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UNIP - UNIVERSIDADE PAULISTA CAMPUS ANCHIETA CURSO DE PSICOLOGIA ANÁLISE DO FILME 12 HOMENS E UMA SENTENÇA NA PERSPECTIVA DE SCHUTZ SÃO PAULO 2022 2 1. INTRODUÇÃO O objetivo geral deste trabalho é realizar uma análise do filme “Doze homens e uma sentença” lançado em 1957 sob a direção de Sidney Lumet. Para a eventual realização do estudo, utilizaremos a teoria das Necessidades Interpessoais proposta pelo psicólogo americano William Carl Schutz. A teoria de Schutz é de extrema importância para os estudos sobre dinâmica de grupo, uma vez que, segundo suas pesquisas, um indivíduo somente se sentirá integrado a um grupo se tiver suas necessidades de inclusão, controle e afeição saciadas como membro. O conhecimento de tal fato é, então, importante para que se possa compreender o funcionamento dos membros enquanto grupo e assim, impulsioná-los a fim da realização de sua tarefa na íntegra. Para obtenção dos resultados de nossa pesquisa, todos os integrantes assistiram a exibição do filme e realizaram as leituras dos textos principais acerca do autor para realizar a correlação da abordagem teórica à obra cinematográfica. 3 2. ABORDAGEM TEÓRICA William Carl Schultz foi um psicanalista que explorou a análise dinâmica dos grupos de trabalho, desenvolveu teorias e instrumentos de avaliação para as relações interpessoais, ministrou ainda aulas na faculdade de Harvard. O resultado de seus estudos culminou no seu livro publicado em 1958, onde argumenta sobre sua teoria de comportamentos interpessoais. (MAILHIOT, 1991.) De forma precisa, Schutz aborda nessa teoria a sua tese de que existe uma correspondência entre a forma que trabalha um grupo e a satisfação dos membros, a qual chamou de “necessidades interpessoais”. Essas necessidades são inerentes a todos os grupos e somente podem ser satisfeitas por meio de ações realizadas no contexto grupal. (MAILHIOT, 1991.) O autor concede muita atenção a essas necessidades visto que, segundo ele, é somente quando estão satisfeitas que o grupo poderá finalmente integrar-se. Quando criança depende quase que inteiramente de outros para atender suas necessidades fundamentais; quando adulto, embora se liberte de certas dependências próprias da infância, continua precisando dos outros para a satisfação de muitas outras necessidades. (MANCUSSI; FARO, 1990, p. Schutz qualifica então três grandes necessidades interpessoais que surgem com a formação de um grupo. A primeira é definida de inclusão, se referindo à vontade do sujeito, ao entrar em um novo grupo, de se sentir aceito e valorizado. Para verificar a satisfação de tal vontade, o membro do grupo irá procurar por evidências de sua integração. (MAILHIOT, 1991.) Sendo assim, o sujeito irá examinar se realmente não está sendo excluído ou ignorado pelo restante dos membros. Schutz ressalta que o sujeito irá ponderar essa necessidade principalmente nos momentos nos quais se realizam tomadas de decisões. Por conta da valorização desta etapa, os membros do grupo procuram 4 estabelecer uma participação ativa e possuírem um status positivo frente ao restante dos membros. (MAILHIOT, 1991, p. 67) Entretanto, Schutz ainda acrescenta em seus estudos que, frente a tais necessidades, os indivíduos podem assumir diferentes posturas para satisfazê-las de acordo com seu grau de maturidade social. Ao que concerne a primeira necessidade, o autor elenca três possíveis atitudes do sujeito. A primeira delas é intitulada de “Dependência” e é caracterizada pelos membros menos socializados e vistos até mesmo como infantis; esses sujeitos tendem a adquirir uma postura de dependência para com os membros mais privilegiados do grupo na tentativa de se integrarem. (MAILHIOT, 1991, p. 67) A segunda atitude é denominada "Contra-dependência" e é frequentemente observada em situações nas quais os sujeitos compelem ao grupo sua aceitação, realizando-a de maneira forçada e incisiva, podendo ser lidos como socialmente infantis devido ao curso de suas ações. E por fim, a terceira e última atitude concernente à