Prévia do material em texto
Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 1 Ponto de PARTIDA Ao longo da sua vida de estudante, você provavelmente já deve ter conhecido diferen- tes textos literários. De quais você se lembra? ...Fábulas, poemas, peças de teatro, contos e romances. Você se lembra de alguns deles? Quais? Nesta sequência didática, você vai estudar textos pertencentes a dois gêneros literários muito importantes: o conto e o romance. Você pode até não se lembrar, mas, com certeza já leu contos e romances durante sua trajetória na Educação Básica. Lembra-se de alguns títulos? Quais? De quais autores? Como eram essas histórias? A leitura do texto foi fácil ou difícil? Você se sentiu desa- fi ado? Entendeu o texto? Gostou, não gostou? Por quê? Que tal, então, relembrar alguns desses gê- neros, por meio de um Quiz, centrado apenas em títulos? Sequência Didática do AlunoLP Leitura e Interpretação Ensino Médio Campo artístico-literário Conto e Romance Títulos Assinale a alternativa A B C 1 - A lebre a tartaruga FÁBULA LENDA CONTO 2 - A droga da obediência CONTO ROMANCE CRÔNICA 3 - A assembleia dos ratos LENDA FÁBULA ROMANCE 4 - A cartomante ROMANCE CONTO CRÔNICA 5 - Jogos vorazes CONTO LENDA ROMANCE 6 - Venha ver o pôr do sol CONTO CRÔNICA LENDA 7 - Dom Casmurro ROMANCE CONTO CRÔNICA 8 - Frankenstein LENDA ROMANCE CONTO 9 - A raposa e as uvas CONTO FÁBULA LENDA EM.11.LP.3.6.13.A-1221 2 Atividade 1 Você vai ler um trecho de Sarapalha, conto que integra o livro Sagarana (1946), de João Guimarães Rosa. O título Sagarana é um hibridismo (união de dois radicais de línguas distintas): “saga”, de origem germânica, signifi ca “canto heroico”; e “rana”, de origem indígena, quer dizer “à maneira de” ou “espécie de”. Sagarana inicia-se com uma epígrafe, extraída de uma quadra de desafi o, que sintetiza os elementos centrais dessa obra: o bem e o mal, Minas Ge- rais, sertão, vaqueiros e bois: “Lá em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa gente ruim e boa, passa a minha namorada.” Os nove contos de Sagarana são: O Burrinho Pedrês, A volta do marido pródigo, Sarapalha, O duelo, Minha gente, São Marcos, Corpo fechado, Con- versa de bois, A hora e a vez de Augusto Matraga. ? Você SABIA? O conto Sarapalha narra a história dos primos Ribeiro e Argemiro, que, mesmo contagiados pela malária, permane- cem no vau de Sarapalha, lugar abandonado pelos seus moradores, inclusive por Luísa, a bela mulher de Ribeiro. Am- bos esperam a morte, evocando suas lembranças em meio a severos ataques de febre. Argemiro, que deseja morrer de consciência tranquila, confessa a Ribeiro sua atração por Luísa. Ribeiro, enciumado e implacável, manda Argemiro embora, apesar da sua agonia. Texto 1 Primo Ribeiro se deixa cair no lajedo, todo encolhido e sacudido de tremor. Primo Argemiro fi ca bem quieto. Não adianta fazer nada. E ele tem muita coisa sua para imaginar. Depressa, enquanto Primo Ribeiro entrega o corpo ao acesso e parece ter partido para muito longe d’ali, não podendo adivinhar o que a gente está pensando. E Primo Argemiro sabe aproveitar, sabe correr ligeiro pelos bons caminhos da lembrança. Como era mesmo que ela era?! ... Morena, os olhos muito pretos... Tão bonita! ... Os cabelos muito pretos... Mas não paga a pena querer pensar onde é que ela pode estar a uma hora destas ... Quando fugiu, que baque! Que tristeza... Não esperava aquilo, não esperava... Parecia combinar bem com o marido... Primo Ribeiro naquele tempo era alegre... E ele sentira até ciúmes de Primo Ribeiro, ciúme bobo, porque Primo Ribeiro era quem tinha direito a ela e ao seu amor... Esquisita, sim que ela era... De riso alegrinho, mas de olhar duro... Que bonita! ... O boiadeiro tinha fi cado três dias na fazenda, com desculpa de esperar outra ponta