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CULTURA LÚDICA HÍBRIDA: Práticas Inovadoras Marcos Teodorico Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Sirlândia Reis de Oliveira Texeira Maria Celia Rabello Malta Campos (Org.)(Organizadores) Marcos Teodorico Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Marcos Teodorico Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira Maria Celia Rabello Malta Campos (Organizadores) CULTURA LÚDICA HÍBRIDA: PRÁTICAS INOVADORAS 2020 Fortaleza - Ceará Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira Maria Celia Rabello Malta Campos (Organizadores) CULTURA LÚDICA HÍBRIDA: PRÁTICAS INOVADORAS 2020 Fortaleza - Ceará Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Perpétua Socorro Tavares Guimarães CRB 3/801-98 Cultura lúdica híbrida: práticas inovadoras / Organização de Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Beatriz Picolo Gimenes, Sirlândia Reis de Oliveira Tei- xeira, Maria Celia Rabello Malta Campos. Fortaleza: Instituto Nexos, 2020. 349 p. :il. ISBN: 978-65-81709-00-6 1. Lúdico 2. CuItura lúdica I. Almeida, Marcos Teodorico Pinheiro de II. Gimenes, Beatriz Picolo III. Teixeira, Sirlândia Reis de OLiveira IV. Campos, Maria Celia Rabello Malta IV. Título CDD: 372.21 Cultura lúdica híbrida: práticas inovadoras © 2020 Copyright by Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Beatriz Picolo Gimenes, Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira, Maria Celia Rabello Malta Campos. Todos os direitos reservados Editor Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida Arte da Capa Luciana Ferreira de Albuquerque Programação Visual e Diagramação Valdianio Araújo Macedo Revisão Os autores Tipo de Suporte E-book Formato E-book PDF Edição Instituto NEXOS Instituto Nexos: Educação, Cultura, Esporte e Lazer Av. Santos Dumont, 2456, sala 301, bairro Aldeota, - Ed. Corporate Plaza - CEP: 60.160-230 CNPJ. 34.789.352-0001-90 E-mail: contato@institutonexos.com.br Site: www.institutonexos.com.br DIRETORIA/CONSELHO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BRINQUEDOTECAS - ABBri (Período 2018/2024) DIRETORIA EXECUTIVA Maria Celia Rabello Malta Campos - Presidente Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Vice-Presidente Daniela Linhares - 1ª Secretária Marisa Schahin - 2ª. Secretaria Vera Melis - 1ª Tesoureira Maria Cecília A� alo - 2ª Tesoureira MEMBRO VITALICIO Maria Ângela Carneiro Barbato Vera Maria Barros de Oliveira CONSELHO CORRESPONDENTE Leila Lira Peters Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida Tânia Ramos Fortuna CONSELHO FISCAL Aidyl M. Queiroz Pérez Ramos Drauzio Viegas Lucy Alves Correia CONSELHO CONSULTIVO Angela Madeira Beatriz Piccolo Gimenes Circea Ribeiro Cleusa Kazue Sakamoto Edda Bomtempo Edna Marchini Eliana Tarzia Emile Miachon Fábio Santos Ingrid Fabian Cadore Lino de Macedo Luana Carramillo Going Maria do Carmo Kobayashi Marta Giardini Mônica Pinazza Neide No$ s Patricia Smith Rosa Maria Lopes A$ onso Tereza Mirian Meyer Pires CURRÍCULOS DOS ORGANIZADORES MARCOS TEODORICO PINHEIRO DE ALMEIDA Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) do Instituto de Educação Física e Espor- tes (IEFES). Doutor pela Universidade de Bar- celona (UB). Mestre em Educação da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação pela Universidade de Bar- celona (UB). Graduado em Educação Física. Coordenador do Centro de Estudo sobre Lu- dicidade e Lazer (CELULA) e Coordenador da Unidade Móvel Brincarmóvel da Universidade Federal do Ceará. Conselheiro da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri). BEATRIZ PICOLO GIMENES Doutoranda em Ciências (EPE-UNIFESP). Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP). Psicóloga clínica (UniGrandeABC) e Licen- ciada em Matemática (FFCLFundação Sto. André). Especializações: Psicopedagogia Clí- nica (UMESP); Psicobiofísica (UniICEspí- rito/ Zootecnia-USP); Terapia Familiar em Hospital (Psiq. UNIFESP-EPM); Terapeuta em Baixa Visão (Oftalm. UNIFESP- EPM); Psicoterapia Corporal (NENeo-Reich Brasilda Rocha); TDAH e Dislexia (FMABC). Mem- bro dos Grupos: Estudos do Brinquedo “Ge- Brinq” (UNIFESP) e de Trabalho “Brincar: Aprendizagem e Saúde” (ANPEPP). Membro da ABBri, ABPp, APTF e ITLA. Docente em Pós-Graduações. SIRLÂNDIA REIS DE OLIVEIRA TEIXEIRA Professora do Centro de Formação de Profes- sores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Doutora em Educação pela Universida- de de São Paulo (USP), Mestre em Psicologia, Psicopedagoga, Bacharel em Psicologia e Licen- ciada em Pedagoga. Experiências nos seguintes temas: pesquisa e extensão, atendimento clíni- co, palestras motivacionais em gestão de pesso- as, formação de professores e coordenação de cursos sobre brinquedoteca escolar e hospitalar. Membro da presidência da Associação Brasilei- ra de Brinquedotecas. Membro da Internatio- nal Toy Library Association (ITLA). MARIA CELIA RABELLO MALTA CAMPOS Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvol- vimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Pedagoga com especialização em Psicopedagogia, atuando na clínica psicopedagógica, na formação continu- ada de educadores e na consultoria escolar. Foi membro diretor, presidente e editora da Revista Psicopedagogia da Associação Brasileira de Psi- copedagogia-ABPp. Atualmente integra o Con- selho Vitalício desta entidade. É atual presiden- te da Associação Brasileira de Brinquedotecas - ABBri. CURRÍCULO DOS AUTORES ALEXSANDRA OLIVEIRA TEIXEIRA DE ANDRADE Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão -UFMA. Auxiliar de Creche da Rede Básica de Ensino do Município de Imperatriz-MA. ANA CLAUDIA ACERBI RODRIGUES Enfermeira. Mestre em Ciências pela EPE/UNIFESP e Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem – EPE/UNIFESP. Enfermeira do Serviço de Hemo$ lia e outras Coagulopatias Heredi- tárias da UNIFESP. ANA CRISTINA DE MORAES Doutora em Educação pela UNICAMP, Mestre em Educação pela UFC, Especialista em Metodologia do Ensino de Artes (UECE) e em Políticas Sociais (UNB). Graduada em Serviço Social pela UECE. Pro- fessora adjunta da UECE. ANGELO CECCATTO CRUZ SANTANA Estudante de Música ingressante no semestre 2018.1. Coralista no Coral do Instituto de Cultura e Arte da UFC. Formado na Extensão em Teclado do Instituto Federal do Ceará. Voluntário do LAPEDI/ LABPAN – FACED/UFC. ARTHUR PETRONE BRASIL FERNANDES Estudante de graduação em Licenciatura Matemática pela UFC. Bol- sista do LAPEDI/LABPAN – FACED/UFC. BEATRIZ PICOLO GIMENES Doutoranda em Ciências (EPE-UNIFESP). Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP). Psicóloga clínica (UniGrandeABC) e Licenciada em Matemática (FFCLFundação Sto. André). Especializações: Psicopeda- gogia Clínica (UMESP); Psicobiofísica (UniICEspírito/ Zootecnia- -USP); Terapia Familiar em Hospital (Psiq. UNIFESP-EPM); Tera- peuta em Baixa Visão (Oftalm. UNIFESP- EPM); Psicoterapia Cor- poral (NENeo-Reich Brasilda Rocha); TDAH e Dislexia (FMABC). Membro dos Grupos: Estudos do Brinquedo “GeBrinq” (UNIFESP) e de Trabalho “Brincar: Aprendizagem e Saúde” (ANPEPP). Membro da ABBri, ABPp, APTF e ITLA. Docente em Pós-Graduações. CAROLINE MONTEIRO SENA SATO Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual do Para, Residente em Pediatria no Hospital Infantil Albert Sabin pelo programa de Residência Multipro! ssional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP – CE), experiência em transtornos invasivos do desen-volvimento. CELIA REGINA NAKANAMI Mestre e Doutor em Oftalmologia (UNIFESP), Diplopma em Community Eye Health (London School of Hygiene and Tropical Medicine), Chefe do Núcleo de Oftalmopediatria e Chefe do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual (UNIFESP). Presidente da Socieda- de Brasileira.Oftalmologia Pediátrica (SBOP - 2009-2011), Oftalmo- logista Efetivo da SMS-SP e da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. CHARLLINE VLÁDIA SILVA DE MELO Mestrado em Microbiologia Médica Especialista em Bioquímica e Biologia Molecular, Pedagoga, Licenciada em Biologia, atualmente atua na área de educação em ensino lúdico de ciências com ênfase em produção de materiais interativos e formação de docente e discentes que favoreçam a divulgação e a vulgarização da ciência. CICERA CARLA DO NASCIMENTO OLIVEIRA Possui mestrado em Ensino de Ciências e Matemática (2016) pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Busca inserir em suas aulas o uso de recursos digitais que potencializem o ensino. É especialista em Física e Matemática (2011) pela Faculdade de Juazeiro do Norte - FJN e licenciada em Matemática (2008) pela Universidade Regional do Ca- riri - URCA. CIRCÉA AMÁLIA RIBEIRO Enfermeira. Doutora em Enfermagem/ EE-USP. Líder do GEBrinq. Docente EPE-UNIFESP. CLARICE MARIA HOLANDA LAGE MORAIS Fotografa do experimento realizado em São Benedito-CE em 2018 pelo LABPAN/LAPEDI-FACED/UFC. EDMARA BAZONI SOARES MAIA Enfermeira pediatra. Especialista em Enfermagem Pediátrica e Ne- onatal. Mestre e Doutora em Enfermagem pela Universidade Fe- deral de São Paulo. Pós-Doutora pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Gru- po de Estudos do Brinquedo (GEBrinq). Professora Visitante do Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de En- fermagem-UNIFESP. ELAINE PRODÓCIMO Possui mestrado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (1994) e doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atualmente é livre docente da Univer- sidade Estadual de Campinas. ELOISA ROSOTTI NAVARRO Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos - Ufscar. Mestre em Educação em Ciência e em Matemática pela Uni- versidade Federal do Paraná - UFPR. Licenciada em Matemática pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2012). EVANDRO RODRIGUES DOS SANTOS Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Ceará (2018). Possui Especialização em Matemática e Física pela Faculdade de Juazeiro do Norte (2011), Licenciatura em Matemática pela Universidade Regional do Cariri (2008). Atuou como professor substituto na Universidade Regional do Cariri - URCA, Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central - FECLESC/UECE Universidade Estadual do Ceará. Atualmente sou professor da rede estadual de educação básica. GILSON SANTOS RODRIGUES Possui graduação - bacharelado (2014) e licenciatura (2015) - em Edu- cação Física pela Universidade Estadual de Campinas. Mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (2018) e Doutorando em Educação Física pela Unicamp. GLAUDINEY MOREIRA MENDONÇA JUNIOR Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Estadual do Ceará (2002) e mestrado em Ciência da Computação pela Uni- versidade Federal do Ceará (2005). Atualmente é professor da Uni- versidade Federal do Ceará, lotado no Instituto UFC Virtual minis- trando aulas no curso de Bacharelado em Sistemas e Mídias Digitais. Tem experiência na área de Jogos, Narrativas, Mitologia e Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Jogos de Tabuleiro, Design de Jogos, Gami# cação, Narrativas Multimídia, Psicologia Analítica e Mitologia Grega. JAMILA HUNÁRA DA SILVA SANTOS Mestranda em Educação pela UECE, Pós-graduada em Psicopedago- gia Clínica e Institucional pela FMB e Graduada em Psicologia pela UNICATÓLICA, membra do Grupo Investigação em Arte, Educação e História (IARTEH). Professora horista da FADAM. JEFERSON ANTUNES Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC, Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável pela UFCA, gra- duado em Licenciatura Plena em História pela URCA. Coordena o projeto de Laboratório Interdisciplinar de Jogos Colaborativos, onde atua como consultor educacional, palestrante e professor em cursos; mantém o canal de divulgação cientí# ca Pesquisa & Jogos, voltado a divulgar trabalhos cientí# cos relevantes do campo da pesquisa em jogos, dialogando entre a ciência e os jogos e suas diversas potenciali- dades como manifestação cultural. Como pesquisador atua realizando pesquisas nas áreas de metodologias educativas, ensino cooperativo, jogos cooperativos, tecnologias da informação e da comunicação, mé- todos e técnicas de pesquisa (com foco nos métodos mistos de pesqui- sa) e áreas a# ns. JEFFERSON GOMES BRITO Estudante de Pedagogia da FACED/UFC. Bolsista PIBIC/UFC do LAPEDI/LABPAN – FACED/UFC. JOSÉ CÉSAR PONTES MOREIRA Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2001) e mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (2008). Atualmente é doutorando em Educação pela FACED/ UFC e economista - técnico - classe E da Universidade Federal do Ceará. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia, atuan- do principalmente nos seguintes temas: administração pública, agricul- tura familiar, gestão pública, serviço público e cooperativismo. JOSÉ JARDIER TEIXEIRA Cursando Educação Física no Instituto de Educação Física e Esportes - IEFES na Universidade Federal do Ceará - UFC. Atuação com ati- vidades de recreação e lazer em festas infantis. Pesquisador na área da educação humana e sensível. JOSÉ ROGÉRIO SANTANA Possui graduação em pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com formação em Educação Matemática. Mestre e Doutor em Educação com área de pesquisa em Educação Matemática e Tec- nologias Digitais pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui Pós-doutorado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na linha de Pesquisa História da Educação. É Professor Associado da Univer- sidade Federal do Ceará na Faculdade de Educação (FACED/UFC) trabalhando com Tecnologias Digitais na Educação, bem como, com Práticas Culturais Digitais. Possui experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia Educacional e Educação a Distância, Atua nos nos seguintes temas: robótica educacional, informática educati- va, educação a distância, educação matemática, geometria dinâmica e formação de professores e metodologias educacionais. Também de- senvolve trabalhos sobre a relação Imagem e Memória na perspectiva da Pedagogia das Imagens Culturais e da História e Memória. Parti- cipa do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da UFC (FACED/UFC), bem como, do Mestrado Pro& ssional em Ensino de Ciências e Matemática (ENCIMA/UFC). Atualmente é supervisor de Pós-doutorado na FACED/UFC e desenvolve trabalhos de Coordena- ção de um Grupo de Robótica Educacional JOZECY DE JESUS SILVA Licenciado em Pedagogia pelo Programa Nacional de Formação de Professores da Universidade Federal do Maranhão – PARFOR/UFMA. Professor de artes da Rede Básica de Ensino do Município de Lago da Pedra-MA. KÉSSIA MILENY DE PAULO MOURA Professora do Curso de Pedagogia do Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão- CCSST/UFMA. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informática na Educa- ção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGIE/UFRGS. Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraiba – UFPB. Li- cenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraiba – UFPB. LUANA CAETANO DE MEDEIROS LIMA Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Educação Infantil pela Faculdade 7 de Setem- bro (FA7). Professora de Educação Física da EEMTI Adahil Barreto Cavalcante. Coordenadora Pedagógica do Programa de ExtensãoCen- tro de Estudos sobre Ludicidade e Lazer (CELULA), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente centra seus estudos na área da infância, juventude e cultura lúdica. LUANA CARRAMILLO GOING Doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Psicologia Es- colar pela Universidade de São Paulo e Doutora em Educação: Cur- rículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente do Programa de Mestrado em Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públicas e do curso de Psicologia da Universidade Católica de Santos. Membro do Grupo de Trabalho Brinquedo, Aprendizagem e Saúde, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Faz parte da Cátedra Paulo Freire, da Universidade Cató- lica de Santos. E-mail: luanagoing@gmail.com. LUCAS JACKSON CORREIA LIMA Diretor de Desenvolvimento da SERH Consultoria, Tecnólogo em Gestão Desportiva e de Lazer, pós-graduando em Gestão e gerencia- mento de projetos. Atua nas áreas de Gestão de Pessoas, Relaciona- mento Interpessoal, Liderança, Planejamento Estratégico, Softskills, tendências em desenvolvimento, etc. Pesquisador em gami$ cação, bu- siness games e gerenciamento de projetos pela metodologia PMBoK. Músico autodidata e facilitar das intervenções em percussão corporal em ambiente corporativo. É Diretor de Desenvolvimento da SERH Consultoria. E-mail: lucasjclima@gmail.com. LUCIANA DE LIONE MELO Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, com Pós Doutorado pela EPE - UNIFESP. Orientadora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Facul- dade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas – FEnf/ UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos da Criança, Adolescente e Família – GECAF e pesquisadora do GEBrinq. MARCIA CAIRES BESTILLEIRO LOPES Doutora em Neurociências e Comportamento/ USP e Mestre em Ci- ências Visuais pela Oftalmologia-UNIFESP. Fisioterapeuta responsá- vel pelo Ambulatório de Estimulação Visual Precoce da UNIFESP. Te- rapeuta em Baixa Visão pela Santa Casa de Misericórdia em São Paulo. MÁRCIA DUARTE MEDEIROS Graduada em Processamento de Dados pela Universidade Federal do Ceará . Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Mes- tre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará e Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Feral do Ceará. .Professora nos cursos de graduação em Administração, Gestão de Pessoas, Engenharia e Psicologia no Centro Universitário UniFANOR-WYDEN. Professo- ra tutora e formadora nos cursos semi-presenciais da UAB-UFC. Co- ordenadora de Projetos no Grupo de Pesquisa e Produção em Ambien- tes Interativos e Objetos de Aprendizagem (PROATIVA) . Tem como temas de pesquisa e interesse: psicologia e tecnologia, informatica edu- cativa, jogos eletrônicos, games, tecnologia educacional, tecnologia e subjetividade, formação de professores/tutores e educação a distância. MARCOS PAULO ALVES SANTANA Graduado em Marketing, pela Universidade Farias Brito, com experiência em administração, gerência comercial e marketing. Cursando Educação Física no Instituto de Educação Física e Esportes - IEFES na Universidade Federal do Ceará - UFC. Gestor na Tô de brinks empresa de animação e treinamento. Idealizador da RENOBARI, onde trabalha com pacientes da cirurgia bariátrica. Pesquisador na área de atividade física e saúde, � siologia humana. Atuação em atividades de recreação e lazer. MARCOS TEODORICO PINHEIRO DE ALMEIDA Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) do Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES). Doutor pela Universidade de Barcelona (UB). Mestre em Educação da América Latina pela Univer- sidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação pela Universidade de Barcelona (UB). Graduado em Educação Física. Coordenador do Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer (CELULA) e Coordena- dor da Unidade Móvel Brincarmóvel da Universidade Federal do Ce- ará. Conselheiro da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri). MICHAEL PEDROZA DA COSTA Graduando em pedagogia pela Faculdade de Educação, Ciências e Le- tras de Iguatu - FECLI/UECE. Bolsista do projeto de extensão Brin- quedoteca: espaço lúdico para Brinc(ri)ar. MONALIZA BARROSO DOS REIS Cursando Educação Física no Instituto de Educação Física e Esportes - IEFES na Universidade Federal do Ceará - UFC. Atuação com ativi- dades de recreação e lazer em festas infantis. MÔNICA SERPA Graduada em Pedagogia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Pós- -Graduada em Gestão Escolar pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. NIVEA MARIA DO NASCIMENTO BARROS Terapeuta ocupacional pela Universidade de Fortaleza e pós-graduação em neurociências e reabilitação, Residente em Pediatria no Hospital Infantil Albert Sabin pelo programa de Residência Multipro� ssional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE). ROGÉRIO DE MELO GRILLO Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2014). Possui Mestrado em Educação pela Universi- dade São Francisco (2012), campus Itatiba/SP. Licenciatura Plena em Educação Física (2005) e Especialização em Educação Física Escolar (2007) pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais/SP. SIRLÂNDIA REIS DE OLIVEIRA TEIXEIRA Professora do Centro de Formação de Professores da Universidade Fe- deral do Recôncavo da Bahia. Doutora em Educação pela Universida- de de São Paulo (USP), Mestre em Psicologia, Psicopedagoga, Bacharel em Psicologia e Licenciada em Pedagoga. Experiências nos seguintes temas: pesquisa e extensão, atendimento clínico, palestras motivacio- nais em gestão de pessoas, formação de professores e coordenação de cursos sobre brinquedoteca escolar e hospitalar. Membro da presidên- cia da Associação Brasileira de Brinquedotecas. Membro da Internatio- nal Toy Library Association (ITLA). SÔNIA PASCARETTA Graduada em Pedagogia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Pós-Graduada em Ciência da Educação pela Faculdade Evolução. TÂNIA MARIA DE SOUSA FRANÇA Professora da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu- -FECLI /UECE. coordenadora do projeto de extensão Brinquedoteca: espaço lúdico para brinc(ri)ar. TIAGO EFREM ANDREETA Mestre em Práticas Docentes no Ensino Fundamental pela Universi- dade Metropolitana de Santos. Formador de professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental I pela Seção de Formação Continuada da Secretaria de Educação de Santos. Vínculo Institucional: Professor de Educação Básica da Prefeitura de Santos - SP. E-mail: prof.tiagoe- frem@gmail.com. WISLHYANE MONIKY LOPES DE OLIVEIRA Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Residente em Pediatria no Hospital Infantil Albert Sabin pelo pro- grama de Residência Multipro" ssional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE). PREFÁCIO Alegria de Brincar Estava sentado em um banco no hall de um centro cultural e observei uma cena que imediatamente me fez lembrar que tinha o con- vite para escrever o prefácio desse livro. Meus sentidos estavam atentos e meu corpo preparado para brincar. Um grupo de adultos e crianças ocupava o espaço que estava bem tranquilo. Os adultos estavam mais ou menos organizados em grupos de dois, no máximo três. Na cadência de passos lentos e vez por ou- tra parando, eles conversavam seriamente, e iam avançando pelo hall rumo à saída. Assunto de adulto era certamente o teor das conversas! Uns gesticulavam, outros falavam mais alto, uns faziam uma cara de pouca satisfação, e de quando em vez era possível vê sorrisos, mas esses bem comedidos. As crianças por sua vez estavam todas alegres em unís- sono. Elas serpenteavam o grupo de adultos correndo freneticamente praticando uma brincadeira que eu adorava quando criança, a brin- cadeira do “toca” (também chamada de pega-pega). Essa brincadeira sempre foi a minha preferida e continuo achando. É só correr. E até hoje eu gosto de correr. Não precisa de nenhum objeto para brincar. É uma brincadeira na qual o nosso corpo é autossu� ciente,precisa- mos apenas do chão. E se tiver obstáculos, objetos, eles são incorpo- rados naturalmente, tornando ainda mais divertido. Aquelas crianças brincavam com tanta alegria, que só de olhar dava alegria. E talvez de tanto me verem observando (e rindo da) algazarra deles, uma criança veio até onde eu estava sentado e disse: “Tio, vem correr e brincar do “toca”, é muito bom.” Subitamente eu disse: “vou, mas vocês todos terão que me pegar” (mania de adulto estabelecendo regras!). Levan- tei-me. Gritei “me pega” e corri. E o menino gritou para os demais: vamos pegar o “toca” grande (as crianças adoram um desa� o). Em se- gundos, tornei-me um imã para aquela criançada. Todos tinham um objetivo; queriam me fazer o “toca”, queriam me tocar. Corriam atrás de mim. E faziam dando gargalhadas, brincando com o corpo e com o ar nos movimentos de ziguezague. Não durou mais que um minuto e eles me “pegaram” e me senti ilhado de felicidade; todos me tocavam com tanta alegria que pareciam ter conquistado o mundo. Talvez eles se sentiam naquele momento assim mesmo, por quê eles dominam o mundo que criam; eles usufruem plenamente do que imaginam! Eu me senti abraçado, um abraço de crianças alegres. Eu não conhecia e nunca tinha visto nenhum deles, tampouco de seus pais. Essa pequena experiência sintetiza muito bem a magia do brincar. Optei por inserir essa breve crônica no prefácio para mostrar com uma experiência vivencial que o brincar é algo muito poderoso. O brincar é realmente mágico. Os brinquedos - no sentindo amplo da palavra – acionam os botões do encantamento. Os estudos (como os que são bem apresentados nesse livro) sistematizam essa área, mas todos, uns mais outros menos, vivemos experiências que demonstram claramente que a alegria que nos inunda durante uma boa brincadei- ra é muito intensa. E não tem idade, brincando todos voltamos por uns instantes a sermos crianças. E não tem hora, tampouco lugar! A interação e a integração entre as pessoas � uem naturalmente, o lúdico sobressai incluindo todos naquele momento, o exercício de depender- mos um do outro e do ambiente é realizado intensamente. As brinca- deiras promovem o encontro do nosso corpo com a felicidade, ainda que em breves momentos de distração, como diria Guimarães Rosa. Os textos apresentados nesse livro nos guiam por muitas formas de brincar e como a potência dessa estratégia pode ser explorada para aprimorar o aprendizado. Já diria Rubem Alves na sua belíssima crônica Brincando é que se aprende. “A inteligência gosta de brincar. Brincando ela � ca mais inteligentes ainda. É papel do professor entortar a sua dis- ciplina para transformá-la num brinquedo que desa� a a inteligência dos alunos.” Não é sobre infantilizar o processo de aprendizagem. É sobre aprender com alegria o conhecimento que passa a ter signi� cado! Como bem disse Adélia Prado, “o que amamos � ca eternizado na memória”. E todos amamos brincar. Então brincar é uma forma prazerosa de aprender. Brincar é uma forma e� ciente de educar. Prof. Antonio Gomes de Souza Filho Departamento de Física - UFC SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................ 29 PARTE 1: MESA REDONDA E CONVIDADOS CAPÍTULO 1 Ciência dos jogos e a educação: o que entendemos por jogos? ................. 43 Jeferson Antunes CAPÍTULO 2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvimento de habi- lidade cognitivas .................................................................................... 65 Márcia Duarte Medeiros CAPÍTULO 3 Os desa% os do design de jogos analógicos ............................................... 75 Glaudiney Moreira Mendonça Junior CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e implicações ........ 101 Jozecy de Jesus Silva, Késsia Mileny de Paulo Moura e Marcos Teodorico Pi- nheiro de Almeida CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo .................................. 121 Tiago Efrem Andreeta e Luana Carramillo-Going CAPÍTULO 6 O brincar da criança com de% ciência visual: breve enfoque em atenção pri- mária à visão subnormal ....................................................................... 139 Beatriz Picolo Gimenes, Marcia Caires Bestilleiro Lopes e Célia Regina Nakanami CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a importância da relação corporal afetiva e lúdica na pers- pectiva de Wallon ................................................................................. 169 Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por meio do brincar .................................................................................................. 183 Circéa Amália Ribeiro, Edmara Bazoni Soares Maia, Beatriz Picolo Gime- nes, Ana Claudia Acerbi Rodrigues e Luciana de Lione Melo CAPÍTULO 9 Explorando os espaços nas creches PROINFÂNCIA de Imperatriz – Mara- nhão ..................................................................................................... 205 Alexsandra Oliveira Teixeira de Andrade, Késsia Mileny de Paulo Moura e Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida CAPÍTULO 10 Repensando o jogo no bojo da teoria histórico-cultural ........................ 223 Rogério de Melo Grillo, Eloisa Rosotti Navarro, Gilson Santos Rodrigues e Elaine Prodócimo CAPÍTULO 11 Jogo teletransporte: um play teste aplicado ao ensino de análise combinató- ria e raciocínio lógico ........................................................................... 239 Evandro Rodrigues dos Santos, Cícera Carla do Nascimento Oliveira, José Rogério Santana, Clarice Maria Holanda Lage Morais, Arthur Petrone Bra- sil Petrone, Ângelo Ceccatto Cruz Santana, Je& erson Gomes Brito e José César Pontes Moreira CAPÍTULO 12 O espaço público e o brincar ................................................................ 259 Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida PARTE 2: MINICURSO E RELATO DE EXPERIÊNCIA CAPÍTULO 13 A importância do espaço maker no ensino lúdico de ciências com ênfase em práticas experimentais interativas .......................................................... 275 Charlline Vládia Silva de Melo CAPÍTULO 14 Gami� cação: um olhar sobre o jogo no universo das organizações ........ 289 Lucas Jackson Correia Lima CAPÍTULO 15 A ludicidade como prática cultural educativa: caminhos que se percorrem juntos ................................................................................................... 297 Jamila Hunára da Silva Santos e Ana Cristina de Moraes CAPÍTULO 16 O brincar heurístico: desenvolvendo a criatividade das crianças na creche ...305 Sônia Pascaretta e Mônica Serpa CAPÍTULO 17 O brincar no hospital sob a perspectiva da terapia ocupacional ............ 313 Nívea Maria do Nascimento Barros, Caroline Monteiro Sena Sato e Wis- lhyane Moniky Lopes de Oliveira CAPÍTULO 18 Universidade: espaço para brinc(ri)ar .................................................... 319 Michael Pedroza da Costa e Tânia Maria de Sousa França CAPÍTULO 19 Conexão: jogo criado para desenvolver liderança, trabalho em equipe e co- municação empresarial ......................................................................... 327 Marcos Paulo Alves de Santana, Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida e Monaliza Barroso dos Reis CAPÍTULO 20 Gami� cação em ambiente de academia e empresarial: complemento motiva- cional ao treino de funcional ................................................................ 339 Monaliza Barroso dos Reis, Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Marcos Paulo Alves Santana e José Jardier Teixeira 29 APRESENTAÇÃO Brincar! Brinquem em diferentes espaços. Brinquem de diferen- tes formas. Brinquem com diferentes humanos. Brinquem em diferentes momentos da sua vida. Brinquem pulando, subindo, rolando, saltando, correndo, gritando, cantando. Brinquem to- dos os dias da semana de segunda à domingo. Brinquem de manhã, de tardee a noite. Brinquem com seu pensamento. Brinquem na água, na terra e no ar. Vamos brincar diferente e em situações diferentes. Brinquem com seu espírito lúdico. Brinquem de brincar. Brinquem de viver. Brinquem pelo pra- zer de brincar, mas brinquem! (Marcos Teodorico, 2019) O livro Cultura lúdica hibrida: práticas inovadoras nasceu do resultado de ideias e re" exões do III ENCONTRO CIENTÍFICO DO DIA INTERNACIONAL DO BRINCAR que aconteceu em Fortaleza no Estado do Ceará nos dias 23 e 24 de maio de 2019, na UNIFANOR. Este evento foi realizado e promovido pela Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri) e em Parceria com o Museu do Brinquedo de Fortaleza. Ele tinha como objetivo Comemorar e cele- brar o Dia Internacional do Brincar através de diálogos cientí% cos com estudiosos, experts e pesquisadores sobre o tema. Dia Internacional do Brincar foi criado pela ITLA (Interna- tional Toy Library Association), já há alguns anos o mês de maio tem sido consagrado à comemoração lúdica e à valorização do brincar em diferentes países do mundo, inclusive no Brasil. O livro tem como proposta apresentar ideias e estudos sobre a dimensão lúdica, além disso, pensamos em um livro acessível e atua- lizado sobre temas relacionados ao brincar. O foco desse livro é pos- sibilitar aos pro% ssionais da educação superior e da educação básica, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação que já atuam na educação, psicologia, administração, sociologia entre outras e que fundamentam sua atuação dentro de uma perspectiva lúdica. O lúdico é um impulso da vida e também uma representação social e humana. O brincar é uma possibilidade de compreender, con- 30 viver e estimular a interação entre iguais. O lúdico é um referencial para a socialização e integração humana, além de promover a aprendizagem de valores e convivência. No lúdico estimulamos as diferentes linguagens e potencializamos o amadurecimento das estruturas do desenvolvimento humano, estimulamos a imaginação e inovamos os conceitos da nossa realidade. O lúdico representa um fator fundamental para nossa intera- ção e integração humana. É um conteúdo modelo e permanente para estimular nossa compreensão sobre o jogo, o brinquedo e brincadeira. O impulso LÚDICO está intimamente ligado ao impulso da VIDA. O ato de brincar é uma manifestação da vida, negar o direito de BRINCAR seria negar o direito à vida. O impulso LÚDICO necessita de interações e de convivência para que possa expressar o mais puro e genuíno comportamento humano, que é, viver em sociedade. No im- pulso LÚDICO caminhamos para a integração e para a criatividade, e, nele promovemos a inclusão de cada um e de todos sem ignorar as diferenças, sem homogenizar e sempre a� rmando as identidades. Necessitamos do outro, o outro, é de fundamental importância para o brincar. Quando democratizamos as interações lúdicas, cons- truímos pontes e possibilidades de termos pessoas mais amadureci- das, plurais e inclusivas para se conviver em sociedade. No brincar encontramos o entendimento biológico, no brincar podemos esquecer e encontrar a profundidade do ser, do compreender e sentir. No lúdico podemos criar, imaginar, viver e conviver. Além de sermos humanos e inteligentes, também somos homo-ludens. Homem que brinca. O brincar, em suas diferentes formas, certamente desempenha papel essencial na construção das relações pací� cas, contribuindo posi- tivamente para o desenvolvimento humano. O lúdico é uma atividade humana, que sempre fez parte de todas as civilizações, sociedades e culturas, sendo a única manifestação que foi e é capaz de estimular a cognição, a sensibilidade, a criatividade, a afetividade e a emoção hu- mana. O lúdico faz com que o indivíduo e em especial a criança sinta, conheça e absorva as estruturas mais antigas das experiências humanas. Neste sentido, o brincar permite maior contato com as fontes criadoras da poesia, dos sentidos, do mito, dos sonhos. O brincar é marcado por uma identidade particular, isto é, a identidade no contexto cultural em que a ação lúdica se realiza. Mas isto não signi� ca dizer que o jogo, a brincadeira e o brinquedo não es- tejam abertos aos múltiplos e diversos cruzamentos de culturas, porque 31 eles não são uma entidade descontinua, imutável, � nita, sem capacida- des de reestruturação permanente, como às vezes e erradamente eles têm sido apresentados, com uma visão reduzida e substantiva do mundo. O jogo e o brinquedo têm contido neles os mais diferentes elemen- tos e valores que são suas virtudes e os seus pecados. Virtudes, porque na essência, eles são constituídos de princípios generosos que permitem a revitalização permanente. Pecados porque o jogo e o brinquedo podem ser também manipulados e desviados para as mais diferentes � nalidades ou objetivos podendo, comprometer a verdade. O brincar socializa, res- gata as tradições culturais, costumes e crenças de uma determinada épo- ca. O brincar promove participação, desenvolvimento pessoal, consci- ência grupal, derruba obstáculos de separação e prepara as crianças para crescer abertas para o mundo. Com o brincar, a criança explora, avalia, compara e se interessa pela vida. Através do brincar a criança pode ser um adulto consciente, equilibrado, feliz, afetivo, interativo, inteligente e com um repertório de experiências signi� cativas. Assim, consideramos que tanto o jogo quanto a brincadeira como o brinquedo podem ser englobados em um universo maior, cha- mado de conduta lúdica ou ato de brincar. Não queremos engessar os termos e sim ampliar a perspectiva lúdica em diferentes contextos e saberes sem limitar o ato de brincar. Sabemos que a linguagem cultural própria da criança ontem, hoje e amanhã é o brincar. A criança comu- nica-se através dele e por meio dele irá ser agente transformador, sendo o lúdico um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento integral na infância. O brincar diverte, educa, valoriza, sociabiliza e in� ui positiva- mente no comportamento e na formação das crianças. A essência do Brincar começa na infância, todas as crianças, desde que nascem, brin- cam naturalmente. Brincar não só diverte como também educa. O lúdico é uma ferramenta perfeita para estimular os bebês, des- de que nascem. Ao brincar, a criança poderá desenvolver capacidades e despertar habilidades como: estimula a atenção e a concentração; aumenta a memória; desperta a imaginação, a fantasia e a imitação; convida à exploração, à criatividade e ao conhecimento; ajuda a crian- ça a expressar-se e a melhorar a sua linguagem; ajuda fazer amigos e a conviver; aumenta a autoestima e a autocon� ança; proporciona auto- nomia e sentido crítico; ensina a compartilhar, a colaborar e trabalhar em equipe; ensina a competir de uma forma saudável. 