necessidade de inclusão é nomeada de “Interdependência” considerada a mais adequada a ser realizada pelos membros mais socializados do grupo. Refere-se ao posicionamento de autonomia e interdependência, levando a uma satisfação apropriada da necessidade de inclusão. (MAILHIOT, 1991, p. 67) Finalizada a exposição da primeira tópica e suas referidas atitudes, o autor volta-se para a segunda necessidade, chamada de controle. Ela se refere à vontade de cada membro em definir suas próprias responsabilidades e também as de cada outro membro, referentes àquilo que constitui a estrutura do grupo. Todos os constituintes desejam perceber que a dinâmica do grupo não lhe escapa o controle. As atitudes para a satisfação dessa vontade podem variar do vultoso desejo de poder até a isenção total das responsabilidades. (MANCUSSI; FARO, 1990.) A primeira atitude se refere aqueles indivíduos que se exoneram de qualquer responsabilidade possível perante as tarefas do grupo, se submetendo aos outros 5 membros. Essa atitude é considerada por Schutz como “Abdicadora”, geralmente regida pelo poder carismático que o sujeito possui. A segunda atitude se refere aos que se sentem rejeitados e mantidos à margem do grupo; estes, para terem suas necessidades satisfeitas, adotam posições de cobiça ao poder e ao controle do grupo. Essa atitude é chamada de “Autocrata”. (MANCUSSI; FARO, 1990.) Por fim, a última atitude é batizada “Democrática” e é considerada ideal. Ela é tomada pelos indivíduos mais socializados, que pensam as responsabilidades do grupo em termos de controle compartilhado. Nesse funcionamento, cada membro teria uma parcela de responsabilidade na elaboração da tarefa. A terceira e última necessidade é nomeada de Necessidade de afeição e consiste na procura do sujeito por indícios de sua aprovação total pelo restante do grupo. O membro quando movido por essa necessidade almeja ser percebido como insubstituível, estimado por sua competência, recursos e como pessoa humana (MAILHIOT, 1991, P. 84) Ao buscarem satisfazer esta terceira necessidade, os constituintes do grupo podem adotar atitudes infantis e pouco socializadas, esperando apenas receber afeto do próximo; atitudes como essa são designadas pelo autor de Hiperpessoais. Já uma segunda atitude, qualificada por sua vez como Hipopessoal, se refere aos membros que apresentam indiferença e desprezo frente aos outros colegas, a fim de camuflar a necessidade de afeto. (MAILHIOT, 1991, p. 85) A última atitude preconizada é a mais adequada, sendo intitulada Interpessoal. Ela se refere aos membros mais condescendentes e socializados, que buscam estabelecer bons vínculos onde são capazes de dar e receber afeto da mesma forma. (MAILHIOT, 1991). 6 3. ANÁLISE DO FILME E CORRELAÇÃO COM ABORDAGEM TEÓRICA O filme apresenta 12 homens participantes de um júri, eleitos para decidir acerca do julgamento de um rapaz que foi acusado de assassinar o pai a facadas. A resolução deste impasse poderá levar o garoto a liberdade ou a pena de morte. Os participantes do júri são levados para um aposento, onde terão a oportunidade de discutir a respeito do caso, assim como averiguar as provas do crime. Entretanto, para que possam tomar um veredito no que concerne o caso, a decisão deve ser unânime, ou seja, todos os membros deverão estar de acordo com a resolução do caso. A elaboração do panorama desta obra cinematográfica, permite que averiguemos a teoria das necessidades interpessoais proposta por Schutz por meio de diversas condutas dos personagens apresentados no filme. Os integrantes do júri possuíam perspectivas diferentes uns dos outros, ponto este que foi propiciador de diversos conflitos ao longo da narrativa. No momento inicial todos pareciam estar de acordo com a decisão da condenação do réu. Entretanto, essa posição muda quando um dos jurados discorda da decisão e a reunião adquire uma tonalidade de estressee comoção. Durante toda a sessão, cada membro do grupo procura estabelecer seu lugar através de tentativas de definir para si mesmo e aos outros a sua posição frente às responsabilidades do grupo; além dos limites de sua participação. Tal movimento verificado pelo comportamento dos membros é caracterizado pela necessidade de controle. Ainda partindo das características que emergem desta necessidade, é possível ver no grupo a carência de um líder que os direcionasse para o cumprimento da tarefa; esse encargo é naturalmente assumido pelo jurado número 01, que assume desde os primeiros instantes a organização do grupo. Como exemplo disso, tal integrante sempre é o responsável por organizar as votações e por pedir aos seguranças da porta acesso às evidências do crime. 