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Conhecimentos Pedagógicos Contém resumos e testes selecionados e comentados do ECA e LDB. OT011-2017 DADOS DA OBRA Título da obra: Conhecimentos Pedagógicos • Conhecimentos Pedagógicos, questões do ECA e LDB Autores Ana Maria Barbosa Quiqueto Camila Santos Cury Angelo Rigon Gestão de Conteúdos Emanuela Amaral de Souza Produção Editorial/Revisão Elaine Cristina Igor de Oliveira Suelen Domenica Pereira Camila Lopes Capa Bruno Fernandes Editoração Eletrônica Marlene Moreno Gerente de Projetos Bruno Fernandes SUMÁRIO Conhecimentos Pedagógicos - Concepção e Prática; ...........................................................................................................................................................................................01 - Didática ...................................................................................................................................................................................................................03 - O processo ensino aprendizagem: objetivos, planejamento, métodos e avaliação: Abordagens de acordo com as ten- dências pedagógicas; ............................................................................................................................................................................................08 - Principais teorias da aprendizagem: inatismo, comportamentalismo, behaviorismo, interacionismo; .............................. 18 - Teorias cognitivas .................................................................................................................................................................................................18 - Papel Político-Pedagógico e Organicidade do Ensinar; ........................................................................................................................ 22 - Aprender e Pesquisar; .........................................................................................................................................................................................24 - Currículo e Construção do Conhecimento; ................................................................................................................................................ 26 - Processo Ensino-Aprendizagem; .................................................................................................................................................................... 33 - Educação Inclusiva; ..............................................................................................................................................................................................35 - Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs; ................................................................................................................................................ 48 - As contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a Psicologia e Pedagogia, as bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de aprendizagem; ......................................................................................................................... 77 - Bases Legais da Educação Nacional: Constituição da República ....................................................................................................... 77 - LDB - Lei nº 9.394/1996 ....................................................................................................................................................................................80 - Plano Nacional de Educação ........................................................................................................................................................................... 96 - Lei nº 10.172/2001 ...............................................................................................................................................................................................96 - Estatuto da Criança e do Adolescente ......................................................................................................................................................111 - Lei nº 8.069/1990 (ECA) ...................................................................................................................................................................................111 - A teoria das inteligências múltiplas de Gardner .....................................................................................................................................147 - A avaliação como progresso e como produto ........................................................................................................................................150 - Informática educativa. .....................................................................................................................................................................................152 - Questões do Estatuto da Criança e do Adolescente ...........................................................................................................................156 - Questões Referentes à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) .......................................................................180 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - Concepção e Prática; ...........................................................................................................................................................................................01 - Didática ...................................................................................................................................................................................................................03 - O processo ensino aprendizagem: objetivos, planejamento, métodos e avaliação: Abordagens de acordo com as ten- dências pedagógicas; ............................................................................................................................................................................................08 - Principais teorias da aprendizagem: inatismo, comportamentalismo, behaviorismo, interacionismo; .............................. 18 - Teorias cognitivas .................................................................................................................................................................................................18 - Papel Político-Pedagógico e Organicidade do Ensinar; ........................................................................................................................ 22 - Aprender e Pesquisar; .........................................................................................................................................................................................24 - Currículo e Construção do Conhecimento; ................................................................................................................................................ 26 - Processo Ensino-Aprendizagem; .................................................................................................................................................................... 33 - Educação Inclusiva; ..............................................................................................................................................................................................35 - Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs; ................................................................................................................................................ 48 - As contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a Psicologia e Pedagogia, as bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de aprendizagem; ......................................................................................................................... 77 - Bases Legais da Educação Nacional: Constituição da República .......................................................................................................77 - LDB - Lei nº 9.394/1996 ....................................................................................................................................................................................80 - Plano Nacional de Educação ........................................................................................................................................................................... 96 - Lei nº 10.172/2001 ...............................................................................................................................................................................................96 - Estatuto da Criança e do Adolescente ......................................................................................................................................................111 - Lei nº 8.069/1990 (ECA) ...................................................................................................................................................................................111 - A teoria das inteligências múltiplas de Gardner .....................................................................................................................................147 - A avaliação como progresso e como produto ........................................................................................................................................150 - Informática educativa. .....................................................................................................................................................................................152 - Questões do Estatuto da Criança e do Adolescente ...........................................................................................................................156 - Questões Referentes à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) .......................................................................180 1 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Profª. Mestre Ana Maria Barbosa Quiqueto Assistente Social, Professora Universitária e Pesquisado- ra em Assuntos Educacionais. Aluna ouvinte do Programa de Doutorado da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE e Especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Atua como Assistente Social na Prefeitura Municipal de Ar- co-Íris, no segmento Gestão de Políticas Públicas Sociais. Professora de Graduação e Pós-Graduação na Universidade Paulista (UNIP). Pesquisadora e Membro do Comitê Cientí- fico de Pesquisa da Revista Espanhola Iberoamérica Social: Revista-red de estudios sociales - ISSN 2341-0485. Escritora de assuntos socioassistenciais e educacionais, mais especifi- camente na área acadêmica e elaboração de materiais para concursos públicos nos diversos tipos de escolaridade. - CONCEPÇÃO E PRÁTICA; Os tópicos em questão, serão estudados conforme as ideias de Zabala, propostas no livro “A prática educativa: como ensinar”1. A prática educativa: unidades de análise Buscar a competência em seu ofício é característica de qualquer bom profissional. Zabala elabora um modelo que seria capaz de trazer subsídios para a análise da prá- tica profissional. Como opção, utiliza-se do modelo de in- terpretação, que se contrapõe àquele em que o professor é um aplicador de fórmulas herdadas da tradição, funda- mentando-se no pensamento prático e na capacidade re- flexiva do docente. A finalidade da escola é promover a formação integral dos alunos, segundo Zabala, que critica as ênfases atribuí- das ao aspecto cognitivo. Para ele, é na instituição escolar, através das relações construídas a partir de experiências vividas, que se estabelecem os vínculos e as condições que definem as concepções pessoais sobre si e os demais. A partir dessa posição ideológica acerca da finalidade da educação escolarizada, é conclamada a necessidade de uma reflexão profunda e permanente da condição de cida- dania dos alunos, e da sociedade em que vivem. Segundo, o autor, na nossa vida particular e profissio- nal, vivemos questionando sobre o que e como fazemos, e os resultados daí decorrentes. Concluímos então que algu- mas coisas fazemos muito bem, outras mais ou menos e, por último, algumas que somos incapazes de realizar. As variáveis que condicionam a prática educativa são difíceis de definir, dada a complexidade como se manifesta, pois nelas se expressam múltiplos fatores, ideias, valores, hábitos, pedagógicos, etc. 1 Material consultado em: http://apeoespbebedouro.blogspot.com. br/2011/07/pratica-educativacomo-ensinar-antoni.html A função social do ensino e a concepção sobre os processos de aprendizagem: instrumentos de análise Sobre os conteúdos da aprendizagem, seus significados são ampliados para além da questão do que ensinar, encon- trando sentido na indagação sobre por que ensinar. Deste modo, acabam por envolver os objetivos educacionais, definin- do suas ações no âmbito concreto do ambiente de aula. Esses conteúdos assumem o papel de envolver todas as dimensões da pessoa, caracterizando as seguintes tipologias de aprendi- zagem: factual e conceitual (o que se deve aprender?); procedi- mental (o que se deve fazer?); e atitudinal (como se deve ser?). Para o autor, o papel do objetivo educacional é a formação integral para a autonomia, equilíbrio pessoal, relações interpes- soais, etc. A primeira conclusão que o autor chega quanto ao conheci- mento dos processos de aprendizagem é a atenção à diversidade. Para o autor a diversidade deve fazer parte do trabalho do professor, pois alunos e alunas são diferentes em muitos aspec- tos (físico, emocional, cognitivo, etc.) Construtivismo: concepção sobre como se produzem os processos de aprendizagem O ensino tradicional está relacionado às diferentes discipli- nas. Por conteúdos factuais se entende o conhecimento de fa- tos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território. São conteúdos em que as respostas são inequívocas. Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações or- denadas e com um fim, para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, etc. Os conteúdos atitudinais englobam conteúdos agrupados em valores, atitudes e normas cada um destes com natureza diferenciada. As sequências didáticas e as sequências de conteúdo Certos questionamentos pareceram-nos relevantes: na se- quência há atividades que nos permitam determinar os conhe- cimentos prévios? Atividades cujos conteúdos sejam propostos de forma significativa e funcional? Atividades em que possamos inferir sua adequação ao nível de desenvolvimento de cada alu- no? Atividades que representam um desafio alcançável? Provo- quem um conflito cognitivo e promovam a atividade mental? Sejam motivadoras em relação à aprendizagem de novos con- teúdos? Estimulem a autoestima e o autoconceito? Ajudem o aluno a adquirir habilidades relacionadas com o aprender, sen- do cada vez mais autônomo em suas aprendizagens? A partir de nossas propostas de trabalho, aparecem para os alunos, diferentes oportunidades de aprender diversas coi- sas; para os educadores, uma diversidade de meios para cap- tar os processos de construção que eles edificam, neles incidir e avaliar; nem tudo se aprende do mesmo modo, no mesmo tempo, nem com o mesmo trabalho; por que nosso desejo de que sejam tolerantes e respeitosos se vê frustrado justamente naquelas ocasiões em que é mais necessário exercer a tolerân- cia e respeito?; refletir sobre o que aprender o que propomos pode nos conduzir a estabelecer propostas suscetíveis de aju- dar mais os alunos e ajudar a nós mesmos. 2 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS As relações interativas em sala de aula: O papel dos professores e dos alunos O autor expõe o valor das relações que se estabelecementre os professores, os alunos e os conteúdos no processo ensino e aprendizagem. Comenta que essas se sobrepõem às sequências didáticas, visto que o professor e os alunos possuem certo grau de participação nesse processo, dife- rente do ensino tradicional, caracterizado pela transmissão/ recepção e reprodução de conhecimentos. Examina, dentro da concepção construtivista, a natureza dos diferentes con- teúdos, o papel dos professores e dos alunos, bem como a relação entre eles no processo, colocando que o professor necessita diversificar as estratégias, propor desafios, com- parar, dirigir e estar atento à diversidade dos alunos, o que significa estabelecer uma interação direta com eles. Das relações interativas para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que podemos caracterizá-las da seguinte maneira: - planejamento E plasticidade na aplicação: A comple- xidade dos processos educativos faz com que não se possa prever o que acontecerá na aula. Este inconveniente é o que aconselha que os professores contem com o maior número de meios e estratégias para poder atender às diferentes de- mandas que aparecerão no processo ensino/aprendizagem; - Levar em conta as contribuições dos alunos tanto no início das atividades como durante o transcurso das mesmas; - Ajudá-los a encontrar sentido no que fazem; - Estabelecer metas alcançáveis; - Oferecer ajuda contingente (a elaboração do conheci- mento exige ajuda especializada, estímulo e afeto por parte dos professores e dos demais colegas); - Promover canais de comunicação; A organização social da classe Antoni Zabala procurou analisar as diferentes formas de organização social dos alunos vivenciadas na escola e sua re- lação com o processo de aprendizagem. Percebeu que todo tipo de organização grupal dos alunos, assim como todas as atividades a serem programadas/desenvolvidas pela escola e a própria forma de gestão que esta emprega, devem levar em consideração os tipos de aprendizagens que estão propor- cionando a seus alunos e os objetivos expressos pela própria escola. Desse modo, alertou para o fato de que inconsciente- mente a instituição escolar, ao não refletir sobre esses aspec- tos, pode acabar por desenvolver uma aprendizagem inversa àquilo que apregoa. A escola como grande grupo: - Atividades gerais da escola (durante o ano, a maioria das escolas organiza uma série de atividades que em geral são de caráter social, cultural, lúdico ou esportivo); - Tipos de gestão da escola: pragmática (efetuada com critérios relativos às necessidades de dinamização, organiza- ção e desenvolvimento das diferentes tarefas de uma institui- ção com funções complexas); colegiada (define determinadas relações interpessoais, uma maneira de conceber as relações de trabalho que podem ser de ajuda, de colaboração ou de confiança, ou exatamente o contrário). A organização dos conteúdos Ele defende a organização dos conteúdos pelo método de ensino global, pois os conteúdos de aprendizagem só po- dem ser considerados relevantes na medida em que desen- volvam nos alunos a capacidade para compreender uma reali- dade que se manifesta globalmente. No tocante aos métodos globalizadores, o autor descreve as possibilidades dos centros de interesse de Decroly, os métodos de projetos de Kilpatrick, o estudo do meio, e os projetos de trabalhos globais. Podemos estabelecer três graus de relações disciplinares: - A multidisciplinaridade = é a organização de conteúdo mais tradicional - A interdisciplinaridade = é a interação entre duas ou mais disciplinas - Elaboração do dossiê ou síntese= nesta fase se concretiza o produto do projeto que conduziu e justificou todo o trabalho - Avaliação=avalia-se todo o processo em dois níveis: um de caráter interno onde cada aluno recapitula o que aprendeu, e outro, de caráter externo, com a ajuda do professor, os alunos tem que se aprofundar no processo de descontextualização. Os materiais curriculares e outros recursos didáticos Materiais curriculares são os instrumentos que proporcio- nam referências e critérios para tomar decisões: no planejamento, na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e em sua avaliação. São meios que ajudam os professores a responder aos problemas concretos que as diferentes fases dos processos de planejamento, execução e avaliação lhes apresentam. As críticas referentes aos conteúdos dos livros didáticos gi- ram em torno das seguintes considerações: - A maioria dos livros trata os conteúdos de forma unidire- cional e se alimentam de estereótipos culturais; - É fácil encontrar os livros com dose consideráveis de elitis- mo, sexismo, centralismo, classicismos, etc.; - Apesar da grande quantidade de informação não podem oferecer toda a informação necessária para garantir a comparação; Os centros de interesse de Decroly: Sequência de ensino/ aprendizagem nas seguintes fases: - Observação-Conjunto de atividades que tem por finali- dade pôr os alunos em contato direto com as coisas, os seres, os fatos e os acontecimentos. - Associação – através de exercícios os alunos relacionam o que observaram com outras ideias ou realidades e expressão. - Expressão- pode ser concreta, quando utiliza os trabalhos manuais, ou abstrata, quando traduz o pensamento com a aju- da de simples convencionais. - Justificativa: - a criança é o ponto de partida do método; o respeito à personalidade do aluno; a eficácia da aprendizagem é o interesse; a vida como educadora. A eficácia do meio é de- cisiva; os meninos (as) são seres sociais; a atividade mental está presidida pela função globalizadora e é influenciada pelas tendências preponderantes do sujeito. O método de projetos de Kilpatrick: Sequência de ensino/ aprendizagem compreende quatro fases: -Intenção (os alunos escolhem o objeto ou a montagem que querem realizar e a maneira de se organizar); 3 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS -Preparação (consiste em fazer o projeto do objeto ou montagem); - Execução (os meios e os processos a serem seguidos); - Avaliação (momento de comprovar a eficiência e a vali- dade do produto realizado); Os projetos de trabalhos globais (nasce de uma evolução dos Project Works de língua e é uma resposta à necessidade de organizar os conteúdos na perspectiva da globalização) A avaliação Realiza-se uma severa crítica à forma como habitualmente é compreendida a avaliação. A pergunta inicial “por que temos que avaliar”, necessária para que se entenda qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação, demora um pouco a ser respondida. A pro- posta elimina a ideia da avaliação apenas do aluno como sujeito que aprende e propõe também uma avaliação de como o professor ensina. Elabora a ideia de que devemos realizar uma avaliação que seja inicial, reguladora capaz de acompanhar o progresso do ensino, final e integradora. Esta divisão é empregada como necessária para se continuar fazendo o que se faz, ou o que se deve fazer de novo, o que é mais uma justificativa para a avaliação, o por quê avaliar. Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano (avaliação reguladora), avaliação final, avaliação integradora. A partir de uma opção que contempla como finalidade fun- damental do ensino a formação integral da pessoa, e conforme uma concepção construtivista, a avaliação sempre tem que ser formativa, de maneira que o processo avaliador, independente- mente de seu objetivo de estudo, tem que observar as diferentes fases de uma intervenção que deverá ser estratégica. Quer dizer, que permita conhecer qual é a situação de partida, em função de determinados objetivos gerais bem definidos (avaliação inicial); um planejamento da intervenção; uma atuação e, ao mesmo tempo, flexível , entendido como uma hipótese de intervenção; uma atuação na aula, em que as atividades , as tarefas e os pró- prios conteúdos de trabalho se adequarão constantemente (ava- liação reguladora) às necessidade que vão se apresentando para chegar sobre o processo seguido,que permita estabelecer novas propostas de intervenção (avaliação integradora). Nós, professores (as), temos que dispor de todos os dados que nos permitam reconhecer em todo momento que ativida- des cada aluno necessita para sua formação; O aluno necessita de incentivos e estímulos. Sem incenti- vos, sem estímulo e sem entusiasmo dificilmente poderá en- frentar o trabalho que lhe é proposto; A escola, as equipes docentes têm que dispor de todos os dados necessários para a continuidade e a coerência no per- curso do aluno; A administração educacional é gerida por educadores, portanto, seria lógico que a informação fosse o mais profissio- nal possível, com critérios que permitissem a interpretação do caminho seguido pelos alunos, conforme modelos tão com- plexos como é complexa a tarefa educativa; Por último, devemos ter presente que na sala de aula e na escola, avaliamos muito mais do que se pensa, inclusive mais do que temos consciência. Referência: ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Edito- ra: Artmed. 1998. - DIDÁTICA Conceituando Didática A palavra didática vem do grego (techné didaktiké), que se pode traduzir como arte ou técnica de ensinar. A didática é a parte da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas de ensino, destinados a colocar em prática as diretrizes da teoria pedagógica. A didática estuda os di- ferentes processos de ensino e aprendizagem. O educa- dor Jan Amos Komenský, mais conhecido por Comenius, é reconhecido como o pai da didática moderna, e um dos maiores educadores do século XVII. A palavra “didática” se encontra inserida a uma expres- são grega que se traduz por técnica de ensinar. É interes- sante conhecer que desde uma perspectiva etimológica a palavra “didática” na sua língua de origem, destacava a rea- lização lenta de um acionar através do tempo, própria do processo de instruir. O vocábulo didático aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendiza- gem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino – aprendizagem. O termo “didático” aparece somente quando há a in- tervenção intencional e planejada no processo de ensino -aprendizagem, deixando de ser assim um ato espontâneo. A escola se torna assim, um local onde o processo de ensino passa a ser sistematizado, estruturando o ensino de acordo com a idade e capacidade de cada criança. O res- ponsável pela “teorização” da didática será Comênio: A formação da teoria da didática para investigar as li- gações entre ensino aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre didática, a Didática Magna (LIBÂNEO, 1994). Foi o primeiro educador a formular a ideia da difu- são dos conhecimentos educativos a todos, criou regras e princípios de ensino, desenvolvendo um estudo sobre a didática. Suas ideias eram calcadas na visão ética religiosa, mesmo assim eram inovadoras para a época e se contrapu- nham ás ideias conservadoras da nobreza e do clero, que exerciam uma grande influência naquele período. Algumas das principais características da didática de Comênio, se- gundo Libâneo (1994) eram de que a educação era um elo que conduzia a felicidade eterna com Deus, portanto, a educação é um direito natural de todos, a didática deveria estudar características e métodos de ensino que respeitem o desenvolvimento natural do homem, a idade, as percep- ções, observações; deveria também ensinar uma coisa de cada vez, respeitando a compreensão da criança, partindo do conhecido para o desconhecido. As ideias de Comênio, infelizmente não obtiveram re- percussão imediata naquela época (século XVII), o mode- lo de educação que prevalecia era o ensino intelectualis- ta, verbalista e dogmático, os ensinamentos do professor (centro do ensino) eram baseados na repetição mecânica e memorização dos conteúdos, o aluno não deveria par- ticipar do processo, o ensino separava a vida da realidade. 4 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Com o passar dos anos e o desenvolvimento da socie- dade, da ciência e dos meios de produção, o clero e a no- breza foram perdendo aos poucos seus “poderes”, enquan- to crescia o da burguesia. Essas transformações fizeram crescer a necessidade de um ensino ligado ás exigências do mundo atual, que contemplasse o livre desenvolvimen- to das capacidades e dos interesses individuais de cada um. Jean Jacques Rousseau (1712–1778) foi um pensador que percebeu essas novas necessidades e propôs uma nova concepção de ensino, baseada nos interesses e ne- cessidades imediatas da criança, sendo esse o centro de suas ideias. Enquanto Comênio, ao seguir as “pegadas da nature- za”, pensava em “domar as paixões das crianças”, Rousseau parte da ideia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. Veiga diz que “[...] dessa forma não se poderia pensar em uma prática pedagógica, e muito menos em uma pers- pectiva transformadora na educação”. A metodologia de ensino (didática) era entendida somente como um conjun- to de regras e normas prescritivas que visam a orientação do ensino e do estudo. Após os jesuítas não ocorreram no país grandes mo- vimentos pedagógicos, a nova organização instituída por Pombal representou pedagogicamente, um retrocesso no sistema educativo, pois professores leigos começaram a ser admitidos para ministrar “aulas-régias”, introduzidas pela reforma pombalina. Para Veiga dada a predominância da influência da pe- dagogia nova na legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu seu ideário. Segundo Libâneo (1994) “um entendimento crítico da realidade através do estudo das matérias escolares...”, e as- sim os alunos podem expressar de forma elaborada os co- nhecimentos que correspondem aos interesses prioritários da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas sociais, ou seja, defender seus ideais de acordo com sua realidade. Comênio acreditava poder definir um método capaz de ensinar tudo a todos, ou como ele cita em sua obra “a arte de ensinar tudo a todos” e esclarece: A proa e a popa de nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensi- nem menos e os estudantes aprendam mais: nas escolas haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inú- til, e, ao contrário, haja mais recolhimentos, mais atrativo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz, mais tranquilidade. De certo modo podemos dizer que a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-se das estraté- gias de ensino, das questões práticas relativas à metodolo- gia e das estratégias de aprendizagem. Ao longo do estudo sobre o processo de ensino na es- cola podemos observar a relação entre o ensino e a apren- dizagem através da atividade do professor em relação a do aluno. Desta forma a didática se manifesta no contexto de se organizar o ensino; de maneira que se tracem os objeti- vos, estipulando os métodos a serem seguidos e planejan- do as ações conjuntas dentro da escola. Dentro dessa perspectiva percebemos que “a atividade de ensinar é vista, comumente, como transmissão de maté- ria aos alunos, realização de exercícios repetitivos, memo- rização de definições e fórmulas”. Essa caracterização de ensino é vista em muitas escolas em que o professor é o elemento ativo que fala, interpreta e transmite o conteúdo; levando ao aluno à tarefa de reproduzir mecanicamente o que absorveu; o que na visão de Libâneo é chamado de “ensino tradicional”. Concordamos com o autor quando diz que o professor não proporcionar através desse método o desenvolvimen- to individual de conhecimento; com isso é observável que o livro didático é feito para ser vencido, o trabalho do pro- fessor fica restrito às paredes de sala de aula, a realidade; assim como o nível e condições que o aluno é submetido para chegar até o conhecimento não são levados em conta.Nesse contexto a Didática é de extrema importância para um bom funcionamento e desenvolvimento do traba- lho na escola de forma que ela organiza e planeja as ativi- dades do professor em relação aos alunos visando alcan- çar seus objetivos, desenvolvimento de habilidades; como também hábitos e o conhecimento intelectual. A didática como fator de qualidade no processo de ensi- no e aprendizagem O processo de ensino deve ter como ponto de partida o nível de conhecimento, as experiências que proporcio- nam uma transmissão progressiva das capacidades cogniti- vas como intelectuais; o que liga o ensino à aprendizagem. Nesse contexto a história da Didática e a prática escolar presente tende a separar os conteúdos de ensino do de- senvolvimento de capacidades e habilidades; configuradas também como aspecto material e formal do ensino. Desta forma percebemos que o ensino une dois aspectos pelo fato de que a assimilação de conteúdos requer desenvolvi- mento de capacidades e habilidades cognoscitivas. É importante ressaltar que o processo de ensino faz a interação entre dois momentos fundamentais: a transmis- são e assimilação ativa tanto de conhecimentos quanto de habilidades. Com isso cabe ao professor a tarefa de ensinar de modo que se tenha organização didática dos conteúdos que venha a promover condições assimiláveis de aprendi- zagem; de forma que ele controle e avalie as atividades. Nesse sentido, Planejamento de ensino é o processo de decisão sobre atuação concreta dos professores, no coti- diano de seu trabalho pedagógico, envolvendo as ações e situações, em constantes interações entre professor e alu- nos e entre os próprios alunos. O professor, portanto, planeja, controla, facilita e orien- ta o processo de ensino; de maneira que estimula o de- senvolvimento de atividades próprias dos alunos para a aprendizagem. Essa interação de acordo com o autor é que promove a situação de ensino aprendizagem; ela é denominada de “aprendizagem organizada” por ter uma finalidade especi- fica onde as atividades são organizadas intencionalmente, com planejamento e de forma sistemática. Porém há por outro lado a “aprendizagem casual” definida como uma 5 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS forma espontânea que surge naturalmente da interação entre pessoas com o meio; isto é ressaltado pelo fato de que a observação, experiência e acontecimentos do co- tidiano proporcionam também aprendizagem e que isto deve ser observado pelo professor de forma que se possa utilizar didaticamente. A aprendizagem escolar também está vinculada com a motivação dos alunos tanto para atender necessidades orgânicas ou sócias; quanto para atender exigências da escola, da família e até mesmo dos colegas. Essa aprendi- zagem resulta da reflexão proporcionada pela percepção prático-sensorial e pelas ações mentais que caracterizam o pensamento, estes vão sendo formados de acordo com a organização lógica e psicológica das matérias de ensino, sendo que nos remete a ideia de que o desenvolvimento escolar é progressivo, ou seja, a aprendizagem é um pro- cesso contínuo de desenvolvimento. Segundo Libâneo: A didática, assim, oferece uma con- tribuição indispensável à formação dos professores, sinte- tizando no seu conteúdo a contribuição de conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de instrução e en- sino, intimamente vinculado com a educação e, ao mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos necessá- rios para o exercício das tarefas docentes. Castro, afirma a importância da didática dizendo: Pois é certo que a didática tem uma determinada con- tribuição ao campo educacional, que nenhuma outra disci- plina poderá cumprir. E nem a teoria social ou a econômica, nem a cibernética ou a tecnologia do ensino, nem a psico- logia aplicada à educação atingem o seu núcleo central: o Ensino. A didática é uma disciplina que complementa todas as outras, sendo interdisciplinar, pois será a “a essência” para que o professor procure a melhor forma de desenvolver seu método de ensino. Podemos perceber que é clara a importância da didática na formação docente, no entanto, notamos que no desenvolver histórico desta profissão, a didática não obteve (e ainda não têm) esta mesma relevân- cia, e quando ministrada só alteava sua distorção e visão técnica, acentuando a distância entre teoria e prática. A didática é uma disciplina fundamental na formação do educador, pois, prepararão o futuro professor a estar capacitado a trabalhar na sala de aula, uma vez que ele dominará os conteúdos científicos e práticos, e principal- mente já estará diante da realidade de sala de aula para poder perceber se o que aprende é realmente válido ou não, e poder questionar e cobrar seus aprendizados em sala de aula. Referência: AMANDA, ALESSANDRA. A Didática como Fator de Qualidade no Processo de Ensino Aprendizagem. Texto disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/traba- lhos/Trabalho_Comunicacao_oral_idinscrito_1527_6e4e9e- d0364cf72866c1c7293edfca21.pdf A DIDÁTICA COMO DISCIPLINA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR Considerada uma ciência que estuda os saberes neces- sários à prática docente a Didática é um dos principais ins- trumentos para a formação do professor, pois é nela que se baseiam para adquirir os ensinamentos necessários para a prá- tica. De acordo com Libâneo (1990, p. 26) “a didática trata da teoria geral do ensino”. Como disciplina é entendida como um estudo sistematizado, intencional, de investigação e de prática (LIBÂNEO, 1990). Ainda, nesta mesma linha de pensamento, Pimenta et al (2013, p.146), diz que: A didática, como área da pedagogia, es- tuda o fenômeno ensino. As recentes modificações nos sistemas escolares e, especialmente, na área de formação de professores configuram uma “explosão didática”. Sua ressignificação aponta para um balanço do ensino como prática social, das pesquisas e das transformações que têm provocado na prática social de ensinar. Masetto (1997, p. 13), infere que “a didática como reflexão é o estudo das teorias de ensino e aprendizagem aplicadas ao processo educativo que se realiza na escola, bem como dos resultados obtidos”. Portanto, estudar Didática no Ensino Superior, não significa acumular informações sobre as práticas e técnicas do processo de ensino e aprendizagem, mas sim acrescentar em cada su- jeito a capacidade crítica em questionar e fazer reflexão sobre as informações adquiridas ao longo de todo processo de ensi- no-aprendizado. Veiga (2010) diz que é preciso “tornar o ensi- no da Didática mais atraente e respaldado nos resultados das investigações envolvendo alunos em processo de formação”. Para Rios (2001) “tratar o fenômeno do ensino como uma totalidade concreta, buscar suas determinações, pensá-lo em conexão com outras práticas sociais é o que se espera fazer, do ponto de vista de uma concepção crítica do trabalho da didática”. Por muito tempo ensinar era nada mais do que ter conteú- dos para transmitir para os alunos, e estes eram considerados seres sem luz, incapazes de construir conhecimentos próprios. Diz Martins, “historicamente, é muito comum ouvir nos meios educacionais, sobretudo entre alunos, afirmações como: “aquele professor não tem didática...”; “ele tem conhecimento, mas não sabe comunicar”; “o professor conhece o assunto da sua matéria, mas não sabe transmitir”. E acrescenta adiante “a didática é usualmente vista como sinônimo de métodos e téc- nicas de ensino e, mais que isso, que a escola é tida como a instituição que transmite conhecimentos” (2006, p. 75-76). Contudo, o modo de atuar educacionalmente, requer adequações ao mundo atual e suas transformações ágeis que não permitem a estagnação, o que cobra do professor uma posição dinâmica frente ao processo educacional. Segundo Veiga (2004): Enfatizar o processo didático da perspectiva relacional signi- fica analisar suas características a partir de quatros dimensões:ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. O processo didático, assim, desenvolve-se mediante a ação reciproca e interdisciplinar das dimensões fundamentais. Integram-se, são complementares. 6 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Pimenta et al (2013), também descreve a nova postura da didática diante da importância na formação profissional quando enfatiza que: [...] didática é, acima de tudo, a construção de conheci- mentos que possibilitem a mediação entre o que é preciso ensinar e o que é necessário aprender; entre o saber estrutu- rado nas disciplinas e o saber ensinável mediante as circuns- tâncias e os momentos; entre as atuais formas de relação com o saber e as novas formas possíveis de reconstruí-las. A Didática integra diversas dimensões que buscam uma ligação entre os pares que correspondem ao chama- do “triangulo didático”. Para Libâneo (2012, p. 1), “os ele- mentos integrantes do triângulo didático – o conteúdo, o professor, o aluno, as condições de ensinoaprendizagem - articulam-se com aqueles socioculturais, linguísticos, éti- cos, estéticos, comunicacionais e midiáticos”. Veiga (1989, p. 22), sobre a importância da Didática no currículo do professor diz que “o papel fundamental da Di- dática no currículo de formação de professor é o de ser instrumento de uma prática pedagógica reflexiva e crítica, contribuindo para a formação da consciência crítica”. E, diante desta interação, percebe-se que a construção de novos conhecimentos acontece de forma paralela à re- lação professor-aluno, visto que este traz para o cotidiano escolar sua experiência do contexto social em que vive e, com a ajuda mediadora do professor que deve conhecê-lo enquanto ser social considerando seus conhecimentos pré- vios, e ajudando-o, assim, a transformar essas vivências em conhecimentos relevantes dotados de significados. Articular teoria e prática, uma relação necessária. A formação do educador exige uma inter-relação entre a teoria e a prática, sendo que a teoria se ocupa da pes- quisa unindo-se com os problemas reais que surgem na prática e, esta, por sua vez, se determina pela teoria. De acordo com Guimarães (2004, p. 31): O que deve mover a discussão dessa temática é o em- penho na formação profissional, é a convicção de que a educação é processo imprescindível para que o homem so- breviva e se humanize e de que a escola é instituição ainda necessária neste processo, enfim, a relevância dessa temá- tica está na compreensão da urgência, da complexidade e da utopia do projeto de escolarização obrigatória e da qua- lidade por uma sociedade efetivamente mais democrática. Os educadores enquanto seres sociais que transfor- mam a realidade quando realizam sua prática, precisam es- tar conscientes da base teórica, a fim de se orientar por ela ao mesmo tempo em que a teoria se alimenta da prática. Freire (1996), aborda a importância da reflexão crítica, em que professor deve fazer da prática sobre a teoria e vice-versa. Por isso é que, na formação permanente dos professo- res, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática, é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima pratica. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal concreto que quase se confunda com a prática. No mesmo ponto de vista Solé e Coll (1996), também indagam a importância da teoria sobre a prática quando dizem: Necessitamos de teorias que nos sirvam de referencial para contextualizar e priorizar metas e finalidades; para planejar a atuação; para analisar seu desenvolvimento e modifica-lo paulatinamente, em função daquilo que ocorre e para tomar decisões sobre a adequação de tudo. Freire (1996) afirma que, “a reflexão crítica sobre a prá- tica se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. E reforça a seguir que, “quando vivemos a autenticida- de exigida pela prática de ensinar e aprender participamos de uma experiência total, diretiva, ideológica, gnosiológi- ca, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a serieda- de” (FREIRE, 1996). Um dos campos específicos da Didática aplica-se à constante articulação entre teoria e prática com outras áreas do conhecimento para assim dar suporte ao profes- sor no desenvolvimento de suas habilidades e competên- cias diante da educação. Ao referir-se a tal assunto Libanêo (2012, p. 16) diz que: [...] a formação de professores precisa buscar uma uni- dade do processo formativo. A meu ver essa unidade implica em reconhecer que a formação inicial e continuada de pro- fessores precisa estabelecer relações teóricas e práticas mais sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências, de modo a romper com a separação entre conhecimentos disci- plinares e conhecimentos pedagógico-didáticos. Nesta perspectiva percebe-se a importância da Didá- tica visto que ela “se caracteriza como mediação entre as bases teórico-cientificas da educação escolar e a prática docente” (LIBÂNEO, 1990, p. 28). Perrenoud (2000, p. 14), aponta como procedimentos da atuação do professor 10 (dez) famílias de competências que influenciam a formação contínua do educador: Eis as 10 famílias: 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem. 2. Administrar a progressão das aprendizagens. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferen- ciação. 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho. 5. Trabalhar em equipe. 6. Participar da administração da escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. 10. Administrar sua própria formação contínua. Contudo, muitos profissionais não vêm necessidade em se apropriar da teoria como base para suas ações, con- sideram a boa atuação como “vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria” (LIBÂNEO, 1990). 