32 Todo individuo deve ter tempo para estudar, para comer, para dormir e para brincar. O brincar é um direito essencial de cada ser hu- mano. O brincar é a forma mais completa que temos de comunicar-se com os outros, consigo mesmo e meio. Por isso é tão importante que esta atividade também tenha o seu espaço e o seu momento durante nossa vida. Para brincar não é necessário ter brinquedos caros nem mesmo os de moda. A melhor brincadeira ou brinquedo são os que convidem as crianças a explorar ou que as permitam expressar-se atra- vés do seu corpo, dos seus gestos, etc., estimulando assim a sua criati- vidade e curiosidade. As melhores brincadeiras são as que não custam dinheiro e que mais divertem e chamam a atenção das crianças. Além de tudo isso o brincar: favorece o desenvolvimento dos vínculos afetivos e sociais positivos, condição única para que possamos viver em grupo, de forma pací� ca; promover experiências e vivências lúdicas com crianças, família e comunidade; favorecer o multicultura- lismo, a diversidade, a inclusão, a sociabilidade, fomentando as rela- ções pací� cas; construir valores aproximando as pessoas e emancipan- do pensamentos; divulgar o brincar comodireito básico de todos é uma forma de humanizar o planeta e suavizar as relações entre iguais. O livro Cultura lúdica hibrida: práticas inovadoras foi dividido em duas partes. A primeira com 12 capítulos e a segunda com 8 capítu- los. Na construção deste livro tivemos a participação de vários autores que atuam em diferentes contextos. Nos capítulos de 1 a 12 temos as contribuições dos participantes das mesas redondas e convidados. No Capítulo 1 começamos com o tema “Ciência dos jogos e a educação: o que entendemos por jogos”, escrito pelo professor Je- ferson Antunes, para ele os jogos são objetos de pesquisa em diversas áreas do conhecimento, valorizados nas práticas educativas, desenvol- vimento infantil e entretenimento. Estudar os jogos a partir do co- nhecimento cientí� co exige perceber como esse conceito é construído, suas bases epistemológicas, categorias analíticas e a diversidade de ma- nifestações do jogar. O estudo desenvolvido por ele tem por objetivo realizar uma análise narrativa sobre o conceito de jogos. Além disso, têm como demais objetivos compreender os aspectos epistemológicos que in" uenciam a construção conceitual sobre jogos, traçar uma aná- lise crítica sobre os jogos cooperativos e competitivos, e re" etir sobre os jogos cooperativos como estratégias de mediação em processos edu- cativos. Compreendemos, através do método da análise narrativa, que 33 os jogos são objetos com múltiplas nuances, em diversas áreas, variadas categorias e formas de abordagem; que podem contribuir com a edu- cação, principalmente os jogos cooperativos, quando pensados como ferramentas de mediação para a construção do conhecimento. Autora Márcia Duarte Medeiros no Capítulo 2 trata do tema so- bre “O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvimen- to de habilidade cognitivas”. De acordo com ela, os conhecimentos bá- sicos adquiridos por nossos pro" ssionais se dá justamente na educação básica, por consequência, é premente questionarmos e repensarmos al- guns de seus aspectos, ainda conservadores, que de forma alguma leva os estudantes a se desenvolverem globalmente. Nossos jovens usam, com frequência, todo um aparato tecnológico como tablets, celulares, iPods, consoles de videogames, além de estarem habituados e uma vida de posts no Facebook, Tweeter. Eles adormecem e acordam com seus smartphones permanentemente ligados e disponíveis para o contato. Negar a entrada da tecnologia (imagens, sons, jogos eletrônicos) na sala de aula é negar o próprio mundo onde estão imersos e deixar des- percebidos os possíveis desdobramentos pedagógicos que podem vir à tona frente a novas circunstâncias que se colocam no cotidiano escolar. O professor Glaudiney Moreira Mendonça Junior autor do Ca- pítulo 3, trata da temática “Os desa! os do design de jogos analó- gicos”. Neste artigo o professor comenta que em 2018, o mercado mundial de jogos de mesa faturou US$10 bilhões. Este mercado vem crescendo a uma taxa de 10% ao ano e, em países como o Brasil, pode chegar até a 40% (BACCARINI, 2018). Segundo o autor, além de sua proeminência comercial, os jogos analógicos também estão se destacando na educação. Diversos trabalhos buscaram realizar experi- ências educativas utilizando jogos analógicos: Zimermann, Pacheco e Padovani (2018), Carolei et al. (2018), Giacomoni e Pereira (2018), entre outros. Diante desse cenário mercadológico e acadêmico em ascensão, é importante discutir os métodos de criação desse tipo de jogo e suas particularidades. No Capítulo 4 os autores Jozecy de Jesus Silva, Késsia Mileny de Paulo Moura e Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida abordam o tema “Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e impli- cações”. Para eles, a arte se manifesta na natureza por meio das cores, formas e sons. Tais manifestações se constituem elementos especiais e essenciais na vida do ser humano. Desde os tempos remotos, intencio- 34 nalmente são percebidos e trabalhados por homens e mulheres no mun- do inteiro, com os quais expressam seu estilo de vida, suas crenças, seus valores e sua cultura. Durante todo o percurso histórico da humanidade, a arte possibilitou a sobrevivência das pessoas e o desenvolvimento das primeiras civilizações. A incrível capacidade de criar do ser humano pro- moveu a utilização dos recursos naturais a seu favor e o consequente de- senvolvimento dos povos. Nesse sentido, é válido dizer que a arte é uma dimensão do ser humano. Ela o completa. Seria triste e difícil viver a vida sem a musicalidade, a dança, a pintura e outras formas de expressões artísticas. É a arte que impulsiona o indivíduo na história do mundo e o capacita para seguir adiante e transformar sua realidade. O tema “A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo” desenvolvido no Capítulo 5 pelos autores Tiago Efrem Andreeta e Luana Carramillo Going compartilham a preocupação da ausência do lúdico dentro da escola como um todo, o artigo tem como foco o primeiro ano do ensino fundamental, cujos professores muitas vezes privilegiam a alfabetização centrada na decodi" cação da leitura e da escrita sem contemplar o lúdico no processo de ensino e aprendiza- gem, inversamente ao que encontravam na etapa anterior da educação básica. Assim, questiona-se como trabalhar com conteúdo lúdico que possibilite ao mesmo tempo a construção do saber por meio de uma linguagem simbólica e com signi" cado para o mundo imaginário e criativo dessas crianças. As autoras Beatriz Picolo Gimenes, Marcia Caires Bestilleiro Lo- pes e Célia Regina Nakanami no Capítulo 6 fazem re# exões e apresen- tam alguns resultados sobre “O brincar da criança com de" ciência visual: breve enfoque em atenção primária à visão subnormal”. A intenção das autoras neste capítulo sobre o brincar e prevenção em visão subnormal, foi responder um apelo público. A implantação de um programa de saúde ocular em todo o sistema público de ensino a partir da Educação Infantil, visando desenvolver ações de detectar a incapacidade visual em atenção primária e de promoção/ recuperação da saúde ocular, orientando os docentes para melhor atuarem. Para elas, sobre o funcionamento visual, segundo as teorias, que favorecem a melhor compreensão a que se propõe qualquer brinquedo (ou objeto de conhecimento), desde que o agente facilitador saiba oferecê-lo uti- lizando-se do jogo de oponência das cores e da luminosidade entre ou- tras observações; como também, que nos atentemos às orientações que 35 o desenvolvimentista da teoria psicogenética oferece, além de outras li- nhas teóricas, estudando sempre mais sobre os benefícios da ludicidade para a vida humana, que não se restringe só à infância; e, ressaltamos sobre o alerta que a psicanálise esclarece, relacionado à alta in� uência nociva sobre o psiquismo humano em formação, no início da década de 1990, ocasionada pelo assistir a películas continuamente, por meio de TV, que o estendemos ao celular e tablete na atualidade. O tema “O diálogo tônico: a importância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de Wallon” abordado no Capítulo 7 por Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira. Segundo ela, falar do diálogo tônico e a importância da relação corporal afetiva e lúdica na perspec- tiva de Wallon, é a principal # nalidade do artigo, além de salientar o destaque que ele deu para essa questão. Durante o trabalho a profes- sora menciona alguns pressupostos da teoria walloniana a # m de se compreender a importância do a relação corporal afetiva e lúdica no desenvolvimento da criança. O movimento humano tem na teoria walloniana um papel pre- dominante na estruturação humana. Wallon (1971, 1975, 1986,2008) considera o movimento como fundante da estruturação do psiquis- mo, uma vez que o movimento intencional é a expressão proveniente das relações humanas. Para ela, a análise genética walloniana mostra que a motricidade humana atua primeiramente sobre o meio social e age sobre o meio físico, mediado pelo meio social,nas dimensões interpessoal e cultural. Assim, na premissa walloniana, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. A autora a # m de abordar o jogo na visão de Wallon, utiliza predominantemente sua obra: A evolução psicológica da criança e, mais especi# camente, na segunda parte, em que esse autor trata do brincar. O artigo “Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por meio do brincar”, escrito no Capítulo 8, por Circéa Amália Ribeiro, Edmara Bazoni Soares Maia, Beatriz Picolo Gimenes, Ana Claudia Acerbi Rodrigues e Luciana de Lione Melo tratam das técnicas projetivas para se comunicar com o brinquedo terapêutico. Para as autoras os enfermeiros pediatras, assim como a todos os pro- # ssionais de saúde, devem estar dispostos a enfrentar esse desa# o, pois somente ouvindo a criança, poderemos compreender o que ela pre- cisa e deseja e, assim, assisti-la com o respeito e consideração que ela merece. Para elas, os enfermeiros que trabalham com crianças têm a 36 responsabilidade e o desa� o de aprenderem a compreender e a utilizar o brinquedo na sua assistência. No Capítulo 9, Alexsandra Oliveira Teixeira de Andrade, Kés- sia Mileny de Paulo Moura e Marcos Teodorico Pinheiro de Almei- da fazem uma re" exão sobre o tema “Explorando os espaços nas creches PROINFÂNCIA de Imperatriz – Maranhão”. Segundo os autores, para alcançar qualidade na educação infantil, dentre outras questões, é necessária a existência de uma boa organização do espaço físico nas instituições, sendo esse recurso também facilitador e pro- motor de aprendizagem. Eles a� rmam que há diferentes formas de organizar os ambientes dentro de um mesmo espaço e as possibilida- des de uso que eles estimulam também variam, de acordo com o que o educador proporciona às crianças. Para que haja uma organização de qualidade, faz-se necessário que o educador planeje um ambiente voltado ao aprendizado da criança. O professor precisa de espaços que o favoreçam no planejamento de atividades que atendam às necessi- dades e potencialidades da criança, em seus aspectos cognitivo, físico, afetivo, social e moral. Assim, neste artigo os autores discorrem sobre a relação da criança, escola e o brincar, o signi� cado da infância e o es- paço como elemento que favorece o desenvolvimento da criança. Além disso, apresentam os dados coletados e suas análises, identi� cando as formas de utilização dos ambientes realizados pelas professoras. Rogério de Melo Grillo, Eloisa Rosotti Navarro, Gilson Santos Rodrigues e Elaine Prodócimo escrevem no Capítulo 10 o artigo “Re- pensando o jogo no bojo da teoria histórico-cultural”. O presente texto tem como escopo trazer contribuições da Teoria Histórico-Cul- tural a respeito do jogo e da brincadeira, por intermédio de releituras e pesquisas que visam ampliar o debate teórico sobre esta temática dei- xada em aberto por Lev S. Vigotski. Para tanto, realizou-se um recorte de uma tese de doutorado já concluída juntamente com novas leituras acerca da referida temática. No Capítulo 11 os autores Evandro Rodrigues dos Santos, Cíce- ra Carla do Nascimento Oliveira, José Rogério Santana, Clarice Maria Holanda Lage Morais, Arthur Petrone Brasil Petrone, Ângelo Ceccatto Cruz Santana, Je/ erson Gomes Brito e José César Pontes Moreira es- crevem sobre “Jogo teletransporte: um play teste aplicado ao ensino de análise combinatória e raciocínio lógico”. Para eles as mudanças na sociedade, e na Educação, acabam por esquecer uma forte caracte- 37 rística da cultura, que é sua capacidade em desenvolver a criatividade e os conhecimentos, através do uso de jogos de tabuleiro, por sua vez, a ludicidade dos jogos de tabuleiro, e as possibilidades de implemen- tação através de meios digitais, podem favorecer a aprendizagem em matemática e lógica por parte dos estudantes, também viabilizando alternativas didáticas para os professores de áreas como: matemática e ciências, em termos de sequências didáticas de ensino-aprendizagem. O artigo apresenta a aplicação e desenvolvimento de um jogo de ta- buleiro durante uma pesquisa de mestrado em Educação Matemática que foi aplicada com um grupo de estudantes em uma escola pública cearense e teve como objetivo favorecer o trabalho no ensino de pro- babilidade e combinatória em sala de aula através de vários jogos mas também através de um jogo de tabuleiro criado por nossa equipe de pesquisa LAPEDI/LABPAN que foi nomeado como Teletransporte. O tema “O espaço público e o brincar” desenvolvido no Capítu- lo 12 por Marcos Teodorico Pinheiro e Almeida e Lúcia Maria Gonçal- ves Siebra trazem uma re! exão sobre o espaço público como um lugar do pleno exercício da cidadania e do convívio intergeracional. Para os autores a cidade é uma construção humana; portanto, sua prosperida- de e seu sucesso vão depender de estratégias, inovações, planejamento e gestão política e# ciente e honesta de pessoas. A cidade e seus espaços públicos têm uma força vibrante e poderosa para o desenvolvimento, exercendo impacto importante no bem-estar de todos, do nível global ao local. Temos que rea# rmar a própria essência histórica das cidades como um local onde seres humanos encontram a satisfação das necessidades básicas e acesso aos bens públicos fundamentais. O lazer e o brincar são importantes elementos desse cenário. Nele, crianças e adolescentes aprendem a brincar, repartir, disputar, desenvolvendo suas potenciali- dades físicas e emocionais. Os jovens se encontram, conversam, jogam, planejam a vida. Os adultos acompanham os # lhos, criam laços com outros pais, convivem com vizinhos. Os idosos fazem suas caminhadas, tomam sol, encontram os amigos. O espaço público é o lugar de todos e de cada um. É onde se aprende a dividir e compartilhar, a respeitar as diferenças e necessidades, onde se aprende, en# m, a conviver. Na parte 2 teremos os capítulos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 com as contribuições dos autores dos minicursos e relatos de experiên- cias que participaram do III ENCONTRO CIENTÍFICO DO DIA INTERNACIONAL DO BRINCAR. 38 Do resultado dos minicursos temos dois capítulos: o Capítulo 13 com o tema “A importância do espaço maker no ensino lúdico de ciências com ênfase em práticas experimentais interativas” escri- to por Charlline Vládia Silva de Melo e o artigo sobre “Gami& cação: um olhar sobre o jogo no universo das organizações” no Capítulo 14 que foi desenvolvido por Lucas Jackson Correia Lima. Nos relatos de experiências tivemos a participação de seis capítu- los escolhidos pela Comissão Cientí% ca do III ENCONTRO CIEN- TÍFICO DO DIA INTERNACIONAL DO BRINCAR. Os referi- dos trabalhos foram apresentados durante o evento. O Capítulo 15 as autoras Jamila Hunára da Silva Santos e Ana Cristina de Moraes abordaram o tema “A ludicidade como prática cultural educativa: caminhos que se percorrem juntos”. O tema “O brincar heurístico: desenvolvendo a criatividade das crianças na creche” foi o conteúdo de discussão do Capítulo 16 das autoras Sônia Pascaretta e Mônica Serpa. Já no Capítulo 17 tivemos o tema “O brincar no hospital sob a perspectiva da terapia ocupacional” escrito por Nívea Maria do Nascimento Barros, Caroline Monteiro Sena Sato e Wislhyane Moniky Lopes de Oliveira. O tema “Uni- versidade: espaço para brinc(ri)ar” foi apresentado no Capítulo 18 pelos autores Michael Pedroza da Costa e Tânia Maria de Sousa França. Os autores Marcos Paulo Alves de Santana, Marcos Teodo- rico Pinheiro de Almeida e Monaliza Barroso dos Reis tratam no Capítulo 19 sobre o tema “Conexão: jogo criado para desenvolver liderança, trabalho em equipe e comunicação empresarial” e % - nalizamos o livro com o Capítulo 20 abordando o assunto “Gami- & cação em ambiente de academia e empresarial: complemento motivacional ao treino de funcional” desenvolvido por Monaliza Barroso dos Reis, Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Marcos Paulo Alves Santana e José Jardier Teixeira. Sabemos que através do brincar o ser humanopode aprender o que mais ninguém lhe pode ensinar. O ato de brincar nos ensina va- lores morais e culturais que muitas vezes não reside nos exemplos dos pais, professores, etc. É através da atividade lúdica que cada cidadão se prepara para a vida. O brincar deve favorecer o multiculturalismo, a diversidade, a inclusão, a sociabilidade e fomentar as relações pací% cas. Nós acreditamos no PODER DO BRINCAR, e, por isso, es- peramos que este livro possa colaborar com os diferentes pro% ssionais 39 que atuam no contexto lúdico, servindo de fonte de inspiração, infor- mação e formação. Desejamos ao leitor muitas re� exões, provocações e possibilidades do uso do jogo, do brinquedo e da brincadeira aplicados à sua realidade, seja ela, pro� ssional ou não. Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida Beatriz Picolo Gimenes Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira Maria Celia Rabello Malta Campos (Organizadores) PARTE I Mesa Redonda e Convidados 43 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEMOS POR JOGOS? Jeferson Antunes INTRODUÇÃO Os jogos, como objeto do conhecimento no campo da educação, têm sido estudados como ferramentas lúdicas que trazem uma maior interação e motivação dos participantes, apoiados pelo lúdico, em pro- cessos educativos que levam em consideração suas potencialidades. Estudar essas potencialidades em bases cientí� cas, identi� can- do categorias analíticas, para melhorar explorarmos esse objeto como objeto do conhecimento, a partir de seu uso e das relações das pessoas com o processo de jogar, exige um olhar atento, que se descontrói na perspectiva do jogo como mero instrumento de entretenimento desco- nectado da realidade. Existe uma variedade de concepções epistemológicas que podem ser utilizadas para entender esse objeto, desde a compreensão meca- nicista das partes que formulam o jogo, até a análise do fenômeno de jogar e as relações que as pessoas formam, com outras pessoas, a partir de uma abordagem sociointeracionista. De fato, os jogos fascinantes, tanto como alvo da investigação cientí� ca como o próprio ato de jogar e seus usos intencionais e não-intencionais. Pensando neste universo de possibilidades de investigação, as seguintes perguntas nos vêm à mente: Como está posto o conceito de jogo? Quais correntes epistemológicas conduzem estes concei- tos? Quais categorias de jogos seriam melhor aproveitadas nos pro- cessos educativos? Em vistas a contribuir com estas perguntas, o presente estudo tem como objetivo realizar uma análise narrativa sobre o conceito de CA PÍ TU LO 1 CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 44 jogos. Além disso, têm como demais objetivos compreender os aspec- tos epistemológicos que in� uenciam a construção conceitual sobre jo- gos, traçar uma análise crítica sobre os jogos cooperativos e competiti- vos, e re� etir sobre os jogos cooperativos como estratégias de mediação em processos educativos. Para tanto, utilizamos da pesquisa bibliográ� ca, através da análi- se narrativa para que possamos compreender como o conceito de jogos está estruturado na ciência, como é in� uenciado pelas diversas corren- tes de pensamento, suas categorias, limites e possibilidades. Nessa temática, pela importância que os jogos vêm recebendo em processos educativos, pretendemos contribuir para o melhor en- tendimento dessa manifestação, bem como, para os campos de pesqui- sa que têm nos jogos seu objeto do conhecimento. METODOLOGIA O presente estudo é desenvolvido a partir de pesquisa bibliográ� - ca (CRESWELL, 2010), discorrendo sobre as diversas tendências epis- temológicas e discussões acadêmicas sobre o conceito de jogos, onde procedemos à uma revisão narrativa, através de artigos em revistas ele- trônicas, impressos e livros, onde o leitor pode, em um curto espaço de tempo, adquiri e atualizar seus conhecimentos sobre a temática pro- posta (ROTER, 2007). CONSTRUÇÃO CONCEITUAL E EPISTEMOLÓGICA DO CONCEITO DE JOGO Para compreendermos como o conceito de jogo se apresenta e sua intersecção com a pesquisa educacional, recorremos a uma cons- trução teórica, utilizando as ideias dos principais autores e autoras que tem in� uenciado a temática. Para tanto, recorremos a conceitos imbri- cados a análise histórica, antropológica, sociológica, educacional e do design de jogos sobre a categoria jogos e seus aportes epistemológicos. Em Homo ludens, de Johan Huizinga (2000), temos um dos principais referenciais para a compreensão do que é um jogo em sen- tido estético, cultural e social. Este abranger as diferenças biológicas, psicológicas e sociais dos jogos para formular uma categoria de análise que possa tomar conta do amplo sentido do que é um jogo, baseado CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 45 na dimensão antropológica e histórica, principalmente de viés cultural. O autor delimita o jogo como sendo [...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um � m em si mesmo, acompanhado de um senti- mento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser dife- rente da “vida quotidiana” (HUIZINGA, 2000, p. 24). Esta de� nição tenta abranger todos os elementos constitutivos dos jogos, no entanto, nos faltam componentes, como a interação lú- dica e sua capacidade de criação de grupos sociais, as qualidades expe- rimentais de um jogo e seus efeitos; ainda se destaca, neste conceito, o profundo sentido de arti� cialidade do jogo na dicotomia com a re- alidade e as inter-relações possíveis de se estabelecer (SALEN; ZIM- MERMAN, 2012, p.91). Tal alegria apontada por Huizinga é um elemento complexo de ser analisado, tendo em vista que pode ser predominante a ideia, mas, no entanto, o desprezar pode ser um elemento de caracterização dos jogos, principalmente quando existem vencedores e perdedores, sendo o desprazer analisado mais profundamente pela psicanálise (KISHI- MOTO, 2010, p. 28-29). O jogar por jogar, o � m em si mesmo, estabelece uma relação intrínseca de ganho ao participante, pois este se satisfaz no jogo e as- sim termina (HUIZINGA, 2000), o autor não considera elementos como os dos jogos de azar (CAILLOIS, 1990) ou mesmo dos espor- tes comerciais contemporâneos e dos e-sports, tendo em vistas estes os elementos intrínsecos e sua importância, tanto quanto aos benefícios sociais, físicos e cognitivos podem ser parte da intenção deliberada do participante ao jogar, não bastando apenas na experiência fornecida (RODRIGUEZ, 2006). Querer jogar não apenas pelo jogo, mas com a intenção de dividir momentos com os amigos, indiferente do jogo, ou ainda, nos jogos educativos, jogar para se aprender algo, ou no jogo desportivo, para trabalhar o corpo e a compleição física, todas estas são possibilidades que levam uma pessoa a prática de um jogo. Este é um conceito limitado, que não deixa de ser historicamente importante pela abertura conceitual e cientí� ca, mas, tendo em vista que nasce a partir da investigação dos elementos separados, torna-se redu- CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 46 cionista ao realizar uma interlocução do que é e do que não é um jogo, ofusca elementos processuais e as interligações possíveis com a realidade. Sua construção conceitual é característica do positivismo/estru- turalismo, onde busca ser o � m em si mesma, pelo primado da verda- de, investigando a busca do fato, tal e cabal sua essência no estado das coisas, ante ao que é indissolúvel a sua construção e dinâmica histórica. A posição de Huizinga, epistemologicamente, busca a totalidade em uma fotogra� a, não obstante, o autor está tranca� ado em seu momen- to histórico, assim, na crítica, tomemos o cuidado de perceber isto e não realizar uma crítica anacrônica.Expandido as ideias de Huizinga, o sociólogo francês Roger Cail- lois (1990), escreve Os jogos e os homens, apresentando uma crítica a “contestável” tese de Huizinga (CAILLOIS, 1990, p.23). O autor reconhece a importância da abertura temática, mas embasa sua crítica na falta de espaço para pesquisa e a re� exão, tendo em vista a busca pela totalidade, característica estruturalista, sem deixar, contudo, de reconhecer as características e a importância dos jogos apresentada em Homo Ludens. Para Caillois os jogos são de� nidos por um espaço ideal, seja o ringue, o campo, o tabuleiro; tendo seu próprio tempo, em sua dura- ção e possível complementaridade; dentro de um conjunto de regras arbitrárias, mas irrecusáveis aos participantes; na livre participação dos membros; e com um desfecho possível, compreendido a priori, que é conduzido por um processo que emerge em um resultado incompatí- vel com sua própria natureza, a possibilidade e o inesperado (CAIL- LOIS, 1990, p.24-29). Desta ideia central emanam seis características do jogo como uma atividade: a) O jogo é livre quanto a participação, b) delimitado em tempo e espaço, c) é incerto já que seu resultado não pode, de an- temão, ser obtido, d) é improdutivo, pois não conduz a produção de riqueza, e) é regulamentado por um conjunto de regras estabelecidas e d) é � ctício pois incorpora uma consciência de outra realidade (CAIL- LOIS, 1990, p.29-30). Caillois (1990, p.31-56) divide ainda os jogos em quatro cate- gorias: a) Agôn – competição em aparente igualdade, em um espaço simulado para tal, buscando a supremacia sobre o outro; b) Alea – são os jogos baseados na sorte, como os jogos de dados e cartas, onde a vitória independe do jogador, sendo o destino seu adversário principal, CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 47 c) Mimicry – são os jogos de simulação, que lidam com o imaginário, o faz-de-conta, onde o jogador $ nge ser alguém que não é, e d) Ilinx - jogos que são baseados no que o autor chama de vertigem, uma des- truição momentânea da estabilidade posta no real, causando “pânico” ao participante. Estes elementos são pensados dentro de duas grandes categorias, a Paidia e o Ludus, a primeira recorre a fantasia, o espaço lúdico dentro do jogo, a segunda está ligada as regras, a ordem neces- sária ao jogo; o primeiro elemento é sempre decrescente enquanto o segundo é crescente dentro do processo do jogar (CAILLOIS, 1990). O autor não pretende apresentar um conceito restrito, mas sim aspectos gerais, amplos para discussão e categorização, onde o mesmo implica o combate informal e o teatro como categoria de jogos, por es- tarem dentro de um conjunto de regras e apoiados no lúdico. Os pon- tos apresentados não superam a discussão traçada por Huizinga, sendo complementares, uma vez que os elementos do construto conceitual podem ser interligados dentro da discussão contemporânea sobre o conceito de jogo. Os pontos apresentados podem trazer certa confusão ao pes- quisador, por não conseguir identi$ car diferenças concretas em um jogo e em um não-jogo, a$ m de diferencia-los (KISHIMOTO, 2010, p.28) já que, se pressionado a participação esta pode tornar-se coerci- tiva; o resultado, dependendo do nível de experiência dos envolvidos (um mestre contra um novato) pode ser previsto; e como seria possível compreender elementos $ ccionais, ou de faz-de-conta, em um jogo da velha? (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p. 92). A partir de suas investigações Tizuko Morchida Kishimoto (2010), em O jogo e a educação infantil, nos descreve, inicialmente, o jogo como sendo possível resultado de: a) um sistema linguístico que funciona dentro de um sistema social, b) um sistema de regras e c) um objeto (KISHIMOTO, 2010, p.18). No primeiro caso o jogo é dependente da linguagem, a partir do vocabulário dos participantes, interligado a comunicação, sendo fonte de expressão aplicada ao real; no segundo caso, este permite identi$ car uma estrutura sequencial es- pecí$ ca da modalidade de jogo; e no terceiro caso, refere-se à mate- rialidade do jogo, sua forma e mais apropriadamente os elementos de design (KISHIMOTO, 2010, p.18-20). Seguindo sua investigação, Kishimoto (2010) revisita as obras de Huizinga e Caillois, focando seus esforços no campo do jogo infantil, a CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 48 partir dos estudos de Christie (1991b apud KISHIMOTO, 2010) que rediscute as características do jogo infantil a partir de outras pesquisas, elaborando critérios que auxiliam o pesquisador na identi� cação, estes são: a) a não literalidade: a realidade interna da criança é diferente da realida- de externa, b) efeito positivo: normalmente o jogo é carregado de afetos positivos, c) � exibilidade: a disposição do ensaio de novas ideias para as crianças se torna mais comum, d) prioridade do processo de brincar: a atenção da criança está voltada ao processo e não ao resultado do brincar, e) livre escolha: o jogo infantil se caracteriza pela livre escolha e a esponta- neidade, e f) controle interno: são os próprios jogadores que determinam o desenvolvimento dos acontecimentos (KISHIMOTO, 2010, p.29-30). Com base nos critérios elaborados, a autora conclui seu racio- cínio para um conceito de jogo (excluindo grupos não-humanos), a partir dos elementos constituintes que melhor representam os grandes grupos de jogos: 1. liberdade de ação do jogador ou o caráter voluntário, de motivação interna e episódica da ação lúdica; prazer (ou des- prazer), futilidade, o “não ser sério” ou efeito positivo; 2. regras (implícitas ou explícitas); 3. relevância do processo de brincar (o caráter improdutivo), incerteza de resultados; 4. não literalidade, re� exão de segundo grau, representação da realidade, imaginação e; 5. contextualização no tempo e no espaço (KISHIMOTO, 2010, p.30-31). Essa abordagem, voltada ao jogar infantil, está interligada ao brincar, ao qual a autora diferencia dos jogos a partir do brinquedo e do jogo, sendo o primeiro objeto de representação multidimensional sem intencionalidade de impor regras, ao contrário do jogo que tem suas regras implícitas e/ou explícitas (KISHIMOTO, 2010, p.18-21). A abrangência destes elementos possibilita ao pesquisador ana- lisar casos a partir da formulação de categorias, favorecendo um me- lhor delineamento da pesquisa, contudo o conceito é restrito ao jogar infantil, mas ainda assim abrange uma série de elementos observáveis em outras manifestações de diferentes faixas etárias. As formulações teóricas de Huizinga e Caillois, basilares na compreensão dos jogos, se encontram submersas na complexidade das CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 49 novas manifestações contemporâneas dos jogos, entre os jogos analó- gicos e digitais, partidas solo, em dupla, times e grupo, competitivos, cooperativos e colaborativos; como e-sport ou atividade de entreteni- mento, com um viés educativo, psicológico, sociológico e/ou cultural. Os jogos se manifestam de diferentes formas e em diferentes contextos, necessitando de abordagens mais próximas e especí# cas a tais realidade para que possamos compreender e estudar estas atividades. A compreensão de Kishimoto nos ilumina para esta nova reali- dade, complexa, uma vez que em suas restrições, nos possibilita com- preender a realidade que desejamos investigar, os elementos apresenta- dos e suas características circunscrevem o que é um jogo, mesmo que focalizado na educação infantil, assim, é uma contribuição signi# cativa para o campo por nos possibilitar a busca da compreensão das inter-re- lações destes elementos e os sujeitos de pesquisa. Para a autora (KISHIMOTO, 2010), os jogos possuem elemen- tos sócio interacionais e são estruturas intencionais, repletas de sig- ni# cado na interação gnosiológica entre sujeito e objeto.Essa é uma importante chave de pesquisa, ao perceber o sentido intencional do jogo, no campo da educação, como ferramenta mediadora de proces- sos educativos. O conceito apresentado por Jane MCGonial (2012), em sua obra A Realidade Em Jogo - Por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo, do campo do design de jogos, foca seu exercício teórico na construção meta-teórica sobre como os jogos in% uenciam a realidade de seus participantes, tendo como base os jogos digitais. Para ela os jogos possuem elementos distintos que os delimitam a partir de: a) Metas, que geram um senso de objetivo cla- ro, b) Regras, que estimulam os participantes a explorar criativamente possibilidades, c) trazem um sistema de Feedback claro, que demons- tram o progresso para se atingir a meta e d) a partir do momento em que os participantes aceitam as metas, as regras e o sistema de feedback temos a Participação Voluntária (MCGONIAL, 2012). O processo de jogar é iniciado na apreciação das metas que, por sua vez, são delimitadas no sistema de regras, apresentando ao partici- pante um feedback processual, e, a partir do momento em que se acei- ta todas essas condições, temos a participação voluntária do indivíduo. Analisando os elementos apresentados, a meta é o “resultado es- peci# co que os jogadores vão trabalhar para conseguir. Ela foca a aten- CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 50 ção e orienta continuamente a participação deles ao longo do jogo” (MCGONIAL, 2012, p. 30). Esta deve estar sempre clara aos jogado- res, é o objetivo do jogo, mesmo não sendo sua � nalidade, é importan- te, pois gera um senso de objetivo que motiva a participação. Quanto as regras, elas impõem limitações em como os jogadores podem atingir a meta. Removendo ou limitando as maneiras óbvias, as regras estimulam os jogadores a explorarem as possibilidades anterior- mente desconhecidas para atingir o objetivo � nal. Elas liberam a criatividade e estimulam o pensamento estratégico (MCGO- NIAL, 2012, p. 31). Não sendo, portanto, formas de punir os participantes, mas sim de auxilia-los nessa jornada em busca da construção e (re)signi� cação de conhecimentos e habilidades, estimulando a criatividade. O sistema de feedback, por sua vez, “serve como uma promessa para os jogadores de que a meta é de� nitivamente alcançável, além de fornecer motivação para continuar jogando” (MCGONIAL, 2012, p. 31), desta forma, os participantes tem uma noção clara de quão pró- ximos estão ou não de atingir a meta, podendo corrigir rumos, traçar novas estratégias e ações. A participação voluntária não se restringe ao participar do jogo, mas aceitar todo o sistema apresentado, diferente das formulações dos outros autores, onde a participação é literalmente participar do jogo, ela vai além disso. A participação voluntária “estabelece uma base co- mum para que as múltiplas pessoas jogarem o mesmo jogo” (MC- GONIAL, 2012, p. 31), tendo estes a liberdade para entrar e sair do jogo a hora que desejarem, assegurando aos participantes o princípio voluntário de participar. Estas são características comuns a muitos jogos, mas que não os de� nem inteiramente, elementos dos jogos que estão além destes quatro pontos re$ etem o esforço do designer de jogos para manter tais pontos evidenciados (MCGONIAL, 2012). Para a autora, o jogo é um esforço para superar desa� os inúteis que propomos a nós mesmos, mas que, articulados nestes quatro pila- res, diferente da realidade onde não existe, por exemplo, um sistema claro de metas, fazemos isso justamente por ser o jogo um desa� o ao qual nós mesmos escolhemos, em que somos ou nos tornamos bons, CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 51 por isso ele é tão atrativo, por sua capacidade de gerar felicidade (MC- GONIAL, 2012). Retornando a construção conceitual, ela se mostra ampla, capaz de abarcar uma diversidade de atividades que não são consideradas como jogos, a própria autora cita como exemplo as redes sociais e apli- cativos diversos (MCGONIAL, 2012), que usam elementos dos jogos na sua estrutura, dialogando com o conceito de gami� cação. Compreendemos que a ação deliberada de se apresentar como um jogo não basta para que uma ferramenta, objeto e/ou atividade seja um jogo, no entanto, um não-jogo, mesmo que apresente caracterís- tica de jogos, pode não ser explicitamente uma forma de gami� cação, o que torna o conceito muito amplo e pode confundir o pesquisador na análise. As pesquisas lideradas por McGonial (2012) consideram o jogo como manifestação cultural capaz de impactar a realidade, em uma abordagem entre o design e a psicologia positiva, fundamentada na fenomenologia, buscando saber como a relação do ser humanos e o ato de jogar impactam suas relações. Em Regras do jogo, no primeiro volume, Katie Salen e Eric Zimmerman (2012), se debruçam sobre vários conceitos, de vários campos de estudos, na busca por uma construção conceitual que possa ser utilizada no campo de investigação próprio do design de jogos. Os autores conceituam jogo como “um sistema na qual os jogadores se envolvem em um con� ito arti� cial, de� nido por re- gras, que implica um resultado quanti� cável” (SALEN; ZIMMER- MAN, 2012, p.95). Para os autores o conceito basilar de jogos está ligado ao enten- dimento de interação lúdica signi� cativa, sendo, de forma descritiva, a relações do jogador e o desfecho do sistema, em um processo onde o jogador toma decisões dentro do sistema projetado para o jogo e o sistema, e como o próprio jogo é passível de responder tal ação; e de forma avaliativa, são as relações entre ações e resultados em um jogo, discerníveis e integradas em seu contexto (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p.95). Tais formas conceituais são abordadas para que possamos compreender quais são os mecanismos de criação de signi� cado (ní- vel descritivo), nos auxiliando no entendimento do motivo de alguns jogos serem mais signi� cativos que outros (nível avaliativo) (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p.95). CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 52 Como um sistema os jogos são, então, contextos de interação dos participantes, estes podem ser espaços, objetos e comportamentos a se- rem explorados, estando interligados ao todo, sendo abertos ou fecha- dos de acordo com as interações e com o ambiente ao seu redor (SA- LEN; ZIMMERMAN, 2012). Os autores, ao pensarem o jogo como um sistema, interligam diretamente ao conceito de sistemas abordado, por exemplo, por Fritjof Capra e outros autores, buscando, como sis- tema, as relações de interdependência entre jogadores, ambiente e as estruturas utilizadas no jogo. Isto posto, se relacionam objetos, atri- butos, suas relações internas e o meio ambiente com a totalidade da experimentação lúdica no jogo. O jogador é entendido como participante do jogo, onde um ou mais participantes podem jogar, interagindo com o sistema e uns com os outros visando experimentar a interação lúdica signi� cativa (SA- LEN; ZIMMERMAN, 2012). O termo arti� cial é usado para dar sentido a um espaço e tem- po controlados, embora ocorram no mundo real, essa arti� cialidade é uma característica que os de� nem (SALEN; ZIMMERMAN, 2012), muito próxima ao conceito de virtual, algo que mesmo não existindo na materialidade apresenta algum impacto (LÉVY, 2003) e mais dire- tamente, está ligado ao conceito de ambiente controlado, utilizado no design de jogos (SCHUYTEMA, 2008). Todos os jogos incorporam alguma disputa de poder, onde um con� ito é proposto, seja entre os jogadores, em jogos competitivos, ou contra o próprio sistema de jogo, em jogos cooperativos e colaborati- vos (SALEN; ZIMMERMAN, 2012). O con� ito é a categoria base apresentada pelos autores, assim como a meta para MCGonial (2012), que mantém o interesse do participante, através de sua resolução. As regras, postas por todos os autores,são parte crucial dos jogos, elas fornecem uma estrutura ao qual o jogo surge, delimitando em seu interim, o que os jogadores podem e não podem fazer (SALEN; ZIM- MERMAN, 2012). Por � m, quando os autores apresentam em seu conceito o ter- mo resultados quanti� cáveis, estão justamente tratando do objetivo, ao � m da partida pode-se vencer, perder ou mesmo receber algum tipo de pontuação; isso distingue o jogo de outras atividades lúdicas menos formais (SALEN; ZIMMERMAN, 2012). Advindo do campo do design de jogos tal conceito aborda o jogo em sua característica intencional de ser produzido como tal, o que CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 53 di� culta ao pesquisador uma análise desligada de seu processo de pro- dução, uma vez não conhecendo tal processo, características como a arti� cialidade e principalmente o sistema se tornam categorias analíti- cas complexas de delinear. Essa abordagem holística está muito ligada a ideia de complexidade, que busca pensar o todo como algo maior que a soma das partes, buscando nas interações entre as partes e os sujeitos que constituem o processo de jogar seu objeto do conhecimento. JOGOS COOPERATIVOS Em nossas experiências com jogos a maioria das pessoas sem- pre � ca surpresa quando apresentamos os jogos cooperativos, muitas pensam que só existem jogos individuais e jogos competitivos, mas a verdade é que existe uma variada categorização de jogos quanto a par- ticipação. Neste ponto nos atemos aos jogos cooperativos, abordando algumas críticas quanto a competição e as jogos competitivos, para tanto, realizamos uma discussão teórica que visa compreender essa ca- tegoria, cooperação, dentro dos jogos. Nos jogos competitivos os participantes jogam uns contra os ou- tros, onde apenas o melhor, ou melhores, tem a possibilidade de ven- cer, ela exclui os outros no processo (ANTUNES; LIMA; TEIXEIRA; SOUSA; CAVALCANTE, 2016). Nos jogos cooperativos toma-se a ideia de que “brinca-se melhor com os outros do que contra os ou- tros; vencer desa� os, não vencer os outros; e estar livre pela verdadeira estrutura dos jogos para desfrutar com a própria experiência do jogo” (ORLICK, 1995, p.16, tradução nossa). Em sua estrutura o outro é seu parceiro, ele divide com você a ex- periência de jogar, os participantes jogam uns com os outros, seja no jogo individual ou coletivo, onde o resultado � nal é: todos ganham ou todos perdem (ALMEIDA, 2011, p.22). A vitória e a derrota são compartilha- das, todos têm a possibilidade de aprender em ambas as situações. Para se jogar de forma cooperativa, o trabalho em grupo para a resolução de uma situação problema estipulado no universo do jogo deve ter elementos capazes de reunir a todos em sua resolução, propor- cionando uma situação cooperativa que pode ser de� nida como aquela em que os objetivos dos indi- víduos, em uma situação dada, são de tal natureza que, para que o objetivo de um indivíduo seja alcançado, todos os ou- CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 54 tros membros dessa situação devem igualmente alcançar seus respectivos objetivos (BROWN, 1990, p.16, tradução nossa). O espaço cooperativo representado e apresentado nas manifesta- ções dos jogos possibilitam aos participantes o aprender com o outro, sendo um grande desa� o contemporâneo para a educação. Aprender a viver juntos, aprender a viver com o outro, requer “levar as pessoas a to- mar consciência das semelhanças e da interdependência que existe entre todos os seres humanos do planeta” (DELORS, 2012, p.79), somente sendo alcançada através do autoconhecimento, que passa pelo conheci- mento do outro e mais propriamente, das relações sociais, sendo este o espaço privilegiado dos jogos cooperativos, um ambiente propício para que as pessoas possam se relacionar de forma não-competitiva. Os jogos cooperativos apresentam várias características liberta- doras, que coincidem com o trabalho em grupo, eles: a) Libertam da competição - Seu objetivo é que todos possam jogar com uma meta comum, em uma estrutura que todos jogam juntos, seu interesse está na participação; b) Libertam da sensação de derrota - Os jogos coo- perativos buscam a incorporação de todos, não tratando de eliminar os menos aptos, mas sim de incluir a todos; c) Libertam a criatividade – No processo criativo a participação e o compartilhamento são fun- damentais, sendo os jogos cooperativos estruturas � exíveis, a troca de saberes é enfatizada durante o processo; d) Libertam da agressão física destrutiva - Busca-se eliminar as estruturas que fornecem agressão con- tra os demais, enfatizando a participação onde cada pessoa pode esta- belecer seu próprio ritmo, a � nalidade não é a vitória, mas vivenciar ativamente o processo (BROWN, 1990, p.28-29). Estas características propiciam ainda outras habilidades e compe- tências necessárias nas relações sociais contemporâneas, valorizando a empatia - Os jogos cooperativos fortalecem a empatia, a capacidade dê- -se pôr no lugar do outro -, a cooperação - favorece a capacidade de gru- pos trabalharem em conjunto para atingir uma meta comum -, o apreço - a capacidade de reconhecer e pensar a importância do outro dentro do processo, o que fortalece a con� ança e a autoestima - e a comunicação - relacionada ao diálogo, o intercâmbio dos sentimentos, conhecimentos, problemas e perspectivas no grupo (BROWN, 1990, p. 29-30). Tratando-se da cooperação, ela se apresenta em dois níveis, o do interesse próprio e o do interesse do todo e todos (ALMEIDA, 2011). O primeiro é claramente visto nas empresas, onde a � gura do colabora- CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 55 dor substituiu o termo funcionário, a segunda forma, concernente ao outro, se aproxima melhor do que compreendemos por jogos coope- rativos, cooperar para que os outros e com os outros possamos atingir resultados, pensando no outro, de forma altruísta, permeado pelo de- sejo da coletividade. “A cooperação, o cuidado e a colaboração são ha- bilidades críticas para viver nossas vidas de forma plena e alegre, tanto como crianças como adultos” (ORLICK, 2006, p. 19, tradução nossa). Quanto aos aspectos históricos e culturais “os jogos e os jogos cooperativo nascem a milhares de anos, quando as tribos se reuniram para festejar a vida” (ORLICK, 1995, p.16, tradução nossa), coope- ração e competição estão intrinsecamente ligados a cultura humana, assim como os jogos. No entanto, a competição tem dado a tônica do mercado de trabalho, do esporte, dos jogos e da mídia globalizada. Questionemos a este ponto, você já viu na televisão a transmissão de um jogo cooperativo? Quantos “campeonatos de jogos cooperativos” são apresentados na mídia? Em que livros escolares, do ensino infantil, encontramos jogos cooperativos? Você saberia dizer, de cabeça, o nome de três jogos cooperativos? Você já jogou um jogo cooperativo? Essas são questões latentes da nossa sociedade, advindas do para- digma estruturalista forjado na revolução industrial, abastecidas pelo capitalismo cientí� co, onde o melhor e mais forte, em uma espécie de darwinismo social, é compreendido como mais apto Tudo isso provoca certa vertigem de onipotência, mas revela também nossa fragilidade humana, jogando trabalhadores, em- presas, homens políticos e os estados numa competição cada vez mais opressiva entre concorrentes sempre mais numerosos e astutos, como o perigo crescente de perder aquilo que está em jogo (MASI, 2000, p.150). No campo das relações sociais, do mundo globalizado, busca-se sempre mais, o melhor, fato que representa tal sensação de onipotên- cia, é normal vermos campeões olímpicos elevados a categoria de Deu- ses do Esporte, astros das telenovelas serem nomeados como Mons- tros Sagrados, todos estes acompanhados de belas e estonteantes cifras bancárias. A competição,sendo a negação do outro (MATURANA, 2002), não constitui fato social digno de nota a qualquer pesquisador, ela está lá para ser vista e admirada, o normal é o desejo de ganhar e nós somos acostumados, neste modelo de sociedade, ao normal. CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 56 O espaço entre os universos da cooperação e da competição é abissal, determinado, sobretudo, pela aculturação no sistema escolar, se ambas as formas de interagir, de jogar, estão presentes na socieda- de, o paradigma hegemônico é o ponto de convergência determinante para compreendermos como, na estrutura social