de gado... Não era a primeira vez que ele se arranchava ali. Mas nunca ninguém tinha visto os dois conversando sozinhos... Ele, Primo Argemiro, não tinha feito nenhuma máidéia... — Sai, Jiló! ... Bota abaixo, diabo! ... Assim! Assim, cachorrinho bom... Bem que havia de ser razoável ter podido ao menos dizer à prima que ela era o seu amor... Porque, assim, tinha fugido sem saber, sem desconfi ar de nada... Mas ele nunca pensara em fazer um malfeito daqueles, ainda mais mo- rando na casa do marido, que era seu parente... Isso não! Queria só viver perto dela... Poder vê-Ia a todo instante... Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 3 E Primo Ribeiro nunca tinha posto maldade... Também, que é que havia, para ele poder maldar? ... Nada... Só, uma vez, debaixo das jabuticabeiras ... Nesse dia, quase que perdera a força de ser correto. Viu-a de vestido azul- -domar... Os braços cor de jenipapo... As mãos deviam de ser macias... Mas Deus ajudou, tirando-lhe a coragem... Também, se tivesse faltado com o respeito à mulher do Primo Ribeiro, teria sumido no mundo, na mesma da hora, com remorso... Aquilo tinha sido três meses antes de ela fugir. Mas, antes, bem em-antes disso, teve uma vez em que ela des- confi ou. Foi logo que ele chegara à fazenda, uns dias depois. Estava olhando, assim esquecido, para os olhos ...olhos grandes, escuros e meio de-quina, como os de uma suassuapara ... para a boquinha vermelha, como fl or de suinã... —“Você parece que nunca viu a gente, Primo!... Você precisa mais é de campear noiva e caçar jeito de se casar...” — dissera ela, rindo. Ele tinha fi cado meio palerma, sem ter nada para responder... Teria ela adivinhado o seu querer-bem? ... Não, falara aquilo por brincadeira, decerto. Mas, quem sabe...? Mulher é mulher... E que bom que seria, se ela tivesse fi cado sabendo! Ao menos, agora, de vez em quando se lembraria dele, dizendo: “Primo Argemiro também gostou de mim...” As palmas do coqueiro estão agora paradas de todo. As galinhas foram pastar as folhas baixas do melão-de- -são-caetano. Nem resto de brumas na baixada. O sol caminhou muito. Primo Argemiro já se acostumou com o trincar de dentes e com os gemidos de Primo Ribeiro. Não pode dar-lhe ajuda nenhuma. O que pode é pensar. E pensa mais, quase cochilando, gemendo também, com as ferroadas no baço. Pensa à toa, como os tico-ticos, que debicam na terra ciscada pelas galinhas, e dão carreirinhas tão engraça- das, que a gente nem sabe se eles estão cruzando aos pulinhos ou se é voo rasteiro só. ... Não adiantou ter sido tão direito... Se ele, Primo Argemiro, tivesse tido coragem... Se tivesse sido mais esperto... Talvez ela gostasse... Podia ter querido fugir com ele; o boiadeiro ainda não tinha aparecido... Agora, ela havia de se lembrar, achando que era um pamonha, um homem sem decisão... E, no entanto, viera para a fazenda só por causa dela... Primo Ribeiro não punha malícia em coisa nenhuma... Sim, os dois tinham sido bem tolos, só o homem de fora era quem sabia lidar com mulher!... Não! Fez bem. Era a mesma coisa que crime! ... Nem é bom pensar nisso... Amanhã ele vai ao capoeirão, tirar mel de irussu para o Primo Ribeiro... Deus que livre a gente desses maus pensamentos!... Primo Ribeiro vai fi car satisfeito: ele gosta de mel do mato, com farinha... Primo Ribeiro vai ter sua alegriazinha... - P’ra que é que há-de haver mulher no mundo, meu Deus?! ... — Hein? ! ... Primo Argemiro estremece. Tinha pensado alto. E agora Primo Ribeiro está espiando para ele, meio espanta- do, com o branco dos olhos riscadinho de vermelho, no lugar das manchas amarelas de sempre. Há muito que jogou para um lado o cobertor e voltou a sentar-se no cocho. Passado o frio, passada a tremura, vem a hora de Primo Ribeiro variar. Primo Argemiro não