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O Referencial curricular nacional para a educação infantil no contexto das reformas

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326 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A
 EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DAS REFORMAS *
ANA BEATRIZ CERISARA**
RESUMO: Este artigo tem por objetivo refletir sobre o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil no contexto das políticas
públicas para educação infantil do Governo Fernando Henrique
Cardoso. Inicia com uma análise das reformas educacionais imple-
mentadas na área da educação infantil, com base em legislações,
pareceres, resoluções e documentos encaminhados pelo MEC desde a LDB
nº 9.394/96 enfatizando aspectos relativos ao financiamento para a
educação infantil e à formação de suas professoras. Em seguida, retoma
o debate em torno do Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil situando-o como mais uma ação do governo no contexto das
reformas em andamento e, por último, apresenta algumas das tendências
e utopias que têm inspirado os educadores da área.
Palavras-chave:Educação Infantil. Política e educação. Educação da
criança de 0 a 6 anos. Legislação.
THE BRAZILIAN CURRICULAR DIRECTIVES FOR CHILDHOOD EDUCATION
IN THE CONTEXT OF THE BRAZILIAN EDUCATIONAL REFORM
ABSTRACT: This paper is aimed at reflecting upon the Brazilian
Curriculum Directives for Childhood Education in the context of the
childhood education policies under Fernando Henrique Cardoso’s
administration. It begins with an analysis of the educational reforms
implemented in the field of childhood education, based on the
legislation, reports, resolutions and documents issued by the Department
of Education (MEC) since the LDB (Brazilian Education Basic Tenets Law)
9.394/96 measure, with an emphasis on the factors related to financing
childhood education and teacher training. The text then analyzes the
* Agradeço ao professor João Josué da Silva Filho, à professora Déborah Tomé Sayão e à
professora Ana Lúcia Goulart de Faria, que carinhosamente leram versões deste artigo e
fizeram preciosas sugestões.
** Professora do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação de 0 a 6 anos –
NEE0A6/UFSC (www.ced.ufsc.br/~nee0a6). E-mail: anabea@ced.ufsc.br
327Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
R
debate about the Brazilian Curriculum Directives for Childhood
Education in the context of the on-going reforms. It eventually pinpoints
some of the trends and utopias that have inspired educators in this field.
Key words: Childhood education. Policies and education.
Education for children aged 0-6 years. Legislation.
efletir sobre o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil no contexto das políticas públicas para educação
infantil do Governo Fernando Henrique Cardoso é o objetivo
deste artigo. Inicialmente, faço uma análise das reformas educacionais
implementadas na área da educação infantil pelo governo FHC na última
década, enfatizando aspectos relativos ao financiamento para a
educação infantil e à formação de suas professoras.1 Em seguida,
retomo o debate em torno do Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil situando-o no contexto das reformas em andamento
e, por último, apresento algumas das tendências e utopias que têm
orientado os educadores da área.
As reformas educacionais brasileiras e a educação infantil
Atualmente, falar em educação infantil no Brasil implica fazer uma
retrospectiva desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, do
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996. Isso porque foi a partir
das deliberações encaminhadas nessas duas leis e das suas conseqüências
para a área que os desafios e as perspectivas têm sido colocados.
Para fazer uma análise das definições estabelecidas na LDB nº
9.394/96 com relação à educação infantil recorro a Saviani, que
indica que esta deve ser analisada tanto do ponto de vista dos
objetivos proclamados quanto dos objetivos reais, uma vez que os
primeiros indicam as finalidades gerais e amplas e, os segundos, os
alvos concretos das ações:
Enquanto os objetivos proclamados se situam num plano ideal onde o
consenso e a convergência de interesses é sempre possível, os objetivos reais
situam-se num plano onde se defrontam interesses divergentes e por vezes
antagônicos, determinando o curso da ação as forças que controlam o
processo. (Saviani, 1997, p. 190)
Isso porque o percurso que foi da gestação do projeto inicial
até a aprovação final2 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
328 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Nacional nº 9.394/96 significou sete anos de embates políticos entre
diferentes concepções, sendo que a versão final da LDB revela plena
sintonia com os princípios do projeto neoliberal3 de reformas do
papel do Estado e do Poder Público.