posta, a extensão da competição se alastra pelo inimaginável. Quando os pesquisadores investigam as tribos, os povos aborí- genes, as culturas ditas tradicionais; vários destes levantam a questão da existência, em tais culturas, de espaços cooperativos e competiti- vos, sendo que “o fator determinante é o sistema educacional e que, examinando com cuidado, podemos encontrar formas de educação que pareciam necessárias para a formação de uma estrutura de cará- ter competitivo ou de uma estrutura de caráter cooperativa” (MEAD, 1937, p.15, tradução nossa). Ambas são escolhas possíveis, por isso é tão importante ao pesquisador, professor e ativista da cooperação, um posicionamento político claro e epistemologicamente bem alicerçado. Partindo da cultura clássica examinada por Caillois (1990), aos dias atuais, quando tratamos de jogos, e principalmente dos despor- tos, as primeiras experiências que temos em mente são de competição, como dito antes, é uma questão cultural da sociedade ocidental. To- mando como exemplo, na cultura Hanahan, de Papua Nova Guiné, não existe em sua linguagem tradicional a palavra “ganhar”, o que é quase inconcebível na nossa visão de mundo ocidental, no entanto, na � loso� a deste povo, nenhuma criança nunca deverá ser excluída de um grupo, por isso a inexistência de tal termo (ORLICK, 2006). Entre os estudiosos dos jogos cooperativos, Terry Orlick (2006, 1995), apresenta uma série de jogos cooperativos, de diversas culturas, resgatando suas primeiras memórias com os povos esquimó, da região ártica do Canadá, em Papua Nova Guiné e no interior da Austrália; em seu livro (2006), este nos apresenta o Marble game, um jogo aboríge- ne australiano; Cooperative bowling game, da Guatemala; Manumanu, Evanena, Makii, Taketak em Nova Guiné e Papua Nova Guiné; Muk, Skimo Winning Marbles, Blanket Toss, Nuglutang, Kaipsak, Airplane carry, Dog Sledge, no Ártico canadense; e Helping grow the ! ower, Big Turnip, SoFa Circle Game da escola de enfermagem chinesa, observa- dos na década de 70. Temos a necessidade, quanto pesquisadores, de realizar uma lei- tura minuciosa destes relatos de Orlick, pesquisar jogo-a-jogo, na bus- CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 57 ca de imagens, vídeos ou qualquer referência possível. Estes jogos não fazem parte da nossa cultura, no entanto, o motivo não é geográ� co, os povos indígenas brasileiros possuem uma série de jogos cooperativos, o fato é que os jogos do tipo cooperativo recebem pouco espaço, são poucos os trabalhos acadêmicos que falam sobre o tema, sendo uma perda cultural, parecida com a que ocorre nos casos de aculturação das linguagens tradicionais, o esgotamento de tais manifestações culturais. Por � m, deixemos claro que, assim como os diversos autores que exploram o tema, não estamos negando, sob qualquer hipótese, a competição. Nossa crítica impetra na extensão da competição, não apenas quanto aos jogos, mas a conduta competitiva. Existe pouco espaço para a cooperação, principalmente nas realidades escolares per- meadas pelo ranking dos melhores. JOGOS E EDUCAÇÃO Os jogos, como ferramentas de desenvolvimento, têm sido am- plamente estudados no campo da educação visando compreender suas possíveis contribuições, principalmente no desenvolvimento infantil, onde destaca-se a “ação intencional (afetividade), a construção de re- presentações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o desem- penho de ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações (so- cial)”, (KISHIMOTO, 2012, p.41) como vantajosas para a aprendiza- gem, a cognição e a percepção de si mesmo na relação com o mundo. O jogo se torna ferramenta educativa quando utilizado de for- ma intencional, criado ou não com essa � nalidade, visando estimular certos tipos de aprendizagem, garantindo, por parte do educador, a li- berdade da ação intencional do participante em jogar, esta potencializa a atividade educativa ao introduzir o lúdico, o prazer, capacidade de iniciação na ação ativa e motivadora do jogar (KISHIMOTO, 2010). Em se tratando dos jogos cooperativos, além da vantagem de aprender com o outros, o jogar juntos possibilita o fortalecimento das interações sociais em um espaço não-competitivo, onde a resolução de situações problema se aproxima, em muito, da ideia das metodologias ativas e da aprendizagem cooperativa, uma vez imbuído de signi� cado e contextos. A escolha cuidadosa dessas atividades pode proporcionar um espaço educativo inovador e transformador. Garantir o espaço do jogo cooperativos nas instituições educati- vas, como elemento para ampliar o repertório da vida e dos conheci- CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 58 mentos dos estudantes vem a fortalecer a autonomia, a criatividade, a consciência do coletivo, a solidariedade e a cooperação; construindo valores sólidos para fortalecer relações consigo mesmo e com os outros nos diversos meios (ALMEIDA, 2011, p.23-24). Os jogos, como elemento da vida, foram separados em esferas diferentes, costuma-se a ligar a educação a algo sério, enquanto o jogo é tido como algo não-sério. As esferas da vida foram separadas arti- � cialmente, cada uma em seu espaço, sendo, a partir das discussões didáticas dos anos 90, que o jogo retorna a esfera educativa como ele- mento importante para fomento a educação A principal característica da atividade criativa é que ela pratica- mente não se distingue do jogo e do aprendizado, � cando cada vez mais difícil separar estas três dimensões que antes, em nossa vida, tinham sido separadas de uma maneira clara e arti� cial. Quando trabalho, estudo e jogo coincidem, estamos diante da- quela síntese exaltante que eu chamo de “ócio criativo” (MASI, 2000, p.18). O Ócio Criativo, desempenha, segundo o sociólogo Italiano Do- menico de Masi (2000), uma quebra do paradigma hegemônico que separa a educação, o trabalho e os jogos, todos elementos constituti- vos da vida, mas rotulados. Se a educação, a pedagogia, responde as demandas da vida e a preparação para além do mundo do trabalho, a resposta do Ócio Criativo é aludida a estes três pontos, o jogo com ca- ráter lúdico, a educação para a vida e o trabalho grati� cante, permeado pelas duas. As bases fundamentais da pedagogia positivista são educar para o trabalho e a ética utilitarista como base do comportamento, e justa- mente esse princípio utilitarista fortalece a competição destrutiva e o trabalho é ensinado como um dever opressor, torna-se necessário opor- tunizar aos jovens o acesso a um ensino humanístico, solidário e cria- tivo, comprometido com a formação humana integral (MASI, 2000). A instituição educativa, pautada na educação tradicional, interio- riza no jovem essa separação arti� cial entre o mundo humano e natural, esse afastamento também é o afastamento do outro, pela valorização da competição na busca por resultados, enaltecendo o individualismo e nos conduzindo a beira de um abismo na busca por benefícios de cur- to prazo que nos movem ao desequilíbrio, inclusive a emergência das CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 59 questões ambientais (ALMEIDA, 2011; 2010). Não compreendemos as instituições como mentorasde tal desequilíbrio, compreendemos sim que a educação, como posta pelos valores tradicionais, contribui para a escala incomensurável e entrópica da devastação. Justamente, quando pinçamos tal emergência dentro do todo complexo da educação e das relações sociais, os jogos e de forma mais quali� cada, os jogos cooperativos, tem a propensão para tal jornada. Solidariedade, empatia, parceria, trabalho em grupo, são todos objeti- vos característicos da interação humana que podem ser atingidos por meios dos jogos cooperativos, sendo basilares na compreensão do con- ceito e em sua aplicação. Nosso esforço está em perceber quais as necessidades contem- porâneas na educação e como os jogos e os jogos cooperativos podem contribuir ante tais lacunas sobretudo, no posicionamento do educa- dor onde, dentro das hierarquias institucionais, para educar um jovem a lutar por dinheiro e poder adotava- -se uma pedagogia que premiava o egoísmo, a hierarquia e a agressividade, para educar os jovens para os valores emergentes, os métodos a serem usados deverão valorizar mais o diálogo, a escuta, a solidariedade e a criatividade (MASI, 2000, p.293). Reside aí nosso interesse nos jogos cooperativos, além da série de elementos que foram destacados, os jogos se tornam atrativos aos jovens, não apenas por uma questão cultural, mas também por pro- porcionar a interdependência positiva, aqui entendida “quando os es- tudantes podem perceber o vínculo com o grupo de tal forma que não podem alcançar o sucesso sem ele e vice-versa” (ALMEIDA, 2011) e a possibilidade de aprender por meio de simulações próprias do sistema de jogo, favorecendo o desenvolvimento de habilidades e competên- cias, que aproximam os participantes-estudantes da realidade, fortale- cendo o signi� cado da atividade pedagógica e valorizando os compo- nentes sociais em uma escala macro da ação. Educar, portanto, toma o signi� cado de dar sentido as coisas, é signi� cante, qualidade basilar para as metodologias ativas, aprendiza- gem cooperativa e a educação do século XXI (DELORS, 2012), fo- mentando aos diferentes, diferentes formas de aprender (por seu fator inclusivo), onde “quanto mais educado você for, um maior número de signi� cados as coisas suscitam em você e mais signi� cados você dá CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 60 às coisas” (MASI, 2000, p.335), proporcionando a seus participantes uma visão de mundo crítica, a partir da capacidade de perceber estes signi� cados, como eles interagem com o todo e estabelecem inter-rela- ções com sigo e o mundo a sua volta. Desta forma, os jogos cooperativos, usados intencionalmente com � nalidade educativa, se apresentam como ferramenta signi� cativa para a educação, este é um “processo através do qual uma nova infor- mação (um novo conhecimento) se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não-literal) à estrutura cognitiva do aprendiz” (MOREI- RA; CABALLERO; RODRÍGUEZ, 1997, p.26). Uma vez que utilizemos de experiências e situações reais, ancora- das no sistema de jogos cooperativos, podemos facilitar o entendimen- to sobre um assunto, partindo da informação que se deseja trabalhar ao conhecimento proveio do estudante, sendo “no curso da aprendiza- gem signi� cativa que o signi� cado lógico do material de aprendizagem se transforma em signi� cado psicológico para o sujeito” (MOREIRA; CABALLERO; RODRÍGUEZ, 1997, p.26). Esse conceito, estipulado por David Ausbel, tem, necessaria- mente duas características, a não-arbitrariedade e a substantividade. O primeiro diz respeito aos conhecimentos prévios do estudante, ser- vindo como uma matriz cognitiva e organizacional do conhecimento, para o entendimento e a � xação, por interligação à conhecimentos já existentes; a segunda, diz respeito aos símbolos e signos utilizados na comunicação das ideias, essa não pode depender de um conjunto único, mas deve variar, de acordo com cada espaço, e possivelmente com cada indivíduo, buscando uma melhor compreensão (MOREI- RA; CABALLERO; RODRÍGUEZ, 1997). Para atingir satisfatoriamente estes dois pontos, como aponta Kishimoto (2012), a intencionalidade no uso dos jogos deve ser clara a todos os participantes, a escolha do jogo em si deve ser feita com base tanto dos conhecimentos prévios, como também em um sistema de sig- nos e símbolos capazes de ser melhor compreendidos por todos os parti- cipantes. Dada a disponibilidade de uma in� nidade de jogos comerciais e gratuitos, eletrônicos e analógicos, em diversas línguas ou mesmo sem dependência de idioma, cooperativos, individuais, competitivos, macro jogos; para que tal escolha seja feita, o pro� ssional da educação, certo de sua função e para uma maior chance de êxito na ação deliberada de usar os jogos deve, simplesmente, ser ele também um jogador. CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 61 Tratamos mediação como sinônimo, também, de curadoria do conhecimento, o educador, mediador no espaço pedagógico, tem que estar ciente do seu papel de curador ante ao que deseja implementar, se despindo da dicotomia hegemônica do jogo com não-sério, e banhar- -se na ludicidade, cooperação, interdependência positiva e na diversão. Uma vez aberto a esse caminho, seu processo de curadoria terá uma maior chance de sucesso, bem como, será divertido. Caso o educar não consiga encontrar o jogo ideal nesse processo, sempre existe a opção de cria-lo (ANTUNES; QUEIROZ; SANTOS; LIMA, 2018). CONCLUSÃO O conceito de jogo tem inúmeras nuances, desde o jogo como manifestação cultural, um sistema de signos e símbolos, como consti- tuinte de valores interdependentes ao desenvolvimento humano; per- passando diversas áreas do conhecimento que contribuem para que possamos compreender, descrever, analisar e explicar como eles estão presentes na realidade e como in# uenciam a sociedade. Não obstan- te, o conceito de jogo, dentro de temporalidades especí$ cas, está em construção constante, como objeto do conhecimento, em que os pa- res, a$ liados a um paradigma, traçam suas construções conceituais de maneira ampla ou restrita, a partir dos vieses que lhes são próprios, explicitando a construção dinâmica do conhecimento cientí$ co. Como objetivo da construção de conhecimento, os jogos, e cada uma das visões teóricas apresentadas nesse estudo, contribuem para que possamos compreende-lo, seja como fenômeno, ação deliberada, parte de uma realidade ou um todo interligado a realidade. São chaves de pesquisa importantes ao qual devemos nos apropriar, como pesqui- sadores, para que possamos construir nossas investigações, tecer nossas críticas e rever dinamicamente estas construções conceituais em vistas a contribuir com as discussões propostas para os diversos campos de estudo possíveis aos jogos. Convergem, as diversas categorias analíticas que compõem essa construção conceitual sobre os jogos, tanto em uma relação gnosioló- gica da construção do conhecimento, quanto a efetividade da compre- ensão de seus limites e possibilidades no campo da educação, objeto privilegiado do conhecimento neste estudo. Percebemos dois pontos centrais em todas as discussões, jogos têm regras (com diversos enten- CAPÍTULO 1 CIÊNCIA DOS JOGOS E A EDUCAÇÃO: O QUE ENTENDEM OS POR JOGOS? 62 dimentos acerca de sua função) e exigem a participação, para que se tornem fenômenos possíveis de estudo, além do complexo mecanicista que engendra sua produção. Ora analisamos os jogos cooperativos, como categoria de par- ticipação, compreendidos na busca de objetivos comuns em que os participantes se complementam, compartilhando objetivos, para que juntos possam atingir a meta do jogo. Os jogos cooperativos, em nossa análise, se apresentam como uma perspectiva diferente do senso co- mum, o incluir o outro no processo, que corrobora com os conceitos de aprender com o outro, metodologias ativas e aprendizagem coopera- tiva, quando pensadosa luz da construção horizontal do conhecimen- to. Suas características emancipadoras vão de encontro a competição, compreendidas aqui como a negação do outro, ao ter o outro como um parceiro que divide com você a construção do processo rumo a resolução do problema proposto/simulado no ato de jogar. No entanto, quando pensamos tais qualidades acerca dos jogos cooperativos, temos de terem em mente a realidade, cerceada na com- petição, que é representada e reproduzida nos sistemas educacionais através de sistema de notas, ranking, na busca dos melhores, excluindo o outro no processo. Fortalecer vínculos, onde juntos podemos alcan- çar o sucesso, ampliando o signi� cado da educação e os signi� cantes no processo educativo pode possibilitar, na interação dos estudantes, ampliar os sentidos e os signi� cados que as pessoas dão as coisas, pro- porcionando uma visão crítica do mundo, ampliada pela interação do sujeito com o outro e o mundo a sua volta. Compreender os jogos, suas possibilidades, categorias, limites, formas e inserções nos auxilia a conhecer melhor este objeto do co- nhecimento, contribuindo para o rompimento da dicotomia entre o lúdico, o estudo e o trabalho, que foram, de forma sincrética, separa- dos como elementos constituintes da vida. O jogo tido como atividade não-séria, deslocado da realidade educativa, pode ser substituído pela intencionalidade de criar experiências que aproximem estudantes da realidade, através de simulações, mediadas dentro do processo educa- tivo, seja como ferramenta ou manifestação, que contribuem através do impacto lúdico signi� cativo para experiências que possam renovar nossas possibilidades na relação ensino-aprendizagem. Nesse aspecto, o jogo é uma linguagem, instrumento simbólico de comunicação, e reconhecer os jogos como tal aproxima pro� ssionais da educação as referências que são comuns, e muitas vezes caras, aos CA PÍ TU LO 1 CI ÊN CI A DO S JO GO S E A ED UC AÇ ÃO : O Q UE E NT EN DE M OS P OR JO GO S? 63 estudantes. Só existe a intencionalidade do que conhecemos, portanto, trabalhar com jogos na educação torna-se uma tarefa de mediação, sinônimo de curadoria, em um sistema de referências que dialoga com o contexto em que os estudantes estão inseridos, gerando experiências mais signi� cativas, criativas e com o potencial para contribuir com a construção ontológica deste ser social. Sejam os jogos analógicos (físicos), digitais (eletrônicos), mistos (imbicando o real e o virtual); individuais, cooperativos, colaborativos, competitivos, de times, grupos, macro jogos; autóctones, tradicionais, modernos, contemporâneos; familiares, livros jogo, históricos, abstratos, estratégicos, de construção de cidade, cartas, musicais, mitológicos; pro- duzidos ou não, mas utilizados intencionalmente para ações educativas, propomos, para estudos futuros, perceber a multiplicidade de categorias que emergem no campo para a construção do conhecimento sobre os jogos, sejam como manifestações culturais, processos criativos, o desen- volvimento infantil ou mesmo o simples e salutar hábito de jogar. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. Jogos Cooperativos: Apren- dizagens, métodos e práticas. Várzea Paulista, São Paulo: Fontoura, 2011. ___________. Brincar Cooperativo: Vivências lúdicas de jogos não competitivos. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010. 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Mundo no qual experimentam aventuras, emoções e identidades e que se constitui em novo universo de aprendizagem e sig- ni� cação cuja sociedade de forma geral desconhece, ou conhece pouco. Neste espaço, sem dúvida, ocorre a aquisição de hábitos ou mes- mo de aprendizagens que rompem com as prescrições predeterminadas do currículo formal escolar. Elas voltam-se para uma apropriação conteúdos outros, que dizem respeito à formação de indivíduos cujas habilidades que lhes são exigidas para desempenhar ocupações são � exíveis e não requerem uma aprendizagem longa e sistemática, que mudam dia a dia. Por outro lado, A Escola continua a ensinar nos moldes tradicionais, homogeneiza- do, não atendendo a pluralidade cultural existente entre seus muros. CA PÍ TU LO 2 CAPÍTULO2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvim ento de habilidade cognitivas 66 É comum, por exemplo, encontrarmos professores ensinando matemática, através de aplicação de fórmulas, ou com exercícios práti- cos desvinculados da realidade do estudante. (CASTRO 2016). Além disso, vários professores, sejam eles do ensino fundamental, médio ou até de universidades, não possuem, ou possuem muito pouca familia- ridade com tecnologias digitais quando poderiam se utilizarem de re- cursos digitais, de jogos eletronicos para desenvolverem competências e ensinarem conteúdo. Atento a tais problemas foi aprovada e homologada em dezem- bro de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no dia 4 de dezembro de 2018 e homologado na semana seguinte, pelo Mi- nistério da Educação, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental que estabelece dez competências gerais, válidas para todos os níveis da Educação Básica, e que devem ser trabalhadas de acordo com esses níveis (em grau de intensidade e di� culdade). Nela, uma (...) competência é de� nida como a mobilização de conheci- mentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2017) Sabemos que a base dos conhecimentos adquiridos por nossos pro� ssionais se dá justamente na educação básica, por consequência, é premente questionarmos e repensarmos alguns de seus aspectos, ainda conservadores, que de forma alguma leva os estudantes a se desenvol- verem globalmente. Nossos jovens usam, com frequência, todo um aparato tecnológico como tablets, celulares, iPods, consoles de video- games, além de estarem habituados e uma vida de posts no Facebook, Tweeter. Eles adormecem e acordam com seus smartphones permanen- temente ligados e disponíveis para o contato. Negar a entrada da tec- nologia (imagens, sons, jogos eletrônicos) na sala de aula é negar o próprio mundo onde estão imersos e deixar despercebidos os possíveis desdobramentos pedagógicos que podem vir à tona frente a novas cir- cunstâncias que se colocam no cotidiano escolar. Assim, na dinâmica da sociedade contemporânea, onde cada vez mais, falamos de Industria 4.0, inteligência arti� cial, robótica, big data, dentre outros, na qual precisamos cada vez mais de pro� ssio- CA PÍ TU LO 2 O pr oc es so d e cr ia çã o de jo go s el et rô ni co s pa ra o d es en vo lv im en to d e ha bi li da de c og ni ti va s 67 nais quali� cados, portadores de uma combinação de competências e habilidades que serão exigidas ao longo da vida pro� ssional, que de certa forma não são priorizadas dentro das Escolas. Sobre este aspecto Bauman (2008, p. 24) nos fala de uma aprendizagem secundária que “não depende tanto da diligência ou do talento dos alunos e da com- petência e assiduidade de seus professores, mas sim dos atributos do mundo no qual os alunos deverão viver suas vidas”. Neste contexto, acreditamos que jogar videogames, assim como a inclusão de Recursos Educacionais Digitais (RED), quando bem inseridos em um contex- to pedagógico, podem contribuir para a aquisição das competências desejadas no mundo atual, sendo preciosos aliados dos professores nas mais variadas disciplinas POR QUE OS JOGOS ELETRÔNICOS PODEM AJUDAR NO CONTEXTO DE SALA DE AULA? A velocidade e a diversidade de informações constituem um fenômeno ímpar no mundo contemporâneo. Informações das mais variadas chegam aos nossos jovens de forma instantânea e contínua. Tão logo eles adquirem um novo conhecimento, este é rapidamente substituído por uma informação mais recente, num processo de satu- ração continuada, sem espaços para uma produção de sentido ou uma re& exão crítica acerca dessas informações. Esses jovens são produtos de uma convivência cercada por tecnologia, mídias tecnológicas diversas, assim como outros tantos aparatos tecnológicos como os videogames, que possibilitam uma outra forma de aprender ou de ver a vida. A esse respeito Don Tapscott ainda em 1999 apresentou o que considerava as dez características mais fortes de uma nova geração nascida e criada sob esta égide; a geração “N-GEN”. Para o autor, os jovens da Geração In- ternet apresentam características como: “independência, mente aberta, sociabilidade, opiniões livres e fortes, espírito inovador, capacidade in- vestigativa, maturidade, imediatismo, sensibilidade e autocon� ança”. (TAPSCOTT, 1999, p. 87). Tapscott (2010) reforça algumas mudanças de comportamento dessa geração, que não devem ser vistas com juízos de valor negati- vos, mas como mudanças a observar, a serem consideradas no âmbito educacional, visto que trabalham competências distintas que exigem estudo e análise. Ele diz: CAPÍTULO 2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvim ento de habilidade cognitivas 68 O fato de ter crescido em um ambiente digital causou um im- pacto profundo no seu modo de pensar, a ponto de mudar a maneira como o seu cérebro está programado. E, embora apre- sente desa� os signi� cativos para os jovens — como lidar com uma quantidade vasta de informações ou garantir o equilíbrio entre o mundo digital e o mundo físico —, essa imersão digital em geral não os prejudicou. Foi algo positivo. Essa geração é mais tolerante em relação à diversidade racial e é mais esperta e rápida do que as gerações anteriores. Esses jovens estão remode- lando todas as instituições da vida moderna, do local de trabalho ao mercado, da política à educação, até chegarem à estrutura bá- sica representada pela família. (TAPSCOTT, 2010, p. 20). Na família da Geração Internet, o � lho é o centro das decisões, da li- derança e da de� nição de direitos e responsabilidades. No mercado, novos modelos de trabalho de alto desempenho e mudanças profundas nas for- mas de gerir a própria carreira são apenas alguns dos temas que passaram a dominar as pautas de discussão nos contextos corporativos nas últimas décadas. Precisamos de pro� ssionais competentes, porém, engajar e reter nossos alunos em sala de aula se tornou ainda mais desa� ador. Somemos a isso, a proliferação dos smatphones, e com eles o aces- so aos jogos digitais ou videogames, deixaram de ser um entretenimen- to exclusivo de uma minoria, para tornarem-se disponíveis a todos. Esses jogos fazem parte da experiência sociocultural de nossos jovens e, portanto, faz-se necessário considerar as vantagens e desvantagens de sua utilização em sala. Existe uma necessidade de se ponderar sobre seu uso. Prensky (2012) destaca algumas características presentes nos vi- deogames e que levam as pessoas a jogaram mais, que poderiam ser trazidas para o ensino-aprendizagem de forma geral. São elas: prática e feedback, aprender na prática, aprender com os erros, aprendiza- gem guiada por metas, aprendizagem guiada pela descoberta, apren- dizagem baseada em tarefas, aprendizagem guiada por perguntas, aprendizagem contextualizada, role-playing, treinamento, aprendiza- gem construtivista, aprendizagem acelerada, selecionar a partir de objetos de aprendizagem e instrução inteligente. Para o autor todas estas características, presentes nos videogames, fazem com que os jo- gadores se sintam desa� ados, se encantem e permaneçam jogando. O que de fato seria de grande utilidade para a produção de materiais didáticos de forma geral. CA PÍ TU LO 2 O pr oc es so d e cr ia çã o de jo go s el et rô ni co s pa ra o d es en vo lv im en to d e ha bi li da de c og ni ti va s 69 Para Mark Prensky, a associação do videogame a outros instru- mentos didáticos, respeitando o projeto político pedagógico da escola e as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais podem contribuir na dinamização das aulas, se trabalhadas em conjunto com o educador. Acompanhando esta tendência, a aprendizagem baseadaem jo- gos digitais se expandiu, diversi� cou e está se adaptando a diversos contextos de ensino-aprendizagem. Desta forma. Observamos que a aprendizagem baseada em jogos digitais é uma tendência que vem sendo incorporada cada vez mais na educação e sob diferentes roupa- gens. Por vezes, sob a insígnia de Jogos Educacionais, Jogos Educa- tivos, Edutenimento ou Recursos Digitais Educacionais, são criados para abordar conteúdos curriculares apresentando características téc- nicas, dinâmicas e mecânicas antes só vistas nos videogames e a� ns. Mas, é fato que pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC, 2012), o uso das tecnologias no âmbito educacional tem crescido a cada ano no Brasil. Na direção de trabalhar para esta necessidade da sociedade que se vive, um grupo formado por uma equipe multidisciplinar, com- posto por graduandos dos cursos de Matemática, Português e Sistemas e Mídias Digitais, mestrandos em Educação, professores da graduação e pós-graduação, bem como pro� ssionais das áreas de design e de pro- gramação, todos vinculados ao Grupo Mídias Digitais na Educação (MIDE), vem trabalhando no sentido de produzir materiais digitais compatíveis com a realidade educacional de nossas Escolas e que aten- dam a esses jovens cujas características e forma de pensar estão em permanente processo de mudança. O DESENVOLVIMENTO RECURSOS EDUCACIONAIS DIGITAIS PARA USO EM SALA DE AULA NO MIDE De maneira geral, um recurso digital é um item que se encontra disponível na Internet, em formato digital (imagens, vídeos, áudios, animações, simulações, jogos e textos, entre outros). Tais recursos di- gitais passam a ser classi� cados como educacionais a quando abrigam, em sua proposta, um objetivo educacional, com interações que visem o processo de aprendizagem do aluno, sendo, o seu uso, ferramenta importante para que o professor desempenhe com êxito o papel de CAPÍTULO 2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvim ento de habilidade cognitivas 70 mediador das informações, dos conteúdos e das matérias trabalhadas em sala de aula. O professor, hoje dispõe de incalculáveis formas de aplicação desses recursos dentro e fora de sala. Se antes a responsabilidade do processo de ensino-aprendizagem era exclusivamente da escola, hoje são múltiplos os agenciamentos que possibilitam informações e conhe- cimentos a que se pode ter acesso (KENSKI, 2008). A utilização de recursos educacionais digitais (RED) modi� cou a dinâmica do ensino, as estratégias e o comprometimento de alunos e de professores. Notadamente, o desenvolvimento de RED é processo interdisci- plinar e não pode ser considerado um procedimento de fácil descrição. Incorporar a dinâmica de um jogo eletrônico a um material que é usa- do para aprender é quase sempre um desa� o. O jogo eletrônico projeta detalhes minuciosos, oferece ao jogador não apenas um sistema de re- gras, mas também personagens, ambientes, narrativas e desa� os. Em consequência, para incorporar seus elementos, torna-se importante o uso de metodologias apropriadas para organizar, padronizar, facilitar a comunicação entre os pro� ssionais envolvidos desde a concepção de uma ideia (fase de ideação) até de autenticação. Ora, se o desenvolvimento de um jogo eletrônico, que não tem como objetivo especi� co o desenvolvimento de habilidades cogniti- vas, demanda uma gama de pro� ssionais especializados, o que dizer do desenvolvimento de um recurso que além de ser divertido, interativo, precisa comtemplar o desenvolvimento de competências curriculares? Diante desse desa� o, o grupo MIDE, tem procurado não apenas o recurso em si, mas pensar metodologias, processos e gestão que possam resultar em um material de melhor qualidade lúdica e pedagógica para uso na educação. O projeto foi desenvolvido em duas etapas: A primeira etapa cons- tou de estudos acerca das tecnologias mais atuais para desenvolvimento de recursos educacionais digitais. Foi dado ênfase às tecnologias abertas que possibilitassem posterior customização, adaptação e reutilização dos recursos desenvolvidos. Nesta fase, também ocorreu a seleção dos con- teúdos de Língua Portuguesa e Matemática a serem desenvolvidos e do estabelecimento de parâmetros para os recursos a serem desenvolvidos com base na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os integrantes constituíram duas equipes, as quais trabalharam simultaneamente: A primeira equipe, denominada equipe pedagógica CA PÍ TU LO 2 O pr oc es so d e cr ia çã o de jo go s el et rô ni co s pa ra o d es en vo lv im en to d e ha bi li da de c og ni ti va s 71 � cou responsável pela criação dos contextos, atividades, textos, narra- tivas e incorporação dos elementos de game� cação além dos conceitos matemáticos e português aos feedbacks de interação com o usuário. Fi- zeram parte dessa equipe: 4 professores de português, 3 professores de matemática , bolsistas de graduação e 1 coordenador geral. Já a segunda equipe, denominada equipe técnica, � cou encarregada das proposições de elementos grá� cos, sonoros, � uidez das interações e ferramentas de programação. Foi composta inicialmente por: 1 animador, 1 design, 1 diretor de arte, 1 design, 1 programador e 1 gerente de projetos. Assim foram desenvolvidos um conjunto de recursos educacio- nais digitais (RED) para componentes curriculares de Língua Portu- guesa e Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º). O desenvolvimento do RED, contou com seis etapas, organizadas conforme a Figura 1. Figura 1 - Processo de Desenvolvimento de RED (Fonte: autores) Na etapa 1, que denominamos de ideação, ocorrem reuniões nas quais o grupo solta sua imaginação criativa, e propõe algumas possíveis narrativas que serão levadas adiante ou não, dependendo dos aspectos relacionados às habilidades e competências que são estabelecidos de acordo com as diretrizes da BNCC, o conteúdo a ser trabalhado e os possíveis elementos de gami� cação a serem inseridos. Aqui são de� nidos os aspectos centrais do RED, tais como seus objetivos pedagógicos, con- teúdos e habilidades a serem contemplados e de� nição do público-alvo. Na etapa 2, Organização estabelecemos a contextualização e a se- leção dos elementos de gami� cação a serem incorporados no projeto de desenvolvimento para se atingir objetivos especí� cos. Na terceira etapa buscamos projetar/modelar sequências de navegabilidade, elementos de interação e gami� cação, construímos protótipos e storyboards. CAPÍTULO 2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvim ento de habilidade cognitivas 72 Na etapa de implementação, três linguagens principais são uti- lizadas, sendo estas: HTML5 (marcação), JavaScript (programação) e CSS (estilo). Após desenvolvido o programa executável, passamos à etapa de averiguação onde veri$ camos a sequência de navegabilidade, os elementos de interação e se os objetivos de$ nidos no início desse processo foram atendidos. Por $ m, na etapa de autenticação que cor- responde a etapa de validação, testamos junto a professores e alunos de escolas públicas e veri$ camos se os objetivos pedagógicos foram atingi- dos da forma como foi projetado, caso sejam encontrados problemas, esses serão revistos e soluções serão propostas para que sejam imple- mentadas pela equipe técnica. Todo o grupo se reúne a cada quinze dias para compartilhar o desenvolvimento do trabalho nos subgrupos e apesar de todos os nossos esforços, olhar novamente para um dos RED que construímos nos leva a creditar ainda podemos melhorar. Ao desenvolver cada um dos recursos pensamos em proporcio- nar ao professor mais uma ferramenta, “uma carta nas mangas” pra fazer com que suas aulas sejam atrativas e dinâmicas. A escola precisa compreender que os alunos já estão imersos em tecnologia em seu co- tidiano e o contexto educacional não pode $ car estanque disso, precisa acompanharas transformações que ocorrem dentro da sociedade e afe- tam também o contexto socioeducacional, advindo pela utilização das tecnologias pelos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A velocidade e a diversidade de informações a que nos subme- temos diariamente constituem um fenômeno ímpar no mundo con- temporâneo. Informações das mais variadas nos chegam de forma instantânea e contínua. Nossas Escolas, com certeza estão dentro desse contexto. Em seus corredores, pátios e salas de aula, encontramos uma geração cuja convivência em meio a tecnologias e mídias tecnológicas, bem como outros tantos aparatos tecnológicos, possibilitaram uma outra forma de aprender ou de ver a vida. Don Tapscott denominou essa geração como “Geração Net” ou N-Gen (TAPSCOTT, 1999). Não obstante a prática pedagógica, em muitos, casos teima em $ car restrita à fala do professor, ao texto verbal, a uma comunicação de mão única, onde o professor fala e os alunos escutam. Aliás, será que eles escutam? CA PÍ TU LO 2 O pr oc es so d e cr ia çã o de jo go s el et rô ni co s pa ra o d es en vo lv im en to d e ha bi li da de c og ni ti va s 73 Não resta dúvida de que no sentido de transmitir informações e conhecimentos a escola tem uma postura por demais intelectualizada e distante do universo juvenil. Nas palavras dos alunos, muitas aulas são chatas, sem sentido e cujo único sentimento suscitado é o de enfado. A escola que segue buscando apenas “transmitir informações” não conse- gue atrair o aluno que vive em um mundo com tantas solicitações como o que vivemos. É urgente trocar a enfadonha posição de ouvinte pela excitante função de ator, trocar o ouvir pelo fazer, pelo prazer lúdico. Lançar mãos de Recursos Educacionais Digitais pode seu uma boa maneira de renovar a prática pedagógica. Porém, eles precisam proporcionar novas experiências em sala de aula, estimular o interesse, a participação e facilitar a aprendizagem de conteúdo. Mas ainda mais importante do que isso, eles devem trazer em si formas de expressão diversas da fala e da escrita que deem signi� cado ao que está sendo aprendido. Com eles deve ser possível ilustrar o discurso do profes- sor, mostrar diferentes abordagens ou perspectivas de um determinado assunto, materializar conceitos abstratos e estimular discussões. Infe- lizmente, para alcançar todos esses objetivos, necessitaríamos de uma estrutura não apenas que se assemelhe às das grandes indústrias de pro- dução de jogos eletrônicos, mas que entenda de também dos aspectos intrínsecos aos processos de aprendizagem. REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas / tradução José Gradel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e En- sino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. CASTRO, J. B. Construção do conceito de covariação por estu- dantes do Ensino Fundamental em ambientes de múltiplas repre- sentações com suporte das tecnologias digitais, 2016. 275 f. Tese (Doutorado) - Curso de Doutorado em Educação Brasileira, Universi- dade Federal do Ceará, Fortaleza. CETIC - Pesquisa TIC Educação - Pesquisa sobre o uso das TIC nas escolas brasileira – http://www.cetic.br/educacao/index.htm. 2012. Acesso em 18/08/2019 CAPÍTULO 2 O processo de criação de jogos eletrônicos para o desenvolvim ento de habilidade cognitivas 74 KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo: Papirus, 2008. PRENSKY, M. Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. TAPSCOTT, D. Geração Digital: a crescente e irreversível ascensão da geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999. ______. A hora da geração digital: como os jovens que cresceram usando a internet estão mudando tudo, das empresas aos governos. (tradução de Marcelo Lino). Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010. 75 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS Glaudiney Moreira Mendonça Junior INTRODUÇÃO O termo “analógico” deriva da palavra “análogo” utilizada para re- lacionar dois elementos que possuem características similares. Já na infor- mática, o termo está relacionado com grandezas de valores contínuos, em oposição ao digital que é discreto. O dicionário1 de� ne “analógico” como: [adjetivo] relativo à analogia, à semelhança entre coisas ou ações distintas. Fundado a partir de analogia; ocasionado por analogia. Cujas palavras estão dispostas pelas semelhanças de seus sentidos: raciocínio analógico. [Substantivo masculino, Informática] Que mede uma grandeza ou demonstra valores de maneira contínua e linear: relógio de funcionamento analó- gico. [Expressão] Sinal Analógico. Sinal contínuo cuja variação ocorre em função do tempo, representado por uma curva, é emitido pelos aparelhos que trabalham com a esse tipo de fre- quência maior e mais instável. “Analógico” é utilizado também para indicar um processo de ela- boração que não se utiliza de equipamentos digitais, porém atualmente é simplesmente usado como contraponto ao digital: O termo “analógico” existe apenas por meio de comparação negativa com o digital, de modo que nossas formas digitais atuais de expressão produzem sua herança analógica como um subproduto (TRAMMELL; WALDRON; TORNER, 2014). 1 https://www.dicio.com.br/analogico/ CA PÍ TU LO 3 76 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 76 Embora não muito apropriado, acaba sendo o mais indicado para abarcar o amplo espectro de jogos que podem ser inseridos nessa categoria. Consideramos, para este trabalho, jogo analógico (ou jogo não-digital) como sendo aquele que não é dependente (ou depende parcialmente, nos casos de jogos que utilizam aplicativos) de uma pla- taforma digital para sua realização. Compreendem os jogos analógicos: • Jogos de mesa (tabletop games): chamados assim pois são jo- gados normalmente em uma mesa, compreendem os jogos de tabuleiro, os jogos de cartas, e os RPGs (Role Playing Ga- mes – Jogos de Interpretação de Papéis); • Jogos desportivos: incluindo os esportes e as atividades lúdi- cas utilizadas como exercícios físicos; • Escapes: “jogos live-action baseados em equipes onde os joga- dores descobrem pistas, resolvem quebra-cabeças, e realizam tarefas em uma ou mais salas para conquistar um objetivo especí# co (normalmente escapar de uma sala) em um tempo limitado” (NICHOLSON, 2015); entre outros. Por mais que estejamos em uma época marcada pelos jogos digi- tais, o mercado de jogos analógicos continua crescendo, principalmen- te com o ressurgimento desse tipo de jogo no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Game Brasil 2019, 28% da popula- ção do país se diverte com tabuleiros (“boardgames”), fatia próxi- ma dos que jogam cartas – 34%. O segmento representou 9,7% das vendas do setor de brinquedos, de um total de R$ 6,871 bi- lhões, em 2018. A indústria dos jogos analógicos como um todo também teve um crescimento de 7,5% no ano, como se vê em levantamento da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brin- quedos (Abrinq). [...] Em todo o mundo, foram lançados mais de 4.000 jogos de tabuleiro em 2018, segundo o site especiali- zado “BoardGameGeek”. [...] Só neste ano títulos lançados ou em desenvolvimento já somam 421 (SOMMADOSSI, 2019). O mercado nacional está ganhando notoriedade no cenário in- ternacional, o que pode ser constatado pela recente aquisição de uma empresa brasileira, a Galápagos Jogos, pelo Asmodee, multinacional francesa especializada em jogos analógicos (CARDIM, 2018). CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 77 Fundado em 1995 e com escritórios em 14 países, além de 13 estúdios de desenvolvimento espalhados pelo mundo, o Asmo- dee faturou mais de 440 milhões de euros em 2017 e registra a venda média de mais de 30 milhões de jogos por ano, o que é um feito memorável. Mas, vejam só, vai ser a PRIMEIRÍS- SIMA operação deles aqui na América Latina, ampliandoum relacionamento que já dura cinco anos (CARDIM, 2018). Em 2018, o mercado mundial de jogos de mesa faturou US$10 bilhões. Este mercado vem crescendo a uma taxa de 10% ao ano e, em países como o Brasil, pode chegar até a 40% (BACCARINI, 2018). Além de sua proeminência comercial, os jogos analógicos tam- bém estão se destacando na educação. Diversos trabalhos buscaram re- alizar experiências educativas utilizando jogos analógicos: Zimermann, Pacheco e Padovani (2018), Carolei et al. (2018), Giacomoni e Pereira (2018), entre outros. Diante desse cenário mercadológico e acadêmico em ascensão, é importante discutir os métodos de criação desse tipo de jogo e suas particularidades. O DESIGN DE JOGOS O design de jogos pode ser considerado a espinha dorsal do pro- jeto e do desenvolvimento de um jogo. O designer é responsável por dirigir a criação do jogo, seguindo uma série de restrições técnicas, de produção, de mercado, de orçamento, de público etc. De maneira mais ampla, o design de jogos pode ser considerado como a atividade responsável por decidir o que um jogo deve ser (SCHELL, 2011). De modo a tornar isto possível, o designer exerce diversas tarefas, atuan- do como um pensador criativo, comunicador, escritor, advogado de- fensor, técnico, oráculo, fonte de novas ideias, testador, entre outras responsabilidades, além de participar do processo de desenvolvimento da ideia até o desenvolvimento do jogo ! nal (SCHUYTEMA, 2011). O objetivo principal do designer de jogos é gerar uma experiên- cia no jogador. Porém, as experiências são subjetivas, individuais e im- possíveis de se transferir, assim o designer de jogos tem a árdua tarefa de criar uma situação (jogo) onde seja possível para o jogador ter uma determinada experiência. Deve, portanto, buscar o máximo possível de elementos que possam reforçar a experiência almejada, porém apenas com os testes é que será possível observar se o objetivo foi alcançado. 