7 Vale acrescentar que em determinados momentos, alguns membros até chegam a questionar o sentido dos manejos propostos pelo jurado número 01, mas ninguém se propõe a assumir juntamente a responsabilidade acerca da situação. Encontrado os seus papéis no funcionamento do grupo, cada integrante passa a interessar-se da sua maneira pelos procedimentos de distribuição do poder e o controle das atividades dos outros. Isso é fortemente verificado nas diversas ocasiões onde alguns jurados se revoltam contra os outros quando estes tentam fazer uma nova votação ou pedir a verificação de evidências. (SCHUTZ, apud FRITZEN, 1994). Ainda no que se refere à tomada de controle, é muito notado que a grande maioria dos membros apresenta uma atitude abdicadora. Esses sujeitos em específico não parecem se importar com o peso da decisão que precisam tomar, e demonstram sempre mais preocupação em ir embora para casa e dialogarem acerca dos mais diversos assuntos como se estivessem em um evento descontraído. Essa postura adquirida por parte dos membros é geradora de diversos conflitos ao longo da narrativa. Como exemplo, alguns personagens se posicionaram dessa maneira ao início da discussão quando o líder questiona o motivo que os levaram a votar pela condenação do réu, e o integrante número 5 diz querer passar sua vez, abdicando assim do seu poder de decisão. Temos também os jurados 11 e 12, que em diversos momentos conversam sobre seus empregos, jogam jogo da velha e até chegam a colocar os pés sobre a mesa da sala. Ambos personagens se eximem da necessidade de assumir a responsabilidade pela tomada de qualquer decisão. No momento da primeira votação, a necessidade de inclusão é satisfeita pelo grupo. Isso se deve ao fato que nesse ensejo, todos se percebem como participantes integrais no grupo. Schutz afirma: Um membro sente-se definitivamente incluído no grupo ao se perceber como um participante integral de cada uma das fases do processo de tomada de decisão. Esta necessidade é, portanto, a expressão do desejo que experimenta todo membro de um grupo de possuir um status positivo e 8 permanente no interior do grupo, em não se sentir em nenhum momento marginalizado pelo grupo. (MAILHIOT, 1991, P. 67) Um personagem próximo ao líder que apresenta atitudes no plano da inclusão que valem a pena ser referenciadas é o integrante número 2. Em algumas cenas podemos ver alguns dos jurados fazendo brincadeiras que são repreendidas pelo membro, que alega que os outros não devem realizar aqueles comentários. Ao falar isso, ele olha prontamente para o jurado número 01 (o líder até então) em busca de aprovação de suas ordens, mas é ignorado. Assim, por meio dessa cena retirada da obra, podemos perceber a atitude de dependência do sujeito frente ao membro mais socializado, nesse caso o jurado número 01. Com a contra argumentação tecida pela jurado número 8, há uma condução da trama, que provoca nos demais jurados uma dúvida. Alguns resistem fortemente, porém, o debate segue fervorosamente no grupo; o envolvimento dos integrantes acontece e aos poucos vão surgindo dúvidas e questionamentos acerca de possíveis falhas na investigação. Periodicamente vão acontecendo votações e a cada votação novos jurados vão mudando suas concepções. Assim, um personagem muito marcante na narrativa do filme é Davis. O rapaz pondera diversas vezes que não sabe se o garoto é inocente, mas conta que se ateve a cada evidência apresentada no julgamento e estranhou como se