Vale destacar que a LDB foi construída tendo por base a
Constituição de 1988 que reconheceu como direito da criança
pequena o acesso à educação infantil – em creches e pré-escolas. Essa
lei colocou a criança no lugar de sujeito de direitos em vez de tratá-
la, como ocorria nas leis anteriores a esta, como objeto de tutela.
Nesta mesma direção, a LDB também pela primeira vez na história
das legislações brasileiras proclamou a educação infantil como direito
das crianças de 0 a 6 anos e dever do Estado. Ou seja, todas as
famílias que optarem por partilhar com o Estado a educação e o
cuidado de seus filhos deverão ser contempladas com vagas em
creches e pré-escolas públicas.
Outro objetivo proclamado é o de que estas instituições de
educação infantil (creches e pré-escolas) deverão fazer parte da
educação básica, junto com o ensino fundamental e o ensino médio,
em vez de permanecerem ligadas às secretarias de assistência social.
Na passagem das creches para as secretarias de educação dos
municípios está articulada a compreensão de que as instituições de
educação infantil têm por função educar e cuidar4 de forma
indissociável e complementar das crianças de 0 a 6 anos. A crítica
em relação às propostas de trabalho com as crianças pequenas, que
se dicotomizavam entre educar e assistir, levou à busca da sua
superação em direção a uma proposta menos discriminadora, que
viesse atender às especificidades que o trabalho com crianças de 0 a
6 anos exige na atual conjuntura social – de educar e cuidar –, sem
que houvesse uma hierarquização do trabalho a ser realizado, seja
pela faixa etária (0 a 3 anos ou 3 a 6 anos), ou ainda pelo tempo de
atendimento na instituição (parcial ou integral), seja pelo nome dado
à instituição (creches ou pré-escolas).
Essa compreensão da especificidade do caráter educativo das
instituições de educação infantil não é natural, mas historicamente
construída uma vez que ocorreu a partir de vários movimentos em
torno da mulher, da criança e do adolescente por parte de diferentes
segmentos da sociedade civil organizada e dos educadores e pesqui-
sadores da área em razão das grandes transformações sofridas pela
sociedade em geral e pela família em especial, nos centros urbanos,
com a entrada das mulheres no mercado de trabalho.5
329Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Neste sentido, pode-se dizer que a versão final da LDB incor-
porou na forma de objetivo proclamado as discussões da área em
torno da compreensão de que trazer essas instituições para a área da
educação seria uma forma de avançar na busca de um trabalho com
um caráter educativo-pedagógico6 adequado às especificidades das
crianças de 0 a 6 anos, além de possibilitar que as profissionais que
com elas trabalham viessem a ser professoras com direito a formaçãotanto inicial quanto em serviço e a valorização em termos de seleção,
contratação, estatuto, piso salarial, benefícios, entre outros.
Com relação às profissionais da educação infantil, a lei pro-
clama ainda que todas deverão até o final da década da educação ter
formação em nível superior, podendo ser aceita formação em nível
médio, na modalidade normal. Ou seja, até o ano de 2007 todas as
profissionais que atuam diretamente com crianças em creches e pré-
escolas, sejam elas denominadas auxiliares de sala, pajens, auxiliares
do desenvolvimento infantil, ou tenham qualquer outra deno-
minação, passarão a ser consideradas professoras e deverão ter forma-
ção específica na área. É importante ressaltar o desafio que esta deli-
beração coloca uma vez que muitas dessas profissionais não possuem
sequer o ensino fundamental.
Quanto ao locus dessa formação, a LDB define que esta se dará
em cursos de licenciatura, de graduação plena em universidades e
em institutos superiores de educação. Vale destacar que foi essa lei
que criou a figura dos institutos superiores de educação e dos cursos
normais Superiores. Se, por um lado, esta deliberação sobre a
necessidade de formação específica em nível superior das professoras
de educação infantil pode ser vista como um avanço na direção da
profissionalização da área, por outro, a criação dos institutos supe-
riores de educação revela que este avanço é relativo tal como veremos
na continuidade deste texto.
Diante desses objetivos proclamados, tanto em relação às
instituições de educação infantil quanto à formação das professoras,
todos contemplando o que tem sido produzido e proposto por
pesquisadores brasileiros, algumas perguntas surgem: Como fazer
para implantar todas essas medidas? A quem caberia a tarefa? De onde
sairá o financiamento? Como será feito?