78 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 78 O processo de criação de um jogo não possui uma padronização, cabendo a cada designer, através da sua experiência pessoal, desenvol- ver sua metodologia. Apesar de alguns elementos repetirem-se, cada processo possui características diferentes e desenvolve-se de forma par- ticular e alguns designers compartilham suas experiências pro� ssionais. Schell (2010) recomenda começar pelo levantamento de ideias através de brainstorms, depois escolher as melhores ideias para desen- volver. Essas ideias devem reforçar um tema que é o principal objetivo do jogo. Após escolher a ideia, ele sugere desenvolver uma série de ciclos de desenvolvimento para testar possíveis soluções e riscos das ideias escolhidas, em um processo incremental e iterativo. As soluções são testadas através do desenvolvimento de protótipos. A ideia deve ser desenvolvida ressaltando a tétrade elementar: narrativa, mecânica, es- tética e tecnologia, com cada elemento reforçando os demais em busca de uma união que reforce a experiência. Fullerton (2008) considera o playtest (teste do jogo com o públi- co-alvo) como elemento fundamental e desenvolveu uma metodologia baseada fortemente nessa prática. O objetivo é começar pelas mecâni- cas mais básicas do jogo e, à medida que os testes forem realizados e os possíveis problemas sanados, outras mecânicas mais elaboradas são adicionadas ao projeto. Se o design de jogos apresenta uma série de di� culdades em seu desenvolvimento, o design de jogos analógicos acrescenta mais desa- � os. O criador não dispõe de um computador para gerenciar todas as dinâmicas do jogo, como é o caso da plataforma digital, cabendo aos jogadores o seu gerenciamento. O jogo analógico ocorre no mundo físico real, com suas leis e regras que não podem ser burladas. Além disso, a produção e a distribuição de um jogo analógico são mais com- plexas uma vez que depende de: grá� cas; fábricas de componentes de plástico, madeira, resina, ou outro material resistente; transportadoras; lojas especializadas; entre outros. DESAFIOS Este trabalho busca discutir alguns desa� os do design de jogos analógicos, fazendo um recorte especí� co em cinco elementos conside- rados relevantes: limite físico, regras simples, produção, acessibilidade e inovação. CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 79 Limite Físico Um dos primeiros desa� os que o design de jogos analógicos pro- porciona é a limitação física. O designer não pode desrespeitar as leis do mundo real uma vez que é nele que o jogo acontece. No digital, tem-se o poder de criar regras físicas diferentes, incluindo a mudança da gravidade, porém no jogo analógico as regras do mundo real preci- sam ser obedecidas. Regras como gravidade, espaço, tamanho e mate- rial são importantes para um bom design de jogos analógicos. Mas o que é uma restrição, torna-se uma oportunidade a favor do jogo. Alguns jogos exploram a espacialidade do jogo analógico através de tabuleiros tridimensionais, gravidade, arremesso de objetos, encaixe de peças, entre outros. Talvez a origem dos tabuleiros tridimensionais tenha sido na � c- ção. A série Jornada nas Estrelas (Star Trek, Gene Roddenberry, 1966) apresenta seus personagens jogando um xadrez tridimensional (Figura 1, esquerda) que serviu de inspiração para a criação do Hyperchess (Max Chappell, 1933), jogo de xadrez que utilizava um tabuleiro espacial dividido em vários níveis (Figura 1, direita). Figura 1: Jogo de xadrez tridimensional da série Jornada nas Estrelas (esquerda) e a versão real criada por Max Chappell (direita). Fonte: Johnson, 2018. Muitos jogos utilizam a física como mecânica do jogo, como o Mouse Trap (Gordon A. Barlow, 1963) que tem como mecânica a montagem de uma engenhoca espacial que utiliza a gravidade e a fí- sica como regras principais (Figura 2, esquerda). Outro exemplo de tabuleiro tridimensional é o do jogo UBOOT ! e Boardgame (Bartosz Pluta, 2019) que simula um submarino com seus compartimentos e equipamentos (Figura 2, direita). 80 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 80 Figura 2: Tabuleiros tridimensionais do jogo Mouse Trap e UBOOT ! e Boardgame, res- pectivamente. Fontes: Gumtree2 e Ludopedia3. Outro tipo de dinâmica que utiliza física é o arremesso de peças. No jogo Dungeon Fight (Aureliano Buon% no, 2011) o objetivo do jo- gador é lançar um dado em um alvo disposto em cima da mesa, com a restrição inicial que o dado deve quicar na mesa antes de atingi-lo. Em momentos mais difíceis do jogo, acrescentam-se outras restrições para o lançamento como usar a mão inábil, usar a mão de outro jogador, usar a testa (Figura 3, esquerda), lançar o dado sentado no chão etc. Outro jogo que utiliza arremesso de peças é o Terror in Meeple City (Antoine Bauza, 2013) no qual os jogadores devem dar “petelecos” nas peças para movimentá-las (Figura 3, direita), assoprar para derrubar peças e deixar peças caírem para desfazer os “prédios” do jogo. Figura 3: Lançamento de dado com a testa do jogo Dungeon Fighter (esquerda) e o uso de “pe- teleco” para derrubar peças em Terror in Meeple City (direita). Fonte: Shut Up & Sit Down4 5. Mais uma dinâmica que se utiliza do espaço tridimensional e das leis da física é o encaixe e equilíbrio de peças, na qual o jogador deve 2 https://www.gumtree.com/p/games-board-games/mouse-trap-board-game-as-new/1293035169 3 https://www.ludopedia.com.br/jogo/uboot-the-board-game/ 4 https://www.shutupandsitdown.com/games-news-090913/ 5 https://www.shutupandsitdown.com/review-rampage/ CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 81 posicionar peças tentando equilibrá-las de forma que a construção não desmorone. Essa dinâmica se popularizou com o jogo Jenga (Leslie Scott, 1983) e conta com vários jogos que seguem seu funcionamento básico como Animal Upon Animal (Klaus Miltenberger, 2005) e Koda- ma 3D (Indie Boards & Cards, 2019)(Figura 4)., Figura 4: Encaixe e equilíbrio de peças em Animal Upon Animal (esquerda) e em Kodama 3D (direita). Fontes: " e Board Game Family6 e Kickstarter7. A forma e o tamanho dos elementos do jogo podem se tornar fundamentais para seu funcionamento. No jogo Fotossíntese (Hjalmar Hach, 2017) o tamanho das árvores in# uencia na quantidade de energia disponível que o jogador utiliza para inserir mais elementos no tabulei- ro, uma vez que as árvores que $ cam na sombra de outras maiores não recebem luz e por isso não geram energia (Figura 5, esquerda). Alguns jogadores até utilizam uma fonte de luz para deixa a metáfora mais rea- lista (Figura 5, direita). Figura 5: Árvores do jogo Fotossíntese. Fonte: Joga BR8. 6 https://www.theboardgamefamily.com/2015/06/animal-upon-anima-board-game-review/ 7 https://www.kickstarter.com/projects/2012515236/kodama-3d-0 8 https://brjoga.wordpress.com/2018/06/03/photosynthesis/ 82 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 82 Regras Simples Um jogo analógico precisa ter regras simples uma vez que sua gerên- cia é feita pelos próprios jogadores, diferente dos jogos digitais que contam com um computador gerenciando todos os aspectos internos. É impor- tante, portanto, que os jogos tenham regras simples e diretas, evitando um esforço grande dos jogadores para compreendê-las e executá-las. No entanto, não são necessárias muitas regras para se criar um jogo interessante. No jogo Go (Mitra, 22), dois jogadores se revessam colocando pedras nas interseções de uma malha interligada, tentando conquistar territórios através da divisão de seções do tabuleiro e cercando as pedras uns dos outros (Figura 6). As pedras que perderem suas liber- dades, ou “espaços para respirar” (quando são cercadas por peças adver- sárias), são retiradas do tabuleiro. O jogo só termina quando o tabuleiro está completamente preenchido de pedras, ou quando os dois jogadores concordam em terminar e, neste momento, quem possuir o maior terri- tório ganha. Por mais que as regras básicas sejam simples, ele se mostra profundo e estratégico, sendo considerado um dos mais elegantes e cere- brais dos jogos abstratos da história (LUDOPEDIA, 2019). Figura 6: Jogo Go. Fonte: Casino Org.9 O jogo Blokus (Bernard Tavitian, 2000) possui apenas três re- gras: 1) a primeira peça do jogador deve ser posicionada em um dos cantos do tabuleiro; 2) as próximas peças devem ser posicionadas de forma que toquem um canto de outra peça do jogador; e 3) a peça posicionada não pode tocar a lateral de outra peça do mesmo joga- 9 https://www.casino.org/blog/5-hardest-games-in-the-world-to-master/ CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 83 dor. Ganha o jogo aquele que � car com menos quadrados fora do tabuleiro (Figura 7, esquerda). Outro jogo que possui poucas regras e não possui limitação de jogadores é o Ricochet Robots (Devir, 1999). Consiste em mover um robô para uma determinada posição com o mínimo de movimentos possíveis. Os robôs sempre se movem na vertical ou horizontal, e só pa- ram quando esbarram em uma parede ou em outro robô. Quando um jogador encontra uma solução com poucos movimentos, ele anuncia a quantidade encontrada e dispara uma ampulheta para que os demais jogadores tenham a chance de encontrar uma solução com menos mo- vimentos. Ganha quem conseguir realizar a ação com a quantidade anunciada de movimentos (Figura 7, direita). Figura 7: Jogos Blokus (esquerda) e Ricochet Robots (direita). Fontes: Tutors On Call10 e iSlaytheDragon11. Mesmo os jogos mais complexos buscam maneiras mais simples para os jogadores gerenciarem o jogo. Um método bastante e� ciente é a criação de uma espécie de algoritmo de ações a serem seguidas, analisando cada situação para então decidir o que será realizado. No jogo Wrath of Ashardalon (Peter Lee, 2011), a � cha dos inimigos possui uma sequência de ações disponíveis e as circunstâncias que as ativam (Figura 8). 10 https://www.tutors-on-call.com/wp-content/uploads/2017/12/Blokus-Game.jpg 11 http://islaythedragon.com/game-reviews/bouncin-o* -the-walls-a-review-of-ricochet-robots/ 84 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 84 Figura 8: Conjunto de ações possíveis de um inimigo do jogo Wrath of Ashardalon e suas condições de ativação. Fonte: LUDOPEDIA12. Produção Um jogo de tabuleiro pode ser composto por diversos tipos de componentes: cartas, tabuleiros, " chas, moedas, tiles13, cubos, marca- dores, mostradores, dados, meeples14, miniaturas, pinos, roletas, am- pulhetas, caixas etc. À medida que mais componentes diferentes são inseridos em um jogo, mais seu custo de produção aumenta. Jogos considerados elegantes procuram amenizar este problema com solu- ções criativas que utilizam os componentes já inclusos no jogo para múltiplas ações. Um exemplo de jogo que otimiza a utilização de componentes é o Path! nder – O Jogo de Aventuras (Mike Selinker, 2013), que é composto quase exclusivamente de cartas, acrescentando apenas um conjunto de dados de RPG (Figura 9). Para isso, vários elementos do jogo tiveram que ser adaptados para a metáfora das cartas: a vida do jogador é representada pelas cartas que possui em seu baralho, ao so- frer algum dano o jogador descarta cartas e, quando todas as cartas são descartadas, o personagem é considerado morto. O jogo possui também um contador de rodadas que é representado por um baralho de cartas chamado “baralho de bençãos” que, a cada rodada, o jogador da vez deve descartar uma carta e, caso se esgote, os jogadores perdem. 12 https://www.ludopedia.com.br/jogo/dungeons-dragons-wrath-of-ashardalon-board-game 13 São geralmente quadrados, mas podem ter outras formas. Sua característica fundamental é que elas podem ser unidas para criar uma placa na qual outras peças possam ser colocadas (SARGEANT- SON, 2019). 14 São pequenas peças em forma de pessoa, comumente de madeira, utilizadas em jogos para repre- sentar unidades do jogador que realizam atividades (SARGEANTSON, 2019). CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 85 Figura 9: Jogo Path� nder – O Jogo de Aventuras. Fonte: Wargamer Fritz15. Destaque deve ser dado para a série de jogos Dungeon Command (Chris Dupuis, 2012) que buscou economizar em alguns componen- tes para garantir a qualidade de outros (Figura 10, esquerda). O jogo conta com uma caixa bem simples e frágil, uma pequena quantidade de cartas e marcadores, porém com miniaturas pintadas de forma deta- lhada. Na mesma época, a empresa lançou outra série de jogos também baseado em D&D (Dungeons and Dragons16) que tinha uma imensa quantidade de componentes (Figura 10, direita). Figura 10: Componentes do jogo Dungeon Command (esquerda) e do Wrath of Ashardalon (direita). Fontes: Boardgamegeek17 e Las Reglas del Juego18 15 http://www.wargamerfritz.com/blog-post-board-games/path$ nder-adventure-card-game-playing- -full-rpg-experience/ 16 RPG de mesa de bastante sucesso até os dias de hoje. Suas aventuras são ambientadas em um universo medieval de fantasia. 17 https://boardgamegeek.com/thread/967838/review-deskovehry-dungeon-command-blood- -gruumsh-or 18 https://lasreglasdeljuego.es/dd-wrath-of-ashardalon/ 86 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 86 Outra otimização no uso de componentes é utilizar o mesmo elemento para realizar funções diferentes no jogo. Além de diminuir a quantidade de componente, pode-se até aumentar a quantidade de op- ções de um determinado elemento com essa condensação de funções. Por exemplo, digamos que um jogo precise ter três baralhos diferentes contendo 20 cartas cada, totalizando 60 cartas. Se esses três baralhos pudessem ser uni� cados em um único no qual cada carta possa ser usa- da de três formas diferentes, o desenvolvedor poderia fazer um total de 40 cartas, aumentando a quantidade de cartas de cada baralho (de 20 para 40) e diminuindo a quantidadetotal de cartas do jogo (de 60 para 40). Um jogo que utiliza essa ideia é o Oh My Goods! (Alexander P� ster, 2015), no qual uma carta pode ser usada como (Figura 11, esquerda): construção (parte inferior da carta), matéria-prima (lateral esquerda da carta) e produto fabricado em uma construção (parte traseira da carta). Figura 11: As três formas de utilização das cartas do jogo Oh My Goods! (esquerda) e as várias formas de utilização das cartas de Mottainai (direita). Fontes: Vale dos Jogos19 e MeetUp20. Outro exemplo é o jogo Mottainai (Carl Chudyk, 2015) no qual, dependendo de como se deseja utilizar as cartas, o jogador deve posi- cioná-las em um local especí� co ao redor de sua carta de referência (Figura 11, direita): como tarefa (na parte superior), como ajudante (na parte esquerda), como matéria prima (na parte inferior), como ma- terial para venda (na parte direita), como obra a ser exposta (na parte esquerda, afastada da carta de referência) e como obra a ser vendida (na parte direita, afastada da carta de referência). 19 http://valedosjogos.com.br/jogo/59 20 https://secure.meetupstatic.com/photos/event/5/7/5/1/highres_442342353.jpeg CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 87 Componentes que costumam ser mais caros também podem ser reutilizados através do uso de cartas para indicar a sua real função, como é o caso do jogo Quarriors! (Mike Elliott, 2011) que possui uma grande quantidade de dados, mas que reutiliza esses dados atra- vés de cartas que indicam o signi! cado de suas faces em uma deter- minada partida, aumentando a rejogabilidade e evitando a produção de mais dados customizados (Figura 12, esquerda). Outro jogo que otimizou e inovou na produção de dados foi o Dice Forge (Régis Bon- nessée, 2017) no qual o jogador pode melhorar seu dado trocando as suas faces (Figura 12, abaixo). Figura 12: Dados do jogo Quarriors! e suas respectivas cartas (esquerda) e a alteração das faces do dado de Dice Forge (direita). Fonte: Ludopedia21 e TabulaQuadrada22. Uma boa produção não faz um jogo ser bom, mas uma pro- dução ruim pode prejudicar um jogo bom. Um exemplo ocorreu no jogo Samurai (Reiner Knizia, 1998). A primeira versão que veio ao Brasil tinha peças com formatos estranhos e confusos, feitas de um material que grudava quando guardadas por muito tempo (Figura 13, esquerda). Alguns jogadores evitavam-no simplesmente pela sensação estranha causada pelos componentes. Recentemente, uma nova versão foi lançada mundialmente com componentes bem mais elaborados e que agradam ao olhar (Figura 13, direita). O jogo é considerado bom (contando com nota 7.5 no Boardgamegeek e 7.6, na Ludopedia), po- rém era prejudicado por uma produção ruim, o que foi resolvido nesta nova versão. 21 https://ludopedia.com.br/topico/18463/quarriors-primeiras-impressoes 22 http://tabulaquadrada.com.br/review-dice-forge/ 88 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 88 Figura 13: Componentes da primeira versão brasileira do jogo Samurai (esquerda) e da versão internacional atual (direita). Fonte: Ludopedia23. Outro exemplo de erro de produção que trouxe sérias consequências é o caso do jogo nacional Selene – � e Fantasy (% e Castle Builder, 2014) que seria um dos primeiros jogos nacionais a utilizar miniaturas. O jogo foi & nanciado através da plataforma de & nanciamento coletivo Catarse com um total de 300 apoiadores e um valor de R$ 75.774 (THE CASTLE BUILDER, 2013). O jogo prometia miniaturas bem elaboradas, porém a qualidade dos componentes entregues não foi a esperada pelos apoiadores, o que ocasionou uma má recepção (Figura 14). Atualmente o jogo consta com nota 5.5 na Ludopedia e não possui entrada no site Boardgamegeek. A empresa decretou falência e deixou muitos apoiadores sem receber as expansões que foram anunciadas e vendidas no & nanciamento. Figura 14: Renderização computadorizada de uma miniatura de Selene – � e Fantasy (es- querda) e miniaturas entregues (direita). Fonte: Start24 e Globo.com25. 23 https://www.ludopedia.com.br/jogo/samurai 24 https://start.uol.com.br/ultimas-noticias/2014/03/06/moba-de-tabuleiro-selene-aposta-em-for- mato-de-lol-e-dota.htm 25 http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2014/05/casal-usa-r-76-mil-de-doacao-e-cria- -jogo-de-tabuleiro-inspirado-no-online.html CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 89 Porém, pode ser uma forma de inovação, investir na produção de componentes pouco convencionais para atrair a atenção dos jogadores. Apesar de aumentar os custos de produção e apresentar um desa� o em sua criação, novos componentes modi� cam a forma de se jogar e atrai a curiosidade. Muitos jogos já idealizaram “traquitanas” e “geringon- ças” diferentes e inovadoras. Um componente que se tornou popular foi a “Torre de Cubos” (Figura 15, esquerda). Inspirada na “Torre de Dados” idealizada para o lançamento de dados de RPG, a “Torre de Cubos” é utilizada para aleatorizar uma certa quantidade e tipo de cubos que representam re- cursos no jogo. O jogador lança cubos dentro da torre que possui em seu interior uma série de anteparos, retendo alguns cubos e liberando cubos previamente inseridos e presos dentro dela (Figura 15, direita). Uma das primeiras utilizações deste componente pode ser vista no jogo Wallenstein (Dirk Henn, 2002) e foi popularizada pelo jogo Amerigo (Stefan Feld, 2013) (COUTO, 2018). Figura 15: Torre de cubos do jogo Amerigo, visão externa (esquerda) e visão interna com os anteparos e os cubos que � caram presos (direita). Fontes: Jogos de Tabuleiro26 e Ludopedia27. Alguns componentes se destacaram por sua inovação e unicida- de. O jogo Khet: ! e Laser Game (Luke Hooper, 2005) utilizou-se de lasers e espelhos como mecânica principal. O jogo é uma espécie de xadrez no qual o jogador ganha se conseguir atingir o “rei” do adversá- rio com seu laser e, para isso, pode mover ou rotacionar suas peças que possuem espelhos opacos e translúcidos (Figura 16, esquerda). Outro 26 http://jogosdetabuleiro.blogspot.com/2005/08/crtica-wallenstein.html 27 https://www.ludopedia.com.br/jogo/amerigo 90 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 90 jogo que inovou em componentes diferentes e sinestésicos foi o Potion Explotion (Stefano Castelli, 2015) que utiliza esferas similares a bolas de gude, resgatando a sensação da brincadeira de infância de muitos jogadores, além de utilizar uma mecânica similar ao jogo para celular Candy Crush (King, 2012) que “explode” elementos de mesma cor quando encontram-se juntos em uma $ leira (Figura 16, direita). Figura 16: Laser e espelhos do jogo Khet 2.0 (esquerda) e bolas de gude do jogo Potion Explotion (direita). Fontes: Ludopedia28 29. Acessibilidade Um desa$ o e uma oportunidade que muitas vezes é ignorado pelos grandes desenvolvedores de jogos analógicos é a acessibilidade. Normalmente, com pequenas alterações nos componentes e nas regras do jogo, é possível viabilizar a participação de pessoas com algum tipo de di$ culdade visual: daltonismo, baixa visão e cegueira. Tomé Filho (2016) fez um levantamento de boas práticas para desenvolvimento e adaptação de jogos de tabuleiro (Tabela 1), reali- zou a adaptação de dois jogos utilizando as boas práticas e executou testes com o público de interesse. A principal di$ culdade que os jogos apresentam para esse tipo de público é a dependência quase exclusiva de informações visuais, sem nenhuma redundância que possa ser uti- lizada por pessoas que tem di$ culdade com essa informação visual, ou com estímulos táteis ou sonoros. 28 https://www.ludopedia.com.br/jogo/khet-2-0 29 https://www.ludopedia.com.br/jogo/potion-explosion CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 91 Tabela 1: Boas práticas para desenvolvimento e adaptação de jogos de tabuleiro (TOMÉ FILHO, 2016). Boa PráticaH áp ti ca Utilizar linguagem braile nos componentes do jogo para sua identi! cação e des- crição Utilizar padrões táteis para demarcar, identi! car ou descrever componentes Utilizar peças com características físicas diferentes para indicar recursos difer- entes ou posse da peça ao jogador Utilizar padrões táteis para diferenciar peças que necessitam manter a estrutura original Utilizar compartimentos para manter componentes do jogo Permitir a ! xação de componentes para que o estado do jogo possa ser percebido através do tato sem modi! cação acidental na posição das peças C or e C on tr as te Não utilizar cor como elemento identi! cador único Priorizar esquemas de cores amigáveis para daltônicos Utilizar grande contraste de cores D es ig n de in fo rm aç ão Utilizar fonte de texto com tamanho grande e de fácil legibilidade Aumentar tamanho de componentes cuja forma não está relacionada com a jogabilidade Reescrever textos de modo conciso e simples e/ou utilizar terminologias para evitar repetição Destacar visualmente os elementos grá! cos de maior relevância para a jogabili- dade, auxiliando seu reconhecimento Fazer uso de iconogra! a auxiliar ao texto R eg ra s Disponibilizar manuais de regras acessíveis Realizar feedback sonoro sobre as interações realizadas pelos jogadores e as alter- ações percebidas no estado do jogo Te cn ol og ia s as si st iv as Utilizar aplicativo assistente para reconhecer e ler via áudio elementos do jogo Converter componentes e/ou ações analógicas em aplicativos digitais, desde que não in+ uenciem nas mecânicas do jogo Alguns jogos se preocuparam com esse público e, em outros, a própria comunidade buscou formas de adaptar os componentes para uma melhor autonomia do jogador com alguma di! culdade visual. No jogo Coloretto (Michael Schacht, 2003), as cartas possuem, além da 92 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 92 informação visual da cor, uma textura ao fundo, o que facilita a visua- lização para daltônicos. Na Figura 17, é apresentado como as cartas são (esquerda) e como elas podem ser diferenciadas mesmo sem as cores (direita). Figura 17: Cartas do Coloretto coloridas (esquerda) e em tons de cinza (direita). Fonte: Tomé Filho, 2016. Na Figura 18, temos o tabuleiro do jogo Catan (Klaus Teuber, 1995) com texturas tridimensionais para possibilitar a diferenciação dos campos do jogo através do tato. Figura 18: Tabuleiro do jogo Catan com texturas em alto revelo. Fonte: Tomé Filho, 2016. Pode-se utilizar também componentes com formatos diferentes (Figura 19, esquerda) ou realizar pequenas alterações em peças que precisam ser iguais para o jogador não vidente diferenciar as suas das do oponente (Figura 19, direita). CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 93 Figura 19: Componentes de formatos diferentes para facilitar sua identi! cação tátil (es- querda) e peças com pequenas modi! cações para diferenciar os jogadores (direita). Fonte: Tomé Filho (2016). Inovação Uma vez que existem atualmente mais de 100.000 jogos ana- lógicos cadastrados no site Boardgamegeek, inovar é algo desa! ador e importante para os designers. Encontrar novas formas de criar jogos e novas dinâmicas traz uma renovação para a área e permite que um jogo se destaque. Por isso, é indispensável ao designer conhecer os jo- gos existentes para saber um amplo espectro de possibilidades, além de coletar ferramentas que podem ser adaptadas, alteradas e combinadas para inovar. Uma das formas de inovação é a utilização de componentes clás- sicos de uma forma inusitada. No sistema de jogos chamado Spiel (Rei- nhold Wittig, 1980) os dados, que são utilizados comumente para ale- atorizar um valor, surgem como peças de uma pirâmide tridimensional (Figura 20, esquerda) na qual o desenvolvedor convida o jogador a criar jogos com essa caraterística. Ele propõe algumas opções de jogo que envolvem destreza e movimento abstrato. Outro uso incomum dos dados, conhecido entre os jogadores como “alocação de dados”, ocorre no jogo Praetor (Andrei Novac, 2014), no qual os dados são unidades (Figura 20, direita) que começam como iniciantes (valor 1 do dado) e a medida que realizam atividades vão se aprimorando (sim- bolizado pelo aumento no número do dado), porém quando chegam no máximo de suas capacidades (valor 6 do dado) ele se aposenta (e o jogador passa a gastar recursos com eles). 94 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 94 Figura 20: Pirâmide de dados do Spiel (esquerda) e alocação de dados do Praetor. Fonte: Boardgamegeek 30 Ludopedia 31. Um uso inovador de cartas pode ser encontrado no jogo Hanabi (Antoine Bauza, 2010), no qual os jogadores não conhecem as suas próprias cartas e devem segurá-las de forma que os demais jogadores possam vê-las (Figura 21). O jogo é cooperativo e os jogadores devem dar pistas para tornar as cartas conhecidas pelo jogador que as possui. Figura 21: Jogadores segurando suas cartas ao contrário no jogo Hanabi. Fonte: Dorkadia32. Uma inovação recente em relação à narrativa dos jogos de tabu- leiro é conhecida como “sistema legacy”. Nestes jogos, a narrativa mo- di+ ca o jogo à medida que os jogadores avançam em suas campanhas e, para isso, elementos do jogo são descartados e novos elementos são 30 https://boardgamegeek.com/boardgame/2229/spiel 31 https://www.ludopedia.com.br/jogo/praetor 32 https://www.dorkadia.com/2015/06/03/my-new-favorite-card-game-hanabi/ CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 95 revelados. Normalmente esses jogos alteram seus componentes através de adesivos, trazem caixas e envelopes lacrados com componentes se- cretos e indicam a destruição de determinados elementos do jogo. Este sistema surgiu na adaptação realizada no jogo Risk (Albert Lamorisse, 1959) chamada Risk Legacy (Rob Daviau, 2011) e originou diversos outros jogos como Pandemic Legacy (Rob Daviau, 2015), Seafall (Rob Daviau, 2016), Charterstone (Jamey Stegmaier, 2017) e Gloomhaven (Isaac Childres, 2017). Figura 22: adesivos e caixas lacradas do jogo Pandemic Legacy (esquerda) e envelopes lacra- dos do jogo Gloomhaven. Fontes: Ludopedia33 34. Outra característica que está se popularizando nos jogos de tabu- leiro é o uso de aplicativos digitais como parte do jogo. Inicialmente criticado pelos jogadores por ter a necessidade de um elemento que não vem dentro da caixa do jogo (necessita-se de um celular ou tablet e de um aplicativo que deve ser instalado no aparelho), o uso de aplica- tivos para gerenciamento de partes do jogo vem se tornando frequen- te, chegando a ser indispensáveis para seu funcionamento como é o caso nos jogos XCOM: ! e Boardgame (Eric Lang, 2014) e Mansion of Madness: Second Edition (Nikki Valens, 2016). Até o próprio aparelho celular tornou-se um componente físico, como pode ser visto no jogo World of Yo-Ho (IELLO, 2016) no qual o celular passa a ser uma peça no tabuleiro, representando o barco do jogador (Figura 22). 33 https://www.ludopedia.com.br/jogo/pandemic-legacy-season-1 34 https://www.ludopedia.com.br/jogo/gloomhaven 96 CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS DO DESIGN DE JOGOS ANALÓGICOS 96 Figura 22: Celular sendo utilizado como componente do jogo World of Yo-Ho. Fonte: Ludope- dia35. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o ressurgimento dos jogos analógicos no Brasil e sua po- pularização em áreas como a educação, torna-se indispensável discutir as particularidades desse tipo de produto e seus processos de criação. Buscamos apresentar alguns desa% os do design de jogos analógicos, apresentando alguns problemas e algumas oportunidades advindas das restrições que esse tipo de jogo impõe. O design de jogos é uma área plural, que envolve uma diversida- de de metodologias pautadas na experiência de seus criadores e nada pode substituir esse contato e experiência com os jogos existentes e os processos. A amplitudedos tipos de jogos analógicos torna a área ainda mais heterogênea tendo normalmente a necessidade de concentrar em um tipo especí% co. Neste trabalho focamos principalmente nos jogos de mesa. O limite físico oferece oportunidades de criar dinâmicas inte- ressantes e que fogem do padrão estático que a maioria dos jogos de mesa possui. Tabuleiros tridimensionais exigem do jogador uma visão espacial maior e o uso da gravidade e do arremesso de peças impõem um aprimoramento da destreza. Buscar regras simples e e% cientes é um exercício valioso para os designers e normalmente possibilita jogos melhores, uma vez que exige do criador uma busca pela essência que o jogo possui, a % m de desta- cá-la e ampli% cá-la. 35 https://www.ludopedia.com.br/jogo/world-of-yo-ho CA PÍ TU LO 3 OS D ES AF IO S DO D ES IG N DE JO GO S AN AL ÓG IC OS 97 A preocupação com a produção física do jogo analógico é um elemento que o designer muitas vezes desconhece e negligencia, porém é essencial seu conhecimento para que o jogo seja realizável e muitas vezes restrições de produção podem ser chaves criativas para uma di- nâmica nova. O uso inovador de componentes, a substituição de um elemento por outro mais barato de produzir, o barateamento de um componente para custear outros são exemplos de soluções criativas que frequentemente transformam o jogo de forma positiva. O uso de componentes exóticos e inovadores também trazem um diferencial nesta área mesmo que torne sua produção mais cara. En� m, a pro- dução pode prejudicar um bom jogo e deve ser uma prioridade na atenção da equipe de desenvolvimento. Tornar os jogos analógicos acessíveis é um desa� o importante para a universalização desse produto e que muitas vezes pode ser al- cançado com soluções bem simples. Texturas visuais, recursos táteis e formatos diferentes de peças podem ser simples de fazer e tornam-se cruciais para as pessoas com algum tipo de di� culdade visual. Simples- mente pensar em outras formas de informar sem ser através do estímu- lo visual já é um excelente exercício para o designer e facilita a inserção de pessoas com daltonismo, baixa visão ou cegueira. Finalmente, é sempre um desa� o em qualquer área conseguir inovar e nos jogos analógicos não é diferente. Encontrar outras formas de utilizar componentes clássicos e incorporar novos elementos nos desa� a a pensar de forma criativa e traz novas dinâmicas para os jogos. Esperamos que este trabalho possa incentivar o leitor a criar jo- gos cada vez melhores e se debruçar no estudo da área para que esse conhecimento auxilie no desenvolvimento de jogos mais elaborados, criativos e interessantes. REFERÊNCIAS BACCARINI, Marcelo. Empresários apostam no mercado de jogos de tabuleiro em plena era digital. Pequenas Empresas & Grandes Negócios, G1, Globo.com, 2018. 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Nesse fazer criativo, vemos a ação humana expressa nas relações sociais, nas construções, em suas crenças, sentimentos, desejos e emo- ções, as quais são manifestadas por meio das várias formas artísticas, deixando um legado de conhecimento às gerações futuras. Desse modo, o conhecimento historicamente acumulado é marcado pela arte. Des- de os tempos primitivos, o ser humano, ao elaborar peças e objetos para uso diário e enfeitar-se para as cerimônias, fazia arte e produzia culturae, assim, projetava seu conhecimento no tempo e no espaço. Nesse sentido, é válido dizer que a arte é uma dimensão do ser humano. Ela o completa. Seria triste e difícil viver a vida sem a musi- CA PÍ TU LO 4 CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 102 calidade, a dança, a pintura e outras formas de expressões artísticas. É a arte que impulsiona o indivíduo na história do mundo e o capacita para seguir adiante e transformar sua realidade. Ao transformar a sua realidade, o indivíduo produz, conhece e aprende. Envolvendo traba- lho e movimento, a arte transforma homens, mulheres e crianças e os dota de conhecimento, criatividade e alegria. O fazer artístico traz em si o aspecto lúdico, porquanto propor- ciona ao indivíduo dar sentido à vida, por meio de suas várias lingua- gens. Assim, nossa intenção é a de apresentar nesse trabalho a rele- vância da arte e da ludicidade na primeira etapa da educação básica, a educação infantil. Visto que a infância é a fase marcada pelas des- cobertas do mundo pela criança, consideramos que o lúdico favorece essas descobertas e aprendizado nessa etapa da educação, já que os en- riquece e lhes dá signi� cado. Desse modo, o lúdico é item fundamental para o desenvolvimento da criança. Para se educar a criança pequena, é imprescindível que se desenvolva e cultive uma postura lúdica, pois não se pode pensar na criança e na educação infantil sem a dimensão do brincar. Como a� rma Kishimoto (2010, p. 1), “para a criança, o brincar é a atividade principal do dia-a-dia”. Ao brincar, a criança cria conexões com o mundo à sua volta e, ao mesmo tempo, aprende. Os estudos realizados durante o Curso de Pedagogia do Profe- bpar nos despertaram o interesse pelo tema, visto que este nos trouxe uma visão nova da realidade educacional. As aulas ultrapassaram nossas expectativas a respeito da importância da educação das crianças peque- nas e os aspectos que devem ser considerados nessa etapa da educação. Pela experiência durante a regência no Estágio em Educação In- fantil, embora não tendo explorado precisamente a arte lúdica, fomos despertados para as várias re� exões sobre o modo como as crianças aprendem. Pudemos observar a espontaneidade e o entusiasmo das crianças ao desenhar, pintar e modelar com massinha, entre outras coi- sas. O prazer da criança ao rabiscar e fazer seu próprio desenho se torna um pressuposto para a sua aprendizagem. Considerando a arte e a ludicidade dimensões humanas, propomo- -nos a analisar o trabalho com arte e ludicidade das professoras de educa- ção infantil de Lago da Pedra. Este trabalho se pautou em pesquisa biblio- grá� ca e de campo. A pesquisa de campo se deu em duas instituições de educação infantil da rede pública de Lago da Pedra. Como instrumentos de coleta de dados, utilizamos observação não participante que, de acordo CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 103 com Lüdke e André (1986), consiste em o observador apresentar uma postura distanciada e não se envolver com os sujeitos durante a pesquisa nem in� uenciar nas considerações e respostas dos sujeitos participantes da pesquisa. Além da observação, optamos pela entrevista estruturada, que aplicamos com doze professores da educação infantil. De acordo com Gil (1999), é uma técnica bastante válida para coletar o que as pessoas pen- sam, sentem, fazem ou � zeram, assim como as coisas. Nessa perspectiva, o presente trabalho visa a contribuir para uma re� exão da práxis educativa em arte, observando-a dentro do universo lúdico do jogo, brinquedo e brincadeira, na educação infantil. A arte, tal qual o jogo, brinquedo e brincadeira, é lúdica e con- tribui no processo de desenvolvimento das crianças em seus aspectos cognitivos, afetivos e estéticos. Diverte e relaxa as tensões que a ins- trumentalização provoca na vida do ser humano. Desse modo, este texto apresenta alguns apontamentos sobre a importância da arte e sua potencialidade para o desenvolvimento do ser humano; sobre a ludi- cidade no contexto da educação infantil e, por último, trazemos um pouco das falas dos sujeitos entrevistados, sobre o que desenvolvem na educação infantil, a partir dessas dimensões humanas. ALGUMAS NUANCES DA ARTE E DA LUDICIDADE Então, o que é arte, a� nal? É um modo de vida? É um conjunto de objetos? Para Camargo (2009, p. 11), “a arte trata-se evidentemente de uma prática produtiva [...] que se utiliza da criatividade do artista para gerar experiências e/ou objetos estéticos”. No campo da estética, onde o belo e o verdadeiro são prerrogativas para a arte, no mundo contemporâneo, a questão passa do plano objetivo para um plano sub- jetivo. A pergunta que surge nesse ponto é: quando a arte é arte? Nesse contexto, a arte possui um signi� cado que abrange todo o fazer do ser humano, sendo, portanto, criação e expressão estéticas. Santos e Silva (2014, p. 2) nos dizem que é “através da criação que o ser humano transforma a matéria proporcionada pelo mundo da natureza e da cultura em algo signi� cativo”. Arte, nesse sentido, tem o signi� ca- do daquilo que lhe é útil, belo, verdadeiro ou não, ao passo que o ser humano progride e se desenvolve. A criatividade humana é subjetiva, é a mola-mestra da arte, pela qual o homem e a mulher são capazes de trazer ao mundo físico aqui- CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 104 lo que está em seu pensamento. A apreciação das coisas e do que elas representam, tanto coletiva quanto particularmente, para cada pessoa, possui um signi� cado, pode ser interpretada e apropriada. No sentido de pertencimento, torna a arte difícil de ser de� nida. Sobre isso, Al- meida (2014, p. 146) diz que: Arte primitiva, exótica, popular, erudita, gótica, rudimentar, ingênua, crítica, pessoal, transcendental, particular, universal. Se adjetivar a arte é fácil, de� ni-la é muito difícil. Esta di� cul- dade justi� ca-se à medida em que a arte não é uma coleção de coisas, ou peças, mas sim uma concepção ontológica nova. A arte ultrapassa os limites da realidade. É uma expressão mate- rial do pensamento. Ela está vinculada ao conjunto de bens materiais e imateriais de um povo. É ação criativa, pela qual o ser humano modi- � ca o seu espaço e a si mesmo. Ao desenhar � guras de animais e cenas do cotidiano, construir abrigos, criar artefatos para caça e pesca, cantar e dançar, o homem vivencia a arte e essa vivência amplia a sua percepção e consciência de estar no mundo (MAZZAMATI, 2012). Seguindo essa lógica, a arte se torna uma atividade eminentemente humana por exigir raciocínio, planejamento e técnica na sua execução. Ela produz o saber que acom- panha a evolução humana, o qual, muitas vezes, sem palavras diz mui- to a respeito de um lugar e da cultura de um povo. Desse modo, pode ser considerada como testemunha da história e da civilização. No âmbito da história, a arte exerce várias funções, desde a sim- ples representação da natureza a uma força capaz de manter o status quo. Ela possui o poder de modi� car as relações sociais, de mudar opi- niões, de transformar uma realidade. Na pré-história, o homem a usava de forma diferente, usava para registrar sua existência; com o passar do tempo, ela foi se modi� cando, podendo classi� car as relações sociais. A classi� cação social, justi� cada pela manutenção da sociedade pela classe dominante, faz da arte uma poderosa ferramenta para se manter o poder. Como um instrumento, na visão marxista, ela faz parte da superestrutura, tendo como função social e ideológica a manutenção e conservação do sistema econômico-social (ALMEIDA, 2014). Entretanto, a arte é também um meio capaz de modi� car o in- divíduo por meio da re" exão, provocando o pensamento crítico, de denúncia e de alerta. Está atrelada ao convívio social, ao alcance de CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da den a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 105 todos; mesmo diferenciando o público, é universal, está subordinada ao artista, que analisa as formas e as cores da natureza e as recompõe com uma nova interpretação da realidade. O ensino da arte passa por momentos diversos na história da educação. No Brasil, em especial, progressivamente vem se � rmando como disciplina que contribui para a formação integral do aluno. Mas antes de se chegar a essa concepção, a educação em arte até a primeira metade do século XX estava voltada para o domínio técnico, transmitido pelo professor aos alunos, de características produtivistas por meio de moldes, códigos, conceitos etc, visando a uma aplicação imediata e para o trabalho. Representada pelas disciplinas Desenho, Trabalhos Manuais e Canto Orfeônico, a arte que fazia parte dos programas das escolas primárias e secundárias concentrava o conhecimento na transmissão de padrões e modelos das culturas predominantes. O ensino de arte estava voltado essencialmente para o domínio técnico, centrado na � - gura do professor (BRASIL, 1997, p. 25). Ao referir-se à concepção de arte, embasada no método tradicional, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) apresenta-a como ensino e não no sentido de educação em arte. Ainda, seguindo o mesmo texto dos PCN’s, em datas comemorativas, com a � nalidade de apresentação. Na música, o canto orfeônico passa a fazer parte do currículo das escolas e se consti- tui o modelo para levar a “linguagem musical consistente e sistemática a todo o país”. (BRASIL, 1997, p. 26). O movimento modernista, caracterizado pelo rompimento do método tradicional, traz novas perspectivas para a inovação no ensino de arte baseada na livre expressão e no espontaneísmo. Essa nova fase