perda auditiva impossibilita o processamento da informação pela audição. O mesmo autor descreve a deficiência auditiva como a incapacidade de perceber sons, que pode ir desde um nível médio ao profundo. Para efeitos de escolarização, as crianças com deficits auditivos são classifica- das em duas categorias: � Hipoacúsicos – o termo hipo significa pouco, assim pode-se entender que hipoacúsicos são crianças que têm rebaixamento auditivo, influenciando na estruturação da linguagem. Esses alunos se usarem um aparelho audi- tivo podem ter uma escolarização normal, desenvolvendo a linguagem oral por via auditiva. � Surdos profundos – refere-se a criança que não tem nenhum resquício auditivo, apresenta perda auditiva total. O uso de aparelhos ou próteses não traz nenhum tipo de benefício. A criança surda não tem possibilidade de desenvolver a linguagem oral por via auditiva. Quanto às hipoacústicas, classificam-se em: � Grau da perda auditiva – o quanto a pessoa escuta é calculado em fun- ção da intensidade necessária para amplificar um som de modo que seja percebido pela pessoa surda. � Localização – se afetar o ouvido externo ou médio é denominada deficiên- cia de transmissão, ou condutiva. Nos casos em que a lesão acontece no nervo auditivo, é denominada deficiência sensorial. González (2007, p. 122) apresenta um quadro com níveis de deficiência auditiva: Nível Intensidade Implicações 0/25dB Insignificante 25/40dB Leve perda auditiva Pode haver dificuldades com sons fracos ou distantes. Podem ocorrer problemas de conversação, grupos ou lugares com muito barulho ambiental. 40/60dB Moderada perda auditiva Há frequente dificuldade com palavras normais, principalmente em conversa- ções e discussões em sala de aula. 212 Deficiência física e auditiva Nível Intensidade Implicações 60/90dB Severa perda auditiva Há grande dificuldade com cada palavra alta ou amplificada, que parece fraca ou deformada. Requer amplificação e trei- namento de palavras de linguagem. 90dB + Profunda perda auditiva (surdo) Pode haver consciência de sons altos e vibrações, mas geralmente não é possí- vel compreender cada palavra amplifi- cada. Com o avanço tecnológico aumentaram muito os conhecimentos em relação a surdez facilitando a comunicação ouvinte/surdo e, principalmente, a inclusão. Hoje, sabe-se que uma pessoal surda não tem deficiência intelectual, e se ela apresenta atraso no desenvolvimento é possível que tenha havido pouco estí- mulo e atendimento adequado. Uma pessoa pode se tornar deficiente auditiva (surda) por duas causas: � Origem congênita – é consequência de problemas durante a gravidez como viroses ou infecções maternas, como sífilis, toxoplasmose, citomega- lovirus, herpes, entre outras. Pode também ser provocada por algum tipo de intoxicação medicamentosa. Ou pode ser de ordem genética hereditária. � Origem adquirida – são os casos em que o bebê tem infecções por viro- ses, como a meningite, nos casos de icterícia prolongada ou, ainda, o uso de medicações. Para o diagnóstico é necessário levar em conta as condições do contexto e a finalidade da avaliação. A avaliação clínica inclui uma audiometria, exame que identifica o grau da perda auditiva, a necessidade ou possibilidade de uso de próteses, além da análise dos aspectos comunicativos e linguísticos. Essa avalia- ção permitirá organizar um tratamento mais efetivo, oferecendo à escola dados suficientes para que possa ser analisada a necessidade ou não de adaptação do currículo, que deve ser feita por uma equipe interdisciplinar. Vale ressaltar que se deve levar em conta as características da escola que deve estar flexível às adap- tações necessárias. Ainda em alguns casos é necessária uma avaliação psicológi- ca para ver quanto a pessoa está adaptada ao meio. Para o professor perceber se algum aluno tem possibilidade de ter perda au- ditiva, ele precisa observar os seguintes sintomas: � excessiva distração, às vezes com hiperatividade; � frequentes dores de ouvido; Deficiência física e auditiva 213 � dificuldade de compreensão; � intensidade da voz, inadequada para a situação, muito alta ou baixa; � quando a pronúncia dos sons é incorreta. Como podemos constatar, muitas pessoas com deficiências físicas, visuais e também surdas não apresentam deficits cognitivos. No entanto, mesmo assim necessitamos de estratégias de ação específicas no processo de escolarização para viabilizar suas aprendizagens. Há necessidade de