Para responder a estas questões e melhor compreender todo o
processo em discussão é preciso fazer um movimento dos objetivos
proclamados aos objetivos reais presentes na LDB e nas regula-
mentações legais dela decorrentes. De acordo com Saviani,
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O ministério da educação, em lugar de formular para a área uma política
global, enunciando claramente as suas diretrizes assim como as formas de
sua implementação (...) preferiu esvaziar aquele projeto (de LDB) optando
por um texto inócuo e genérico, uma LDB “minimalista” na expressão de
Luiz Antonio Cunha (...). Certamente essa via foi escolhida para afastar as
pressões das forças organizadas que atuavam junto ou sobre o Parlamento
de modo a deixar o caminho livre para a apresentação e aprovação de
reformas pontuais, tópicas, localizadas (...). (1997, p. 200)
Neste sentido, vou me deter na análise de algumas reformas
pontuais formuladas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso por
intermédio do Conselho Nacional de Educação, na forma de portarias,
pareceres, decretos e documentos com ênfase em dois aspectos: o
financiamento para a educação infantil e a formação de suas professoras.
Financiamento para a educação infantil
Com relação ao financiamento para a educação infantil a LDB é
omissa. Não há nenhuma indicação a respeito do financiamento
necessário para a concretização dos objetivos proclamados em relação
às instituições de educação infantil. Neste sentido, pode-se dizer que,
naquilo que é essencial, a educação infantil foi marginalizada, isso
porque sem recursos é impossível realizar o que foi proclamado tanto
no que diz respeito à transferência das instituições de educação infantil
das secretarias de assistência para as secretarias de educação, como em
relação à redefinição do caráter pedagógico de creches e pré-escolas já
vinculadas às secretarias de educação.7 O mesmo se pode dizer com
relação à formação das professoras que já atuam na área.
Se a LDB já era omissa em relação ao financiamento para a
educação infantil, com a Emenda Constitucional nº 14, regula-
mentada pela Lei nº 9.424/96, que criou o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério8 (FUNDEF), o governo explicita os objetivos reais que
sustentam a sua proposta para a educação infantil, pois define ali
que os municípios se responsabilizarão pela aplicação de um grande
porcentual do seu orçamento no ensino fundamental, ficando a
educação infantil sem nenhuma garantia de verbas destinadas a ela,
dependendo da política educacional de municípios e estados. Diante
dessa lei complementar fica explicitado que na atual legislação
brasileira nenhuma instância tem como prioridade atender a educação
infantil já que à União ficou o ensino superior, aos estados, o ensino
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médio e aos municípios, o ensino fundamental. Ou seja, a legislação
insinua uma parceria entre municípios, estado e governo federal que
acaba por diluir as responsabilidades em relação à educação infantil.
Tanto esse encaminhamento é real que, em julho de 2000, o
governo federal apresenta a Portaria nº 2.854, da Secretaria da
Assistência Social. Qual o teor dessa portaria? Indicar que, enquanto
o atendimento às crianças pequenas não for de responsabilidade das
secretarias de educação (e sem financiamento não será nunca!), os
programas de assistência social permanecerão recebendo financiamento
para manutenção desse atendimento. Ou seja, fica evidente que, apesar
de a LDB proclamar que a educação infantil faz parte da educação básica,
os recursos necessários para implantação de uma “pedagogia da
educação infantil” nas instituições educativas continuarão na assistência
social, cujo trabalho tem historicamente, no Brasil, se baseado em uma
“concepção assistencialista” de atendimento.
Além disso, vale destacar que não há nenhuma articulação entre
as ações da assistência social com as da educação. Podemos dizer,
então, que essa portaria trouxe de volta o discurso da educação
compensatória da década de 1970, já amplamente criticado e supe-
rado. Esse é mais um objetivo real das reformas educacionais
implantadas pelo governo brasileiro.
Outro aspecto que é preciso destacar diz respeito ao fato de
que ainda é um objetivo proclamado a defesa do direito de todas as
crianças à educação infantil, já que apenas algumas crianças, filhas
de mulheres trabalhadoras, têm tido acesso a esses serviços. Ou seja,
permanece a concepção de que as vagas nas creches públicas devem
ser preenchidas pelas crianças, cujas mães trabalham fora e ganham
pouco. As vagas, portanto, permanecem apenas como direito das
mulheres trabalhadoras que têm filhos e não das crianças.