proporciona à educação a oportunidade de a criança organizar e � - xar noções aprendidas em outras áreas do conhecimento, expressando por meio da arte sua própria experiência em um determinado assunto. No início da década de 1930, Anita Mafaltti (1936-1964) inicia aulas de arte para crianças em seu ateliê e o curso para crianças, criado na Biblioteca Infantil Municipal pelo Departamento de Cultura de São Paulo, quando Mário de Andrade era seu diretor. Seguindo a orientação da livre expressão e do espontaneísmo, sur- gem tentativas de se utilizar a arte como atividade extracurricular, crian- do-se escolas especializadas para crianças e adolescentes. Desse modo, a educação em arte é identi� cada pela visão humanista e � losó� ca, que CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 106 demarcou as tendências tradicionalistas e escolanovista. Essas tendências acompanharam a educação em arte até os dias de hoje. (BRASIL, 1997). Uma das di� culdades da educação em arte se deve à má inter- pretação da livre expressão pelo professor. A disparidade entre a livre expressão e a parte técnica e cientí� ca da arte distancia a visão do con- junto da arte-educação, que precisa ser trabalhado de modo a estimu- lar a produção de conhecimento. A intenção não é fazer da criança um artista, mas proporcionar a ela o contato com as várias manifestações artísticas e desenvolver o senso crítico. A arte, como livre expressão, pressupõe uma liberdade, uma brincadeira escolhida por vontade pró- pria, na qual o imprevisível está sempre presente, provocando o desejo de aprender, permitindo que o aluno manifeste sua criatividade espon- taneamente. Como a� rmam Santos e Fratari (2011, p. 4): O objetivo maior não simplesmente propiciar aos aprendizes que conheçam apenas artistas como Monet, Picasso ou Volpi, mas que a criança conheça tempos e lugares diferentes podendo falar dos seus sonhos, de sua cultura, de sua realidade, espe- rança e desesperança de seu modo singular de expressar por intermédio da arte. A estética da arte pode ser considerada tanto como a ideia que o artista tenta passar às pessoas quanto a obra em si. Ela é subjetiva e objetiva, está atrelada à interpretação de cada indivíduo e à intenção do artista. Sua beleza ultrapassa a realidade. A arte infantil não precisa seguir um padrão estético impositivo porque é símbolo, é jogo, é lúdi- co materializado com forma e sentido. A produção artística da criança é uma demonstração material da sua capacidade cognitiva, assim, a dança, a música, o teatro, o desenho, a pintura, dentre outras formas de manifestação artística, tornam a criança um ser ativo que conhece as coisas e possui uma compreensão de mundo. A esse respeito, Kishimoto (2010, p. 1) diz que a “criança, mesmo pequena, sabe muitas coisas: toma decisões, escolhe o que quer fazer, interage com pessoas, expressa o que sabe fazer e mostra, em seus gestos, em um olhar, uma palavra, como é capaz de compreender o mundo”. É notório que a criança não é um artista propriamente dito, mas ela é capaz de interpretar a realidade quando desa� ada a dar forma à sua ideia, trazendo-a ao momento presente por meio dos sons, cores, formas e movimentos nas suas intenções. CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 107 Para Santos e Fratari (2011), a arte permeia nossas vidas, enco- raja-nos a dialogar com o mundo. No diálogo, desde criança, somos encorajados a exprimir nossas ideias e sentimentos de forma livre e espontânea. Isso possibilita a descoberta, a invenção e reinvenção do mundo, com signi� cado próprio. Aproxima-nos dos valores sociais e culturais, a� rma a identidade, mobiliza sentidos, alimenta a imagina- ção para ir além do habitual, à procura da própria voz da nossa poesia. Desse ponto de vista, a atividade artística se constitui um ele- mento básico de apreensão da cultura e re� exão sobre a realidade social do indivíduo, propiciando à criança e ao adulto fazer suas próprias ten- tativas e encontrar sempre seus próprios caminhos para seguir adiante (ANN, 1997). Portanto, não se deve tolher a fértil imaginação e a produção do aluno, desde a fase infantil. É difícil imaginar o mundo que conhecemos sem a arte, já que “a arte estimula os sentidos e os pensamentos, pois tem uma relação direta com a vida” (MAZZAMATI, 2012, p. 27). Nesse sentido, a arte se constitui um elo que possibilita o desenvolvimento cognitivo do ser humano. Ele pensa, planeja, faz, desfaz, refaz sempre em diálogo com o mundo e consigo mesmo, pois o meio em que vive está repleto de manifestações artísticas, as quais contribuem para a construção do conhecimento, desde criança. A ludicidade é a alma da arte. Está mis- turada a ela e se constitui uma oportunidade de a criança conhecer e valorizar a sua cultura, a sociedade, as produções dos artistas locais e reconhecer-se como parte integrante do lugar em que vive. Pela arte, o aluno a� rma sua identidade cultural, � rmando-se no mundo como um indivíduo pensante, criativo e autônomo, capaz de interpretar e produzir cultura, através das várias formas de arte, saben- do que nelas há uma história que ultrapassa o tempo e o espaço, capaz de marcar gerações e a própria realidade. Por conseguinte, vivenciar a arte lúdica nos leva para além da concepção de um ensino fragmentado e funcionalista, destinado a preparar o ser humano para funções úteis e proveitosas no mundo do trabalho.Trata-se, portanto, de termos uma nova atitude sobre a importância do brincar e encarar a educação sob a perspectiva de mudança, de transformação e recriação. De estarmos a serviço do ser humano, contribuindo para a construção de um mundo mais fraterno, justo e feliz, baseado no respeito mútuo entre os povos. Nessa perspectiva, como a arte em si é lúdica, o jogo, o brinque- do e a brincadeira permitem à criança uma aprendizagem autônoma. CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 108 E a aprendizagem autônoma é como uma atividade que a criança não faz devido a indicação do(a) professor(a),“mas sim com base na observação e na atividade manipuladora e experiencial através da ten- tativa/erro/acerto”. (BORJA, 2012, p. 259). A autonomia da crian- ça da educação infantil está vinculada à sua disposição em resolver problemas educativos. Ela começa na própria criança, mas pode ser proposta pelo professor: Para que a aprendizagem infantil ocorra com sucesso, temos que acreditar no potencial de criação, imaginação e sensibilida- de de cada criança. Para tanto, é necessário que ela seja incen- tivada a desenvolver trabalhos utilizando sua própria vontade e vários materiais. (SANTOS; FRATARI, 2011, p. 6). O campo da arte é vasto e sempre há espaço para o inusitado e, nesse espaço, a aprendizagem se manifesta pelo poder da imaginação e da sensibilidade da criança que, em liberdade, expressa seus senti- mentos e emoções. No universo da arte, destacamos a música como um dos campos férteis para as emoções e sensibilidade da criança, se considerarmos que a música seja a primeira manifestação artística que a criança tem contato. As canções de ninar, quando a mãe vai pôr o bebê para dormir, são um bom exemplo disso. Desde os primeiros mo- mentos da criança, a fala da mãe é o som por meio do qual a criança vai se relacionando com o mundo. Da mesma forma acontece com a dança, o teatro e as artes plásti- cas. O uso de diversos materiais para produção artística abre preceden- tes para a criança expressar-se criativamente e em liberdade. Mas para demonstrar sua criatividade em artes plásticas, por exem- plo, o aluno deve conhecer alguns materiais mais utilizados para sua produção; dentre os mais comuns destacamos o lápis e o papel, tanto pela sua presença constante no ambiente escolar quanto pela sua pratici- dade, pois uma folha de papel em branco e um lápis são um convite para rabiscar e desenhar, fato que leva professores e alunos a uma Situação de liberdade de criação que pode favorecer a aprendi- zagem tanto do desenhar em si quanto das relações espaciais, materiais e simbólicas que a atividade proporciona. Como o brincar desenhando é uma atividade mais livre e, portanto, pode trazer soluções grá� cas mais inventivas, a variedade das imagens produzidas [...] também contribui para transformar e CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 109 enriquecer o modo como o aluno e professor aprecia e analisa essa produção. (MAZZAMATI, 2012, p. 77). Nesse universo, ao analisar a produção feita pelos pequenos ar- tistas, abre-se espaço a uma leitura analítica e apreciação das grandes obras, ou de obras de artistas locais, as quais servem de incentivo à imersão no mundo das artes e à prática da leitura de mundo pela crian- ça. Consequentemente, a arte propicia a produção oral e escrita da criança, abrindo um mundo de possibilidades de ela fazer uso de sua imaginação e, assim, construir seu conhecimento. Para Moreira (1993 apud OLIVEIRA NETO; ALVES, 2014), o desenho para a criança é uma linguagem, como o gesto ou a fala. Ela re- cria situações cotidianas, das quais extrai elementos que, internalizados e reinterpretados, promovem o desenvolvimento cognitivo que resulta na sua aprendizagem. A questão que emerge diante da arte infantil é: como trabalhar a arte na educação infantil? Considerando a arte essencialmen- te lúdica, é possível trabalhar como instrumento de ensino? Kishimoto (2010, p. 1) a� rma que “a pouca qualidade da edu- cação infantil pode estar relacionada com a oposição que alguns esta- belecem entre o brincar livre e o dirigido”. No brincar livre, a criança explora as possibilidades que o jogo, o brinquedo e a brincadeira lhe proporcionam. Enquanto que, no brincar dirigido, há uma interven- ção intencional do professor para obter um resultado. Essas questões nos ajudam a re� etir sobre o modo como a arte é trabalhada na escola. É evidente que o universo infantil é dinâmico, representado pelos jogos, brinquedos e brincadeiras, recursos imprescindíveis para que as crianças pequenas possam se relacionar com o mundo ao seu redor. Além de proporcionar momentos de lazer, o lúdico pode ser utilizado para se al- cançar um resultado planejado, sem perder sua essência, pois é uma tarefa proveitosa, em que todos, professores e alunos, só têm a ganhar. A arte infantil se constitui uma linguagem da criança. Os atos de desenhar e pintar, representar, cantar e dançar são meios de que ela dispõe para representar o mundo pela sua ótica, expressando seus sentimentos, seus medos, seus anseios, sua realidade, sua vida, favore- cendo, assim, a livre criação de ideias. A ludicidade da arte nos leva a ultrapassar a linha fronteiriça es- tabelecida pela pedagogia tradicional e sua mera instrumentalização. A ludicidade vai além das expectativas, alça voo em direção ao mundo da imaginação da criança, que vê o mundo por meio do brincar. Como CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 110 bem a� rma Almeida (2011, p. 86), “o brincar é a essência da infância” e, como essência, constitui-se a força-motriz para o aprendizado infan- til. É nesse ponto que se manifesta o aspecto lúdico da arte. Desse modo, a ludicidade presente nas atividades artísticas enri- quece o processo de ensino-aprendizagem, tornando-o atrativo e cheio de signi� cados para a criança, além de dinamizar o trabalho do profes- sor, promovendo a e� cácia do processo educativo. Almeida (2014, p. 150), ao falar do professor criativo, a� rma que este é criativo quando consegue reelaborar sua experiência de ensino e que “tenha acesso à teoria e à prática do brinquedo e da educação artística enquanto ele- mentos fundamentais da sua ação pro� ssional, sendo a ludicidade o mais importante instrumento para apropriar-se de uma teoria crítica de educação.” Para tanto, o educador precisa adquirir uma postura e uma vi- vência lúdicas e, assim, re� etir sobre sua própria ação educativa diante do universo do jogo, do brinquedo e da brincadeira, espaço onde dois mundos se encontram: o mundo do adulto e da criança, do prazer e da aprendizagem. Para o professor, o jogo só deve ser considerado se ser- vir para algum � m, enquanto para a criança é “ação livre e voluntária” (ALMEIDA, 2014, p. 150). Nessa dialética, é de fundamental impor- tância que o professor adquira uma postura lúdica, para experimentar essa novidade, ao trabalhar a arte com seus alunos. Desse modo, “as mudanças na Arte e as transformações na visão da Educação trama- ram, ao longo do tempo, signi� cados que se articulam, hoje, naquilo que se tem chamado de “Arte-conhecimento na escola”. (PONTES, 2001, p. 33). Nesse caso, a experiência vivida na formação do professor, acompanhada por uma educação para o lazer, sua perspectiva lúdica por meio da arte se constituem uma ponte que liga a arte ao conheci- mento, o qual favorece a aprendizagem signi� cativa, na qual profes- sor e aluno se encontram em um processo dialógico com o mundo. Observando por esse lado, é imprescindível que a arte esteja presente na vida escolar do educando desde a educação infantil. Visando a uma compreensão holística da realidade, a arte é pressuposto para nos sentir alguém no mundo, e com possibilidade de transformá-lo em um lugar onde se pode viver em harmonia com a natureza, consi- go mesmo e com o outro, para trilhar um caminho onde a liberdade e o conhecimento se encontram. CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 111 A ARTE E A LUDICIDADE NAS PRÁTICAS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL A infância se constitui a fase em que o ser humano está na ple- nitude do desenvolvimento e esse fato traz a possibilidade de uma aprendizagem signi� cativa para toda a vida. Trabalhar a arte de for- ma lúdica com a criança favorece que ela se desenvolva intelectual, afetiva e socialmente. A cada momento, encontramo-nos diante de oportunidadesde aprendizado e, assim como as crianças, vivemos momentos de alegria proporcionados pela música, pelo desenho, pela pintura, pelo teatro, dentre outras manifestações artísticas. As- sim, inicialmente, quisemos veri� car as concepções de arte das entre- vistadas, que assim responderam: Professora 1 - É um conjunto de atividades, onde as formas, habilidades, teorias e práticas são voltadas ao manuseio e con- fecção de materiais, possibilitando às crianças a interação com sua própria capacidade de agir, produzir, desenhar, pintar e brincar com o mundo mágico da arte. (informação verbal) De acordo com a professora, a arte possibilita à criança exteriori- zar o seu pensamento com criatividade e, nessa atividade, o brincar está presente, ressaltando assim o aspecto lúdico da arte. Tal pensamento corrobora o que diz Almeida (2014, p. 163), “a linguagem cultural própria da criança é o brincar.” Então, consideramos que toda ativida- de da criança está expressa na ludicidade, portanto, é válido dizer que ela aprende brincando com a arte. Conforme diz a Professora 2: “Arte é o gosto pela pintura que desenvolve na criança” (informação verbal). Quando a criança está inserida no ambiente escolar, observa-se que o desenho e a pintura são atividades corriqueiras, ela está sempre rabiscando alguma coisa, em um ato de imaginação, e imaginar é a capacidade de criar imagens e rearranjá-las (MAZZAMATI, 2012, p. 89). É realmente uma forma de expressão, como bem responderam as professoras participantes da pesquisa: Professora 3 - Artes é uma forma de expressão, onde podemos trabalhar a criatividade de forma espontânea e criativa. CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 112 Professora 11 - Magia, descobertas e aventuras, Arte é uma forma de linguagem, de expressão e de comunicação. É de grande importância o contato da criança no mundo das artes. (informação verbal) As declarações das professoras sobre a arte reforçam a ideia de que, por meio dela, pode-se trabalhar a espontaneidade e a criativida- de, a descoberta do mundo pela criança. “É um verdadeiro meio de autoexpressão” (OLIVEIRA NETO; ALVES, 2014, p. 6). No qual o brincar é o motor que move a atividade criativa das crianças, que “gos- tam de fazer marcas para expressar sua individualidade, e as tintas são ferramentas para essa � nalidade. Massinhas, argila, gesso ou materiais para desenhar, pintar, fazer colagens e construções com diferentes ob- jetos são linguagens plásticas que dão prazer às crianças” (KISHIMO- TO, 2010, p. 5). Ainda sobre o entendimento do que é arte, esclarece a Professo- ra 8: “É uma atividade humana ligada a manifestações de ordem esté- tica, feita a partir de percepção, emoções e ideias” (informação verbal). Nesse sentido, quando a criança faz uma atividade artística, ela está expondo, por meio do brincar, sua compreensão da realidade interpre- tada, conforme sua concepção de mundo e de estética. Considerando a estética como a harmonia expressa pelo belo, a arte na educação in- fantil traz em si a expressividade e a intenção da criança e nisso reside a beleza de sua obra, pois ela não é uma artista, ela está conhecendo e despertando para esse universo maravilhoso, conforme explicitam as entrevistadas: Professora 5 - É um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de culturas diferentes. Professora 6 - É a forma de manifestação de criatividade e de sentimentos mais explícita que pode haver. Professora 7 - É uma disciplina que as crianças poderão mos- trar a criatividade sua realidade no seu mundo infantil. Professora 9 - É uma ação de criar produzir através de pensa- mentos e habilidades. (informação verbal) O entendimento das professoras sobre a arte ressalta a ideia de ser esta meio de produção e aquisição de conhecimento, relacionada com a capacidade humana de interagir com as pessoas e com o meio em que vivem. Dessa forma, de acordo com Santos e Fratari (2011, p. 6): CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 113 Uma das principais atribuições da arte na educação infantil, é que ela possibilita que a criança amplie seu conhecimento, suas habilidades e a descoberta de suas potencialidades. Através da arte, a criança expressa seus sentimentos, medos e frustrações. Ao pintar uma tela, uma folha ou até mesmo uma parede de azulejo, ela está ampliando sua relação com o mundo de forma espontâ- nea. Dessa maneira a criança se apropria de diversas linguagens adquirindo uma sensibilidade e capacidade de lidar com formas, cores, imagens, gestos, fala e sons e outras expressões. A atividade artística na educação infantil possibilita à criança desenvolver suas potencialidades. O prazer da arte nesse nível de es- colarização possibilita a vivência de uma aprendizagem na sua forma autônoma e autêntica, trazendo a alegria de soltar a imaginação através de desenhos, pinturas, dança e teatro. Assim sendo, a arte ocupa um papel relevante na vida da criança e do professor. Então, quando per- guntamos às entrevistadas se eles acham importante trabalhar a arte na educação infantil, elas disseram: Professora 1 - Sim, pois a arte começa a partir do seu próprio corpo em movimento e a criança será possibilitada ao manu- seio dos materiais em trabalho, da praticidade no desenho e na pintura sendo esse trabalho individual ou coletivo realizado por elas. (informação verbal) Assim como a professora 1, as outras professoras responderam positivamente à questão sobre a importância da arte e acrescentaram que: “através da criatividade de cada criança que vamos trabalhar o todo” (PROFESSORA 2). De acordo com essa fala, “o todo” corres- ponde ao movimento, à coordenação motora e psíquica da criança. Para a Professora 3, “a criança da educação infantil também sabe mostrar os seus talentos só precisa ser direcionada” (informação verbal). Nesse sentido, " rma-se a premissa de que a educação, como a cultu- ra, é transmitida às gerações mais novas pelas gerações mais velhas. E como a educação é progressiva, sua evolução é imprescindível no contexto escolar, “onde é possível aumentar a aproximação entre as diferentes gerações” (ALMEIDA, 2014, p. 153). A Professora 4 a" rma que: “na educação infantil a arte é basi- camente procedimental, ou seja, quase tudo o que a criança de 3 a 6 anos aprende está ligado ao fazer e ver imagens” (informação verbal). Esse CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 114 aspecto “procedimental” destacado pela entrevistada, embora possa fa- zer parte da conjuntura do ensino da arte, não deve limitar-se a ela, correndo o risco de descaracterizá-la no seu caráter de criatividade e de imaginação, que devem postulados nas propostas desse ensino. E a professora 5 destaca: “a ação artística costuma envolver criação grupal que contribui para o fortalecimento do conceito de grupo socializando e criando um universo imaginário” (informação ver- bal). As atividades de ver e de fazer imagens estão diretamente ligadas à arte criada por adultos e isso fortalece a vivência no grupo ao qual a criança pertence. As falas das professoras 6, 7, 8, 9, 10, 12 trazem o sentido de que, por meio da arte, os alunos podem se expressar e se divertir; esti- mular a descoberta de um mundo divertido, colorido e cheio de emo- ções, onde a criança pode expressar seus sentimentos, e, embora seja apenas uma vez por semana, traz conhecimentos, enriquecimento cul- tural, desenvolvimento de personalidade e criatividade pessoal, pois é uma aula que também promove grandes conhecimentos sobre o desen- volvimento e a cultura de um povo. Trabalhar arte na educação infantil é estimular a criança à descoberta de um mundo divertido, colorido e cheio de emoções. Assim sendo, à “medida que caminha para o & nal da educação infantil, a criança amplia sua capacidade de utilizar as diversas linguagens por meio devários gêneros e formas de expressão: grá& ca, gestual, verbal, plástica, dramática e musical” (KISHIMOTO, 2010, p. 6). Consideramos que esse é o objetivo da arte na educação infantil: proporcionar à criança o contato com as várias manifestações artísticas, para que ela vá se tornando um ser mais crítico, conhecedor e partici- pativo da sociedade em que vive. Como assevera a Professora 11: “É na educação infantil que é despertado na criança o desejo de aprender a aprender e essa é uma arte que pode ser ou não desenvolvida depen- dendo da qualidade do ensino” (informação verbal). O brincar se constitui um estímulo à aprendizagem da criança. Ao brincar, ela aprende e, nesse processo, a qualidade do ensino está nas mãos não apenas do(a) professor(a), mas de todo o ambiente. Aqui se retrata a & gura da professora, a qual, apesar das circunstâncias de quantidade de alunos por sala, falta de espaço e de material, deve, com o seu conhecimento e competência, despertar na criança o desejo de aprender. CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 115 É na articulação entre teoria e prática que se desenvolvem ou se descobrem novos métodos efetivos de ensino-aprendizagem. No en- tanto, segundo Almeida (2014, p. 145), “o professor só conseguirá esse mérito se ele também se tornar autor de suas ações”. Para tanto, ele precisa organizar e sistematizar o seu trabalho de forma crítica e criativa, para a sua autorrealização e a de seus alunos, dentro de suas in- dividualidades. Uma vez sabendo da importância da arte na educação infantil, propomo-nos a explorar a questão sobre a forma de expressão de arte que as professoras mais trabalham. As respostas que obtivemos seguiram o mesmo sentido, sendo as mais utilizadas a pintura, o dese- nho e a colagem. A música e o teatro também fazem parte do repertó- rio, mas com menor frequência. Para Mödinger (2012 apud ALMEIDA, 2014, p. 149), “desenhar é uma atividade muito prazerosa e, se bem conduzida, pode ser um mo- mento mágico”. Não é necessário criar momento para desenhar apenas nas aulas de arte, o desenho e a pintura podem ser explorados duran- te outros momentos educativos. Há tempo para fazer arte enquanto se aprende a ler e escrever. O desenho se torna um estímulo ao proces- so criativo e colabora para o desenvolvimento da leitura e da escrita da criança (MÖDINGER, 2012 apud ALMEIDA, 2014). Toda forma de expressão artística se torna um pressuposto para a aprendizagem, desde que o professor reconheça que, ao desenhar, a criança está fazendo uso de suas faculdades mentais (porque pensa), psicomotoras (porque age enquanto pensa) e afetivas (porque demonstra sua sensibilidade). Quanto ao método mais apropriado para trabalhar a arte na edu- cação infantil à forma de expressão de arte que as professoras mais trabalham, veri� camos que, pelas respostas das professoras, o método depende geralmente da capacidade e criatividade de cada uma, vemos isso de forma clara na fala das professoras 5 e 7, que a� rmam: Professora 5 - Eu ainda não sei a melhor forma mais gostaria de conhecer. Professora 7 - Não conheço, nunca tive treinamento nesta dis- ciplina. (informação verbal) O reconhecimento das professoras expressa as limitações a que estão submetidas, tanto no campo teórico quanto prático. Ou o não entendimento do uso da arte de forma lúdica. Não se trata aqui de se trabalharem técnicas de desenho e pintura, mas de apresentar à criança CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 116 materiais para fazer arte de forma criativa e espontânea, motivando-as com obras de artistas conhecidos e reconhecidos. O estímulo que a arte proporciona está vinculado ao modo como pensamos e agimos, pois “o ser humano é, [...] ao mesmo tempo um ser que age e pensa sobre o que faz”. (ALMEIDA, 2014, p. 156). Como ser pensante, o(a) professor (a), ao agir, pode re� etir sobre sua ação e, nesse processo, procura melhorar sua prática pedagógica, visando a um ensino dinâmico e alegre para as crianças. A ideia é deixar que a criança se expresse, como diz a Professora 6: “Com mais liberdade sem seguir muitas regras” (informação verbal). Devemos ter em mente que não se faz arte na educação infantil com a intenção de formar artistas, mas de levar a criança à livre ex- pressão. E o desenho a mão livre propicia à criança essa liberdade, que, segundo as professoras 8 e 9, é uma forma de as crianças expressarem seus sentimentos, algo que vem delas mesmas. A espontaneidade da criança é algo mágico, porém não se supõe algo imagético apenas. O fato é que as crianças estão em constante contato com elementos da sua realidade cultural e histórica, da qual comunga todo ser humano. Portanto, uma criança que brinca fazendo arte é vista “como um ser histórico e situado” (ALMEIDA, 2014, p. 169), sendo algo que materializa e objetiva o subjetivo. Dentro do universo da ludicidade, sentimos a necessidade de um espaço propício para a criança produzir arte, no entanto, a maioria de nossas escolas não oferece salas adequadas e nem materiais para se tra- balhar a arte com as crianças pequenas. Nesse sentido, é essencial que o professor reorganize seu conhecimento numa perspectiva lúdica e crie momentos para as atividades artísticas. Nesse sentido, concordamos com Araujo (2005, p. 11), quando ressalta que “para tal empreendimento, é necessária uma reorganização do pensamento, diante da transformação do mundo e do sujeito. Tal transformação acontece de dentro para fora, mediante o constante di- álogo com o mundo”. Considerando a educação ideal e a real, temos aquilo que é possí- vel. Esperar um espaço ideal para desenvolver uma habilidade ou criar uma aula diferente pode revelar uma limitação metodológica, pois um trabalho que envolva ludicidade requer muito mais atitude que exis- tência de recursos, sem negar, contudo, a importância destes para a condução do processo de ensino-aprendizagem. Das várias formas de CA PÍ TU LO 4 Ar te e lu di ci da de n a ed uc aç ão in fa nt il : p re ss up os to s e im pl ic aç õe s 117 se trabalhar a arte com crianças, o modo como as professoras traba- lham a arte na educação infantil revela que a preferência está nos de- senhos, colagem, pintura, dança, teatro e jogos. No brincar artístico, sob a orientação do professor, a criança tem a liberdade de escolher os materiais e usá-los para colorir os desenhos. Assim sendo, O professor tem que resgatar a criação e a fantasia da criança permitindo que ela expresse a sua maneira o que está sentindo e oferecendo assim vários materiais expressivos (lápis, canetas, carvão, massas, tintas diversas, giz de cera, papéis, papelão e ou- tros) para que ela possa explorar sua criatividade. (SANTOS; FRATARI, 2011, p. 4) Fica entendido que o papel do professor é mediar o processo de ensino-aprendizagem, de modo que desenvolva na criança a capacida- de de raciocínio, o equilíbrio, o senso estético, o gosto pela arte e que seja orientada, sem, contudo, ter uma interferência direta do educador. Ao trabalhar com arte, as crianças, de prontidão, já criam ex- pectativas para a nova aula. É um momento de euforia, de liberdade em relação às outras atividades mais direcionadas. É a hora em que se pode imaginar e expressar sentimentos, mostrar o que se sabe fazer de maneira autônoma e criativa, como nos diz Santos e Fratari (2011). O trabalho com arte se torna uma possibilidade de auxiliar a criança em seu processo de aprendizagem, facilitando e motivando a construção do conhecimento de forma produtiva, criativa e prazerosa. E, nessa produção, constrói-se o conhecimento. ALGUMAS FINALIZAÇÕES No universo da educação infantil, a ludicidade da arte se cons- titui um fator essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças. A facilidade e a rapidez com que a criança aprende trazem perspectivas a respeitoda forma como professores e professoras da edu- cação infantil exercem suas atividades em sala de aula. Tratar sobre a ludicidade da arte na educação infantil, sem dúvida, é desa" ador. Sentimos, nas falas de algumas professoras, que o trabalho com a arte e a ludicidade é pensado ainda numa perspectiva muito instru- mental, com a intenção de acalmar as crianças, dependendo de mate- riais pedagógicos, concentrado em momentos especí" cos na rotina da CAPÍTULO 4 Arte e ludicidade na educação infantil: pressupostos e im plicações 118 semana e dedicado mais a uma forma de expressão da arte, principal- mente o desenho. Pareceu-nos, nas falas, que as professoras estabelecem um para- doxo: elas têm uma concepção de arte e de sua importância para a vida dos sujeitos progressista, digamos; contudo, no aspecto metodológico, ainda vemos velhas práticas instrumentais e limitadas, que pouco aten- dem ao potencial da arte para a formação dos sujeitos. Esses postulados precisam ser repensados, uma vez que a arte é um � m em si mesma e que vai além de se pintarem desenhos xeroco- piados. Tendo em vista que o lúdico ultrapassa a realidade, quando se trabalha com arte, usa-se a imaginação, e, como numa viagem mágica, a criança constrói e expõe, por meio das linhas, das cores, das formas e dos sons, suas ideias a respeito do mundo em que vive. Portanto, os motivos para fazer arte lúdica na escola são relevan- tes para a aprendizagem da criança, porquanto ela propicia momentos e espaços de lazer, onde ela pode se expressar, de forma criativa e au- tônoma. A capacidade de aprendizagem da criança por meio do brincar é ilimitada. Os simples rabiscos, movimentos rítmicos são expressões próprias de sua cultura e realidade. Trabalhar a arte numa perspectiva lúdica é englobar elementos que fazem parte da natureza e do cotidia- no da criança, na tarefa de aprender a gostar de aprender. REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. T. P. Brincar, amar e viver. v. 1. São Paulo: Storbem, 2014. ALMEIDA, M. T. P. . O brincar e a brinquedoteca: possibilidades e experiências. Fortaleza: Premius, 2011. 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Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pe- dagogia) – Faculdade Católica de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2011. 121 A ALFABETIZAÇÃO E O SABER INTERDISCIPLINAR CRIATIVO Luana Carramillo-Going Tiago Efrem Andreeta INTRODUÇÃO O ensino fundamental abrange crianças do 1º ao 9º ano – apro- ximadamente dos 6 aos 14 anos de idade – período em que se pode constatar grande percurso de desenvolvimento, tanto das estruturas lógicas, como nas afetivas, sociais e morais. Dentre as legislações que embasam o processo de ampliação de oito para nove anos dessa etapa podem ser destacadas as Leis nº 11.114/2005 e 11.274/2006, os Pareceres CNE/CEB nº 6/2005 e 18/2005 e a Resolução CNE/CEB nº 3/2005, que estabelecem o aten- dimento na educação infantil até os 5 anos e 11 meses (divididos entre creche e pré-escola) e ensino fundamental a partir dos seis anos, com duração de nove anos (sendo cinco anos iniciais, seguidos de mais qua- tro � nais). Essa atual estrutura prevê, assim, a antecipação do processo de alfabetização e de escolarização com o objetivo de promover maior igualdade de oportunidades, principalmente de crianças menos favo- recidas � nanceiramente, já que as mais abastadas geralmente já ingres- savam por volta dessa idade na cultura escolar. Veri� ca-se que a legislação aponta para a necessidade de um cur- rículo que contemple as etapas do desenvolvimento infantil, o brincar e a reorganização do espaço e do tempo escolar por meio da infraes- trutura, de materiais didáticos e brinquedos. Porém, constata-se que na necessidade de cumprir a legislação pode-se levantar a problemática que um ano do brincar da criança foi substituído por atividade di- CA PÍ TU LO 5 CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 122 dáticas alfabetizadoras, na maioria das vezes sem signi� cado para sua existência. Apesar da preocupação da ausência do lúdico dentro da escola como um todo, o foco deste trabalho recai sobre o primeiro ano, cujos professores muitas vezes privilegiam a alfabetização centrada na deco- di� cação da leitura e da escrita sem contemplar o lúdico no processo de ensino e aprendizagem, inversamente ao que encontravam na etapa anterior da educação básica. Assim, questiona-se como trabalhar com conteúdo lúdico que possibilite ao mesmo tempo a construção do saber por meio de uma linguagem simbólica e com signi� cado para o mundo imaginário e criativo dessas crianças “Lúdico” tem sua origem do latim “ludo”, surgindo na língua portuguesa no século XVI, referindo-se a jogo ou brinquedo. Do ra- dical da palavra surge “lúdico” (século XX) com referência ao francês ludique. O su� xo “-ico” remonta à noção de ‘participação’, ‘referên- cia’, ‘pertinência’, principalmente na formação de adjetivos (CUNHA, 1989). Brincar, por sua vez, é de� nido como “divertir-se”, “entreter- -se”, remetendo sua primeira aparição em língua portuguesa ao século XVI. A origem vem relacionada ao latim vinculum, ou seja, “laço”, em sentido semântico referente a vínculo, ligação. O verbete comple- ta-se com a su� xação “-ar”, que forma verbos a partir de substanti- vos (CUNHA, 1989), pois deriva da transformação de ‘vinculum’ em ‘brinco’, que originou o verbo brincar, sinônimo de divertir-se. Quanto a “jogo”, Massa(2015) apresenta duas palavras utilizadas pelos gregos: uma relacionada ao brincar infantil, despreocupado, alegre, e outra para de� nir as competições dos adultos. Piaget ([1951]/ 2014) veri� ca que a construção da noção de mundo infantil ocorre pela imita- ção, com acomodação das experiências sensório-motoras, que funcionam como um “pré exercício”, em que a criança acomoda a realidade exterior, e “evoluem” até confundirem-se com a ideia de que não mais necessitam de acomodações, reproduzindo-se apenas por “prazer funcional”. Nessa acepção, o lúdico considera a participação da criança no jogo da aprendizagem proposta por atividades, tanto motoras quanto grá� cas, que seduzem e encantam o indivíduo ao criar um laço com ele, ou seja, possuindo signi� cado de acordo com sua realidade. O brincar e o jogo estão presentes nesses momentos, mas são unidades englobadas por esse sentido maior, conforme observado na Figura 1. CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 123 Figura 1: Relação entre os termos “Lúdico”, “Brincar” e “Jogar”. Almeida e Siebra (2016) trazem que o lúdico é a representação da cultura, agindo como um potencializador da consciência infantil sobre as estruturas mais antigas das experiências humanas. Destarte, o jogo e a brincadeira são constantemente reconstruídos a partir das relações estabelecidas, sendo representantes dos conhecimentos de determina- da sociedade. O corpo docente, no contexto atual das grandes cidades, preci- sa estar atento aos componentes curriculares propostos nas séries ini- ciais do ensino fundamental, pois, como alertam Bomtempo (2006) e Oliveira (2000), o aumento da violência e dos riscos urbanos produz crianças mais fechadas em suas casas, tendo a escola como espaço privi- legiado de inter-relações. Almeida (2016) reforça essa ideia ao retratar sua infância no sertão, onde a rua era um espaço de encontros e desen- contros, mas que formava uma grande família e se tornava a segunda casa do público infantil. Mais ao sul do país, também é possível reportar a infância dos atuais adultos com espaços livres, nas ruas ainda de terra, campinhos, com cheiro de terra e chuva, vento no rosto quando se estava em cima da árvore, ou brincando de pega-pega, da corrida a pé, no carrinho de rolimã, na bicicleta. Lembrar das brincadeiras com a turminha da rua: amarelinha, lenço atrás, pular corda, jogos com bola, com taco, com raquete, e tantas brincadeiras de faz de conta, com comidinha de matinho, fogãozinho de pedra, sabão em pó batido com um pouco de água, cuja espuma transformava-se em um delicioso suspiro. Memó- rias lúdicas, distantes da realidade atual das crianças que, na maioria das vezes, têm como espaços livres os sofás com brinquedos, a exposi- CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 124 ção a uma tela para assistir passivamente ou divertir-se com jogos ele- trônicos programados por adultos, ou a matrícula cada vez mais cedo no espaço escolar, buscando um equilíbrio entre o brincar e o saber em uma integração e convívio social com crianças da mesma idade. No passado, havia um divisor de águas entre escola e brincar na rua. A criança era matriculada no primeiro ano após completar sete anos de idade e rezava o dito popular que “escola não era lugar para brincadeiras”, pois deveria ser “séria”, sendo assemelhada a rígida, car- regada de normas, trabalhos individualizados, competitivos, com falta de interação e integração entre as crianças. Com o tempo, a educação se modi� cou. O Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, de� ne como dire- triz, no inciso do art. 2º, alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade, o que compreende o � nal do 3º ano do ensino fundamental – o ciclo de alfabetização. Com a criação do Pacto Nacional pela Alfabeti- zação na Idade Certa, buscando tornar real essa diretriz, defendeu-se o trabalho com as crianças compreendendo sua dimensão integral: leitu- ra, escrita, matemática, literatura, música, artes, corporal, geográ� ca, histórica, entre outras. Em suma, a alfabetização permite a ampliação de referências culturais, em diversas áreas. Diante desse contexto, muitos professores privilegiam, em seus discursos, bem como na redação de documentos e planejamen- tos, a utilização do termo “lúdico” para adjetivar o trabalho em sala de aula ou para apresentar uma metodologia própria para o primei- ro ano do ensino fundamental atual. Analisando a intencionalidade desse uso, infere-se mais a apresentação da imagem de “moderno”, se eximindo do possível rótulo de “professor tradicional” do que uma ideologia, crença ou metodologia realmente envolvida com a construção de conhecimento. Observa-se que não houve uma libertação do antigo rótulo de escola para “coisas sérias”, deixando o direito de brincar para outros momentos, como após as crianças terminarem as tarefas ou no horá- rio do recreio. Duarte Junior (2011 apud MASSA, 2015) apresenta o termo “sério” como total oposição ao lúdico, pois demonstra a rigidez implícita em si, enquanto “a sério” se apresenta como sinônimo de “considerar”, “levar a sério”, estar inteiro diante de alguma coisa, in- trinsecamente presente nas atividades lúdicas, que são levadas a sério ainda que involuntariamente, já que con� gura um estado interno do CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 125 sujeito que considera aquela atividade, de certa forma, prazerosa (DU- ARTE JUNIOR, 2011 apud MASSA, 2015; HUIZINGA, 2008). Com essa mudança na realidade escolar, não se pode simples- mente continuar a formar professores preocupados em manter a or- dem e o silêncio em salas de aula, perpetuando a falsa concepção, mui- to presente em turmas de ensino fundamental, de que somente assim se aprende. O LÚDICO DESCORTINADO PELAS PESQUISAS Almeida (2017) defende o brincar como uma necessidade e um direito das crianças, cabendo à escola valorizar e garantir esse momen- to com a organização de espaços e tempos. Para isso, é imprescindível que os adultos o considerem importante e compreendam sua poten- cialidade, ao invés de considerar somente os aspectos informativos e cognitivos. Ao analisar as escolas que atendem crianças de seis anos, alunos do primeiro ano do ensino fundamental, veri$ ca-se uma limitação de espaços livres, pois a infraestrutura destinada à elas, é a mesma para as séries subsequentes, re% exo das condições que lhes foram impostas pela cultura escolar, fazendo os professores crerem numa dicotomia entre o lúdico e o saber, para que a aprendizagem possa trazer frutos. Essa infe- rência foi con$ rmada por Medeiros (2016), que apresentou a visão dos alunos sobre a realidade do ensino fundamental. Diante da visão social e cultural de que escola é um local para aprender, as crianças tendem a defender o procedimento de necessidade irrestrita de atenção às ati- vidades, e que brincar $ cou na escola do passado (educação infantil). Em pesquisa realizada no município de Santos – SP (ANDREE- TA, 2019), constatou-se que os professores privilegiam situações que mantém os alunos fechados em sala de aula, realizando atividades mui- tas vezes desprovidas de sentido para sua vida, reproduzindo conteúdos como forma de memorização, culminando - no que entendem os do- centes - em aprendizado, ainda que o Regimento Escolar das Unidades Municipais de Educação (SANTOS, 2016) preconize a elaboração de atividades lúdicas e motivadoras. Nessa realidade, ganham força as concepções que não permitem ao professor considerar positivo um “levante” dos alunos sob pena de perda de controle da turma, tido como necessário para a manutenção CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 126 da ordem, em um modelo de escola centrado nos conteúdos cientí� cos e no saber docente. Pesquisas levantam que alunos aceitam a escola que renega o brincar, considerando duas etapas:a sala de aula, espaço em que ocorre a aprendizagem, e o recreio, curto espaço de tempo destina- do ao brincar livre (BARBOSA, 2015; MEDEIROS, 2016). Contudo, Bomtempo (2006) apresenta que os professores não recebem formação que relacione brincar e aprender, culminando em um pensamento adultocêntrico, com limitações e necessidade de ma- nutenção do currículo, que preconiza que aprender difere de brincar. Essa ideia é corroborada por Oliveira (2000) que, entre outros fatores, apresenta a má compreensão dos pais, e até mesmo de escolas, sobre o processo de alfabetização, desprezando a importância do brincar como forma de humanização, valioso para a construção de suas concepções futuras, de sua autonomia e sociabilidade. Esses pais (e a sociedade) pressionam a