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NEOPLASIAS DA VULVA Epidemiologia O câncer de vulva tem incidência baixa. Corresponde de 3 a 7% de todas as neoplasias genitais femininas. O tipo histológico predominante é o carcinoma de células escamosas, representando de 75 a 90% dos tumores. Outros tipos histológicos de menor frequência relativa são melanoma, carcinoma basocelular, adenocarcinoma de glândula de Bartholin, sarcoma e doença de Paget. O câncer de vulva é, tipicamente, uma doença de mulheres na pós-menopausa, normalmente após 65 anos, podendo ter como lesão precursora o líquen escleroso vulvar. Figura 17.1 - Apresentações do líquen vulvar Assim como no câncer cervical, existe associação do câncer de vulva com o papilomavírus humano (HPV). Os HPVs de alto grau (16 e 18) estão associados à carcinogênese vulvar. As portadoras de imunodeficiências adquiridas ou transitórias são, entre as mulheres na menacma, o grupo mais atingido pelas neoplasias vulvares. Pacientes portadoras de HIV, transplantadas/imunossuprimidas e pacientes com doenças autoimunes – lúpus eritematoso sistêmico – e/ou em uso frequente de corticosteroides e imunomoduladores apresentam maior probabilidade de desenvolver as neoplasias vulvares. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de vulva são similares aos do câncer de colo uterino. Mais especificamente, tabagismo – risco três vezes maior, mantido mesmo após 5 anos de interrupção do uso –, início precoce do relacionamento sexual, múltiplos parceiros, atividade sexual desprotegida – sem uso de preservativo –, baixo nível socioeconômico, infecção pelo HPV – principalmente os tipos 16 e 18 –, infecções sexualmente transmissíveis e infecção pelo HIV e outras condições de imunodepressão, como doenças do colágeno ou pacientes transplantadas – risco 100 vezes maior. O carcinoma vulvar in situ é considerado precursor da doença invasiva e tende a ser multifocal e com menor risco para invasão nas mulheres jovens e unifocal e com maior risco de invasão nas mulheres mais idosas. Quadro clínico O sintoma mais comum das neoplasias de vulva é o prurido vulvar. Em seguida, podem- se observar, com frequência, lesão ulcerada, eventualmente associada à secreção com odor, dor vulvar e sangramento local. Muitas vezes, a paciente percebe a lesão na vulva, porém, devido à sua natureza superficial e comumente indolor, é negligenciada, e o alívio sintomático costuma ser procurado muitos anos antes do auxílio médico. Quanto à área da vulva mais frequentemente acometida, destaca-se que a neoplasia se origina nos grandes lábios em cerca de 2 terços dos casos. Os pequenos lábios, o períneo, o clitóris e o monte pubiano são menos frequentemente envolvidos. Com relação à lateralidade, não se observa nenhuma tendência em particular. A sua apresentação clínica pode ser exofítica, ulcerada ou mesmo de uma lesão plana. O líquen escleroso é uma lesão plana, esbranquiçada, pruriginosa, que acomete preferencialmente a região vulvar, sendo um importante diagnóstico diferencial do carcinoma vulvar. Histologia O câncer de células escamosas, carcinoma epidermoide ou espinocelular, corresponde a cerca de 75 a 90% das neoplasias vulvares invasoras. O melanoma é o segundo tipo histológico mais comum e representa de 2 a 10% dos tumores vulvares. Outros tipos histológicos são o adenocarcinoma da glândula de Bartholin, o sarcoma e o carcinoma de células basais. As neoplasias intraepiteliais vulvares atualmente podem ser subdivididas em usuais e diferenciadas. O tipo usual está associado à infecção por HPV; é mais comum em mulheres jovens e normalmente apresenta lesões simultâneas em mais de uma região, as quais podem confluir, que podem ser verrucosas ou papulares. A antiga classificação de Neoplasia Intraepitelial Vulvar (NIV) – subtipos I, II e III – refere-se às lesões do tipo usual, associadas ao HPV. Apesar de estar em desuso, algumas instituições podem utilizar os termos NIV I, II e III nas questões. O tipo diferenciado, em geral, apresentase clinicamente como uma lesão única e não está associado ao HPV; é mais comum em pacientes idosas, e existe uma associação com líquen escleroso. Figura 17.2 - Carcinoma de vulva Vias de disseminação Figura 17.3 - Disseminação linfática do carcinoma de vulva O câncer de células escamosas de vulva tem padrão de disseminação locorregional. A extensão local da doença leva a acometimento da vagina, da uretra e do ânus. Regionalmente, lembramos que a drenagem linfática dos lábios maiores e menores da vulva ocorre para os linfonodos inguinais, ao passo que os da região perianal drenam