se considerar suas parti- cularidades e diversidades na aquisição do conhecimento. Muitos estudos evidenciam que crianças surdas constituem um grupo relati- vamente homogêneo, cuja variabilidade individual é semelhante a das crianças ouvintes com as quais são comparadas. Jimenez et al. (In: BAUTISTA, 1997) diz que a maioria dos professores que tiveram que se defrontar com a educação desses alunos sentiram que possuíam ideias erronias sobre o processo de apren- dizagem dos mesmos. Para os autores, a falta de condições mínimas educativas e o desconhecimento são sérios agravantes. Contudo, para Coll (1995), há diferenças significativas, já que existem muitos subgrupos dentro do grupo de crianças surdas e as diferenças entre eles são, às vezes, maiores que as encontradas entre os surdos e os ouvintes. São quatro as variáveis mais significativas na evolução dos surdos: o nível de perda auditiva, a idade do início da surdez, sua etiologia e os fatores educa- cionais e comunicativos. Um fator de variabilidade importante está em considerarmos a etiologia da surdez. Primeiramente, a relação com a idade da perda auditiva, com possí- veis distúrbios associados, com a reação emocional dos pais, e possivelmente, também, com o desenvolvimento intelectual. Apesar de um terço das pessoas surdas não terem a origem de sua surdez diagnosticada com exatidão, existem dois grandes tipos de causas que se apresentam: a hereditária e a adquirida. Os estudos realizados apontam a proporção da surdez hereditária entre 30 e cerca de 50%. A surdez adquirida está associada, na maioria das vezes, a proble- mas como anoxia perinatal, incompatibilidade de Rh ou rubéola, lesões variadas (COLL, 1995). As pessoas surdas têm inteligência normal, a não ser que apresentem outra patologia associada que possa de certa forma afetar seu desenvolvimento cog- nitivo. No entanto, como no caso das crianças cegas, durante os primeiros anos de vida acabam apresentando alguma lentidão. No caso específico da crian- 214 Deficiência física e auditiva ça surda, esse atraso fica restrito à imitação e à emissão vocal. Já a sequência de aquisições dos diferentes conceitos envolvendo operações concretas, nos surdos, é a mesma das pessoas ouvintes, existindo uma defasagem temporal entre ambos, que é maior quanto mais complexas forem as operações lógicas envolvidas. Coll (1995) explica que a maioria das investigações sobre o desenvol- vimento cognitivo das crianças surdas foram realizadas nos anos 1970, embasa- dos na Epistemologia Genética, nos oferecendo uma imagem bastante comple- ta da aquisição das operações concretas e das operações formais e, em menor grau, do desenvolvimento sensório-motor e simbólico. Ele salienta que o pensamento hipotético-dedutivo dos surdos demonstra uma tendência a estar mais vinculado àquilo que é diretamente percebido,mais concreto e com menor capacidade de pensamento abstrato. Existem diferentes modelos e diferentes interpretações sobre como ocorre o desenvolvimento cog- nitivo dos surdos. Pode-se, até mesmo, dizer que há diferentes abordagens ao conceito de pensamento e de conhecimento e, por esse motivo, o estudo de sua evolução pode incluir dimensões muito diferentes. A comunicação é o meio de transmissão da informação e a principal forma de condução da aprendizagem. Nos estudos da linguagem e da comunicação, ressaltam-se a importância do conhecimento das intenções do ouvinte e das regras conversacionais para estabelecer um dialogo significativo. Para isso há necessidade de aceitação mútua de normas implícitas, de contextos compar- tilhados e de informações aceitas, incluindo o conhecimento das intenções do falante, e de que devem ser interpretadas pelo ouvinte, por meio de dados con- textuais ou expressivos. Coll (1995) resume enfoques teóricos e suas pressuposições com relação ao desenvolvimento cognitivo das crianças surdas. No entanto, os estudos reali- zados a partir desses modelos são ainda muito escassos e, por esse motivo, as reflexões expostas a seguir devem ser consideradas mais como interferências razoáveis do que teses confirmadas. As primeiras limitações na evolução intelectual das crianças surdas manifes- tam-se em suas expressões simbólicas, não somente na aquisição do código lin- guístico oral, mas também em outras formas como o jogo simbólico. Um estudo longitudinal bastante sugestivo foi realizado por Gregory e Mogford (1981, In: COLL, 1995). A autorregulação