A desresponsabilização do Estado em relação à educação
infantil fica evidente e mostra que o que foi preconizado na letra
da lei expressa uma estratégia de negociação típica do movimento
liberal: ceder no discurso e endurecer o jogo quando se trata de
prover as condições de cumprimento do acordado. Contudo, alertas
em relação a essa estratégia de esvaziamento, existe já uma mobili-
zação dos movimentos de educadores9 que defendem uma educação
infantil de qualidade pela criação de um fundo para a educação
básica – FUNDEB – ou para a criação de um fundo específico para a
educação infantil – FUNDEI. Mais uma vez, estão em cena diferentes
projetos de educação e de sociedade, sendo a defesa da educação
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pública, gratuita e de qualidade o que mobiliza segmentos da
sociedade civil, educadores e pesquisadores da área a lutar pelo
financiamento para que o Estado assuma seu dever de oferecer
educação a todas as crianças de 0 a 6 anos cujas famílias queiram
partilhar com ele a tarefa de educar os próprios filhos e de cuidar
destes.
Formação das professoras
Com relação à formação dasprofessoras em geral, várias têm
sido as investidas do governo brasileiro no sentido de implementar
seu projeto de reforma educacional10 por meio de aprovações
pontuais de pareceres e resoluções, além de decretos presidenciais,
uma vez que:
No quadro das políticas educacionais neoliberais e das reformas educativas,
a educação constitui-se em elemento facilitador importante dos processos de
acumulação capitalista e, em decorrência, a formação de professores ganha
importância estratégica para a realização dessas reformas no âmbito da escola
e da educação básica. (Freitas, 1999, p. 18)
Neste sentido é possível fazer-se o mesmo movimento, passan-
do dos objetivos proclamados aos objetivos reais presentes em decretos,
pareceres e resoluções encaminhados após a LDB nº 9.394/96. Uma
das questões mais polêmicas, objeto de diversos encaminhamentos,
refere-se à criação tanto dos institutos superiores de educação, como
do curso normal superior, considerado o locus preferencial para a
formação das professoras de educação infantil e das quatro primeiras
séries do ensino fundamental. Após a proclamação, na LDB, da
necessidade de todas as professoras da educação infantil e do ensino
fundamental possuírem formação específica e em nível superior, nos
demais pareceres11 encaminhados pelo CNE fica evidente que, dentro
do quadro das reformas educacionais propostas pelo governo brasileiro,
essa formação, que historicamente tem sido realizada nos cursos de
pedagogia das universidades, está fortemente ameaçada,12 tendo sido
objeto inclusive de um decreto presidencial,13 que em seu art. 3º,
parágrafo 2º, definiu que “a formação das professoras de educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental far-se-á exclusiva-
mente em cursos normais superiores”. Diante do teor desse decreto
houve ampla mobilização, tendo ocorrido várias manifestações
realizadas pelo movimento em defesa da formação das professoras.
333Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Diante da pressão, o governo editou o Decreto nº 3.554/2000, no
qual a palavra “exclusivamente” foi substituída pela palavra “preferen-
cialmente”.
A gestação dos documentos relativos à formação das professo-
ras tem se dado em meio a embates políticos entre dois projetos
distintos: de um lado, o projeto defendido pelo movimento
organizado dos educadores, que entende a formação como parte da
luta pela valorização e profissionalização do magistério, considera
a universidade como lugar privilegiado para essa formação; defende
uma sólida formação teórica; assume a pesquisa como princípio
formativo e elemento articulador entre teoria e prática e concebe o
professor como intelectual; de outro, o projeto defendido pelo
Conselho Nacional de Educação, que se submete às políticas
neoliberais impostas pelos organismos internacionais com a retirada
da formação das professoras das universidades e propondo uma
formação técnico-profissionalizante com amplas possibilidades de
aligeiramento, sem espaço para uma reflexão profunda sobre os
processos educativos, reduzindo o papel da professora a mera
executora de tarefas pedagógicas e restringindo a concepção de
pesquisa e de produção de conhecimento à esfera do ensino.14
Apesar de ampla discussão e participação dos segmentos que
defendem a educação não como um serviço de satisfação ao cliente
ou uma mercadoria comercializável, mas como um bem público, é
a concepção articulada às reformas educacionais encaminhadas pelo
governo que dá sustentação ao projeto que criou o curso normal
superior para a formação das professoras da educação básica nos
institutos superiores de educação. Senão, vejamos: nessa proposta,
as professoras serão formadas em um curso de 3.200 horas, sendo
que, destas, a aluna egressa do magistério, em nível médio,
descontará 800; caso a aluna atue na educação básica, reduzirá mais
800 horas, ficando o curso com uma formação de 1.600 horas.