gosta. Não se habitua àquilo. Ele, nos seus acessos, não varia nunca: não tem licença: se delirar, pode revelar o seu segredo. Tem de ter tento na cabeça e de subjugar a doideira, e so- fre o demônio, por via disso. Mas, mesmo assim, ainda é melhor do que ter de ouvir as coisas que Primo Ribeiro desanda a falar entre o tremore o suor. Até a cara de Primo Ribeiro faz medo, de tão vermelha que está. Parece que ele engordou, de repente. Incha- ço. E está pegando fogo... - O calorão, Primo! ... E que dor de cabeça excomungada! ROSA, J. G. Sarapalha. In: ROSA, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p.133-153. 4 1. As epígrafes, que encabeçam cada conto de Sagarana, são típicas da tradição mineira, dos provérbios e cantigas do sertão. Explique como a epígrafe de Sarapalha, a seguir, condensa essa narrativa: “Canta, canta, canarinho, ai, ai, ai ... Não cantes fora de hora, ai, ai, ai ... A barra do dia aí vem, ai, ai, ai ... Coitado de quem namora!...” 2. O texto 1, de Sarapalha, corresponde ao A) clímax, o ponto de maior tensão dramática da narrativa. B) enredo, a história contada pelo narrador. C) confl ito, ou seja, o problema explorado no conto. D) tema, isto é, o ciúme entre as personagens. 3. No quadro a seguir, comente as características observadas nesse trecho do conto lido. Características composicionais do conto Sarapalha a) Narrador b) Confl ito narrativo c) Personagens d) Espaço e) Tempo 4. Quais as marcas textuais que identifi cam o narrador e o foco narrativo no conto? Justifi que. Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 5 5. As personagens são referidas apenas pelo grau de parentesco e respectivos prenomes – Primo Argemiro, Primo Ribeiro. Que efeito de sentido isso provoca? Discurso Conceito Marcas textuais Direto Reproduz o diálogo entre persona- gens por meio das suas próprias palavras. Introduzido por um verbo de dizer (perguntar, dizer, repetir, falar etc.); nítida separação da fala do narrador da fala das personagens (dois pontos, travessão, aspas). Indireto A fala das personagens é selecio- nada, resumida, interpretada pelo narrador. Introduzido por um verbo de dizer (perguntar, dizer, repetir, falar etc.); a fala da personagem constitui uma oração subordinada subs- tantiva objetiva indireta do verbo de dizer introduzida por uma partícula (conjunção, um advérbio, ou um pronome interrogativo). Indireto livre Mesclam-se as falas do narrador e personagens. Espécie de discurso indireto sem verbos de di- zer, nem partícula introdutória. Conservam-se as formas interrogativas, imperativas, pergun- tas, súplicas, sendo a pontuação expressiva (exclamações, interrogações, reticências etc.) com a presença de interjeições. ! Você já SABE 6 6. Leia os fragmentos do conto no quadro abaixo, identifi que-os na coluna à esquerda, utilizando a legenda: DN – discurso do narrador DD – discurso direto DI – discurso indireto DIL – discurso indireto livre Na coluna à direita, justifi que sua opção. Discurso Fragmentos do conto Justificativa E Primo Argemiro sabe aproveitar, sabe correr ligeiro pelos bons caminhos da lembrança. Como era mesmo que ela era?! ... Morena, os olhos muito pretos... Tão bonita! ... Os cabelos muito pretos... Ao menos, agora, de vez em quando se lembraria dele, dizendo: “Primo Argemiro também gostou de mim...” Primo Argemiro já se acostumou com o trincar de dentes e com os gemidos de Primo Ribeiro. Não pode dar-lhe ajuda nenhuma. O que pode é pensar. E pensa mais, quase cochilando, gemendo também, com as ferroadas no baço. — O calorão, Primo! ... E que dor de cabeça excomungada! — “Você parece que nunca viu a gente, Primo!... Você precisa mais é de campear noiva e caçar jeito de se casar...” - dissera ela, rindo. Ele tinha ficado meio palerma, sem ter nada para re- sponder... Teria ela adivinhado o seu querer-bem? ... Não, falara aquilo por brincadeira, decerto. Mas, quem sabe...? Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 7 7. Releia o seguinte trecho do conto. Pensa à toa, como os tico-ticos, que debicam na terra ciscada pelas galinhas, e dão carreirinhas tão engraça- das, que a gente nem sabe se eles estão cruzando aos pulinhos ou se é voo rasteiro só. ... Não adiantou ter sido tão direito... Se ele, Primo Argemiro, tivesse tido coragem... Se tivesse sido mais esperto... Talvez ela gostasse... Podia ter querido fugir com ele; o boiadeiro ainda não tinha aparecido... Agora, ela havia de se lembrar, achando que era um pamonha, um homem sem decisão... E, no entanto, viera para a fazenda só por causa dela... Primo Ribeiro não punha malícia em coisa nenhuma... Sim, os dois tinham sido bem tolos, só o homem de fora era quem sabia lidar com mulher!... Não! Fez bem. Era a mesma coisa que crime! ... Nem é bom pensar nisso... Amanhã ele vai ao capoeirão, tirar mel de irussu para o Primo Ribeiro... Deus que livre a gente desses maus pensamentos!... Primo Ribeiro vai fi car satisfeito: ele gosta de mel do mato, com farinha... Primo Ribeiro vai ter sua alegriazinha... - P’ra que é que há-de haver mulher no mundo, meu Deus?! ... — Hein? ! ... Primo Argemiro estremece. Tinha pensado alto. O emprego do verbo pensar na introdução e ao fi nal desse trecho, o foco narrativo em terceira pessoa e o uso expressivo de pontuação indicam que se trata de discurso indireto livre? Justifi que. A expressão monólogo vem do grego monos, no sentido de um, somado a logos, que tem o sentido de conhecimento ou ideia, contrapondo-se assim a diálogo: dia, que signifi ca dois. Assim, monólogo seria o diálogo de uma pessoa consigo mesma, enquanto diálogo indica a troca entre duas pessoas. Os estudos literários, especialmente os relacionados aos textos dramáticos, explicitam haver monólogo exterior quando, por exemplo, um ator fala se dirigindo implicitamente para a plateia (em teatro, fi lme, novela etc.); já o monólo- go interior consiste na reflexão da personagem como se ela falasse consigo mesma. O monólogo interior é uma técnica literária com a qual se reproduz, em terceira pessoa, os pensamentos de uma personagem, tal como brotariam de sua consciência. O narrador escreve em terceira pessoa, mas não interfere no monólogo interior da personagem. Ele assume a função narrativa de revelar pensamentos, recordações, emoções, contribuindo indiretamente para a caracterização da personagem. O emprego da terceira pessoa sugere a presença da voz do narrador, enquanto os pensamentos expressos - pela forma como são apresentados - revelam reflexões da personagem. Desse modo, é como se o narrador penetrasse na cabeça da personagem, para desvendar seus pensamentos. Por vezes, a pista para o leitor vem da presença de expressões de dúvi- das, interrogações, apresentadas de modo desorganizado, sem muita lógica, pois o narrador reproduz os pensamentos tal como chegam à mente da personagem. ? Você SABIA? 8 8. Quais tempos verbais predominam no conto Sarapalha? Destaque exemplos de cada um e justifi que o emprego desses tempos. 9. Há no conto marcas de variação linguística, no que diz respeito aos fatores geográfi cos, principalmente. Escolha três exemplos para comentar se estão situados na fonética, no léxico, na morfologia ou na sintaxe. Atividade 2 1. Com base em seus conhecimentos prévios, no seu repertório de leitura, preencha o quadro comparativo a seguir para relembrar e explicitar quais características lhe parecem típicas de um romance. Características composicionais do romance a) Narrador / foco narrativo b) Enredo c) Confl ito narrativo/clímax d) Personagens e) Espaço f) Tempo g) Organização/partes do