e o planejamento da conduta, a capacidade de antecipar situações e o controle executor dos próprios processos cognitivos são dimensões em que a linguagem ocupa um papel prioritário e em que, conse- quentemente, os surdos manifestam maiores atrasos e dificuldades. Deficiência física e auditiva 215 Marchesi (In: COLL, 1995) analisou o estilo cognitivo reflexivo ou impulsivo das crianças surdas. Concluiu que as crianças que adquiriram a linguagem dos sinais desde pequenas têm uma maneira mais reflexiva de enfrentar problemas que as crianças surdas que somente se defrontam com a linguagem oral e que ainda não a internalizaram suficientemente. A aquisição de conhecimentos está muito relacionada à capacidade de receber informação, que por sua vez é trans- mitida através de diferentes meios de comunicação: diálogo, livros, cinema, TV, rádio, imprensa etc. e aos problemas na comunicação oral, e no domínio da lin- guagem. Estende-se também, a leitura de textos escritos, e por este motivo a redução da informação é bastante significativa. A escola precisa oferecer ao surdo mais do que um lugar onde se adquirem conhecimentos. A escola é o local onde todos aprendemos a conviver com o grupo social, buscando atender à diversidade de aprendizagem em cada caso. Há formas distintas de se trabalhar com a criança surda, mas basicamente po- demos nos concentrar em duas: a oralista e a gestual. O sistema oralista baseia- -se no incentivo da linguagem oral, fazendo o uso dos gestos de forma natural sem que este seja fundamental para a comunicação (JIMENEZ et al. In: BAUTISTA, 1997). Para os defensores da linguagem oral, o uso da linguagem gestual estrutura- da pode facilitar a comunicação, mas por outro lado impede o desenvolvimento da linguagem oral que é muito mais rica e que é usada pela maioria das pessoas com quem o aluno vai conviver. Dentre os métodos oralistas damos destaque ao método verbotonal, que baseia as suas investigações no estudo detalhado do cérebro e sua relação com a percepção da fala. Os estudos realizados para aprimorar esse método acompa- nharam vários tipos de hipoacusia e surdez e concluem que sempre resta uma área cerebral mais sensível à possibilidade de escuta (campos optimais de audi- ção). Assim, através da audiometria, procura-se essas zonas e faz-se a indicação de um aparelho. Já o método gestualista acompanha o ensino da linguagem oral com um sis- tema estruturado de gestos, uma linguagem gestual. Muitos gestos ou sinais mí- micos são naturais e de fácil compreensão (como comer, negar, beber etc.). Mas há gestos arbitrários que parecem não ter significado explícito. Um exemplo que ilustra essa situação é quando os surdos conhecem uma pessoa e vão chamá-la pelo nome, e esse é representado por um sinal escolhido a partir de uma carac- terística física da pessoa como um bigode, um topete ou cicatriz. A linguagem 216 Deficiência física e auditiva gestual não tem correspondência exata com a linguagem oral. Um gesto ou mo- vimento da mão pode corresponder a uma palavra, frase ou ideia. É fundamental ao professor observar qual a melhor forma de se comunicar com o aluno surdo. O surdo tem a capacidade intelectual semelhante à dos ou- vintes, por isso a má comunicação pode retardar ou levar a conclusões precipita- das quanto ao rendimento intelectual. Coll (1995) destaca que a resposta de cada aluno pode ser bastante diversa. Alguns são capazes de aprimorar-se da linguagem oral e fazer uso dela sem gran- des dificuldades. Outros só conseguem utilizar-se da linguagem dos sinais. Há ainda os que permanecem estagnados em formas de raciocínio não formal. Texto complementar Inclusão um princípio igualitário (TURRA; MARTINES; PINTO, 2002) Como trabalhar com a inclusão: � Eliminar as barreiras arquitetônicas. � Telefone público sempre na altura do cadeirante. Colocar rampas com corrimão nas laterais. � Se possível, corrimão nas paredes, corredores e em frente ao quadro de giz. De preferência, o quadro de giz deve ser colocado na altura do cadeirante. � A sala de aula do aluno deficiente físico deve estar, de preferência, no andar térreo. � Nos banheiros, as portas devem ser sempre largas para o cadeirante ter acesso. � Dentro dos banheiros, ter barras de apoio nas paredes ao lado do vaso sanitário. Pias (e bebedouros) na altura que o cadeirante possa utili- zar. Deficiência física e auditiva 217 � Observe sempre a postura do seu aluno deficiente físico. Se