Prévia do material em texto
DERRAME PLEURAL CASO CLÍNICO • Paciente, 37 anos, procurou por serviço médico com queixa de tosse produtiva, febre e prostração. Nega comorbidades, nega alergia à fármacos e uso de medicamentos. Feito diagnóstico de PAC e iniciado Azitromicina 500mg, 1 cp ao dia por 5 dias. Após 4 dias retornou com piora dos sintomas, dispneia e manutenção da febre. • Solicitado RX que presenciou derrame pleural a direita. Realizado internação hospitalar e iniciado a antibioticoterapia endovenosa (Ceftriaxone + Azitromicina) + toracocentese. INTRODUÇÃO • O espaço entre a pleura visceral (recobre os pulmões), pleura parietal (recobre a parede torácica), o mediastino e o diafragma, é chamado de espaço pleural. Não há comunicação entre as cavidades pleurais. Em condições normais, há presença de líquido nesse espaço, cerca de 0,1 a 0,2ml/kg de líquido entre as pleuras, com produção e reabsorção contínuas, mantendo um equilíbrio. Esse líquido ajuda na lubrificação e facilita o movimento do pulmão durante a inspiração e expiração. • Normalmente, o fluido entra no espaço pleural pelos capilares da pleura parietal e é removido pelos linfáticos (subpleurais) da própria pleura parietal. • Qualquer doença que modifique essa dinâmica pode promover a formação de derrame pleural. • São mecanismos do derrame pleural: o Aumento da pressão hidrostática capilar pulmonar → Insuficiência cardíaca. o Aumento da permeabilidade vascular pleural → Processos inflamatórios. o Redução da pressão coloidosmótica do plasma → hipoalbuminemia grave e síndrome nefrótica. o Negativação excessiva da pressão intrapleural → atelectasias grandes. o Passagem de líquido da cavidade peritoneal → hidrotórax hepático. o Acúmulo de sangue ou quilo no espaço pleural → trauma. • A principal causa de derrame pleural é a insuficiência cardíaca, seguida da pneumonia (derrame parapneumônico) e pelo derrame pleural neoplásico. Nos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, a tuberculose pleural é uma das principais causas de derrame pleural. Já nos pacientes com mais de 50 anos, as causas neoplásicas superam os derrames parapneumônicos. • Cirrose biliar, embolia pulmonar, doença viral e cirurgia de revascularização miocárdica também são causas comuns de derrames. MECANISMOS DE FORMAÇÃO • O fluido pleural é tanto produzido quanto reabsorvido na pleura parietal e depende do balanço entre as pressões hidrostáticas e oncóticas, dos fluxos sanguíneos sistêmico, pulmonar e pleural. Os vasos linfáticos, que estão conectados à pleura parietal, são os responsáveis pela reabsorção do líquido pleural e o fluxo nesses vasos pode aumentar em até 20x para suprir uma demanda aumentada na formação de líquido pleural. O derrame é formado quando a capacidade de drenagem dos vasos linfáticos é superada pela produção. Essa desordem pode ocorrer por: o Aumento da formação de líquido (fluído pleural): aumento do líquido intersticial pulmonar, aumento da pressão intravascular, aumento da permeabilidade capilar ou diminuição da pressão oncótica. o Diminuição da absorção do líquido pleural: obstrução dos linfáticos da pleura parietal, prejudicando a drenagem; e aumento da permeabilidade vascular sistêmica (sepse, complicações de pneumonia). o Combinação dos dois fatores acima. o Passagem de líquido do espaço peritoneal, principalmente em pacientes cirróticos. QUADRO CLÍNICO • O derrame pleural pode ser suspeitado durante a história clínica do paciente ou durante o exame físico. Os sintomas dependem do tamanho da coleção, porém pacientes com doenças pulmonares (p.ex, DPOC, linfangite carcinomatosa ou embolia pulmonar) podem ter sintomas com derrames pequenos a moderados. O paciente pode se queixar de: o DOR TORÁCICA; o DISPNEIA OU TREPOPNEIA (dispneia que se alivia quando faz decúbito lateral para o lado acometido). o TOSSE e LIMITAÇÃO DA EXPANSIBILIDADE PULMONAR. • Outras achados como febre, ortopneia e artralgia concomitantes podem ser úteis na formulação das hipóteses etiológicas do derrame e reduzir o leque de diagnósticos diferenciais. História de viagem recente, ocupação atual e prévia, medicações em uso, cirurgias recentes, neoplasia, lugar de residência e exposição prévia a asbesto devem ser interrogados. EXAME FÍSICO • Os achados dependem do tamanho do derrame e da doença de base. • Inspeção: abaulamento do hemitórax comprometido e de seus espaços intercostais, redução da expansibilidade torácica. • Palpação: redução ou ausência do frêmito tóraco-vocal. • Percussão: macicez ou submacicez sobre a região com líquido. É o sinal mais associado e mais precoce. • Ausculta: MV reduzido ou abolido.