Esse encaminhamento tem por base o princípio do aligeira-
mento da formação no seu sentido mais perverso, pois ao invés de
capitalizar a experiência prática da aluna, desafiando-a a aprofundar
a reflexão, entende que esta seja substituível pela vivência,
desarticulando a teoria da prática sob o falacioso argumento de que
quem faz não precisa pensar o fazer. Aliada a isso, a retirada da
formação das professoras da educação básica dos cursos de peda-
gogia nas universidades também significa a separação entre forma-
ção profissional e formação universitária. Entra em cena a discussão
334 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
que diferencia “certificação e treinamento” de “formação”. O que
se pode pensar de um curso a ser encaminhado de forma isolada
da formação de todos os demais profissionais? O que pensar de uma
proposta de curso cuja exigência de formação do corpo docente
aponta para a possibilidade de apenas 20% ter o curso de mestrado,
concedendo que 50% possa ter formação em pedagogia? A redução
do tempo de duração do curso, a pouca exigência do nível de
formação dos professores docentes, o seu isolamento em relação à
formação em nível superior dos demais profissionais nas universi-
dades trarão quais conseqüências? Em uma análise inicial é possível
indicar algumas implicações para as professoras da educação
infantil: preconceitos, baixos salários, poucas expectativas de
profissionalização, baixa identidade do profissional (Kishimoto,
1999, p. 72).
Para a professora de educação infantil existe um outro aspecto
que agrava a situação: a falta de ênfase quanto à especificidade da
professora de educação infantil nos documentos15 e nas resoluções
analisados, como se esta pudesse ter como base a docência nas séries
iniciais do ensino fundamental. Falar em professora de educação
infantil é diferente de falar em professora de séries iniciais e isso
precisa ser explicitado para que as especificidades do trabalho das
professoras com as crianças de 0 a 6 anos em instituições coletivas
públicas de educação e cuidado sejam respeitadas e garantidas. Essa
diferenciação fica bem explicitada nas palavras de Rocha:
Enquanto a escola se coloca como espaço privilegiado para o domínio dos
conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põem sobretudo
com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a
escola tem como sujeito o aluno e como o objeto fundamental o ensino nas
diferentes áreas através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as
relações educativas travadas no espaço de convívio coletivo que tem como
sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade (ou até o momento que entra na
escola). (Rocha, 1999, p. 62)
Em relação à formação das profissionais que hoje atuam com
as crianças pequenas em creches e pré-escolas, vê-se uma avalanche
de cursos chamados emergenciais, em sua grande maioria pagos, e
que são justificados pelo prazo estabelecido pela LDB, de dez anos
desde a sua publicação, para que todas tenham formação específica
em nível superior, podendo ser aceito magistério, em nível médio.
Mais uma vez o governo delega a essas professoras a responsabilidade
335Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
por sua formação, sem assumir como sua a tarefa de fornecer as
condições objetivas para que elas se profissionalizem.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
É dentro do contexto das reformas educacionais em andamento
acima delineadas que pretendo situar o RCNEI como mais uma ação
do Governo FHC. Vale destacar que o RCNEI é um documento
produzido pelo MEC que integra a série de documentos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Se é possível considerar um possível avanço
para a área a existência de um documento que se diz voltado
especificamente para a educação infantil, é precisoverificar até que
ponto ele efetivamente garante a especificidade defendida pelos
educadores da área para o trabalho a ser realizado com meninos e
meninas de 0 a 6 anos em instituições educativas como creches e
pré-escolas. Além disso, é preciso verificar até que ponto ele
contempla o que anuncia.