7 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Entretanto, para Freire (1996), uma verdadeira formação docente acontece somente através de um novo olhar sobre a curiosidade epistemológica, pois: Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua a curiosidade epistemológi- ca, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. E, acrescenta a seguir, que “o importante, não resta dúvi- da, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas sub- metê-las a análise metodicamente rigorosa de nossa curiosi- dade epistemológica” (FREIRE, 1996, 51). De acordo com Giroux (1988), as instituições de ensino se omitem ao negar aos docentes seu verdadeiro papel, que é educá-los como intelectuais, pois ao ignorarem a criatividade e o discernimento do professor separa-se a teoria da prática. Do ponto de vista de Veiga (2010, p. 51) “a tarefa está em criar outras práticas, o desafio é construir de modo coletivo uma Didática que faça pensar sobre nossas práticas pedagógicas”. A autora também se utiliza da afirmação de que a prática peda- gógica é também uma dimensão da prática social inserida num contexto social, e que nossa obrigação enquanto educadores é possibilitar condições para que ela se realize (VEIGA, 1989). Vemos assim que teoria e prática não se dissociam uma da outra, o que garante um pensamento crítico e uma ressig- nificação de atitude, já que para garantir satisfação na prática é preciso estar numa relação consciente e direta com a teoria e basear-se nela em ações educacionais futuras. A construção da identidade profissional A construção da identidade profissional é um processo de res- significação em que o sujeito situado se constrói historicamente. O professor em formação tem que estar ciente sobre sua reflexão enquanto educador e de sua atualização sobre o conteúdo aprendido;ele precisa estar em constante esta- do de aprendizagem para melhorar suas competências tanto como profissional, quanto na sua metodologia de ensino. Libâneo (2001, p. 36) se refere à ação docente quando diz que: É certo, assim, que a tarefa de ensinar a pensar requer dos professores o conhecimento de estratégias de ensino e o de- senvolvimento de suas próprias competências do pensar. Se o professor não dispõe de habilidades de pensamento, se não sabe “aprender a aprender”, se é incapaz de organizar e regular suas próprias atividades de aprendizagem, será impossível aju- dar os alunos a potencializarem suas capacidades cognitivas. Para o autor, a formação docente é um processo pedagó- gico, que deve acontecer de forma a levar o professor a agir de maneira competente no processo de ensino (LIBÂNEO, 2001). Maia, Scheibel e Urban (2009, p. 18), discorrem sobre os fatores que possibilitam a identidade do professor: - Significação social da profissão; - Revisão constante dos significados sociais da profissão; - Revisão das tradições; - Reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas (resistentes a inovações); - Significação conferida pelo professor à atividade docen- te no seu cotidiano (a visão de mundo do professor); - Rede de relações com outros professores, em escolas, sindicatos e outros agrupamentos. Gadotti (2007), diz que “o poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a realidade para transformá-la, quanto na possibilidade de construir um coletivo para lutar por uma causa comum”. Imbernón (2002) afirma que “[...] ser um profissional da educação significa participar da emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca”. Os professores precisam repensar o modo pelo qual agem diante da sociedade e qual sua contribuição, uma vez que identidade não é inerente ao ser humano, e sim, uma posição que se constrói quer seja com certezas e/ou incerte- zas estabelecidas nas relações com a realidade social. Freire (1996) enfatiza a respeito da formação que “quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e for- ma ao ser formado”. De acordo com Tardif (): [...] um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua pratica a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um su- jeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele estrutura e a orienta. No que concerne à identidade profissional do professor pode-se dizer que o mesmo tem que ser mais do que um coadjuvante no ensino, que cativa e tem a atenção do aluno; mais do que isso, tem que promover situações em que os alu- nos sejam capazes de construir-se e reconstruir-se a partir de uma educação epistemologicamente cientifica, que garante ao aluno um ensino produtivo e significativo cognitivamente, estabelecendo intrínseca relação com a solidariedade, a de- mocracia e o desenvolvimento humano enquanto ser social e histórico. Vale dizer que sendo sujeito de sua própria prática, o pro- fessor constrói sua história a partir de seus valores e atitudes de seu dia a dia como cidadão, fundamentando assim sua identidade. Considerações finais A Didática como disciplina, deve desenvolver a capacidade a crítica dos professores em formação, para que possam anali- sar de forma clara e objetiva a realidade do ensino de modo a possibilitar que o educando construa seu próprio saber. Entender que a Educação é um processo que faz parte do conteúdo global da sociedade significa entender que a práti- ca pedagógica é parte integrante do todo social. Vale ressaltar que as bases teóricas que influenciam a prá- tica estão intrinsicamente ligadas à formação da identidade profissional do professor, visto que, para uma formação com- pleta, é preciso uma visão holística da práxis pedagógica. Necessidade indiscutível é a presença do professor na sociedade e, esta presença, se faz pelo trabalho e comprome- timento em tratar a educação e os valores advindos da socie- dade na qual este profissional se insere. 8 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Percebe-se então, a necessidade da constância em bus- car uma Didática que valorize os envolvidos e transforme os processos educacionais com propósito de integração. Sabendo que o fazer pedagógico do professor não se res- tringe a um fazer exclusivamente acadêmico, e que é pre- ciso analisar criticamente o projeto econômico, político e social para atuar satisfatoriamente no contexto atual, que é desafiador diante das mudanças dinâmicas que acontecem dia após dia. Reconhece-se a Didática como instrumento que garante a grandiosidade no atendimento educacional. Fonte: BARBOSA, F. A. dos S; FREITAS, F. J. C. de. A didática e sua contribuição no processo de formação do professor. - O PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM: OBJETIVOS, PLANEJAMENTO, MÉTODOS E AVALIAÇÃO: ABORDAGENS DE ACORDO COM AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS; OBJETIVOS, PLANEJAMENTO, MÉTODOS E AVA- LIAÇÃO “O planejar é uma realidade que acompanhou a traje- tória histórica da humanidade. O homem sempre sonhou, pensou e imaginou algo na sua vida.” Segundo Moretto, percebe-se que o planejamento é fundamental na vida do homem, porém no contexto es- colar ele não tem tanta importância assim: “o planejamen- to no contexto escolar não parece ter a importância que deveria ter”. Este fato acontece porque o planejamento só passou a ser bem definido a partir do século passado, com a revolução comunista que construiu a União Soviética. No mundo capitalista, segundo Gandin, o planejamen- to passa a ser utilizado pelo governo, após a segunda guer- ra mundial, para a resolução de questões mais complexas. A adoção do planejamento pelo governo teve uma adesão tão grande que as outras instituições sentiram-se motiva- das e passaram a se preocupar com a importância do pla- nejamento, uma vez que ele visava a suprir as necessidades de um comércio em ascensão que exigia uma nova organi- zação. Com isso pode-se dizer que foi a partir desta época que o planejamento se universalizou. Na educação esta realidade também não poderia ter sido diferente, uma vez que, segundo Kuenzer “o planeja- mento de educação também é estabelecido a partir das regras e relações da produção capitalista, herdando, por- tanto, as formas, os fins, as capacidades e os domínios do capitalismo monopolista do Estado.” Aqui no Brasil, Padilha explica que “Durante o regime autoritário, eles foram utilizados com um sentido autocrá- tico. Toda decisão política era centralizada e justificada tec- nicamente por tecnocratas à sombra do poder.” Kuenzer complementa a citação acima explicando que “A ideolo- gia do Planejamento então oferecida a todos, no entanto, escondia essas determinações político-econômicas mais abrangentes e decididas em restritos centros de poder.” O regime autoritário fez com que muitos educadores criassem uma resistência com relação à elaboração de pla- nos, uma vez que esses planos eram supervisionados ou elaborados por técnicos que delimitavam o que professor deveria ensinar, priorizando as necessidades do regime po- lítico. “Num regime político de contenção, o planejamento passa a ser bandeira altamente eficaz para o controle e or- denamento de todo o sistema educativo.” Apesar de se ter claro a importância do planejamento na formação, Fusari explica que: “Naquele momento, o Golpe Militar de 1964 já implan- tava a repressão, impedindo rapidamente que um trabalho mais crítico e reflexivo, no qual as relações entre educação e sociedade pudessem ser problematizadas, fosse vivencia- das pelos educadores, criando, assim, um “terreno” propí-cio para o avanço daquela que foi denominada “tendência tecnicista” da educação escolar.” Mas não se pode pensar que o regime político era o único fator que influenciava no pensamento com relação à elaboração dos planos de aulas; as teorias da administra- ção também refletiam no ato de planejar do professor, uma vez que essas teorias traziam conceitos que iriam auxiliar na definição do tipo de organização educacional que seria adotado por uma determinada instituição. No início da história da humanidade, o planejamento era utilizado sem que as pessoas percebessem sua impor- tância, porém com a evolução da vida humana, principal- mente no setor industrial e comercial, houve a necessidade adaptá-lo para os diversos setores. Nas escolas ele também era muito utilizado; a princípio, o planejamento era uma maneira de controlar a ação dos professores de modo a não interferir no regime político da época. Hoje o planeja- mento já não tem a função reguladora dentro das escolas, ele serve como uma ferramenta importantíssima para or- ganizar e subsidiar o trabalho do professor, assunto este que será abordado mais detalhadamente nos próximos ca- pítulos desta pesquisa. Planejamento, plano(s), projeto(s) – compreensão neces- sária “Hoje vivemos a segunda grande onda do planejamen- to. A primeira entra em crise na década de 70. A década de 80, embora, na prática, se apresente como uma grande resistência ao planejamento, contém os mais efetivos anos em termos da compreensão da necessidade, do estudo, do esclarecimento e da confirmação desta ferramenta.” A citação demonstra a dimensão da necessidade de se compreender a importância do ato de planejar, não apenas no nosso dia-a-dia, mas principalmente, no dia-a-dia de sala de aula. Para Moretto, planejar é organizar ações. Essa é uma definição simples mas que mostra uma dimensão da im- portância do ato de planejar, uma vez que o planejamen- to deve existir para facilitar o trabalho tanto do professor como do aluno. 9 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS O planejamento deve ser uma organização das ideias e informações. Gandin (2008) sugere que se pense no plane- jamento como uma ferramenta para dar eficiência à ação humana, ou seja, deve ser utilizado para a organização na tomada de decisões e para melhor entender isto precisa-se compreender alguns conceitos, tais como: planejar, planeja- mento e planos que segundo Menegolla & Sant’Anna “são palavras sofisticadamente pedagógicas e que “rolam” de boca em boca, no dia-a-dia da vida escolar.” Porém, para Padilha, estes termos têm sido compreendidos de muitas maneiras. Dentre elas destaca-se: - Planejamento: “É um instrumento direcional de todo o processo edu- cacional, pois estabelece e determina as grandes urgências, indica as prioridades básicas, ordena e determina todos os recursos e meios necessários para a consecução de gran- des finalidades, metas e objetivos da educação.” - Plano Nacional de Educação: “Nele se reflete a política educacional de um povo, num determinado momento histórico do país. É o de maior abrangência porque interfere nos planejamentos feitos no nível nacional, estadual e municipal.” - Plano de Curso: “O plano de curso é a sistematização da proposta geral de trabalho do professor naquela determinada disciplina ou área de estudo, numa dada realidade. Pode ser anual ou semestral, dependendo da modalidade em que a disciplina é oferecida.” - Plano de Aula: “É a sequência de tudo o que vai ser desenvolvido em um dia letivo. (...) É a sistematização de todas as ativida- des que se desenvolvem no período de tempo em que o professor e o aluno interagem, numa dinâmica de ensino -aprendizagem.” - Plano de Ensino: “É a previsão dos objetivos e tarefas do trabalho do- cente para um ano ou um semestre; é um documento mais elaborado, no qual aparecem objetivos específicos, conteú- dos e desenvolvimento metodológico.” - Projeto Político Pedagógico: “É o planejamento geral que envolve o processo de re- flexão, de decisões sobre a organização, o funcionamento e a proposta pedagógica da instituição. É um processo de organização e coordenação da ação dos professores. Ele articula a atividade escolar e o contexto social da escola. É o planejamento que define os fins do trabalho pedagógi- co.” (MEC, 2006) Os conceitos apresentados têm por objetivo mostrar para o professor a importância, a funcionalidade e princi- palmente a relação íntima existente entre essas tipologias. Segundo Fusari, “Apesar de os educadores em geral utili- zarem, no cotidiano do trabalho, os termos “planejamento” e “plano” como sinônimos, estes não o são.” Outro aspec- to importante, segundo Schmitz é que “as denominações variam muito. Basta que fique claro o que se entende por cada um desses planos e como se caracterizam.” O que se faz necessário é estar consciente que: “Qualquer atividade, para ter sucesso, necessita ser planejada. O planejamento é uma espécie de garantia dos resultados. E sendo a educação, especialmente a educação escolar, uma atividade sistemática, uma organização da situação de aprendizagem, ela necessita evidentemente de planejamento muito sério. Não se pode improvisar a educação, seja ela qual for o seu nível.” Professor x plano de aula: inimigos ou aliados “A educação, a escola e o ensino são os grandes meios que o homem busca para poder realizar o seu projeto de vida. Portanto, cabe à escola e aos professores o dever de planejar a sua ação educativa para construir o seu bem viver. A citação acima deixa clara a importância tanto da escola como dos professores na formação humana; por este moti- vo todas as ações educativas devem ter como perspectiva a construção de uma sociedade consciente de seus direitos e obrigações, sejam eles individuais ou coletivos. Infelizmente, apesar do planejamento da ação educativa ser de suma importância, existem professores que são negli- gentes na sua prática educativa, improvisando suas ativida- des. Em consequência, não conseguem alcançar os objetivos quanto à formação do cidadão. “A ausência de um processo de planejamento de ensino nas escolas, aliado às demais dificuldades enfrentadas pelos docentes do seu trabalho, tem levado a uma contínua impro- visação pedagógica das aulas. Em outras palavras, aquilo que deveria ser uma prática eventual acaba sendo uma “regra”, prejudicando, assim, a aprendizagem dos alunos e o próprio trabalho escolar como um todo.” Para Moretto: “Há, ainda, quem pense que sua experiência como professor seja suficiente para ministrar suas aulas com competência.” Professores com este tipo de pensamento des- conhecem a função do planejamento bem como sua impor- tância. Simplesmente estão preocupados em ministrar conteú- dos, desconsiderando a realidade e a herança cultural existente em cada comunidade escolar bem como suas necessidades. Outro aspecto que vem influenciando o ato de planejar dos professores são os materiais didáticos ou as instruções metodológicas para os professores que acompanham estes materiais. Na presente pesquisa não se pretende discutir se eles são bons ou ruins e sim a forma com a qual estão sendo utilizados pelos professores. O que acontece é que o profes- sor faz um apanhado geral dos conteúdos dispostos no mate- rial e confronta com o tempo que tem disponível para ensinar esses conteúdos aos alunos e a partir desses dados divide-os atribuindo a este ato erroneamente o nome de plano de aula. “Muitas vezes os professores trocam o que seria o seu planejamento pela escolha de um livro didático. Infelizmente, quando isso acontece, na maioria das vezes, esses professores acabam se tornando simples administradores do livro esco- lhido. Deixam de planejar seu trabalho a partir da realidade de seus alunos para seguir o que o autor do livro considerou como mais indicado” (MEC, 2006) Outra situação muito comum em relação à elaboração do plano de aula é que “em muitos casos, os professores copiam ou fazem cópia do plano doano anterior e o en- tregam a secretaria da escola, com a sensação de mais uma atividade burocrática”. 10 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Luckesi afirma que o ato de planejar, em nosso país, principalmente na educação, tem sido considerada como uma atividade sem significado, ou seja, os professores es- tão muito preocupados com os roteiros bem elaborados e esquecem do aperfeiçoamento do ato político do planeja- mento. Os professores precisam quebrar o paradigma de que o planejamento é um ato simplesmente técnico e passar a se questionarem sobre o tipo de cidadão que pretendem for- mar, analisando a sociedade na qual ele está inserido, bem como suas necessidades para se tornar atuante nesta socie- dade. Para Luckesi: “O planejamento não será nem exclusivamente um ato político-filosófico, nem exclusivamente um ato técnico; será sim um ato ao mesmo tempo político-social, científico e téc- nico: político-social, na medida em que está comprometido com as finalidades sociais e políticas; científicas na medida em que não pode planejar sem um conhecimento da reali- dade; técnico, na medida em que o planejamento exige uma definição de meios eficientes para se obter resultados.” O ato de planejar não pode priorizar o lado técnico em detrimento do lado político-social ou vice-versa, ambos são importantes. Por este motivo, devem ser muito bem pensados ao serem formulados visando à transformação da sociedade. Plano de aula: do senso comum à consciência filosófica Considerando que o planejamento deve ser pensado como um ato político- -social, não se pode conceber que o professor não realize o mínimo de planejamento necessário para seus alunos, afinal, o planejamento, no processo edu- cativo, segundo Menegolla & Sant’Anna, não deve ser visto como regulador das ações humanas, ou seja, um limitador das ações tanto pessoais como sociais, e sim ser visto e pla- nejado no intuito de nortear o ser humano na busca da au- tonomia, na tomada de decisões, na resolução de problemas e principalmente na capacidade de escolher seus caminhos. “Essencialmente, educar/ensinar é um ato político. En- tendamos bem essa proposição: a essência política do ato pedagógico orienta a práxis do educador quanto aos obje- tivos a serem atingidos, aos conteúdos a serem transmitidos e aos procedimentos a serem utilizados, quando do trabalho junto a um determinado grupo de alunos.” Menegolla & Sant’Anna ainda completam argumentan- do que o plano das aulas visa à liberdade de ação e não pode ser planejado somente pelo bom senso, sem bases científicas que norteiem o professor. Segundo Gutenberg essa base científica utilizada para organizar o trabalho peda- gógico são os pilares e princípios da Educação, anunciados e exigidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) (MEC); por este motivo faz-se necessário conhecê -los e compreendê-los muito bem. “Todo mestre precisa entender que esse conjunto de re- gras, embora pareça muito burocrático e teórico para uns, ou mesmo inútil para outros, trata-se de uma tentativa clara para que os alunos aprendam e apreendam o que for neces- sário durante o período escolar.” Partindo do princípio de que o professor deve ensinar os conteúdos e também formar o aluno para que ele se torne atuante na sociedade, ele deve organizar seu plano de aula de modo que o aluno possa perceber a importância do que está sendo ensinado, seja num contexto histórico, para o seu dia-a-dia ou para seu futuro. É claro que integrar estes dois aspectos, senso comum e consciência filosófica, nem sempre é tão fácil. Para que isso aconteça faz-se necessário muito empenho por parte do professor. “(...) um mínimo de intimidade com a realidade concreta das escolas é necessário à formação do educador. Sem isso, abre-se a possibilidade de improvisação ou, o que é pior, de experimentação para ver se “dá certo” em termos do encaminhamento do ensino. Até que o professor se situe criticamente no contexto de sala de aula, os alunos passam a ser cobaias desse profissional.” Menegolla & Sant’Anna explicam que o planejamento também serve para desenvolver tanto nos professores como nos alunos uma ação eficaz de ensino e aprendizagem, uma vez que ambos são atuantes em sala de aula. Porém é de responsabilidade do professor elaborar o plano de aula, pois é ele quem conhece as reais aspirações de cada turma. “O preparo das aulas é uma das atividades mais importantes do trabalho do profissional de educação escolar. Nada substitui a tarefa de preparação da aula em si. (...) faz parte da competência teórica do professor, e dos compromissos com a democratização do ensino, a tarefa cotidiana de preparar suas aulas (...)”. Moretto acredita que o professor, ao elaborar o plano de aula, deve considerar alguns componentes fundamen- tais, tais como: conhecer a sua personalidade enquanto pro- fessor, conhecer seus alunos (características psicossociais e cognitivas), conhecer a epistemologia e a metodologia mais adequada às características das disciplinas, conhecer o con- texto social de seus alunos. Conhecer todos os componen- tes acima possibilita ao professor escolher as estratégias que melhor se encaixam nas características citadas aumentando as chances de se obter sucesso nas aulas. Outro grupo que deve estar atento à importância de se elaborar planos de aula são os professores em início de carreira, pois, para Schmitz, esses profissionais iniciando sua carreira no magistério adquirem confiança para dar aula, uma vez que, no plano de aula, é possível esclarecer os ob- jetivos da mesma, sistematizar as atividades e facilitar seu acompanhamento. Mediante todos os fatos pesquisados até agora, não se discute a necessidade e a importância de se elaborar o plano de aula, porém, segundo Schmitz, ele não precisa ser des- crito minuciosamente, mas deve ser estruturado, escrito ou mentalmente. “Trata-se de fazer uma organização mental e uma tomada de consciência do que o professor de fato pre- tende fazer e alcançar. Se tiver esse planejamento presente, evitará ser colhido de surpresa por acontecimentos impre- vistos. A sua criatividade, a sua intuição, torna-se mais agu- çada e com mais facilidade percebe novas oportunidades.” Alguns autores sugerem que o planejamento tenha al- gumas etapas principais, pois serão estas etapas que darão uma visão do que é necessário e conveniente ao professor e aos alunos. São elas: 11 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - Objetivos: “Os objetivos indicam aquilo que o aluno deverá ser capaz como consequência de seu desempenho em atividades de uma determinada escola, série, disciplina ou mesmo uma aula.” - Conteúdo: “É um conjunto de assuntos que serão estudados durante o curso em cada disciplina. Assuntos que fazem parte do acervo cultural da humanidade traduzida em linguagem escolar para facilitar sua apropriação pelos estudantes. Estes assuntos são selecionados e organizados a partir da definição dos objetivos, sendo assim meios para que os alunos atinjam os objetivos de ensino.” - Metodologia: “Tratam-se de atividades, procedimentos, métodos, técnicas e modalidades de ensino, selecionados com o propósito de facilitar a aprendizagem. São, propriamente, os diversos modos de organizar as condições externas mais adequadas à promoção da aprendizagem.” - Avaliação: “Na verdade, a avaliação acompanha todo o processo de aprendizagem e não só um momento privilegiado (o de prova ou teste) pois é um instrumento de feedback contínuo para o educando e para todos os participantes. Nesse sentido, fala da consecução ou não dos objetivos da aprendizagem. (...) O processo de avaliação se coloca como uma situação frequentemente carregada de ameaça, pressão ou terror.” A partir das definições das principais etapas que devem conter um planejamento, o professor já tem condições necessárias para fazê-lo e utilizá-lo adequadamente. Vale lembrar, porém, que segundo Menegolla & Sant’anna, não existe um modelo único de planejamento e simvários esquemas e modelos. Também não existe um modelo melhor do que o outro, cabe ao professor escolher aquele que melhor atenda suas necessidades bem como as de seus alunos, que seja funcional e de bons resultados. Fonte CASTRO, P. A. P. P.; TUCUNDUVA, C. C. e ARNS, E. M. ABORDAGENS DE ACORDO COM AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS Neste texto objetiva-se sistematizar as características do pensamento pedagógico de diferentes autores sobre a contextua- lização dos ambientes educativos de onde emergem a compreensão de homem, mundo e sociedade; compreender o papel do professor, do aluno, da escola e dos elementos que compõem o ambiente escolar; estabelecer relação entre as tendências pedagógicas e a prática docente que os professores adotam na sala de aula. Além disso, busca-se verificar os pressupostos de aprendizagem empregados pelas diferentes tendências pedagógicas na prática escolar brasileira, numa tentativa de contribuir, teoricamente, para a formação continuada de professores. As tendências pedagógicas definem o papel do homem e da educação no mundo, na sociedade e na escola, o que repercute na prática docente em sala de aula graças a elementos constitutivos que envolvem o ato de ensinar e de aprender. A seguir, serão apresentados, os pensamentos pedagógicos dos estudiosos Paulo Freire, José Carlos Libâneo, Fernando Becker e Maria das Graças Nicoletti Mizukami. a) Paulo Freire: Educação Bancária e Problematizadora Abordar o pensamento pedagógico de Paulo Freire não significa enquadrá-lo em um campo teórico determinado nem testar a validade científica da sua pedagogia. Todavia, é de fundamental importância para a formação de qualquer profis- sional de Educação que se faça uma leitura e reflexão sobre sua obra, buscando estabelecer uma vivência teórico-prática durante toda a nossa ação docente. A esse respeito, o próprio Freire sempre chamava a atenção para um novo conhecimen- to que é gerado e produzido na tensão entre a prática e a teoria. A história de Paulo Freire nos deixa uma grande herança: a sua práxis político-pedagógica e a luta pela construção de um projeto de sociedade inclusiva. Discutir a sua pedagogia é um compromisso de todos nós que lutamos por inclusão social, por ética, por liberdade, por autonomia, pela recuperação da memória coletiva e pela construção de um projeto para uma escola cidadã. Em Pedagogia do Oprimido (1982), Paulo Freire fala sobre a prática docente sob a forma de Educação Bancária e Edu- cação Problematizadora – também chamada de Libertadora, pois se propõe a conscientizar o educando de sua realidade social. Para Freire, há duas concepções de educação: uma bancária, que serve à dominação e outra, problematizadora, que serve à libertação. Nesse sentido, faz uma opção pela educação problematizadora que desde o início busca a superação educador-educando. Isso nos leva a compreender um novo termo: educador-educando com educando-educador. Quadro-síntese da concepção da Educação Bancária e Educação Problematizadora de Paulo Freire (1982). 12 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Educação Bancária Educação Problematizadora Ensino O aluno é o banco em que o mestre deposita o seu saber que vai render largos juros, em favor da ordem social que o professor representa. “Para o educador-educando [...] o conteúdo programático da educação não é uma doação ou imposição, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada”. Método A narração é a técnica utilizada pelo educador para depositar conteúdo nos educandos e conduzi-los à memorização mecânica. Reforça a imprescindibilidade de uma educação realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva, combinações indispensáveis para o desvelamento da realidade e sua apreensão consciente pelo educando. Professor-aluno O saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância. A ação dialógica se dá entre os sujeitos “ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade somente pode realizar-se na comunicação”. Abomina, dentre outras coisas, a dependência dominadora. Aprendizagem Conhecimento é algo que, por ser imposto, passa a ser absorvido passivamente. O comprometimento com a transformação social é a premissa da educação Libertadora. A partir desse quadro-síntese constata-se que a Educação Bancária fundamenta-se numa prática narradora, sem diá- logo, para a transmissão e avaliação de conhecimento numa relação vertical – o saber é fornecido de cima para baixo – e autoritária, pois manda aquele que sabe. O método da concepção bancária é a opressão, o antidiálogo. Configura-se então a educação exercida como uma prática da dominação, “em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam”. Na educação problematizadora, o conhecimento deve vir do contato do homem com o seu mundo, que é dinâmico, e não como um ato de doação. Supera-se, pois a relação vertical e se estabelece a relação dialógica, que supõe uma troca de conhecimento. Freire (1982) destaca que o “educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa”. Para o autor a dialogicidade é a essência da Educação Libertadora. Além disso, outras características são necessárias para que ela se concretize tais como: colaboração, união, organização e síntese cultural. Ao desenvolver uma epistemologia do conhecimento, Freire parte de uma reflexão acerca de uma experiência concreta para desenvolver sua metodologia dialética: ação-reflexão- ação. Metodologia que parte da problematização da prática concreta, vai à teoria estudando-a e reelaborando-a criticamente e retorna à prática para transformá-la. Nesta concepção, o diálogo se apresenta como condição fundamental para sua concretização. Ele nos apresenta sua teoria metodológica a partir da sua prática refletida na alfabetização de jovens e adultos, inicia- da na década de 1960. O trabalho, que foi denominado como “método Paulo Freire”, ou “método de conscientização” foi desenvolvido, a partir de uma leitura de mundo, em cinco fases: levantamento do universo vocabular, temas geradores e escolha de palavras geradoras, criação de situações existenciais típicas do grupo, elaboração de fichas-roteiro e leitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas. Apesar do reconhecimento da qualidade emancipatória do processo de alfabetização divulgada e experienciada em vários países, Freire insistiu que as experiências não podem ser transplantadas, mas reinventadas. Nesse sentido, o da reinvenção, é que acreditamos nas possibilidades didáticas das experiências com a pedagogia freireana. Ele reforça a importância da participação democrática e o exercício da autonomia para construção dos projetos político -pedagógicos. Em oposição, condena os novos pacotes pedagógicos impostos sem a participação da comunidade escolar e incentiva a incorporação de múltiplos saberes necessários à prática de educação crítica. Para isso, referencia o respeito aos saberes socialmente construídos na prática comunitária e sugere que se discuta com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos e às razões políticas ideológicas. b) José Carlos Libâneo: Pedagogia Liberal e Pedagogia Progressista Libâneo classifica as tendências pedagógicas, segundo a posição que adotam em relação aos condicionantes socio- políticos da escola, em Pedagogia Liberal – subdividida em tradicional, renovada progressivista, renovada não-diretiva e tecnicista – e Pedagogia Progressista – que se subdivide em libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. 13 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOSSegundo LIBÂNEO (1994), a pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indiví- duos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Isso pressupõe que o indivíduo pre- cisa adaptar-se aos valores e normas vigentes na sociedade de classe, através do desenvolvimento da cultura individual. Devido a essa ênfase no aspecto cultural, as diferenças en- tre as classes sociais não são consideradas, pois, embora a escola passe a difundir a ideia de igualdade de oportunida- des, não leva em conta a desigualdade de condições. As Tendências Pedagógicas Liberais tiveram seu início no século XIX, tendo recebido as influências do ideário da Revolução Francesa (1789), de “igualdade, liberdade, frater- nidade”, que foi, também, determinante do liberalismo no mundo ocidental e do sistema capitalista, onde estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, o que se denominou como sociedade de classes. Sua preocupação básica é o cultivo dos interesses individuais e não-sociais. Para essa tendência educacional, o saber já produzido (conteúdos de ensino) é muito mais importante que a experiência do sujeito e o pro- cesso pelo qual ele aprende, mantendo o instrumento de poder entre dominador e dominado. Na Tendência Liberal Tradicional, é tarefa do educador fazer com que o educando atinja a realização pessoal atra- vés de seu próprio esforço. O cultivo do intelecto é descon- textualizado da realidade social, com ênfase para o estudo dos clássicos e das biografias dos grandes mestres. A trans- missão é feita a partir dos conteúdos acumulados historica- mente pelo homem, num processo cumulativo, sem recons- trução ou questionamento. A aprendizagem se dá de forma receptiva, automática, sem que seja necessário acionar as habilidades mentais do educando além da memorização. Seu método enfatiza a transmissão de conteúdos e a assimilação passiva. É ainda intuitivo, baseado na estimula- ção dos sentidos e na observação. Através da memorização, da repetição e da exposição verbal, o educador chega a um interrogatório (tipo socrático), estimulando o individualis- mo e a competição. Envolve cinco passos que, segundo Friedrich Herbart, são os seguintes: preparação, recordação, associação, generalização e aplicação. Libâneo (1994) afirma ainda que o ensino é centrado no professor que expõe e interpreta o conhecimento. Às vezes, o conteúdo de ensino é apresentado com auxílio de objetos, ilustrações ou exemplos, embora o meio principal seja a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos “gravam” o assunto para depois reproduzi-lo quando forem interrogados pelo professor ou através das provas. Para isso, é importante que o aluno “preste atenção” para que possa registrar mais facil- mente, na memória, o que é transmitido. Desse modo, o aluno é um recebedor do conteúdo, ca- bendo-lhe a obrigação de memorizá-lo. Os objetivos das aulas, explícitos ou não no planejamento dos professores, referem-se à formação de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os alu- nos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. O conteúdo a ser ensinado é tratado isoladamente, isto é, desvinculado dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida. O método de ensino é dado pela lógica e sequência do assunto, modo pelo qual o professor se apoia para comunicar-se desconsiderando o processo cogni- tivo desenvolvido pelos alunos para aprender. Todavia, alguns 5 métodos intuitivos foram incorporados ao ensino tradicio- nal, baseando-se na apresentação de dados ligados à sensi- bilidade dos alunos de modo que eles pudessem observá-los e, a partir daí, formar imagens mentais. Muitos professores ainda acham que “partir do concreto” constitui-se na chave do ensino atualizado. Essa ideia, entretanto, já fazia parte da Pedagogia Tradicional porque o concreto (mostrar objetos, ilustrações, gravuras, entre outros) serve apenas para que o aluno grave na mente o que é captado pelos sentidos. O ma- terial concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida mentalmente com ele, não o repensa, não o reelabora com o seu próprio pensamento. A aprendizagem é, portanto, receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, embora tenham surgido nos últimos anos inúme- ras propostas de renovação das abordagens do processo en- sinoaprendizagem, como as sugestões presentes nos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. A Pedagogia Renovada, por outro lado, retoma aspectos referentes às perspectivas progressivistas baseadas em John Dewey, bem como a não-diretiva inspirada em Carl Rogers, a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todavia, o que caracteriza fortemente os conhecimentos e a experiência da Didática brasileira vem, em sua maioria, do movimento da Escola Nova (entendida como “direção da aprendizagem” e que considera o aluno como sujeito da aprendizagem). Nessa concepção pedagógica, o professor deve deixar o aluno em condições mais adequadas possíveis para que possa partir das suas necessidades e ser estimulado pelo ambiente para vivenciar experiências e buscar por si mesmo o conhecimento. Segundo Libâneo (1994), essa tendência, no Brasil, segue duas versões distintas: a Renovada Progressivista (que se refe- re a processos internos de desenvolvimento do indivíduo; não confundir com progressista, que se refere a processos sociais) ou Pragmatista, inspirada nos Pioneiros da Escola Nova, e a Tendência Renovada não-Diretiva, inspirada em Carl Rogers e A. S. Neill, que se volta muito mais para os objetivos de de- senvolvimento pessoal e relações interpessoais (sendo que este último não chegou a desenvolver um sistema a respeito dos métodos da educação). Seu método de ensino é o ativo, que inicialmente se caracteriza pelo método “aprender fazen- do” e, após a junção dos cinco passos propostos por Dewey (experiência, problema, pesquisa, ajuda discreta do professor, estudo do meio natural e social), desenvolve o “aprender a aprender”, que, privilegiando os estudos independentes e também os estudos em grupo, seleciona uma situação vivida pelo educando que seja desafiante e que careça de uma solu- ção para um problema prático. Para Saviani, por estes motivos e outros de ordem política, a Escola Nova, seguidora dessas vertentes, acaba por aprimorar o ensino das elites e rebaixar o das classes populares. Mas, mesmo recebendo esse tipo de crítica, podemos considerá-la como o mais forte movimento “renovador” da educação brasileira. 14 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Para a tendência renovada, o papel da educação é o de atender as diferenças individuais, as necessidades e interesses dos educandos, enfatizando os processos mentais e 6 habili- dades cognitivas necessárias à adaptação do homem ao meio social. O educando é, portanto, o centro e sujeito do conhe- cimento. Nessa perspectiva, Libâneo (1994) afirma que o aluno aprende melhor tudo o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender fazendo, no sentido de trabalho manual, de ações de manipulação de objetos. Trata-se de colocar o aluno frente a situações que mobilizem suas habilidades inte- lectuais de criação, de expressão verbal, escrita, plástica, entre outras formas de exercício cognitivo. O centro da atividade escolar, portanto, não é o professor nem a matéria, mas o alu- no em seu caráter ativo e investigador. O professor incentiva, orienta, organiza as situações de aprendizagem, adequando -as às capacidades de características individuais dos alunos. Assim, essa didática ativa valoriza métodos e técnicas como o trabalho em grupo, as atividades cooperativas, o es- tudo individual, as pesquisas, os projetos, as experimentações, dentre outros, bem como os métodos dereflexão e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na organização das experiências de aprendizagem como na seleção de méto- dos, importa o processo de aprendizagem e não diretamente o ensino. O melhor método é aquele que atende às exigências psicológicas do aprender. Em síntese, a tendência dessa escola é deixar os conheci- mentos sistematizados em segundo plano, valorizando mais o processo de aprendizagem e os fatores que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais de quem aprende. Desse modo, os adeptos dessa tendência didática acreditam que o professor não ensina, mas orienta o aluno durante o processo de aprendizagem, sugerindo assim uma didática não diretiva no ensinoaprendizagem. Isso por- que o conhecimento ocorre a partir de um processo ativo de busca do aprendiz e orientado pelo professor, constituindo- se, então, o eixo norteador da ação educativa, centrada nas atividades de investigação. A Tendência Liberal Tecnicista tem seu início com o declí- nio, no final dos anos 60, da Escola Renovada, quando, mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país, as eli- tes dão ênfase a um outro tipo de educação direcionada às massas, a fim de conservar a posição de dominação, ou seja, manter o status quo dominante. Atendendo os interesses da sociedade capitalista, inspira- da especialmente na teoria behaviorista, corrente comporta- mentalista organizada por Skinner e na abordagem sistêmica de ensino, traz como verdade absoluta a neutralidade científi- ca e a transposição dos acontecimentos naturais à sociedade. Negando os determinantes sociais, o tecnicismo tinha como princípios a racionalidade, a eficiência, a produtividade e a neutralidade científica, produzindo, no âmbito educacio- nal, uma enorme distância entre o planejamento - preparado por especialistas e não por educadores, seus meros executo- res - e a prática educativa. Nesse período, a educação passa a ter seu trabalho par- celado, fragmentado, a fim de produzir determinados produ- tos desejáveis pela sociedade capitalista e industrial. Muitas propostas surgem como enfoque sistêmico, o microensino, o tele-ensino, a instrução programada, entre outras. Subordina a educação à sociedade, tendo como função principal a pro- dução de indivíduos competentes, ou seja, a preparação da mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho a ser consolidado. Neste contexto, a pedagogia tecnicista termina contribuindo ainda mais para o caos no campo educativo, ge- rando, assim, a inviabilidade do trabalho pedagógico. Seu método é o da transmissão e recepção de informa- ções. Nele, o educando é submetido a um processo de con- trole do comportamento, a fim de que os objetivos operacio- nais previamente estabelecidos possam ser atingidos. Trata- se do “aprender fazendo”. Trata-se de uma tendência pedagógica que ganhou cer- ta autonomia quando se constituiu especificamente como tendência independente, inspirada na teoria behaviorista da aprendizagem. De acordo com Libâneo (1994), essa orienta- ção acabou sendo imposta às escolas pelos organismos ofi- ciais ao longo de boa parte das décadas que constituíram o regime militar de governo, por ser compatível com a orien- tação econômica, política e ideológica desse regime político, então vigente. Atualmente, ainda percebemos a predominância dessas características tecnicistas em alguns cursos de formação de professores, principalmente das áreas de Ciências e Matemá- tica, com relação ao uso de manuais didáticos com essas ca- racterísticas (tecnicistas), especificamente instrumentais. Essa tendência didática tem como objetivo a racionalização do en- sino, o uso de meios e técnicas mais eficazes, cujo sistema de instrução é composto de: - Especificação de objetivos instrucionais a serem opera- cionalizados; - Avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisi- tos visando alcançar os objetivos; - Ensino ou organização das experiências de aprendiza- gem; - Avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos obje- tivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa sequência resultou na seguinte sequência: objetivos, conteúdos, estratégias, avalia- ção. O professor é um administrador e executor do planeja- mento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios necessários para se atingir os objetivos. De acordo com essa tendência, os livros didáticos usados nas escolas eram, e ainda são, elaborados, em sua maioria, com base na tecnologia da instrução, ou seja, sob a forma de atividades di- rigidas nas quais os alunos seguem etapas sequenciadas que os levem ao alcance dos objetivos previamente estabelecidos, sem que possam exercitar a sua criatividade cognitiva. Se, nas Tendências Liberais, a escola possuía uma função equalizadora, nas Tendências Progressistas, derivada das teo- rias críticas, ela passa a ser analisada como reprodutora das desigualdades de classe e reforçadora do modo de produção capitalista. Tendo surgido na França a partir de 1968 e no Brasil com a Revolução Cultural, nas Tendências Progressistas, a escola passa a ser vista não mais como redentora, mas como repro- dutora da classe dominante. Snyders (1994) foi o primeiro a usar o termo “Pedagogia Progressista”, partindo de uma aná- lise crítica da realidade social, sustentando, implicitamente, as finalidades sociais e políticas da educação. 