encaixavam perfeitamente para a sua condenação. Ele não se contenta em aceitar como verdade apenas o que lhe foi apresentado. Poderíamos dizer então, que no âmbito dos 3 níveis de necessidades, Davis apresenta atitudes qualificadas como de Interdependência, Democrática e Interpessoal, ou seja, possui maturidade social para lidar com os conflitos do grupo e com as opiniões sobre ele; aceita os afetos e consegue demonstrar o que sente e pensa para os outros membros de forma clara. Por fim, se importa com a opinião dos membros e deseja chegar a uma decisão onde todos fiquem satisfeitos. No ensejo de todas essas discussões, é possível verificar em diversas cenas questões pessoais dos integrantes que emergem e interagem com a discussão. Frente a isso, o grupo se desorganiza e a situação criada encontra-se cada vez mais carregada de emoções que influenciam fortemente os integrantes do júri. Mais 9 uma vez nesses momentos, o líder informal do grupo, jurado número 01, emerge a fim de convencer os demais membros a se acalmarem e continuarem rumo a finalizar a sessão. O jurado número 9, aparentemente o mais velho do grupo, é o primeiro a mudar seu posicionamento durante essa votação. O membro admite que é difícil estar contra a maioria e mesmo acreditando que o garoto é culpado, diz que deseja ouvir mais argumentos que comprovem tal fato. Ele foi responsável pelas observações mais singulares das evidências, não descartando os possíveis erros de interpretação da história. Sua contribuição iniciou uma virada na situação e foi decisiva contra a argumentação do antagonista, que possuía argumentos até então sólidos. O personagem assume atitudes que salientam sua postura democrática e interpessoal. Após todas as reviravoltas, os integrantes do grupo optaram pela votação unânime para declarar o jovem como inocente. Nesse momento o grupo finalmente atinge a satisfação da necessidade de afeição, apresentando maturidade para lidar com as diferenças individuais, os momentos de choque de opinião etc, mostrando ser capaz de se integrar e realizar a tarefa. Na realização dessa necessidade, segundo Schutz, emergem sentimentos recíprocos de se sentir amado; os membros começam a buscar integração emocional. Tal fato é perceptível, visto que a partir do momento em que os integrantes foram ficando próximos à decisão final, o clima de conflitos interpessoais foi diminuindo e os membros começaram a trocar entre os que já haviam concordado maior harmonia. (SCHUTZ, apud FRITZEN, 1994). Com a finalização da tarefa, o resultado foi uma aprendizagem que levou a um clima afetuoso, propiciando a satisfação das necessidades interpessoais de todos os membros. 10 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da diligência deste trabalho, foi realizada uma analogia entre o filme “Doze homens e uma sentença” lançado em 1957 e a teorias das necessidades interpessoais de William Carl Schutz. Podemos afirmar que a obra cinematográfica é uma interessante representação da dinâmica de um grupo e seus indivíduos. Por meio de um estudo aprofundado foi possível criar uma correlação dos personagens e cenas do filme com a obra postulada de Schutz. Assim, a realização da pesquisa nos possibilitou compreender com clareza a aplicação e diligência dos conteúdos vistos na prática cotidiana. Esperamos que por fim tenhamos atingido nosso propósito com este trabalho. 11 5. REFERÊNCIAS 12 Homens e Uma Sentença. Direção de Sidney Lumet. Estados Unidos, United Artists, 1957 (1h 35min). Disponível em: <https://ok.ru/video/889885887095>. Acesso em: 29 abr. 2022. FRITZEN, S, J. Relações Humanas Interpessoais. 4ª Edição. Petrópolis: Vozes, 1994. MAILHIOT, G. B. Comunicação humanae relações interpessoais. Dinâmica e Gênese dos Grupos. São Paulo: Duas Cidades, 1991. p. 77 - 109. MANCUSSI, A. C; FARO, A.C.M. Considerações Sobre a Necessidade do Homem Agregar-se e Suas Relações no Grupo. Rev. Eso. Enf. USP, São Paulo.p. 131-137, 1990. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/reeusp/a/4XNNsLmQQWZsnhcqXqzjcmg/?lang=pt&format=p df>. Acesso em: 30 abr. 2022.