Importante lembrar que em fevereiro de 1998 a versão prelimi-
nar do documento foi encaminhada a 700 profissionais ligados à área
da educação infantil para que em um mês fosse devolvido ao MEC um
parecer sobre essa versão. Preocupado com o surgimento inesperado
desse documento e com a desarticulação do RCNEI em relação ao
processo que vinha construindo uma Política Nacional para a Educação
Infantil, coordenado por Angela Barreto na COEDI/MEC (1994-1998),
e com as conseqüências que poderia trazer para as crianças brasileiras,
o GT 07 – Educação da Criança de 0 a 6 anos, da ANPEd, em sua XXI
reunião, decidiu debater o assunto tendo como trabalho encomen-
dado16 uma análise dos pareceres17 sobre a versão preliminar do
Referencial Curricular Nacional para a educação infantil. A partir desta
iniciativa, Faria e Palhares (1999) organizaram um livro com o objetivo
de socializar o debate em torno do tema – tanto em relação ao
surgimento do RCNEI, quanto em relação à substituição da professora
Angela Barreto na coordenação da COEDI. Isso se devia ao fato de que
não havia consenso na área sobre a pertinência da elaboração, naquele
momento, de um referencial curricular para a educação infantil, e
muito menos com relação ao afastamento de Angela Barreto da COEDI.
Segundo Faria,
a curta trajetória deste novo direito conquistado (das crianças à educação
infantil) impõe procedimentos criteriosos para a sua inclusão numa política
336 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 326-345
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
integrada e coerente para a infância (...). De repente fomos atropelados com
os Referenciais (...) e com a troca da coordenação da COEDI. (1999, p. 2)
Em outubro de 1998 a versão final do RCNEI foi divulgada sem
que os apelos dos pareceristas por mais tempo para debates e
discussões fossem atendidos. Outro aspecto que merece destaque é
que o RCNEI atropelou também as orientações do próprio MEC, uma
vez que foi publicado antes mesmo que as Diretrizes Curriculares
Nacionais, estas sim mandatórias, fossem aprovadas pelo Conselho
Nacional de Educação. Havia uma urgência por parte do MEC na
divulgação do documento. Segundo Kuhlmann Jr.:
A ampla distribuição de centenas de milhares de exemplares às pessoas que
trabalham com esse nível educacional mostra o poder econômico do MEC e
seus interesses políticos, muito mais voltados para futuros resultados
eleitorais do que preocupados com a triste realidade das nossas crianças e
instituições. (1999, p. 52)
A versão final do RCNEI foi organizada em três volumes: Introdu-
ção; Formação pessoal e social e Conhecimento do mundo. A leitura do
primeiro volume do RCNEI, denominado “Introdução”, permite constatar
um texto bem cuidado esteticamente, com especial destaque às
belíssimas fotografias (que acompanham os três volumes), a maior parte
delas assinadas por Iolanda Huzak, que revelam a diversidade cultural
das crianças brasileiras nem sempre contemplada pelo documento.
Com relação ao conteúdo verificamos a presença de conceitos
importantes para a área, uma vez que têm sido considerados princípios
que permitem avançar na delimitação da especificidade da educação
infantil. São eles, a ênfase em: criança, educar, cuidar, brincar, relações
creche-família, professor de educação infantil, educar crianças com
necessidades especiais, a instituição e o projeto educativo. Fala
ainda em condições internas e externas com destaque para a organiza-
ção do espaço e do tempo, parceria com as famílias, entre outros
aspectos. É preciso destacar ainda que a bibliografia citada contempla
grande parte da produção recente da área.
É possível perceber que a versão final do volume l do RCNEI
pretendeu seguir as indicações feitas pelos pareceristas da versão
preliminar do documento, de ter como referência a criança e não o
ensino fundamental, com ênfase na criança e em seus processos de
constituição como ser humano em diferentes contextos sociais, suas
culturas, suas capacidades intelectuais, artísticas, criativas, expressivas
em vez de articulações institucionais que propõem uma transposição,
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
de cima para baixo, dos chamados conteúdos escolares que acabam
por submeter a creche e a pré-escola a uma configuração tipicamente
escolar.