15 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Nessa perspectiva, Libâneo (1994), designa à Pedagogia Progressista três tendências: A Pedagogia Progressista Libertadora que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustenta os fins so- ciopolíticos da educação. Teve seu início com Paulo Freire, nos anos 60, rebelando-se contra toda forma de autoritarismo e dominação, defendendo a conscientização como processo a ser conquistado pelo homem, através da problematização de sua própria realidade. Sendo revolucionária, ela preconizava a transformação da sociedade e acreditava que a educação, por si só, não faria tal revolução, embora fosse uma ferramenta importante e fundamental nesse processo. A teoria educacional freireana é utópica, em seu sentido de vir-a-ser, de inédito viável, expressões usadas por Freire, e esperançosa, porque deposita na transformação do homem a ideia de que mudar é possível e de que não estamos neces- sariamente imobilizados por estarmos submetidos a papéis pré-determinados em uma sociedade de classes. Segundo ele, apesar de os seguidores dessa tendência não terem tido a preocupação com uma proposta pedagógica explícita, ha- via uma didática implícita em seus “círculos de cultura”, sendo cerne da atividade pedagógica a discussão de temas sociais e políticos, que a nós parece ser claro o método dialógico, usado para o despertar da consciência política. A Pedagogia Progressista Libertária tem como ideia bási- ca modificações institucionais, que, a partir dos níveis subal- ternos, vão “contaminando” todo o sistema, sem modelos e recusando-se a considerar qualquer forma de poder ou au- toridade. Percebemos esta tendência como decorrência de uma abertura para uma sociedade democrática, que vai se fir- mando lentamente a partir do início dos anos 80, com a volta dos exilados políticos e a liberdade de expressão nos meios acadêmicos, políticos e culturais do país. Firmando-se os in- teresses por escolas realmente democráticas e inclusivas e a ideia do projeto políticopedagógico da escola como forma de identificação política que atenda aos interesses locais e regio- nais, primando por uma educação de qualidade para todos. A participação em grupos e movimentos sociais na sociedade, além dos muros escolares, é incentivada e ampliada, trazendo para dentro dela a necessidade de concretizar a democracia, através de eleições para conselhos, direção da escola, grêmios estudantis e outras formas de gestão participativa. No Brasil, os libertários recebem a influência do pensa- mento de Celestin Freinet e suas técnicas nas quaisos pró- prios alunos organizavam os seus planos de trabalho. O mé- todo de ensino é a própria autogestão, tornando o interesse pedagógico dependente de suas necessidades ou do próprio grupo. Para Libâneo (1994), na didática centrada na Pedagogia Libertadora, o professor busca desenvolver o processo educa- tivo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais e, por isso, ele é o coordenador ou o animador das atividades que se organizam sempre pela ação conjunta dele e dos alunos. Não há, portanto, uma proposta explícita de Didática e muitos dos seus seguidores, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental, meramente prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação dos professores. Há, nessa perspectiva pedagógica, uma didática implícita na orientação das atividades escolares de modo que o profes- sor se coloque diante de sua classe como um orientador da aprendizagem dos seus alunos. Entretanto, essas atividades estão centradas na discussão de temas sociais e políticos, ou seja, o foco do ensino é a realidade social, em que o professor e os alunos estão envolvidos. Assim, eles analisam os proble- mas da realidade do contexto sócioeconômico e cultural da sua comunidade com seus recursos e necessidades, visando ao desenvolvimento de ações coletivas para a busca de descrição, análise e soluções para os problemas extraídos da realidade. As atividades escolares não se constituem meramente da exploração dos conteúdos de ensino, já sistematizados nos livros didáticos ou previstos pelos programas oficiais, mas sim em um processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre as questões da realidade social de todos os envolvidos. Nes- se processo, a discussão, os relatos da experiência vivida, a sociali- zação das informações, a pesquisa participante, o trabalho de gru- po, entre outros atos educativo-reflexivos, fazem emergir temas geradores que podem ser sistematizados de modo a consolidar o conhecimento pelo aluno, com as orientações do professor. A tendência libertadora tem sido a perspectiva didática mais praticada com muito êxito em vários setores dos movimentos sociais, como sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas, entre outros. Parte desse êxito deve-se ao fato de tal tendência ser utilizada entre adultos que vivenciam uma prática política e em situações nas quais o debate sobre a problemática econômica, social e política pode ser aprofundado com a orienta- ção de intelectuais comprometidos com os interesses populares. A Pedagogia Progressista Crítico-Social dos Conteúdos, tendo sido fortalecida a princípio na Europa e depois no Brasil, a partir da década de 80, foi considerada como sinônimo de pedagogia dialética, no sentido da “dialógica”. Firmando-se como teoria que busca captar o movimento objetivo do pro- cesso histórico, uma vez que concebe o homem através do materialismo histórico-marxista, trata-se de uma síntese su- peradora do que há de significado na Pedagogia Tradicional e na Escola Nova, direcionando o ensino para a superação dos problemas cotidianos da prática social e, ao mesmo tempo, buscando a emancipação intelectual do educando, 10 consi- derado um ser concreto, inserido num contexto de relações sociais. Da articulação entre a escola e a assimilação dos con- teúdos por parte deste aluno concreto é que resulta o saber criticamente elaborado (Libâneo, 1990). Essa tendência prioriza o domínio dos conteúdos científi- cos, os métodos de estudo, habilidades e hábitos de raciocí- nio científico, como modo de formar a consciência crítica face à realidade social, instrumentalizando o educando como su- jeito da história, apto a transformar a sociedade e a si próprio. Seu método de ensino parte da prática social, constituindo tanto o ponto de partida como o ponto de chegada, porém, melhor elaborado teoricamente. c) Fernando Becker: Pedagogia Diretiva, Pedagogia Não- Diretiva e Pedagogia Relacional Fernando Becker (2001) desenvolveu a ideia de mode- los pedagógicos e modelos epistemológicos para explicar os pressupostos pelos quais cada professor atua. Apresenta, então, três modelos: Pedagogia Diretiva, Pedagogia Não-Di- retiva e Pedagogia Relacional. 16 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Pedagogia Diretiva Na Pedagogia Diretiva o professor acredita que o conhe- cimento é transmitido para o aluno. Este por sua vez, não tem nenhum saber, não o tinha no nascimento e não o tem a cada novo conteúdo. O professor, com essa prática, fun- damenta-se numa epistemologia pela qual o sujeito é o ele- mento conhecedor, totalmente determinado pelo mundo do objeto ou pelos meios físicos e sociais. Essa epistemologia é representada da seguinte forma: S O O professor representa esse mundo na sala de aula, en- tendendo que somente ele, o professor, é o detentor do saber e pode produzir algum conhecimento novo ao aluno. Cabe ao aluno ouvir, prestar atenção, permanecer quieto e em si- lêncio e repetir, quantas vezes forem necessárias, escrevendo, lendo, até aderir ao que o professor deu como conteúdo. Traduzindo o modelo epistemológico em modelo peda- gógico temos: A P Assim, o professor ensina e o aluno aprende. Nesse mo- delo, nada de novo acontece na sala de aula, e se caracteriza por ser reprodução de ideologia e repetição. Pedagogia Não-Diretiva O professor torna-se um facilitador da aprendizagem, um auxiliar do aluno. O educando já traz um saber e é preci- so apenas organizá-lo ou recheá-lo de conteúdo. O professor deve interagir o mínimo possível, pois acredita que o aluno aprende por si mesmo. A epistemologia que fundamenta essa postura pedagógica é apriorista: 11 S O Apriorismo vem de a priori, o que significa que aquilo que é posto antes vem como condição do que vem depois. Essa epistemologia sustenta a ideia de que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética, bastando o mínimo de interferência do meio físico ou social para o seu desenvolvimento. Segundo Becker (2001), o professor que segue essa epis- temologia apriorista renuncia àquilo que seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de aprendizagem do aluno. A P Pedagogia Relacional O professor admite que tudo que o aluno construiu até hoje em sua vida serve de patamar para construir novos co- nhecimentos. Para esse professor, o aluno tem uma história de conhecimento percorrida e é capaz de aprender sempre. A disciplina rígida e a postura autoritária do professor são superadas através da construção de uma disciplina intelec- tual e regras de convivência que permitam criar um ambiente favorável à aprendizagem. O professor acredita que o aluno aprenderá novos co- nhecimentos se ele agir e problematizar sua ação. Para que isso aconteça, torna-se necessário que o aluno aja (assimila- ção) sobre o material que o professor traz para a sala de aula e considera significativo para sua aprendizagem que o aluno responda para si mesmo às perturbações (acomodação) pro- vocadas pela assimilação do material. S O O sujeito constrói seu conhecimento nas dimensões do conteúdo e da forma ou estrutura como condição prévia de assimilação. Nessa tendência, o professor além de ensinar, passa a aprender e o aluno, além de aprender, passa a ensinar. A P d) Maria da Graça Nicoletti Mizukami: tendências pedagó- gicas e processo de ensino e aprendizagem Mizukami (1986) classifica o processo de ensino nas seguintes abordagens: Abordagem tradicional A abordagem tradicional trata-se de uma concepção e uma prática educacional que persiste no tempo, em suas diferentes formas, e que passaram a fornecer um quadro diferencial para todas as demais abordagens que a ela se seguiram. Na concepção tradicional, o ensino é cen- trado no professor. O aluno apenas executa prescrições que lhe sãofixadas por autoridades exteriores. A construção do conhecimento parte do pressuposto de que a inteligência seja uma faculdade capaz de acumular/ar- mazenar informações. Aos alunos são apresentados somente os resultados desse processo, para que sejam armazenados. Evidencia-se o caráter cumulativo do conhecimento humano, adquirido pelo indivíduo por meio de transmissão, de onde se supõe o papel importante da educação formal e da instituição escola. Atribui-se ao sujeito um papel insignificante na elabo- ração e aquisição do conhecimento. Ao indivíduo que está “adquirindo” conhecimento compete memorizar definições, anunciando leis, sínteses e resumos que lhes são oferecidos no processo de educação formal. A educação é entendida como instrução, caracterizada como transmissão de conhecimentos e restrita à ação da es- cola. Às vezes, coloca-se que, para que o aluno possa che- gar, e em condições favoráveis, há uma confrontação com o modelo, é indispensável uma intervenção do professor, uma orientação do mestre. Trata-se, pois, da transmissão de ideias selecionadas e organizadas logicamente. No processo de ensino-aprendizagem a ênfase é dada às situações de sala de aula, onde os alunos são “instruídos” e “ensinados” pelo professor. Os conteúdos e as informações têm de ser adquiridos, os modelos imitados. Seus elementos fundamentais são imagens estáticas que progressivamente serão “impressas” nos alunos, cópias de modelos do exterior que serão gravadas nas mentes individuais. Uma das decor- rências do ensino tradicional, já que a aprendizagem consiste em aquisição de informações e demonstrações transmitidas, é a que propicia a formação de reações estereotipadas, de au- tomatismos denominados hábitos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis, quase sempre, somente às situações idênticas em que foram adquiridos. O aluno que adquiriu o hábito ou que “aprendeu” apresenta, com frequência, com- preensão apenas parcial. Ignoram-se as diferenças individuais. A relação professor-aluno é vertical, sendo que (o pro- fessor) detém o poder decisório quanto a metodologia, con- teúdo, avaliação, forma de interação na aula etc. O professor detém os meios coletivos de expressão. A maior parte dos exercícios de controle e dos de exames se orienta para a rei- teração dos dados e informações anteriormente fornecidos pelos manuais. A metodologia se baseia na aula expositiva e nas de- monstrações do professor a classe, tomada quase como audi- tório. O professor já traz o conteúdo pronto e o aluno se limita exclusivamente a escutá-lo. 17 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Abordagem comportamentalista O conhecimento é uma “descoberta” e é nova para o in- divíduo que a faz. O que foi descoberto, porém, já se encon- trava presente na realidade exterior. Os comportamentalistas consideram a experiência ou a experimentação planejada como a base do conhecimento, o conhecimento é o resultado direto da experiência. Aos alunos caberia o controle do processo de aprendiza- gem, um controle científico da educação, o professor teria a responsabilidade de planejar e desenvolver o sistema de en- sinoaprendizagem, de forma tal que o desempenho do alu- no seja maximizado, considerando-se igualmente fatores tais como economia de tempo, esforços e custos. Nessa abordagem, se incluem tanto a aplicação da tecno- logia educacional e estratégias de ensino, quanto estratégias de reforço no relacionamento professor-aluno. Abordagem Humanista Nesta abordagem é dada a ênfase no papel do sujeito como principal elaborador do conhecimento humano. Da ênfase ao crescimento que dela se resulta, centrado no de- senvolvimento da personalidade do indivíduo na sua capaci- dade de atuar como uma pessoa integrada. O professor em si não transmite o conteúdo, dá assistência sendo facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências do aluno o professor não ensina: apenas cria condições para que os alunos aprendam. Trata-se da educação centrada na pessoa, já que nessa abordagem o ensino será centrado no aluno. A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitam a aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvi- mento tanto intelectual como emocional seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativas, de responsabilidade, autodeterminação que soubessem aplicar-se a aprendizagem no que lhe servirão de solução para seus problemas servindo-se da própria existên- cia. Nesse processo os motivos de aprender deverão ser do próprio aluno. Autodescoberta e autodeterminação são ca- racterísticas desse processo. Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única, decorrente da base percentual de seu com- portamento. O processo de ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se relaciona com o caráter pessoal do aluno. Assume a função de facilitador da aprendi- zagem e nesse clima entrará em contato com problemas vitais que tenham repercussão na existência do estudante. Isso implica que o professor deva aceitar o aluno tal como é e compreender os sentimentos que ele possui. O aluno deve responsabilizar-se pelos objetivos referentes a aprendizagem que tem significado para eles. As qualidades do professor po- dem ser sintetizadas em autenticidade compreensão empáti- ca, aceitação e confiança no aluno. Não se enfatiza técnica ou método para facilitar a apren- dizagem. Cada educador eficiente deve elaborar a sua forma de facilitar a aprendizagem no que se refere ao que ocorre em sala de aula é a ênfase atribuída a relação pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento das pessoas que possibilite liberdade para aprender. Abordagem Cognitivista A organização do conhecimento, processamento de in- formações estilos de pensamento ou estilos cognitivos, com- portamentos relativos à tomada de decisões, etc. O conhecimento é considerado como uma construção contínua. A passagem de um estado de desenvolvimento para o seguinte é sempre caracterizada por formação de no- vas estruturas que não existiam anteriormente no indivíduo. O processo educacional, consoante a teoria de desenvol- vimento e conhecimento, tem um papel importante, ao pro- vocar situações que sejam desequilibradoras para o aluno, desequilíbrios esses adequados ao nível de desenvolvimento em que a criança vive intensamente (intelectual e afetiva- mente) cada etapa de seu desenvolvimento. Segundo Piaget, a escola deveria começar ensinando a criança a observar. A verdadeira causa dos fracassos da educa- ção formal, diz, decorre essencialmente do fato de se principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos, de ações fictícias, narradas etc.) ao invés do fazer pela ação real e material. Nesta abordagem, o ensino procura desenvolver a inte- ligência priorizando as atividades do sujeito, considerando-o inserido numa situação social. Caberá ao professor criar si- tuações, propiciando condições onde possam se estabelecer reciprocidade intelectual e cooperação ao mesmo tempo moral e racional. Uma das implicações fundamentais para o ensino é a de que a inteligência se constrói a partir da troca do organismo como o meio, por meio das ações do indivíduo. A ação do indivíduo, pois, é centro do processo e o fator social ou edu- cativo constitui uma condição de desenvolvimento. Abordagem Sociocultural Podemos situar Paulo Freire com sua obra, enfatizando aspectos sócio-político-cultural, havendo uma grande preo- cupação com a cultura popular, sendo que tal preocupação vem desde a II Guerra Mundial com um aumento crescente até nossos dias. Toda ação educativa, para que seja válida, deve, necessariamente, ser precedida tanto de uma reflexão sobre o homem como de uma análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque. Logo, a escola deve ser um local onde seja possível o crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no proces- so de conscientizaçãoo que indica uma escola diferente de que se tem atualmente, coma seus currículos e prioridades. A situação de ensino-aprendizagem deverá procurar a supe- ração da relação opressor-oprimido. A estrutura de pensar do oprimido está condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial em que o oprimido se forma. Nesta situação, a relação professor-aluno é horizontal, sendo que o professor se empenhará numa prática transformadora que procurará desmitificar e questionar, junto com o aluno. Referências BECKER, Fernando. Educação e construção do conhe- cimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Vo- zes, 1982. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abor- dagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. 18 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM: INATISMO, COMPORTAMENTALISMO, BEHAVIORISMO, INTERACIONISMO; - TEORIAS COGNITIVAS Principais Teorias de Aprendizagem Segundo Silva, as principais interpretações das ques- tões relativas à natureza da aprendizagem remetem a um passado histórico da filosofia e da psicologia. Diversas cor- rentes de pensamento se desenvolveram, definindo pa- radigmas educacionais como o empirismo, o inatismo ou nativismo, os associacionistas, os teóricos de campo e os teóricos do processamento da informação ou psicologia cognitiva. A corrente do empirismo tem como princípio funda- mental considerar que o ser humano, ao nascer, é como uma “tábula rasa” e tudo deve aprender, desde as capa- cidades sensoriais mais elementares aos comportamentos adaptativos mas complexos. A mente é considerada inerte, e as ideias vão sendo gravadas a partir das percepções. Ba- seado neste pressuposto, a inteligência é concebida como uma faculdade capaz de armazenar e acumular conheci- mento. O inatismo ou nativismo argumenta que a maioria dos traços característicos de um indivíduo é fixado desde o nascimento e que a hereditariedade permite explicar uma grande parte das diferenças individuais físicas e psicológi- cas. As formas de conhecimento estão pré-determinadas no sujeito que aprende. Para os associacionistas, o principal pressuposto con- siste em explicar que o comportamento complexo é a combinação de uma série de condutas simples. Como pre- cursores desta corrente são de pensamento pode-se citar Edward L. Thorndike e B.F. Skinner e suas respectivas teorias do comportamento reflexo ou estímulo-resposta. Para Thorndike apud Pettenger e Gooding, o padrão básico da aprendizagem é uma resposta mecanicista às forças externas. Um estímulo provoca uma resposta. Se a resposta é recompensada, é aprendida. Já para Skinner, a ênfase é dada à questão do controle do comportamento pelos reforços que ocorrem com a res- posta ou após a mesma com o propósito de atingir metas específicas ou definir comportamentos manifestos. As grandes escolas da corrente dos Teóricos de Campo, são representadas, na Gestalt pelos alemães Wertheimer, Koffka e Köhler, e na Fenomenologia, por Combs e Snygg (Pettenger e Gooding). Nestas escolas prevalece a concep- ção de que as pessoas são capazes de pensar, perceber e de responder a uma dada situação, de acordo com as suas percepções e interpretações desta situação. Diferentemen- te das primeiras, em que o comportamento é sequencial, do mais simples ao mais complexo, nesta corrente, o todo ou total é mais que a soma das partes. Na Gestalt, o paradigma de aprendizagem é a solução de problemas e ocorre do total para as partes. Consiste também na organização dos padrões de percepção. Segundo Fialho, na Gestalt há duas maneiras de se aprender a resolver problemas: pelo aprendizado condu- zido ou pelo aprendizado pelo entendimento. Isto significa que conforme a organização da situação de aprendizagem, dirigida (instrucionista) ou autodirigida (ativa), o indiví- duo aprende, entretanto, deve-se promover situações de aprendizagem que sejam suficientemente ricas para que o aprendiz possa fazer escolhas e estabelecer relações entre os elementos de uma situação. Escolher entre as quais para ele, aprendiz, conduza a uma estruturação eficaz de suas percepções e significados. Na Fenomenologia, o todo é compreendido de modo mais detalhado, sem realmente fragmentar as partes. Con- sidera, ainda, entre outras premissas, que a procura de adequação ou auto atualização do indivíduo é a força que motiva todo o comportamento. A aprendizagem, como processo de diferenciação, move-se do grosseiro para o refinado. Os teóricos do Processamento da Informação ou Psi- cologia Cognitiva, de origem mais recente, reúnem diver- sas abordagens. Estes teóricos estudam a mente e a inteli- gência em termos de representações mentais e processos subjacentes ao comportamento observável. Consideram o conhecimento como sistema de tratamento da informação. Segundo Misukami, uma abordagem cognitivista im- plica em estudar cientificamente a aprendizagem como um produto resultante do ambiente, das pessoas ou de fatores externos a ela. Como as pessoas lidam com estímulos am- bientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos constituem, pois, o centro da investigação. Em essência, na psicologia cognitiva, as atividades mentais são o motor dos comportamentos. Opondo-se à concepção behavorista, os teóricos cognitivos preocupam-se em desvendar a “caixa preta” da mente humana. A noção de representação é central nestas pesquisas. A representação é definida como toda e qual- quer construção mental efetuada a um dado momento e em um certo contexto. Portanto, memória, percepção, aprendizagem, resolu- ção de problemas, raciocínio e compreensão, esquemas e arquiteturas mentais são alguns dos principais objetos de investigação da área, cujas aplicações vêm sendo utilizadas na construção de modelos explícitos em formas de pro- gramas de computador (softwares), gráficos, arquiteturas ou outras esquematizações do processamento mental, em especial nos sistemas de Inteligência Artificial. Como afirma Sternberg, os psicólogos do processa- mento da informação estudam as capacidades intelectuais humanas, analisando a maneira como as pessoas solucio- nam as difíceis tarefas mentais para construir modelos ar- tificiais onde estes modelos tem por objetivo compreender os processos, estratégias e representações mentais utiliza- das pelas pessoas no desempenho destas tarefas. 19 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Complementando esta classificação, Fialho destaca que os psicólogos cognitivistas procuram compreender a “mente” e sua capacidade (realização) na percepção, na aprendizagem, no pensamento e no uso da linguagem. Assim, a organização do conhecimento, o processamento de informações, a aquisição de conceitos, os estilos de pensamento, os comportamentos relativos à tomada de decisões e resolução de problemas são alguns dos “processos centrais” dos indivíduos dificilmente ob- serváveis e que são investigados. TEORIAS COGNITIVAS As abordagens cognitivistas clássicas: o construtivismo de Piaget, o sóciointeracionismo de Vygotsky e Wallon Dentre as teorias mais contemporâneas de aprendizagem, em especial as cognitivistas, destacamos a teoria construtivista de Jean Piaget e as teorias sociointeracionistas de Lev Vygotsky e Henri Wallon devido à pertinência com que suas preocupa- ções epistemológicas, culturais, linguísticas, biológicas e lógico-matemáticas têm sido difundidas e aplicadas para o ambiente educacional, em especial na didática e em alguns dos programas de ensino auxiliado por computador, bem como sua influencia no desenvolvimento de novas pesquisas na área da cognição e educação. A abordagem construtivista de Jean Piaget As respostas às questões sobre a natureza da aprendizagem de Piaget são dadas à luz de sua epistemologia genética, na qual o conhecimento se constrói pouco a pouco, à medida em que as estruturas mentais e cognitivas se organizam, de acordocom os estágios de desenvolvimento da inteligência. A inteligência é antes de tudo adaptação. Esta característica se refere ao equilíbrio entre o organismo e o meio ambiente, que resulta de uma interação entre assimilação e acomodação. A assimilação e a acomodação são, pois, os motores da aprendizagem. A adaptação intelectual ocorre quando há o equi- líbrio de ambas. Segundo discorre Ulbritch, a aquisição do conhecimento cognitivo ocorre sempre que um novo dado é assimilado à estru- tura mental existente que, ao fazer esta acomodação modifica-se, permitindo um processo contínuo de renovação interna. Na organização cognitiva, são assimiladas o que as assimilações passadas preparam, para assimilar, sem que haja ruptura entre o novo e o velho. Pela assimilação, justificam-se as mudanças quantitativas do indivíduo, seu crescimento intelectual mediante a incorpora- ção de elementos do meio a si próprio. Pela acomodação, as mudanças qualitativas de desenvolvimento modificam os esquemas existentes em função das carac- terísticas da nova situação; juntas justificam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas. As estruturas de conhecimento, designadas por Piaget (Gaonach’h e Golder) como esquemas, se complexificam sobre o efeito combinado dos mecanismos de assimilação e acomodação. Ao nascer, o indivíduo ainda não possui estas estruturas, mas reflexos (sucção, por exemplo) e um modo de emprego destes reflexos para elaboração dos esquemas que irão se desenvolver. As obras de Piaget e de seus interpretantes discorrem sobre os estágios de desenvolvimento da inteligência, que se efetua de modo sucessivo, segundo a lógica das construções mentais - da inteligência sensório-motora à inteligência operatório for- mal, conforme se ilustra sinteticamente no quadro: Quadro – Estágios do desenvolvimento da inteligência segundo Piaget ESTÁGIO EQUILÍBRIO LÓGICA ORGANIZADORA Sensório-motor 18 meses até 2 anos Não há lógica Operatório concreto - Preparação: entre 2 e 7 anos - Equilíbrio: entre 7 e 11 anos Lógica das relaçãoes e das transformações sobre o material visível (objetos presentes) Operatório formal Cerca de 16 anos Lógica desarticulada do concreto A primeira forma de inteligência é uma estrutura sensório motora, que permite a coordenação das informações senso- riais e motoras. Surge aos cerca de 18 meses. Consuma-se e equilibra-se entre os 18 meses e 2 anos. No estágio das operações concretas, esta estrutura (equilibrada) se acha aperfeiçoada: o que a criança teria adquirido no nível da ação, ela vai aprender a fazer em pensamento. Precede de uma fase de preparação entre 2 e 7 anos e se equi- libra entre 7 e 11 anos. No estágio das operações formais, operam-se novas modificações e deve se equilibrar para poder se aplicar, não mais aos objetos presentes, mas aos objetos ausentes, hipotéticos. O desenvolvimento das estruturas mentais segue uma lógica de construção semelhante aos estudos da lógica, ou seja, que o desenvolvimento da inteligência em seus sucessivos está- gios segue uma lógica coerente, tal que pode ser descrita em suas estruturas. 20 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Segundo levantou Ulbritch, a equilibração, enfatizada no quadro 2.1, é um mecanismo autorregulador, neces- sário para garantir uma eficiente integração com o meio. Quando um indivíduo sofre um desequilíbrio, de qualquer natureza, o organismo vai buscar o equilíbrio, assimilando ou acomodando um novo esquema. A autora relaciona quatro fatores determinantes do desenvolvimento cognitivo: A equilibração é o primeiro e constitui-se no nível de processamento das reestruturações internas, ao longo da construção sequencial dos estágios. O segundo é a maturação, relacionado à complexifica- ção biológica da maturação do sistema nervoso. Já o terceiro fator é a interação social, relacionado com a imposição do nível operatório das regras, valores e signos da sociedade em que o indivíduo se desenvolve e com as interações que compõem o grupo social. O quarto é referente à experiência ativa do indivíduo. Sobre este fator Misukami afirma que podem ocorrer de três formas: - devido ao exercício, resultando na consolidação e coordenação de reflexos hereditários e exercício de opera- ções intelectuais aplicadas ao objeto; - devido à experiência física, referente à ação sobre o objeto para descobrir as propriedades que são abstraídas destes, sendo que o resultado da ação está vinculado ao objeto; - devido à experiência lógico - matemática, resultantes da ação sobre os objetos, de forma a descobrir proprie- dades que são abstraídas destas pelo sujeito. Consistem em conhecimentos retirados das ações sobre os objetos, típicas do estágio operatório formal, que é resultado da equilibração. A condição para que seja obtida é a interação do sujeito com o meio. Piaget não desenvolveu uma teoria da aprendizagem, mas sua teoria epistemológica de como, quando e por que o conhecimento se constrói obteve grande repercussão na área educacional. Predominantemente interacionistas, seus postulados sobre desenvolvimento da autonomia, coope- ração, criatividade e atividade centrados no sujeito influen- ciaram práticas pedagógicas ativas, centradas nas tarefas individuais, na solução de problemas, na valorização do erro e demais orientações pedagógicas. No plano da informática, o trabalho de Piaget tem contribuído para modelagens computacionais na área de IA em educação, desenvolvimento de linguagens de pro- gramação e outras modalidades de ensino auxiliado por computador com orientação construtivista. Dentre os vários programas existentes, o mais popu- lar é o LOGO, caracterizado como ambiente informático embasado no construtivismo. Neste ambiente o indivíduo constrói, ele próprio, os mecanismos do pensamento e os conhecimentos a partir das interações que tem com seu ambiente psíquico e social. A abordagem sócioconstrutiva do desenvolvimento cog- nitivo de Lev Vygotsky Os trabalhos de Vygotsky centram-se principalmente na origem social da inteligência e no estudo dos processos sócio- cognitivo. Segundo Gilli e Gaonach’h, Vygotsky distingue duas for- mas de funcionamento mental: os processos mentais elemen- tares e os superiores. Os processos mentais elementares correspondem ao está- gio de inteligência sensório-motora de Piaget e são resultantes do capital genético da espécie, da maturação biológica e da experiência da criança com seu ambiente físico. Já as funções psicológicas superiores, ressalta Oliveira, são construídas ao longo da história social do homem. Como? Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e sím- bolos desenvolvidos culturalmente, fazendo com que o ho- mem se distinga dos outros animais nas suas formas de agir no e com o mundo. Fialho destaca que, para Vygotsky, o desenvolvimento hu- mano compreende um processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das diferen- tes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, entrelaçando fatores internos e externos e pro- cessos adaptativos. A maturação biológica e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dependem, conforme Fialho, do meio social, que é essencialmente semiótico. Aprendizado e desen- volvimento interagem entrelaçados nessa dialética de forma que um acelere ou complete o outro. Gilli diz que a relação entre educação, aprendizagem e de- senvolvimento vem em primeiro lugar. Já o papel da mediação social nas relações entre o indivíduo e seu ambiente (mediado pelas ferramentas) e nas atividades psíquicas intraindividuais (mediadas pelos signos) em segundo lugar, e, a passagem entre o interpsíquico e o intrapsíquico nas situações de comunicação social, em terceiro lugar. Estes são os três princípios fundamen- tais, totalmente interdependentes nos quais Vygotsky sustenta a teoria do desenvolvimento dos processos mentais superiores. A abordagem de Henri Wallon A gênese da inteligência para Wallon é genéticae organi- camente social, ou seja, “o ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar”. Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa. Para Galvão, o estudo de Wallon é centrado na criança contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, re- trocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa profundas mudanças nas anteriores. Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvi- mento não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformu- lação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exóge- na quando resultantes dos desencontros entre as ações da crian- ça e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação ner- vosa. Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento. 21 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados por Galvão sucedem-se em fases com predomi- nância afetiva e cognitiva: Impulsivo-emocional, que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo físico; Sensório-motor e projetivo, que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autono- mia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores. Como diz Dantas, para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor; - Personalismo, ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as inte- rações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas; - Categorial. Os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior; - Predominância funcional. Ocorre nova definição dos con- tornos da personalidade, desestruturados devido às modifica- ções corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. O referido autor ressalta ainda que na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de “alternância funcional”, onde cada fase predominante (de dominância, afetividade, cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciproca- mente, num permanente processo de integração e diferenciação. Outras abordagens sobre aprendizagem Outras correntes teóricas buscaram aprofundar e/ou expli- car as teorias mais representativas, propondo inclusive novas abordagens para compreensão dos processos de desenvol- vimento cognitivo e aprendizagem. Dentre elas destacam-se: - Albert Bandura, que levanta uma abordagem de aprendi- zagem social e o papel das influências sociais na aprendizagem. - J. S. Bruner e a teoria de que o desenvolvimento cognitivo se dá numa perspectiva de tratamento da informação, que ocor- re de três modos: inativo, onde a informação é representada em termos de ações especificadas e habituais (caminhar, andar de bicicleta); o modo icônico, onde a informação é representada em termos de imagens, e, simbólica, onde a informação é apre- sentada sobre a forma de um esquema arbitrário e abstrato. - Maturana e Varela, que não desenvolveram um estudo sobre a cognição especificamente, mas sua teoria sobre o ho- mem como um sistema autopoiético tem influenciado bastante a construção de modelos computadorizados. Os autores enten- dem que os seres vivos são um tipo particular de máquinas ho- meostáticas. A ideia de autopoiesis é uma expansão da ideia de homeostase, no sentido em que ela transforma todas as referên- cias da homeostase em internas ao sistema e, afirma ou produz a identidade do sistema. O sistema autopoiético é organizado como uma rede de processos de produção de componentes que se regeneram continuamente, pela sua transformação e interação, a rede que os produziu e que constituem o sistema enquanto uma unidade concreta no espaço onde ele existe, es- pecificando o domínio topológico onde ele se realiza como rede. - Robert M. Gagné, que compartilha dos enfoques behavioristas e cognitivistas em sua teoria. Para ele, as fases da aprendizagem se apresentam associadas aos pro- cessos internos que, por sua vez, podem ser influenciados por processos externos. Para Gagné, a aprendizagem é um processo de mudança nas capacidades do indivíduo, no qual se produz estados persistentes e é diferente da ma- turação ou desenvolvimento orgânico. A aprendizagem se produz usualmente mediante interação do indivíduo com seu meio (físico, social, psicológico). As oito fases que constituem o ato de aprendizagem de Gagné. - Paulo Freire não desenvolveu uma teoria da aprendi- zagem, mas seus postulados sobre a pedagogia problema- tizadora e transformadora enfatizam uma visão de mundo e de homem não neutro. Assim. o homem é um ser no mun- do e com o mundo. A inspiração de seu trabalho nasce de dois conceitos básicos: a noção de consciência dominada mais dois elementos subjetivos que a compõem e a ideia de que há determinadas estruturas que conformam o modo de pensar e agir das pessoas. Essas estruturas impregnam o comportamento subjetivo à percepção e à consciência que cada indivíduo ou grupo tem dos fenômenos sociais. - Howard Gardner muito tem contribuído para o pro- cesso educacional. Ele defende que o ser humano possui múltiplas inteligências, ou um espectro de competências manifestadas pela inteligência. Todas essas competências estão presentes no indivíduo, sendo `que se manifestam com maior ou menor intensidade, tornando o indivíduo mais ou menos deficiente, mais ou menos competente dentro de uma ou várias dessas competências. Em sua teo- ria, defende que os indivíduos aprendem de maneiras dife- rentes e apresentam diferentes configurações e inclinações intelectuais. Destaca, ainda, veementemente, o papel da educação no desenvolvimento global e aplicação das inte- ligências. As inteligências múltiplas a que se refere Garder são: a lógico-matemática, a linguística, a espacial, a musi- cal, a corporal- sinestésica, a interpessoal e a intrapessoal. Na prática escolar convencional, a concretização das condições de aprendizagem que asseguram a realização do trabalho docente, estão pautadas nas teorias deter- minando as tendências pedagógicas. Estas práticas pos- suem condicionantes psico sociopolíticos que configuram concepções inteligência e conhecimento, de homem e de sociedade. Com base nesses condicionantes, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, a aprendizagem, a relações professor-aluno, a recursos de ensino e o método pedagógico .... Influenciam e orientam a didática utilizada. Os programas educacionais informatizados, dos diver- sos tipos, igualmente contém implícito ou explicitamente (ou no uso educacional que se faz deles) os pressupostos teórico metodológicos desses condicionantes). Fonte SILVA, C. R. de O. Bases pedagógicas e ergonômicas para concepção e avaliação de produtos educacionais in- formatizados. 22 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - PAPEL POLÍTICO-PEDAGÓGICO E ORGANICIDADE DO ENSINAR; O Papel Políticopedagógico deve se constituir na refe- rência norteadora de todos os âmbitos da ação educativa da escola. Por isso, sua elaboração requer, para ser expressão viva de um projeto coletivo, a participação de todos aque- les que compõem a comunidade escolar. Todavia, articular e construir espaços participativos, produzir no coletivo um pro- jeto que diga não apenas o que a escola é hoje, mas tambémaponte para o que pretende ser, exige método, organização e sistematização. Queremos dizer que não é apenas com “boas intenções” ou voluntarismo que se constroi um projeto dessa natureza; é preciso muito trabalho organizado se quisermos, de fato, que o projeto proposto desencadeie mudanças na direção de uma formação educativa e cultural, de qualidade, para todas as crianças e jovens que frequentam a escola pública. Vaz- quez (1977), ao discutir a questão da práxis, compreendida como prática transformadora, já chamava a atenção para a necessidade de ações intencionalmente organizadas, plane- jadas, sistematizadas para a realização de práticas transfor- madoras. Como ressalta o autor: A teoria em si [...] não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prá- tica transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação: tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação. Discutir as dimensões político e pedagógica dos proje- tos de escola pode parecer um assunto já esgotado. Também não são poucos os que acreditam que a proposta de constru- ção de PPP nas e pelas escolas também já se esgotou, prefe- rindo aderir a novas linguagens, quase sempre oriundas do universo gerencial, consideradas mais “modernas”, “eficien- tes”, “técnicas”, para se resolver os problemas das instituições. Infelizmente, adesões pouco críticas a “conceitos midiáticos”, ou a fácil penetração dos modismos no campo da educação têm levado muitos educadores a descartar conceitos e pro- postas, vinculados muitas vezes ao ideário crítico, em favor de uma suposta eficiência técnica. Acreditamos, como nos lembra Gimeno Sacristán que: É preciso fazer um problema do óbvio, daquilo que se forma o cotidiano, como meio de ressaltar, de sentir o mundo mais vivamente e de poder voltar a encontrar o significado daquilo que nos rodeia. Procurando, então, problematizar o óbvio, propomos começar nossa discussão pelos termos que compõem o con- ceito de “Projeto Políticopedagógico” e nos perguntarmos: - O que nos diz a palavra “projeto”? - Qual sua relação com a dimensão política e com a pedagógica? - Ou, dizendo de outro modo, o que há de político no PPP? E de pedagógico? Começar elucidando os termos pode nos auxiliar a posicionar mais claramente a relação entre PPP e gestão democrática da escola, especialmente em tempos em que uma pluralidade de orientações teóricometodológicas ten- de a ser assimilada pelas escolas públicas, diluindo-se, mui- tas vezes, nas distintas vinculações políticas, ideológicas e organizacionais que lhes dão direção. A palavra projeto traz imiscuída a ideia de futuro, de vir-a-ser, que tem como ponto de partida o presente (daí a expressão “projetar o futuro”). É extensão, ampliação, re- criação, inovação, do presente já construído e, sendo histó- rico, pode ser transformado: “um projeto necessita rever o instituído para, a partir dele, instituir outra coisa. Tornar-se instituinte”. Não se constrói um projeto sem objetivos, sem direção; é uma ação orientada pela intencionalidade, tem um sen- tido explícito, de um compromisso, e no caso da escola, de um compromisso coletivamente firmado. Ainda, conforme Gadotti (2000), não se constrói um projeto sem uma di- reção política, um norte, um rumo. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é também político, O projeto peda- gógico da escola é, por isso mesmo, sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como horizonte da escola. Compreender o caráter político e pedagógico do PPP nos leva a considerar dois outros aspectos: 1) a função social da educação e da escola em uma sociedade cada vez mais excludente, compreendendo que a educação, como campo de mediações sociais, define-se sempre por seu caráter intencional e político. Pode, assim, contraditoriamente, tanto reforçar, manter, reproduzir for- mas de dominação e de exclusão como constituir-se em espaço emancipatório, de construção de um novo projeto social, que atenda às necessidades da grande maioria da população 2) a necessária organicidade entre o PPP e os anseios da comunidade escolar, implicando a efetiva participação de todos em todos os seus momentos (elaboração, imple- mentação, acompanhamento, avaliação). Dessa perspecti- va, o projeto se expressa como uma totalidade (presente- futuro), englobando todas as dimensões da vida escolar; não se reduz a uma somatória de planos ou de sugestões, não é transposição ou cópia de projetos elaborados em outras realidades escolares; não é documento “esquecido em gavetas” É esse compromisso do PPP com os interesses reais e coletivos da escola que materializa seu caráter político e pedagógico, posto que essas duas dimensões são indisso- ciáveis, como destaca Saviani, ao afirmar que a “dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza en- quanto prática especificamente pedagógica”. 