* • Algumas pistas no exame físico são: turgência jugular, edema periférico, edema assimétrico de membros inferiores, estigmas de hepatopatia (rarefação de pelos, eritema palmar, ginecomastia, circulação colateral), deformidades articulares ou sinais de sinovite. Esse achados ajudam no diagnóstico etiológico do derrame. • A dor torácica pode estar presente por inflamação pleural, esse sintoma é incomum nos transudatos. Habitualmente, é bem localizada, piora com a inspiração, ou seja, do tipo pleurítica. DIAGNÓSTICO • Pode ser feito pelo raio-x de tórax ou toracocentese. • RAIO-X de tórax: solicita-se em PA, perfil e decúbito lateral. É o primeiro exame a ser solicitado na suspeita e na maioria das vezes é suficiente. Na posição ortostática (PA e perfil), o líquido tende a se acumular na porção inferior, gerando uma imagem homogênea que oblitera o seio costofrênico ou altera sua angulação. Essa achado ocorre em derrames > 200ml. Já a radiografia em decúbito lateral é mais sensível de pode detectar a partir de 50ml. Pode ajudar no diagnóstico etiológico. • No raio-x, o aspecto clássico é a opacidade homogênea nos segmentos inferiores, com conformação “em parábola”, o que caracteriza o líquido livre na cavidade. • Os 3 padrões de derrame que podem ser úteis no diagnóstico etiológico são: o Bilateral: sugerem insuficiência cardíaca ou neoplasia ou pericardite. o Unilateral maciço. o Loculado: empiema, tuberculose ou hemotórax. • Geralmente, visualiza-se o apagamento do seio costofrênico. • Posição de Laurell: raio-x em decúbito lateral são capazes de detectar derrames menores (50ml) e está indicado quando há dúvida sobre a presença ou não de derrame pleural ou na imagem que pode corresponder a derrame ou espessamento pleural. • Sempre lembrar que derrame pleural > 10mm pode ser puncionado, que é um procedimento invasivo, arriscado e que deve ser guiado por ultrassonografia.* • Ultrassonografia: melhor capacidade de quantificar o volume de líquido pleural, espessamento pleural e consolidação pulmonar, como também consegue distinguir entre exsudatos e derrames malignos. O principal diferencial da USG é o fato de seu uso estar associado a menos complicações durante a toracocentese, biópsia ou drenagem pleural e apresenta maiores taxas de sucesso dos procedimentos, principalmente em derrames pequenos e loculados. • Toracocentese: é dividida em diagnóstico e de alívio. o Diagnóstica: ▪ Derrame pleural de etiologia desconhecida e clinicamente significativo. ▪ Espessura maior que 10mm à USG ou à radiografia em decúbito lateral. ▪ Diagnóstico prévio de ICC, com derrame pleural bilateral e simétrico não tem indicação, devemos ajustar a medicação e reavaliar em 48 a 72 horas. Se derrame pleural persistente ou francamente assimétrico, unilateral, hipoxemia desproporcional à apresentação clínica ou associado a febre ou dor pleurítica, indica-se o procedimento. o De alívio: ▪ Grande derrame pleural e intenso desconforto ou dispneia. ▪ Punção máxima de 1500ml de cada pulmão. Se retirar mais pode causar edema de reexpansão, devendo ser realizado com extrema cautela quando necessário. ▪ Deve acompanhar o paciente durante a retirada, se apresentar sinais de descompensação com valores de punção menor, devemos pararo procedimento imediatamente. OBS: todo derrame pleural deve ser puncionado, exceto na insuficiência cardíaca (alguns casos punciona também). • Na suspeita de ICC e outras causas transudativo, não realizar toracocentese, nem de alívio e nem diagnóstica. Deve-se tentar o manejo clínico e reavaliar. Em caso de dúvida diagnóstica, sempre realizar a toracocentese, pois, na maioria das vezes, a análise do líquido pleural é a principal ferramenta diagnóstica. Para alívio de sintomas nos derrames exsudativos também sempre se deve realizar a toracocentese. • A técnica de punção é com agulha fina em posição perpendicular a pele e tangenciando a borda superior do arco costal inferior, de modo a evitar a punção acidental do deixe vasculonervoso, que percorre a margem inferior de cada uma das costelas. ANÁLISE DO LÍQUIDO PLEURAL • Derrames pleurais exsudativos geralmente são causados por doenças pleuropulmonares, como tuberculose, pneumonia, TEP, neoplasia pulmonar primária ou com metástase pulmonar. Já os transudatos são causados por doenças sistêmicas, como ICC cirrose e síndrome nefrótica. • O principal objetivo da análise do líquido pleural é a diferenciação entre exsudato e transudato. • Os critérios usados são os de Ligth que utilizam a dosagem de proteínas e de desidrogenase láctica (DHL) no líquido pleural e no sangue do paciente. CRITÉRIOS DE LIGHT: o Relação proteína do líquido pleural-proteínas séricas acima de 0,5; o Relação DHL