escola dizendo que os � lhos estão ali para estudar, não brincar, pois cresceram no contexto anteriormente descrito. O mal causado por essa ideia é a diminuição consensual da brin- cadeira, das atividades desa� adoras, do lúdico. Trata-se de um mal porque os processos envolvidos (con� itos, acertos, trocas, mediações) geram equilíbrios e desequilíbrios, conquistas e prazeres, re� etindo na construção de conhecimento de mundo, no desa� o, no estímulo da inteligência, na capacidade de convivência (ALMEIDA, 2016). Pesquisas que envolvem o simbólico e a alfabetização não são raras. Pode-se citar, como exemplo, a Alfabetização e os Contos Folclóricos de Fadas (CARRAMILLO-GOING, 1997), que abrange diversos contex- tos da educação formal e não formal. O conto é um instrumento desen- cadeador, não só da construção da leitura e escrita dos alunos durante a alfabetização, mas também como forma de apresentar signi� cação maior às crianças. Essas narrativas sem autores foram montadas e remontadas pela história da humanidade, portanto, carregadas de conteúdo signi� - cativo, problemas existenciais e valores inerentes a qualquer ser humano. A autora constatou, em suas experiências como contadora de his- tória em salas de alfabetização, que as crianças, após ouvir a narrativa e discutir no grupo, tiveram a possibilidade de pensar sobre os obstá- culos impostos na história e as escolhas dos personagens, no enfren- tamento e nas distintas probabilidades de soluções, trazendo à tona aspectos morais e virtuosos de modo signi� cativo sobre as decisões tomadas pelo herói. CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 127 Mais recentemente, outra pesquisa constatou a relevância dos contos nas escolas de tempo integral no ensino fundamental. O traba- lho de Carramillo-Going, Calçada-Kohatsu e Paulo (2018) permitiu um projeto interdisciplinar que teve, como objetivo, promover o de- senvolvimento das linguagens, o trabalho em equipe, a autonomia e a discussão de temas sociais e políticos. Na atualidade, podemos destacar autores que denunciam, em suas pesquisas, situações em que a brincadeira ocorre somente após a realização das atividades escolares propostas para a alfabetização, sem nenhum signi� cado lúdico para a criança. Constata-se que são práticas comuns em salas de primeiro ano, principalmente por privilegiar a aquisição do código escrito e os conteúdos do currículo (ANDREE- TA, 2019; FERRARESI, 2015, MEDEIROS, 2015). Além desse ataque ao brincar, percebe-se a classi� cação pejora- tiva de situações tidas por inconvenientes, como “brincar” de forma generalizada detalhando situações que consideram estar “apenas” brin- cando quem está interagindo com outras crianças, depreciando essa ação diante dos conteúdos escolares, que se revelam como mais impor- tantes (AZEVEDO, 2016; FERRARESI, 2015). COMO TENTAR MUDAR O QUADRO ATUAL? A formação inicial de docentes tem se mostrado incipiente no que tange ao lúdico, seja por sua ausência como objeto de estudo ou como metodologia, seja no avanço de cursos a distância, com diminu- to contato e interação entre os graduandos, ou no menor tempo para conclusão, necessitando “enxugar” os conteúdos tratados. Fica a cargo da formação continuada em serviço, enquanto espaço de aprimora- mento da prática já existente focar esse assunto. Souza (2017) com- plementa que o processo de formação de professores deve se pautar no agir e re" etir, acontecendo uma socialização de experiências. Entretanto, Bomtempo (2006), Ferraresi (2015) e Santos (2017) reforçam, cada qual sob um ponto de vista especí� co, alguma falha na formação de professores, que não privilegia o lúdico. Esse fato con- � gura um ponto a ser observado, pois é preciso “quebrar” o ciclo de negação do lúdico para que o assunto possa vir a ser tratado nesses cursos como um ponto crucial a ser fomentado nas escolas de ensino fundamental, dando luz ao processo de aprendizagem característico da CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 128 fase do desenvolvimento da criança, como um estágio mágico-fenomê- nico, buscando tornar real o que é apenas tratado no campo das ideias (legislações, pareceres, entre outros). Crê-se no espaço formativo dialógico potencializado pela teo- ria, considerando que a imposição não constrói a prática do professor, pois isso seria considerá-lo um ser heterônomo, que apenas cumpre o que lhe é passado. Aposta-se na formação do professor autônomo, que constrói novos conhecimentos estudados a � m de incorporar ao seu cotidiano pro� ssional, sendo capaz de rever suas práticas, revendo os planejamentos das aulas, a � m de que reorganização espaços e mate- riais ao propor atividades signi� cativas. OS CONTEÚDOS CONTEMPLADOS NA FORMAÇÃO Para o trabalho com as crianças de primeiro ano do ensino fun- damental envolvendo o lúdico, compreende-se que o professor deve pensar dois pontos primordiais: o lúdico (e consequentemente o brin- car e o jogar) e a criatividade. Ao observar a teoria do desenvolvimento piagetiano, destaca-se três etapas apoiadas na faixa etária das crianças: o brincar do bebê com o próprio corpo e suas sensações vividas por meio dos esquemas sensó- rios e motores, o símbolo e as brincadeiras simbólicas, avançando, por � m, para o jogo de regras. O primeiro momento, no qual ocorrem os jogos de exercícios, caracteriza-se pela assimilação funcional ou repetitiva, pelo prazer da função, que leva à formação de hábitos durante o primeiro ano de vida. Piaget ([1951]/2014) a� rma a necessidade da criança de reali- zar novamente algo que já foi construído. Esse exercício caracteriza os aspectos autotélicos, pois não apresentam outra � nalidade além de si mesmo. Isso porque o jogo evolui mais pelo prazer de dominar uma atividade do que conseguir sobre ela algum poder. Ao � nal desta etapa, veri� ca-se o aparecimento de “imitações di- feridas”, onde o objeto ou indivíduo “imitado” não mais precisa estar � sicamente presente, podendo ser reproduzido mesmo após um in- tervalo mais ou menos longo de tempo. Isso signi� ca a interiorização de modelos visivelmente perceptíveis, construindo uma capacidade de representação, que inicia um processo de formação de símbolos por meio de um verdadeiro jogo de faz-de-conta, um “como se” existisse CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 129 ali o objeto original, ou mesmo pela atribuição de características de um objeto a outro, constituindo o original de forma � ccional. Assim, uma caixa pode ser um fogão, uma tampa torna-se um volante. São signi� - cantes que representam algo real (um signi� cado), construídos a partir da realidade da criança, externalizada por meio de suas representações e de sua capacidade criadora (PIAGET, [1951]/2014). Os jogos simbólicos são caracterizados pela assimilação defor- mante, pois permitem que a realidade seja representada, por analogia, àquilo que a criança deseja. Em outras palavras, a criança transfere para a brincadeira os conhecimentos provenientes de suas vivências, cons- truindo mentalmente uma representação de uma situação não dada.Ao brincar de boneca, a criança pode não só imitar os cuidados ma- ternos, mas também apresentar a forma que julga “correta” ser para o papel de mãe, atribuindo à boneca o signi� cante de uma criança real. No terceiro núcleo, ou seja, quanto aos jogos de regra, Piaget ([1951]/2014) chama a atenção para a necessidade de um fator exter- no que permite sua existência. Cita, como exemplo, que a criança pode caminhar pela rua e colocar-se a norma de que não lhe é permitido pisar nas pedras brancas, mas essa construção é individual e provém do conhecimento advindo de suas vivências e imposição de regras por pes- soas mais velhas, logo, respeitáveis. Nesta etapa, é capaz de estabelecer maior relação com o pensamento lógico, com a reversibilidade, fatos que se encontram contemporâneos ao primeiro ano do ensino funda- mental, o que propicia situações em que o trabalho com regras seja possível e exitoso, pois segundo Oliveira (2000), a busca pela indepen- dência por parte da criança ocorre por meio de liberdade e limites, os quais se dão na relação entre os pares ou pelos estímulos provindos de relações positivas ou negativas às ocorrências durante as brincadeiras. Predomina a assimilação recíproca, caracterizada pela coletivida- de e pelo respeito de todos às regras, não podendo um jogador seguir e o outro não. Essa situação permite a descentração, que é o ato da criança colocar-se no lugar do outro, construindo um pensamento re- versível ao tentar identi� car suas jogadas, projetando respostas para tal. Nessa concepção, o desenvolvimento humano ocorre em paridade com o brincar, pois a criança vivencia situações que permitem sua in- tegração com as crianças e com o meio, ou seja, com tudo que envol- ve o indivíduo (elementos naturais e construídos pelo homem, ideias, valores, relações humanas, históricas e culturais), convidando, envol- CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 130 vendo-se, recusando contato, apresentando suas ideias, argumentando, entre outros, sem a constante necessidade de intervenção do adulto, o que auxilia no gradativo processo de construção da autonomia, que inicia na infância e continua até a fase adulta, sendo um dos objetivos da educação em se tratando de habilidades. Importante frisar, não só a organização do espaço e dos materiais para que ocorra essa brincadeira, mas também a previsão de tempo, inclusive para a ociosidade, que impulsiona a criatividade. Criar é uma ação inerente ao ser humano e que está extremamente presente nas ações das crianças que brincam de acordo com suas crenças e visões subjetivas do mundo, operando sobre ele objetivamente. A escola, en- quanto espaço de ciência e estudo, preocupa-se em reproduzir méto- dos que, convencionalmente, foram tidos como de sucesso, trazen- do-os para a sala de aula como uma verdade absoluta a ser seguida, mas acaba por considerar a criatividade como algo sem importância ou ainda como algo que culmina em perda de tempo, pois não trabalha propositalmente os conteúdos propostos pelo currículo escolar. Winnicott (1975) defende que é no brincar que a criança (e até mesmo o adulto) pode ser criativa, pois utiliza totalmente sua per- sonalidade, descobrindo-se. Em outras palavras, é possível dizer que o indivíduo percebe o “valor de viver” quando seu potencial criativo é desenvolvido, permitindo perceber que a vida tem sentido. A pro- positura de um jogo simbólico possibilita a livre criação, cabendo ao contexto escolar e ao docente direcionar e mediar algumas situações, entregando-se ao brincar. Um ponto a ser observado é a “permissão” para criar, uma vez que muitas imagens chegam prontas por meio das telas, como televi- sões, tablets, celulares, entre outros. Observando um caso real em que uma criança utiliza boneco dos Vingadores – super-heróis amplamente divulgados devido aos últimos lançamentos cinematográ! cos e todas as produções midiáticas que os acompanham – e os coloca em situa- ções corriqueiras do dia a dia e inusitadas para aqueles personagens no programa televisivo original, demonstra que a ociosidade permite a construção simbólica de situações pela criança. De Masi (2000), sociólogo italiano, relaciona criatividade ao ócio. Segundo ele, o ócio criativo é uma saída à supervalorização do trabalho na sociedade atual, assim como as atividades que dependem exclusivamente da inteligência cientí! ca, o que permite aproximá-lo CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 131 da educação e do primeiro ano do ensino fundamental. O autor ana- lisa que, se antes o ser humano tinha o corpo mais robusto e a cabeça pequena, advindo da necessidade de trabalho braçal, cada vez mais o inverso vem ocorrendo. A sociedade pós-moderna e pós-industrial vem utilizando-se de máquinas a � m de substituir o homem, porém, o potencial criativo humano não pode ser substituído nem pelas mais so� sticadas e tecnológicas máquinas (DE MASI, 2000). Assim, a es- cola precisa ser um espaço de construção criativa para que as crianças, no futuro, sejam capazes de agir sobre esse cenário tecnológico, pois o trabalho de mera reprodução será absorvido pelas máquinas. No entanto, para que isso ocorra, é preciso o cultivo a momen- tos de ociosidade dos alunos, o que não signi� ca não ter nada a fazer. Há dois tipos de ócio: um deles aliena, faz afundar no tédio; o outro enriquece e é “alimentado por estímulos ideativos e pela interdiscipli- naridade” (DE MASI, 2000, p. 242). Ao professor cabe a permissão de momentos livres, mas oferecendo situações de criação, incorrendo no ócio criativo (DE MASI, 2000) quando, em uma determinada ativida- de ou situação, aliam-se o lúdico, o trabalho e o estudo. Figura 2: Esquema entre trabalho, estudo e jogo (DE MASI, 2000, p. 152). Nesse esquema é possível perceber sete pontos: o ponto 1 apre- senta as ações que envolvem somente o trabalho, ou seja, a mera exe- cução de uma tarefa desprendida de qualquer aprendizado ou lúdico. Na área 2, ações que envolvem exclusivamente o estudo e, na área 3, ações realizadas somente por prazer. Na área 4, surgem as atividades CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 132 realizadas enquanto trabalho, mas que envolvem lúdico, jogo, prazer, exempli� cado pelo autor como quando uma equipe cinematográ� ca se diverte na � lmagem de uma comédia. Na área 5, encontramos ações como, por exemplo, um funcionário enviado à uma palestra, onde está à trabalho aprendendo algo. Na área 6, estão as atividades que envolvem estudo e prazer, o que poderia ser apresentado, neste trabalho, como as atividades em que a criança pode agir criativamente sobre uma tarefa dada pelo docente, ou em um espaço previamente planejado para que a brincadeira leve a algum aprendizado. Entretanto, o autor denomina o ócio criativo como aquele existente na área 7, envolvendo trabalho, prazer e aprendizagem. Na sala de aula, pode-se compreender como quando o professor propõe uma tarefa, acompanhada por ele como mediador, em que a criança brinque e construa aprendizado. Para o autor, essa será uma visão bastante difundida no mundo do trabalho futuramente. Entretanto, é complicado corroborar com essa a� rmação dada a realidade da escola atual, que precisará passar por uma grande revolução de concepções até atingir esse patamar. Isso por- que, segundo o próprio De Masi (2000), a burocracia é um empecilho à criatividade e, como observado na pesquisa, (ANDREETA, 2019), as práticas docentes apoiam-se na necessidade de cumprir os conteú- dos existentes nos currículos, sobrepondo-os ao brincar, o que é ob- servável, também, nas pesquisas de Azevedo (2016), Ferraresi (2015), Medeiros (2015) e Santos (2017). Ponto convergente entre esses tra- balhos, observa-se a falta de tempo para deixar os alunos brincarem, o que inviabiliza educar as crianças para o ócio, para a criatividade, que no mercado de trabalho (para o qual a escola preparaos alunos) é atribuída aos diretores e ao grande escalão. A reprodução e a mera execução de trabalhos � cam a cargo dos funcionários. Embasados por essas a� rmações, organizou-se o trabalho defen- dido para a construção do saber interdisciplinar criativo amparado em três bases: alfabetização, lúdico e atividades interdisciplinares. CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 133 Figura 3: Saber Interdiciplinar Criativo (elaboração dos autores). A opção por triângulos corresponde a uma forma de representa- ção onde os três conteúdos estão interligados, formando uma quarta área, sem a possibilidade de ligação entre apenas duas delas. A organização curricular necessita de valores institucionais, os quais, apesar de advirem de planos de cursos fornecidos por instâncias superiores, deverão ser manifestados pela equipe escolar nas escolhas rea- lizadas quanto as disciplinas, à metodologia, à condução dos saberes, e é intrínseca à missão que se propõe para aquela comunidade escolar. Nesta acepção, pensa-se na organização curricular desencadeado- ra de uma ação que deva contemplar o saber interdisciplinar criativo, formado pela área 1 com a alfabetização contemplando letramento, matemática, artes, ciências, história e geogra/ a. O lúdico na área 2 e atividades interdisciplinares na área 3. A intersecção dos três triângulos gera a área 4: uma ação docente que possibilite à criança a construção de saberes reais e criativos, respei- tando a singularidade e as etapas do desenvolvimento físico, psicológi- co e social na qual ela se encontra, e que busque promover o aprender a ser, o compreender a vida e a razão da própria existência. Com tantas solicitações a serem atendidas, o docente precisa es- tar atento quanto à compreensão do que realmente precisa para abra- çar esse novo universo de saberes. No concreto, pensar quais riscos existem e quais benefícios podem ser considerados para essa criança, bem como exigir das políticas públicas condições mais justas, íntegras e dignas, que contemplem a alfabetização não somente da decodi/ ca- ção da leitura e escrita, mas para a leitura da própria vida. Uma união CAPÍTULO 5 A alfabetização e o saber interdisciplinar criativo 134 de saberes dando forma ao novo, à interdisciplinaridade que segundo Fazenda (2008) é um saber cuidar da VIDA. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola atual pode, com raras exceções, ser comparada àquela em que o leitor estudou, independente de sua idade. O mobiliário é semelhante, mas, acima de tudo, as práticas docentes mantêm-se equivalentes. Isso porque foca-se na manutenção e atendimento do currículo, feito como uma forma de checklist, havendo a necessidade de cumpri-lo. Diante desse panorama, a formação docente é crucial para qual- quer mudança a ser realizada, seja na recon' guração dos espaços, na oferta de atividades lúdicas e desa' adoras, seja na permissão para brin- car ou valorizar o saber, tornando-o criativo. Pesquisas apresentam re- sultados que demonstram o incipiente estudo sobre o lúdico e a parca discussão sobre como utilizá-lo em sala de aula após o ' nal da gradu- ação. Complementando, a formação continuada se apresenta como uma forma de contemplar esse assunto, posto a possibilidade de focar em aspectos mais especí' cos. Assim, pensar esse momento partindo da prática do professor possibilita repensar-se, desconstruindo suas certezas para reconstruir- -se docente. Re/ etir sobre o saber interdisciplinar criativo, cuidando da Vida, com ações simples como oferecer opções para desenvolver momentos de brincadeira, de jogo, de desa' os, ou mesmo reorgani- zando o espaço e mobiliário existentes em sala de aula, culmina em uma in/ uência positiva no processo de ensino e aprendizagem, abrin- do oportunidades de planejamento de uma nova forma de trabalho na sociedade, que valoriza mais a criação do que o simples cumprimento de programas de maneira sistêmica e empírica. Após essas considerações, é viável a realização de estudos sobre a criatividade e sobre o lúdico. Crê-se, assim, que a formação docente seja considerada neste bojo, a ' m de não pensar somente na cons- trução de uma nova geração de pro' ssionais de sala de aula, mas no “aperfeiçoamento” daquela que já está em atividade. CA PÍ TU LO 5 A al fa be ti za çã o e o sa be r in te rd is ci pl in ar c ri at iv o 135 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. 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A presença de de# ciência visual decorrente de alguma alteração # siológica anormal ou doença ocular, não permite que esse sistema chegue a seus níveis totais de e# ciência. No entanto, a exposição a estímulos adequados pode alterar a taxa de maturação, e, portanto, informações do ambiente são de fundamental importância para desen- volvimento desta via (BIRCH; O´CONNER, 2001; BOOTHE et al., 1985; TELLER, 1997). Ao nascer, a criança possui órgãos formados, sob o ponto de vista anatômico. Porém, as conexões funcionais necessárias à execução das mais variadas atividades não estão ainda desenvolvidas. Portanto, não ter a funcionalidade visual adequada durante o desenvolvimento impli- ca em comprometer atividades básicas como: segurança, integridade, recreação, autoimagem, orientação, liberdade, percepção e aprendiza- gem. Além disso, a criança que inicia o seu aprendizado motor e cog- nitivo sem entrada visual, requer caminhos diferentes de investigação e acompanhamento. E a falta de consciência destes caminhos sensoriais CA PÍ TU LO 6 CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 140 resulta em crianças com alteração da coordenação e desenvolvimento motor, além de problemas nas respostas cognitivas, quando compara- das a uma criança que enxerga (BARRAGA, 1986; GAGLIARDO, 1997; RODRIGUES 2002). Assim, durante a infância, a experiência visual informa sobre o ambiente, como também direciona a estrutu- ração funcional visual do cérebro buscando a maturação das funções (COSTA et al., 2006; SALOMÃO, 2007). O desenvolvimento das capacidades visuais ao longo dos primeiros meses de vida é uma ação coordenada que envolve aspectos sensoriais e motores. Quanto ao aumento do desempenho visual, este é concomitan- te ao desenvolvimento, crescimento anatômico do globo e ao desenvol- vimento do sistema visual central; pois o crescimento dos dendritos dos neurônios corticais e a mielinização das vias ópticas, que se iniciam na 25ª semana de gestação, prolongam-se até os dois anos de idade, justi$ - cando o desenvolvimento visual gradual ao longo desse período. (DAW, 1995; FARIA E SOUSA, 1997; HUBEL; WIESEL, 1965). Para que haja o desenvolvimento normal da visão, são necessárias boas condições anatômicas e $ siológicas. É sabido que vários fatores estão envolvidos nesse desenvolvimento, dentre eles alguns estão rela- cionados à formação da estrutura ocular e das vias ópticas, outros à es- timulação endógena e exógena do olho (GRAVEN; BROWNE, 2008; GRAZIANO; LEONE, 2005; DANTAS; BRANDT; LEAL, 2005). E alguns autores a$ rmam que o período primário para desenvolvimento do sistema visual é de 20 semanas de idade gestacional até dois a três anos de idade (GAGLIARDO; GONÇALVES; LIMA, 2004). É importante perceber que a criança com de$ ciência visual pode apresentar um desempenho funcional particular. A seguir, nos demais parágrafos, a descrição do desenvolvimento normal da visão durante o primeiro ano de vida é feita, advinda da Es- cala de Desenvolvimento Visual da American Foundation for the Blind - AFB (ERIN; PAUL, 1996). Os pesquisadores apontam que o recém-nascido é capaz de ver padrões de claro e escuro (contrastes preto/branco, preto/cinza), po- rém os detalhes dos mesmos não são nítidos, e apresenta alguma $ xa- ção visual eventual. Pode alertar-se e reagir ao rosto materno, devido estar diante do contorno dos olhos dela. No primeiro mês é capaz de focalizar a quatro centímetros, co- meça a esboçar o movimento conjunto dos dois olhos (coordenação CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 141 binocular), segue objetos em movimento lento e em horizontal na di- reção à linha média, com possível reação a altos contrastes. Olhar aten- to ao rosto da mãe, principalmente durante a amamentação. No segundo mês, a criança apresenta desenvolvimento do re�exo de piscar; prefere olhar para faces a padrões complexos; e, segue objetos em movimento vertical. No terceiro mês apresenta movimentos oculares ! nos; sorri em resposta a estímulo visual; já apresenta melhora de acuidade visual e visão binocular; percebe diferenças entre cores fortes, reconhece objetos ape- nas quando os manipula (idem- PIAGET, 1978a) e a alimentação por estímulo visual. Por volta do quarto mês apresenta mecanismo de acomodação, melhora da coordenação olho-mão, demonstra interesse em objetos pequenos e brilhantes, tenta se deslocar em direção a objetos no cam- po visual, além de reconhecer faces familiares. Há, portanto, o re� exo de ! xação (manter o olhar): ! xa, converge e focaliza. Assim, é capaz de explorar visualmente novos ambientes; seguir objetos que cruzem a linha média do olhar; apresenta movimentos horizontais, verticais e circulares dos olhos; faz tentativa, sem sucesso, de alcançar objetos e leva à boca; e, olha objetos que estejam em suas mãos. Já no quinto mês desenvolve coor- denação olho-mão e a preensão, ou seja, consegue pegar, agarrar objetos, olhando intencionalmente para aque- les que estão mantidos próximos dos olhos, examinando-os. E se interessa por objetos menores e brilhantes. CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 142 A partir do sexto mês ao sétimo, ele alterna a atenção visual entre os vários objetos que estejam no campo de visão e reconhece faces até seis metros distantes. Segue objetos que são lançados. Resgata brinque- dos caídos que estejam ao alcance das mãos, movimenta e explora-os manual e visualmente, sendo capaz de manter a � xação, convergindo igualmente os dois olhos, e com noções de profundidade. A amplitude do campo visual deve estar de 180º aproximadamente. No oitavo mês efetiva-se o jogo funcional: lambe, explora visual- mente, bate e sacode objetos (PIAGET, 1978a), seguindo-os no senti- do vertical mais efetivamente (reação de interesse e proteção). Entre o nono e décimo mês de vida, o bebê reconhece a própria imagem no espelho, mas ele estranha pessoas desconhecidas. Ele imi- ta expressões faciais e observa através de cantos e quinas. Em quatro apoios (engatinhar), vai buscar objetos além de seu alcance. É capaz de despejar, derramar líquido para observá-lo. Está mais atento visu- almente a novos objetos; explora-os, provocando sonoridade e movi- mento; participa de brincadeiras e desenvolve a noção de permanência (constância) de objetos. (idem – PIAGET, 1978a). Chegando ao primeiro ano de vida, o bebê tem acuidade visual para longe e para perto, mas ainda muito aquém do valor adulto nor- mal, apesar de apresentar melhora da visão binocular e da acomodação desse sentido. Observação: Algumas crianças começam a atingir níveis próxi- mos do adulto a partir dos três anos, mas ao redor dos cinco anos é que se espera que a acuidade visual seja igual, ou pró xima, à normal para o adulto. Desta idade em diante, já é possível medir a acuidade visual por testes de reconhecimento de sí mbolos ou � guras, como a tabela de Snellen. (BRASIL, 2016). CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 143 OBSERVAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO VISUAL INFANTIL Triagem Neonatal A criança ao nascer deve ser submetida a três testes fundamentais na rotina neonatal no berçário ou em unidades de saúde: Teste do Pezinho, para detectar comprometimento metabólico. Teste da Orelhinha, para avaliar a audição e detectar doenças. Teste do Olhinho (Teste do Re� exo Vermelho), para detecção de problemas oculares congênitos. TESTE DO OLHINHO PODE EVITAR CEGUEIRA (http://www.hospitaldeolhosdorn.com.br /noticias/2011/dez/01.htm) O Teste do Olhinho, ou do Teste do Re� exo Vermelho, ou Teste de Bruckner, detecta precocemente alterações oculares congênitas que comprometem a transparência dos meios oculares (córnea, cristalino, vítreo e retina) impedindo o desenvolvimento visual. É um teste de alta sensibilidade para o rastreamento de alterações oculares com ris- co de causar ambliopia ou de% ciência visual (cegueira e baixa visão). (TONGUE; CIBIS, 1981). O TRV é realizado pelo Pediatra na maternidade, antes da alta do bebê. Quando não for possível ou alguma dúvida no resultado do teste, o teste ou seu re-teste deve ser realizado o mais breve, antes do primeiro mês de vida. É fundamental esclarecer os pais e responsáveis de que o Teste do Olhinho não é exame oftalmológico e sua realização não substitui o exame oftalmológico que todo bebê deve ser submetido, se não nos primeiros seis meses de vida, no máximo no primeiro ano. Equivocadamente, muitas pessoas acreditam que o teste seja su% ciente para assegurar a saúde ocular da criança, mas isso pode atrasar o diagnós- tico de problemas oculares muito graves nesta faixa estaria e que podem comprometer a visão e, às vezes, até a vida da criança. O TRV faz parte das políticas de saúde para o recém-nascido do Ministério da Saúde por meio das Diretrizes de Saúde Ocular da In- fância, que recomenda sua realização também nas consultas pediátricas CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 144 de rotina, duas a três vezes por ano nos primeiros três anos de vida, pois algumas alterações oculares podem se desenvolver ou aparecer no decorrer do crescimento. (BRASIL, 2013). Desta forma, o TRV é garantido pelo Sistema Único de Saú- de, assim como o encaminhamento dos casos de TRV ausentes ou duvidosos, para serviços de referência de oftalmologia. Na saúde pri- vada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar garante a cobertura obrigatória do teste no rol de procedimentos oferecidos pelas operado- ras de planos de saúde (Resolução Normativa nº 211/2010). Além disso, os bebês prematuros ou bebês que tiveram proble- mas durante ou após o trabalho de parto, como hipóxia ou anóxia neonatal, parada cárdio-respiratória, convulsões, hipoglicemia, ou que apresentam alterações sindrômicas devem, além do TRV, ser encami- nhados para exame oftalmológico. Também, bebês e crianças cujos familiares possuem doenças ocu- lares hereditárias que ameacem a visão, como: retinoblastoma, glauco- ma congênito, catarata congênita, altas ametropias, história de infecção durante a gestação como toxoplasmose, herpes, sí� lis, rubéola, citome- galovírus, zika vírus; assim como, bebês com síndromes ou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, devem ser avaliados nas consultas pediátricas de rotina e encaminhados para avaliação oftalmológica. Avaliação Oftalmológica e Diagnóstico Para de� nir diagnóstico e tratamento do problema ocular, assim como a habilitação/reabilitação visual, o oftalmologista fará o exame completo que inclui conhecer a história pré-natal da mãe e da gestação, resultados de exames, antecedentes familiais de doenças hereditárias, síndromes, casamentos consanguíneos entre os pares envolvidos, en- � m, procurando informações relevantes ao quadro clínico da criança. Em relação à criança subentende-se: a história pré-natal, neo- natal e pós-natal, as intervenções cirúrgicas/internações, resultados de exames e medicamentos que usa, e as avaliações de outros especialistas (pediatra, neurologista, geneticista e outros), cujos dados são impor- tantes e serão analisados em conjunto com o exame oftalmológico. Segue-se, então, ao exame oftalmológico com: a inspeção dos olhos, pálpebras, pupilas e reações pupilares, motilidade extrínseca ocular, seg- mento anterior (conjuntivas, córnea, cristalino), exame de refração sob CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ãos ub no rm al 145 midríase medicamentosa (dilatação das pupilas) para determinar o grau (hipermetropia, miopia, astigmatismo) e exame de fundo de olho. Para a medida da acuidade visual, se criança pré-verbal ou não informa, usa-se teste de acuidade visual de resolução, baseado na capa- cidade da criança de resolver padrões listrados ou em formato de tabu- leiro de xadrez apresentados. O método do olhar preferencial (cartões de Teller) e eletro� siológico (potencial evocado de varredura) são os mais utilizados. Se criança for verbal, pode-se medir a acuidade visual por reconhecimento de símbolos ou � guras, sejam lúdicas (símbolos LH, por exemplo) ou com letra “E” (Snellen), ou letras do alfabeto e números se ela já for capaz. Detectada e diagnosticada a de� ciência visual, o oftalmologista avaliará as funções visuais (acuidade visual residual), visão binocular (capacidade de fusão e visão de profundidade), sensibilidade ao con- traste, visão de cores, campimetria visual e adaptação às diferentes con- dições de iluminação (claro-escuro). CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 146 A criança será então submetida à avaliação da visão funcional pelo oftalmologista e equipe de terapeutas, para observar seu compor- tamento, a atenção visual e respostas visomotoras, coordenação olho- -mão, � xação, seguimento, reação à luz, campo visual (no exame geral, de confrontação), adequação ao ambiente (cores e iluminação), e por � m, de� nir-se-ão as estratégias adequadas para que a criança use de forma e� ciente seu resíduo visual e possa continuar seu desenvolvi- mento global. A Deficiência Visual, Causas, Prematuridade e Comorbidades Crianç as que adquirem precocemente problemas oculares e/ou corticais graves viverão muitos anos futuros com a de� ciência visual e suas consequê ncias, como maior chance de atraso no desenvolvimento fí sico, neuropsicomotor e cognitivo e pior qualidade de vida. Portanto, minimizar seu impacto e proporcionar a melhor e� - ciência visual quando possível, para melhor desenvolvimento, quali- dade de vida, inserção familiar e social, esses devem ser os objetivos no acompanhamento multidisciplinar com médicos especialistas (of- talmologistas, pediatras/ neonatologistas, neurologistas, geneticistas, otorrino e outros) e terapeutas (� sioterapeutas, terapeutas ocupacio- nais, psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos e ou- tros). (BRASIL, 2016.) As principais causas de baixa visã o no Brasil, segundo estudos realizados em serviços brasileiros de Baixa Visão são: retinocoroidite por toxoplasmose, catarata infantil, glaucoma congê nito, retinopatia da prematuridade, alteraç õ es do nervo ó ptico e de� ciê ncia visual cor- tical, desordens hereditá rias retinianas e maculares. Vale rea� rmar que a detecção e tratamento precoces são importantes para o prognóstico visual. (HADDAD et al., 2007). Nos últimos anos, estudos publicados revelaram alteraç õ es diver- sas nas crianç as nascidas com a Sí ndrome Congê nita do Ví rus Zika, com funções visuais diminuídas ou ausentes (baixa visão cortical ou cegueira), estrabismo, lesões retinianas e atro� a parcial ou total do ner- vo ó ptico. Estudos mostram que o grau da lesã o é variá vel conforme a fase de gestação em que ocorre a infecç ã o, observando-se maior grau de comprometimento quando a infecç ã o ocorreu nos primeiros meses de gestaç ã o. (VENTURA et al., 2017). CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 147 As causas mais prevalentes de de� ciência visual são listadas a se- guir, como alerta à população em geral. Catarata Congênita É a opacidade do cristalino (lente intraocular localizada poste- riormente à íris) uni ou bilateral. Estima-se que 5% a 20% da cegueira em crianças em todo o mundo ocorre devido a catarata congênita. No Brasil, embora não haja dados exatos, estudos populacionais revelam incidência entre 7 e 14%. (TARTARELLA, 2010). As cataratas congênitas podem ocorrer isoladas em sua maioria, podendo ser hereditária, ou com associação a distúrbios metabólicos, como: galactosemia, doença de Wilson, hipocalcemia e diabetes, ou a síndromes como trissomia 21, a mais comum. Outras causas muito comuns da catarata congênita são as causadas por infecções congênitas maternas durante a gestação, por: rubéola, toxoplasmose, herpes sim- ples, varicela e sí� lis. (LAMBERT; LYONS, 2017). Toxoplasmose Ocular A doença é causada pelo Toxoplasma gondii, um protozoário de distribuição geográ� ca mundial e causa alterações oculares e sistêmi- cas. É muito conhecida a tríade clássica composta por retinocoroidi- te, calci� cação intracraniana e hidrocefalia. Outras alterações clínicas podem ocorrer anormalidade no + uido cerebrospinal, anemia, peté- quia devido trombocitopenia, febre, atraso mental e de crescimento, microcefalia, linfadenopatia, vômito, diarreia, sendo mais graves nos prematuros. (COMMODARO et al., 2009). A lesão de retinocoroidite macular cicatrizada é a manifestação ocular mais frequente, uni ou bilateral, e por isso a baixa visão é grave (perda da visão central) e, no decorrer da vida, podem se reativar outras lesões em outras áreas da retina provocando novas in+ amações intrao- culares. A detecção precoce e tratamento sistêmico (com medicação es- pecí� ca) e ocular (colírios) devem ser instituídos o mais rápido possível. Glaucoma Congênito O glaucoma congênito é caracterizado pelo aumento da pressão intraocular (PIO) decorrente de um desenvolvimento anormal das es- CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 148 truturas oculares de drenagem do humor aquoso na câmara anterior ou, por escoamento reduzido devido a doenças oculares adquiridas ou congênitas e desordens sistêmicas. É responsável por 5% dos casos de cegueira infantil no mundo. (SINGH et al., 2012). Os sinais e sintomas são o lacrimejamento, a fotofobia e o blefa- roespasmo. Perda do brilho dos olhos (por opacidade corneana devido a edema de córnea) e aumento do diâmetro corneano (por aumento do globo ocular, denominado buftalmo) são os sinais mais comuns no diagnóstico, presentes em 40% dos pacientes. Tão logo detectado, o tra- tamento em geral é cirúrgico e a criança deverá ter acompanhamento oftalmológico ao longo de toda a vida, para o controle da PIO e da visão. Retinopatia da Prematuridade A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença retiniana, que se desenvolve em olhos de recém-nascidos prematuros, afetando a vascularização dos vasos da periferia da retina, que se desenvolve de forma inadequada (neovascularização). Existem vários estágios confor- me sua evolução, podendo regredir ou evoluir com grave sangramento na cavidade intraocular (vítrea) e descolamento da retina, provocando então, de' ciêcial visual grave. A detecção precoce através de triagem dos bebês em risco de ROP (exame de fundo de olho periódico ainda na unidade neonatal) e tratamento (com fotocoagulação por laser na retina periférica ou injeção intravítrea de medicamentos, que antineo- vascularização, são chamados antiVEGF) quando necessário, dimi- nuem os riscos de de' ciência visual por ROP. As condições sistêmicas do bebê prematuro como comorbidades como sepsis, hemorragia intraventricular, leucomalácea periventricular e outras alterações, assim como o nível de cuidado neonatal (equipe ne- onatal de neonatologistas, enfermagem e auxiliares) contribuem para a taxa de sobrevida. O controle dos níveis de oxigenação, das comorbida- des e equipes bem capacitadas nos cuidados aos prematuros são respon- sáveis pela maior sobrevida atual dos prematuros. (ZIN et al, 2007). Retinoblastoma É o tumor maligno intraocular mais comum nas crianças, ge- ralmente afeta crianças desde o nascimentoaté menos de 4 anos de CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 149 idade, sem predileção por sexo. O diagnóstico precoce é de extrema importância porque, além de melhorar o prognóstico visual do pacien- te, aumenta sua taxa de sobrevivência, pois pode ser fatal. (PANDEY; SAUDI, 2014). Os sinais e sintomas incluem principalmente, leucocoria (pupila branca e com re� exo do tipo “olho de gato”, muitas vezes percebida pelos familiares em fotos) e estrabismo, e, em casos avançados o incha- ço do olho e proptose (olho se expande anteriormente) e dor ocular. O Teste do Olhinho auxilia muito a detecção da ausência do re� exo ver- melho e o encaminhamento para o oftalmologista. O retinoblastoma pode se disseminar ao longo do nervo óptico ou hematologicamente, causando metástases em ossos, cérebro e outros órgãos. Portanto, o diagnóstico e tratamento precoces podem preservar o globo ocular, a visão e a vida da criança. O tratamento consiste de quimioterapia e radioterapia e, nos casos irreversíveis, a enucleação do globo ocular. (BALMER et al., 2006). Erros Refracionais O que são? Para o ato de enxergar um objeto, este deve re� etir um feixe de luz e essa luz deve ser focada na retina. As principais es- truturas que fazem este foco na retina são a córnea e o cristalino, que funcionam como lentes, que, em conjunto, focalizam a imagem do objeto na retina, formando uma imagem nítida. Essa luz se transforma na retina em impulsos nervosos (elétricos) que são transmitidos pelo nervo óptico e chegam até o cérebro, onde é transformado na percep- ção visual nítida do objeto, que se está enxergando. Esta condição é chamada de Emetropia. Quando existe um erro de refração ou Ametropia, os raios de luz do objeto não serão focados na retina e, portanto, a imagem não será nítida. Hipermetropia: Quando a convergência dos raios de luz ocorrer atrás da retina. A imagem se forma posterior à retina. A di" culdade visual será para perto, enquanto para longe a visão será nítida. Miopia: A convergência dos raios de luz se dará na frente da re- tina e a imagem se formará na antes dela. A visão será embaçada para longe e nítida para perto. Astigmatismo: Determinado por curvaturas horizontais e verti- cais diferentes da córnea e /ou do cristalino fazem com que os raios de CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 150 luz, que passam por esses meridianos, não caiam no mesmo ponto na retina, embaçando a visão tanto para perto como para longe. Os sintomas dos erros refracionais são, além da visão embaçada/ borrada, desconforto visual, dor/cansaço visual, dor de cabeça frontal, conjunto de sintomas que se denomima Astenopia, além de ardor, la- crimejamento e visão com sombra em alguns casos. O tratamento dos erros refracionais ou ametropias é realizado pela correção dos mesmos, com o uso de óculos, lentes de contato ou cirurgia refrativa. (CANTOR et al, 2015a). Trauma Ocular É a lesão ocular por trauma mecânico seja ferimento penetrante (cortante/perfurante) ou contuso, ou as lesões causadas por agentes químicos (ácidos, álcalis como cal, soda cáustica, alguns produtos de limpeza contendo essas sustâncias) ou radiação (raios ultravioleta ou ionizante) que causam queimaduras (córnea e pálpebras). Pode ainda ocorrer a entrada de corpo estranho na córnea ou conjuntiva. (HA- MILL et al., 1997). Os traumas perfurantes são graves porque podem lesar estruturas oculares super& ciais como a córnea, as conjuntivas e as internas (cris- talino, retina, vítreo) e causar baixa visual grave e cegueira. Nas quei- maduras, os sintomas em geral são dor intensa, ardor, lacrimejamento, vermelhidão e dependendo da gravidade podem causar cicatrizes na córnea e de& ciência visual irreversível ou até cegueira. Portanto, na ocorrência de trauma ocular, deve-se procurar ser- viço oftalmológico de emergência/urgência para que o diagnóstico e tratamento sejam realizados o mais precoce e os riscos de perda visual sejam minimizados. (MARTINS, 2010). Ambliopia “Ver“ para desenvolver a visão. Qualquer obstáculo à formação de imagem nítida em cada olho pode levar à Ambliopia. O que é? É a redução da capacidade visual de um olho ou ambos os olhos por falta de estímulo ou estímulo inadequado durante a fase de desenvolvimento visual que ocorre na infância. É o que se chama de olho preguiçoso. Como exemplo, na presença de estrabismo, a imagem CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 151 do olho estrábico que chega ao cérebro será de menor qualidade do que a imagem do olho não estrábico. Quando isso ocorre, o cérebro só considera a imagem do olho bom (não estrábico), é como se anulasse a visão do olho estrábico, e daí, este olho torna-se amblíope ou “pregui- çoso”. (CANTOR et al, 2015b). Outras causas seriam: • Diferença de erro refracional (grau alto de miopia ou hiper- metropia ou astigmatismo) em um olho e outro normal, ou alto grau em ambos os olhos. • Opacidade de meio: ptose palpebral (pálpebra superior mais caída, ocluindo