texto Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 9 Na Idade Média, a palavra romance aplicava-se às narrativas populares ou folclóricas, de autoria descon- hecida, escritas tanto em prosa como em verso, que tinham caráter fantasioso, fi ccional. Apenas no século XVII essa palavra adquiriu o sentido de prosa de fi cção, produzida por autor conhecido. A defi nição atual para romance é que se trata de uma obra de fi cção escrita em linguagem literária; no entanto, o leitor de um romance, mesmo sabendo que se trata de umahistória inventada, acredita que ela representa uma situação possível de acontecer verdadeiramente, ou seja que tem verossimilhança com a realidade. O caráter extenso e a maior complexidade da trama narrativa do romance fazem com que, geralmente, seja subdividido em capítulos: neles, várias personagens envolvem-se em muitas intrigas, sendo que existe sempre um conflito principal, mais impor- tante, relativo às personagens protagonistas da história, responsável por manter o fi o narrativo, o desenvolvimento do enredo. ? Você SABIA? Você vai ler, a seguir, alguns trechos de capítulos do romance Vidas Secas (1938), escrito por Graciliano Ramos, em que o autor tematiza os problemas sociais decorrentes da seca nordestina, denunciando a condição miserável em que viviam seus retirantes. Graciliano Ramos nasceu em 1892, em Quebrângulo, Alagoas. Morou com a família no sertão de Pernambu- co e também em Maceió. Em 1914, foi ao Rio de Janeiro, onde intensifi cou sua carreira jornalística. Retor- nou a Palmeira dos Índios, Alagoas, onde se tornou comerciante, deu continuidade à carreira de jornalista e ingressou na política. Tornou-se prefeito e exerceu mandato por dois anos (1928-1930). Em 1936, sob a acusação de ser subversivo, foi preso pela ditadura Vargas, experiência revelada em sua obra autobiográ- fi ca “Memórias do Cárcere”. Em 1945, depois de libertado, fi xou-se no Rio de Janeiro e não mais voltou ao Nordeste. Sua produção literária pode ser dividida em, pelo menos, três grupos: (i) romances dedicados a prospectar a psicologia humana e o íntimo das suas personagens – Caetés (1933), São Bernardo (1934) e Angústia (1936); (ii) narrativas preocupa- das com a denúncia e a visão da realidade brasileira Vidas Secas (1938) e Insônia (contos, 1947); (iii) obras autobiográfi cas - Infância (1945) e Memórias do Cárcere (póstuma, 1953). Escreveu também livros infanto-juvenis – A Terra dos Meninos Pelados (1939), Histórias de Alexandre (1944), Alexandre e Out- ros Heróis (1962), entre outros. Além disso, suas obras incluem cartas, contos e traduções. Para mais informações sobre Graciliano Ramos, consulte o site ofi cial do escritor: Grupo Editorial Record. Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, RJ: Record, c2020. Disponível em: http://graciliano.com.br/site/vida/biografi a/. Acesso em: 10 mar. 2020. ? Você SABIA? Vidas Secas possui 13 capítulos em que se narra a história de uma família de retirantes nordestinos – Fabiano, Sinhá Vitória, dois meninos e a cachorra Baleia – que fogem das agruras causadas pela seca: os anseios e sonhos frustrados, o sofrimento causado pela vida miserável. O texto a seguir introduz o romance. 10 Texto 2 MUDANÇA Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o fi lho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingar- da de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximavam-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão. — Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isso não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos. — Anda, excomungado. O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Cer- tamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas difi cultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés. Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o fi lho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afi rmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o fi lho no cangote, levantou- -se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, fi nos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis. E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2008, p.9-11. Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 11 2. Qual a relação do título e desse primeiro capítulo do romance com o tema da obra? 3. Essa é a cena inicial de Vidas Secas. Qual é o foco narrativo? O que narra? Quem dela participa? Qual o período de tempo e o lugar em que ocorrem as ações narradas? 4. Para expressar a miserabilidade das personagens, o narrador nomeia-os como A) infelizes. B) famintos. C) cansados. D) moribundos. 5. A caracterização de Fabiano por meio de seus pensamentos e de suas ações no texto indicam que se trata de um homem A) insensível, acostumado a maltratar os fi lhos e a mulher. B) rude, um típico vaqueiro nordestino, mas capaz de comover-se. C) ameaçador, grosseiro e autoritário com os fi lhos indefesos. D) sofrido, preocupado com a segurança dos fi lhos e da mulher na caatinga. 6. O que sugere a ausência de falas em discurso direto de Sinhá Vitória e dos meninos no texto? 7. Em relação ao lugar, ambiente da narrativa, quais as expressões lexicais que servem para demonstrar a difi culdade da marcha das personagens? 12 As principais fi guras de linguagem que encontramos em textos literários são: (A) Metáfora - emprego de uma palavra com o signifi cado de outra por haver alguma relação de similaridade entre elas. (B) Comparação - diminuição atribuição de características de um ser a outro, em virtude de uma determinada semelhança. (C) Metonímia - troca de uma palavra por outra, permitida pela relação de proximidade de sentidos entre elas (o autor pela obra; o continente pelo conteúdo; a parte pelo todo; o efeito pela causa). (D) Sinestesia - fusão de impressões sensoriais diferentes. (E) Eufemismo - substituição de um termo rude, desagradável, por outro mais suave, ou agradável. (F) Prosopopeia ou personificação - atribuição de características humanas a seres inanimados. (G) Antítese - uso de palavras de sentidos opostos. (H) Hipérbole - exagero com fi nalidade expressiva. (I) Ironia - inversão dos sentidos, ou seja, diz-se o contrário do que se pensa. (J) Onomatopeia - reprodução ou imitação de sons diversos. Você SABIA? 8. Reconheça as fi guras de linguagem presentes nos trechos do texto a seguir: (.....) A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. (.....) O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos. (.....) Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão,acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. (.....) Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. No 3º capítulo do romance (Cadeia), Fabiano é preso injustamente e espancado por um “soldado amarelo”, que reen- contra sozinho e perdido no meio da caatinga em outra ocasião futura (11º capítulo), possibilitando a Fabiano vingar-se. O trecho a seguir é parte desse capítulo denominado O soldado amarelo. Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 13 Texto 3 O SOLDADO AMARELO O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano tinha vontade de levantar o facão de novo. Tinha vonta- de, mas os músculos afrouxavam. Realmente não quisera matar um cristão: procedera como quando, a montar brabo, evitava galhos e espinhos. Ignorava os movimentos que fazia na sela. Alguma coisa o empurrava para a direita ou para a esquerda. Era essa coisa que ia partindo a cabeça do amarelo. Se ela tivesse demorado um minuto, Fabiano seria um cabra valente. Não demorava. A certeza do perigo surgira – e ele estava