o mesmo não tem controle do tronco, deverá usar, na altura do peito, uma faixa de segurança. � Cadeira com braços, para o aluno deficiente, deixa-o mais seguro. � Adaptar a carteira escolar para alunos cadeirantes que não podem fa- zer a transferência para uma cadeira comum. � O aluno deve ter (se for sentar numa cadeira comum) apoio para os pés não ficarem suspensos – pode ser caixa de sapatos com tijolos dentro, saquinhos de areia, apoio de madeira (feito por um marcenei- ro) e outros. � Evite superproteger seu aluno deficiente, pois você é responsável pela turma toda. Não o exclua do grupo, nem o discrimine. O equilíbrio entre essas duas situações fará de você uma pessoa mais feliz e realizada. Dica de estudo A revista Atendimento Educacional Especializado contém um material bastan- te rico de conteúdo e imagens, apresentando sugestões para a prática pedagó- gica associado a tecnologias atualizadas. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/seesp/arquivos/pdf/aee_df.pdf>. Atividades 1. Retire do texto informações sobre a deficiência física que você considerou relevante a um professor. 218 Deficiência física e auditiva 2. Retire do texto informações sobre a deficiência auditiva que você conside- rou relevante a um professor. Deficiência física e auditiva 219 Maria de Fátima Joaquim Minetto Márcia Maria Stival Essa tarefa educativa é provavelmente a experiência mais comovedo- ra e radical que pode ter o professor. Essa relação põe a prova, mais que nenhuma outra, os recursos e as habilidades do educador. Angel Riviére Autismo Há pessoas que se sentem instigadas a desvendar o que faz algumas crianças possuírem aquele “ar enigmático”, demonstrando permanecerem enclausuradas num mundo próprio. Geralmente, são crianças que expres- sam uma aparência normal, mas comportam-se de maneira estranha e, às vezes, desconcertante. Foi o que chamoua atenção do médico austríaco Leo Kanner, dirigida a um número de crianças cuja condição diferia da maioria, com algumas características como as citadas anteriormente. Foram destacadas informa- ções no que se refere à definição e às características que norteiam um caminho ao longo da convivência com uma criança autista. Apesar de tais clarificações, fica a pergunta: o que fazer mediante uma criança autista? O contato do educador com a criança autista Um educador pode se deparar com uma criança autista desde a mais tenra idade, uma vez que hoje em dia não é de se estranhar ver creches, berçários e pré-escolas repletos de crianças. Por essa razão, torna-se im- portante que o professor conheça algumas características que essas crian- ças podem apresentar logo no início da vida. Diversidade na sala de aula Vídeo 222 Diversidade na sala de aula Algumas delas aparentemente não incomodam, uma vez que não choram nem quando estão com fome. A falta de reação e de interação, para algumas pessoas, já soa como diferente. Outras crianças choram sem parar e, geralmente, são acalmadas quando embaladas ininterruptamente, ou seja, quando perma- necem em movimento. Muitas dessas crianças chegam a sentar, engatinhar e andar no tempo es- perado. No entanto, não expressam interesse em explorar o que está em volta, apesar das possibilidades, tanto internas como externas, que apresentam. Podem mostrar grande interesse por objetos luminosos. Em certas crianças é possível verificar que, enquanto ficam olhando para uma luz acesa, sorriem e aparentam satisfação. Se no primeiro ano de vida, os comportamentos dife- renciados não forem registrados pelos educadores, a partir do segundo ano de vida as evidências de alterações já ficam mais claras. Isso ocorre principalmente porque não começam a falar na época esperada e o seu jeito diferenciado fica muito mais explícito, uma vez que já começa a ganhar o mundo através de suas próprias pernas. A independência motora traz consigo as evidências de que há algo marcante e diferenciado, no que diz respeito ao seu comportamento. É comum as crianças autistas não exteriorizarem nenhuma alteração física. A partir de então, as carac- terísticas antes destacadas começam a ser apresentadas. A atuação do educador Desde o princípio, o professor pode-se questionar: como poderei estabelecer uma relação com essa criança? Essa pergunta básica que o professor se faz, assim que se vê mediante de uma criança autista, certamente já é o primeiro passo para que o laço entre ele e a criança se diferencie. Assim, a