23 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Assim, é na ação pedagógica da escola que se torna pos- sível a efetivação de práticas sociais emancipatórias, da for- mação de um sujeito social crítico, solidário, compromissado, criativo, participativo. É nessa ação que se cumpre, se realiza, a intencionalidade orientadora do projeto construído. Compreender essa dialética entre o político e o pedagó- gico torna-se imprescindível para que o PPP não se torne um documento pleno de intenções e vazio de ações; de pouco adianta declarar que a finalidade da escola é “formar um su- jeito crítico, criativo, participativo”, ou anunciar sua vinculação às teorias críticas se, nas suas práticas pedagógicas cotidia- nas, perduram estruturas de poder autoritárias, currículos en- gessados, experiências culturais empobrecidas. Ao contrário, é desvelando essas condições, afirmando seu caráter político, que a escola, por meio de seu Projeto Políticopedagógico, pode mobilizar forças para mudanças qualitativas. É nessa perspectiva que fazem sentido problematizações como: - Qual a finalidade da escola? - Que sujeitos, cidadãos queremos formar? - Que sociedade queremos construir? - Que conhecimentos, saberes a escola irá trabalhar? - Como possibilitará a apropriação dos saberes cultural e historicamente construídos, por seus alunos? - Que espaços participativos criará? - Como estimulará, apoiará e efetivará a participação do coletivo da escola? Problematizações dessa natureza possibilitam dois mo- vimentos: por um lado, conhecer, explicitar e discutir concep- ções e valores nem sempre revelados, mas sempre presentes como orientações imiscuídas em nossas práticas cotidianas e, por outro, reconstruir essas concepções, reorientar ações, a partir do desvelamento das contradições que estão em suas origens. Se mudanças, inovações, transformações são possibili- dades que o PPP da escola traz consigo, elas não se realizam de modo “automático”; é preciso “educar as consciências”, como nos diz Vazquez (1977), posto que nem toda inova- ção tem caráter emancipatório. Discutindo essa relação – PPP e inovação, Veiga (2003), apoiando-se nas contribuições de Boaventura Santos, faz uma interessante distinção entre “ino- vação regulatória” e “inovação emancipatória”. Segundo Veiga (2003), tanto a inovação regulatória como a emancipatória provocam mudanças na escola, con- tudo, há diferenças substanciais que acompanham cada uma delas. Enquanto as inovações do tipo emancipatório têm sua origem e destino nas necessidades do coletivo da escola, as inovações regulatóriasdecorrem de prescrições, de reco- mendações externas à escola; tendem a ser burocratizadas, não sendo resultado de processos participativos e partilha- dos pela comunidade escolar. Predominam, nas inovações regulatórias, aspectos técnicos, ao passo que na primeira prevalecem preocupações de cunho político-cultural. Adotar a perspectiva da inovação regulatória signi- fica, ainda segundo a autora, compreender o PPP como um conjunto de atividades que resultarão em um produto: um documento programático, pronto e acabado, no qual aparecem sistematizadas as principais concepções, os fun- damentos, as orientações curriculares e organizacionais de uma instituição educativa. Abandona-se, nesse caso, a concepção de PPP como construção coletiva. Outorga-se à escola um documento a ser executado, cuja principal preo- cupação é inovar para produzir melhores resultados. A inovação regulatória significa assumir o projeto polí- ticopedagógico como um conjunto de atividades que vão gerar um produto: um documento pronto e acabado. Nes- se caso, deixa-se de lado o processo de produção coletiva. Perde-se a concepção integral de um projeto e este se con- verte em uma relação insumo/processo/produto. Pode- se inovar para melhorar resultados parciais do ensino, da aprendizagem, da pesquisa, dos laboratórios, da biblioteca, mas o processo não está articulado integralmente com o produto. Aqui, a inovação não rompe com o que já está insti- tuído, pelo contrário, trata-se de uma simples rearticula- ção do sistema, visando apenas uma introdução acrítica do novo no velho. O PPP torna-se um instrumento de controle, burocratizado, voltado apenas para o cumprimento de nor- mas técnicas, de aplicação de estatísticas, de cumprimento de metas, sem que se atente para o caráter processual e para a qualidade das mudanças projetadas. Ao contrário, na perspectiva emancipatória, a inovação e o PPP estão organicamente articulados, integrando-se finalidades e meios, inspirados por processos de ruptura com o já instituído; não se trata apenas de introdução de novas regras, de novas ferramentas, ou formulários de con- trole. A inovação metodológica está vinculada com trans- formações nas concepções, com orientações claras e assu- midas com relação a um projeto coletivo: Sob essa ótica, o projeto é um meio de engajamen- to coletivo para integrar ações dispersas, criar sinergias no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes mo- mentos do trabalho pedagógico-administrativo, desenvol- ver o sentimento de pertença, mobilizar os protagonistas para a explicitação de objetivos comuns definindo o norte das ações a serem desencadeadas, fortalecer a construção de uma coerência comum, mas indispensável, para que a ação coletiva produza seus efeitos. Na construção do PPP, Veiga (2003) parte do princípio de que a inovação emancipatória não pode ser confundi- da com reforma, invenção ou mudança; ela se constitui, de fato, em processos de ruptura com aquilo que está instituí- do, cristalizado. A inovação emancipatória é resultante da reflexão sobre a realidade da escola, tomando-se sempre como referência as articulações entre essa “realidade da escola” e o contexto social mais amplo. Baseia-se em pro- cessos dialógicos e não impositivos, na comunicação e na argumentação, e não na imposição de ideias, valorizando os diferentes tipos de saberes. Numa perspectiva emancipatória, o PPP apresenta as seguintes características: - ¾ é um movimento de luta em prol da democracia da escola; não esconde as dificuldades, os pessimismos da realidade educacional, mas não se deixa imobilizar por es- tes, procurando assumir novos compromissos em direção a um futuro melhor; orienta a reflexão e ação da escola 24 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - ¾ está voltado para a inclusão – observa diversidade de alunos, suas origens culturais, suas necessidades e ex- pectativas educacionais - ¾ por ser coletivo e integrador, é necessário, para sua elaboração, execução e avaliação, o estabelecimento de um clima de diálogo, de cooperação, de negociação, as- segurando-se o direito de as pessoas intervirem e se com- prometerem na tomada de decisões de todos os aspectos que afetam a vida da escola. - ¾ há vínculo muito estreito entre autonomia escolar e PPP - ¾ sua legitimidade reside no grau e tipo de partici- pação de todos os envolvidos com o ambiente educativo; supõe continuidade de ações - ¾ apresenta uma unicidade entre a dimensão técnica e política; preocupa-se com trabalho pedagógico, porém não deixa de articulá-lo com o contexto social (articulação da escola com a família e comunidade) A construção de um PPP sob a perspectiva emancipa- tória, como acabamos de mostrar, diferencia-se de outras propostas que também são apresentadas como instrumen- tos de gestão participativa da escola, baseadas em concep- ções e “ferramentas” de origem gerencial. Denominações variadas têm sido utilizadas para se referir a essas propos- tas, tendo todas como princípio convergente ideias que balizam os chamados “planejamentos estratégicos” nas empresas. No campo educacional ressaltamos a presença do Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE, orientado pela lógica do paradigma da gestão por resultados, enfati- zando aspectos como produtividade, controle, medidas de efetividade, eficiência etc. A ênfase atual na dimensão técnica, com a ascensão do gerencialismo, um fértil mercado de consultorias para as escolas também tende a se desenvolver. Faz-se, muitas ve- zes, uma transposição acrítica das ferramentas gerenciais, dos métodos de construção dos planos estratégicos etc., argumentando-se que a escola precisa de uma gestão mais técnica, do uso de ferramentas de monitoramento mais efi- cazes, de cálculos de eficiência/eficácia etc. Sob o manto de “técnico” oculta-se um dos movimentos mais significativos que vem ocorrendo no campo educacional – a ressignifica- ção do ideário crítico, o que inclui conceitos, bandeiras de lutas, métodos, pelo discurso gerencial. O deslocamento da reflexão, que é política em sua gê- nese e em sua essência, para uma discussão técnica é esté- ril em sua origem e dotado de pseudoneutralidade em sua essência. A qualidade, que é uma questão de decisão polí- tica, passou a ser considerada uma opção sem problemas. Referência: PROJETO VIVENCIAL: Disponível em: http://escolade- gestores.mec.gov.br/site/2-sala_projeto_vivencial/pdf/di- mensoesconceituais.pdf - APRENDER E PESQUISAR; ENSINAR, APRENDER E PESQUISAR São três os fatores que influem no desenvolvimento da capacidade de aprender: Primeiramente, a atitude que querer aprender. É preciso que a escola desenvolva, no aluno, o aprendizado dos verbos querer e aprender, de modo a motivar para conjugá-los assim: eu quero aprender. Tal comportamento exigirá do aluno, de logo, uma série de atitudes como interesse, motivação, aten- ção, compreensão, participação e expectativa de aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser pessoa. O segundo fator diz respeito às competências e habili- dades, no que poderíamos chamar, simplesmente, de desen- volvimento de aptidões cognitivas e procedimentais. Quem aprende a ser competente, desenvolve um interesse especial de aprender. No entanto, só desenvolvemos a capacidade de aprender quando aprendemos a pensar. Só pensamos bem quando aprendemos métodos e técnicas de estudo. É este fa- tor que garante, pois, a capacidade de autoaprendizagem do aluno. O terceiro fator refere-se à aprendizagem de conhecimen- tos ou conteúdos. Para tanto, a construção de um currículo escolar, com disciplinas atualizadas e bem planificadas, é fun- damental para que o aluno desenvolva sua compreensão do ambiente natural e sociais, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade, conforme o que determina o artigo 32 da LDB. Uma pergunta, agora, advém: saber ensinar é tão impor- tante quanto saber aprender? Responderei assim: há umdita- do, no meio escolar, que diz assim: quem sabe, ensina. Muitos sabem conhecimentos, mas poucos ensinam a aprender. En- sinar a aprender é ensinar estratégias de aprendizagem. Na escola tradicional, o P, maiúsculo, significa professor-represen- tante do Conhecimento; o C, maiúsculo, significa Conhecimen- to acumulado historicamente na memória social e na memória do professor e o a, minúsculo, significa o aluno, que, a rigor, para o professor, e para a própria escola, é tábula rasa, isto é, conhece pouco ou não sabe de nada. Isto não é verdade. Sa- ber ensinar é oferecer condições para que o discípulo supere, inclusive, o mestre. Numa palavra: ensinar é fazer aprender a aprender, de modo que o modelo pedagógico desenvolva os processos de pensamento para construir o conhecimento, que não é exclusividade de quem ensina ou aprende. É papel dos professores levar o aluno a aprender para co- nhecer, o que pode ser traduzido por aprender a aprender, em que o aluno é capaz de exercitar a atenção, a memória e o pensamento autônomo. As maiores dificuldades dos docentes residem nas defi- ciências próprias do processo de formação acadêmica. Nas universidades brasileiras, os cursos de formação de profes- sores (as chamadas licenciaturas) se concentram muito nos conteúdos que vêm de ciências duras, mas se descuidam das competências e habilidades que deve ter o futuro professor, em particular, o domínio de estratégias que permitam se com- portar docentes eficientes, autônomos e estratégicos. 25 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Os docentes enfrentam dificuldades de ensinar a apren- der, isto é, desconhecem, muitas vezes, como os alunos po- dem aprender e quais os processos que devem realizar para que seus alunos adquiram, desenvolvam e processem as infor- mações ensinadas e apreendidas em sala de aula. Nesse sen- tido, o trabalho com conceitos como aprendizagem, memória sensorial, memória de curto prazo, memória de longo prazo, estratégias cognitivas, quando não bem assimilados, no pro- cesso de formação dos docentes, serão convertidos em dores de cabeça constantes, em que o docente ensina, mas não tem a garantia de que está, realmente, ensinando a aprender. A no- ção de memória é central para quem ensinar a aprender. As maiores dificuldades dos alunos residem no apren- dizado de estratégias de aprendizagem. A leitura, a escrita e a matemática são meios ou estratégias para o desenvolvi- mento da capacidade de aprender. Entre as três, certamente, a leitura, especialmente a compreensão leitora, tem o seu lugar de destaque. Ler para aprender é fundamental para qualquer compo- nente pedagógico do currículo escolar. Através dessa habili- dade, a leitura envolve a atividade de ler para compreender, exigindo que o aluno, por seu turno, aprenda a concentrar-se na seleção de informação relevante no texto, utilizando, para tanto, estratégias de aprendizagem e avaliação de eficácia. Aprender, pois, a selecionar informação, é uma tarefa de quem ensina e desafio para A escola e a família são institui- ções ainda muito conservadoras. Nisso, por um lado, não há demérito, mas às vezes também não há mérito. No Bra- sil, muitas escolas utilizam procedimentos do século XVI, do período jesuítico como a cópia e o ditado. Nada contra os dois procedimentos, mas se que tenham uma fundamenta- ção pedagógica e que valorizem a escrita criativa do aluno, decerto, terão pouca repercussão no seu aprendizado. Muitas escolas, por pressões familiares, não discutem te- mas como sexualidade, especialmente a vertente homosse- xual. Sexualidade é tabu no meio familiar e no meio escolar mesmo numa sociedade que enfrenta uma síndrome grave como a AIDS. A escola ensina, como paradigma da língua pa- drão, regras gramaticais com exemplário de citações do século XIX, e não aceita a variação linguística de origem popular, que traz marcas do padrão oral e não escrito. E assim por diante. São exemplos de que a escola é realmente conservadora. Isso acontece também com as pedagogias. Tivemos a pedagogia tradicional, a escolanovista, piagetiana, Vigostky e já falamos em uma pedagógica pós-construtivista com base em teoria de Gardner. Umas cuidam plenamente de um aspecto do aprendizado como o conhecimento, mas se descuidam completamente da capacidade cognitiva e meta- cognitiva, interesses e necessidades dos alunos. Na história educacional, no Brasil, os dados mostram que quanto mais teoria educacional mirabolante, menos co- nhecemos o processo ensino-aprendizagem e mais tende- mos, também a reforçar um distanciamento professor-aluno, porque as pedagogias tendem a reduzir ações e espaços de um lado ou do outro. Ora o professor é sujeito do processo pedagógico ora o aluno é o sujeito aprendente. O desafio, para todos nós, é o equilíbrio que vem da conjugação dos pilares do processo de ensino-aprendizagem: mediação, avaliação e qualidade educacional. Seja como for, o importante é que os docentes tenham conhecimento dessas pedagogias e possam criar modelos alternativos para que haja a possibilidade de o aluno apren- der a aprender, ou seja, ser capaz de descobrir e aprender por ele mesmo, ou, em colaboração com outros, os proce- dimentos, conhecimentos e atitudes que atendam às novas exigências da sociedade do conhecimento. A Constituição Federal, no seu artigo 205, e a LDB, no seu artigo 2, preceituam que a educação é dever da família e do Estado. Em diferentes momentos, a família é convocada, pelo poder público, a participar do processo de formação escolar: no primeiro instante, matriculando, obrigatoriamente, seu filho, em idade escolar, no ensino fundamental. No segundo instante, zelando pela frequência à escola e num terceiro momento se articulando com a escola, de modo a assegurar meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento e zelando, com os docentes, pela aprendizagem dos alunos. O papel da família, no desenvolvimento da capacidade de aprender, é tarefa, pois, de natureza legal ou jurídica, deve ser, pois, o de articular-se com a escola e seus do- centes, velando, de forma permanente, pela qualidade de ensino. O papel, pois, da família é de zelar, a exemplo dos do- centes, pela aprendizagem. Isto significa acompanhar de perto a elaboração da proposta pedagógica da escolar, não abrindo mão de prover meios para a recuperação dos alu- nos de menor rendimento ou em atraso escolar bem como assegurar meios de acesso aos níveis mais elevados de en- sino segundo a capacidade de cada um. As mídias convencionais ou eletrônicas apontam para uma revolução pós-industrial, centrada no conhecimen- to. Estamos na chamada sociedade do conhecimento em que um aprendente dedicado à pesquisa pode, em pouco tempo, superar os conhecimentos acumulados do mestre. E tudo isso é bom para quem ensina e para quem aprende. O conhecimento é possível de ser democraticamente capturado ou adquirido por todos: todos estão em con- dições de aprendizagem. Claro, a figura do professor não desaparece, exceto o modelo tradicional do tipo sabe-tu- do, mas passa a exercer um papel de mediador ou instrutor ou mesmo um facilitador na aquisição e desenvolvimento de aprendizagem. A tarefa do mediador deve ser, então, a de buscar, orientar, diante das diversas fontes disponíveis, especial- mente as eletrônicas, os melhores sites, indicando links que realmente trazem a informação segura. Infelizmente, por uma série de fatores de ordem so- cioeconômica, muitos docentes não acessam a Internet e, o mais grave, já sofrem consequência dessa limitação, le- vando, para sala de aula, informações desatualizadas e des- necessárias para os alunos, especialmente em disciplinas como História, Biologia, Geografia e Língua Portuguesa. Referência: MARTINS, V. Como desenvolver a capacidade de apren- der. UVA, Ceará. 26 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS - CURRÍCULO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO; CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CURRÍCULO Há menções do aparecimento do termo currículo em 1633para caracterizar um plano completo de estudos para a formação de pregadores da reforma calvinista escocesa. Te- ria nascido daí a ideia de currículo de um curso, de sequên- cia de um curso para sistematizar processos de instrução. No linguajar comum foi esta ideia que ficou - o programa e o conteúdo das disciplinas de um curso. Entretanto, desde o início deste século observa-se nas definições de currículo uma posição quase unânime de que o termo se refere aos critérios de seleção do que se deve ensinar e aos modos de ensinar. As definições mais conhecidas se alternam na ênfase ou no aprender ou no ensinar, ou nos conteúdos ou nas ha- bilidades para viver na sociedade. Por exemplo, é conhecida a posição de Bobbit que, por volta de 1920, definiu currícu- lo como o conjunto de habilidades que os alunos deveriam aprender para viver na sociedade, deslocando a ênfase dada ao legado cultural e cunhando os famosos “objetivos termi- nais”, i.e., o que um aluno deverá ser capaz de fazer ao final de um curso. Taba deixa claro que o currículo inclui não apenas a seleção e organização de objetivos e conteúdos, mas também as estratégias metodológicas e prescrições de avaliação (1974), na mesma linha da sequência do plane- jamento de currículo anteriormente proposta por Tyler em livro publicado em 1949, traduzido no Brasil em 1974. Não preciso mostrar aqui como o roteiro de Tyler se parece com um manual de didática, ao indicar os elementos de um bom currículo: formulação de objetivos educacionais, seleção e organização de experiências de aprendizagem e procedi- mentos de avaliação. Johnson, dentro da orientação “tecnicista” dos autores mencionados, tem uma posição diferente sobre a relação entre currículo e ensino. Esse autor estabelece diferença en- tre um termo e outro: “...currículo refere-se ao que se preten- de que os alunos aprendam e não ao que se pretende que eles façam” (1980). Isso significa que o currículo prescreve, antecipa, os resultados do ensino, mas não os meios, sendo esta tarefa do ensino. Em razão disso, define currículo como “uma série estruturada de resultados pretendidos de apren- dizagem” nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor e o planejamento de ensino viabilizaria a realização deles. Mais recentemente, um autor bastante conceituado, Stenhouse, atribui ao currículo o papel de propor intenções e modos operacionais, isto é, intenções que levem à prática e que sejam avaliadas. Esse autor definiu currículo como “uma tentativa para comunicar os princípios e traços essenciais de um propósito educativo, de forma tal que permaneça aberto à discussão crítica e possa ser trasladado efetivamente à prá- tica”. Ou seja, diferente de Johnson, alia à ideia de currículo como intenção, como plano ou prescrição, a ideia de efetivá -lo na prática dentro das condições dessa prática. Dentro do enfoque sociocrítico, destaca-se a perspec- tiva de colocar o currículo como ponte entre a teoria e a prática, a partir da prática. Nessa orientação o currículo, antes de ser algo decorrente de uma teorização, constitui- se em torno dos problemas reais das escolas, dos profes- sores, dos alunos, da sociedade. Trata-se de um enfoque integrador de conteúdos e formas, não separando currículo de ensino, ou melhor, colocando o ensino como o conjunto de atividades que transformam o currículo na prática para produzir aprendizagem (Gimeno Sacristán, 1994). A ideia de currículo como projeto educativo que se realiza na prá- tica da sala de aula supera a dicotomização entre teoria e prática sustentada pelos tecnicistas. A definição de currícu- lo proposta por Gimeno Sacristán parece atender bem às exigências de uma teoria curricular crítica: “... é o projeto seletivo de cultura, cultural, social, po- lítica e administrativamente condicionado, que alimenta (rellena) a atividade escolar, e que se faz realidade dentro das condições da escola tal como se encontra configurada” (1989). Moreira e Silva (1994) fazem um elucidativo percurso histórico da teoria curricular crítica situando autores nas correntes críticas contemporâneas tais como o neomar- xismo, a fenomenologia, a sociologia crítica do currículo e a Nova Sociologia da Educação. Recentemente Morei- ra atualizou este histórico, incluindo a influência do pós- modernismo no currículo (1997). Os autores dão um ex- pressivo destaque à Sociologia do Currículo cujo papel é ajudar a compreender as relações entre os processos de seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder do contexto social. O texto desses autores, entretanto, não permite deduzir os ingredientes de uma teoria curricular crítica para além da sociologia do currículo, como também não compartilham da problemática que outros autores vinham perseguindo, como as relações entre currículo e ensino, teoria e prática, e principalmente a projeção e, ao mesmo tempo, a transfor- mação do currículo nas práticas concretas da sala de aula. Seja como for, o que desejo destacar com estas con- siderações é a tendência das investigações em currículo de situar sua temática em paralelismo com a da didática, ou como campos sobrepostos ou posicionando o ensino como subordinado ao currículo. Pouco importa se ensino receba o nome de didática ou de pedagogia; importa que currículo é o conceito abrangente e pedagógico o conceito incluso. Também na história do currículo no Brasil o ensino aparece como atividade do currículo, os temas da didática subsumidos no currículo. É oportuno recordar, por exem- plo, definições propostas por um dos principais introdu- tores da teorização sobre currículo no Brasil, Joel Martins, que difundiu suas ideias em duas importantes escolas pú- blicas experimentais de S. Paulo (a dos ginásios vocacionais e dos ginásios pluricurriculares experimentais), nos anos 1960-70. “Currículo, como expressão educacional, constitui o meio essencial de educação que abrange as atividades dos alunos e de seus professores. Assim, currículo tem um sig- nificado duplo, referindo-se às atividades realizadas e aos produtos apresentados. (...) 27 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS ...aquele instrumento de trabalho que seleciona as apren- dizagens e consequentes experiências consideradas básicas e fundamentais para todos os alunos porque elas derivam-se das fontes propulsoras e sociais que formarão os membros participantes da sociedade democrática”. (Martins, 1968). Nessas definições, nota-se a influência da concepção de currículo da escola nova, largamente adotada no Brasil nos anos 60-70, ou seja, o currículo como experiência ou currícu- lo por atividades. Mais tarde, já na vigência da Lei 5.692/71, circulam os livros de Taba (publicado nos EUA em 1962, na Argentina em 1974), Tyler (1974), Fleming (1970) entre outros. É interessante mencionar o livro de Dalila Sperb, Problemas Gerais de Currículo (1966), bastante utilizado nos cursos de formação de professores à época. Esses livros traziam o enten- dimento clássico de currículo como toda a aprendizagem pla- nejada e guiada pela escola e, portanto, supunha uma ênfase no planejamento curricular como atividade racional formada por três elementos: objetivos, conteúdos ou matéria e méto- dos ou processos. Essa linha consolidou-se com os livros de Bloom, Mager, Gagné, entre outros, que acabaram por mar- car a tendência em currículo cunhada entre nós de tecnicismo educacional. A recepção no Brasil dessa noção globalizante, isto é, cur- rículo como soma total de experiências dos alunos planejadas pela escola incluindo processos de ensino e a própria organi- zação da escola, tem a ver com uma relação de continuidade entre a corrente progressivista de Dewey e a abordagem sistê- mica/comportamentalista no pensamento educacional brasi- leiro dos anos 60-70, conforme sugeri em outro lugar (Libâneo, 1990). No Brasil, essa noção de currículo, obviamente inclui a didática, mas como área subordinada, uma variável curricular encarregadados métodos e material didático. A didática fica reduzida ao seu caráter instrumental, e as funções tradicio- nalmente inscritas no seu âmbito teórico - o que, como, para quem etc. - passam para o currículo. Com estas últimas considerações, quero ressaltar que os estudos sobre currículo que se consolidam a partir dos anos 60 têm uma óbvia origem norte-americana e é nessa linha que se desenvolveu boa parte da mentalidade do professo- rado sobre currículo e didática. Devido provavelmente à forte estruturação disciplinar dos currículos de formação, pouco se questionou sobre a presença das duas disciplinas, com temá- ticas bastante parecidas. A diferenciação começou a ocorrer com a introdução e incorporação no Brasil das teorias repro- dutivistas (segunda metade dos anos 70), da Nova Sociologia da Educação, da teoria crítica (por volta de 1988), que possibili- taram o questionamento da concepção tecnicista e eficientista do currículo e a formulação de um corpo teórico para a teoria curricular crítica. Todavia, a tendência que foi ganhando mais destaque foi a sociologia crítica do currículo que passa a desenvolver um corpo de ideias inteiramente distinto daquelas convencionais anteriormente mencionadas. Tudo parece inverter-se, as cate- gorias ganham outros significados. Vendo essa tendência de fora, fica-se com a sensação de que se construiu muito mais uma sociologia do currículo do que uma teoria crítica do cur- rículo para uso dos professores, como propunham, por exem- plo, Stenhouse ou Gimeno Sacristán, que assumiam o currículo como um conceito integrador da teoria e da prática educativa e principal instrumento de inovação e mudança educativas. Presentemente outras influências vêm se agregando à teo- ria crítica do currículo, destacando-se o pós-estruturalismo, os estudos culturais, a psicanálise, embora alguns autores admi- tam um momento de crise dessa tendência, inclusive por certo ecletismo do discurso crítico em educação (Moreira, 1997). Referência: LIBÂNEO, José Carlos. Didática: Velhos e novos temas. Edi- ção do Autor, 2002. CURRÍCULO E SUAS DEFINIÇÕES O debate sobre Currículo e sua conceituação é necessário para que saibamos defini-lo e para conhecer quais as teorias que o sustentam na educação. Um Currículo não é um con- junto de conteúdos dispostos em um sumário ou índice. Pelo contrário, a construção de um Currículo demanda: a) uma ou mais teorias acerca do conhecimento escolar; b) a compreensão de que o Currículo é produto de um pro- cesso de conflitos culturais dos diferentes grupos de educadores que o elaboram; c) conhecer os processos de escolha de um conteúdo e não de outro (disputa de poder pelos grupos) (LOPES, 2006). Para iniciar o debate vamos apresentar algumas definições de currículo para compreender as teorias que circulam entre nós, educadores. De acordo com Lopes (2006, contra capa): [...] o currículo se tece em cada escola com a carga de seus participantes, que trazem para cada ação pedagógica de sua cul- tura e de sua memória de outras escolas e de outros cotidianos nos quais vive. É nessa grande rede cotidiana, formada de múlti- plas redes de subjetividade, que cada um de nós traçamos nos- sas histórias de aluno/aluna e de professor/professora. O grande tapete que é o currículo de cada escola, também sabemos todos, nos enreda com os outros formando tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com as relações culturais que mantemos e do tipo de memória que nós temos de escola [...]. Essa concepção converge com a de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p.15): O currículo é sempre resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente o currículo. As definições de currículo de Lopes (2006) e Silva (2005) são aquelas de Sacristán (2003): [...] conjunto de conhecimentos ou matérias a serem supera- das pelo aluno dentro de um ciclo-nível educativo ou modalidade de ensino; o currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas; o currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução da mesma [...] Lopes (2006), Silva (2005) e Sacristán (2000) afirmam que o Currículo não é uma listagem de conteúdos. O currículo é processo constituído por um encontro cultural, saberes, conhecimentos esco- lares na prática da sala de aula, locais de interação professor e aluno. Essas reflexões devem orientar a ação dos profissionais da educação quanto ao Currículo, além de estimular o valor formativo do conhecimento pedagógico para os professores, o que realmente nos importa como docentes. Conhecer as teorias sobre o Currículo nos leva a refletir sobre para que serve, a quem serve e que política pedagógica elabora o Currículo. 28 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS TEORIAS DO CURRÍCULO Para Silva (2005) é importante entender o significado de teoria como discurso ou texto político. Uma proposta curricular é um texto ou discurso político sobre o currículo porque tem intenções estabelecidas por um determinado grupo social. De acordo com esse autor, uma Teoria do Currículo ou um discurso sobre o Currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo tal como é, o que efetivamen- te faz é produzir uma noção de currículo. Como sabemos as chamadas “teorias do currículo”, assim como as teorias educacionais mais amplas, estão recheadas de afirmações sobre como as coisas devem ser (SILVA, 2005). É preciso entender o que as teorias do currículo pro- duzem nas propostas curriculares e como interferem em nossa prática. Uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a realidade. Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas que sem elas não veríamos. Os conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a realidade (SILVA, 2005). Para Silva (2005) as teorias do currículo se caracterizam pelos conceitos que enfatizam. São elas: Teorias Tradicionais: (enfatizam) ensino - aprendiza- gem-avaliação – metodologia- didática-organização – pla- nejamento- eficiência- objetivos. Teorias Críticas: (enfatizam) ideologia- reprodução cul- tural e social- poder- classe social- capitalismo- relações sociais de produção- conscientização- emancipação- currí- culo oculto- resistência. Teorias Pós-Críticas: (enfatizam) identidade – alteridade – diferença subjetividade - significação e discurso- saber e poder- representação- cultura- gênero- raça- etnia- sexua- lidade- multiculturalismo. As teorias tradicionais consideram–se neutras, cientí- ficas e desinteressadas, as críticas argumentam que não existem teorias neutras, científicas e desinteressadas, toda e qualquer teoria está implicada em relações de poder. As pós-críticas começam a se destacar no cenário na- cional, os currículos existentes abordam poucas questões que as representam. Encontramos estas que dimensões nos PCNS, temas transversais (ética, saúde, orientação sexual, meio ambiente, trabalho, consumo e pluralidade cultural) e em algumas produções literárias no campo do multiculturalismo. O que é essencial para qualquer teoria é saber qual conhecimento deve ser ensinado e justificar o porquê des- ses conhecimentos e não outros devem ser ensinados, de acordo com os conceitos que enfatizam. Quantas vezes em nosso cotidiano escolar paramos para refletir sobre Teorias do currículo e o Currículo? Quan- do organizamos um planejamento bimestral, anual pensa- mos sobre aquela distribuição de conteúdo de forma crí- tica? Discute-se que determinado conteúdo é importante porque é fundamento para a compreensão daquele que o sucederá no bimestre posterior ou no ano que vem. Alega- mos que se o aluno não tiver acesso a determinado con- teúdo não conseguirá entender o seguinte. Somos capazes de perceber em nossas atitudes (na prática docente), na forma como abordamos os conteúdosselecionados, um posicionamento tradicional ou crítico? E por que adotamos tal atitude? Precisamos entender os vínculos entre o currículo e a sociedade, e saber como os professores/as, a escola, o currículo e os materiais didáticos tenderão a reproduzir a cultura hegemônica e favorecer mais uns do que outros. Também é certo que essa função pode ser aceita com pas- sividade ou pode aproveitar espaços relativos de autono- mia, que sempre existem, para exercer a contra-hegemo- nia, como afirma Apple. Essa autonomia pode se refletir nos conteúdos selecionados, mas principalmente se define na forma como os conteúdos são abordados no ensino. A forma como trabalhamos os conteúdos em sala de aula indica nosso entendimento dos conhecimentos esco- lares. Demonstra nossa autonomia diante da escolha. SARUP (apud SACRISTÁN, 2000) distingue a perspecti- va crítica da tradicional da seguinte forma: A finalidade do currículo crítico é o inverso do currículo tradicional; este último tende a “naturalizar” os aconteci- mentos; aquele tenta obrigar os alunos/a a que questione as atitudes e comportamentos que considera “naturais “. O currículo crítico oferece uma visão da realidade como processo mutante contínuo, cujo agentes são os seres hu- manos, os quais, portanto, estão em condição de realizar sua transformação. A função do currículo não é “refletir “uma realidade fixa, mas pensar sobre a realidade social; é demonstrar que o conhecimento e os fatos sociais são produtos históricos e, consequentemente, que poderiam ter sido diferentes (e que ainda podem sê-lo). É por isso que Albuquerque /Kunzle (2006) perguntam: Quando pensamos o currículo tomamos a ideia de caminho: que caminho vamos percorrer ao longo deste tempo escolar? Que seleções vamos fazer? Que seleções temos feito? E mais: em que medida nós, professoras/es e pedagogas/os interferimos nesta seleção? Qual é o co- nhecimento com que a escola deve trabalhar? Quando es- colhemos um livro didático, ele traz desenhado o currículo oficial: o saber legitimado, o saber reconhecido que deve ser passado ás novas gerações. Porque isso é que o cur- rículo faz: uma seleção dentro da cultura daquilo que se considera relevante que as novas gerações aprendam. Esses questionamentos dizem respeito aos conteúdos escolares. Na escola aprendemos a fazer listagens de con- teúdos e julgamos que eles vão explicar o mundo para os alunos. No entanto, não estamos conseguindo articular es- ses conteúdos com a vida dos nossos alunos. Ultimamente utilizamos de temas transversais, projetos especiais e há até sugestões de criar novas disciplinas, como direito do consumidor, educação fiscal, ecologia, para dar conta desta realidade imediata. Temos dificuldades de assumirmos estas discussões curriculares devido a uma tradição que designava a outros seguimentos da educação as decisões pedagógicas ou pela falta de tempo, devido as condições do trabalho docente ou pela falta de conhecimento das propostas políticas-pe- dagógicas implantadas pelo Governo. 29 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Todavia, diante do desafio de ser professor, cabe-nos entender quais os saberes socialmente relevantes, quais os critérios de hierarquização entre esses saberes/disciplinas, as concepções de educação, de sociedade, de homem que sustentam as propostas curriculares implantadas. Quem são os sujeitos que poderão definir e organizar o currículo? E quais os pressupostos que defendemos? O estudo das teorias do currículo não é a garantia de se encontrar as respostas a todos os nossos questionamen- tos, é uma forma de recuperarmos as discussões curricula- res no ambiente escolar e conhecer os diferentes discur- sos pedagógicos que orientam as decisões em torno dos conteúdos até a “racionalização dos meios para obtê-los e comprovar seu sucesso” (SACRISTÁN, 2000). Para nós, professores, os estudos sobre as teorias do poderão responder aos questionamentos da comunidade escolar como: a valorização dos professoras/es, o baixo rendimento escolar, dificuldades de aprendizagem, desin- teresse, indisciplina e outras dimensões. Poderão, sobre- tudo, mostrar que os Currículos não são neutros. Eles são elaborados com orientações políticas e pedagógicas. Ou seja, é produto de grupos sociais que disputam o poder. As reformulações curriculares atuais promovem discus- sões entre posições diferentes, há os que defendem os cur- rículos por competências, os científicos, os que enfatizam a cultura, a diversidade, os mais críticos à ciência moderna, enfim, teorias tradicionais, críticas e pós-críticas disputam esse espaço cheio de conflitos, Como afirma Silva (2005), o Currículo é um território político contestado. Diante desse complexo mundo educacional de tendên- cias, teorias, ideologias e práticas diversas, cabe-nos estu- dar para conhecê-las, podendo assim assumir uma condu- ta crítica na ação docente. William Pinar (apud LOPES, 2006), estudioso do campo do currículo, afirma: [...] estudar teoria de currículo, é importante na medida em que oferece aos professores de escolas públicas, a com- preensão dos diversos mundos em que habitamos e, espe- cialmente a retórica política que cerca as propostas educa- cionais e os conteúdos curriculares. Os professores de escolas (norte americanas) têm dificuldades em resistir a modismos educacionais passageiros, porque, em parte não lembram das teorias e da história do currículo, porque muito frequen- temente não as estudaram [...] Essa também é a realidade brasileira. Precisamos es- tudar nossas propostas curriculares, bem como as teorias do currículo e tendências pedagógicas para que possamos entender nossa prática e suas consequências aos alunos e docentes. Acerca disso, Eisner (apud SACRISTÁN, 2000), pontua que: [...] que o ensino é o conjunto de atividades que trans- formam o currículo na prática para produzir a aprendiza- gem, é uma característica marcante do pensamento curri- cular atual, interar o plano curricular a prática de ensiná-lo não apenas o torna realidade em termos de aprendizagem, mas que na própria atividade podem se modificar as pri- meiras intenções e surgir novos fins [...] A sala de aula é o espaço onde se concretiza o currí- culo e deve acontecer o processo ensino e aprendizagem. Este processo acontece não só por meio da transferência de conteúdos, mas, também pela influência das diversas relações e interações desse espaço escolar, na sala de aula e na relação professor-aluno. Concordamos que o eixo central do Currículo é diver- sos conhecimentos. Para defini-lo se faz necessário discutir a serviço de quem a escola está. Defendemos que o traba- lho escolar defina seu Currículo a partir da cultura do aluno, respeitando-a, mas sem perder a ênfase no conhecimento clássico das disciplinas que compõem a grade curricular. Alguns autores afirmam que o ponto de partida é o aluno concreto. Outros questionam o que sabemos so- bre esse aluno concreto, se realmente partimos dele. E ao questionarem afirmam que “a cultura popular é, assim, um conhecimento que deve, legitimamente, fazer parte do Currículo, pois toda cultura é fruto do trabalho humano”. O conhecimento científico é o que dá as explicações mais objetivas para a realidade e este é o objetivo principal da escola. No entanto, é preciso questionar, o que determi- na a legitimidade de um conhecimento. Fonte: SABAINI, S. M. G; BELLINI, L. M. Porque estudar currícu- lo e teorias de currículo. Bibliografia ALBUQUERQUE, Janeslei A; KUNZLE, Maria Rosa. O currículo e suas dimensões, multirracial e multicultural. In: Caderno Pedagógico nº 4, APP-SINDICATO 60 ANOS. 2007. LOPES, Alice C. Pensamento e política curricular – en- trevista com William Pinar. In: Políticas de currículo em múl- tiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006. SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:Autên- tica, 2005. COMO SE DÁ A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO? Apesar de Piaget e Vygotsky partilharem algumas crenças – por exemplo, que o desenvolvimento é um pro- cesso dialético e que as crianças são cognitivamente ativas no processo de imitar modelos em seu mundo social – eles divergem na ênfase sobre outros aspectos. Eu gostaria de apontar e analisar três desses aspectos divergentes e mos- trar como eles fundamentam minha proposta: - desenvolvimento versus aprendizagem - interação social versus interação com os objetos - interação horizontal versus interação vertical. No primeiro aspecto, temos, por um lado, a convicção de Piaget de que o desenvolvimento precede a aprendiza- gem e, por outro, a afirmação de Vygotsky de que a apren- dizagem pode (e deve) anteceder o desenvolvimento. Um primeiro exame dos estudos Vygotskianos nos mostra que os problemas relacionados com o processo ensino-apren- dizagem não podem ser resolvidos sem uma análise da re- 30 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS lação aprendizagem-desenvolvimento. Vygotsky (1988) diz que, da mesma forma que algumas aprendizagens podem contribuir para a transformação ou organização de outras áreas de pensamento, podem, também, tanto seguir o pro- cesso de maturação como precedê-lo e mesmo acelerar seu progresso. Essa ideia revolucionou a noção de que os processos de aprendizagem são limitados pelo desenvol- vimento biológico que, por sua vez, depende do proces- so maturacional individual e não pode ser acelerado. Mais ainda, considera que o desenvolvimento biológico, pode ser decisivamente influenciado pelo ambiente, no caso, a escola e o ensino. A convicção de Piaget de que as crianças são como cientistas, trabalhando nos materiais de seu mundo físico e lógico-matemático para dar sentido à realidade, de forma alguma nega sua preocupação com o papel exercido pelo meio social. Existe aqui, em minha opinião, apenas uma questão de ênfase. Enquanto Piaget enfatiza a interação com os objetos, Vygotsky enfatiza a interação social. A idade mental da criança é tradicionalmente defini- da pelas tarefas que elas são capazes de desempenhar de forma independente. Vygotsky chama essa capacidade de zona de desenvolvimento real. Estendendo esse conceito Vygotsky afirma que, mesmo que as crianças não possam ainda desempenhar tais tarefas sozinhas algumas dessas podem ser realizadas com a ajuda de outras pessoas. Isso identifica sua zona de desenvolvimento potencial. Final- mente, ele sugere que entre a zona de desenvolvimento real (funções dominadas ou amadurecidas) e a zona de de- senvolvimento potencial (funções em processo de matu- ração) existe uma outra que ele chama de zona de desen- volvimento proximal. Desenvolvendo sua teoria, Vygotsky demonstra a efetividade da interação social no desenvolvi- mento de altas funções mentais tais como: memória volun- tária, atenção seletiva e pensamento lógico. Sugere, tam- bém, que a escola atue na estimulação da zona de desen- volvimento proximal, pondo em movimento processos de desenvolvimento interno que seriam desencadeados pela interação da criança com outras pessoas de seu meio. Uma vez internalizados, esses atos se incorporariam ao processo de desenvolvimento da criança. Seguindo essa linha de raciocínio, o aspecto mais re- levante da aprendizagem escolar parece ser o fato de criar zonas de desenvolvimento proximal. Inagaki e Hatano (1983) sugerem um modelo que tenta sintetizar as contribuições de Vygotsky e Piaget, analisando o papel das interações sociais entre os alunos (interações horizontais) no processo de aprendizagem. Eles conside- ram que a integração do conhecimento é mais forte quan- do as crianças são instigadas a defender seu ponto de vis- ta. Isto acontece mais naturalmente quando elas tentam convencer seus colegas. Elas também tendem a ser mais críticas quando discutindo com seus pares que com os pro- fessores, por aceitarem mais passivamente a opinião dos adultos. Esse estudo propõe a aquisição de conhecimento inte- grado através da discussão em sala de aula e tenta ampliar a participação do adulto em mais do que simplesmente or- ganizar condições para o trabalho dos alunos. É sugerido que os professores deveriam adotar, quando necessário, o papel de um colega mais experiente, ajudando os alunos a superar impasses que surgem durante as discussões, dan- do exemplos (ou contraexemplos) que estimulem o pen- samento. Hatano ataca a rígida divisão entre construção indivi- dual e social do conhecimento ao enfatizar as vantagens da adoção de uma postura mais flexível: Arguir que o conhecimento é individualmente cons- truído não é ignorar o papel das outras pessoas no pro- cesso de construção. Similarmente, enfatizar o papel das interações sociais e/ou com os objetos na construção do conhecimento, não desmerece a crucial importância da orientação a ser dada pelo professor. Dessa forma, reforça a importância do papel do profes- sor e do contexto social na construção do conhecimento pelo aluno. No trabalho de Vygotsky, a dialética da mudan- ça é clara: as atividades na sala de aula são influenciadas pela sociedade, mas, ao mesmo tempo, podem, também, influenciá-la. Como conclusão Hatano escreve: Se nós queremos estabelecer uma concepção ou teoria de aquisição de conhecimento geralmente aceita, devería- mos estimular o diálogo (ou o “poliálogo”) entre as teorias ou programas de pesquisa. Esta prática pode nos conduzir ao fortalecimento de uma teoria pela incorporação de insights de uma outra o que pode algumas vezes ser considerado problemático. Esse problema pode, no entanto, ser contornado, se aqueles insights forem harmoniosamente integrados den- tro da teoria Vygotskiana. Em seguida, eu gostaria de ir mais além, incluir a peda- gogia crítica de Paulo Freire nesta discussão e mostrar suas características complementares aos enfoques Piagetiano e Vygotskiano na formulação de um ensino crítico-constru- tivista. A compreensão do papel da educação no desenvol- vimento dos seres humanos, partilhada por Vygotsky e Freire, é baseada na preocupação de ambos com o desen- volvimento integral das pessoas, na filosofia marxista, no enfoque construtivista, na importância do contexto social e na firme crença na natureza dos seres humanos. Tudge (1990) – um forte Vygotskiano escreve: A colaboração com outras pessoas seja um adulto ou um colega mais adiantado, dentro da zona de desenvolvi- mento proximal, conduz ao desenvolvimento dentro de pa- râmetros culturalmente apropriados. Esta concepção não é teleológica no sentido de algum ponto final universal de desenvolvimento, mas pode ser, em um sentido mais re- lativo, que o mundo social preexistente, internalizado no adulto ou no colega mais adiantado, é o objetivo para o qual o desenvolvimento conduz. A citação acima mostra como eu vejo a convergência das ideias de Freire e Vygotsky acerca de direção. Ambos rejeitam a ideia de não diretividade no ensino. Para eles, o processo de aprendizagem deve ser conduzido pelo pro- fessor visando a atingir os alvos desejados. Em ambos os casos, os alvos devem convergir para o desenvolvimento integral da pessoa, seja num contexto de opressão – adul- tos analfabetos – ou num contexto de deficiência – crianças 31 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS surdas. Quando o educador assume que os alunos não po- dem aprender algum tópico ou habilidade, seja porque não estão completamente maduros para essa aprendizagem ou porque são deficientes, a tendência pode ser negligenciar esses alunos. Isso foi observado por Schneider (1974), ao estudar o aluno excepcional ou atrasados especiais, por Cunha (1989), quando sugere que a deficiência pode ser produzida ou reforçada pela escola, e por Tudge. Vygotsky (1988) menciona que quando crianças men- talmente retardadas não são expostas ao raciocínio abs- trato durante sua escolarização (porque se supõe que são capazes apenas de raciocinar concretamente), o resultado pode ser a supressão dos rudimentosde qualquer capaci- dade de abstração que tal criança por ventura possua. Como pode o professor facilitar a construção do conhe- cimento? Dentro de um enfoque construtivista é dever do pro- fessor assegurar um ambiente dentro do qual os alunos possam reconhecer e refletir sobre suas próprias ideias; aceitar que outras pessoas expressem pontos de vista dife- rentes dos seus, mas igualmente válidos e possam avaliar a utilidade dessas ideias em comparação com as teorias apresentadas pelo professor. De fato, desenvolver o res- peito pelos outros e a capacidade de dialogar é um dos aspectos fundamentais do pensamento Freireano (Taylor, 1993). Assim, é importante para as crianças discutir ideias em todas as lições. Pensar sobre as próprias ideias ajuda os alunos a se tornarem conscientes de suas concepções alternativas ou ideias informais (Black e Lucas, 1993). Nesse enfoque, os professores deveriam também es- timular os alunos a refletirem sobre suas próprias ideias – encorajando-os a compararem-nas com o conhecimento cientificamente aceito – e procurarem estabelecer um elo entre esses dois conhecimentos. Essa comparação é impor- tante por propiciar um conflito cognitivo e, assim, ajudar os alunos a reestruturarem suas ideias o que pode representar um salto qualitativo na sua compreensão. Essa comparação também pode ajudar o aluno a desenvolver sua capacida- de de análise. Em outras palavras, espera-se que o novo conhecimento não seja aprendido mecanicamente, mas ativamente construído pelo aluno, que deve assumir-se como o sujeito do ato de aprender. Eu gostaria também de sugerir que o professor provocasse nos seus alunos o de- senvolvimento de uma atitude crítica que transcendesse os muros da escola e refletisse na sua atuação na sociedade. Estar consciente dos conceitos prévios dos alunos – que estejam em desacordo com o conhecimento