o eixo visual), catarata, opacidades de córnea, hemorragia vítrea. O tratamento da Ambliopia consiste na eliminação de qualquer obstrução do eixo visual (ptose, catarata, ou outra opacidade de meio), da correção óptica do erro refracional se houver, e forçar o uso do olho amblíope com a oclusão (ou o embaçamento) do olho de melhor visão. (WCPEDIG; COTTER et al., 2012). O DESENVOLVIMENTO DA FUNCIONALIDADE VISUAL INFANTIL Novamente de maneira breve, os demais parágrafos relatam sobre a criança a partir dos dezoito meses até ao ! nal da infância, conforme a Escala de Desenvolvimento Visual da American Foundation for the Blind - AFB (ERIN; PAUL, 1996), e com adendos da teoria psicogenética. O toddler inicia seu andar e próximo dos dois anos, deambula por vários espaços. Já inspeciona objetos apenas com os olhos, imita movimentos, procura e busca visualmente objetos ou pessoas; tem me- lhora da visão de cores e da memória visual. E desenvolve a associação, pois aos dois anos inicia a fase de representação mental, caracterizada pelo Simbolismo, surgindo os jogos simbólicos. Estes expressam os esquemas sensórios-motores internalizados pelos jogos de exercícios, que são as atividades visomotoras integradas com os demais sentidos e internalizadas pela percepção, mas não isoladamente, mas como parte do sistema global em que se constitui a inteligência. (PIAGET, 1977; 1978a; 1987). CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 152 Brinquedos estruturados Sucatas resistentes e coloridas Com três anos já pareia objetos de formas simples (por semelhan- ça: cor e depois forma). Realiza encaixes elementares ou quebra-cabe- ça, mas ainda necessita de algumas pistas táteis. Diferencia e reconhece o objeto vendo apenas uma parte dele. Tenta pinçar e pegar objetos da página de um livro e é capaz de desenhar um círculo bem rudimentar. Aos quatro anos, já tem a capacidade de discriminar tamanhos objetos corretamente, identi� car cores e tonalidades, � gura-fundo, além de ter boa percepção de profundidade (explorar e descobrir). Apresenta coordenação olho-mão automática (não requer esforço consciente – hábito adquirido) e discrimina comprimento de objetos independente de suas orientações, mas valendo-se mais pela percepção visual, sujeita a equívocos, do que pela prática, que ainda é iniciante. Desenha círculos e copia cruz. Atingindo os cinco anos, apresenta maturidade da coordenação: pinça e solta objetos com precisão. Também, pinta, corta e cola; de- monstra noções de conceitos pelaprática mais generalizada (se isso lhe for estimulado). Manifesta controle muscular para montar blocos com facilidade, não por tentativa e erro - os jogos de construção ou encai- xe, pois já iniciou a comparação mental de agrupamento dois a dois. E é capaz de desenhar um quadrado - faculdade mental adquirida pela experiência corporal global no espaço e representada pela psicomotrici- dade–� na/ constrói a habilidade visomotora manual. (PIAGET, 1978a). No sexto ano de vida manipula e tenta usar ferramentas e ma- teriais. Escreve em letra de forma maiúscula, mas apresenta trocas co- muns, é capaz de desenhar triângulo, e já inicia a leitura. Já deve ter construída a noção de esquema corporal, abstraindo a imagem cor- poral. Nessa fase a criança está no � nal de um estágio intuitivo, com articulação mental intensa sobre tudo que observa; com um discurso CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 153 impregnado de explicações do meio em que vive, mas ainda com certa fantasia sobre o que não domina do mundo real. A inteligência huma- na prossegue desenvolvendo-se pelo conhecimento de sua interação, orientando-se simultaneamente para os dois polos, conhecimento das coisas e pelo conhecimento do eu; pois assim, “ela organiza o mundo, organizando-se a si mesma”. (PIAGET, 1996, p. 361). Dos sete aos nove anos escreve frases com velocidade e suavidade na preferência olho-mão e inclui detalhes nos desenhos. Tem conheci- mento dos conceitos pela experiência prática, desenvolvendo-se cogniti- vamente, já com raciocínio lógico em plena estruturação e atuando com jogos de regras simples, pois a razão sobrepõe a percepção visual, que imperava até os seis anos (GIMENES, 1998; PIAGET, 1978b; 1991). No " nal da infância, período púbere, inicia o domínio dos jogos de regras com certa complexidade estratégicas. Ao mesmo tempo, me- tabolicamente, prepara-se para a fase da adolescência, em que a afeti- vidade está elevada, tendo as emoções sob o jugo das transformações orgânicas, que podem in% uenciar no desenvolvimento cognitivo (GI- MENES, 2016; PIAGET, 1954). Gra" camente, a criança adentra no nível do realismo visual, pois não desenha mais o que imagina que sabe (realismo intelectual) e sim, o observado pela experiência (GIMENES; FLORES-MENDONZA, 2000; PIAGET; INHELDER, 1993). FUNCIONALIDADE VISUAL, BRINCAR E BRINQUEDOS ADAPTADOS OU ADEQUADOS Na literatura é bastante discutida, em artigos cientí" cos e textos de especialistas, sobre a necessidade de adaptação de materiais escolares e lúdicos para as crianças com di" culdades visuais. (GASPARETTO et al., 2011; GIMENES; LOPES; NAKANAMI, 2012). No entanto, também é pobre o material disponível para a adap- tação de brinquedos, baseados na real capacidade de resposta visual funcional (resíduo funcional), pois suas necessidades lúdicas devem ser supridas urgentemente pelo fato de seu diagnóstico ser levantado tardiamente, em sua maioria. Para que essas adaptações ocorram de forma realmente e" ciente, e que seja possível contemplar o interesse de pacientes com de" ciência visual, é de extrema importância que se considere os dados de funções visuais pesquisados. CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 154 Por meio de uma retrospectiva literária, os estudos pioneiros de Robert Fantz mostraram que desde o nascimento o bebê apresenta uma preferência por dirigir o olhar para estímulos complexos a � xá-lo em cenas homogêneas (FANTZ, 1958; FANTZ et al., 1962; FANTZ; MIRANDA, 1975; FANTZ; NEVIS, 1967; FANTZ; ORDY, 1959). Para a visão de cores, foi a Teoria Tricromática, proposta no início do século XIX por Young e Helmholtz, que previu uma parte importante da base � siológica para o entendimento atualmente. Esta teoria propõe que o olho humano tem três tipos diferentes de cones responsáveis pela visão de cores. As justi� cativas para esta teoria vêm de fenômenos subjetivos como a possibilidade de se criar branco pela mistura de três primárias. Posteriormente, o � siologista alemão Ewald Hering, em 1878, propôs a Teoria de Oponência das Cores, que su- geria a existência de três canais de cores oponentes: vermelho-verde, azul-amarelo e claro-escuro. Portanto, informação advinda de teorias psicofísicas propõe que a visão de cores é mediada pela recombinação da atividade desses três tipos de cones em três canais. As justi� cativas para esta teoria vêm de fenômenos subjetivos como as cores comple- mentares. Além disso, o pesquisador descreve que a percepção visual é formada a partir de seis cores elementares: verde, vermelho, azul, ama- relo, branco e preto, o que complementa as teorias anteriores (BRUNI; CRUZ, 2006; FEITOSA-SANTANA et al., 2006; COTTER; LEE; FRENCH, 1999). Estas questões levaram Ewald Hering (1834-1918) a contestar a Teoria de Young-Helmholtz e a propor outra teoria, que postulava que a percepção das cores se dava através de quatro canais cromáti- cos, dois acromáticos e seus correspondentes processos � siológicos. Os sinais seriam, portanto, comparados entre si através de canais de oponência, o que resultaria na percepção de todas as cores do espec- tro luminoso visível. Atualmente, sabe-se que as duas teorias coexistem em diferentes níveis do processamento visual: para haver visão de cores são necessá- rios pelo menos dois tipos de cones que expressem pigmentos visuais com picos de absorbância (ou abservância) espectrais distintos e um substrato neural que compare os sinais destes cones (CORNSWEET, 1970). A Teoria Tricromática explica o processamento dependente dos fotorreceptores e a Teoria Oponente corresponde ao processa- mento pós-preceptoral. CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 155 Em testes comportamentais observados, bebês recém-nascidos somente percebem cores como: o verde, o vermelho, o amarelo e a cor laranja. Aos dois meses o bebê pode perceber cores como o azul, o roxo e o cinza e, somente aos seis meses a percepção de cores é quase tão ampla, em termos de espectro de luz, como a do adulto (CORRÊA, 2007; TELLER, 1997). No entanto, outros autores já a� rmam que no primeiro mês de vida a visão de cores é praticamente inexistente, sen- do que nos três meses seguintes o aparecimento é gradual (ADAMS; COURAGE, 1995; BOOTHE et al., 1985; DOBKINS et al., 2001). Exemplo de adaptação em guia para favorecer o olhar preferencial, facilitando visualmente, a localização. Outros estudos relatam que no � nal do primeiro mês o bebê é capaz de discriminar um estímulo vermelho em um fundo verde; já com dois meses discrimina um estímulo amarelo em relação a um fundo oponente; e, somente no � nal do terceiro, foi observada a dis- criminação entre o amarelo e vermelho, portanto, apresentam uma adaptação cromática (ADAMS; COURAGE, 1995; ADAMS et al., 1991; BOOTHE et al., 1985). Exemplo de adaptação em oponência de cores no contorno, garantindo o maior contraste e facilitando visualmente, a localização de penetração. CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 156 Teller (1997) descreve que as crianças pequenas conseguem fazer a discriminação vermelho-branco com base na diferença de compri- mento de onda. Assim, se conclui que a criança tem dois tipos de fotorreceptores funcionais, pelo menos, e também, a � siologia neural necessária para comparar os seus resultados e utilizá-los como a base de uma resposta comportamental. Exemplo de atividade em oponência de cores, garantindo o maior contraste e facilitando visualmente, a localização parao encaixe (frutas). E outro, com e sem adap- tação em oponência de cores, garantindo o maior contraste e facilitando visualmente, os buraquinhos na copa/ árvores. Exemplo de adaptação de brinquedo estruturado em altos contrastes e também outros feitos com adesivos e sucatas. Vimos que no primerio ano de vida, as imagens registradas visu- almente pelo bebê são deveras importantes como estímulos, tanto para a função visual (foco, escaneamento, seguimento), bem como para de- mais faculdades que se ampliam ao longo dos anos, como: memória visual, discriminação e identi� cação de imagens; atenção seletiva e ob- servação; reconhecimento de cores/formas; classi� car pela categoria de pertencimento, dentre outras. CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 157 Da imagem visual à interação com o objeto concreto e sua importância. Soifer (1992), em suas pesquisas sobre a in! uência da TV sobre o psiquismo infantil (atualmente, ampiam-se para celulares/ tabletes), realça o perigo de tirar a criança do brincar, desde a tenra idade, e a colocarem em um “bebê conforto” [ou “colinho”], # cando presa para ver desenhos animados (sem saber de seus desejos/ fantasias). Esclacrece a psicanalista (SOIFER, 1992, p. 13), que pela iden- ti# cação projetiva – em “como se” “entramos no outro e sentimos o mesmo que ele, ... induzindo a crer que somos esse outro que está na tela.” Essas sensações promove o fenômeno catarse (descarga das ten- sões inconscients com o alívio psíquico) parecido ao que ocorre nos sonhos, no ato de dormir; mas nestes, uma imobilidade é induzida, favorecendo a regressão profunda, até em nível fetal, que promove o rebaixamento “...da maior parte das funções vitais, o que torna possível e adequado o descanso # siológico, que se agrega ao mental.” Por sua vez, nas animações/# lmes, não há a diminuição das fun- ções vitais, por se estar acordado; nem a dispersão de energia pela imo- bilização forçada; há a incorporação de imagens, que podem causar temor; há a distorção visual, bem como, certa poluição auditiva; e, além de tudo, há a sobreposição entre as fantasias geradas e as já exis- tentes no inconsciente. Nessas situações, a catarse liberada é de apenas dos conteúdos pré-conscientes, pouco reprimidos. (SOIFER, 1992). CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 158 Acrescentando-se ainda, que a criança está no período sensório-motor (PIA- GET, 1978a), precisando que a inte- ração com o objeto esteja dentro de seu campo visual e sendo manipulado, para haver a apropriação do conheci- mento do mesmo, ou seja, poder controlá-lo efetivamente (abs- tração empírica). Ela ! naliza, dizendo que a boa saúde mental indica quantidade e qualidade de sono que permita o descanso corporal e a catarse mental inconsciente, apontando e recomendando, que a criança tem o brincar (brinquedo, canto, contos e outros) como forma muito mais efetiva de elaborar catarse que o adulto e colaborando no desenvolvimento psicomotor - este desenvolver foi observado em muitas crianças ins- tiucionalizadas por mais de trinta e cinco anos por Gimenes (2020). As muitas texturas... Brin- quedos estruturados e os construidos em sucata. O jogo simbólico (faz-de-conta), o jogo de construção e o jogo de regras. CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 159 Atualmente, o fato sobre a identi� cação projetiva é con� rmada pela teoria dos neurônios espelhos, em que o ato de observar ativa as regiões de estruturas neurocerebrais semelhantemente, ao ato sendo rea- lizado por outro; ativação importante para gerar imitação pela criança e a aprendizagem, discutida no autismo. (GIMENES, 2020). CONCLUINDO... Pudemos analisar no transcorrer desse conteúdo, que em condi- ções normais os órgãos da visão têm grande importância na aprendiza- gem. Eles contribuem com uma grande porcentagem (alguns autores até mencionam valores como 85%) dos estímulos encaminhados ao cérebro para a realização desse processo e desenvolvimento da loco- moção e mobilidade, con� rmado por Rodrigues (2002) e Farron com seus colegas (2002). Além de o funcionamento dessas estruturas ser o responsável direto pelo desenvolvimento de diferentes habilidades, especialmente conceitos de espaço e funções motoras. Há guias sobre a reabilitação visual pelo brincar, para a família e professores dessas crianças, para atingirem certo grau de satisfação. (SILVA et al., 2018). A partir dos três meses de idade, os vários bebês que acompanhá- vamos já tentavam alcançar um objeto apresentado à sua frente, em decúbito dorsal, após � xar e o seguir visualmente, fato este apresentado por Gagliardo, Gonçalves e Lima (2004). E ainda, os antigos relatos de Bly (1994) apontam que após o terceiro mês, a coordenação necessária para o alcance em diversas posições já estará desenvolvida. Como, tam- bém, entre o nono e o décimo segundo meses, o bebê usa a atividade digital para manipular e explorar objetos de diferentes formas, moven- do as mãos para trazê-los para o melhor campo de visão. Soubemos que o desenvolvimento motor usa de informações vi- suais para desenvolver suas habilidades normais, mas é comum encon- trar atraso no desenvolvimento em crianças com comprometimento visual, principalmente na aquisição de controle de cintura escapular e extensão de pescoço, demonstrado há tempo por Hyvãrinen (1995) e dez anos depois, por Graziano (2005). Outro fator importante para a postura hominal bípede, é que a visão é foco motivacional do desenvolvimento do controle de cabeça, e, consequentemente, adquire habilidades motoras provindas dos sis- temas táteis, sinestésico e vestibular, pesquisado por Belini e Fernandes CAPÍTULO 6 O brincar da criança com deficiência visual: breve enfoque em atenção prim ária à visão subnorm al 160 (2007), há pouco mais de dez anos. Além disso, se houver o atraso des- sa habilidade dinâmica postural, que aprendemos com muita destreza e naturalidade, causa alteração na noção espacial, de ambiente e mo- vimento, sendo que esses conceitos de espaço são fundamentais para se conquistar a orientação com segurança e consequente mobilidade, narrada por Glass (2002). E ainda, Cole (2007) justi� ca posteriormen- te, que essa alteração de percepção do ambiente promove a piora do desempenho pessoal, derivando um comprometimento à criança em seu desenvolvimento global. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, após ter percorrido em tão poucas páginas esse vasto universo da visão humana, amplo e complexo, envolvendo os sistemas sensorial e perceptivo e outros, fundamentais na aprendizagem sobre o mundo em que vivemos e que culmina com o autoconhecimento (consciência do Eu), podemos imaginar sobre o que se submete um jo- vem ser humano, cujo funcionamento visual comprometido o conduz por uma trajetória de grande esforço, a � m de se adaptar ao cotidiano escolar, para se sentir agregado e aceito pelo meio, também se aceitan- do com a máxima satisfação possível. Pudemos observar, sobre a responsabilidade que o adulto - edu- cador da criança, tem que ter a respeito das possíveis doenças do siste- ma visual, que podem prejudicar o ser em desenvolvimento, causando danos sérios em sua vida de relação. Conhecemos brevemente, sobre o funcionamento visual, segun- do as duas teorias, que favorecem na melhor compreensão a que se propõe qualquer brinquedo (ou objeto de conhecimento), desde que o agente facilitador saiba oferecê-lo utilizando-se do jogo de oponência das cores e da luminosidade entre outras observações; como também, que nos atentemos às orientações que o desenvolvimentista da teoria psicogenética oferece, além de outraslinhas teóricas, estudando sempre mais sobre os benefícios da ludicidade para a vida humana, que não se restringe só à infância; e, ressaltamos sobre o alerta que a psicanalista esclarece-nos no início da década de 1990, relacionado à alta in% uên- cia nociva sobre o psiquismo humano em formação, ocasionada pelo assistir a películas continuamente, por meio de TV, que o estendemos ao celular e tablete na atualidade. CA PÍ TU LO 6 O br in ca r da c ri an ça c om d ef ic iê nc ia v is ua l: b re ve e nf oq ue e m a te nç ão p ri m ár ia à v is ão s ub no rm al 161 Assim, relevando a nossa intenção deste capítulo sobre o brincar, focando a prevenção em visão subnormal, só nos resta � rmar um apelo público. Urge a implantação de um programa de saúde ocular em todo o sistema público de ensino a partir da Educação Infantil, visando de- senvolver ações de detectar a incapacidade visual em atenção primária e de promoção/ recuperação da saúde ocular, orientando os docentes para melhor atuarem. E aos pro� ssionais de atendimento especializado à criança, que haja mais trabalhos publicados sobre os segmentos es- colares, principalmente para divulgar em âmbito mais amplo, sobre as di� culdades visuais congênitas, como: catarata, glaucoma e outros, que somente tardiamente são descobertas pela baixa produção da criança nos bancos escolares. REFERÊNCIAS ADAMS, R.J.; COURAGE; M.L. 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Ela é entendida como um domí- nio funcional que apresenta diferentes manifestações que vão comple- xi� cando-se ao longo do desenvolvimento e que emergem de uma base orgânica até alcançarem relações dinâmicas com a cognição e poder ser visto nos sentimentos. A teoria walloniana indica que o meio transfor- ma gradativamente esta afetividade orgânica, moldando-a e tornando suas manifestações cada vez mais sociais. À medida que a criança vai brincando e jogando, ela vai exteriorizando seus desejos e suas expe- riências. Em geral, são manifestações que expressam um universo im- portante e perceptível e que precisam ser levadas em consideração na atenção à criança no ambiente hospitalar. CA PÍ TU LO 7 CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetivae lúdica na perspectiva de W allon 170 O movimento humano tem na teoria walloniana um papel pre- dominante na estruturação humana. Wallon (1971, 1975, 1986,2008) considera o movimento como fundante da estruturação do psiquismo, uma vez que o movimento intencional é a expressão proveniente das relações humanas. Este depende fundamentalmente da organização dos espaços (como é o caso das brinquedotecas nos hospitais e ou espaços de brincar), para a elaboração de atividades que promovam o desenvolvi- mento motor. No hospital, a criança é vista como um ser passivo, limi- tada por sua doença à � uidez do movimento, das emoções e do pensa- mento, tão necessários para o desenvolvimento integral do ser humano. A análise genética walloniana mostra que a motricidade humana atua primeiramente sobre o meio social e age sobre o meio físico, me- diado pelo meio social, nas dimensões interpessoal e cultural. Assim, na premissa walloniana, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor (DANTAS, 1992). A inteligência para Wallon (1971, 1975, 1986,2008) depende es- sencialmente de como cada indivíduo interage com o meio e compreende os seus signos, articulando as informações de uma forma que lhe permita uma participação efetiva na realidade circundante. A emoção estabelece as bases da inteligência, identi� ca-se com o seu desenvolvimento próximo da afetividade e surge como condição para toda e qualquer intervenção. Para Wallon (1975) a identidade e a autonomia têm relação di- reta com os desenvolvimentos afetivo, motor e cognitivo, necessários para a promoção de situações de interações que possibilitam experiên- cias no sentido de oferecer ao indivíduo a consecução de valores, mo- rais, culturais e éticos da sociedade onde vive, de modo a torná-lo par- ticipativo, contribuindo, assim, para um melhor ambiente hospitalar. A � m de abordar o jogo na visão de Wallon (2007), será utilizada predominantemente sua obra: A evolução psicológica da criança e, mais especi� camente, na segunda parte, em que esse autor trata do brincar. O DIÁLOGO TÔNICO: A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO CORPORAL AFETIVA E LÚDICA O nosso corpo é cúmplice da existência do corpo do outro e é com o outro que ele se vê e constrói para existir (AJURIA- GUERA, 1972). CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 171 O corpo, canalizador das emoções do eu psíquico, é matéria visí- vel que re� ete as transformações psíquicas e afetivas, resultantes da in- teração do indivíduo com os diferentes contextos no qual ele se insere. O corpo é o suporte e veículo da expressão emocional, é o conjunto de memórias, gestos, posturas, desejos pessoais, ou seja, de vivências es- senciais para a construção da identidade e personalidade. A linguagem como expressão que materializa a racionalidade e o pensamento permi- te ao ser humano projetar-se para além dos limites visíveis do seu corpo e deixar-se envolver num universo simbólico (MAXIMIANO, 2004). Na teoria walloniana, as emoções orientam todo o desenvolvi- mento e são desencadeadas por toda nova experiência, mediante as variações tônico-posturais e sensações correspondentes. As emoções são atenuadas pela repetição dos gestos, expressão do movimento, dei- xando espaço para a atividade representativa. Dentre tantas contribuições trazidas pela teoria walloniana para fundamentar este trabalho, a relação corporal afetiva e o diálogo tônico ocupam um lugar muito importante para a compreensão da afetivi- dade e sua relação como o corpo adoecido da criança no hospital. A teoria de walloniana explica o diálogo tônico, isto é, a comunicação sem o uso da língua construída entre os seres humanos. Wallon (2007) acredita que o bebê dialoga com sua mãe por meio de suas reações corporais e, desde o momento da concepção, já inicia o diálogo tôni- co, por meio das carícias e fala da mãe com sua barriga. As sensações intrauterinas que o bebê vai experimentar são de fundamental impor- tância para o seu desenvolvimento pós-parto. O estudioso da infância, Spitz (1960), realizou muitas experi- ências � lmando as reações dos bebês interagindo com o adulto. Ele observou que durante o primeiro ano de vida a mãe é a intérprete para toda a percepção e ação, evidenciou esse fato mostrando que o bebê segue com os olhos cada movimento da mãe. Esse diálogo que no primeiro momento é povoado por coisas caóticas, vai-se tornando cada vez mais signi� cativo, e a atitude e a ternura da mãe oferecem à criança uma gama riquíssima de experiências vitais. Essa atitude afe- tiva determina a qualidade do diálogo tônico que modela o corpo da criança. Esse diálogo acontece porque o desejo materno, evidente em seus cuidados e preocupações com seu bebê, favorece a ocupação de um lugar, valorizando a singularidade da criança. Isso ocorre quando a mãe busca decodi� car as diferentes sensações apresentadas pelo seu CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de W allon 172 bebê, em uma busca constante de acolher, em suprir suas necessidades, todas de ordem latente e, que pelo fato deste bebê estar num constante intercâmbio com sua genitora, acaba aprendendo as diversas sensações que lhe chega e que são intermediadas pela mãe (LIMA, 2016). Para Maximiano (2004), se as primeiras fases da vida sensorial e tônica forem inadequadas, pode haver comprometimento nos proces- sos de identi� cação e individuação, re� etindo mais tarde na inseguran- ça e desorganização dos mecanismos de defesa e no comportamento e nas atitudes do indivíduo. Considerando esse aspecto, a criança inter- nada, com o seu corpo adoecido vivenciando experiências negativas, como o medo, a ansiedade, o afastamento da sua realidade, os proce- dimentos invasivos, poderá acionar mecanismos de defesa do seu ego e di� cultar a recuperação do seu eu psíquico imerso neste corpo que fala, com sua linguagem gestual e simbólica. Esse corpo que, segundo Damásio (1996), é um conjunto de todas as experiências do sujeito que irão moldar a estrutura mental, protegendo-o com uma armadura tônica que é alicerce do self com sua função tônica que é a base da vida expressiva, intuitiva, emocional, afetiva, intencional e imaginativa. Os seres humanos estão em constante interação com o meio, a criança em seu curso do desenvolvimento encontra-se suscetível a sensações diversas. Morini Junior (2013) considera que a sensações, por serem produtos dos sentidos, em sua forma imediata e básica, são fundamentais para o processo da integração sensorial, que surge de sensações advindas de diferentes partes do corpo e que, posteriormen- te, são interpretadas pelo sistema nervoso central, transformando-as em percepções e, na sequência, em resposta motora. Estas percepções têm um papel importante diante da expressividade corporal de um indivíduo, sendo dependente de cada sujeito, o que lhes garante uma singularidade na resposta (WALLON, 2007). O tônus, no sentido da condição � siológica, corresponde ao grau de tensão involuntária presente em todo músculo do corpo humano. Ele sofre variações, de acordo com os estados de relaxamento muscular (hipotonia) ou tensionamento da musculatura (hipertonia). Contudo, este mesmo tônus, por estar atravessado pela linguagem, sofre varia- ções de estados de tensões emocionais diversos, como nas situações de ansiedade, fúria, felicidade, satisfação. Todos intimamente relaciona- dos a uma atividade de relação e expressão do tônus inserida no campo do desejo. (LEVIN, 2011). Com base no papel desempenhado pelo CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 173 tônus, Wallon (2007) classi� ca as emoções conforme o grau de tensão muscular. Desse modo, as emoções são de natureza hipotônicas, rela- ção redutorado tônus – como a tristeza, o sentimento de impotência, o medo – ou hipertônicas – geradoras de tônus como a raiva, a ansie- dade, a agressividade. Nessa perspectiva, há um excesso de excitação que pode tornar rígida a musculatura periférica, isto é, há escoamento do tônus, o que pode ser acompanhado de incômodo ou dor que, por sua vez, no caso da criança internada, pode piorar o seu estado de saúde. Por isso, nas situações afetivas sentidas como prazerosas, como no caso das atividades lúdicas, ocorre o � uxo tônico, isto é, escoa-se imediatamente em movimentos expressivos. Pinto (2010). A alegria é o resultado do equilíbrio e de uma ação recíproca entre o tônus e o movi- mento. Nas expressões emocionais e nas � utuações tônico-posturais há uma relação de reciprocidade. Entretanto, é preciso esclarecer que não se trata de certo ou errado, normal ou patológico, trata-se da manifestação natural dos estímulos sociais interpretados pelo tônus afetivo. Na infância, o diálogo tônico se expressa no corpo da criança e essa linguagem também é expressa nas brincadeiras e nas interações. Baseada nas ideias de Sigmund Freud (1856-1939) citado por Abe- rastury (1992, p. 15), uma criança brinca não somente para repetir situações satisfatórias, mas também para elaborar as que lhe foram traumáticas e dolorosas. No caso da criança internada, a expressão das situações vivenciadas como traumáticas ou dolorosas são naturalmente orquestradas no seu corpo que se “inclina” de modo harmonioso para onde a afetividade lhe guiar. Neste sentido, Winnicott (1975, p. 226) relata que “[...] a brin- cadeira é um meio fundamental para a criança resolver os problemas emocionais que fazem parte do desenvolvimento [...]”. Para ele, a brin- cadeira é um dos métodos característicos da manifestação infantil, um meio para perguntar e explicar. Portanto, quando os adultos demons- tram uma compreensão intuitiva dos fatos, se pretendem auxiliar a criança nos problemas penosos que inevitavelmente surgem, os quais os adultos, tantas vezes, ignoram, precisam de treino para desenvolver e usar essa compreensão do signi� cado da brincadeira na criança. As- sim, em um contexto ideal, haveria um ambiente com um clima de segurança e acolhimento em que a criança poderia expressar, desde que dentro de critérios aceitáveis, obviamente, seus sentimentos agressivos, estes entendidos como sendo naturais nos seres humanos, a � m de CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de W allon 174 que ela possa aprender a tolerar tais sentimentos. A questão é que nem sempre a agressividade é vista como algo natural dos seres humanos; porém, a cólera é um sentimento humano e, quando esta não pode ser expressa, por exemplo, numa brincadeira, ocorrerá um “inclinamento” natural dos corpos expressando a afetividade na postura corporal. Por isso, é importante que o adulto aceite a presença de agressividade na brincadeira da criança, que, por sua vez, sente-se desonesta se o que está sentindo no momento tiver de ser escondido ou negado. A brinca- deira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência. A criança, na brincadeira, exprime sua afetividade e o diálogo tônico que emana do seu corpo o acompanhará em suas vivên- cias (WINNICOTT, 1975). A obra de Wallon (2007), que ora se apresenta como uma psi- cologia do desenvolvimento da personalidade, concebida como inte- gração da afetividade e da inteligência, procede de acordo com os se- guintes estágios, que, por sua vez, direcionam o diálogo tônus afetivo, como mostrado na Tabela 1, a seguir: CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 175 Tabela 1 – Síntese da relação entre os estágios e a expressão do diálogo tônico afetivo ESTÁGIOS CARACTERÍS- TICAS IDADE EXEMPLOS DE EXPRESSÃO DO DIÁLOGO TÔNICO AFETIVO Estágio 1 Impulsivo (1a) Emocional (1b) 0 a 3 meses 3 meses a 1 ano - Brincadeiras / jogos funcionais - Movimentos simples - Predomínio da emoção - Voltada para o meio humano - Emoção como principal instru- mento de interação Estágio 2 Sensório-motor (2a) Projetivo (2b) 1 ano a 18 meses 3 anos - Jogos/brincadeiras de " cção - Atenção voltada para a explora- ção da realidade - Estabelece relação entre o movi- mento e a sensação - Ocorre a imitação - Há relação entre o movimento e a representação - Predomínio cognitivo - As ações motoras regulam o surgimento das ações mentais - O pensamento projeta-se nos gestos Estágio 3 Personalismo - Crise de opo- sição - Idade da graça - Imitação 3 a 6 anos 3 a 4 anos 4 a 5 anos 5 a 6 anos - Brincadeira/jogo de aquisição - Gestos simbólicos - Imitação e representação - Dimensão cognitiva fortalecida - Formação da personalidade como aspecto central - Distinção de si e do outro Estágio 4 Categorial 6 a 11 anos - Brincadeira/jogo de fabricação - Predomínio cognitivo - Interesse no mundo externo - Ampliação da capacidade de abstração mental da criança Estágio 5 Adolescência A partir de 11 anos - Predomínio afetivo - Busca da autoa" rmação - Con% ito nas relações - Transformações psicológicas e corporais - Reestruturação do esquema corporal Fonte: Elaborado pela autora com base em Wallon (2007). O propósito de criar a Tabela 1 com as relações entre os estágios e as características do movimento e das atividades lúdicas é dar ênfase a CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de W allon 176 ideia de Wallon (2007). Para este pesquisador, o lúdico é fundamental para o desenvolvimento humano, pois é por meio da brincadeira que a criança adquire conhecimento e compreende a realidade. Ao relacionar a brincadeira e o progresso do desenvolvimento, o autor considera que a brincadeira é uma forma espontânea de fruição do diálogo tônico. Fonseca (1993) compartilha a perspectiva walloniana, na qual o diálogo tônico é uma forma de relação com o meio e está vinculado a cada situação e a cada indivíduo. A função tônica está associada a todas as manifestações das dimensões emocional, cognitiva e motora que ocor- rem, por exemplo, no momento da atividade lúdica concomitantemente possibilitando a expressão dos sentimentos e a integração corpo-mente. Wallon (2007) discute, por meio da criança, uma ciência do ho- mem por inteiro, em que a emoção direciona a vida. Os fazeres, as expe- riências e as vivências são guiados pela emoção e o corpo funciona como uma ponte para expressar os sentimentos latentes e ou manifestos que, por sua vez, utilizam a brincadeira como um meio também latente de ex- pressão lúdica canalizada nos gestos e movimentos corporais. A noção de “constelação familiar” propicia à criança, ao nascer, um contexto social e simbólico no qual seus outros parceiros sociais mediarão a interpretação de suas ações no mundo, dando a elas signi� cados. Essa mediação permite à criança compreender o que pertence a ela e o que pertence ao que seria o outro, na busca da diferenciação en- tre ela e o outro – a criança acaba por ocupar um lugar no contexto em si, isto é, no contexto da emoção. Função essencialmente plástica e de expressão, as emoções constituem uma formação de origem postural e sua substância fundamental é o tônus muscular (WALLON, 2007). Durante os três primeiros anos de vida, a criança encontra-se num sincretismo subjetivo, imersa no mundo cultural e simbólico que a constitui. Nesse período inicial, a percepção da realidade dependerá da identidade funcional entre os objetos e as ações representados pelos outros membros de sua constelação familiar, isto é, pela interpreta- ção que os outros derem as suas ações e movimentos, estes ganharão forma e expressão. A partir dos 6 meses, a criança se revelará um ser essencialmente emocional, que deixa o lugar doorganismo vivente, constituindo-se em sujeito psíquico na produção de comportamentos emocionais, individuação do próprio corpo e formação de consciência de si. As etapas do desenvolvimento, não são estágios clássicos, mas se dão na dialética da afetividade e da inteligência, emoção e razão, CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 177 que se in� uenciam mutuamente, em composição e oposição e são afetadas constantemente tanto por fatores biológicos quanto sociais (WALLON, 2007). O que de� ne a simbiose afetiva (participação do outro na for- mação da consciência de si), do bebê com seu meio humano são os fatores emocionais voltados para a construção de sua sensibilidade in- terna, inicialmente visceral e depois afetiva. A emoção é dominante no primeiro ano de vida, voltando a ser entre os 3 e 6 anos, e mais tarde na adolescência. Por volta dos 12 meses, as atividades que propiciam o conhecimento do outro e das coisas serão predominantes, levando a criança a voltar-se para o mundo externo. Conforme Wallon (2007) o diálogo tônico passa a ser o prelúdio da comunicação verbal e tem no corpo um instrumento operacional e relacional. A criança, apesar de fundida nos outros, passa a desdo- brar-se em gestos e palavras e a compreender seu papel nas situações interativas, tendo como características a marcha e a fala, mediadores necessários para que o ato motor se interiorize, formando a represen- tação mental. Pela construção e transformação das relações sociais e do próprio espaço do corpo, a individualização de cada parte dele, sua integração numa unidade corporal vai causar uma delimitação de si em relação aos outros, podendo voltar-se para a imitação de cenas e acontecimentos, nomeando objetos a sua volta e mais tarde, a si mes- mo, identi� cando sua imagem e seu nome, na etapa denominada por Wallon (2008) de consciência de si. No estágio impulsivo, a criança encontra-se em plena simbiose com seu meio; suas expressões se dão por movimentos corporais e ex- periências afetivas. É uma imitação sem imagem, sem modelo, difusa, ignorante de si mesma, uma espécie de simples mimetismo. Ele a cha- mou de impregnação tônica. Essa comunhão afetiva é uma primeira relação psicológica, a emoção, cuja origem é a mesma das reações im- pulsivas, isto é o tônus. No estágio emocional, quando começa a organização dos aspec- tos perceptivos, por meio de mímica, a criança é capaz de estabelecer com o meio um diálogo tônico, mediante sinais culturais orientados, preferencialmente, com os adultos que a rodeiam. A criança que estava fundida começa a diferenciar-se do mundo social. Nesse estágio e no sensório-motor, as imitações são tentativas simultâneas de ação, e a tonicidade muscular vai ganhando forma de CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de W allon 178 atitudes e de posturas em situações de expressões emocionais. A crian- ça tenta participar da ação do outro via motricidade, é o que Wallon chama de pseudoimitação ou imitação espontânea, já não existe inten- cionalidade, é apenas uma consciência que se realiza entre uma estru- tura perceptiva e uma motriz que lhe corresponde, uma tentativa de interação na via social e, ao mesmo tempo, uma forma de diferenciar a si mesma de outras pessoas. A imitação começa a ser compreendida como uma maneira de representação, ou algo que aparece entre o sim- ples movimento (gesto) e a representação verdadeira. Quando ocorre a necessidade de de� nições de papéis numa situ- ação interativa é que surge a imitação real ou diferida, só após os dois anos e meio de idade, no “estágio projetivo”. Então, a criança começará a agir intencionalmente, apesar de ainda estar fundida em seu meio, projetando seu pensamento em gestos e palavras. O diálogo tônico se aperfeiçoa ao mesmo tempo em que o ato mental projeta-se em atos motores (WALLON, 2007, 2008). CONSIDERAÇÕES FINAIS Na teoria de walloniana a emoção se traduz e imprime-se na to- nicidade muscular de forma imediata e indissociável. Todas as emo- ções se explicariam na criança pela maneira como o tônus se forma ou conserva-se, sendo muito estreita a reciprocidade entre a sensibilidade orgânica e a atividade tônica dos músculos. O medo, por exemplo, traduz-se pela total desorganização das funções tônica e postural. A imaginação, para a teoria walloniana, nasce no jogo simbólico da criança e sendo inicialmente, prisioneira do movimento. A partir do momento em que o ser humano começa a brincar de faz de conta, um novo caminho para a expressão dos afetos se abre. Essa evolução pode culminar em formas muito elaboradas de expressão simbólica e de arte, mesmo nos estágios mais avançados, sua função de transformação das emoções permanece tendo importância fundamental. Para Aberastury (1992), ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, suas angústias e seus problemas internos, dominando-os por meio da ação, o que o pesquisador chamou de diálogo tônico. Seu corpo na brincadeira inclina-se para atender a demanda do ego que na situação de doença encontra-se fragilizado. Segundo Aberastury (1992), a criança repete no brinquedo todas as situações CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 179 excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio sobre os objetos externos ao seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modi� car um � nal que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real, tanto interna como exter- namente, e também repetir à vontade situações prazerosas. Na sua imaginação, a criança pode “elaborar” a angústia e tomar consciência da sua situação real aprendendo a lidar com que lhe está acontecendo no processo de internação. O vazio de não saber, a falta de respostas para suas demandas transformam-se em fantasias que preci- sam ser elaboradas no nível da brincadeira para que possam escoar pelo corpo, por meio de gestos e forma de brincar, o conteúdo imaginário que possa estar a� igindo-a no ambiente hospitalar. Aberastury (1992) comenta que situações novas e grandes mudanças despertam ansiedade e de diversos modos, e o brinquedo oferece a possibilidade de elaborá-las. Na doença, portanto, o brincar é uma tentativa de cura, de re- tornar à saúde e ao equilíbrio. A criança busca compreender o que está acontecendo a sua volta e, ao entender o seu adoecimento, dá um passo em direção ao autoconhecimento. Daí a importância da brinca- deira na elaboração das fantasias que são expressas no corpo que, de certa forma, em razão do adoecimento pode perder a sua capacidade de manter um contato nutritivo consigo e com o outro, abalando seu senso de autocon� ança e autoestima. Ao adoecer a criança � ca confusa e sente-se naturalmente ameaçada, alterando o � uxo natural de comu- nicação e expressão corporal, o que prejudica ainda mais seu estado. De acordo com Wallon (2007), o lúdico é fundamental para o desenvolvimento da criança, pois é mediante a brincadeira e o mo- vimento que ela adquire conhecimento e compreende realidade. As brincadeiras são importantes para o desenvolvimento afetivo, cogniti- vo e motor da criança, estimulam sua criatividade e a preparam para lidar com situações futuras. No hospital, o lúdico e o movimento do corpo são importantes para impulsionar o desenvolvimento e favorecer a saúde do paciente infantil, além de possibilitar o estabelecimento de laços afetivos e de con� ança entre este e o adulto. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A. A criança e seus jogos. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. CAPÍTULO 7 O diálogo tônico: a im portância da relação corporal afetiva e lúdica na perspectiva de W allon 180 AJURIAGUERA, J. Manual de psiquiatriainfantil. Brasil: Masson, 1972. DANTAS, H. A afetividade e a construção do sujeito na psicoge- nética de Wallon. In: DE LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K.; DAN- TAS, H. Piaget, Vigotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discus- são. São Paulo: Summus, 1992. p. 85-98. DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro hu- mano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. FONSECA, V. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993. LIMA, B. M. R. 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Dissertação (Mestrado em Educação)–Universidade Federal de São João Del-Rei, MG, São João Del Rei, 2010. SPITZ, R. O primeiro ano de vida. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988. ______. Desenvolvimento emocional do recém-nascido. São Paulo: Pioneira, 1960. WALLON, H. Do ato ao pensamento: ensaio de psicologia compara- da. Petrópolis: Vozes, 2008. CA PÍ TU LO 7 O di ál og o tô ni co : a im po rt ân ci a da r el aç ão c or po ra l a fe ti va e lú di ca n a pe rs pe ct iv a de W al lo n 181 ______. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fon- tes, 2007 (Coleção Psicologia e Pedagogia). ______. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1986. ______. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975. ______. As origens do caráter na criança: os prelúdios do sentimen- to de personalidade. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1971. ______. A evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro: Andes, 1941. ______. Les origines du caractère chez l’enfant. 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Com esse trabalho ela inaugura uma nova fase no cenário da Psi- canálise, ao propor uma maneira de acessar a criança por meio do brin- car. Trouxe então, a possibilidade de análise da criança e a utilização do brinquedo para esse � m, o que representou a quebra de um paradigma vigente, segundo o qual não era possível a análise infantil, uma vez que as crianças não possuíam uma estrutura de linguagem desenvolvida su� cientemente para a elaboração e a livre verbalização de ideias36. Este era o pensamento de Freud, também defendido por sua � lha, Anna Freud e representou uma grande discordância entre esta e Melanie Klein (FREUD, 2006a; FREUD, 2006b; KLEIN, 1981). 36 Relato extraído do � lme “Melanie Klein – Um breve relato”. Produção Equipe Melanie Klein. São Paulo, mai. 2011. Disponível em: http://drive.google.com/a/unifesp.br/� le/d/1uu1PqwNI-fvm- dEeH-kHdHCAwOI0gR/view?usp=drive_web. Acesso em 07ago.2019. CA PÍ TU LO 8 CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 184 Como disse Robert Young, “onde Anna Freud disse que crianças muito pequenas não podiam realizar livre associação, Klein viu um rico mun- do de fantasias re� etidas no brincar” (ESCLAPES, 2013, p. 2). Ela defendia a ideia que o brincar das crianças era similar à livre associação dos adultos e, para tanto, utilizava desenhos e brinquedos, conforme ilustrado a seguir (FERREIRA; PEREIRA, 2016). Desenhos Infantis (Melanie Klein Trust Welcome Library, London) Brinquedos de Crianças - por Klein na Terapia Infantil (Sociedade dos Psicólogos - https://spsicolo- gos.com/2018/10/18/psicanalise-infantil-o- -que-precisa-ter-dentro-da-sua-caixa-ludica/) Vale ressaltar que autores não psicanalistas, como Vygotsky (1994), também se referem à possibilidade do uso do brinquedo para acessar o mundo da criança. Segundo ele (1994, p. 143), “o brinquedo simbólico pode ser entendido como um sistema muito complexo de fala por meio de gestos, que comunicam e indicam os signi# cados dos objetos usados para brincar”. Considerava que a representação simbó- lica no brinquedo é, essencialmente, uma forma particular de lingua- gem num estágio precoce. Epistemologicamente, conforme esclarece Saboya (1985), brin- car deriva da palavra brinco, que vem do latim vínculo, que signi# ca fazer laços, ligar-se. Esta de# nição já evidencia o quanto a atividade lúdica é essencial para o desenvolvimento infantil, pois é brincando que, desde bebê, a criança se integra a ela mesma, às outras pessoas e ao meio ambiente. Brincar é, portanto, muito mais do que passar o tempo, é uma atividade integradora para a pessoa da criança. Outro termo que devemos também re� etir a respeito, é quando utilizamos a palavra brinquedo. É comum que o idealizemos em obje- to, como: um carrinho, uma boneca, ou seja, aquilo que é manuseado CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 185 durante a brincadeira. Porém, destacamos que, na língua portuguesa, o termo brinquedo tem diferentes signi! cados: objeto que serve para as crianças brincarem - brinquedo mecânico; jogo de crianças, brinca- deira - brinquedo de amarelinha, brinquedo de pegar; divertimento, passatempo, brincadeira - os jovens distraíram-se com brinquedos de adivinhação e mímica; festa, folia, folguedo, brincadeira - entrou no brinquedo com muita animação ( MICHAELIS, 2018). Essa conceituação é importante uma vez que, neste capítulo, utilizaremos o termo brinquedo, principalmente, como sinônimo de brincadeira. E, nesse sentido, destacamos a seguir, as diferentes fun- ções do brinquedo (MACHADO; MACHADO, 1956; RIBEIRO et al, 2009): a. Recreativa: o brinquedo leva a criança a se divertir, se distrair e sentir prazer. A vivência do prazer obtido durante o brincar é a forma pela qual a criança satisfaz sua necessidade recreativa. b. Estimuladora: O desenvolvimento sensório-motor, intelec- tual, social e a criatividade são desenvolvidos de forma natural durante o brinquedo, sem censura e compromisso com a rea- lidade dos fatos. Por meio da exploração e a manipulação dos brinquedos a criança aprende cores, formas, tamanhos, textura, temperatura, relações espaciais e linguagem; ! lmes, histórias e livros ampliam o conhecimento, enquanto divertem. c. Socializadora: o brinquedo com outras crianças e com os adultos favorece a aprendizagem das relações sociais, uma vez que na representação de papéis sociais durante a brincadeira simbólica, elas identi! cam o papel de gênero, os padrões acei- táveisde comportamentos sociais, o certo e o errado e a respon- sabilidade de suas ações. d. Dramatização de papéis, terapêutica ou catártica: Dramatizan- do papéis a criança realiza a catarse, ou seja, elabora situações e sente-se aliviada. Assim, a função catártica do brinquedo, além de possibilitar o diagnóstico de um con/ ito que a criança esteja vivenciando, tem também função curativa. Esta última impor- tante função é base da Ludoterapia e, também, do Brinquedo Terapêutico (BT), os quais conceituaremos a seguir. CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 186 BRINQUEDO TERAPÊUTICO Brinquedo Terapêutico é uma tecnologia de cuidado idealizada por enfermeiros e que vem sendo utilizada desde a década de 1950. É conceituado por Steele (1981), como um brinquedo estruturado para a criança aliviar a ansiedade gerada por experiências atípicas à sua idade, que costumam ser ameaçadoras e precisam mais do que recreação para resolver a ansiedade associada, e deve ser usado sempre que a criança tiver di� culdade em compreender ou lidar com a experiência. Constitui-se em uma técnica não diretiva, que utiliza princípios da ludoterapia porém são re� etidas à criança apenas suas expressões verbais. É indicado para crianças em situação de crise como, por exemplo, durante a hospitalização, tratamentos ambulatoriais, entre outros. As sessões, de 15 a 45 minutos, podem ser realizadas em qual- quer local, por enfermeiros capacitados, com o objetivo de permitir ao enfermeiro alguma compreensão das necessidades da criança a � m de traçar metas para a sua assistência (GREEN, 1974). Já a Ludoterapia é uma técnica usada no tratamento de crian- ças com algum distúrbio emocional/psicológico ou psiquiátrico que tem como principal objetivo promover a compreensão, pela criança, de seus próprios comportamentos e sentimentos e para tanto durante a sessão o terapeuta pode re� etir à criança seus comportamentos ver- bais e não verbais. Deve ser conduzida por pro� ssionais com formação especí� ca na técnica, em local e com material adequadamente prepa- rado para esse � m, sendo que as sessões costumam se estender por um tempo prolongado (GREEN, 1974). Existem três modalidades de Brinquedo Terapêutico: Dramático ou Catártico, cujo objetivo é permitir a descarga emocional da criança e dar voz a ela a � m de compreender suas necessidades; Instrucional, que visa preparar a criança para os procedimentos a que será submetida e permitir sua compreensão a respeito do mesmo, propiciando o alívio das tensões decorrentes de tais vivências; e Capacitador de Funções Fi- siológicas, cuja meta é potencializar as capacidades � siológicas da crian- ça por meio de atividades lúdicas ( VESSEY; MAHON, 1990). Conforme Ribeiro et al (2009), o material recomendado para as sessões deve ser variado o su� ciente para permitir que a criança drama- tize situações domésticas e hospitalares; exteriorize sentimentos de pra- zer, raiva e hostilidade; manifeste sentimentos regressivos; e, também possa se expressar livremente. CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 187 Assim, as mesmas autoras recomendam: � guras representativas da família e da equipe de saúde; objetos de uso doméstico e outros, tais como chupeta, mamadeira, revólver, carro e telefone; objetos de uso do pro� ssional e terapêutico, como estetoscópio, termômetro, � ta métrica seringa, agulha, garrote; bonecos para a realização de procedimentos; material para desenho ou pintura e blocos geométricos. No caso de preparo para procedimentos, o material deve incluir aqueles que serão utilizados no mesmo. A presença desses materiais apropriados é importante, pois é sa- bido que para poder contar um caso ou uma história, em especial até a idade escolar, a criança necessita de objetos que estimulem a lembrança da situação, assim como da presença de um adulto que a auxilie na ver- balização (PERRONI, 1992). Além disso, conforme enfatiza Barton (1969), durante a sessão de Brinquedo Terapêutico, é essencial que a criança perceba a presença de um adulto aceitador, que a encoraje a ex- pressar seus sentimentos. Destaca-se que desde 2004, o enfermeiro tem competência le- gal para o uso do Brinquedo/Brinquedo Terapêutico no cuidado da criança e família, por meio da Resolução do Conselho Federal de En- fermagem-COFEN nº 295 revogada pela Resolução COFEN nº 546 de 2017 que determina: “compete à Equipe de Enfermagem que atua na área pediátrica, a utilização da técnica do brinquedo/brinquedo te- rapêutico, na assistência à criança e família hospitalizadas (BRASIL, 2004; BRASIL, 2017). A ENFERMAGEM E A COMUNICAÇÃO COM A CRIANÇA PELO BRINQUEDO O brinquedo sempre esteve presente na enfermagem, tendo já sido referido por Florence Nightingale, em 1861, na segunda edição do livro Notas Sobre Enfermagem, no qual ela inclui um capítulo dedi- cado ao cuidado à criança, reconhecendo-a como um ser com necessi- dades próprias que deveriam ser consideradas na assistência de enfer- magem, entre as quais a necessidade de brincar, tanto para promover seu desenvolvimento como para favorecer o restabelecimento de sua saúde (NIGHTINGALE, 1989). Entre os primeiros trabalhos de Brinquedo Terapêutico podemos citar os das enfermeiras americanas Florence Erickson e Pauline Barton, que desenvolveram pesquisas com vistas à obtenção do título de doutor. CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 188 A primeira analisou sessões de brincadeiras realizadas com crian- ças pré-escolares hospitalizadas, buscando analisar qual o signi� cado que elas atribuíam aos procedimentos invasivos e identi� car quais me- canismos utilizavam para lidar com o estresse decorrente desses proce- dimentos (ERICKSON, 1958). Barton (1964), por sua vez, estudou qual a relação existente entre a fantasia e as reações de estresse observadas entre crianças hospitaliza- das, utilizando brincadeira e testes de avaliação de estresse. Outras publicações de enfermeiras, das décadas de 1960 e 1970, que merecem destaque são os livros de Nobel (1967), no qual ela des- creve a importância de uma brincadeira supervisionada como habi- lidade para promoção do bem estar da criança hospitalizada e o de Petrillo e Sanger (1972), dedicado ao cuidado emocional da criança hospitalizada, no qual há um capítulo sobre a importância do brincar no hospital e de ele ser desenvolvido pelos diferentes pro� ssionais, en- tre os quais o enfermeiro, não só para promover o bem estar da criança, mas também para ser visto pela criança como aquele que não realiza apenas procedimentos e lhe causam dor. Naquela época o termo utilizado era entrevista com brincadeira, sendo que na década de 1970 Hott (1970) e Green (1974) introduzem o termo Brinquedo Terapêutico – � erapeutic Play, diferenciando-o de Ludoterapia – Play � erapy. No Brasil, a utilização do Brinquedo Terapêutico teve seu início entre o � nal da década de 1960 e começo de1970, quando a Pro- fa. Dra. Esther Moraes, então docente de Enfermagem Pediátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo introduziu, no ensino, atividades teórico-práticas relacionadas ao uso do brinquedo com crianças hospitalizadas, além das recreacionais, tais como: entre- vista com brincadeira, dramatização das experiências vivenciadas em decorrência da hospitalização e demonstração dos procedimentos em bonecos, com o intuito de preparar as crianças para os mesmos. (RI- BEIRO et al, 2002). Em uma entrevista, a Profa. Esther Moraes (2005) conta que esse conteúdo foi introduzido timidamente, em razão de ser uma metodo- logia nova que buscava a compreensão do mundo interior da criança e exigia a aquisição de habilidades na comunicação, em especial quandoa criança enfrentava uma experiência hospitalar que lhe causava medo e dor. No entanto, ela tinha convicção que o enfermeiro, por meio da CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 189 sua autodeterminação, estaria apto a utilizar o brinquedo de forma sistemática na assistência à criança. Ainda na década de 1970 teve início a Pós-Graduação Stricto Sensu no Brasil, com consequente avanço da produção acadêmica e cientí! ca da Enfermagem, inclusive sobre a utilização do Brinquedo/ Brinquedo Terapêutico na assistência à criança. Na década de 1990, deu-se a criação do Grupo de Estudos do Brinquedo - GEBrinq, mais tarde cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Trata-se de um grupo de pesquisa que objetiva desenvolver estudos relacionados à temática e apoiar as iniciativas de implantação e implementação do brincar e outras atividades lúdicas no contexto assistencial da criança e da família. Os estudos desenvolvidos e as discussões ocorridas no grupo de- sencadearam o desenvolvimento de pesquisas sobre vivências de crian- ças enquanto sujeitos da pesquisa, em diferentes cenários, sendo o brinquedo utilizado para mediar a entrevista com elas. A seguir, apresentaremos trechos de entrevistas mediadas pelo Brinquedo/Brinquedo Terapêutico que permitiram compreender o signi! cado atribuído pela criança à vivência de inúmeras situações. Os mesmos foram obtidos por meio de revisão narrativa (ROTHER, 2007) realizada a partir de trabalhos de conclusão de curso, disserta- ções, teses e artigos publicados em periódicos cientí! cos. Ressaltamos que as crianças estão nomeadas conforme apresentado nos estudos. A mágoa de se sentir abandonado. Em uma sessão de BT, rea- lizada na década de 1980, anterior ao advento do Estatuto da Crian- ça e Adolescente, que determinou o direito da criança hospitalizada à presença da mãe, ela manifesta o quanto está magoada pelo fato de se sentir sozinha no hospital, determinando inclusive que não consiga se envolver na brincadeira e se direcione a janela da enfermaria, seguran- do alguns brinquedos (RIBEIRO et al, 1996). Enf (Enfermeira): D, você não quer brincar com os brinque- dos? Cr (Criança): Não, quero ir embora; a mãe, a mãe, a mãe, diz várias vezes choramingando. Chora mais forte, dizendo: ó tia, ó tia. Enf: você quer ir lá fora (parquinho do hospital)? Cr: Quero. Enf: então vamos. Cr: Pára de chorar e desce rapida- mente da cama. Enf: você quer levar os brinquedos que você pegou? Cr: balança positivistamente a cabeça, pega os brinque- CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 190 dos e vai com a enfermeira para o parque. Pára em frente ao balanço, joga os brinquedos no chão, agacha-se, pega a bone- ca-mãe e o revólver, manuseia-o e aponta para a boneca-mãe. Solta os brinquedos e senta-se no balanço. (D, 4 anos) O medo da castração. Enquanto aguarda ser chamado para uma cirurgia para correção de ! mose, a criança demonstra, em uma sessão de BT, o medo da castração e do quanto isso poderia in" uir em sua masculinidade, e vinga-se da situação, cortando o cabelo da boneca menina, que representa a feminilidade da mesma (CASTRO, 2000). Menino pega a boneca menina e direciona a tesoura para o cabelo da mesma, dizendo: vou cortar. Enf: você vai cortar o cabelo dela? Cr: eu vou, e corta o cabelo da boneca dizendo: Olha como ! cou! Ficou carequinha! E acaba de cortar o cabelo da boneca. Pega o revólver e dá vários tiros na boneca menina, virando-a em várias posições. Pega a seringa e dá várias injeções na boneca menina em vários lugares (pé, mão, cabeça, face), dizendo: vou dar injeção e após terminar diz: agora está bonita. (Pantera, 4 anos) Convivendo com restrições. Ao brincar de uma criança que está no hospital, a criança demonstra o ressentimento pela restrição do convívio familiar, no caso de seu pai (RIBEIRO; ANGELO, 2005). Cr: Pega o telefone e gira o disco. Mãe: já telefonou hoje? Cr: balança negativamente a cabeça. Mãe: Vai telefonar pra alguém? Cr: Pro pai. Disca uns números, espera e fala: Alô, alô! E em seguida desliga o telefone. Mãe: Ué, não falou, não? Cr: Ele não está e afasta brusca- mente o telefone. (AP, 3 anos) Sentindo raiva da injeção. Também brincando de estar hospi- talizada a criança demonstra a raiva que sente por ser submetida a pica- das de injeções, referindo que a boneca ! cou “raivosa” por ter recebido injeção (RIBEIRO; ANGELO, 2005). Cr: Então vamos fazer (injeção) e pega a boneca-mãe. Enf: É nessa que você quer fazer? Cr balança positivamente a cabeça e diz: Ela ! cou raivosa! Enf: Ah!, Ficou raivosa! Porque vai tomar injeção ela ! cou raivosa? Cr: Balança positivamente a cabeça e mostra as faces avermelhadas da boneca, dizendo: Ó, e introduz várias vezes a agulha CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 191 na cabeça da boneca, � xa o escalpe com esparadrapo e diz: Agora não � cou mais brava, não. Enf: Depois que acabou a injeção não � cou mais brava? Cr: Na hora de tirar ela � ca. (E, 6 anos) Preocupando-se com a gravidade da doença. Durante uma brincadeira realizada na brinquedoteca, a criança com câncer revela sua preocupação com a gravidade da sua doença enquanto brinca com os bonecos de super-heróis (MELO, 2003). Cr: Você é o Super-Homem. Você voa. Você está doente? Eu te- nho um tumor. Você também tem? É aqui na cabeça. Eu tenho que tomar um remédio na veia. Quando eu tomo, eu vomito, mas meu cabelo não caiu. Batman, você já � cou doente? Só gripe? Tumor não é gripe... É grave! (H, 4 anos) O sofrimento da doença e a ajuda do brinquedo. Tendo tam- bém como cenário a brinquedoteca, a criança com leucemia, brincan- do com a enfermeira, demonstra o sofrimento decorrente de ter a do- ença e o quanto poder brincar a auxilia no enfrentamento da mesma (MELO, 2003). Minha mãe fez ele rindo (cara de palhaço que a mãe desenhou e a criança pintou de preto), mas ele tá chorando. Ele tá com dor, tem leucemia. Dói as perna e a barriga. Ele tá tomando re- médio pra sara, ele tá chorando, com medo. Você tá ajudando ele porque traz ele pra brincar aqui. Quando ele brinca, ele pára de chorar! (M, 5 anos) A mesma criança verbaliza o reconhecimento e a grati! cação por poder contar, durante a sessão de quimioterapia, com a presença da enfermeira que havia lhe proporcionado a possibilidade de brincar na brinquedoteca (MELO, 2003). Cr: tia L (enfermeira da brinquedoteca), você � ca aqui comigo pra fazer o remédio? Você � ca perto de mim quando eu tenho que tomar remédio no outro dia também? Com você perto de mim eu não tenho medo... Porque você gosta de mim. (M, 5 anos) A doença constituindo-se em um segredo. Em um ambulatório de tratamento para crianças com HIV/AIDS, a criança que ainda não CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 192 tinha seu diagnóstico revelado, expressa o conhecimento de ter a do- ença, desta ter sido adquirida de sua mãe e o quanto manter o segredo dessa situação o incomodava (CAMPOS, 2012). Tom pega a boneca mãe e o boneco médico e dramatiza um cochicho entre eles. Enf: O que eles estão conversando? Cr: interrompe a dramatização, solta os bonecos e começa a dese- nhar reproduzindo as � guras de cartazes do ambulatório. Enf: Observa e após um tempo a convida a desenhar uma criança que faz tratamento no ambulatório. Cr: Desenha um consultó- rio, com uma porta grande e fechada, um médico examinando uma mulher, que refere ser sua mãe, deitada em uma maca. Ao desenhar, muda sua expressão corporal: torna-se sério, evita encarar, desenha com a cabeça abaixada, bem perto da folha, como se estivesse escondendo seu desenho. Seu corpo torna-se encolhido,os membros juntos ao corpo. O desenho ocupa um espaço consideravelmente menor no papel quando comparado aos outros desenhos feitos por ele. (Tom, 9 anos) Sofrendo com a dor e o estigma familiar da doença. Brincando de uma criança que tem anemia falciforme as crianças revelam o quan- to sofrem com a dor recorrente da doença e com o estigma familiar pelo fato de ser uma doença que atinge principalmente indivíduos da raça negra, motivo pelo qual demonstram sua mágoa contra a mãe e se identi� cam com a personagem Branca de Neve (SOUZA, 2011). Cr: Vou dar tramal. É pra ela (boneca) parar de chorar, ela tá dormindo agora. Agora tem que esperar ela acordar. Enf: Ela vai acordar daqui a quanto tempo? Cr: Daqui meia hora e começa tudo de novo. [...] Cr: Pega a boneca negra e diz para CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 193 mãe: ela parece com você e ri. Pega a arma e aponta para sua mãe, retirando logo e diz: não pode pegar em arma não, né mãe? Coloca a boneca mãe ao lado da boneca � lha e abraça sua mãe.(Branca de Neve, 8anos) Enf: Quem você gostaria de ser na brincadeira? Cr: Branca de Neve. Enf: Sem ser Branca de Neve, quem mais você gostaria de ser? Cr: Mais ninguém. (Branca de Neve2, 6anos) Brigando por perceber-se diferente por ter TDAH. Em uma sessão de BT, criança com diagnóstico de Transtorno de Dé� cit de Atenção e Hiperatividade mostra o quanto é difícil para ela perceber-se diferente das demais crianças, motivo pelo qual acaba sempre se envol- vendo em brigas com os colegas (PEREIRA et al, 2015). Cr: Pega outro animal de brinquedo e diz: [...]. Não, é que esses dois sempre brigam de uma coisa... Não é que esses dois sempre brigam? Enf: É? Cr: Olha para a enfermeira e diz: Os que são quase..., os que não são iguais. Eles começam a brigar porque são diferentes. Desvia o olhar da enfermeira e pergunta: Por que tem animais que brigam? Enf: Por que você acha que eles brigam? Cr: olha para a enfermeira e diz prontamente: Por- que os dois são diferentes, né? Enf: É por isso que eles brigam? Cr: Só por isso! (Bob, 10 anos) Vendo os pro! ssionais da saúde como hostis e pouco con! áveis. Durante sessões de BT, crianças com HIV/AIDS revelaram o quanto percebem os pro� ssionais de saúde como hostis e pouco con� áveis, já que constantemente estes realizam procedimentos dolorosos e intru- sivos com agulhas e mesmo quando os tratam com carinho são vistos por elas como alguém que as está enganando (CAMPOS, 2012). Cr: Vem vovó! Diz em tom irônico, como se quisesse enganar a boneca e chamando com as mãos para que a boneca viesse. Pega a boneca idosa. A vovó, pra furar ela... Vem aqui bonequinha, fala cantando, carinhosa e ao mesmo tempo sarcasticamente, como que tentando dissimular sua real intenção de realizar a punção. Agora é só tirar um pinguinho da boquinha... Can- tarola enquanto punciona a boca e diz: Boquinha, boquinha, como se quisesse enganar a boneca .... Sarou, sarou, fala pare- cendo confortar, após punção na bochecha. Saiu sangue! Fala CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 194 em tom de satisfação. (Papa-léguas, 4 anos) Já outra criança revela no desenho que vê a enfermeira como uma abelha, ou seja, como alguém que a pica e provoca dor, mas deixa de ser “abelha” quando acaba a medicação, que ele reconhece pode não promover sua cura (CAMPOS, 2012). Cr: Desenha um suporte de soro e um menino recebendo medica- ção ligado ao suporte através do equipo de soro. Enf: Quem é este menino? Cr: É um menino que faz tratamento que nem eu. Enf: O que é que ele está recebendo? Cr: Medicação. Enf: Por que ele está re- cebendo medicação? Cr: Ele está com pneumonia. A seguir, desenha uma enfermeira de tamanho maior do que o tamanho do menino e com listas, com aspecto que retrata uma abelha. Faz um balão de fala para a enfermeira e escreve uma frase dentro do balão. Enf: O que você escreveu aí? Cr: Eu vou tirar. Enf: Por quê vai tirar? Cr: Porque acabou a medicação. Enf: Ele sarou? Cr: Não, só acabou a medicação. (Hércules, 11 anos) A solidão do “isolamento” e a superação pelo brincar. Após participar de brincadeiras livres com a enfermeira, a criança em situ- ação de precaução hospitalar desenha como foi essa vivência e conta em uma história de como foi importante para ela a possibilidade de brincar para superar a solidão (DEPIANTI et al, 2018). E a criança estava sozinha com a mãe, sem nada para fazer, aí veio uma pessoa, trouxe presente para a criança e brincou com ela. E a criança ! ca muito feliz [...]. A criança brinca, a criança ! ca doente, a criança ! ca cheia de coisa, mas tem hora que ela ! ca feliz, tem hora que ela ! ca triste. Primeiro, ela estava triste, depois ela ! cou feliz, porque essa pessoa ajudou ela a ! car feliz. Enf: Como essa criança estava se sentindo antes dessa pessoa chegar para brincar com ela? Cr: Muito solitária, sem nada para CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 195 fazer, sem nada para fazer, não tinha nada. Se tivesse alguma coisinha, mas ainda, ainda assim era pouco. (Ytawane, 10 anos) Podendo ser o protagonista, decidir e dar ordens durante a brincadeira. Durante o desenvolvimento de uma atividade lúdica de- senvolvida pela enfermeira junto a crianças em situação de precaução, estas demonstram o quanto foi importante poderem perceber-se como protagonistas e terem domínio da situação, dando ordens à enfermeira e não permitindo que ela veja as peças que escolheu durante o jogo da memória (DEPIANTI et al, 2018). Cr: Pega a bola, olha de maneira sarcástica para a enfermeira e então a joga para fora da cama e diz em tom autoritário e apon- tando para a bola: pega lá! (Branca de Neve, 5 anos ) Cr: Vamos jogar outro jogo! Enf: Qual? Cr: Eu esqueci o nome! Enf: Aquele que jogamos ontem? O jogo da memória? Cr: Esse mesmo! Cr: vira as peças do jogo, as embaralha, colocando-as alinhadas. Então, ao perceber que a enfermeira acerta os pares, passa a jogar mais rápido e não permite que veja a peça escolhida, * cando animada quando ela mesma acerta. (Superman, 9 anos) Preocupando-se com o risco de infecção. Crianças com câncer demonstraram, durante a sessão de Brinquedo Terapêutico, sua intensa preocupação com o risco de infecção relacionada ao Port-a-Cath, e com os cuidados que deveriam ter para preveni-la (RIBEIRO et al, 2009). Enf: Como é a punção? Cr: Não dói, já estou acostumado, já * z tantas vezes. Ah! Tem que ter muito cuidado, imagina só o perigo! Uma vez dormi e estava sem a tampinha, aí pode entrar bichinho e ter uma infecção. Teve até uma criança que morreu de infecção! (Jack Chan, 9 anos) Cr: Tem que passar cinco paninhos, arde muito. Ah! E não pode respirar em cima, pra não pegar bactérias! (Power Ranger, 6 anos) Cr: Agora vou puncionar o Port. Cadê a agulha do Port? Enf: En- trega a agulha para ela. Cr: Coloca soro na embalagem de gaze, começa a passar sobre o Port e diz: Preciso de luvas, pra não infec- CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 196 cionar, não entrar bichinho! [...] Enf: O que está fazendo? Cr: To limpando pra não pegar bichinho! (Branca de Neve, 8 anos) Preocupando-se com a aparência física. Durante a dramatiza- ção, crianças com Dermatite Atópica revelaram sua preocupação com a aparência física em geral prejudicada pelas lesões de pele decorrentes da doença (ALMEIDA et al, 2019). Cr: Pega a tesoura e ' nge cortar o próprio cabelo. Enf: O que você tá fazendo? Cr: Cortando meu cabelo, porque vai ' car bonito! [...]Enf: O que você tá fazendo? Cr: Penteando meu cabelo. Enf: Pra que? Cr: Pra ' car bonito. (Homem de Ferro, 4 anos) Cr: Fala quea boneca está doente, que ela está mal. Enf: E o que é que ela tem? Cr: Um negócio muito feio ...E eu vou pen- tear o cabelo dela. (Jasmine, 5anos) Ressentindo-se pela impossibilidade de conviver com animais domésticos. Enquanto brincavam, crianças também com Dermatite Atópica, expressaram o desejo de conviver com animais, o que não lhes é permitido (ALMEIDA et al, 2019). Cr: Tia, um gatinho. Miau! Fala empolgada ao retirar o gato de dentro da sacola de brinquedos. (Branca de Neve, 5 anos) Cr: Vou ser o cachorro, fala, enquanto manuseia a mesa e as cadeiras. Enf: Pra sentar aí (na cadeira)? Cr: Hum hum, e arru- ma os bonecos sentados nas cadeiras ao redor da mesa. Depois, coloca o cachorro na mesa, junto com os demais bonecos da família. (Homem de Ferro, 4 anos) Sofrendo com a restrição alimentar. Crianças com Diabetes Melittus mostraram, durante a brincadeira que a partir do momento do diagnóstico, seus hábitos alimentares foram forçados a mudar radi- calmente, sendo algo difícil de seguir no início, a ponto de comerem escondido da mãe, até perceberem que a dieta errada lhesfazia mal, deixando, então, de usufruir do prazer de comer doces, salgadinhos e chocolates, restrições que provocam grande sofrimento à criança (LA BANCA et al, 2015). CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 197 Cr: Pega o frasco de soro e diz para a boneca menina: Você tem diabete! E você não pode comer açúcar. Ah! Agora você não vai poder comer mais bolacha, chocolate, salgadinho, coxinha, pão de queijo... Brigadeiro. Bolo tem que ser diet... Mais nada. (Lindinha, 9 anos) Cr: Eu tinha mania de pegar, quando a minha irmã ganhava... Chocolate, né... Aí eu pegava e... comia. Aí minha mãe nem sabia que eu comia. Mas depois que � cou alta (a glicemia) e depois que eu tive que internar aí eu não comi mais não. (Do- cinho, 8 anos) Sentindo falta de casa, de sua mãe e preocupando-se em cui- dar da família e da mãe que está encarcerada. Crianças que inte- ragiam com a situação de ter a mãe encarcerada e viviam em casa de outros familiares demonstraram na brincadeira o quanto sentiam falta de sua casa, ressentiam-se com a ausência da mãe, preocupavam-se em cuidar da família e com a saúde da mãe que vivia o encarceramento (MELO, 2019). Cr: brinca de casinha, faz comida para os bonecos menino e menina. Dá voz a ambos os bonecos, ora como menino, ora como menina e diz, como menina: Vamos almoçar? O almoço está pronto, mas aqui não tem feijão e não tem tomate. Aqui é a outra casa. Boneco menino pergunta: Que casa é essa? Cr: Eu nunca vim nessa casa. É da mãe do seu pai. (Maria, 7 anos) Cr: arruma a mesa e as cadeiras. Coloca os bonecos sentados nas cadeiras. A boneca menina nomeada por ele como Sabrina, é colocada sentada no chão. Enf: O que a Sabrina está fazendo? Cr: A mesa é pequena, não cabe ela. Ela come sentada no chão e a comida é... gosto ruim, muito doce. Ela quer comer macar- rão que a mãe dela faz. (João, 5 anos) Cr: brinca de massa de modelar. Faz bolinhas e coloca no bule: estou fazendo café e vou fazer bolo. Enf: Que delícia! Cr: Vou fazer para você e para a minha mãe... não, vou fazer para a mi- nha avó agora. E para o meu irmãozinho que chegou. Quando a minha mãe voltar, eu faço para ela. (Chapeuzinho Vermelho, 3 anos) CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criança no contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 198 Cr: brinca de médico com as duas bonecas mulheres. Arru- ma todo o material hospitalar próxima a uma das bonecas, enquanto coloca a outra deitada em uma cama. Ao lado da boneca médica, coloca um bloco de anotações e uma caneta: é o papel da médica, de escrever o remédio. Examina a boneca deitada na cama e diz: está com dor de garganta e cortou o pé em um caco de vidro bem grande. Pega a seringa e apli- ca duas injeções: uma no braço e outra no pé, dizendo: está com pneumonia, tem que internar, mas está presa. Está com 30 graus. Vou fazer a carta médica e você dá para a polícia comprar: está muito magra, tem que comer mais. (Cinderela, 9 anos) Fiz algo errado: a má compreensão sobre a cirurgia. Em uma Sessão de Brinquedo Terapêutico Instrucional, cujo objetivo era prepa- rar a criança para a segunda cirurgia, das três que eram previstas para correção de má implantação de ureteres, a mesma realizou uma dra- matização na qual demonstrou ter conhecimento a respeito do ritual cirúrgico, inclusive de como era e com quais matérias iria interagir no Centro Cirúrgico. Porém, evidenciou seu desconhecimento a respeito do real motivo dessa segunda cirurgia, que ela interpretava ser devido a um mau comportamento seu durante o pós-operatório da primeira intervenção cirúrgica (RIBEIRO, arquivo pessoal da autora). Após dramatizar a volta da boneca operada do centro cirúrgico (montado por ela nos pés de sua cama), criança acomoda a boneca sobre o travesseiro, na cabeceira da cama, com o soro instalado. A seguir, com expressão muito séria, olha para a bo- neca e diz: Agora você tem que � car muito quieta, porque se não, vai dar tudo errado, e você vai ter que ser operada outra vez! (C, 5 anos) Sendo importante brincar. Durante as sessões de BT, as crian- ças manifestaram o quanto a oportunidade de brincar foi importante para ela, proporcionando prazer, alegria, satisfação, promovendo alívio e favorecendo que se sentissem fortalecidas por poderem assumir o controle da situação, dramatizando atividades que normalmente são realizadas pela equipe de saúde, a ponto de não quererem interromper a brincadeira, conforme relatado nos estudo de Campos (2012), Ribei- ro et al (2009) e Borba (2003). CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 199 Cr: Simula toque do telefone: ti-li-lim, ti-li-lim, ti-li-lim... Alô? Alô? Quem fala? Quê? Quem é? Pai? Tá bom, tchau beijo, mandando um beijo com a boca. Ti-li-lim, ti-li-lim... Alô, pai? Tô brincando! e desliga o telefone. Pega luvas e calça-as. Esti- ca-as para os braços, cantarolando e diz: Tem que ter luvinha!!! (Papa-léguas, 4 anos) Cr: Que bom que vocês vieram. Vieram no dia certo! Vou mos- trar tudo o que fazem comigo! Vou mostrar todo meu sofri- mento e angústia. (Fera, 14 anos) Cr: Observa que o líquido do equipo está pingando de verdade e exclama: Nossa, é de verdade! É igual ao meu! É seríssima essa coisa! Tô me divertindo muito brincando de médico! (Power Ranger, 6 anos) Cr: Pronto! Agora só falta o curativo pra gente ir embora. Pre- ciso de gaze. Nossa! Vocês têm tudo mesmo! Adoro brincar disso! Como vocês adivinharam que eu & co brincando disso com o meu irmão? Enf: Você gosta de brincar disso? Cr: Adoro, eu convivo com isso todos os dias! (Bela, 6 anos) Enf: Como foi para você brincar disso? Cr: Foi legal! Foi a me- lhor atividade que já & z em toda minha vida. Nunca tinha feito nada igual a isto. Fiquei assim, ah! não sei como dizer, feliz! (Gabriela 11 anos) Ficando “até com calor”. O envolvimento da criança e a catarse proporcionada durante uma sessão de BT podem ser tão intensos a ponto de promover manifestações & siológicas como calor e transpira- ção (SANTOS 2012). Mãe comenta sobre o boneco: Tá tomando soro heim...! Flávio responde com um balançar de cabeça a& rmativo e um sorriso no rosto; retira a proteção da agulha e a inseri lentamente no glúteo do boneco, dizendo: Tá tomando... Tá tomando remédio na bun- da. Flávio, sempre sorridente, observa o boneco em venóclise. A mãe pergunta o que o boneco tem e o menino responde: dor de barriga. Em seguida, mesmo com a temperatura ambiente estando amena, Flávio começa a transpirar intensamente no rosto e, pas- sando a mão na testa, sorridente, com uma expressão de alegria no rosto, comenta: Fiquei até com calor!!! (Flávio, 9 anos) CAPÍTULO 8 Ouvindo a voz da criançano contexto da assistência à saúde, por m eio do brincar 200 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabemos que a comunicação com a criança envolve alguma com- plexidade, que varia conforme sua faixa etária. Conforme esclarece Perroni (1992), na idade pré-escolar as narrativas costumam ser in- completas e fragmentadas, as resposta não são interpretativas, a noção temporal e causal são pouco estabelecidas, levando-a a combinar ações sem sentido temporal ou causal, e a falta de vocabulário su� ciente a leva à criação de palavras semanticamente desvinculadas do texto para suprir um vazio discursivo. Já os escolares, embora possuam capacidade de relacionar causa e efeito e tenham um vocabulário mais amplo e adequado, é comum não compreenderem alguma pergunta, desviarem-se da conversa fa- cilmente e a sequência da narrativa nem sempre parece lógica, além de poderem apresentar-se regredidos quando em situações de estresse (DUPAS, 1997). Assim, também se bene� ciam de técnicas projetivas para se comunicar como é o brinquedo terapêutico. Apesar de tais di� culdades, é importante que os pro� ssionais de saú- de estejam preparados para se comunicar com as crianças uma vez que a falta de comunicação entre eles se re� ete diretamente na qualidade de vida da criança dentro do hospital, pois, ao invés de uma relação direta com o pro� ssional, ela � ca na dependência da relação deste com o acompa- nhante, comprometendo o que poderia ser um vínculo enriquecedor para ambos, pro� ssional e paciente pediátrico (ARMELIN et al, 2005). A literatura ressalta que apesar de sua pouca idade, de seu limi- tado desenvolvimento da comunicação verbal, e de seu característico modo de pensar, com pouca condição de abstração, a criança tem mui- to a nos dizer e é capaz de fazê-lo se estivermos dispostos a escutá-la e utilizarmos métodos adequados de comunicação, entre as quais se destaca o brinquedo (RIBEIRO; ANGELO, 2005). Concordamos com D’Antonio (1984) para quem, os enfermeiros que trabalham com crianças têm a responsabilidade e o desa� o de apren- derem a compreender e a utilizar o brinquedo na sua assistência. Cabe a nós, enfermeiros pediatras, assim como a todos os pro� s- sionais de saúde, estarmos dispostos a enfrentar esse desa� o, pois so- mente ouvindo a criança, poderemos compreender o que ela precisa e deseja e, assim, assisti-la com o respeito e consideração que ela merece. Para � nalizar trazemos uma fala da Professora Esther Moraes (2005): CA PÍ TU LO 8 Ou vi nd o a vo z da c ri an ça n o co nt ex to d a as si st ên ci a à sa úd e, p or m ei o do b ri nc ar 201 Tomara que nós adultos possamos viver no ritmo, na concen- tração, com a dedicação, com a liberdade de expressão, capa- cidade de solução dos problemas, com a tranquilidade e a se- gurança que as crianças demonstram com se EU, brincando de casinha ou faz- de conta. REFERÊNCIAS ALMEIDA, F.A. et al. 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Percebemos que há diferentes formas de organizar os ambientes dentro de um mesmo espaço e as possibilidades de uso que eles estimulam também variam, de acordo com o que o educador proporciona às crianças. Para que haja uma organização de qualidade, faz-se necessário que o educador planeje um ambiente voltado ao aprendizado da crian- ça. O professor precisa de espaços que o favoreçam no planejamento de atividades que atendam às necessidades e potencialidades da crian- ça, em seus aspectos cognitivo, físico, afetivo, social e moral. Este trabalho tem por objetivo geral compreender como os pro- fessores têm explorado os espaços/ambientes nas creches Proinfância de Imperatriz, considerando o desenvolvimento e aprendizado das crianças. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem des- critiva. Para a realização dessa, utilizou-se a pesquisa bibliográ� ca, a partir de livros e artigos cientí� cos, tendo como referências auto- res que discutem sobre o tema, tais como: Forneiro (1998), Moura (2009), Vieira (2009). Como técnica de coleta de dados, adotou-se a observação das creches do Proinfância, na Cidade de Imperatriz, que CA PÍ TU LO 9 CAPÍTULO 9 Explorando os espaços nas creches PROINFÂNCIA de Im peratriz – M aranhão 206 totalizam cinco instituições, durante o período de vinte dias. Além da observação, aplicamos entrevistas semiestruturadas com uma pro- fessora de cada instituição. Assim, para a apresentação desse trabalho discorremos sobre a re- lação da criança, escola e o brincar, o signi� cado da infância e o espaço como elemento que favorece o desenvolvimento da criança. Posterior- mente apresentamos os dados coletados e suas análises, identi� cando as formas de utilização dos ambientes realizados pelas professoras. Para último, apresentamos as algumas � nalizações sobre o estudo. CRIANÇA, ESCOLA E O BRINCAR Com as mudanças da sociedade desde os homens primitivos até os dias atuais o brincar também se transformou ou se adaptou aos novos contextos. Nos últimos anos a industrialização e a urbanização modi� caram os costumes, a maneira de viver e até mesmo a estrutu- ra familiar, contribuindo para que muitas atividades lúdicas não só se modi� cassem, mas até desaparecessem. Para os todos os sujeitos o brincar aparece como uma atividade importante embora, especialmen- te a família, a escola e o governo não lhe atribuam o devido valor. Além disso, pais e especialistas (educadores, psicólogos, sociólogos, etc.) per- ceberam a mudança no brincar e foram unânimes em a� rmar que as crianças têm cada vez menos tempo e espaço para realizar suas mani- festações lúdicas. Hoje as famílias já não dispõem de tempo su� ciente para esta- rem com seus � lhos, principalmente os menores, momentos em que ocorria a aprendizagem lúdica. A todos esses fatores podemos acrescer a falta de espaço, consequência da insegurança da vida nos grandes centros urbanos, e o acúmulo de atividades extracurriculares, que têm banido gradativamente o brincar das atividades realizadas pelos pequenos. O ato lúdico depende e sempre dependeu do convívio social, quando são aprendidas, pois não são atividades inatas. As crianças só são capazes de realizá-las porque aprendem no contexto em que vivem, daí a importân- cia de voltarmos a ensiná-las, além de resgatarmos os tempos, os espaços e os companheiros de brincar se quisermos ter crianças mais felizes, mais criativas e humanizadas. A relação que a criança estabelece com os dis- tintos espaços sociais tem sido fonte de re# exão, quer por educadores, pesquisadores, autores de políticas sociais, gestores públicos e pensadores CA PÍ TU LO 9 Ex pl or an do o s es pa ço s na s cr ec he s PR OI NF ÂN CI A de Im pe ra tr iz – M ar an hã o 207 sociais. Tanto a partir de um olhar historiográ� co, socioantropológico quanto psicossocial, tem-se buscado apreender as transformações his- tóricas nessa relação, bem como contemplar as singularidades dos di- ferentes universos socioculturais de inserção da criança, de� nidoras de práticas diferenciadas de uso e ocupação dos espaços. A importância de compreender o brincar das crianças, surge no momento em que a infância vem sofrendo grandes transformações, com a precocidade de sua duração. As crianças têm antecipado sua adolescência cada vez mais cedo, com isso, o brincar também passa a ter diferentes signi� cados para sociedade atual. Neste sentido, ao en- tender a as manifestações lúdicas, compreendemos,