indeciso, de olho arregalado, respirando com difi culdade, um espanto verdadeiro no rosto barbudo coberto de suor, o cabo do facão mal seguro entre os dois dedos úmidos. Tinha medo e repetia que estava em perigo, mas isto lhe pareceu tão absurdo que se pôs a rir. Medo daquilo? Nunca vira uma pessoa tremer assim. Cachorro. Ele não era dunga na cidade? Não pisava os pés dos matutos, na feira? Não botava gente na cadeia? Sem-vergonha, mofi no. [...] Fabiano pregou nele os olhos ensanguentados, meteu o facão na bainha. Podia matá-lo com as unhas. Lembrou-se da surra que levara e da noite passada na cadeia. Sim senhor. Aquilo ganhava dinheiro para maltratar as criaturas inofensivas. Estava certo? O rosto de Fabiano contraía-se, medonho, mais feio que um focinho. Hem? Estava certo? Bulir com as pessoas que não fazem mal a ninguém. Por quê? Sufocava-se, as rugas da testa aprofundavam-se, os pequenos olhos azuis abriam-se demais, numa interrogação dolorosa. [...] Virou a cara, enxergou o facão de rasto. Aquilo nem era facão, não servia para nada. Ora não servia! — Quem disse que não servia? Era um facão verdadeiro, sim senhor, movera-se como um raio cortando palmas de quipá. E estivera a pique de rachar o quengo de um sem-vergonha. Agora dormia na bainha rota, era um troço inútil, mas tinha sido uma arma. Se aquela coisa tivesse durado mais um segundo, o polícia estaria morto. Imaginou-o assim, caído, as pernas abertas, os bugalhos apavorados, um fi o de sangue empastando-lhe os cabelos, formando um riacho entre os seixos da vereda. Muito bem! Ia arrastá-lo para dentro da caatinga, entregá-lo aos urubus. E não sentiria remorso. Dormiria com a mulher, sossegado, na cama de varas. Depois gritaria aos meninos que precisavam criação. Era um homem, evidentemente. Aprumou-se, fi xou os olhos nos olhos do polícia, que se desviaram. Um homem. Besteira pensar que ia fi car murcho o resto da vida. Estava acabado? Não estava. Mas para que suprimir aquele doente que bambeava e só queria ir para baixo? Inutilizar-se por causa de uma fraqueza fardada que vadiava na feira e insultava os pobres! Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. Guardava a sua força. Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins. Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou fi rme, per- guntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro. — Governo é governo. Tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2008, p.107-114. 14 Uma das características do gênero romance é a narratividade, em que o texto apresenta transformação das ações praticadas pelas personagens no tempo (anterioridade e posterioridade) e em diferentes espaços. Tais ações ocorrem em uma sequência lógica, temporal, mas a inventividade do narrador pode contá-las sem obedecer à linearidade, tal como ocorre em Vidas Secas. 9. Enumere em sequência as ações de Fabiano narradas no capítulo O soldado amarelo, observando a relação de anterioridade e posterioridade entre elas: (.....) E Fabiano tinha vontade de levantar o facão de novo. Tinha vontade, mas os músculos afrouxavam. (.....) E estivera a pique de rachar o quengo de um sem-vergonha. (.....) Lembrou-se da surra que levara e da noite passada na cadeia. (.....) E Fabiano tirou o chapéu de couro. (.....) Aprumou-se, fi xou os olhos nos olhos do polícia, que se desviaram. Um homem. (.....) Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou fi rme, perguntou o caminho. 10. Explique o emprego das formas verbais marcadas nos trechos a seguir para indicar a relação temporal dos acontecimentos narrados. a) “Realmente não quisera matar um cristão: procedera como quando, a montar brabo, evitava galhos e espinhos”. b) “Era essa coisa que ia partindo a cabeça do amarelo”. c) “Se ela tivesse demorado um minuto, Fabiano seria um cabra valente”. d) “Sufocava-se, as rugas da testa aprofundavam-se, os pequenos olhos azuis abriam-se demais, numa interrogação dolorosa”. e) “E não sentiria remorso. Dormiria com a mulher, sossegado, na cama de varas”. Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 15 f) “— Governo é governo”. 11. Destaque do texto dois trechos em discurso indireto livre, justifi cando-os. 12. A nomeação de facão ora como “troço inútil” ora como “arma”, no 7º §, deve-se A) ao medo que Fabiano tinha de que o soldado o desarmasse. B) à indecisão vivida por Fabiano em matar o soldado. C) à preocupação de Fabiano em não ser morto pelo soldado. D) ao respeito que Fabiano tinha pela autoridade do soldado. 13. Ao fi nal do texto, a frase “— Governo é governo” — demonstra que a raiva que Fabiano tinha do soldado transformou-se em A) reconhecimento. B) gratidão. C) subserviência. D) medo. 14. Em “Governo é governo”, o sentido do termo “governo” é A) idêntico, os dois querem dizer “instituição administrativa”. B) diferente: respectivamente, “instituição que dirige” e “poder executivo”. C) igual, pois ambos signifi cam “poder executivo”. D) diferente: “instituição administrativa” e “órgão a ser respeitado”, respectivamente. 15. Reconheça as fi guras de linguagem presentes nos trechos destacados a seguir: A) Fabiano pregou nele os olhos ensanguentados, meteu o facão na bainha. B) O rosto de Fabiano contraía-se, medonho, mais feio que um focinho. C) Era um facão verdadeiro, sim senhor, movera-se como um raio cortando palmas de quipá. D) Agora dormia na bainha rota, era um troço inútil, mas tinha sido uma arma. E) Imaginou-o assim, caído, as pernas abertas, os bugalhos apavorados, um fi o de sangue empastando-lhe os cabelos, formando um riacho entre os seixos da vereda. F) Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins. 16 Atividade 3 Nos textos 2 e 3, se pode observar a presença de variedade linguística? Justifi que com exemplos dos textos. Atividade 4 Com base nos três textos lidos, e apoiados em uma pesquisa sobre os autores, em relação à época e ao contexto so- ciocultural em que viveram e escreveram suas obras, seus temas de interesse, a especifi cidade no emprego da linguagem literária etc., estabeleça um paralelo entre eles em relação à periodização literária e diferenciação estilística. Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Conto e Romance 17 Sistematizando APRENDIZAGENS Gêneros narrativos - conto e romance Co nt ex to Autoria Defi nida (um escritor) que se manifesta como o narrador. Suportes Conto: livro, revista, site, jornal. Romance: livro e outros suportes. Leitor provável Apreciador de histórias, de narrativas de fi cção. TemasMuito variados. Finalidade Conta uma experiência humana, fi ctícia, mas verossimilhante. Co m po si çã o Título O título em geral anuncia o tema da narrativa. Partes do texto a) apresentação da situação inicial, do cenário e das personagens. b) desenvolvimento da ação e surgimento de um confl ito; c) clímax do conto /romance d) resolução do confl ito e) desfecho ou conclusão. Características 1.O narrador e o foco narrativo correspondente - de primeira ou de terceira pessoa; 2.Conto: curta extensão; romance: em capítulos; 3. Sequência temporal dos fatos narrados: linear ou não; 4. Conto: poucas personagens; romance: muitas; 5. Conto: em geral, um só cenário; romance há mudanças de lugar e ambientes. Li ng ua ge m Marcas textuais e variações 1. Presença de diálogos e/ ou monólogos; 2. Uso de discurso direto, indireto e/ou indireto livre; 3. Linguagem elaborada; 4. Verbos no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo, nos trechos narrativos; e no presente do indicativo, nos diálogos. 5. Presença de variação linguística relacionada à caracterização de personagens.