científico – capacita os professores a planejar estratégias para recons- truí-los, utilizando contraexemplos ou situações-problema, para confrontá-los. Esse confronto pode causar uma ruptu- ra no conhecimento dos alunos, provocando desequilíbrios (ou conflitos cognitivos) que podem impulsioná-los para a frente na tentativa de recuperar o equilíbrio. Entretanto, existe também a possibilidade de que o processo de iden- tificação das concepções espontâneas possa, ao invés de removê-las, funcionar como um reforço. Solomon (1993) apresenta um exemplo que ilustra como o conhecimento socialmente construído pode também contribuir, embora temporariamente, para reforçar tais conceitos espontâneos uma vez que as crianças tendem a buscar o consenso e podem facilmente tender para a opinião da maioria. Nesses casos, a orientação do professor é crucial. Em resumo, para tornar a aprendizagem mais efetiva, os professores deveriam planejar suas lições levando em consideração tanto a forma como os alunos aprendem como os conceitos prévios que trazem. Os estudos de Pia- get são de fundamental importância ao apontar as diferen- ças entre o raciocínio da criança, em seus vários estágios, e o raciocínio de um adulto que atingiu o nível das ope- rações formais. Muitos professores, não compreendendo esses diferentes níveis de desenvolvimento mental, podem empregar estratégias de ensino totalmente inadequadas que, ao invés de facilitar a progressão para um nível mais elevado de conhecimento, leve o aluno a superpor o con- ceito espontâneo com o cientificamente aceito, apenas para atender às exigências formais dos testes escolares. Na vida diária, no entanto, a criança continuará a utilizar os conceitos espontâneos por melhor traduzirem sua visão de mundo. Considerando que a responsabilidade final pela pró- pria aprendizagem pertence a cada aluno, a tarefa do pro- fessor é encorajá-los a verbalizarem suas ideias, ajudá-los a tornarem-se conscientes de seu próprio processo de aprendizagem e a relacionarem suas experiências prévias às situações sob estudo. Uma construção crítica do conhe- cimento está intimamente associada com questionamen- tos: seja para entender o pensamento do aluno, seja para promover uma aprendizagem conceitual. Diferenças entre o ensino tradicional e o ensino cons- trutivista Algumas virtudes, de grande importância para os edu- cadores, estão presentes numa prática de ensino tradicio- nal. Entretanto, existem outros aspectos a serem conside- rados num enfoque construtivista de ensino. Um deles é a ênfase atribuída aos conhecimentos prévios dos alunos na busca de entender seus significados e dar-lhes voz. Por conhecimentos prévios eu não me refiro ao conhecimento aprendido em lições anteriores, mas às ideias espontâneas trazidas pelos alunos que são frutos de suas vivências e que, muitas vezes, diferem dos conceitos científicos. Essas ideias deveriam ser utilizadas como um ponto de partida para a construção de um novo conhecimento na sala de aula. Naturalmente, todos nós trazemos uma bagagem de experiências vividas e ninguém pode ser considerado um recipiente vazio. Por esse motivo, os professores deveriam estar atentos aos conhecimentos prévios dos alunos, visan- do a ajudá-los a tornar claras para eles próprios (e também para o professor) as crenças que trazem e a forma como interpretam o mundo. Seria também útil se os professores se dispusessem a aprender com as questões colocadas pe- los alunos. Isso não significa que professor e aluno tenham o mesmo conhecimento científico, mas os professores de- veriam ser capazes de aprender com os alunos como eles 32 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS podem aprender melhor. Essa atitude demanda humildade. Como é possível aprender com os alunos se estou conven- cido de que sei o que é melhor para eles? Os alunos têm muito a nos ensinar se apenas pararmos para ouvi-los. E, quanto mais distante, cultural ou afetivamente, o professor estiver do seu aluno, mais provável é que ele formule as perguntas erradas. Seria bem melhor se a vaidade permitis- se aos professores fazer perguntas aos alunos e se procu- rassem entender que, por estarmos aprendendo o tempo todo com os outros e com a vida, somos, todos, eternos aprendizes. Eu estou consciente de que isso não é fácil. É também importante que os professores não confundam constru- tivismo com falta de disciplina e de direção. O papel do professor é, de fato, ajudar os alunos a perceber as incon- gruências e vazios no seu entendimento. Para fazer isso, os professores têm que respeitar os alunos e tal respeito tem que ser mútuo. No entanto, respeito não é alguma coisa imposta de cima para baixo. Preferivelmente, deveria ser alguma coisa construída e oferecida ao professor, pelos alunos, que o consideram merecedor dessa consideração. Assim, o papel de um ensino crítico construtivista deveria considerar que: - o conhecimento prévio do aluno é importante e alta- mente relevante para o processo de ensino; - o papel do professor é ajudar o aluno a construir o seu próprio conhecimento; - as estratégias de ensino devem ser planejadas para ajudar o aluno a adotar novas ideias ou integrá-las com seus conceitos prévios; - qualquer trabalho prático é planejado para ajudar a construção do conhecimento através da experiência do mundo real e da interação social capacitando a ação; - o trabalho prático envolve a construção de elos com os conceitos prévios num processo de geração, checagem e restruturação de ideias; - a aprendizagem envolve não só a aquisição e exten- são de novos conceitos mas também sua reorganização e análise crítica; - a responsabilidade final com a aprendizagem é dos próprios alunos. Outra importante característica que eu sugiro para um ensino construtivista é a empatia. Por empatia eu me refiro à capacidade de ser sensível às necessidades dos alunos ou, em outras palavras, ser disponível. É também a capaci- dade de escutar e entender as mensagens dos alunos. Para fazer isso o professor deve aprender a ler entre as linhas e decodificar mensagens que não são percebidas sequer pelospróprios alunos. Isso equivale a tentar devolver aos alunos, de forma estruturada, as informações que vêm de- les de forma desestruturada. Frequentemente, uma respos- ta deixa de ser dada não porque os alunos não sabem a resposta, mas porque eles não entenderam nem mesmo a pergunta. Em tais casos, o professor deve ser suficien- temente sensível para perceber isso, e aberto (disponível), para aprender com os alunos a fazer perguntas que sejam entendidas por todos e não só pelos “melhores” alunos. O professor deve também ser flexível e estar pronto para mudar quando necessário. Comumente a falta de interesse pelas aulas origina-se do fato de que os tópicos não são conectados. Os alunos não conseguem entender a razão para determinadas questões; não conseguem perceber as relações desses tópicos com suas próprias experiências nem como poderão utilizar o novo conhecimento em seu próprio benefício. Ensinar não é apenas transmitir o conhe- cimento acumulado pela humanidade, mas fazê-lo signifi- cante para os alunos. Tendo abertura para aprender com os alunos, sendo reflexivo e pronto para mudar, o professor pode vir a co- nhecer o suficiente sobre o aluno de forma a favorecer uma aprendizagem significativa. O que é uma construção crítica do conhecimento? Minha preocupação, no entanto, vai além de um ensi- no construtivista e, naturalmente, de um ensino tradicional. O tipo de ensino que eu tenho em mente deve ser tam- bém crítico. Por uma construção crítica do conhecimento eu me refiro a um ensino cuja preocupação transcenda a transmissão de um conteúdo específico. Sua preocupa- ção deve ser também com o pensamento crítico do aluno, sua compreensão de que toda pessoa merece dignidade e felicidade e que, finalmente, é dever de todos lutar para atingir esses objetivos. Assim, uma construção crítica do conhecimento implica um compromisso com o pensamen- to independente e o bem-estar comum. Tais compromis- sos devem estar coerentemente presentes na conduta do professor para apoiar sua análise do contexto da sala de aula e sua capacidade de tomar decisões coerentes. Como Freire (1977) diz, nós deveríamos não importar ideias, mas recriá-las. Dessa forma, um ensino construtivista crítico não poderia ser entendido como receitas prontas a serem seguidas, mas como sugestões a serem examinadas pelos professores. Tal criticismo é crucial em todos os níveis de educação e deve estar presente, particularmente, durante programas de formação de professores devido ao seu efei- to multiplicador. Um exemplo de sua utilidade é evitar os “especialismos estreitos” frequentemente observados entre experts, que, ao se aprofundarem num determinado aspec- to, perdem a visão do todo e, muitas vezes, não percebem as implicações éticas de suas decisões. Em resumo, num ensino para uma construção crítica do conhecimento, devem estar presentes atitudes como: - estar consciente do que está acontecendo ao redor (comunidade, sociedade, mundo) e revelar como a domi- nação e a opressão são produzidas dentro da escola; - estimular o pensamento crítico dos alunos; - introduzir o diálogo crítico entre os participantes; - buscar respostas para os problemas colocados; - colocar novas questões para serem respondidas, me- lhorando assim a prática; - tornar a aprendizagem significante, crítica, emanci- patória e comprometida com as mudanças na direção do bem-estar coletivo; e - estar consciente de que todos temos uma parte a cumprir em prol de uma sociedade mais justa. 33 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Aprendizagem crítico-construtivista versus ensino crítico- construtivista De acordo com Matthews (1992), o construtivismo é, ao mesmo tempo, uma teoria da ciência e uma teoria da aprendizagem e ensino humanos. Mas, enquanto o construtivismo tem deixado a sua marca com respeito à aprendizagem em muitas áreas, pouco tem sido feito, até agora, com relação ao ensino e à formação de professores. No en- tanto, ambos (aprendizagem e ensino construtivistas) são profunda- mente interligados e o último deveria preparar terreno para o primeiro. O que entendo por um ensino crítico-construtivista é um ensino voltado para a contextualização das construções con- ceituais dos alunos. Eu associo esse ensino crítico-construtivis- ta com uma postura de respeito pelos alunos. Tal postura im- plica, além do que foi apresentado anteriormente, o seguinte: - ser receptivo para ouvir e entender a forma como os alu- nos constroem, articulam e expressam seu conhecimento; - apoiar os alunos na expressão de seus conceitos, na to- mada de consciência desse processo e na valorização do pró- prio conhecimento e o dos colegas; - nunca depreciar a informação trazida pelos alunos; - contextualizar o ensino apresentando problemas relacionados a aspectos-chave da experiência dos alunos, de forma que esses pos- sam reconhecer seus próprios pensamento e linguagem no estudo; - mostrar que o ato de conhecer exige um sujeito ativo que questiona e transforma e que aprender “é recriar os caminhos com que nos enxergamos a nós próprios, nossa educação e nossa sociedade”; - encorajar os alunos a colocar problemas e questões; - apresentar o assunto não como “exposições teóricas ou como fatos a serem memorizados, mas como proble- mas colocados dentro da experiência e linguagem dos alu- nos para serem trabalhados por eles”; - conduzir a classe dentro de um processo democrático de aprendizagem e de criticidade. “Os professores devem afirmar- se sem, por outro lado, desafirmar os alunos”. Essas atitudes não implicam passividade por parte do pro- fessor. Eles têm o dever de mostrar as contradições, os vazios e inconsistências no pensamento dos alunos e desafiá-los a supe- rá-los. Para realizar essa tarefa os professores devem ser, antes de tudo, competentes no conteúdo que têm a responsabilidade de ensinar. Ensinar, nessa abordagem, significa planejar todo o processo para facilitar a compreensão do novo conteúdo pelos alunos. Como comentado anteriormente, a dificuldade para a maioria dos professores é que é deles a responsabilidade de fa- zer cumprir as determinações que vêm de fora da escola. Os im- perativos sociais e o currículo pretendido são dominantes dentro do sistema educacional em todo o mundo. Existem momentos em que os professores devem, forçosamente, dizer aos alunos o que fazer para atingir determinados objetivos. As exigências são claras: o professor deve saber o que fazer. Para professores cons- trutivistas, entretanto, é uma questão de equilíbrio: as estratégias e técnicas de ensino devem variar dentro de um amplo espectro, que vai de uma completa liberdade para permitir a livre expres- são das concepções espontâneas trazidas pelos alunos até uma rigorosa disciplina que caracteriza o trabalho intelectual. Referência: JÓFILI, Z. Piaget, Vygotsky, Freire e a construção do conheci- mento na escola. In: Educação: Teorias e Práticas. UFRPE. Ano 2, nº 2 – dezembro, 2002. - PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM; O PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre du- rante toda a vida do indivíduo, desde a mais tenra infância até a mais avançada velhice. Normalmente uma criança deve apren- der a andar e a falar; depois a ler e escrever, aprendizagens bási- cas para atingir a cidadania e a participação ativa na sociedade. Já os adultos precisam aprender habilidades ligadas a algum tipo de trabalho que lhes forneça a satisfação das suas neces- sidades básicas, algo que lhes garanta o sustento. As pessoas idosas embora nossa sociedade seja reticente quanto às suas capacidades de aprendizagem podem continuar aprendendo coisas complexas como um novo idioma ou ainda cursar uma faculdade e virem a exercer uma nova profissão. O desenvolvimento geral do indivíduo será resultado de suas potencialidades genéticas e, sobretudo, das habilidades aprendidas durante as várias fases da vida. A aprendizagem está diretamente relacionada com o desenvolvimento cognitivo. As passagens pelos estágiosda vida são marcadas por constante aprendizagem. “Vivendo e aprendendo”, diz a sa- bedoria popular. Assim, os indivíduos tendem a melhorar suas realizações nas tarefas que a vida lhes impõe. A aprendizagem permite ao sujeito compreender melhor as coisas que estão à sua volta, seus companheiros, a natureza e a si mesmo, capa- citando-o a ajustar-se ao seu ambiente físico e social. A teoria da instrução de Jerome Bruner (1991), um autên- tico representante da abordagem cognitiva, traz contribuições significativas ao processo ensino-aprendizagem, principal- mente à aprendizagem desenvolvida nas escolas. Sendo uma teoria cognitiva, apresenta a preocupação com os processos centrais do pensamento, como organização do conhecimen- to, processamento de informação, raciocínio e tomada de de- cisão. Considera a aprendizagem como um processo interno, mediado cognitivamente, mais do que como um produto di- reto do ambiente, de fatores externos ao aprendiz. Apresen- ta-se como o principal defensor do método de aprendizagem por descoberta (insight). A teoria de Bruner apresenta muitos pontos semelhantes às teorias de Gestalt e de Piaget. Bruner considera a existência de estágios durante o desenvolvimento cognitivo e propõe ex- plicações similares às de Piaget, quanto ao processo de apren- dizagem. Atribui importância ao modo como o material a ser aprendido é disposto, assim como Gestalt, valorizando o con- ceito de estrutura e arranjos de ideias. “Aproveitar o potencial que o indivíduo traz e valorizar a curiosidade natural da criança são princípios que devem ser observados pelo educador”. A escola não deve perder de vista que a aprendizagem de um novo conceito envolve a interação com o já aprendido. Portanto, as experiências e vivências que o aluno traz consi- go favorecem novas aprendizagens. Bruner chama a atenção para o fato de que as matérias ou disciplinas tais como estão organizadas nos currículos, constituem-se muitas vezes divi- sões artificiais do saber. Por isso, várias disciplinas possuem princípios comuns sem que os alunos – e algumas vezes os próprios professores – analisem tal fato, tornando o ensino 34 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS uma repetição sem sentido, em que apenas respondem a co- mandos arbitrários, Bruner propõe o ensino pela descoberta. O método da descoberta não só ensina a criança a resolver problemas da vida prática, como também garante a ela uma compreensão da estrutura fundamental do conhecimento, possibilitando assim economia no uso da memória, e a trans- ferência da aprendizagem no sentido mais amplo e total. Segundo Bock (2001), a preocupação de Bruner é que a criança aprenda a aprender corretamente, ainda que “cor- retamente” assuma, na prática, sentidos diferentes para as diferentes faixas etárias. Para que se garanta uma apren- dizagem correta, o ensino deverá assegurar a aquisição e permanência do aprendido (memorização), de forma a facilitar a aprendizagem subsequente (transferência). Este é um método não estruturado, portanto o professor deve estar preparado para lidar com perguntas e situações di- versas. O professor deve conhecer a fundo os conteúdos a serem tratados. Deve estar apto a conhecer respostas cor- retas e reconhecer quando e porque as respostas alternati- vas estão erradas. Também necessita saber esperar que os alunos cheguem à descoberta, sem apressa-los, mas ga- rantindo a execução de um programa mínimo. Deve tam- bém ter cuidado para não promover um clima competitivo que gere, ansiedade e impeça alguns alunos de aprender. O modelo de ensino e aprendizagem de David P. Ausu- bel (1980) caracteriza-se como um modelo cognitivo que apresenta peculiaridades bastante interessantes para os professores, pois centraliza-se, primordialmente, no pro- cesso de aprendizagem tal como ocorre em sala de aula. Para Ausubel, aprendizagem significa organização e inte- gração do material aprendido na estrutura cognitiva, es- trutura esta na qual essa organização e integração se pro- cessam. Psicólogos e educadores têm demonstrado uma cres- cente preocupação com o modo como o indivíduo apren- de e, desde Piaget, questões do tipo: “Como surge o co- nhecer no ser humano? Como o ser humano aprende? O conhecimento na escola é diferente do conhecimento da vida diária? O que é mais fácil esquecer?” atravessaram as investigações científicas. Assim, deve interessar à escola saber como criança, adolescentes e adultos elaboram seu conhecer, haja vista que a aquisição do conhecimento é a questão fundamental da educação formal. A psicologia cognitiva preocupa responder estas ques- tões estudando o dinamismo da consciência. A aprendi- zagem é, portanto, a mudança que se preocupa com o eu interior ao passar de um estado inicial a um estado final. Implica normalmente uma interação do indivíduo com o meio, captando e processando os estímulos selecionados. O ato de ensinar envolve sempre uma compreensão bem mais abrangente do que o espaço restrito do profes- sor na sala de aula ou às atividades desenvolvidas pelos alunos. Tanto o professor quanto o aluno e a escola encon- tram-se em contextos mais globais que interferem no pro- cesso educativo e precisam ser levados em consideração na elaboração e execução do ensino. Ensinar algo a alguém requer, sempre, duas coisas: uma visão de mundo (incluídos aqui os conteúdos da apren- dizagem) e planejamento das ações (entendido como um processo de racionalização do ensino). A prática de pla- nejamento do ensino tem sido questionada quanto a sua validade como instrumento de melhoria qualitativa no pro- cesso de ensino como o trabalho do professor: [...] a vivência do cotidiano escolar nos tem evidencia- do situações bastante questionáveis neste sentido. Perce- be-se, de início, que os objetivos educacionais propostos nos currículos dos cursos apresentam confusos e desvincu- lados da realidade social. Os conteúdos a serem trabalha- dos, por sua vez, são definidos de forma autoritária, pois os professores, via re regra, não participam dessa tarefa. Nes- sas condições, tendem a mostrar-se sem elos significativos com as experiências de vida dos alunos, seus interesses e necessidades. De modo geral, no meio escolar, quando se faz referên- cia a planejamento do ensino – aprendizagem, este se re- duz ao processo através do qual são definidos os objetivos, o conteúdo programático, os procedimentos de ensino, os recursos didáticos, a sistemática de avaliação da aprendi- zagem, bem como a bibliografia básica a ser consultada no decorrer de um curso, série ou disciplina de estudo. Com efeito, este é o padrão de planejamento adotado pela maioria dos professores e que passou a ser valorizado ape- nas em sua dimensão técnica. Em nosso entendimento a escola faz parte de um con- texto que engloba a sociedade, sua organização, sua estru- tura, sua cultura e sua história. Desse modo, qualquer pro- jeto de ensino – aprendizagem está ligado a este contexto e ao modo de cultura que orienta um modelo de homem e de mulher que pretendemos formar, para responder aos desafios desta sociedade. Por esta razão, pensamos que é de fundamental importância que os professores saibam que tipo de ser humano pretendem formar para esta so- ciedade, pois disto depende, em grande parte, as escolhas que fazemos pelos conteúdos que ensinamos, pela me- todologia que optamos e pelas atitudes que assumimos diante dos alunos. De certo modo esta visão limitada ou potencializada o processo ensino-aprendizagem não de- pende das políticas públicas em curso, mas do projeto de formação cultural que possui o corpo docente e seu com- promisso com objeto de estudo. Como o ato pedagógico de ensino-aprendizagem constitui-se, ao longo prazo, num projeto de formação hu- mana, propomos que esta formação seja orientada por um processo de autonomia que ocorra pela produção autôno- ma do conhecimento, como forma de promover a demo- cratização dos saberes e como modo de elaborar a crítica da realidade existente.Isto quer dizer que só há crítica se houver produção autônoma do conhecimento elaborado através de uma prática efetiva da pesquisa. Entendemos que é pela prática da pesquisa que exercitamos a reflexão sobre a realidade como forma de sistematizar metodologicamente nosso olhar sobre o mundo para podermos agir sobre os proble- mas. Isto quer dizer que não pesquisamos por pesquisar e nem refletimos por refletir. Tanto a reflexão quanto à pes- quisa são meios pelos quais podemos agir como sujeitos transformadores da realidade social. Isto indica que nosso trabalho, como professores, é o de ensinar a aprender para 35 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS que o conhecimento construído pela aprendizagem seja um poderoso instrumento de combate às formas de injus- tiças que se reproduzem no interior da sociedade. Piaget (1969), foi quem mais contribuiu para com- preendermos melhor o processo em que se vivencia a construção do conhecimento no indivíduo. Apresentamos as ideias básicas de Piaget sobre o de- senvolvimento mental e sobre o processo de construção do conhecimento, que são adaptação, assimilação e aco- modação. Piaget diz que o indivíduo está constantemente intera- gindo com o meio ambiente. Dessa interação resulta uma mudança contínua, que chamamos de adaptação. Com sentido análogo ao da Biologia, emprega a palavra adapta- ção para designar o processo que ocasiona uma mudança contínua no indivíduo, decorrente de sua constante intera- ção com o meio. Esse ciclo adaptativo é constituído por dois subpro- cessos: assimilação e acomodação. A assimilação está re- lacionada à apropriação de conhecimentos e habilidade. O processo de assimilação é um dos conceitos fundamentais da teoria da instrução e do ensino. Permite-nos entender que o ato de aprender é um ato de conhecimento pelo qual assimilamos mentalmente os fatos, fenômenos e relações do mundo, da natureza e da sociedade, através do estudo das matérias de ensino. Nesse sentido, podemos dizer que a aprendizagem é uma relação cognitiva entre o sujeito e os objetos de conhecimento. A acomodação é que ajuda na reorganização e na modificação dos esquemas assimilatórios anteriores do indivíduo para ajustá-los a cada nova experiência, acomo- dando-as às estruturas mentais já existentes. Portanto, a adaptação é o equilíbrio entre assimilação e acomodação, e acarreta uma mudança no indivíduo. A inteligência desempenha uma função adaptativa, pois é através dela que o indivíduo coleta as informações do meio e as reorganiza, de forma a compreender melhor a realidade em que vive, nela agi, transformando. Para Piaget (1969), a inteligência é adaptação na sua forma mais eleva- da, isto é, o desenvolvimento mental, em sua organização progressiva, é uma forma de adaptação sempre mais pre- cisa à realidade. É preciso ter sempre em mente que Piaget usa a palavra adaptação no sentido em que é usado pela Biologia, ou seja, uma modificação que ocorre no indivíduo em decorrência de sua interação com o meio. Portanto, é no processo de construção do conhecimen- to e na aquisição de saberes que devemos fazer com que o aluno seja motivado a desenvolver sua aprendizagem e ao mesmo tempo superar as dificuldades que sentem em assimilar o conhecimento adquirido. Referência: MOTA, M. S. G.; PEREIRA, F. E. L. Desenvolvimento e Aprendizagem: Processo de construção do conhecimento e desenvolvimento mental do indivíduo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_desen- volvimento.pdf - EDUCAÇÃO INCLUSIVA; O que é inclusão social escolar? Inclusão escolar é acolher todas as pessoas, sem ex- ceção, no sistema de ensino, independentemente de cor, classe social e condições físicas e psicológicas. O termo é associado mais comumente à inclusão educacional de pes- soas com deficiência física e mental. Recusar-se a ensinar crianças e jovens com necessida- des educacionais especiais (NEE) é crime: todas as institui- ções devem oferecer atendimento especializado, chamado de Educação Especial. No entanto, o termo não deve ser con- fundido com escolarização especial, que atende os portado- res de deficiência em uma sala de aula ou escola separada, apenas formadas de crianças com NEE. Isso também é ilegal. O artigo 208 da Constituição brasileira especifica que é dever do Estado garantir “atendimento educacional espe- cializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, condição que também consta no artigo 54 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescen- te). A legislação também obriga as escolas a terem profes- sores de ensino regular preparados para ajudar alunos com necessidades especiais a se integrarem nas classes comuns. Ou seja, uma criança portadora de deficiência não deve ter de procurar uma escola especializada. Ela tem direito a cur- sar instituições comuns, e é dever dos professores elaborar e aplicar atividades que levem em conta as necessidades específicas dela. No caso da alfabetização para cegos, por exemplo, o aluno tem direito a usar materiais adaptados ao letramento especial, como livros didáticos transcritos em braille para escrever durante as aulas. De acordo com o decreto 6.571, de 17 de setembro de 2008, o Estado deve oferecer apoio técnico e financeiro para que o atendimento especializado esteja presente em toda a rede pública de ensino. Mas o gestor da escola e as Secretarias de Educação e administra- ção é que precisam requerer os recursos para isso. Às vezes o atendimento escolar especial (AEE) deve ser feito com um profissional auxiliar, em caso de paralisia cerebral, por exemplo. Esse profissional auxilia na execu- ção das atividades, na alimentação e na higiene pessoal. O professor e o responsável pelo AEE devem coordenar o tra- balho e planejar as atividades. O auxiliar não foge do tema da aula, que é comum a todos os alunos, mas o adapta da melhor forma possível para que o aluno consiga acompa- nhar o resto da classe. Mas a preparação da escola não deve ser apenas den- tro da sala de aula: alunos com deficiência física necessitam de espaços modificados, como rampas, elevadores (se ne- cessário), corrimões e banheiros adaptados. Engrossadores de lápis, apoio para braços, tesouras especiais e quadros magnéticos são algumas tecnologias assistivas que podem ajudar o desempenho das crianças e jovens com dificulda- des motoras. 36 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Educação Inclusiva – pessoa com deficiência A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito dis- torcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais gra- ves ou menos severos no ensino regular nada mais é do que ga- rantir o direito de todos à educação - e assim diz a Constituição! Inovar não tem necessariamente o sentido do inusitado. As grandes inovações estão, muitas vezes na concretização do óbvio, do simples, do que é possível fazer, mas que preci- sa ser desvelado, para que possa ser compreendido por to- dos e aceito sem outras resistências, senão aquelas que dão brilho e vigor ao debate das novidades. O objetivo de nossa participação neste evento é clarear o sentido da inclusão, como inovação, tornando-o compreen- sível, aos que se interessam pela educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos, também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação ge- ral das escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional. Para descrever o nosso caminho na direção das escolas inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional brasileiro sob três ângulos: o dos desafios pro- vocados por essa inovação, o das ações no sentido de efeti- vá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se abrem à educação escolar, a partir de sua implementação. Uma educação para todos O princípio democráticoda educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que os professores aper- feiçoem as suas práticas. É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico. O motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dú- vida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessida- des de cada um de seus alunos, de acordo com suas espe- cificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão. O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular decorre, portanto, das possibilidades de se conseguir progressos significativos desses alunos na esco- laridade, por meio da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue atingir esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificulda- des de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o ensino é ministrado, a apren- dizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as deficien- tes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de tanto repetir desistiram de estudar. Os desafios Toda criança precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendi- mentos à parte. A trajetória escolar não pode ser comparada a um rio perigoso e ameaçador, em cujas águas os alunos podem afundar. Mas há sistemas organizacionais de ensino que tornam esse percurso muito difícil de ser vencido, uma verdadeira competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu curso principal. Um desses sistemas, que muito apropriadamente se de- nomina “de cascata”, prevê a exclusão de algumas crianças, que têm déficits temporários ou permanentes e em função dos quais apresentam dificuldades para aprender. Esse sis- tema contrapõe-se à melhoria do ensino nas escolas, pois mantém ativo, o ensino especial, que atende aos alunos que caíram na cascata, por não conseguirem corresponder às exi- gências e expectativas da escola regular. Para se evitar a que- da na cascata, na maioria das vezes sem volta, é preciso remar contra a correnteza, ou seja, enfrentar os desafios da inclusão: o ensino de baixa qualidade e o subsistema de ensino espe- cial, desvinculada e justaposto ao regular. Priorizar a qualidade do ensino regular é, pois, um desa- fio que precisa ser assumido por todos os educadores. É um compromisso inadiável das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do desenvolvimento econômico e social. Tra- ta-se de uma tarefa possível de ser realizada, mas é impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organiza- ção do sistema escolar. Se hoje já podemos contar com uma Lei Educacional que propõe e viabiliza novas alternativas para melhoria do ensino nas escolas, estas ainda estão longe, na maioria dos casos, de se tornarem inclusivas, isto é, abertas a todos os alunos, indis- tinta e incondicionalmente. O que existe em geral são proje- tos de inclusão parcial, que não estão associados a mudanças de base nas escolas e que continuam a atender aos alunos com deficiência em espaços escolares semi ou totalmente se- gregados (classes especiais, salas de recurso, turmas de acele- ração, escolas especiais, os serviços de itinerância). As escolas que não estão atendendo alunos com defi- ciência em suas turmas regulares se justificam, na maioria das vezes pelo despreparo dos seus professores para esse fim. Existem também as que não acreditam nos benefícios que es- ses alunos poderão tirar da nova situação, especialmente os casos mais graves, pois não teriam condições de acompanhar os avanços dos demais colegas e seriam ainda mais margina- lizados e discriminados do que nas classes e escolas especiais. Em ambas as circunstâncias, o que fica evidenciado é a necessidade de se redefinir e de se colocar em ação novas alternativas e práticas pedagógicas, que favoreçam a todos os alunos, o que, implica na atualização e desenvolvimento de conceitos e em aplicações educacionais compatíveis com esse grande desafio. Muda então a escola ou mudam os alunos, para se ajustarem às suas velhas exigências? Ensino especializado em todas as crianças ou ensino especial para deficientes? Professores que se aperfeiçoam para exercer suas funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou pro- fessores especializados para ensinar aos que não apren- dem e aos que não sabem ensinar? 37 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS As ações Visando os aspectos organizacionais, ao nosso ver é preciso mudar a escola e mais precisamente o ensino nelas ministrado. A escola aberta para todos é a grande meta e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação na virada do século. Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige traba- lho em muitas frentes. Destacaremos as que consideramos primordiais, para que se possa transformar a escola, em direção de um ensino de qualidade e, em consequência, inclusivo. Temos de agir urgentemente: - Colocando a aprendizagem como o eixo das escolas, porque escola foi feita para fazer com que todos os alunos aprendam; - Garantindo tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência; - Abrindo espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; - Estimulando, formando continuamente e valorizando o professor que é o responsável pela tarefa fundamental da escola - a aprendizagem dos alunos; - Elaborando planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos públicos de ingresso, acesso e remo- ção de professores. Que ações implementar para que a escola mude? Para melhorar as condições pelas quais o ensino é mi- nistrado nas escolas, visando, universalizar o acesso, ou seja, a inclusão de todos, incondicionalmente, nas turmas escolares e democratizar a educação, sugerimos o que, fe- lizmente, já está ocorrendo em muitas redes de ensino, ver- dadeiras vitrines que expõem o sucesso da inclusão. A primeira sugestão para que se caminhe para uma educação de qualidade é estimular as escolas para que elaborem com autonomia e de forma participativa o seu Projeto Político Pedagógico, diagnosticando a demanda, ou seja, verificando quantos são os alunos, onde estão e porque alguns estão fora da escola. Sem que a escola conheça os seus alunos e os que es- tão à margem dela, não será possível elaborar um currículo escolar que reflita o meio social e cultural em que se insere. A integração entre as áreas do conhecimento e a concep- ção transversal das novas propostas de organização curri- cular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber. Como essa experiência varia entre os alunos, mesmo sendo membros de uma mesma comunidade, a implanta- ção dos ciclos de formação é uma solução justa, embora ainda muito incompreendida pelos professores e pais, por ser uma novidade e por estar sendo ainda pouco difundida e aplicada pelas redes de ensino. De fato, se dermos mais tempo para que os alunos aprendam, eliminando a seria- ção, a reprovação, nas passagens de um ano para outro, es- taremos adequando o processo de aprendizagem ao ritmo e condições de desenvolvimento dos aprendizes - um dos princípiosdas escolas de qualidade para todos Por outro lado, a inclusão não implica em que se desen- volva um ensino individualizado para os alunos que apre- sentam déficits intelectuais, problemas de aprendizagem e outros, relacionados ao desempenho escolar. Na visão in- clusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou fora das salas de aula e, portanto, nenhum aluno é encami- nhado às salas de reforço ou aprende, a partir de currículos adaptados. O professor não predetermina a extensão e a profundidade dos conteúdos a serem construídos pelos alunos, nem facilita as atividades para alguns, porque, de antemão já prevê q dificuldade que possam encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que se adapta ao novo co- nhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual. A avaliação constitui um outro entrave à implementa- ção da inclusão. É urgente suprimir o caráter classificatório da avaliação escolar, através de notas, provas, pela visão diagnóstica desse processo que deverá ser contínuo e qua- litativo, visando depurar o ensino e torná-lo cada vez mais adequado e eficiente à aprendizagem de todos os alunos. Essa medida já diminuiria substancialmente o número de alunos que são indevidamente avaliados e categorizados como deficientes, nas escolas regulares. A aprendizagem como o centro das atividades esco- lares e o sucesso dos alunos, como a meta da escola, in- dependentemente do nível de desempenho a que cada um seja capaz de chegar são condições de base para que se caminha na direção de escolas acolhedoras. O sentido desse acolhimento não é o da aceitação passiva das pos- sibilidades de cada um, mas o de serem receptivas a todas as crianças, pois as escolas existem, para formar as novas gerações, e não apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados. A inclusão não prevê a utilização de métodos e téc- nicas de ensino específicas para esta ou aquela deficiên- cia. Os alunos aprendem até o limite em que conseguem chegar, se o ensino for de qualidade, isto é, se o professor considera o nível de possibilidades de desenvolvimento de cada um e explora essas possibilidades, por meio de ati- vidades abertas, nas quais cada aluno se enquadra por si mesmo, na medida de seus interesses e necessidades, seja para construir uma ideia, ou resolver um problema, realizar uma tarefa. Eis aí um grande desafio a ser enfrentado pelas escolas regulares tradicionais, cujo paradigma é condutista, e baseado na transmissão dos conhecimentos. O trabalho coletivo e diversificado nas turmas e na es- cola como um todo é compatível com a vocação da escola de formar as gerações. É nos bancos escolares que apren- demos a viver entre os nossos pares, a dividir as responsa- bilidades, repartir as tarefas. O exercício dessas ações de- senvolve a cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa para a consecução de metas comuns de um mesmo grupo. 38 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS O tutoramento nas salas de aula tem sido uma solução natural, que pode ajudar muito os alunos, desenvolvendo neles o hábito de compartilhar o saber. O apoio ao colega com dificuldade é uma atitude extremamente útil e huma- na e que tem sido muito pouco desenvolvida nas escolas, sempre tão competitivas e despreocupadas com a constru- ção de valores e de atitudes morais. Além dessas sugestões, referentes ao ensino nas esco- las, a educação de qualidade para todos e a inclusão impli- cam em mudanças de outras condições relativas à admi- nistração e aos papéis desempenhados pelos membros da organização escolar. Nesse sentido é primordial que sejam revistos os pa- péis desempenhados pelos diretores e coordenadores, no sentido de que ultrapassem o teor controlador, fiscaliza- dor e burocrático de suas funções pelo trabalho de apoio, orientação do professor e de toda a comunidade escolar. A descentralização da gestão administrativa, por sua vez, promove uma maior autonomia pedagógica, adminis- trativa e financeira de recursos materiais e humanos das escolas, por meio dos conselhos, colegiados, assembleias de pais e de alunos. Mudam-se os rumos da administração escolar e com isso o aspecto pedagógico das funções do diretor e dos coordenadores e supervisores emerge. Dei- xam de existir os motivos pelos quais que esses profissio- nais ficam confinados aos gabinetes, às questões burocráti- cas, sem tempo para conhecer e participar do que acontece nas salas de aula. Visando à formação continuada dos professores Sabemos que, no geral, os professores são bastante resistentes às inovações educacionais, como a inclusão. A tendência é se refugiarem no impossível, considerando que a proposta de uma educação para todos é válida, porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos e nas circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas redes públicas de ensino. A maioria dos professores têm uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de tra- balho prático que aprenderam a aplicar em suas salas de aula é rejeitado. Também reconhecemos que as inovações educacionais abalam a identidade profissional, e o lugar conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a experiência, os co- nhecimentos e o esforço que fizeram para adquiri-los. Os professores, como qualquer ser humano, tendem a adaptar uma situação nova às anteriores. E o que é habi- tual, no caso dos cursos de formação inicial e na educação continuada, é a separação entre teoria e prática. Essa visão dicotômica do ensino dificulta a nossa atuação, como for- madores. Os professores reagem inicialmente à nossa me- todologia, porque estão habituados a aprender de maneira incompleta, fragmentada e essencialmente instrucional. Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma formação que lhes permita aplicar esquemas de tra- balho pré-definidos às suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas es- colas inclusivas. Em uma palavra, os professores acreditam que a forma- ção em serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se especializarem em todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais um curso de extensão, de especialização com uma terminalidade e com um certificado que lhes convalida a capacidade de efetivar a inclusão esco- lar. Eles introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso fazer, para trabalhar com níveis diferentes de desempenho escolar, transmitindo- lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes da mesma maneira como geralmente trabalham com seus próprios alu- nos. Acreditam que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência ou dificuldade de apren- der por outras incontáveis causas referem-se primordialmen- te à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos. Os dirigentes das redes de ensino e das escolas particulares também pretendem o mesmo, num primeiro momento, em que solicitam a nossa colaboração. Se de um lado é preciso continuar investindo maciça- mente na direção da formação de profissionais qualificados, não se pode descuidar da realização dessa formação e estar atento ao modo pelo qual os professores aprendem para se profissionalizar e para aperfeiçoar seus conhecimentos peda- gógicos, assim como reagem às novidades, aos novos possí- veis educacionais. A metodologia Diante dessas circunstâncias e para que possamos atingir nossos propósitos de formar professores para uma escola de qualidade para todos, idealizamos um projeto de formação que tem sido adotado por redes de ensino públicas e escolas particulares brasileiras, desde 1991. Nossa proposta de formação se baseia em princípios educacionais construtivistas,pois reconhecemos que a coo- peração, a autonomia intelectual e social, a aprendizagem ativa e a cooperação são condições que propiciam o desen- volvimento global de todos os alunos, assim como a capaci- tação e o aprimoramento profissional dos professores. Nesse contexto, o professor é uma referência para o aluno e não apenas um mero instrutor, pois enfatizamos a importância de seu papel tanto na construção do conheci- mento, como na formação de atitudes e valores do futuro cidadão. Assim sendo, a formação continuada vai além dos aspectos instrumentais de ensino. A metodologia que adotamos reconhece que o profes- sor, assim como o seu aluno, não aprende no vazio. Assim sendo, partimos do “saber fazer” desses profissionais, que já possuem conhecimentos, experiências, crenças, esquemas de trabalho, ao entrar em contato com a inclusão ou qual- quer outra inovação. Em nossos projetos de aprimoramento e atualização do professor consideramos fundamental o exercício constante de reflexão e o compartilhamento de ideias, sentimentos, ações entre os professores, diretores, coordenadores da escola. Inte- ressam-nos as experiências concretas, os problemas reais, as si- tuações do dia-a-dia que desequilibram o trabalho, nas salas de aula. Eles são a matéria-prima das mudanças. O questionamen- 39 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS to da própria prática, as comparações, a análise das circunstân- cias e dos fatos que provocam perturbações e/ou respondem pelo sucesso vão definindo, pouco a pouco, aos professores as suas “teorias pedagógicas”. Pretendemos que os professores sejam capazes de explicar o que outrora só sabiam reproduzir, a partir do que aprendiam em cursos, oficinas, palestras, exclu- sivamente. Incentivamos os professores para que interajam com seus colegas com regularidade, estudem juntos, com e sem o nosso apoio técnico e que estejam abertos para colaborar com seus pares, na busca dos caminhos pedagógicos da inclusão. O fato de os professores fundamentarem suas práticas e argumentos pedagógicos no senso comum dificulta a ex- plicitação dos problemas de aprendizagem. Essa dificuldade pode mudar o rumo da trajetória escolar de alunos que mui- tas vezes são encaminhados indevidamente para as moda- lidades do ensino especial e outras opções segregativas de atendimento educacional. Daí a necessidade de se formarem grupos de estudos nas escolas, para a discussão e a compreensão dos problemas educacionais, à luz do conhecimento científico e interdisci- plinarmente, se possível. Os grupos são organizados espon- taneamente pelos próprios professores, no horário em que estão nas escolas e são acompanhados, inicialmente, pela equipe da rede de ensino, encarregada da coordenação das ações de formação. As reuniões têm como ponto de partida, as necessidades e interesse comuns de alguns professores de esclarecer situações e de aperfeiçoar o modo como traba- lham nas salas de aula. O foco dos estudos está na resolução dos problemas de aprendizagem, o que remete à análise de como o ensino está sendo ministrado, pois o processo de construção do conhecimento é interativo e os seus dois lados devem ser analisados, quando se quer esclarecê-lo. Participam dos grupos, além dos professores, o diretor da escola, coordenadores, mas há grupos que se formam en- tre membros de diversas escolas, que estejam voltados para um mesmo tema de estudo, como por exemplo a indiscipli- na, a sexualidade, a ética e a violência, a avaliação e outros assuntos pertinentes. A equipe responsável pela coordenação da formação é constituída por professores, coordenadores, que são da própria rede de ensino, e por parceiros de outras Secretarias afins: Saúde, Esportes, Cultura. Nós trabalhamos diretamente com esses profissionais, mas também participamos do traba- lho nas escolas, acompanhando-as esporadicamente, quan- do somos solicitados - minha equipe de alunos e eu. Os Centros de Desenvolvimento do Professor Algumas redes de ensino criaram o que chamamos de Centros de Desenvolvimento do Professor, os quais represen- tam um avanço nessa nova direção de formação continuada, que estamos propondo, pois sediam a maioria das ações de aprimoramento da rede, promovendo eventos de pequeno, médio e grande porte, como workshops, seminários, entre- vistas, com especialistas, fóruns e outras atividades. Sejam atendendo individualmente, como em pequenos e grandes grupos os professores, pais, comunidade. Os referidos Cen- tros também se dedicam ao encaminhamento e atendimento de alunos que necessitam de tratamento clínico, em áreas que não sejam a escolar, propriamente dita. Temos estimulado em todas as redes em que atuamos a criação dos centros, pois ao nosso ver, eles resumem o que pretendemos, quando nos referimos à formação continuada - um local em que o professor e toda comunidade escolar vem para realimentar o conhecimento pedagógico, além de servir igualmente aos alunos e a todos os interessados pela educação, no município. Ao nosso ver, os cursos e demais atividades de formação em serviço, habitualmente oferecidos aos professores não es- tão obtendo o retorno que o investimento propõe. Temos in- sistido na criação desses Centros, porque a existência de seus serviços redireciona o que já é usual nas redes de ensino, ou seja, o apoio ao professor, pelos itinerantes. Não concorda- mos com esse suporte a alunos e professores com dificulda- des, porque “apagam incêndio”, agem sobre os sintomas, ofe- recem soluções particularizadas, locais, mas não vão à fundo no problema e suas causas. Os serviços itinerantes de apoio não solicitam o professor, no sentido de que se mobilize, de que reveja sua prática. Sua existência não obriga o professor a assumir a responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos, pois já existe um especialista para atender aos casos mais difíceis, que são os que justamente fazem o professor evoluir, na maneira de proceder com a turma toda. Porque se um aluno não vai bem, seja ele uma pessoa com ou sem deficiência, o problema precisa ser analisado não apenas com relação às reações dessa ou de outra criança, mas ao grupo como um todo, ao ensino que está sendo ministrado, para que os alunos possam aprender, naquele grupo. A itinerância não faz evoluir as práticas, o conhecimento pedagógico dos professores. Ë, na nossa opinião, mais uma modalidade da educação especial que acomoda o profes- sor do ensino regular, tirando-lhe a oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar soluções e não aguardar que alguém de fora venha, regularmente, para resolver seus problemas. Esse serviço igualmente reforça a ideia de que os problemas de aprendizagem são sempre do aluno e que só o especialista poderá se incumbir de removê-los, com adequa- ção e eficiência. O tipo de formação que estamos implementando para tornar possível a inclusão implica no estabelecimento de parcerias entre professores, alunos, escolas, profissionais de outras áreas afins, Universidades, para que possa se manter ativa e capaz de fazer frente às inúmeras solicitações que essa modalidade de trabalho provoca nos interessados. Por outro lado, essas parcerias ensejam o desenvolvimento de outras ações, entre as quais a investigação educacional e em outros ramos do conhecimento. São nessas redes e a partir dessa formação que estamos pesquisando e orientando trabalhos de nossos alunos de graduação e pós-graduação da Facul- dade de Educação / Unicamp e onde estamos observando os efeitos desse trabalho, nas redes. Não dispensamos os cursos, oficinas e outros eventos de atualização e de aperfeiçoamento, quando estes são reivindi- cados pelo professor e nesse sentido a parceria com outros grupos de pesquisa da Unicamp e colegas de outras Univer- sidades têm sido muito eficiente. Mas há cursos que oferece- mos aos professores, que são ministrados por seus colegas da própria rede, quando estes se dispõem a oferecê-los ou são convidados por nós, ao conhecermos o valor de sua contri-buição para os demais. 40 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS As escolas e professores com os quais estamos traba- lhando já apresentam sintomas pelos quais podemos per- ceber que estão evoluindo dia -a- dia para uma Educação de qualidade para Todos. Esses sintomas podem ser resu- midos no que segue: - reconhecimento E valorização da diversidade, como elemento enriquecedor do processo de ensino e aprendi- zagem; - Professores conscientes do modo como atuam, para promover a aprendizagem de todos os alunos; - Cooperação entre os implicados no processo educa- tivo - dentro e fora da escola; - Valorização do processo sobre o produto da apren- dizagem; - Enfoques curriculares, metodológicos e estratégias pedagógicas que possibilita, a construção coletiva do co- nhecimento. É preciso, contudo, considerar que a avaliação dos efei- tos de nossos projetos não se centra no aproveitamento de alguns alunos, os deficientes, nas classes regulares. Embo- ra estes casos sejam objeto de nossa atenção, queremos acima de tudo saber se os professores evoluíram na sua maneira de fazer acontecer a aprendizagem nas suas salas de aula; se as escolas se transformaram, se as crianças es- tão sendo respeitadas nas suas possibilidades de avançar, autonomamente, na construção dos conhecimentos aca- dêmicos; se estes estão sendo construídos no coletivo es- colar, em clima de solidariedade; se a as relações entre as crianças, pais, professores e toda a comunidade escolar se estreitaram, nos laços da cooperação, do diálogo, fruto de um exercício diário de compartilhamento de seus deveres, problemas, sucessos. Outras alternativas de formação Para ampliar essas parcerias estamos utilizando tam- bém as redes de comunicação à distância para intercâm- bios de experiências entre alunos e profissionais da edu- cação, pais e comunidade. Embora ainda incipiente, o Caleidoscópio - Um Projeto de Educação Para Todos é o nosso site na Internet e por meio deste hipertexto esta- mos trabalhando no sentido de provocar a interatividade presencial e virtual entre as escolas, como mais uma alter- nativa de formação continuada, que envolve os alunos, as escolas e a rede como um todo. O Caleidoscópio tem sido objeto de estudos de nossos alunos e de outras unidades da Unicamp, relacionadas à ciência da computação e está crescendo como proposta e abrindo canais de participação com a comunidade e com outras instituições que se pro- põe a participar do movimento inclusivo, dentro e fora das escolas. Se pretendemos mudanças nas práticas de sala de aula, não podemos continuar formando e aperfeiçoando os pro- fessores como se as inovações só se referissem à aprendi- zagem dos alunos da educação infantil, da escola funda- mental e do ensino médio... As perspectivas A escola para a maioria das crianças brasileiras é o úni- co espaço de acesso aos conhecimentos universais e sis- tematizados, ou seja, é o lugar que vai lhes proporcionar condições de se desenvolver e de se tornar um cidadão, alguém com identidade social e cultural Melhorar as condições da escola é formar gerações mais preparadas para viver a vida na sua plenitude, livre- mente, sem preconceitos, sem barreiras. Não podemos nos contradizer nem mesmo contemporizar soluções, mesmo que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto, pois nunca será tão alto quanto o resgate de uma vida esco- lar marginalizada, uma evasão, uma criança estigmatizada, sem motivos. A escola prepara o futuro e de certo que se as crianças conviverem e aprenderem a valorizar a diversidade nas suas salas de aula, serão adultos bem diferentes de nós, que te- mos de nos empenhar tanto para defender o indefensável. A inclusão escolar remete a escola a questões de estru- tura e de funcionamento que subvertem seus paradigmas e que implicam em um redimensionamento de seu papel, para um mundo que evolui a “bytes”. O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua lógica, pela ética de seu posicionamento social. A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclu- são é reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos anteriormente. Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, ao nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos ver- dadeiramente imbuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos. Se hoje ainda são experiências locais, as que estão de- monstrando a viabilidade da inclusão, em escolas e redes de ensino brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento desse novo para- digma no sistema educacional. Não se muda a escola com um passe de mágica. A im- plementação da escola de qualidade, que é igualitária, jus- ta e acolhedora para todos, é um sonho possível. A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou seja, essas experiências locais que têm sido suficientes para enfrentar o poder da máquina educacional, velha e enfer- rujada, com segurança e tranquilidade. Essas iniciativas têm mostrado a viabilidade da inclusão escolar nas escolas bra- sileiras. As perspectivas do ensino inclusivo são, pois, anima- doras e alentadoras para a nossa educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de suas famílias, das comunida- des, em que se inserem. Crianças, bem-vindas à uma nova escola! 41 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Integração x Inclusão: Escola (de qualidade) para Todos Sabemos que a situação atual do atendimento às ne- cessidades escolares da criança brasileira é responsável pelos índices assustadores de repetência e evasão no en- sino fundamental. Entretanto, no imaginário social, como na cultura escolar, a incompetência de certos alunos - os pobres e os deficientes - para enfrentar as exigências da escolaridade regular é uma crença que aparece na simpli- cidade das afirmações do senso comum e até mesmo em certos argumentos e interpretações teóricas sobre o tema. Por outro lado, já se conhece o efeito solicitador do meio escolar regular no desenvolvimento de pessoas com deficiências (Mantoan:1988) e é mesmo um lugar comum afirmar-se que é preciso respeitar os educandos em sua individualidade, para não se condenar uma parte deles ao fracasso e às categorias especiais de ensino. Ainda assim, é ousado para muitos, ou melhor, para a maioria das pessoas, a ideia de que nós, os humanos, somos seres únicos, singu- lares e que é injusto e inadequado sermos categorizados, a qualquer pretexto! Todavia, apesar desses e de outros contrassensos, sabemos que é normal a presença de déficits em nossos comportamentos e em áreas de nossa atuação, pessoal ou grupal, assim como em um ou outro aspecto de nosso de- senvolvimento físico, social, cultural, por sermos seres per- fectíveis, que constroem, pouco a pouco e, na medida do possível, suas condições de adaptação ao meio. A diversi- dade no meio social e, especialmente no ambiente escolar, é fator determinante do enriquecimento das trocas, dos intercâmbios intelectuais, sociais e culturais que possam ocorrer entre os sujeitos que neles interagem. Acreditamos que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais váli- dos para todos os alunos, resultarão naturalmente na inclu- são escolar dos deficientes. Em consequência, a educação especial adquirirá uma nova significação. Tornar-se-á uma modalidade de ensino destinada não apenas a um grupo exclusivo de alunos, o dos deficientes, mas especializada no aluno e dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de novas maneiras de se ensinar, adequadas à heterogeneida- de dos aprendizes e compatível com os ideais democráti- cos de uma educação para todos. Nessa perspectiva, os desafios que temos a enfrentar são inúmeros e todase quaisquer investidas no sentido de se ministrar um ensino especializado no aluno depende de se ultrapassar as condições atuais de estruturação do en- sino escolar para deficientes. Em outras palavras, depende da fusão do ensino regular com o especial. Ora, fusão não é junção, justaposição, agregação de uma modalidade à outra. Fundir significa incorporar ele- mentos distintos para se criar uma nova estrutura, na qual desaparecem os elementos iniciais, tal qual eles são origi- nariamente. Assim sendo, instalar uma classe especial em uma escola regular nada mais é do que uma justaposição de recursos, assim como o são outros, que se dispõem do mesmo modo. Outros obstáculos à consecução de um ensino espe- cializado no aluno, implicam a adequação de novos conhe- cimentos oriundos das investigações atuais em educação e de outras ciências às salas de aula, às intervenções ti- picamente escolares, que têm uma vocação institucional específica de sistematizar os conhecimentos acadêmicos, as disciplinas curriculares. De fato, nem sempre os estudos e as comprovações científicas são diretamente aplicáveis à realidade escolar e as implicações pedagógicas que pode- mos retirar de um novo conhecimento também precisam de ser testadas, para confirmar sua eficácia no domínio do ensino escolar. O paradigma vigente de atendimento especializado e segregativo é extremamente forte e enraizado no ideário das instituições e na prática dos profissionais que atuam no ensino especial. A indiferenciação entre os significados específicos dos processos de integração e inclusão escolar reforça ainda mais a vigência do paradigma tradicional de serviços e muitos continuam a mantê-lo, embora estejam defendendo a integração! Ocorre que os dois vocábulos - integração e inclusão - conquanto tenham significados semelhantes, estão sen- do empregados para expressar situações de inserção dife- rentes e têm por detrás posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas. A noção de integração tem sido compreendida de diversas maneiras, quando aplicada à escola. Os diversos significados que lhe são atribuídos devem-se ao uso do termo para expressar fins diferentes, sejam eles pedagógicos, sociais, filosóficos e outros. O emprego do vocábulo é encontrado até mesmo para de- signar alunos agrupados em escolas especiais para defi- cientes, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer, residências para deficientes. Por tratar-se de um construc- to histórico recente, que data dos anos 60, a integração sofreu a influência dos movimentos que caracterizaram e reconsideraram outras ideias, como as de escola, socieda- de, educação. O número crescente de estudos referentes à integração escolar e o emprego generalizado do termo têm levado a muita confusão a respeito das ideias que cada caso encerra. Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram nos países nórdicos, quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação, assim como as atitudes sociais em relação às pessoas com deficiência intelectual. A noção de base em matéria de integração é o prin- cípio de normalização, que não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por uma incapacidade, dificuldade ou ina- daptação. A normalização visa tornar accessível às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade; im- plica a adoção de um novo paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação. 42 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Modalidades de inserção Uma das opções de integração escolar denomina-se mainstreaming, ou seja, “corrente principal” e seu sentido é análogo a um canal educativo geral, que em seu fluxo vai car- regando todo tipo de aluno com ou sem capacidade ou ne- cessidade específica. O aluno com deficiência mental ou com dificuldades de aprendizagem, pelo conceito referido, deve ter acesso à educação, sua formação sendo adaptada às suas necessidades específicas. Existe um leque de possibilidades e de serviços disponíveis aos alunos, que vai da inserção nas classes regulares ao ensino em escolas especiais. Este proces- so de integração se traduz por uma estrutura intitulada siste- ma de cascata, que deve favorecer o “ambiente o menos res- tritivo possível”, dando oportunidade ao aluno, em todas as etapas da integração, transitar no “sistema”, da classe regular ao ensino especial. Trata-se de uma concepção de integração parcial, porque a cascata prevê serviços segregados que não ensejam o alcance dos objetivos da normalização. De fato, os alunos que se encontram em serviços segre- gados muito raramente se deslocam para os menos segrega- dos e, raramente, às classes regulares. A crítica mais forte ao sistema de cascata e às políticas de integração do tipo mains- treaming afirma que a escola oculta seu fracasso, isolando os alunos e só integrando os que não constituem um desafio à sua competência. Nas situações de mainstreaming nem to- dos os alunos cabem e os elegíveis para a integração são os que foram avaliados por instrumentos e profissionais supos- tamente objetivos. O sistema se baseia na individualização dos programas instrucionais, os quais devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou não. A outra opção de inserção é a inclusão, que questiona não somente as políticas e a organização da educação espe- cial e regular, mas também o conceito de integração - mains- treaming. A noção de inclusão não é incompatível com a de integração, porém institui a inserção de uma forma mais radi- cal, completa e sistemática. O conceito se refere à vida social e educativa e todos os alunos devem ser incluídos nas escolas regulares e não somente colocados na “corrente principal”. O vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou um grupo de alunos que já foram an- teriormente excluídos; a meta primordial da inclusão é a de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo. As escolas inclusivas propõem um modo de se cons- tituir o sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades. A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apoia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obte- nham sucesso na corrente educativa geral. O impacto desta concepção é considerável, porque ela supõe a abolição com- pleta dos serviços segregados. A metáfora da inclusão é a do caleidoscópio. Esta imagem foi muito bem descrita no que segue: “O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira pedaços dele, o desenho se tor- na menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado”. A inclusão propiciou a criação de inúmeras outras ma- neiras de se realizar a educação de alunos com deficiência mental nos sistemas de ensino regular, como as “escolas heterogêneas”, as “escolas acolhedoras”, os “currículos cen- trados na comunidade”. Resumindo, a integração escolar, cuja metáfora é o sis- tema de cascata, é uma forma condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua capa- cidade de adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma alternativa em que tudo se mantém, nada se questiona do esquema em vigor. Já a inclusão institui a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou grupo de alunos que não fo- ram anteriormenteexcluídos. A meta da inclusão é, desde o início não deixar ninguém fora do sistema escolar, que terá de se adaptar às particularidades de todos os alunos para concretizar a sua metáfora - o caleidoscópio. Referências: MANTOAN: M T. E. Todas as crianças são bem-vindas à escola. Universidade Estadual de Campinas/ Unicamp. MANTOAN: M T. E. Integração x Inclusão: Escola (de qualidade) para Todos. Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação. Departamento de Metodologia de Ensino. POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomea- do pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. Introdução O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadea- da em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradig- ma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equida- de formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sis- temas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá -las, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referen- ciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser re- pensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificida- des atendidas. 43 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secreta- ria de Educação Especial apresenta a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas sociais, visando constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. Marcos históricos e normativos A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da escola, eviden- cia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluin- do indivíduos e grupos considerados fora dos padrões ho- mogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos pro- cessos de segregação e integração, que pressupõem a se- leção, naturalizando o fracasso escolar. A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das dife- renças e na participação dos sujeitos, decorre uma identifi- cação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de dis- tinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estrutu- rantes do modelo tradicional de educação escolar. A educação especial se organizou tradicionalmente como atendimento educacional especializado substituti- vo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreen- sões, terminologias e modalidades que levaram à criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de atendi- mento clínico-terapêuticos fortemente ancorados nos tes- tes psicométricos que, por meio de diagnósticos, definem as práticas escolares para os alunos com deficiência. No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento edu- cacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff. Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. A Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao de- finir “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais, os que se encontram em atraso considerá- vel quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais. Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsio- nou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado. Nesse período, não se efetiva uma política pública de acesso universal à educação, permanecendo a concepção de “políticas especiais” para tratar da educação de alunos com deficiência. No que se refere aos alunos com superdotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organizado um atendimento especializado que considere as suas singulari- dades de aprendizagem. A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). Define, no artigo 205, a educação como um direito de todos, ga- rantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do atendi- mento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208). O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/90, no artigo 55, reforça os dispositivos legais supra- citados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede re- gular de ensino”. Também nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a for- mulação das políticas públicas da educação inclusiva. Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o processo de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regu- lar àqueles que “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do en- sino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (p.19). Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de participação e aprendizagem, a Política não provoca uma reformulação das práticas educa- cionais de maneira que sejam valorizados os diferentes po- tenciais de aprendizagem no ensino comum, mas mantendo a responsabilidadeda educação desses alunos exclusiva- mente no âmbito da educação especial. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, re- cursos e organização específicos para atender às suas ne- cessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino 44 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS fundamental, em virtude de suas deficiências; e assegura a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avan- ço nos cursos e nas séries mediante verificação do apren- dizado” (art. 24, inciso V) e “[...] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37). Em 1999, o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integra- ção da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação comple- mentar da educação especial ao ensino regular. Acompanhando o processo de mudança, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Re- solução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alu- nos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.” As Diretrizes ampliam o caráter da educação especial para realizar o atendimento educacional especializado com- plementar ou suplementar à escolarização, porém, ao admi- tir a possibilidade de substituir o ensino regular, não poten- cializam a adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de ensino, prevista no seu artigo 2º. O Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 10.172/2001, destaca que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Ao es- tabelecer objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades educacionais es- peciais dos alunos, aponta um déficit referente à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, à formação docente, à acessibilidade física e ao atendimento educacional especializado. A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Bra- sil pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como dis- criminação com base na deficiência toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício dos direi- tos humanos e de suas liberdades fundamentais. Este Decre- to tem importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação, adotado para promover a elimi- nação das barreiras que impedem o acesso à escolarização. Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução CNE/ CP nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Na- cionais para a Formação de Professores da Educação Básica, define que as instituições de ensino superior devem prever, em sua organização curricular, formação docente voltada para a atenção à diversidade e que contemple conhecimen- tos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais. A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Si- nais – Libras como meio legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionaliza- das de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia. A Portaria nº 2.678/02 do MEC aprova diretrizes e nor- mas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a re- comendação para o seu uso em todo o território nacional. Em 2003, é implementado pelo MEC o Programa Edu- cação Inclusiva: direito à diversidade, com vistas a apoiar a transformação dos sistemas de ensino em sistemas educa- cionais inclusivos, promovendo um amplo processo de for- mação de gestores e educadores nos municípios brasileiros para a garantia do direito de acesso de todos à escolariza- ção, à oferta do atendimento educacional especializado e à garantia da acessibilidade. Em 2004, o Ministério Público Federal publica o docu- mento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de disse- minar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, rea- firmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensino regular. Impulsionando a inclusão educacional e social, o De- creto nº 5.296/04 regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promo- ção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Nesse contexto, o Programa Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, é desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade urbana e apoiar ações que garantam o acesso universal aos espaços públicos. O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, visando ao acesso à escola dos alunos surdos, dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/ intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da edu- cação bilíngue no ensino regular. Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S em todos os estados e no Distrito Federal, são organizados centros de refe- rência na área das altas habilidades/superdotação para o aten- dimento educacional especializado, para a orientação às famí- lias e a formação continuada dos professores, constituindo a organização da política de educação inclusiva de forma a ga- rantir esse atendimento aos alunos da rede pública de ensino. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi- ciência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados-Partes devem assegu- rar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena partici- pação e inclusão, adotando medidas para garantir que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino funda- mental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência; 45 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comu- nidade em que vivem (Art.24). Neste mesmo ano, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, junta- mente com a Organização das Nações Unidas para a Edu- cação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva, dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educa- ção básica, temáticas relativas às pessoas com deficiência e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e permanência na educação superior. Em 2007, é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, reafirmado pela Agenda Social, tendo como eixos a formação de professores para a educação es- pecial, a implantação de salas de recursosmultifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso à escola dos favore- cidos pelo Benefício de Prestação Continuada – BPC. No documento do MEC, Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas é reafirmada a visão que busca superar a oposição entre educação regular e educação especial. Contrariando a concepção sistêmica da transversali- dade da educação especial nos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino, a educação não se estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades educacionais especiais, limitando, o cumprimento do prin- cípio constitucional que prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09). Para a implementação do PDE é publicado o Decreto nº 6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educa- cionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas escolas públicas. Diagnóstico da Educação Especial O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em todas as escolas de educação básica, possibilita o acom- panhamento dos indicadores da educação especial: acesso à educação básica, matrícula na rede pública, ingresso nas classes comuns, oferta do atendimento educacional espe- cializado, acessibilidade nos prédios escolares, municípios com matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais, escolas com acesso ao ensino regular e formação docente para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos. Para compor esses indicadores no âmbito da educação especial, o Censo Escolar/MEC/INEP coleta dados referen- tes ao número geral de matrículas; à oferta da matrícula nas escolas públicas, escolas privadas e privadas sem fins lucrativos; às matrículas em classes especiais, escola es- pecial e classes comuns de ensino regular; ao número de alunos do ensino regular com atendimento educacional especializado; às matrículas, conforme tipos de deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/super- dotação; à infraestrutura das escolas quanto à acessibilida- de arquitetônica, à sala de recursos ou aos equipamentos específicos; e à formação dos professores que atuam no atendimento educacional especializado. A partir de 2004, são efetivadas mudanças no instru- mento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a sé- rie ou ciclo escolar dos alunos identificados no campo da educação especial, possibilitando monitorar o percurso escolar. Em 2007, o formulário impresso do Censo Escolar foi transformado em um sistema de informações on-line, o Censo Web, que qualifica o processo de manipulação e tratamento das informações, permite atualização dos da- dos dentro do mesmo ano escolar, bem como possibilita o cruzamento com outros bancos de dados, tais como os das áreas de saúde, assistência e previdência social. Também são realizadas alterações que ampliam o universo da pes- quisa, agregando informações individualizadas dos alunos, das turmas, dos professores e da escola. Com relação aos dados da educação especial, o Censo Escolar registra uma evolução nas matrículas, de 337.326 em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um cresci- mento de 107%. No que se refere ao ingresso em classes comuns do ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316 em 2006. Quanto à distribuição dessas matrículas nas esferas pública e privada, em 1998 registra-se 179.364 (53,2%) alu- nos na rede pública e 157.962 (46,8%) nas escolas privadas, principalmente em instituições especializadas filantrópicas. Com o desenvolvimento das ações e políticas de educação inclusiva nesse período, evidencia-se um crescimento de 146% das matrículas nas escolas públicas, que alcançaram 441.155 (63%) alunos em 2006. Com relação à distribuição das matrículas por etapa de ensino em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infan- til, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental, 14.150 (2%) no ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adul- tos, e 48.911 (6,3%) na educação profissional. No âmbito da educação infantil, há uma concentração de matrículas nas escolas e classes especiais, com o registro de 89.083 alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em turmas comuns. O Censo da Educação Especial na educação superior registra que, entre 2003 e 2005, o número de alunos pas- sou de 5.078 para 11.999 alunos, representando um cres- cimento de 136%. A evolução das ações referentes à edu- cação especial nos últimos anos é expressa no crescimento de 81% do número de municípios com matrículas, que em 1998 registra 2.738 municípios (49,7%) e, em 2006 alcança 4.953 municípios (89%). Aponta também o aumento do número de escolas com matrícula, que em 1998 registra apenas 6.557 esco- las e, em 2006 passa a registrar 54.412, representando um crescimento de 730%. Das escolas com matrícula em 2006, 2.724 são escolas especiais, 4.325 são escolas comuns com classe especial e 50.259 são escolas de ensino regular com matrículas nas turmas comuns. 46 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS O indicador de acessibilidade arquitetônica em prédios escolares, em 1998, aponta que 14% dos 6.557 estabeleci- mentos de ensino com matrícula de alunos com necessida- des educacionais especiais possuíam sanitários com aces- sibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas com matrículas de alunos atendidos pela educação especial, 23,3% possuíam sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter depen- dências e vias adequadas (dado não coletado em 1998). No âmbito geral das escolas de educação básica, o índice de acessibilidade dos prédios, em 2006, é de apenas 12%. Com relação à formação inicial dos professores que atuam na educação especial, o Censo de 1998, indica que 3,2% possui ensino fundamental, 51% ensino médio e 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores nessa fun- ção, 0,62% registram ensino fundamental, 24% ensino mé- dio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, 77,8% des- ses professores, declararam ter curso específico nessa área de conhecimento. Objetivo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva A Política Nacional de Educação Especial na Perspec- tiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educa- cionais especiais, garantindo: - Transversalidade da educação especial desde a educa- ção infantil até a educação superior; - Atendimento educacional especializado; - Continuidade da escolarização nos níveis mais eleva- dos do ensino; - Formação de professores para o atendimento edu- cacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; - Participação da família e da comunidade; - Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobi- liários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e - Articulação intersetorial na implementação das políti- cas públicas. Alunos atendidos pela Educação Especial Por muito tempo perdurou o entendimento de que a educação especial, organizada de forma paralela à educação comum, seria a forma mais apropriada para o atendimento de alunos que apresentavam deficiência ou que não se ade- quassem à estrutura rígida dos sistemas de ensino. Essa concepção exerceu impacto duradouro na história da educação especial, resultando em práticas que enfatiza- vam os aspectos relacionados à deficiência, em contrapo- sição à sua dimensão pedagógica. O desenvolvimento de estudos no campo da educação e dos direitos humanos vêm modificandoos conceitos, as legislações, as práticas educa- cionais e de gestão, indicando a necessidade de se promo- ver uma reestruturação das escolas de ensino regular e da educação especial. Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio orienta- dor que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras”. O conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa Decla- ração, ressalta a interação das características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização de sistemas educacionais inclusivos, que garan- ta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e aprendizagem, as políticas implementa- das pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo. Na perspectiva da educação inclusiva, a educação espe- cial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regu- lar, promovendo o atendimento às necessidades educacio- nais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nes- tes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. A educação especial direciona suas ações para o atendi- mento às especificidades desses alunos no processo educa- cional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação conti- nuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvi- mento de práticas colaborativas. Os estudos mais recentes no campo da educação espe- cial enfatizam que as definições e uso de classificações de- vem ser contextualizados, não se esgotando na mera especi- ficação ou categorização atribuída a um quadro de deficiên- cia, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclu- são, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os alunos. A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participa- ção plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/ superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelec- tual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendiza- gem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. 47 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagó- gicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessi- dades específicas. As atividades desenvolvidas no atendi- mento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou su- plementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. Dentre as atividades de atendimento educacional es- pecializado são disponibilizados programas de enriqueci- mento curricular, o ensino de linguagens e códigos espe- cíficos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva. Ao longo de todo o processo de escolarização esse aten- dimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum. O atendimento educacional especializa- do é acompanhado por meio de instrumentos que possi- bilitem monitoramento e avaliação da oferta realizada nas escolas da rede pública e nos centros de atendimento edu- cacional especializados públicos ou conveniados. O acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se desenvolvem as bases necessárias para a constru- ção do conhecimento e desenvolvimento global do aluno. Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a riqueza de estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a convi- vência com as diferenças favorecem as relações interpes- soais, o respeito e a valorização da criança. Do nascimento aos três anos, o atendimento educa- cional especializado se expressa por meio de serviços de estimulação precoce, que objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os serviços de saúde e assistência social. Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educa- cional especializado é organizado para apoiar o desenvol- vimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao da classe comum, na própria escola ou centro especializa- do que realize esse serviço educacional. Desse modo, na modalidade de educação de jovens e adultos e educação profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades de es- colarização, formação para ingresso no mundo do trabalho e efetiva participação social. A interface da educação especial na educação indíge- na, do campo e quilombola deve assegurar que os recursos, serviços e atendimento educacional especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos. Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o planeja- mento e a organização de recursos e serviços para a promo- ção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pedagógi- cos, que devem ser disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão. Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, a educação bilíngue – Língua Portuguesa/Libras desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na mo- dalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/ intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado para esses alunos é ofertado tanto na modali- dade oral e escrita quanto na língua de sinais. Devido à di- ferença linguística, orienta-se que o aluno surdo esteja com outros surdos em turmas comuns na escola regular. O atendimento educacional especializado é realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos es- pecíficos no ensino da Língua Brasileira de Sinais,da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superiores, dos pro- gramas de enriquecimento curricular, da adequação e produ- ção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de re- cursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros. A avaliação pedagógica como processo dinâmico consi- dera tanto o conhecimento prévio e o nível atual de desen- volvimento do aluno quanto às possibilidades de aprendiza- gem futura, configurando uma ação pedagógica processual e formativa que analisa o desempenho do aluno em relação ao seu progresso individual, prevalecendo na avaliação os as- pectos qualitativos que indiquem as intervenções pedagógi- cas do professor. No processo de avaliação, o professor deve criar estratégias considerando que alguns alunos podem de- mandar ampliação do tempo para a realização dos trabalhos e o uso da língua de sinais, de textos em Braille, de informá- tica ou de tecnologia assistiva como uma prática cotidiana. Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos alunos com necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimen- tação, locomoção, entre outras, que exijam auxílio constante no cotidiano escolar. Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conheci- mentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado, aprofunda o ca- ráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de aten- dimento educacional especializado, nos núcleos de acessi- bilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial. 48 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas públicas a formação deve contemplar conhe- cimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça. Os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à comuni- cação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a va- lorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade deve ser assegurada mediante a eliminação de barreiras arquitetôni- cas, urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equi- pamentos e mobiliários – e nos transportes escolares, bem como as barreiras nas comunicações e informações. Referência: http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_ educacao_especial.pdf - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS - PCNS; PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são a re- ferência básica para a elaboração das matrizes de referên- cia. Os PCNs foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias. Eles traçam um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos jovens na vida adulta; orientam os pro- fessores quanto ao significado do conhecimento escolar quando contextualizado e quanto à interdisciplinaridade, incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender. Segundo as orientações dos PCNs o currículo está sempre em construção e deve ser compreendido como um processo contínuo que influencia positivamente a prática do professor. Com base nessa prática e no processo de aprendizagem dos alunos os currículos devem ser revistos e sempre aperfeiçoados. A opção teórica adotada é a que pressupõe a existência de competências cognitivas e habilidades a serem desen- volvidas pelo aluno no processo de ensino-aprendizagem. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES: O QUE SÃO OS PARÂMETROS CURRICULARES NA- CIONAIS? Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fun- damental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, so- cializando discussões, pesquisas e recomendações, subsi- diando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexí- vel, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamen- tais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, por- tanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas. O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema edu- cacional do País se organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e polí- ticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica neces- sariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes. Entretanto, se estes Parâmetros Curriculares Nacionais podem funcionar como elemento catalisador de ações na busca de uma melhoria da qualidade da educação brasileira, de modo algum pretendem resolver todos os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no País. A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes, como a formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos, um plano de carreira, a qualidade do livro didático, de recursos televisivos e de multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação almejada implica colocar também, no centro do debate, as atividades escolares de ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política educacional da nação brasileira. BREVE HISTÓRICO Até dezembro de 1996 o ensino fundamental esteve es- truturado nos termos previstos pela Lei Federal n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases da educação nacional, estabeleceu como objetivo geral, tan- to para o ensino fundamental (primeiro grau, com oito anos de escolaridade obrigatória) quanto para o ensino médio (se- gundo grau, não obrigatório), proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potenciali- dades como elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. Também generalizou as disposições básicas sobre o currí- culo, estabelecendo o núcleo comum obrigatório em âmbito nacional para o ensino fundamental e médio. Manteve, porém, uma parte diversificada a fim de contemplar as peculiaridades locais, a especificidade dos planos dos estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais dos alunos. Coube aos Esta- dos a formulação de propostas curriculares que serviriam de base às escolas estaduais, municipais e particulares situadas em seu território, compondo, assim, seus respectivos sistemasde ensino. Essas propostas foram, na sua maioria, reformula- das durante os anos 80, segundo as tendências educacionais que se generalizaram nesse período. 49 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Em 1990 o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa confe- rência, assim como da Declaração de Nova Delhi — assina- da pelos nove países em desenvolvimento de maior con- tingente populacional do mundo —, resultaram posições consensuais na luta pela satisfação das necessidades bási- cas de aprendizagem para todos, capazes de tornar univer- sal a educação fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos. Tendo em vista o quadro atual da educação no Brasil e os compromissos assumidos internacionalmente, o Minis- tério da Educação e do Desporto coordenou a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), concebido como um conjunto de diretrizes políticas em contínuo processo de negociação, voltado para a recupera- ção da escola fundamental, a partir do compromisso com a equidade e com o incremento da qualidade, como também com a constante avaliação dos sistemas escolares, visando ao seu contínuo aprimoramento. O Plano Decenal de Educação, em consonância com o que estabelece a Constituição de 1988, afirma a necessida- de e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais de- mocráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras. Nesse sentido, a leitura atenta do texto constitucional vigente mostra a ampliação das responsabilidades do po- der público para com a educação de todos, ao mesmo tem- po que a Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, priorizou o ensino fundamental, disciplinando a participação de Estados e Municípios no tocante ao finan- ciamento desse nível de ensino. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- nal (Lei Federal n. 9.394), aprovada em 20 de dezembro de 1996, consolida e amplia o dever do poder público para com a educação em geral e em particular para com o en- sino fundamental. Assim, vê-se no art. 22 dessa lei que a educação básica, da qual o ensino fundamental é parte in- tegrante, deve assegurar a todos “a formação comum in- dispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posterio- res”, fato que confere ao ensino fundamental, ao mesmo tempo, um caráter de terminalidade e de continuidade. Essa LDB reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum, o que pressupõe a formulação de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currículos e seus conteúdos mínimos, incumbência que, nos termos do art. 9º, inciso IV, é remetida para a União. Para dar conta desse amplo objetivo, a LDB consolida a organização cur- ricular de modo a conferir uma maior flexibilidade no trato dos componentes curriculares, reafirmando desse modo o princípio da base nacional comum (Parâmetros Curriculares Nacionais), a ser complementada por uma parte diversifi- cada em cada sistema de ensino e escola na prática, repe- tindo o art. 210 da Constituição Federal. Em linha de síntese, pode-se afirmar que o currículo, tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da língua portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política, enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Também são áreas curriculares obrigatórias o ensi- no da Arte e da Educação Física, necessariamente integradas à proposta pedagógica. O ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna passa a se constituir um componente curricular obrigatório, a partir da quinta série do ensino funda- mental (art. 26, § 5o). Quanto ao ensino religioso, sem onerar as despesas públicas, a LDB manteve a orientação já adotada pela política educacional brasileira, ou seja, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas, mas é de matrícula facultativa, respeitadas as preferências manifestadas pelos alu- nos ou por seus responsáveis (art. 33). O ensino proposto pela LDB está em função do objetivo maior do ensino fundamental, que é o de propiciar a todos formação básica para a cidadania, a partir da criação na escola de condições de aprendizagem para: “I- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II- a compreensão do ambiente natural e social, do siste- ma político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III- o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV- o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se as- senta a vida social” (art. 32). Verifica-se, pois, como os atuais dispositivos relativos à organização curricular da educação escolar caminham no sen- tido de conferir ao aluno, dentro da estrutura federativa, efeti- vação dos objetivos da educação democrática. O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais teve início a partir do estudo de propostas curricu- lares de Estados e Municípios brasileiros, da análise realizada pela Fundação Carlos Chagas sobre os currículos oficiais e do contato com informações relativas a experiências de outros países. Foram analisados subsídios oriundos do Plano Decenal de Educação, de pesquisas nacionais e internacionais, dados estatísticos sobre desempenho de alunos do ensino funda- mental, bem como experiências de sala de aula difundidas em encontros, seminários e publicações. Formulou-se, então, uma proposta inicial que, apresenta- da em versão preliminar, passou por um processo de discussão em âmbito nacional, em 1995 e 1996, do qual participaram docentes de universidades públicas e particulares, técnicos de secretarias estaduais e municipais de educação, de instituições representativas de diferentes áreas de conhecimento, espe- cialistas e educadores. Desses interlocutores foram recebidos aproximadamente setecentos pareceres sobre a proposta ini- cial, que serviram de referência para a sua reelaboração. 50 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS A discussão da proposta foi estendida em inúmeros encontros regionais, organizados pelas delegacias do MEC nos Estados da federação, que contaram com a participa- ção de professores do ensino fundamental, técnicos de se- cretarias municipais e estaduais de educação, membros de conselhos estaduais de educação, representantes de sin- dicatos e entidades ligadas ao magistério. Os resultados apurados nesses encontros também contribuíram para a reelaboração do documento. Os pareceres recebidos, além das análises críticas e sugestões em relação ao conteúdo dos documentos, em sua quase-totalidade, apontaram a necessidade de uma política de implementação da proposta educacional inicial- mente explicitada. Além disso, sugeriram diversas possibi- lidades de atuação das universidades e das faculdades de educação para a melhoria do ensino nas séries iniciais, as quais estão sendo incorporadas na elaboração de novos programas de formação de professores, vinculados à im- plementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. A proposta dos parâmetros curriculares nacionais em face da situação do ensino fundamental Durante as décadas de 70 e 80 a tônica da política edu- cacional brasileira recaiu sobre a expansão das oportunida- des de escolarização, havendo um aumento expressivo no acesso à escola básica. Todavia, os altos índices de repetên- cia e evasão apontam problemas que evidenciam a grande insatisfação com o trabalho realizado pela escola. Indicadoresfornecidos pela Secretaria de Desenvolvi- mento e Avaliação Educacional (Sediae), do Ministério da Educação e do Desporto, reafirmam a necessidade de revi- são do projeto educacional do País, de modo a concentrar a atenção na qualidade do ensino e da aprendizagem. Número de alunos e de estabelecimentos A oferta de vagas está praticamente universalizada no País. O maior contingente de crianças fora da escola en- contra-se na região Nordeste. Nas regiões Sul e Sudeste há desequilíbrios na localização das escolas e, no caso das grandes cidades, insuficiência de vagas, provocando a exis- tência de um número excessivo de turnos e a criação de escolas unidocentes ou multisseriadas. Em 1994, os 31,2 milhões de alunos do ensino funda- mental concentravam-se predominantemente nas regiões Sudeste (39%) e Nordeste (31%), seguidas das regiões Sul (14%), Norte (9%) e Centro-Oeste (7 %), conforme indicado no gráfico 1. A maioria absoluta dos alunos frequentava escolas pú- blicas (88,4%) localizadas em áreas urbanas (82,5%), como resultado do processo de urbanização do País nas últimas décadas, e da crescente participação do setor público na oferta de matrículas. O setor privado responde apenas por 11,6% da oferta, em consequência de sua participação de- clinante desde o início dos anos 70. No que se refere ao número de estabelecimentos de ensino, ao todo 194.487, mais de 70% das escolas são ru- rais, apesar de responderem por apenas 17,5% da deman- da de ensino fundamental. Na verdade, as escolas rurais concentram-se sobretudo na região Nordeste (50%), não só em função de suas características socioeconômicas, mas também devido à ausência de planejamento do processo de expansão da rede física (gráfico 2). 51 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS A situação mostra-se grave ao se observar a evolução da distribuição da população por nível de escolaridade. Se é verdade que houve considerável avanço na escolarida- de correspondente à primeira fase do ensino fundamental (primeira a quarta séries), é também verdade que em re- lação aos demais níveis de ensino a escolaridade ainda é muito insuficiente: em 1990, apenas 19% da população do País possuía o primeiro grau completo; 13%, o nível médio; e 8% possuía o nível superior. Considerando a importância do ensino fundamental e médio para assegurar a formação de cidadãos aptos a participar democraticamente da vida social, esta situação indica a urgência das tarefas e o esfor- ço que o estado e a sociedade civil deverão assumir para superar a médio prazo o quadro existente. Além das imensas diferenças regionais no que concer- ne ao número médio de anos de estudo, que apontam a re- gião Nordeste bem abaixo da média nacional, cabe desta- car a grande oscilação deste indicador em relação à variá- vel cor, mas relativo equilíbrio do ponto de vista de gênero. Com efeito, mais do que refletir as desigualdades re- gionais e as diferenças de gênero e cor, o quadro de esco- larização desigual do País revela os resultados do processo de extrema concentração de renda e níveis elevados de pobreza. Promoção, repetência e evasão Em relação às taxas de transição, houve substancial melhoria dos índices de promoção, repetência e evasão do ensino fundamental. Verifica-se, no período de 1981-92, tendência ascendente das taxas de promoção — sobem de 55% em 1984, para 62% em 1992 — acompanhada de que- da razoável das taxas médias de repetência e evasão, que atingem, respectivamente, 33% e 5% em 1992. Essa tendência é muito significativa. Estudos indicam que a repetência constitui um dos problemas do quadro educacional do País, uma vez que os alunos passam, em média, 5 anos na escola antes de se evadirem ou levam cer- ca de 11,2 anos para concluir as oito séries de escolaridade obrigatória. No entanto, a grande maioria da população estudantil acaba desistindo da escola, desestimulada em razão das altas taxas de repetência e pressionada por fato- res socioeconômicos que obrigam boa parte dos alunos ao trabalho precoce. Apesar da melhoria observada nos índices de evasão, o comportamento das taxas de promoção e repetência na primeira série do ensino fundamental está ainda longe do desejável: apenas 51% do total de alunos são promovidos, enquanto 44% repetem, reproduzindo assim o ciclo de re- tenção que acaba expulsando os alunos da escola (gráficos 3, 4 e 5). Do ponto de vista regional, com exceção do Norte e do Nordeste, as demais regiões apresentam tendência à eleva- ção das taxas médias de promoção e à queda dos índices de repetência (gráficos 6 e 7), indicando relativo processo de melhoria da eficiência do sistema. Ressalta-se, contudo, tendência à queda das taxas de evasão nas regiões Norte e Nordeste que, em 1992, chegam muito próximas da média nacional (gráfico 8). 52 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS As taxas de repetência evidenciam a baixa qualidade do ensino e a incapacidade dos sistemas educacionais e das escolas de garantir a permanência do aluno, penali- zando principalmente os alunos de níveis de renda mais baixos. O “represamento” no sistema causado pelo número excessivo de reprovações nas séries iniciais contribui de forma significativa para o aumento dos gastos públicos, ainda acrescidos pela subutilização de recursos humanos e materiais nas séries finais, devido ao número reduzido de alunos. Uma das consequências mais nefastas das elevadas taxas de repetência manifesta-se nitidamente nas acen- tuadas taxas de distorção série/idade, em todas as séries do ensino fundamental (gráfico 9). Apesar da ligeira queda observada em todas as séries, no período 1984-94, a situa- ção é dramática: - mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à faixa etária correspondente a cada série; - as regiões Sul e Sudeste, embora situem-se abaixo da média nacional, ainda apresentam índices bastante eleva- dos, respectivamente, cerca de 42% e de 54%; - as regiões Norte e Nordeste situam-se bem acima da média nacional (respectivamente, 78% e 80%). Para reverter esse quadro, alguns Estados e Municípios começam a implementar programas de aceleração do flu- xo escolar, com o objetivo de promover, a médio prazo, a melhoria dos indicadores de rendimento escolar. São ini- ciativas extremamente importantes, uma vez que a pesqui- sa realizada pelo MEC, em 1995, por meio do Sistema Na- cional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) mostra que quanto maior a distorção idade/série, pior o rendimento dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, tanto no ensino fundamental como no médio. A repetência, portan- to, parece não acrescentar nada ao processo de ensino e aprendizagem. Desempenho O perfil da educação brasileira apresentou significati- vas mudanças nas duas últimas décadas. Houve substancial queda da taxa de analfabetismo, aumento expressivo do número de matrículas em todos os níveis de ensino e crescimento sistemático das taxas de escolaridade média da população. A progressiva queda da taxa de analfabetismo, que passa de 39,5% para 20,1% nas quatro últimas décadas, foi paralela ao processo de universalização do atendimento escolar na faixa etária obrigatória (sete a quatorze anos), tendência que se acentua de meados dos anos 70 para cá, sobretudo como resultado do esforço do setor público na promoção das políticas educacionais. Esse movimento não ocorreu de forma homogênea. Ele acompanhou as características de desenvolvimento so- cioeconômico do País e reflete suas desigualdades. Por outro lado, resultados obtidos em pesquisa realiza- da pelo SAEB/95, baseados em uma amostra nacional que abrangeu 90.499 alunos de 2.793 escolas públicas e priva- das, reafirmam a baixa qualidade atingida no desempenho dos alunos no ensino fundamental em relação à leitura e principalmente em habilidade matemática. 53 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Os resultados de desempenho em matemática mostram um rendimento geral insatisfatório, pois os percentuais em sua maioria situam-se abaixo de 50%. Ao indicaremum rendimen- to melhor nas questões classificadas como de compreensão de conceitos do que nas de conhecimento de procedimentos e resolução de problemas, os dados parecem confirmar o que vem sendo amplamente debatido, ou seja, que o ensino da matemática ainda é feito sem levar em conta os aspectos que a vinculam com a prática cotidiana, tornando-a desprovida de significado para o aluno. Outro fato que chama a atenção é que o pior índice refere-se ao campo da geometria. Os dados apresentados pela pesquisa confirmam a neces- sidade de investimentos substanciais para a melhoria da qua- lidade do ensino e da aprendizagem no ensino fundamental. Mesmo os alunos que conseguem completar os oito anos do ensino fundamental acabam dispondo de menos conhe- cimento do que se espera de quem concluiu a escolaridade obrigatória. Aprenderam pouco, e muitas vezes o que apren- deram não facilita sua inserção e atuação na sociedade. Dentre outras deficiências do processo de ensino e aprendizagem, são relevantes o desinteresse geral pelo trabalho escolar, a moti- vação dos alunos centrada apenas na nota e na promoção, o esquecimento precoce dos assuntos estudados e os problemas de disciplina. Desde os anos 80, experiências concretas no âmbito dos Estados e Municípios vêm sendo tentadas para a transforma- ção desse quadro educacional mas, ainda que tenham obtido sucesso, são experiências circunscritas a realidades específicas. Professores O desempenho dos alunos remete-nos diretamente à ne- cessidade de se considerarem aspectos relativos à formação do professor. Pelo Censo Educacional de 1994 foi feito um levanta- mento da quantidade de professores que atuam no ensino fun- damental, bem como grau de escolaridade. Do total de funções docentes do ensino fundamental (cerca de 1,3 milhão), 86,3% encontram-se na rede pública; mais de 79% relacionam-se às escolas da área urbana e apenas 20,4% à zona rural. A exigência legal de formação inicial para atuação no en- sino fundamental nem sempre pode ser cumprida, em função das deficiências do sistema educacional. No entanto, a má qualidade do ensino não se deve simplesmente à não forma- ção inicial de parte dos professores, resultando também da má qualidade da formação que tem sido ministrada. Este levanta- mento mostra a urgência de se atuar na formação inicial dos professores. Além de uma formação inicial consistente, é preciso conside- rar um investimento educativo contínuo e sistemático para que o professor se desenvolva como profissional de educação. O con- teúdo e a metodologia para essa formação precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria do ensino. A formação não pode ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas sim como um processo reflexivo e crítico sobre a prática edu- cativa. Investir no desenvolvimento profissional dos professores é também intervir em suas reais condições de trabalho. Princípios e Fundamentos dos Parâmetros Curricu- lares Nacionais Na sociedade democrática, ao contrário do que ocorre nos regimes autoritários, o processo educacional não pode ser instrumento para a imposição, por parte do governo, de um projeto de sociedade e de nação. Tal projeto deve resul- tar do próprio processo democrático, nas suas dimensões mais amplas, envolvendo a contraposição de diferentes in- teresses e a negociação política necessária para encontrar soluções para os conflitos sociais. Não se pode deixar de levar em conta que, na atual realidade brasileira, a profunda estratificação social e a in- justa distribuição de renda têm funcionado como um en- trave para que uma parte considerável da população possa fazer valer os seus direitos e interesses fundamentais. Cabe ao governo o papel de assegurar que o processo democrá- tico se desenvolva de modo a que esses entraves diminuam cada vez mais. É papel do Estado democrático investir na escola, para que ela prepare e instrumentalize crianças e jovens para o processo democrático, forçando o acesso à educação de qualidade para todos e às possibilidades de participação social. Para isso faz-se necessária uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a socie- dade demanda atualmente expressa-se aqui como a pos- sibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prá- tica educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que consi- dere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem. O exercício da cidadania exige o acesso de todos à tota- lidade dos recursos culturais relevantes para a intervenção e a participação responsável na vida social. O domínio da língua falada e escrita, os princípios da reflexão matemáti- ca, as coordenadas espaciais e temporais que organizam a percepção do mundo, os princípios da explicação científica, as condições de fruição da arte e das mensagens estéticas, domínios de saber tradicionalmente presentes nas diferen- tes concepções do papel da educação no mundo democrá- tico, até outras tantas exigências que se impõem no mundo contemporâneo. Essas exigências apontam a relevância de discussões sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos, a recusa categórica de formas de discriminação, a impor- tância da solidariedade e do respeito. Cabe ao campo edu- cacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolítica e cultural. Apresenta-se para a escola, hoje mais do que nunca, a ne- cessidade de assumir-se como espaço social de construção dos significados éticos necessários e constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania. 54 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS No contexto atual, a inserção no mundo do trabalho e do consumo, o cuidado com o próprio corpo e com a saúde, passando pela educação sexual, e a preservação do meio ambiente são temas que ganham um novo estatuto, num universo em que os referenciais tradicionais, a partir dos quais eram vistos como questões locais ou individuais, já não dão conta da dimensão nacional e até mesmo inter- nacional que tais temas assumem, justificando, portanto, sua consideração. Nesse sentido, é papel preponderante da escola propiciar o domínio dos recursos capazes de levar à discussão dessas formas e sua utilização crítica na perspectiva da participação social e política. Desde a construção dos primeiros computadores, na metade deste século, novas relações entre conhecimento e trabalho começaram a ser delineadas. Um de seus efeitos é a exigência de um reequacionamento do papel da edu- cação no mundo contemporâneo, que coloca para a escola um horizonte mais amplo e diversificado do que aquele que, até poucas décadas atrás, orientava a concepção e construção dos projetos educacionais. Não basta visar à ca- pacitação dos estudantes para futuras habilitações em ter- mos das especializações tradicionais, mas antes trata-se de ter em vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produ- zem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, ca- paz de responder a novos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacida- de de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas para a escola. A educação básica tem assim a função de garantir condições para que o aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente. Para tanto, é necessário que, no processo de ensino e aprendizagem, sejam exploradas: a aprendizagem de me- todologias capazes de priorizar a construção de estratégias de verificação e comprovaçãode hipóteses na construção do conhecimento, a construção de argumentação capaz de controlar os resultados desse processo, o desenvolvi- mento do espírito crítico capaz de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites e alcances lógicos das explica- ções propostas. Além disso, é necessário ter em conta uma dinâmica de ensino que favoreça não só o descobrimento das potencialidades do trabalho individual, mas também, e sobretudo, do trabalho coletivo. Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito, desenvolvendo o sentimento de segurança em relação às suas próprias capacidades, inte- ragindo de modo orgânico e integrado num trabalho de equipe e, portanto, sendo capaz de atuar em níveis de in- terlocução mais complexos e diferenciados. Natureza e função dos Parâmetros Curriculares Na- cionais Cada criança ou jovem brasileiro, mesmo de locais com pouca infraestrutura e condições socioeconômicas desfa- voráveis, deve ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania para deles poder usufruir. Se existem diferenças socioculturais marcantes, que determi- nam diferentes necessidades de aprendizagem, existe tam- bém aquilo que é comum a todos, que um aluno de qual- quer lugar do Brasil, do interior ou do litoral, de uma gran- de cidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender e esse direito deve ser garantido pelo Estado. Mas, na medida em que o princípio da equidade re- conhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma formação de qualidade para todos, o que se apresenta é a necessidade de um referencial co- mum para a formação escolar no Brasil, capaz de indicar aquilo que deve ser garantido a todos, numa realidade com características tão diferenciadas, sem promover uma uni- formização que descaracterize e desvalorize peculiaridades culturais e regionais. É nesse sentido que o estabelecimento de uma refe- rência curricular comum para todo o País, ao mesmo tem- po que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com a educação, busca garantir, tam- bém, o respeito à diversidade que é marca cultural do País, mediante a possibilidade de adaptações que integrem as diferentes dimensões da prática educacional. Para compreender a natureza dos Parâmetros Curricu- lares Nacionais, é necessário situá-los em relação a quatro níveis de concretização curricular considerando a estrutura do sistema educacional brasileiro. Tais níveis não represen- tam etapas sequenciais, mas sim amplitudes distintas da elaboração de propostas curriculares, com responsabili- dades diferentes, que devem buscar uma integração e, ao mesmo tempo, autonomia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o pri- meiro nível de concretização curricular. São uma referência nacional para o ensino fundamen- tal; estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os projetos ligados à sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e compra de livros e outros materiais didáticos e à avalia- ção nacional. Têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores. Todos os documentos aqui apresentados configuram uma referência nacional em que são apontados conteúdos e objetivos articulados, critérios de eleição dos primeiros, questões de ensino e aprendizagem das áreas, que per- 55 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS meiam a prática educativa de forma explícita ou implícita, propostas sobre a avaliação em cada momento da escola- ridade e em cada área, envolvendo questões relativas a o que e como avaliar. Assim, além de conter uma exposição sobre seus fundamentos, contém os diferentes elementos curriculares — tais como Caracterização das Áreas, Obje- tivos, Organização dos Conteúdos, Critérios de Avaliação e Orientações Didáticas —, efetivando uma proposta arti- culadora dos propósitos mais gerais de formação de cida- dania, com sua operacionalização no processo de apren- dizagem. Apesar de apresentar uma estrutura curricular com- pleta, os Parâmetros Curriculares Nacionais são abertos e flexíveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adap- tações para a construção do currículo de uma Secretaria ou mesmo de uma escola. Também pela sua natureza, eles não se impõem como uma diretriz obrigatória: o que se pretende é que ocorram adaptações, por meio do diálogo, entre estes documentos e as práticas já existentes, desde as definições dos objetivos até as orientações didáticas para a manutenção de um todo coerente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão situados historicamente — não são princípios atemporais. Sua vali- dade depende de estarem em consonância com a realida- de social, necessitando, portanto, de um processo periódi- co de avaliação e revisão, a ser coordenado pelo MEC. O segundo nível de concretização diz respeito às pro- postas curriculares dos Estados e Municípios. Os Parâme- tros Curriculares Nacionais poderão ser utilizados como recurso para adaptações ou elaborações curriculares reali- zadas pelas Secretarias de Educação, em um processo defi- nido pelos responsáveis em cada local. O terceiro nível de concretização refere-se à elabora- ção da proposta curricular de cada instituição escolar, con- textualizada na discussão de seu projeto educativo. Enten- de-se por projeto educativo a expressão da identidade de cada escola em um processo dinâmico de discussão, refle- xão e elaboração contínua. Esse processo deve contar com a participação de toda equipe pedagógica, buscando um comprometimento de todos com o trabalho realizado, com os propósitos discutidos e com a adequação de tal projeto às características sociais e culturais da realidade em que a escola está inserida. É no âmbito do projeto educativo que professores e equipe pedagógica discutem e organizam os objetivos, conteúdos e critérios de avaliação para cada ci- clo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as propostas das Secretarias devem ser vistos como materiais que sub- sidiarão a escola na constituição de sua proposta educa- cional mais geral, num processo de interlocução em que se compartilham e explicitam os valores e propósitos que orientam o trabalho educacional que se quer desenvolver e o estabelecimento do currículo capaz de atender às reais necessidades dos alunos. O quarto nível de concretização curricular é o momen- to da realização da programação das atividades de ensi- no e aprendizagem na sala de aula. É quando o professor, segundo as metas estabelecidas na fase de concretização anterior, faz sua programação, adequando-a àquele gru- po específico de alunos. A programação deve garantir uma distribuição planejada de aulas, distribuição dos conteúdos segundo um cronograma referencial, definição das orien- tações didáticas prioritárias, seleção do material a ser utili- zado, planejamento de projetos e sua execução. Apesar de a responsabilidade ser essencialmente de cada professor, é fundamental que esta seja compartilhada com a equipe da escola por meio da corresponsabilidade estabelecida no projeto educativo. Tal proposta, no entanto, exige uma política educacio- nal que contemple a formação inicial e continuada dos pro- fessores, uma decisiva revisão das condições salariais, além da organização de uma estrutura de apoio que favoreça o desenvolvimento do trabalho (acervo de livros e obras de referência, equipe técnica para supervisão, materiais didá- ticos, instalações adequadas para a realização de trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida, implicam a valo- rização da atividade do professor. FUNDAMENTOS DOS PARÂMETROS CURRICULA-RES NACIONAIS A tradição pedagógica brasileira A prática de todo professor, mesmo de forma incons- ciente, sempre pressupõe uma concepção de ensino e aprendizagem que determina sua compreensão dos papéis de professor e aluno, da metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a serem trabalhados. A discussão dessas questões é importante para que se explicitem os pressupostos pedagógicos que subjazem à atividade de ensino, na busca de coerência entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. Tais práticas se consti- tuem a partir das concepções educativas e metodologias de ensino que permearam a formação educacional e o per- curso profissional do professor, aí incluídas suas próprias experiências escolares, suas experiências de vida, a ideo- logia compartilhada com seu grupo social e as tendências pedagógicas que lhe são contemporâneas. As tendências pedagógicas que se firmam nas escolas brasileiras, públicas e privadas, na maioria dos casos não aparecem em forma pura, mas com características parti- culares, muitas vezes mesclando aspectos de mais de uma linha pedagógica. A análise das tendências pedagógicas no Brasil deixa evidente a influência dos grandes movimentos educacio- nais internacionais, da mesma forma que expressam as es- pecificidades de nossa história política, social e cultural, a cada período em que são consideradas. Pode-se identificar, na tradição pedagógica brasileira, a presença de quatro grandes tendências: a tradicional, a renovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por preocupações sociais e políticas. Tais tendências serão sintetizadas em grandes 56 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS traços que tentam recuperar os pontos mais significativos de cada uma das propostas. Este documento não ignora o risco de uma certa redução das concepções, tendo em vista a própria síntese e os limites desta apresentação. A “pedagogia tradicional” é uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se define como a de vi- giar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria. A metodologia decorrente de tal concepção baseia-se na exposição oral dos conteúdos, numa sequência predeter- minada e fixa, independentemente do contexto escolar; en- fatiza-se a necessidade de exercícios repetidos para garantir a memorização dos conteúdos. A função primordial da es- cola, nesse modelo, é transmitir conhecimentos disciplinares para a formação geral do aluno, formação esta que o leva- rá, ao inserir-se futuramente na sociedade, a optar por uma profissão valorizada. Os conteúdos do ensino correspondem aos conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gera- ções passadas como verdades acabadas, e, embora a escola vise à preparação para a vida, não busca estabelecer relação entre os conteúdos que se ensinam e os interesses dos alu- nos, tampouco entre esses e os problemas reais que afetam a sociedade. Na maioria das escolas essa prática pedagógica se caracteriza por sobrecarga de informações que são vei- culadas aos alunos, o que torna o processo de aquisição de conhecimento, para os alunos, muitas vezes burocratizado e destituído de significação. No ensino dos conteúdos, o que orienta é a organização lógica das disciplinas, o aprendizado moral, disciplinado e esforçado. Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura con- servadora. O professor é visto como a autoridade máxima, um organizador dos conteúdos e estratégias de ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo educativo. A “pedagogia renovada” é uma concepção que inclui várias correntes que, de uma forma ou de outra, estão liga- das ao movimento da Escola Nova ou Escola Ativa. Tais cor- rentes, embora admitam divergências, assumem um mesmo princípio norteador de valorização do indivíduo como ser livre, ativo e social. O centro da atividade escolar não é o professor nem os conteúdos disciplinares, mas sim o aluno, como ser ativo e curioso. O mais importante não é o ensino, mas o processo de aprendizagem. Em oposição à Escola Tra- dicional, a Escola Nova destaca o princípio da aprendizagem por descoberta e estabelece que a atitude de aprendizagem parte do interesse dos alunos, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência, pelo que descobrem por si mesmos. O professor é visto, então, como facilitador no processo de busca de conhecimento que deve partir do aluno. Cabe ao professor organizar e coordenar as situações de aprendi- zagem, adaptando suas ações às características individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais. A ideia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em muitos casos, por desconsiderar a necessidade de um trabalho planejado, perdendo-se de vista o que deve ser ensinado e aprendido. Essa tendência, que teve grande penetração no Brasil na década de 30, no âmbito do ensino pré-escolar ( jardim de infância), até hoje influencia muitas práticas pedagógicas. Nos anos 70 proliferou o que se chamou de “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias behavioristas da apren- dizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que definiu uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor, com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada de ensino trouxe consequências: a escola se revestiu de uma grande autossuficiência, reconhecida por ela e por toda a co- munidade atingida, criando assim a falsa ideia de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que depende exclusi- vamente de especialistas e de técnicas. O que é valorizado nes- sa perspectiva não é o professor, mas a tecnologia; o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica restrita aos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. A função do aluno é reduzida a um indivíduo que reage aos estímulos de forma a corresponder às respostas esperadas pela escola, para ter êxito e avançar. Seus interesses e seu processo particular não são considerados e a atenção que recebe é para ajustar seu ritmo de aprendizagem ao pro- grama que o professor deve implementar. Essa orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está presente em muitos materiais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental. No final dos anos 70 e início dos 80, a abertura política decorrente do final do regime militar coincidiu com a intensa mobilização dos educadores para buscar uma educação crítica a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas, tendo em vista a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao lado das denominadas teorias críti- co-reprodutivistas, firma-se no meio educacional a presença da “pedagogia libertadora” e da “pedagogia crítico-social dos conteúdos”, assumida por educadores de orientação marxista. A “pedagogia libertadora” tem suas origens nos mo- vimentos de educação popular que ocorreram no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foram interrompidos pelo golpe militar de 1964; teve seu desenvolvimento retoma- do no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nessa proposta, a atividade escolar pauta-se em discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre a realidade social imediata; anali- sam-se os problemas, seus fatores determinantes e organiza- se uma forma de atuação para que se possa transformar a realidade social e política. O professor é um coordenador de atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos. A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” que surge no final dos anos 70 e início dos 80 se põe como uma reação de alguns educadores que não aceitam a pouca relevância que a “pedagogia libertadora” dá ao aprendizado do chamado “saber elaborado”, historicamente acumulado, que constitui parte do acervo cultural da humanidade. A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” asseguraa função social e política da escola mediante o trabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes po- pulares em condições de uma efetiva participação nas lutas sociais. Entende que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais, mas que é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas para que os alunos possam interpretar suas experiên- cias de vida e defender seus interesses de classe. 57 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS As tendências pedagógicas que marcam a tradição educacional brasileira e aqui foram expostas sinteticamen- te trazem, de maneira diferente, contribuições para uma proposta atual que busque recuperar aspectos positivos das práticas anteriores em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem, realizando uma releitura dessas práticas à luz dos avanços ocorridos nas produções teóricas, nas investigações e em fatos que se tornaram observáveis nas experiências educativas mais recentes realizadas em dife- rentes Estados e Municípios do Brasil. No final dos anos 70, pode-se dizer que havia no Brasil, entre as tendências didáticas de vanguarda, aquelas que ti- nham um viés mais psicológico e outras cujo viés era mais sociológico e político; a partir dos anos 80 surge com maior evidência um movimento que pretende a integração entre essas abordagens. Se por um lado não é mais possível deixar de se ter preocupações com o domínio de conhecimentos formais para a participação crítica na sociedade, considera- se também que é necessária uma adequação pedagógica às características de um aluno que pensa, de um professor que sabe e aos conteúdos de valor social e formativo. Esse momento se caracteriza pelo enfoque centrado no caráter social do processo de ensino e aprendizagem e é marcado pela influência da psicologia genética. O enfoque social dado aos processos de ensino e apren- dizagem traz para a discussão pedagógica aspectos de ex- trema relevância, em particular no que se refere à maneira como se devem entender as relações entre desenvolvimen- to e aprendizagem, à importância da relação interpessoal nesse processo, à relação entre cultura e educação e ao pa- pel da ação educativa ajustada às situações de aprendiza- gem e às características da atividade mental construtiva do aluno em cada momento de sua escolaridade. A psicologia genética propiciou aprofundar a com- preensão sobre o processo de desenvolvimento na constru- ção do conhecimento. Compreender os mecanismos pelos quais as crianças constroem representações internas de co- nhecimentos construídos socialmente, em uma perspectiva psicogenética, traz uma contribuição para além das descri- ções dos grandes estágios de desenvolvimento. A pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita chegou ao Brasil em meados dos anos 80 e causou gran- de impacto, revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais e, ao mesmo tempo, provocando uma revisão do tratamento dado ao ensino e à aprendizagem em outras áreas do conhecimento. Essa investigação evidencia a ati- vidade construtiva do aluno sobre a língua escrita, objeto de conhecimento reconhecidamente escolar, mostrando a presença importante dos conhecimentos específicos sobre a escrita que a criança já tem, os quais, embora não coinci- dam com os dos adultos, têm sentido para ela. A metodologia utilizada nessas pesquisas foi mui- tas vezes interpretada como uma proposta de pedagogia construtivista para alfabetização, o que expressa um duplo equívoco: redução do construtivismo a uma teoria psico- genética de aquisição de língua escrita e transformação de uma investigação acadêmica em método de ensino. Com esses equívocos, difundiram-se, sob o rótulo de pedagogia construtivista, as ideias de que não se devem corrigir os er- ros e de que as crianças aprendem fazendo “do seu jeito”. Essa pedagogia, dita construtivista, trouxe sérios problemas ao processo de ensino e aprendizagem, pois desconsidera a função primordial da escola que é ensinar, intervindo para que os alunos aprendam o que, sozinhos, não têm condi- ções de aprender. A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais reconhece a importância da participação cons- trutiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o desenvolvimento das capacidades ne- cessárias à formação do indivíduo. Ao contrário de uma concepção de ensino e aprendizagem como um processo que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento é “acabado”, o que se propõe é uma visão da complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De um lado, porque o objeto de conhecimento é “complexo” de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque o pro- cesso cognitivo não acontece por justaposição, senão por reorganização do conhecimento. É também “provisório”, uma vez que não é possível chegar de imediato ao conhe- cimento correto, mas somente por aproximações sucessi- vas que permitem sua reconstrução. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objeti- vos educacionais que propõem quanto na conceitualização do significado das áreas de ensino e dos temas da vida so- cial contemporânea que devem permeá-las, adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisição e desenvolvi- mento dessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o aluno possa ser sujeito de sua própria forma- ção, em um complexo processo interativo em que também o professor se veja como sujeito de conhecimento. Escola e constituição da cidadania A importância dada aos conteúdos revela um com- promisso da instituição escolar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes se constituem como instrumentos para o desenvolvimento, a socialização, o exercício da cidadania democrática e a atuação no senti- do de refutar ou reformular as deformações dos conheci- mentos, as imposições de crenças dogmáticas e a petrifica- ção de valores. Os conteúdos escolares que são ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico. Isso requer que a escola seja um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimen- to de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais. 58 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS No contexto da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais se concebe a educação escolar como uma práti- ca que tem a possibilidade de criar condições para que to- dos os alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para construir instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações sociais, políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas, condições estas fundamentais para o exercício da cidadania na construção de uma sociedade democrática e não excludente. A prática escolar distingue-se de outras práticas edu- cativas, como as que acontecem na família, no trabalho, na mídia, no lazer e nas demais formas de convívio social, por constituir-se uma ação intencional, sistemática, planejada e continuada para crianças e jovens durante um período contínuo e extenso de tempo. A escola, ao tomar para si o objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com com- petência e dignidade na sociedade, buscará eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histó- rico, cuja aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer seus direitos e deveres. Para tanto ainda é necessárioque a instituição escolar garanta um conjunto de práticas planejadas com o propósito de contribuir para que os alunos se apropriem dos conteúdos de maneira crítica e construtiva. A escola, por ser uma instituição social com propósito explicitamen- te educativo, tem o compromisso de intervir efetivamente para promover o desenvolvimento e a socialização de seus alunos. Essa função socializadora remete a dois aspectos: o de- senvolvimento individual e o contexto social e cultural. É nessa dupla determinação que os indivíduos se constroem como pessoas iguais, mas, ao mesmo tempo, diferentes de todas as outras. Iguais por compartilhar com outras pessoas um conjunto de saberes e formas de conhecimento que, por sua vez, só é possível graças ao que individualmente se puder incorporar. Não há desenvolvimento individual pos- sível à margem da sociedade, da cultura. Os processos de diferenciação na construção de uma identidade pessoal e os processos de socialização que conduzem a padrões de identidade coletiva constituem, na verdade, as duas faces de um mesmo processo. A escola, na perspectiva de construção de cidadania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria co- munidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus li- mites, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura bra- sileira no âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da humanidade. O desenvolvimento de capacidades, como as de relação interpessoal, as cognitivas, as afetivas, as motoras, as éticas, as estéticas de inserção social, torna-se possível mediante o processo de construção e reconstrução de conhecimen- tos. Essa aprendizagem é exercida com o aporte pessoal de cada um, o que explica por que, a partir dos mesmos sabe- res, há sempre lugar para a construção de uma infinidade de significados, e não a uniformidade destes. Os conheci- mentos que se transmitem e se recriam na escola ganham sentido quando são produtos de uma construção dinâmica que se opera na interação constante entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola, num processo contínuo e per- manente de aquisição, no qual interferem fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos. As questões relativas à globalização, as transforma- ções científicas e tecnológicas e a necessária discussão ético-valorativa da sociedade apresentam para a escola a imensa tarefa de instrumentalizar os jovens para participar da cultura, das relações sociais e políticas. A escola, ao po- sicionar-se dessa maneira, abre a oportunidade para que os alunos aprendam sobre temas normalmente excluídos e atua propositalmente na formação de valores e atitudes do sujeito em relação ao outro, à política, à economia, ao sexo, à droga, à saúde, ao meio ambiente, à tecnologia, etc. Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para trans- formá-la, deve também contemplar o desenvolvimento de capacidades que possibilitem adaptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com a rapidez na produção e na circulação de novos conhecimentos e informações, que têm sido avassaladores e crescentes. A formação escolar deve possibilitar aos alu- nos condições para desenvolver competência e consciência profissional, mas não restringir-se ao ensino de habilidades imediatamente demandadas pelo mercado de trabalho. A discussão sobre a função da escola não pode igno- rar as reais condições em que esta se encontra. A situa- ção de precariedade vivida pelos educadores, expressa nos baixos salários, na falta de condições de trabalho, de metas a serem alcançadas, de prestígio social, na inércia de grande parte dos órgãos responsáveis por alterar esse quadro, provoca, na maioria das pessoas, um descrédito na transformação da situação. Essa desvalorização objetiva do magistério acaba por ser interiorizada, bloqueando as mo- tivações. Outro fator de desmotivação dos profissionais da rede pública é a mudança de rumo da educação diante da orientação política de cada governante. Às vezes as trans- formações propostas reafirmam certas posições, às vezes outras. Esse movimento de vai e volta gera, para a maioria dos professores, um desânimo para se engajar nos projetos de trabalho propostos, mesmo que lhes pareçam interes- santes, pois eles dificilmente terão continuidade. Em síntese, as escolas brasileiras, para exercerem a fun- ção social aqui proposta, precisam possibilitar o cultivo dos bens culturais e sociais, considerando as expectativas e as necessidades dos alunos, dos pais, dos membros da comu- nidade, dos professores, enfim, dos envolvidos diretamente no processo educativo. É nesse universo que o aluno viven- cia situações diversificadas que favorecem o aprendizado, para dialogar de maneira competente com a comunidade, aprender a respeitar e a ser respeitado, a ouvir e a ser ou- vido, a reivindicar direitos e a cumprir obrigações, a parti- cipar ativamente da vida científica, cultural, social e política do País e do mundo. 59 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Escola: uma construção coletiva e permanente Nessa perspectiva, é essencial a vinculação da escola com as questões sociais e com os valores democráticos, não só do ponto de vista da seleção e tratamento dos con- teúdos, como também da própria organização escolar. As normas de funcionamento e os valores, implícitos e explíci- tos, que regem a atuação das pessoas na escola são deter- minantes da qualidade do ensino, interferindo de maneira significativa sobre a formação dos alunos. Com a degradação do sistema educacional brasileiro, pode-se dizer que a maioria das escolas tende a ser ape- nas um local de trabalho individualizado e não uma orga- nização com objetivos próprios, elaborados e manifestados pela ação coordenada de seus diversos profissionais. Para ser uma organização eficaz no cumprimento de propósitos estabelecidos em conjunto por professores, coordenadores e diretor, e garantir a formação coerente de seus alunos ao longo da escolaridade obrigatória, é im- prescindível que cada escola discuta e construa seu projeto educativo. Esse projeto deve ser entendido como um processo que inclui a formulação de metas e meios, segundo a particu- laridade de cada escola, por meio da criação e da valori- zação de rotinas de trabalho pedagógico em grupo e da corresponsabilidade de todos os membros da comunidade escolar, para além do planejamento de início de ano ou dos períodos de “reciclagem”. A experiência acumulada por seus profissionais é na- turalmente a base para a reflexão e a elaboração do proje- to educativo de uma escola. Além desse repertório, outras fontes importantes para a definição de um projeto educa- tivo são os currículos locais, a bibliografia especializada, o contato com outras experiências educacionais, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais, que formulam ques- tões essenciais sobre o que, como e quando ensinar, consti- tuindo um referencial significativo e atualizado sobre a fun- ção da escola, a importância dos conteúdos e o tratamento a ser dado a eles. Ao elaborar seu projeto educativo, a escola discute e explicita de forma clara os valores coletivos assumidos. De- limita suas prioridades, define os resultados desejados e in- corpora a auto avaliação ao trabalho do professor. Assim, organiza-se o planejamento, reúne-se a equipe de trabalho, provoca-se o estudo e a reflexão contínuos, dando sentido às ações cotidianas, reduzindo a improvisação e as condu- tas estereotipadas e rotineiras que, muitas vezes, são con- traditórias com os objetivos educacionais compartilhados. A contínua realização do projeto educativo possibilita o conhecimento das ações desenvolvidas pelos diferentes professores, sendo base de diálogo e reflexão para toda a equipeescolar. Nesse processo evidencia-se a necessida- de da participação da comunidade, em especial dos pais, tomando conhecimento e interferindo nas propostas da escola e em suas estratégias. O resultado que se espera é a possibilidade de os alunos terem uma experiência escolar coerente e bem-sucedida. Deve ser ressaltado que uma prática de reflexão coletiva não é algo que se atinge de uma hora para outra e a esco- la é uma realidade complexa, não sendo possível tratar as questões como se fossem simples de serem resolvidas. Cada escola encontra uma realidade, uma trama, um conjunto de circunstâncias e de pessoas. É preciso que haja incentivo do poder público local, pois o desenvolvimento do projeto re- quer tempo para análise, discussão e reelaboração contínua, o que só é possível em um clima institucional favorável e com condições objetivas de realização. Aprender e ensinar, construir e interagir Por muito tempo a pedagogia focou o processo de en- sino no professor, supondo que, como decorrência, estaria valorizando o conhecimento. O ensino, então, ganhou auto- nomia em relação à aprendizagem, criou seus próprios méto- dos e o processo de aprendizagem ficou relegado a segundo plano. Hoje sabe-se que é necessário ressignificar a unidade entre aprendizagem e ensino, uma vez que, em última ins- tância, sem aprendizagem o ensino não se realiza. A busca de um marco explicativo que permita essa res- significação, além da criação de novos instrumentos de aná- lise, planejamento e condução da ação educativa na escola, tem se situado, atualmente, para muitos dos teóricos da edu- cação, dentro da perspectiva construtivista. A perspectiva construtivista na educação é configurada por uma série de princípios explicativos do desenvolvimen- to e da aprendizagem humana que se complementam, in- tegrando um conjunto orientado a analisar, compreender e explicar os processos escolares de ensino e aprendizagem. A configuração do marco explicativo construtivista para os processos de educação escolar deu-se, entre outras in- fluências, a partir da psicologia genética, da teoria sociointe- racionista e das explicações da atividade significativa. Vários autores partiram dessas ideias para desenvolver e conceitua- lizar as várias dimensões envolvidas na educação escolar, tra- zendo inegáveis contribuições à teoria e à prática educativa. O núcleo central da integração de todas essas contribui- ções refere-se ao reconhecimento da importância da ativi- dade mental construtiva nos processos de aquisição de co- nhecimento. Daí o termo construtivismo, denominando essa convergência. Assim, o conhecimento não é visto como algo situado fora do indivíduo, a ser adquirido por meio de cópia do real, tampouco como algo que o indivíduo constrói inde- pendentemente da realidade exterior, dos demais indivíduos e de suas próprias capacidades pessoais. É, antes de mais nada, uma construção histórica e social, na qual interferem fatores de ordem cultural e psicológica. A atividade construtiva, física ou mental, permite inter- pretar a realidade e construir significados, ao mesmo tempo que permite construir novas possibilidades de ação e de co- nhecimento. Nesse processo de interação com o objeto a ser co- nhecido, o sujeito constrói representações, que funcionam como verdadeiras explicações e se orientam por uma ló- gica interna que, por mais que possa parecer incoerente aos olhos de um outro, faz sentido para o sujeito. As ideias 60 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS “equivocadas”, ou seja, construídas e transformadas ao lon- go do desenvolvimento, fruto de aproximações sucessivas, são expressão de uma construção inteligente por parte do sujeito e, portanto, interpretadas como erros construtivos. A tradição escolar — que não faz diferença entre erros integrantes do processo de aprendizagem e simples enga- nos ou desconhecimentos — trabalha com a ideia de que a ausência de erros na tarefa escolar é a manifestação da aprendizagem. Hoje, graças ao avanço da investigação cien- tífica na área da aprendizagem, tornou-se possível interpre- tar o erro como algo inerente ao processo de aprendizagem e ajustar a intervenção pedagógica para ajudar a superá-lo. A superação do erro é resultado do processo de incorpora- ção de novas ideias e de transformação das anteriores, de maneira a dar conta das contradições que se apresentarem ao sujeito para, assim, alcançar níveis superiores de conhe- cimento. O que o aluno pode aprender em determinado momen- to da escolaridade depende das possibilidades delineadas pelas formas de pensamento de que dispõe naquela fase de desenvolvimento, dos conhecimentos que já construiu anteriormente e do ensino que recebe. Isto é, a intervenção pedagógica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem realizar em cada momento de sua aprendizagem, para se constituir verdadeira ajuda educativa. O conhecimento é re- sultado de um complexo e intrincado processo de modifica- ção, reorganização e construção, utilizado pelos alunos para assimilar e interpretar os conteúdos escolares. Por mais que o professor, os companheiros de classe e os materiais didáticos possam, e devam, contribuir para que a aprendizagem se realize, nada pode substituir a atuação do próprio aluno na tarefa de construir significados sobre os conteúdos da aprendizagem. É ele quem modifica, enrique- ce e, portanto, constrói novos e mais potentes instrumentos de ação e interpretação. Mas o desencadeamento da atividade mental constru- tiva não é suficiente para que a educação escolar alcance os objetivos a que se propõe: que as aprendizagens estejam compatíveis com o que significam socialmente. O processo de atribuição de sentido aos conteúdos es- colares é, portanto, individual; porém, é também cultural na medida em que os significados construídos remetem a for- mas e saberes socialmente estruturados. Conceber o processo de aprendizagem como proprie- dade do sujeito não implica desvalorizar o papel determi- nante da interação com o meio social e, particularmente, com a escola. Ao contrário, situações escolares de ensino e aprendizagem são situações comunicativas, nas quais os alunos e professores atuam como corresponsáveis, ambos com uma influência decisiva para o êxito do processo. A abordagem construtivista integra, num único esque- ma explicativo, questões relativas ao desenvolvimento indi- vidual e à pertinência cultural, à construção de conhecimen- tos e à interação social. Considera o desenvolvimento pessoal como o processo mediante o qual o ser humano assume a cultura do grupo social a que pertence. Processo no qual o desenvolvimento pessoal e a aprendizagem da experiência humana cultural- mente organizada, ou seja, socialmente produzida e histo- ricamente acumulada, não se excluem nem se confundem, mas interagem. Daí a importância das interações entre crian- ças e destas com parceiros experientes, dentre os quais des- tacam-se professores e outros agentes educativos. O conceito de aprendizagem significativa, central na perspectiva construtivista, implica, necessariamente, o tra- balho simbólico de “significar” a parcela da realidade que se conhece. As aprendizagens que os alunos realizam na escola serão significativas à medida que conseguirem es- tabelecer relações substantivas e não-arbitrárias entre os conteúdos escolares e os conhecimentos previamente construídos por eles, num processo de articulação de no- vos significados. Cabe ao educador, por meio da intervenção pedagógi- ca, promover a realização de aprendizagens com o maior grau de significado possível, uma vez que esta nunca é absoluta — sempre é possível estabelecer alguma relação entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de observação, reflexão e informação que o sujeito já possui. A aprendizagem significativa implica sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa ela- borar hipóteses e experimentá-las. Fatores e processos afetivos, motivacionais e relacionais são importantes nessemomento. Os conhecimentos gerados na história pessoal e educativa têm um papel determinante na expectativa que o aluno tem da escola, do professor e de si mesmo, nas suas motivações e interesses, em seu autoconceito e em sua autoestima. Assim como os significados construídos pelo aluno estão destinados a ser substituídos por outros no transcurso das atividades, as representações que o alu- no tem de si e de seu processo de aprendizagem também. É fundamental, portanto, que a intervenção educativa es- colar propicie um desenvolvimento em direção à disponibi- lidade exigida pela aprendizagem significativa. Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma representação de si mesmo como alguém capaz. Se, ao contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se transformar em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em medo, para o qual a defesa possível é a manifestação de desinte- resse. A aprendizagem é condicionada, de um lado, pelas possibilidades do aluno, que englobam tanto os níveis de organização do pensamento como os conhecimentos e ex- periências prévias, e, de outro, pela interação com os ou- tros agentes. Para a estruturação da intervenção educativa é funda- mental distinguir o nível de desenvolvimento real do po- tencial. O nível de desenvolvimento real se determina como aquilo que o aluno pode fazer sozinho em uma situação determinada, sem ajuda de ninguém. O nível de desenvol- vimento potencial é determinado pelo que o aluno pode fazer ou aprender mediante a interação com outras pes- soas, conforme as observa, imitando, trocando ideias com elas, ouvindo suas explicações, sendo desafiado por elas ou contrapondo-se a elas, sejam essas pessoas o professor 61 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS ou seus colegas. Existe uma zona de desenvolvimento pró- ximo, dada pela diferença existente entre o que um aluno pode fazer sozinho e o que pode fazer ou aprender com a ajuda dos outros. De acordo com essa concepção, falar dos mecanismos de intervenção educativa equivale a falar dos mecanismos interativos pelos quais professores e colegas conseguem ajustar sua ajuda aos processos de construção de significados realizados pelos alunos no decorrer das ati- vidades escolares de ensino e aprendizagem. Existem ainda, dentro do contexto escolar, outros me- canismos de influência educativa, cuja natureza e funcio- namento em grande medida são desconhecidos, mas que têm incidência considerável sobre a aprendizagem dos alunos. Dentre eles destacam-se a organização e o fun- cionamento da instituição escolar e os valores implícitos e explícitos que permeiam as relações entre os membros da escola; são fatores determinantes da qualidade de ensino e podem chegar a influir de maneira significativa sobre o que e como os alunos aprendem. Os alunos não contam exclusivamente com o contexto escolar para a construção de conhecimento sobre conteúdos considerados escolares. A mídia, a família, a igreja, os amigos, são também fontes de influência educativa que incidem sobre o processo de construção de significado desses conteúdos. Essas influên- cias sociais normalmente somam-se ao processo de apren- dizagem escolar, contribuindo para consolidá-lo; por isso é importante que a escola as considere e as integre ao tra- balho. Porém, algumas vezes, essa mesma influência pode apresentar obstáculos à aprendizagem escolar, ao indicar uma direção diferente, ou mesmo oposta, daquela presen- te no encaminhamento escolar. É necessário que a escola considere tais direções e forneça uma interpretação dessas diferenças, para que a intervenção pedagógica favoreça a ultrapassagem desses obstáculos num processo articulado de interação e integração. Se o projeto educacional exige ressignificar o processo de ensino e aprendizagem, este precisa se preocupar em preservar o desejo de conhecer e de saber com que todas as crianças chegam à escola. Precisa manter a boa qualidade do vínculo com o conheci- mento e não destruí-lo pelo fracasso reiterado. Mas garan- tir experiências de sucesso não significa omitir ou disfarçar o fracasso; ao contrário, significa conseguir realizar a tarefa a que se propôs. Relaciona-se, portanto, com propostas e intervenções pedagógicas adequadas. O professor deve ter propostas claras sobre o que, quando e como ensinar e avaliar, a fim de possibilitar o pla- nejamento de atividades de ensino para a aprendizagem de maneira adequada e coerente com seus objetivos. É a partir dessas determinações que o professor elabora a pro- gramação diária de sala de aula e organiza sua intervenção de maneira a propor situações de aprendizagem ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos. Em síntese, não é a aprendizagem que deve se ajus- tar ao ensino, mas sim o ensino que deve potencializar a aprendizagem. Organização dos parâmetros curriculares nacionais A análise das propostas curriculares oficiais para o en- sino fundamental, elaborada pela Fundação Carlos Chagas, aponta dados relevantes que auxiliam a reflexão sobre a organização curricular e a forma como seus componentes são abordados. Segundo essa análise, as propostas, de forma geral, apontam como grandes diretrizes uma perspectiva demo- crática e participativa, e que o ensino fundamental deve se comprometer com a educação necessária para a formação de cidadãos críticos, autônomos e atuantes. No entanto, a maioria delas apresenta um descompasso entre os objeti- vos anunciados e o que é proposto para alcançá-los, entre os pressupostos teóricos e a definição de conteúdos e as- pectos metodológicos. A estrutura dos Parâmetros Curriculares Nacionais buscou contribuir para a superação dessa contradição. A integração curricular assume as especificidades de cada componente e delineia a operacionalização do processo educativo desde os objetivos gerais do ensino fundamen- tal, passando por sua especificação nos objetivos gerais de cada área e de cada tema transversal, deduzindo desses objetivos os conteúdos apropriados para configurar as reais intenções educativas. Assim, os objetivos, que defi- nem capacidades, e os conteúdos, que estarão a serviço do desenvolvimento dessas capacidades, formam uma unida- de orientadora da proposta curricular. Para que se possa discutir uma prática escolar que real- mente atinja seus objetivos, os Parâmetros Curriculares Na- cionais apontam questões de tratamento didático por área e por ciclo, procurando garantir coerência entre os pressu- postos teóricos, os objetivos e os conteúdos, mediante sua operacionalização em orientações didáticas e critérios de avaliação. Em outras palavras, apontam o que e como se pode trabalhar, desde as séries iniciais, para que se alcan- cem os objetivos pretendidos. As propostas curriculares oficiais dos Estados estão or- ganizadas em disciplinas e/ou áreas. Apenas alguns Muni- cípios optam por princípios norteadores, eixos ou temas, que visam tratar os conteúdos de modo interdisciplinar, buscando integrar o cotidiano social com o saber escolar. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, optou-se por um tratamento específico das áreas, em função da impor- tância instrumental de cada uma, mas contemplou-se tam- bém a integração entre elas. Quanto às questões sociais relevantes, reafirma-se a necessidade de sua problematiza- ção e análise, incorporando-as como temas transversais. As questões sociais abordadas são: ética, saúde, meio ambien- te, orientação sexual e pluralidade cultural. Quanto ao modo de incorporação desses temas no currículo, propõe-se um tratamento transversal, tendência que se manifesta em algumas experiências nacionais e in- ternacionais, em que as questões sociais se integram na própria concepção teórica das áreas e de seus componen- tes curriculares. 62 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS De acordo com os princípios já apontados, os conteú- dos são considerados como um meio para o desenvolvi- mento amplo do aluno e para a sua formação como ci- dadão. Portanto, cabeà escola o propósito de possibilitar aos alunos o domínio de instrumentos que os capacitem a relacionar conhecimentos de modo significativo, bem como a utilizar esses conhecimentos na transformação e construção de novas relações sociais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam os conteúdos de tal forma que se possa determinar, no mo- mento de sua adequação às particularidades de Estados e Municípios, o grau de profundidade apropriado e a sua melhor forma de distribuição no decorrer da escolaridade, de modo a constituir um corpo de conteúdos consistentes e coerentes com os objetivos. A avaliação é considerada como elemento favorece- dor da melhoria de qualidade da aprendizagem, deixan- do de funcionar como arma contra o aluno. É assumida como parte integrante e instrumento de auto-regulação do processo de ensino e aprendizagem, para que os objetivos propostos sejam atingidos. A avaliação diz respeito não só ao aluno, mas também ao professor e ao próprio sistema escolar. A opção de organização da escolaridade em ciclos, tendência predominante nas propostas mais atuais, é re- ferendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. A or- ganização em ciclos é uma tentativa de superar a segmen- tação excessiva produzida pelo regime seriado e de buscar princípios de ordenação que possibilitem maior integração do conhecimento. Os componentes curriculares foram formulados a par- tir da análise da experiência educacional acumulada em todo o território nacional. Pautaram-se, também, pela aná- lise das tendências mais atuais de investigação científica, a fim de poderem expressar um avanço na discussão em torno da busca de qualidade de ensino e aprendizagem. A organização da escolaridade em ciclos Na década de 80, vários Estados e Municípios reestru- turaram o ensino fundamental a partir das séries iniciais. Esse processo de reorganização, que tinha como objetivo político minimizar o problema da repetência e da evasão escolar, adotou como princípio norteador a flexibilização da seriação, o que abriria a possibilidade de o currículo ser trabalhado ao longo de um período de tempo maior e per- mitiria respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem que os alunos apresentam. Desse modo, a seriação inicial deu lugar ao ciclo básico com a duração de dois anos, tendo como objetivo propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada para a al- fabetização efetiva das crianças. As experiências, ainda que tenham apresentado problemas estruturais e necessidades de ajustes da prática, acabaram por mostrar que a organi- zação por ciclos contribui efetivamente para a superação dos problemas do desenvolvimento escolar. Tanto isso é verdade que, onde foram implantados, os ciclos se manti- veram, mesmo com mudanças de governantes. Os Parâmetros Curriculares Nacionais adotam a propos- ta de estruturação por ciclos, pelo reconhecimento de que tal proposta permite compensar a pressão do tempo que é inerente à instituição escolar, tornando possível distribuir os conteúdos de forma mais adequada à natureza do processo de aprendizagem. Além disso, favorece uma apresentação menos parcelada do conhecimento e possibilita as aproxi- mações sucessivas necessárias para que os alunos se apro- priem dos complexos saberes que se intenciona transmitir. Sabe-se que, fora da escola, os alunos não têm as mes- mas oportunidades de acesso a certos objetos de conheci- mento que fazem parte do repertório escolar. Sabe-se tam- bém que isso influencia o modo e o processo como atribui- rão significados aos objetos de conhecimento na situação escolar: alguns alunos poderão estar mais avançados na reconstrução de significados do que outros. Ao se falar em ritmos diferentes de aprendizagem, é preciso cuidado para não incorrer em mal-entendidos pe- rigosos. Uma vez que não há uma definição precisa e clara de quais seriam esses ritmos, os educadores podem ser le- vados a rotular alguns alunos como mais lentos que outros, estigmatizando aqueles que estão se iniciando na interação com os objetos de conhecimento escolar. No caso da aprendizagem da língua escrita, por exem- plo, se um aluno ingressa na primeira série sabendo escre- ver alfabeticamente, isso se explica porque seu ritmo é mais rápido ou porque teve múltiplas oportunidades de atuar como leitor e escritor? Se outros ingressam sem saber se- quer como se pega um livro, é porque são lentos ou porque estão interatuando pela primeira vez com os objetos com que os outros interatuam desde que nasceram? E, no caso desta última hipótese, por mais rápidos que possam ser, será que poderão em alguns dias percorrer o caminho que outros realizaram em anos? Outras vezes, o que se interpreta como “lentidão” é a expressão de dificuldades relacionadas a um sentimento de incapacidade para a aprendizagem que chega a causar blo- queios nesse processo. É fundamental que se considerem esses aspectos e é necessário que o professor possa intervir para alterar as si- tuações desfavoráveis ao aluno. Em suma, o que acontece é que cada aluno tem, habi- tualmente, desempenhos muito diferentes na relação com objetos de conhecimento diferentes e a prática escolar tem buscado incorporar essa diversidade de modo a garantir respeito aos alunos e a criar condições para que possam progredir nas suas aprendizagens. A adoção de ciclos, pela flexibilidade que permite, pos- sibilita trabalhar melhor com as diferenças e está plenamen- te coerente com os fundamentos psicopedagógicos, com a concepção de conhecimento e da função da escola que estão explicitados no item Fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Os conhecimentos adquiridos na escola passam por um processo de construção e reconstrução contínua e não por etapas fixadas e definidas no tempo. As aprendizagens não se processam como a subida de degraus regulares, mas como avanços de diferentes magnitudes. 63 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Embora a organização da escola seja estruturada em anos letivos, é importante uma perspectiva pedagógica em que a vida escolar e o currículo possam ser assumidos e trabalhados em dimensões de tempo mais flexíveis. Vale ressaltar que para o processo de ensino e aprendizagem se desenvolver com sucesso não basta flexibilizar o tempo: dispor de mais tempo sem uma intervenção efetiva para garantir melhores condições de aprendizagem pode ape- nas adiar o problema e perpetuar o sentimento negativo de autoestima do aluno, consagrando, da mesma forma, o fracasso da escola. A lógica da opção por ciclos consiste em evitar que o processo de aprendizagem tenha obstáculos inúteis, des- necessários e nocivos. Portanto, é preciso que a equipe pe- dagógica das escolas se co-responsabilize com o processo de ensino e aprendizagem de seus alunos. Para a concre- tização dos ciclos como modalidade organizativa, é neces- sário que se criem condições institucionais que permitam destinar espaço e tempo à realização de reuniões de pro- fessores, para discutir os diferentes aspectos do processo educacional. Ao se considerar que dois ou três anos de escolaridade pertencem a um único ciclo de ensino e aprendizagem, po- dem-se definir objetivos e práticas educativas que permi- tam aos alunos avançar continuadamente na concretização das metas do ciclo. A organização por ciclos tende a evi- tar as frequentes rupturas e a excessiva fragmentação do percurso escolar, assegurando a continuidade do processo educativo, dentro do ciclo e na passagem de um ciclo ao outro, ao permitir que os professores realizem adaptações sucessivas da ação pedagógica às diferentes necessidades dos alunos, sem que deixem de orientar sua prática pelas expectativas de aprendizagem referentes ao período em questão. Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão organiza- dos em ciclos de dois anos, mais pela limitação conjuntural em que estão inseridos do que por justificativas pedagógi- cas. Da forma como estão aqui organizados, os ciclos não trazem incompatibilidade com a atual estruturado ensino fundamental. Assim, o primeiro ciclo se refere às primeira e segunda séries; o segundo ciclo, à terceira e à quarta séries; e assim subsequentemente para as outras quatro séries. Essa estruturação não contempla os principais proble- mas da escolaridade no ensino fundamental: não une as quarta e quinta séries para eliminar a ruptura desastrosa que aí se dá e tem causado muita repetência e evasão, como também não define uma etapa maior para o início da escolaridade, que deveria (a exemplo da imensa maioria dos países) incorporar à escolaridade obrigatória as crian- ças desde os seis anos. Portanto, o critério de dois anos para a organização dos ciclos, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, não deve ser considerado como decorrência de seus princípios e fundamentações, nem como a única es- tratégia de intervenção no contexto atual da problemática educacional. A organização do conhecimento escolar: Áreas e Temas Transversais As diferentes áreas, os conteúdos selecionados em cada uma delas e o tratamento transversal de questões sociais constituem uma representação ampla e plural dos campos de conhecimento e de cultura de nosso tempo, cuja aquisição contribui para o desenvolvimento das capa- cidades expressas nos objetivos gerais. O tratamento da área e de seus conteúdos integra uma série de conhecimentos de diferentes disciplinas, que con- tribuem para a construção de instrumentos de compreen- são e intervenção na realidade em que vivem os alunos. A concepção da área evidencia a natureza dos conteúdos tratados, definindo claramente o corpo de conhecimentos e o objeto de aprendizagem, favorecendo aos alunos a construção de representações sobre o que estudam. Essa caracterização da área é importante também para que os professores possam se situar dentro de um conjunto defi- nido e conceitualizado de conhecimentos que pretendam que seus alunos aprendam, condição necessária para pro- ceder a encaminhamentos que auxiliem as aprendizagens com sucesso. Se é importante definir os contornos das áreas, é tam- bém essencial que estes se fundamentem em uma con- cepção que os integre conceitualmente, e essa integração seja efetivada na prática didática. Por exemplo, ao traba- lhar conteúdos de Ciências Naturais, os alunos buscam informações em suas pesquisas, registram observações, anotam e quantificam dados. Portanto, utilizam-se de co- nhecimentos relacionados à área de Língua Portuguesa, à de Matemática, além de outras, dependendo do estudo em questão. O professor, considerando a multiplicidade de conhecimentos em jogo nas diferentes situações, pode tomar decisões a respeito de suas intervenções e da manei- ra como tratará os temas, de forma a propiciar aos alunos uma abordagem mais significativa e contextualizada. Para que estes parâmetros não se limitassem a uma orientação técnica da prática pedagógica, foi considerada a fundamentação das opções teóricas e metodológicas da área para que, a partir destas, seja possível instaurar refle- xões sobre a proposta educacional indicada. Na apresen- tação de cada área são abordados os seguintes aspectos: descrição da problemática específica da área por meio de um breve histórico no contexto educacional brasileiro; jus- tificativa de sua presença no ensino fundamental; funda- mentação epistemológica da área; sua relevância na socie- dade atual; fundamentação psicopedagógica da proposta de ensino e aprendizagem da área; critérios para organiza- ção e seleção de conteúdos e objetivos gerais da área para o ensino fundamental. A partir da Concepção de Área assim fundamentada, segue-se o detalhamento da estrutura dos Parâmetros Curriculares para cada ciclo (primeiro e segundo), especifi- cando Objetivos e Conteúdos, bem como Critérios de Ava- liação, Orientações para Avaliação e Orientações Didáticas. 64 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Se a escola pretende estar em consonância com as deman- das atuais da sociedade, é necessário que trate de questões que interferem na vida dos alunos e com as quais se veem confron- tados no seu dia-a-dia. As temáticas sociais, por essa importân- cia inegável que têm na formação dos alunos, já há muito têm sido discutidas e frequentemente incorporadas aos currículos das áreas ligadas às Ciências Naturais e Sociais, chegando até mesmo, em algumas propostas, a constituir novas áreas. Mais recentemente, algumas propostas indicaram a ne- cessidade do tratamento transversal de temáticas sociais na escola, como forma de contemplá-las na sua complexidade, sem restringi-las à abordagem de uma única área. Adotando essa perspectiva, as problemáticas sociais são integradas na proposta educacional dos Parâmetros Curri- culares Nacionais como Temas Transversais. Não constituem novas áreas, mas antes um conjunto de temas que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a con- cepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória. A transversalidade pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso das relações interpessoais e sociais escolares com as questões que estão envolvidas nos temas, a fim de que haja uma coerência entre os valores experimenta- dos na vivência que a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com tais valores. As aprendizagens relativas a esses temas se explicitam na organização dos conteúdos das áreas, mas a discussão da con- ceitualização e da forma de tratamento que devem receber no todo da ação educativa escolar está especificada em textos de fundamentação por tema. O conjunto de documentos dos Temas Transversais com- porta uma primeira parte em que se discute a sua necessidade para que a escola possa cumprir sua função social, os valores mais gerais e unificadores que definem todo o posicionamen- to relativo às questões que são tratadas nos temas, a justifi- cativa e a conceitualização do tratamento transversal para os temas sociais e um documento específico para cada tema: Éti- ca, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, eleitos por envolverem problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mesmo de caráter universal. A grande abrangência dos temas não significa que devam ser tratados igualmente; ao contrário, exigem adaptações para que possam corresponder às reais necessidades de cada re- gião ou mesmo de cada escola. As características das questões ambientais, por exemplo, ganham especificidades diferentes nos campos de seringa no interior da Amazônia e na periferia de uma grande cidade. Além das adaptações dos temas apresentados, é impor- tante que sejam eleitos temas locais para integrar o compo- nente Temas Transversais; por exemplo, muitas cidades têm elevadíssimos índices de acidentes com vítimas no trânsito, o que faz com que suas escolas necessitem incorporar a edu- cação para o trânsito em seu currículo. Além deste, outros te- mas relativos, por exemplo, à paz ou ao uso de drogas podem constituir subtemas dos temas gerais; outras vezes, no entanto, podem exigir um tratamento específico e intenso, dependen- do da realidade de cada contexto social, político, econômico e cultural. Nesse caso, devem ser incluídos como temas básicos. Objetivos Os objetivos propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais concretizam as intenções educativas em termos de capacidades que devem ser desenvolvidas pelos alunos ao longo da escolaridade. A decisão de definir os objetivos educacionais em ter- mos de capacidades é crucial nesta proposta, pois as capa- cidades, uma vez desenvolvidas, podem se expressar numa variedade de comportamentos. O professor, consciente de que condutas diversas podem estar vinculadas ao desen- volvimento de uma mesma capacidade, tem diante de si maiores possibilidades de atender à diversidade de seus alunos. Assim, os objetivos se definem em termos de capacida- des de ordem cognitiva, física, afetiva, de relação interpes- soal e inserçãosocial, ética e estética, tendo em vista uma formação ampla. A capacidade cognitiva tem grande influência na pos- tura do indivíduo em relação às metas que quer atingir nas mais diversas situações da vida, vinculando-se diretamente ao uso de formas de representação e de comunicação, en- volvendo a resolução de problemas, de maneira consciente ou não. A aquisição progressiva de códigos de represen- tação e a possibilidade de operar com eles interfere dire- tamente na aprendizagem da língua, da matemática, da representação espacial, temporal e gráfica e na leitura de imagens. A capacidade física engloba o autoconhecimento e o uso do corpo na expressão de emoções, na superação de estereotipias de movimentos, nos jogos, no desloca- mento com segurança. A afetiva refere-se às motivações, à autoestima, à sensibilidade e à adequação de atitudes no convívio social, estando vinculada à valorização do resul- tado dos trabalhos produzidos e das atividades realizadas. Esses fatores levam o aluno a compreender a si mesmo e aos outros. A capacidade afetiva está estreitamente ligada à capacidade de relação interpessoal, que envolve com- preender, conviver e produzir com os outros, percebendo distinções entre as pessoas, contrastes de temperamento, de intenções e de estados de ânimo. O desenvolvimento da inter-relação permite ao aluno se colocar do ponto de vista do outro e a refletir sobre seus próprios pensamentos. No trabalho escolar o desenvolvimento dessa capacidade é propiciado pela realização de trabalhos em grupo, por práticas de cooperação que incorporam formas participa- tivas e possibilitam a tomada de posição em conjunto com os outros. A capacidade estética permite produzir arte e apreciar as diferentes produções artísticas produzidas em diferentes culturas e em diferentes momentos históricos. A capacidade ética é a possibilidade de reger as próprias ações e tomadas de decisão por um sistema de princípios segundo o qual se analisam, nas diferentes situações da vida, os valores e opções que envolvem. A construção in- terna, pessoal, de princípios considerados válidos para si e para os demais implica considerar-se um sujeito em meio a outros sujeitos. O desenvolvimento dessa capacidade permite considerar e buscar compreender razões, nuanças, condicionantes, consequências e intenções, isto é, permite 65 CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS a superação da rigidez moral, no julgamento e na atua- ção pessoal, na relação interpessoal e na compreensão das relações sociais. A ação pedagógica contribui com tal de- senvolvimento, entre outras formas afirmando claramente seus princípios éticos, incentivando a reflexão e a análise crítica de valores, atitudes e tomadas de decisão e pos- sibilitando o conhecimento de que a formulação de tais sistemas é fruto de relações humanas, historicamente si- tuadas. Quanto à capacidade de inserção social, refere-se à possibilidade de o aluno perceber-se como parte de uma comunidade, de uma classe, de um ou vários grupos sociais e de comprometer-se pessoalmente com questões que considere relevantes para a vida coletiva. Essa capacidade é nuclear ao exercício da cidadania, pois seu desenvolvimen- to é necessário para que se possa superar o individualismo e atuar (no cotidiano ou na vida política) levando em conta a dimensão coletiva. O aprendizado de diferentes formas e possibilidades de participação social é essencial ao desen- volvimento dessa capacidade. Para garantir o desenvolvimento dessas capacidades é preciso uma disponibilidade para a aprendizagem de modo geral. Esta, por sua vez, depende em boa parte da história de êxitos ou fracassos escolares que o aluno traz e vão determinar o grau de motivação que apresentará em relação às aprendizagens atualmente propostas. Mas de- pende também de que os conteúdos de aprendizagem te- nham sentido para ele e sejam funcionais. O papel do pro- fessor nesse processo é, portanto, crucial, pois a ele cabe apresentar os conteúdos e atividades de aprendizagem de forma que os alunos compreendam o porquê e o para que do que aprendem, e assim desenvolvam expectativas po- sitivas em relação à aprendizagem e sintam-se motivados para o trabalho escolar. Para tanto, é preciso considerar que nem todas as pessoas têm os mesmos interesses ou habilidades, nem aprendem da mesma maneira, o que muitas vezes exige uma atenção especial por parte do professor a um ou ou- tro aluno, para que todos possam se integrar no processo de aprender. A partir do reconhecimento das diferenças existentes entre pessoas, fruto do processo de socialização e do desenvolvimento individual, será possível conduzir um ensino pautado em aprendizados que sirvam a novos aprendizados. A escola preocupada em fazer com que os alunos de- senvolvam capacidades ajusta sua maneira de ensinar e seleciona os conteúdos de modo a auxiliá-los a se adequa- rem às várias vivências a que são expostos em seu universo cultural; considera as capacidades que os alunos já têm e as potencializa; preocupa-se com aqueles alunos que en- contram dificuldade no desenvolvimento das capacidades básicas. Embora os indivíduos tendam, em função de sua natu- reza, a desenvolver capacidades de maneira heterogênea, é importante salientar que a escola tem como função po- tencializar o desenvolvimento de todas as capacidades, de modo a tornar o ensino mais humano, mais ético. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, na explicitação das mencionadas capacidades, apresentam inicialmente os Objetivos Gerais do ensino fundamental, que são as gran- des metas educacionais que orientam a estruturação cur- ricular. A partir deles são definidos os Objetivos Gerais de Área, os dos Temas Transversais, bem como o desdobra- mento que estes devem receber no primeiro e no segundo ciclos, como forma de conduzir às conquistas intermediá- rias necessárias ao alcance dos objetivos gerais. Um exem- plo de desdobramento dos objetivos é o que se apresenta a seguir. - Objetivo Geral do Ensino Fundamental: utilizar dife- rentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica, corporal — como meio para expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura. - Objetivo Geral do Ensino de Matemática: analisar in- formações relevantes do ponto de vista do conhecimento e estabelecer o maior número de relações entre elas, fazen- do uso do conhecimento matemático para interpretá-las e avaliá-las criticamente. - Objetivo do Ensino de Matemática para o Primeiro Ciclo: identificar, em situações práticas, que muitas infor- mações são organizadas em tabelas e gráficos para facilitar a leitura e a interpretação, e construir formas pessoais de registro para comunicar informações coletadas. Os objetivos constituem o ponto de partida para se refletir sobre qual é a formação que se pretende que os alunos obtenham, que a escola deseja proporcionar e tem possibilidades de realizar, sendo, nesse sentido, pontos de referência que devem orientar a atuação educativa em to- das as áreas, ao longo da escolaridade obrigatória. Devem, portanto, orientar a seleção de conteúdos a serem apren- didos como meio para o desenvolvimento das capacidades e indicar os encaminhamentos didáticos apropriados para que os conteúdos estudados façam sentido para os alunos. Finalmente, devem constituir-se uma referência indireta da avaliação da atuação pedagógica da escola. As capacidades expressas nos Objetivos dos Parâme- tros Curriculares Nacionais são propostas como referenciais gerais e demandam adequações a serem realizadas nos ní- veis de concretização curricular das secretarias estaduais e municipais, bem como das escolas, a fim de atender às demandas específicas de cada localidade. Essa adequação pode ser feita mediante a redefinição de graduações e o reequacionamento de prioridades, desenvolvendo alguns aspectos e acrescentando outros que não estejam explí- citos. Conteúdos Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem uma mudança de enfoque