partir do momento que essa pergunta trouxer consigo uma vontade do professor querer trabalhar com ela, sugere-se a reflexão voltada para alguns pontos: � Sensibilidade – para Freire (2002), uma característica intrínseca daquele que se propõe a educar deve ser o modo com que ele olha, sente e reco- nhece o que se instala como diferente, a ponto de preservar os direitos da criança e a possibilidade que ela possui de se desenvolver. � Implicação – vê-se a necessidade da implicação do professor, porque so- mente dessa forma ele conseguirá perceber as peculiaridades e minúcias Diversidade na sala de aula 223 que cercam o movimento da criança, bem como as resistências e fraque- zas de cada uma delas. É importante lembrar que essa criança possui ha- bilidades e possibilidades próprias, apesar das características em comum que têm com as demais que apresentam o mesmo quadro. � Atenção persistente – apesar da aparente falta de interesse pelo que está disponível e pelo que lhe é oferecido, a ausência da fixação do olhar para o profissional, entre outras características de uma aparente alienação, a criança autista se detém em algo. Por isso, é importante que o professor esteja constantemente atento aos movimentos e expressões exterioriza- dos, bem como aos objetos eleitos. Ao serem notados, poderão represen- tar um recurso que facilite o acesso à criança. � Função – procure saber a função que a criança fornece ao objeto que ma- nuseia com frequência. Então, aproveitando o recurso eleito, procure tra- balhar conteúdos essenciais para o dia a dia visando maior autonomia, ou seja, a aquisição de hábitos de higiene, o ato de vestir-se e despir-se. Além disso, procure partilhar o prazer de um ato bem-sucedido realizado pela criança e a satisfação pelo fato de ter conseguido uma nova possibilidade de ação. É preciso que se valorize o quanto as aquisições que permitem maior independência da criança são realmente imprescindíveis e que fa- zem parte do seu desenvolvimento. � Paciência – de acordo com Amy (2001, p. 77), “não se deve, em hipótese alguma, estimular muito rapidamente uma criança autista que começa a falar. Não se deve solicitá-la constantemente [...] Essa emergência é frágil”. É, portanto, necessária uma estimulação comedida, expressa pela percep- ção do professor de se posicionar num momento mais adequado, sem ex- tremos incentivos e cobranças. � Serenidade – segundo Freire (2002, p. 142), “é necessário propiciar um ambiente que favoreça a confiança, livre de tensões e coações.” A sereni- dade é de extrema valia para o professor, uma vez que numa mesma sala, crianças com realidades diferentes podem estar reunidas. Consequente- mente, demandas variadas se instalam, o que em algumas situações po- dem deixar o professor sentindo-se irritado, angustiado. � Segurança – para Freire (2002), é fundamental que o professor demons- tre segurança, principalmente nos momentos em que a criança mostra-se com aparente agitação e descontrole. 224 Diversidade na sala de aula É certo que o professor tem os seus limites. Não é uma questão de des- considerá-los. Mas, é preciso que os tenha claro, para que se ausente quando não suportar permanecer próximo a determinadas situações. As- sim, ao reconhecer suas fragilidades e limitações, terá maiores condi ções de permanecer próximo à criança quando estiver com reais condi ções de aju dá-la. � Percepção das características – é frequentemente destacado, na litera- tura, o quanto a criança autista é ligada à rotina. Em algumas ocasiões, sua resistência à mudança chega a ser expressa por meio de atitudes agressi- vas e manipulativas. Esta é uma das características que precisa ser perce- bida, a fim de que o encaminhamento tomado pelo professor não venha a dificultar o processo de desenvolvimento geral dessa criança. Pense: fazer tudo o que a criança solicita pode prejudicá-la muito. Entretanto, ir radi- calmente alterando as situações e ambientes pode também trazer sérios prejuízos. É preciso perceber quando se torna viável proporcionar algu- mas alterações. Inclusão Ao considerar a inclusão de alunos com autismo, no Ensino Regular, já de início remete-se a certas características que os mesmos apresentam (isolamen- to, problemas na comunicação, fixação numa rotina) e que geram um questiona- mento: o que se busca com essa inclusão? Concebendo a inclusão como um processo de inserção e envolvimento de pessoas que apresentam competências, necessidades