de maneira semelhante. É importante lembrar que a via de drenagem linfática da vulva, apesar de ser numerosa, tende a respeitar a lateralidade da lesão original e, infrequentemente, cruza a linha mediana. Os linfonodos regionais incluem inguinais superficiais e profundos e pélvicos – ilíacos comum, externo, interno e obturador. Figura 17.4 - Câncer avançado de vulva com comprometimento de linfonodos inguinais É importante lembrar que os linfonodos pélvicos raramente são acometidos na ausência de linfonodos inguinofemorais comprometidos. Exceção é feita a lesões extensas da região perianal, que podem, diretamente, drenar para os linfonodos pélvicos. Portanto, a disseminação linfática é feita por cadeias, na seguinte ordem: linfonodos inguinofemorais superficiais, linfonodos inguinofemorais profundos, linfonodos ilíacos e disseminação sistêmica. Diagnóstico A diferenciação de lesões neoplásicas e não neoplásicas da vulva baseia-se em: 1. Aspecto clínico; 2. Vulvoscopia; 3. Biópsia dirigida. O exame clínico pode mostrar lesões cujo aspecto é amplamente polimórfico, podendo variar desde lesão discrômica inicial até tumor vegetante e ulcerado, acompanhados ou não de acometimento de linfonodos inguinais e femorais. A vulvoscopia consiste em um exame específico da vulva com magnificação de até 40 vezes, por meio de lentes de aumento, semelhante à colposcopia, sendo fundamental na identificação de lesões iniciais. Durante o exame, a inspeção é feita após a aplicação de ácido acético a 5%, diretamente na vulva, acentuando aspectos anormais do epitélio e auxiliando na escolha do local para a realização de biópsia para confirmação diagnóstica. Em geral, os aspectos vulvoscópicos mais associados ao câncer de vulva são o epitélio esbranquiçado com vascularização atípica, irregular ou excessiva, e as lesões hipercrômicas, elevadas e de relevo granuloso/papilar. A vulvoscopia permite, ainda, um mapeamento da extensão local da doença e auxilia na programação terapêutica. O teste do azul de toluidina, também chamado teste de Collins, consiste na aplicação do corante de azul de toluidina a 1% sobre a vulva, e, após 3 minutos, aplica-se ácido acético na mesma diluição. O corante agrega-se ao DNA dos núcleos de tecidos com alta atividade proliferativa, como as neoplasias. Esse teste é útil, porém propicia grande número de falsos positivos. Em razão disso, tem sido praticamente abandonado na propedêutica atual. As lesões ulceradas e verrucosas visíveis a olho nu são sempre suspeitas e indicativas de biópsia incisional. Frequentemente, orienta-se a biópsia da lesão com tecido circunvizinho para a comparação histológica. Já a citologia oncótica no câncer de vulva não tem valor. Classificação da OMS de tumores da vulva Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial para o câncer de vulva é o líquen escleroso, caracterizado por pápulas brancas atróficas que podem coalescer formando placas, que alguns autores chamam “placas em porcelana”. A lesão pode ser diagnosticada por biópsia (punch biopsy) e, histopatologicamente, caracteriza-se por diminuição global da espessura da epiderme intercalada com áreas de hiperqueratose e acantose – atualmente, o termo “líquen escleroatrófico” deve ser evitado. Aetiopatogenia não é completamente conhecida, porém, a maioria dos estudos infere que parece ser de natureza autoimune. A maior incidência é observada em mulheres na pós-menopausa. Essa patologia está associada ao aumento do risco de malignidade. Diagnóstico diferencial de prurido vulvar Diagnóstico diferencial de máculas, pápulas, manchas e placas marrons, azuis ou pretas na vulva Estadiamento O estadiamento para o câncer de vulva é cirúrgico. A International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) aprovou um sistema de estadiamento cirúrgico, com base em variáveis prognósticas, que estão relacionadas a seguir. Variáveis prognósticas 1. Tamanho da lesão; 2. Profundidade da invasão; 3. Acometimento de órgãos vizinhos: uretra, vagina ou ânus; 4. Comprometimento linfonodal. A rotina de exames pré-operatórios no câncer de vulva deve incluir o que está detalhado a seguir. Rotina de exames 1. Exames pélvico, ginecológico e retal; 2. Radiografia de tórax; 3. Cistoscopia – casos suspeitos de infiltração uretral; 4. Anuscopia – casos suspeitos de infiltração anal; 5. Tomografias de abdome e pelve; 6. Ressonância magnética de pelve – o mais específico. Quadro 17.1 – Estadiamento Quadro 17.2 - Estadiamento TNM É preciso lembrar que essa classificação deve ser aplicada apenas a tumores primários de vulva, sendo os linfonodos inguinais