Uma análise desse volume permite vislumbrar que, em termos
gerais, essas concepções estão presentes na Introdução do RCNEI. Além
de incluir esses que têm sido considerados pela área princípios
orientadores da educação infantil, chama a atenção a aparente
articulação e continuidade dos documentos que vinham sendo
produzidos pela COEDI/MEC (1994-1998). Digo aparente porque, se
há apropriação das concepções presentes nos cadernos da COEDI,18 no
volume l do RCNEI, no item “Organização do Referencial Curricular
Nacional para a educação infantil” (p. 43-61), ele deixa antever uma
concepção de educação infantil muito mais próxima da do ensino
fundamental do que o próprio referencial declara na sua Introdução.
Os dois outros volumes denominados âmbitos de experiência
são: Formação pessoal e social, que contempla os processos de
construção da identidade e autonomia das crianças, e Conhecimento
do mundo, que apresenta seis sub-eixos: música, movimento, artes
visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática.
Esses volumes foram organizados em torno de uma estrutura comum,
na qual são explicitadas as idéias e práticas correntes relacionadas ao
eixo e à criança e aos seguintes componentes curriculares: objetivos,
conteúdos, orientações didáticas, orientações gerais para o professor
e bibliografia. Esta forma de organização e o conteúdo trabalhado
evidenciam uma subordinação ao que é pensado para o ensino
fundamental e acabam por revelar a concepção primeira deste RCNEI,
em que as especificidades das crianças de 0 a 6 anos acabam se
diluindo no documento ao ficarem submetidas à versão escolar de
trabalho. Isso porque a “didatização” de identidade, autonomia,
música, artes, linguagens, movimento, entre outros componentes,
acaba por disciplinar e aprisionar o gesto, a fala, a emoção, o
pensamento, a voz e o corpo das crianças.
É importante ressaltar que a suposta incorporação dos princípios
que têm sido construídos pela área, em busca da especificidade da
educação infantil feita pelo RCNEI, evidencia o alerta feito por
Kuhlmann Jr.:
A caracterização da instituição de educação infantil como lugar de cuidado-e-
educação adquire sentido quando segue a perspectiva de tomar a criança como
ponto de partida para a formulação de propostas pedagógicas. Adotar essa
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caracterização como se fosse um dos jargões do modismo pedagógico esvazia seu
sentido e repõe justamente o oposto do que se pretende. (1999, p. 60)
Neste sentido, a concepção de educação infantil que de fato
orienta os três volumes do RCNEI está distante das concepções
presentes nos documentos publicados pela COEDI de 1994 a 1998 e
que vinham sendo considerados pelas profissionais da área um avanço
no encaminhamento de uma Política Nacional de Educação Infantil.
Em especial o documento e o vídeo denominados “Critérios para um
atendimento em creches e pré-escolas que respeite os direitos
fundamentais das crianças” (MEC, 1995), que apresenta princípios
orientadores para o trabalho em creches e pré-escolas tendo por foco
a criança e seus direitos fundamentais. Longe de se apresentar como
uma “proposta curricular”,esse texto, de forma simples, direta e
incisiva, indica critérios relativos à organização e ao funcionamento
interno das creches, que dizem respeito principalmente às práticas
concretas adotadas no trabalho direto com as crianças tendo seus
direitos19 como eixo.
A existência do RCNEI remete à complexidade do debate em
torno de questões colocadas pela área: Qual a finalidade educativa
da educação infantil? Educar e cuidar, como e para quê? Como se
caracterizam as instituições de educação infantil? Qual a sua relação
com o ensino fundamental? Como deve ser vivida a infância das
crianças em instituições educativas? As creches e pré-escolas são um
tipo de instituição escolar ou não? Estas são algumas das tantas
questões que a área tem se colocado e permitem delimitar a
amplitude e profundidade da problemática em torno da definição
do trabalho a ser realizado em creches e pré-escolas, com bebês,
crianças que engatinham, crianças que usam fraldas até as crianças
maiorzinhas, que ainda não estão nas escolas de ensino fundamental.