e demandas diferentes, aproveitando o que há de possibilidades em cada uma delas, para efetivar um real processo de desenvolvimento geral, acredita-se que é fundamental inves- tigar as possibilidades de uma inclusão social. Não excluem-se, dessa forma, a inclusão integral no Ensino Regular. Propõe-se que se experimente verificar as competências das crianças autistas. De acordo com Gardner (1994, p. 46 ), uma competência intelectual humana deve apresentar uma conjunto de habilidades de resolução de problemas capacitando o indivíduo a resolver problemas ou dificuldades genuínas que ele encontra e, quando adequado, a criar um produto eficaz, [...] por meio disso propiciando o lastro para a aquisição de conhecimento novo. Com base nessa citação, nota-se a relevância de verificar as possibilidades das crianças utilizarem suas habilidades, dando-lhes funções de acordo com as necessidades. Diversidade na salade aula 225 Também destaca-se que é imprescindível verificar o quanto estão conseguin- do suportar a permanência em novos lugares e com diferentes pessoas, median- te um acompanhamento profissional. Pelo exposto, é sugerida a averiguação das chances de se criar uma ativi- dade paralela, por exemplo, a participação num recreio dirigido, numa escola de Ensino Regular, onde seja viável uma aproximação gradativa. Pode parecer pouco, mas é importante que a cautela esteja presente. Com o passar do tempo, a própria criança expressará suas condições, as quais poderão nortear possíveis avanços e novas ousadias. TDAH Nos dias de hoje, é comum escutar professores e pais queixarem-se da ba- gunça feita por uma criança, correlacionando-a a um turbilhão e até expressan- do um aparente cansaço e falta de paciência mediante à excessiva energia que ela demonstra ter. Na maior parte das vezes, essas crianças são tidas como preguiçosas, mal- -educadas, imaturas, entre outras denominações. São sim crianças impulsivas, extremamente ativas e com reais dificuldades de seguir normas preestabeleci- das. Em muitos casos, também são crianças que aparentam pouca tolerância à frustração e a autoestima baixa. Além dessas características, podem apresentar agressividade, problemas na aprendizagem escolar e no convívio social. Por certo, frente ao que foi destacado, não é de se estranhar que pais, pro- fessores e outras pessoas que convivem com essas crianças apresentem um alto nível de estresse e sintam-se perdidos, não tendo clareza de como lidar com elas. Mas, quem são essas crianças? Como se posicionar diante delas? Essas crianças, ao reunirem características como as descritas, bem como outras, podem apre- sentar o que se denomina Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade. Após informações nesses âmbitos, nota-se a relevância de se destacar pontos que dizem respeito à presença das características no contexto educacional. De acordo com o DSM–IV. (2000), há uma gama de características que expres- sam as alterações típicas do quadro de hiperatividade. É comum que a criança com sintomas de desatenção não se atenha em detalhes, aparente não escutar quando lhe dirigem a palavra e não consiga dar continuidade numa conversa, uma vez que muda com frequência de assunto, mesmo sem ter finalizado o as- 226 Diversidade na sala de aula sunto anterior. Também é possível encontrar as que não se fixam em propostas que envolvam esforço mental e articulação das ideias, distraindo-se com muita frequência diante de estímulos variados. Geralmente, não conseguem copiar in- tegralmente o que está escrito no quadro, não colocam acentos, bem como não conseguem ler até o final o enunciado de uma atividade, antes de começá-la. Mostram-se desorganizadas, perdem ou danificam os materiais constantemente e demonstram bastante dificuldade de percorrer uma atividade, ultrapassando os obstáculos encontrados. Quando em grupo, essas crianças não conseguem dar continuidade a uma brincadeira, expressando dificuldades para aceitar o “não”. A hiperatividade é marcada por um excesso de atividade corporal que se mostra desorganizada e, na maior parte das vezes, sem relação a um objetivo. Verifica-se, em muitos casos, dificuldades na motricidade grossa e a realiza- ção de movimentos involuntários de mãos e pés, os quais dificultam a execução de certas atividades. Na escola nota-se uma contínua movimentação na cadeira, tendência a correr e subir em móveis, constante expressão verbal, gritos e denotam