do líquido pleural-DHL sérica acima de 0,6; o DHL do líquido superior a dois terços do limite no soro. • Para classificar como exsudato é necessário apenas 1 dos 3 critérios. Se nenhum dos critérios presentes, classifica-se como transudato. • Transudatos: causas sistêmicas como aumento da pressão hidrostática (ICC), redução da pressão oncótica (hipoproteinemia), aumento da pressão negativa intrapleural (atelectasia) ou movimento do líquido ascítico através do diafragma (hidrotórax hepático). o Exemplos: ICC, cirrose hepática, hipoalbuminemia, embolia pulmonar e síndrome nefrótica. • Exsudatos: fatores locais alterados, como inflamação do pulmão ou da pleura, que causa extravasamento capilar de líquido para o espaço pleural e/ou nos casos em que ocorre redução da drenagem linfática como em doenças proliferativas (neoplasia) ou inflamatórias (pneumonias), influenciando a formação do derrame. o Exemplos: derrame parapneumônico ou empiema, tuberculose, neoplasias, vasculites e pancreatite. INVESTIGAÇÃO • Para análise, recomenda-se 50 a 60ml do líquido pleural. • Além o DHL e proteínas para os critérios de Light, solicita-se a contagem celular e diferencial, PH e glicose. Se existe suspeita de infecção, bacterioscopia e cultura devem ser realizadas. Se há indícios de neoplasias devemos solicitar a citologia oncótica. • Testes adicionais comumente são solicitados como amilase, colesterol, triglicerídeos, ADA, baciloscopia (BAAR) e cultura para M.tuberculosis. • ADA: adenosina deaminase. É uma enzima que tem por função a proliferação e a maturação dos monócitos. Pode ajudar no diagnóstico diferencial entre causa maligna e TB nos derrames com predomínio de linfócitos (linfocítico). • Gradiente de albumina: pacientes em uso de diurético, por vezes ao aplicar os critérios de Light poderá vir como exsudato. Lança mão do gradiente de albumina. Se albumina sérica – albumina pleural < ou = 1,2g/dl → transudato. TIPOS DE DERRAMES PLEURAIS - PROVA • Parapneumônico: derrame exsudativo que se associa a um episódio de pneumonia, sendo a principal causa de derrame inflamatório. Quando há indícios de infecção do líquido pleural é chamado de derrame parapneumônico complicado, e caso o aspecto macroscópico seja purulento, define como empiema. Em ambos os casos, a drenagem torácica é o procedimento indicado. Assim, as características são: o Macroscópicas: seroso, turvo ou purulento; o Bioquímicas: ▪ PH> 7,2 derrame não complicado; ▪ PH< 7,2 derrame complicado ou empiema; ▪ DHL>1000UI/dL e Glicose < 40 – 60mg/dl; o Citologia: ▪ Leucócitos totais >1000/mm3. ▪ Predomínio neutrofílico; • Tuberculose: pode ser devido a uma manifestação da forma primária da doença ou da reativação de uma infecção latente pelo M.tuberculosis. Os avanços nos métodos laboratoriais contribuíram sobremaneira para um melhor diagnóstico e para a compreensão da fisiopatologia dessa doença. As características são: o Bioquímicas: ▪ Proteínas > 4,5g; ▪ DHL > 250UI/L; ▪ ADA > 40U/L. o Citologia: ▪ Fase inicial (<15dias) predomínio neutrofílico; ▪ Predomínio de linfócitos > 70% e células mesoteliais < 5%; ▪ Eosinófilos (raro). • Neoplásico: complicação frequente nos pacientes portadores de doença avançada. A presença de células malignas no líquido pleural ou na biópsia da pleura é indicativa de disseminação de doença primária. Pulmão e mama são as neoplasias mais comuns, seguida de linfoma, genitourinário e gastrointestinal. o Macroscópicas: seroso, serohemático, hemorrágico, amarelo-citrino. o Bioquímicas: ▪ Transudato ou exsudato; ▪ PH < 7,3 – relacionado a sobrevida; ▪ Queda da glicose e aumento do DHL; o Citologia: ▪ Predomínio de linfócitos; ▪ Amilase aumentada. IMUNOFENOTIPAGEM • Suspeita de doença linfoproliferativas: linfomas de baixo grau e linfomas primários de cavidade pleural. • Diagnóstico diferencial: processos reacionais linfocíticos X LNH; • Se derrame pleural sem diagnóstico, mesmo após de toda essa investigação, podemos usar três estratégias: observação, broncoscopia ou biópsia de pleura. QUESTÃO USP 1- Sobre os derrames pleurais assinale a alternativa correta: a. A retirada por toracocentese de 1000 mL de liquido pleural é contraindicada pelo risco de edema agudo de reexpansão. b. A neoplasia de mama é a causa mais comum de derrame pleural. c. Insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica são causas exsudativas de derrame pleural. d. A ADA pode apresentar resultados falsos positivos em artrite reumatoide, adenocarcinomas e alguns linfomas. e. O desencadeamento do reflexo vasovagal, durante a toracocentese, traduzido por sudorese, mal estar geral e desmaio, não indica necessidade de interrupção do procedimento.