considerados comprometimento regional, e os pélvicos, metástases a distância. O fator prognóstico mais importante no câncer de vulva é o status dos linfonodos inguinais e suas variáveis, e a principal delas é o número de linfonodos acometidos. Outras características dos linfonodos inguinais, se comprometidos, merecem considerações: 1. Acometimento bilateral; 2. Tamanho das metástases no interior dos linfonodos; 3. Porcentagem de substituição nodal; 4. Extensão extracapsular do acometimento; 5. Status clínico dos linfonodos; 6. Resposta imune nodal; 7. Localização da metástase dentro do linfonodo. Destacam-se, como outros fatores prognósticos do carcinoma de vulva, além do próprio estadiamento da doença, o tipo e o grau de diferenciação histológica do tumor, assim como a invasão linfovascular. Figura 17.5 – Ia Figura 17.6 – Ib Figura 17.7 – II Figura 17.8 – III Figura 17.9 – Ivb Tratamento Antes do tratamento propriamente dito, algumas investigações devem ser feitas. Por serem as mais acometidas, as mulheres de idade mais avançada necessitam de minuciosa investigação clínica de comorbidades. Sabe-se que a concomitância entre o câncer de vulva e o de colo é frequente, logo um exame criterioso do colo é imperativo, uma vez que a paciente com o primeiro tem maior probabilidade de apresentar o segundo, e vice-versa; entretanto, epidemiologicamente, as idades de pico de incidência dessas duas modalidades de neoplasia genital feminina são bastante diferentes. No auge da incidência do câncer de vulva, na sétima década de vida, a probabilidade de câncer de colo uterino cai para menos de 1 quinto da incidência máxima em torno da terceira e da quarta décadas. Já o câncer de vulva é uma neoplasia rara, que corresponde a menos de 1% das neoplasias malignas da mulher e é responsável por 3 a 7% das neoplasias malignas genitais femininas, com incidência global estimada de dois casos por 100.000 mulheres/ano. Além disso, apresenta maior incidência entre mulheres ≥ 70 anos: 20 casos por 100.000 mulheres/ano, portanto 10 vezes maior nessa faixa etária. A cistoscopia, a urografia excretora, a colonoscopia e a retossigmoidoscopia estão indicadas só quando o tumor é localmente avançado e há suspeita de comprometimento desses órgãos. No caso da neoplasia intraepitelial vulvar, o tratamento pode ser realizado por meio de cirurgia convencional, que visa excisar completamente a lesão, mantendo margem simples de 1 cm. Em alguns casos, quando as lesões são muito extensas, a vulvectomia simples está indicada. A excisão ampla a frio é o tratamento cirúrgico preferencial, pois permite a avaliação microscópica e das margens. Também se pode utilizar a ressecção com laser, técnica ambulatorial que preserva a estrutura anatômica e a função sem interferir no resultado. O uso de imiquimode creme a 5% deve ser recomendado a pacientes com a forma indiferenciada, uma vez que induz a resposta imunológica e mantém a estrutura anatômica da vulva. O tratamento clássico do carcinoma de vulva, idealizado por Taussig em 1940 e Way em 1948, consiste na vulvectomia radical, com linfadenectomia inguinofemoral bilateral realizada mediante excisão em bloco. Essa cirurgia envolve a exérese radical de toda a vulva, monte pubiano, linfonodos inguinofemorais e, frequentemente, linfonodos pélvicos. Dessa forma, gera-se grande perda tecidual e, consequentemente, um defeito que é, em geral, suturado sob tensão, acarretando altas taxas de deiscência, infecção de sítio operatório, deformidades estéticas e funcionais e cicatrização viciosa da região genital. Por isso, o tratamento do câncer de vulva tem passado por evolução que customiza a cirurgia de acordo com a extensão da doença locorregional. Além dessas intercorrências, outros potenciais problemas podem ser gerados pela abordagem clássica, como incontinências fecal e urinária, prolapso vaginal e supertratamento de câncer incipiente. Assim, algumas modificações foram feitas a fim de tornar o tratamento cirúrgico mais conservador e menos mutilante. Tem-se discutido a biópsia de linfonodo-sentinela em casos selecionados, visando prevenir uma linfadenectomia inguinofemoral bilateral de rotina, e suas complicações. Dessa forma, pesquisa-se e faz-se a biópsia do linfonodosentinela, e, caso o resultado seja negativo, preconiza-se a vulvectomia anteriormente descrita sem linfadenectomia das cadeias inguinal e femoral. Os critérios de inclusão atualmente mais aceitos para essa conduta são: lesão única com maior diâmetro < 4 cm e ausência de linfonodos inguinais/regionais suspeitos no exame clínico. Os linfonodos abordados no câncer de