a nítida impres- são de que estão ligadas na tomada o tempo todo. Na contínua busca da satisfação imediata do que se deseja e com um limiar baixo à frustração, expressa sua impulsividade através da impaciência, da dificul- dade de aguardar a sua vez, da dificuldade de organizar as ideias, ponderar as alternativas possíveis de resolução, para então escolher e agir. Em decorrência dessas características, é possível ver uma criança que apre- sente TDAH interromper assuntos, fazer comentários não cabíveis, assim como mexer em materiais que não são seus. Por demonstrar ser desajeitada e não ter medo do perigo, envolve-se em atividades perigosas, podendo derrubar objetos e esbarrar com facilidade. Para Rohde e Benczik (1999), para considerar a possibilidade de TDAH é preci- so verificar a reincidência de, no mínimo, seis sintomas de hiperatividade, impul- sividade e/ou desatenção, que apareçam até 12 anos, em pelo menos dois am- bientes que a criança convive. Para os autores, as pesquisas atuais mostram que há pessoas que apresentam TDAH com predominância da desatenção. Nesse caso, seis ou mais sintomas de desatenção são verificados, não necessariamente apresentando indícios de hiperatividade e ou impulsividade. No caso desses sin- tomas aparecerem, nota-se uma pequena quantidade. Diversidade na sala de aula 227 Outra possibilidade é a expressão de TDAH com a predominância de hipera- tividade/impulsividade. Nesse tipo, no mínimo seis sintomas de hiperatividade/ impulsividade aparecem, sendo que podem exteriorizar sintomas de desaten- ção. A terceira possibilidade retrata a combinação dos dois tipos anteriormente destacados, o que demonstra relação com maiores prejuízos para a criança. O profissional que atua com a criança É imprescindível que o professor e demais profissionais que atuam direta- mente com as crianças estejam atentos a essas características, sabendo que as mesmas podem se intensificar em propostas grupais, uma vez que atuar inde- pendentemente é um grande problema para tais crianças. Ter clareza de que estará em contato com pessoas que apresentam comportamento desigual e im- previsível e que, muitas vezes, ainda assumem o caráter desafiador. No caso do adolescente com TDAH, vê-se um aparente desinteresse que por vezes pode ser acompanhado de apatia. Aparentemente não estão dando a mínima importância para as normas que o ambiente comporta. Em meio a essas observações, já é possível considerar que o manejo em sala de aula requer inter- venções precisas, voltada para vários pontos: � Ambiente – deve apresentar o menor número de estímulos visuais e, de preferência, reduzidos estímulos auditivos. O ambiente deve comportar rotinas diárias e ser o mais organizado possível, uma vez que a desorgani- zação nessa criança é evidente. � Atividades – as propostas precisam ser bem planejadas, numa sequência lógica e de fácil compreensão. As revisões são necessárias, uma vez que a falta de atenção é nítida. É também importante considerar que a proba- bilidade de um melhor desempenho ocorrerá na execução de atividades curtas, que tenham um aumento gradativo do nível de dificuldade. Nas ocasiões que for necessária a aplicabilidade de atividades com maior nível de exigência, é interessante intercalá-la com uma outra mais prazerosa e atraente para o aluno. Durante as explicações, o excesso de informações pode prejudicar o bom en- caminhamento da absorção das mesmas, por parte da criança. Por essa razão, respeitar o tempo que essa criança precisa para realizar uma atividade é impor- tante, assim como é fundamental acompanhar e estimular sua fixação no que realmente é pertinente para o momento. 228 Diversidade na sala de aula Conforme menciona Rohde e Benczik (1999, p. 84), “antes de mais nada, gos- taríamos de deixar claro que reconhecemos a complexidade e a dificuldade do trabalho do professor em sala de aula. Você tem vários alunos para atender e ensinar e não somente a criança com TDAH em questão”. No entanto, mesmo tendo consciência dos limites que cercam o contexto educacional, é notório que a criança convive um bom período do dia na escola. Por essa razão, o professor pode ser um grande aliado na verificação e frequên- cia dos sintomas, assim como no auxílio prestado a esse aluno, ao longo de sua vida acadêmica. É imprescindível a criança ter clareza que o professor entende suas dificulda- des e que pode contar com o auxílio instrucional dele. A aceitação