vulva são os inguinofemorais. Todavia, quando existem tumores de localização próxima ao clitóris pode-se ter chance de metástases para linfonodos intrapélvicos. Opções cirúrgicas: 1. Excisão simples: consiste na remoção da pele acometida e no tecido subcutâneo com 1 cm de margem. É indicada para lesões precursoras, como neoplasia escamosa de alto grau; 2. Excisão local ampliada ou profunda: consiste na retirada da vulva em toda a sua espessura no local acometido. É indicada para lesões como os cânceres in situ e microinvasor; 3. Vulvectomia simples parcial: compreende a retirada da pele e do tecido subcutâneo com margem maior do que 2 cm. É indicada nos cânceres in situ e microinvasor; 4. Vulvectomia superficial: consiste na retirada da pele e na preservação do subcutâneo. É indicada na neoplasia escamosa de alto grau multicêntrica; 5. Vulvectomia parcial profunda: compreende a retirada da vulva em toda a sua espessura no local acometido e suas margens. Está indicada nos cânceres invasores, pequenos, unilaterais e distantes da linha média; 6. Vulvectomia total profunda: consiste na retirada de toda a vulva. Está indicada nos grandes tumores centrais. Tratamento dos linfonodos inguinais: 1. Linfadenectomia seletiva: somente linfonodos suspeitos são retirados, ou procede- se à retirada do linfonodo-sentinela; 2. Linfadenectomia não seletiva: são retirados todos os linfonodos inguinais com maior volume; 3. Linfadenectomia inguinal: inclui todos os linfonodos ao longo do ligamento inguinal; 4. Linfadenectomia inguinofemoral total: quando há a remoção de todos os linfonodos, incluindo os femorais profundos; 5. Linfadenectomia pélvica: é realizada quando há suspeita de doença intrapélvica. As remoções também podemser feitas de forma seletiva, não seletiva ou total. A abordagem dos linfonodos é realizada nos tumores que invadem mais do que 1 mm de profundidade, pois estes se apresentam com maior probabilidade de acometimento linfonodal. A abordagem preconizada é a de múltiplas incisões – vulvar e inguinais separadas –, para evitar recidivas por pontes teciduais, e também por favorecer o melhor fechamento. Como vimos, o tratamento do câncer de vulva é eminentemente cirúrgico, tendo as técnicas sofrido inúmeras modificações ao longo do tempo. A radioterapia idealmente associada à quimioterapia tem papel importante no tratamento, podendo ser utilizadas em determinadas situações antes da cirurgia (neoadjuvante) ou após (adjuvante). Atualmente, em casos de tumores localmente avançados, prefere-se o tratamento radioterápico e o quimioterápico neoadjuvante, com a proposta de diminuir o volume tumoral e possibilitar cirurgias mais conservadoras. A radioterapia e a quimioterapia adjuvante estão indicadas nos casos apresentados a seguir, a fim de diminuir as taxas de recidivas após o tratamento cirúrgico. Indicações de radioterapia e quimioterapia 1. Presença de mais de três micrometástases ou uma macrometástase (> 10 mm) linfonodal; 2. Evidência de tumor com extensão linfonodal extracapsular; 3. Margens de ressecção cirúrgica mínima (< 7 mm) ou mesmo comprometidas; 4. Tumores volumosos (> 4 cm); 5. Tumores pouco diferenciados (G3) ou com invasão linfovascular. É comum a interrupção do tratamento devido à vulvite, cistite e retite actínicas. A possibilidade de tratamento complementar com a radioterapia, neoadjuvante ou adjuvante, e a quimioterapia neoadjuvante estimula as pesquisas e as tentativas de realização de tratamentos cirúrgicos mais conservadores, principalmente nos estágios mais avançados. Prognóstico e Seguimento O seguimento dos indivíduos tratados de câncer escamoso de vulva deve ser rigoroso. Preconizam-se retornos trimestrais nos primeiros 2 anos e semestrais até o quinto ano após o tratamento. Esse seguimento é feito em ambulatório com o exame clínico e vulvoscópico periódico. Influenciam o prognóstico da doença a histologia do tumor, a idade da paciente, o estádio da doença, o grau histológico, o comprometimento linfonodal e as comorbidades presentes. O câncer escamoso de vulva é uma doença prevenível, se identificada em sua fase precursora, e tratável, com melhores prognóstico e terapêutica quanto mais precoce for o seu diagnóstico. Quadro 17.3 - Estadiamento e tratamento QUESTÃO 1: Qual é o principal sintoma do câncer de vulva? O câncer de vulva é uma neoplasia rara, mais frequente em pacientes pós-menopausa. O principal sintoma associado à neoplasia vulvar é o prurido crônico e de longa data. O prurido com ou sem lesão associada é frequente. O diagnóstico definitivo é a biópsia do achado suspeito com anestesia local.