A leitura da versão final do RCNEI reafirma o quanto foi
prematura a elaboração deste documento, uma vez que ainda persiste
a necessidade de um amadurecimento da área, inclusive para saber
se cabe dentro da especificidade da educação infantil um documento
denominado Referencial Curricular, em função dos sentidos que o
termo ‘currículo’ carrega. Como afirmei em outra oportunidade:
(...) a educação infantil pela sua especificidade ainda não estava madura para
produzir um referencial único para as instituições de educação infantil no
país. Os pesquisadores e pesquisadoras da área revelam nestes pareceres que
o fato de a educação infantil não possuir um documento como este não era
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ausência ou falta, mas sim especificidade da área que precisa ainda refletir,
discutir, debater e produzir conhecimentos sobre como queremos que seja
a educação das crianças menores de sete anos em creches e pré-escolas.
(Cerisara, 1999, p. 44)
Dentro desse contexto o RCNEI deve ser lido como um material
entre tantos outros que podem servir para as professoras refletirem
sobre o trabalho a ser realizado com as crianças de 0 a 6 anos em
instituições coletivas de educação e cuidado públicos. Além disso,
vale reforçar que ele não é obrigatório ou mandatório. Ou seja,
nenhuma instituição ou sistema de ensino deve se subordinar ao
RCNEI a não ser que opte por fazê-lo. Como orientação nacional a área
dispõe das “Diretrizes Curriculares Nacionais”20 que de forma clara
apresentam as diretrizes obrigatórias a serem seguidas por todas as
instituições de educação infantil. Essas diretrizes definem os
fundamentos norteadores que as Propostas Pedagógicas das Institui-
ções de Educação Infantil devem respeitar:
A. Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da
Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
B. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do
Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
C.Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da
Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e
Culturais.
Assim as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil
apresentam os objetivos gerais (sem ir ao detalhe de cada ação como
o RCNEI), permitindo incentivar e orientar projetos educacionais-
pedagógicos, nos níveis mais diretos de atuação, com objetivos
relacionados à formação integral da criança, deixando um espaço para
que os envolvidos na educação infantil – famílias, professoras e
crianças assumam a autoria desses projetos.
Por último, é preciso fazer referência ao projeto “Parâmetros
em ação”, que articulado ao RCNEI foi organizado pelo MEC com o
objetivo de “apoiar e incentivar o desenvolvimento profissional de
professores e especialistas em educação de forma articulada à
implementação do RCNEI” (MEC, 1999, p. 5).
O que chama a atenção nesse projeto é o fato de que os
municípios só podem participar dele se “optarem” por implementar
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
o RCNEI em suas instituições, o que o transforma de uma proposta
denominada pelo próprio MEC como “aberta, flexível e não obriga-
tória” em obrigatória e única. Ou seja, os municípios que não
aderirem ao RCNEI como “a referência” para o seu trabalho, por
questionarem as concepções ali presentes, não são contemplados com
o “pacote de formação” que está previsto nos “Parâmetros em ação”.
Apenas esse dado já é suficiente para questionarmos a forma pouco
democrática como o MEC tem “cumprido com a sua tarefa de subsi-
diar os sistemas de ensino com relação à formação de suas profis-
sionais”. Kramer, ao se referir aos impasses que as políticas de
formação vêm sofrendo, apresenta-nos alguns questionamentos que
refletem a perplexidade e indignação dos educadores:
Temos uma política de educação infantil que venha assegurando expansão da
cobertura, fortalecimento da nova concepção de infância e promoção da
melhoria da qualidade como postulavam os documentos oficiais que o MEC
elaborou em meados da década de 90? Até agora, em nível nacional, temos
mais do que diretrizes e “referencial”? Em nível local, é preciso que as propostas
de formação redundem em avanço da escolaridade e carreira, o que acontece
em poucos municípios. A ação do MEC tem sido, infelizmente, tênue (para não
dizer omissa) em relação a esta questão, seja pela pequeníssima destinação de
recursos para a formação feita pelos municípios, seja porque a liberação desses
recursos não tem implicado em mudanças de carreira ou salário. Existe uma
política nacional de formação dos profissionais da educação infantil? Ou há
apenas a compra e venda de pacotes, inclusive com a intermediação do MEC?
(2001, p. 102)
Tendências e utopias
Para finalizar gostaria de enfatizar que a restrição ao RCNEI se deve
fortemente ao que os educadores da área da educação infantil têm
indicado sobre a necessidade de construção de um trabalho que
contemple as especificidades e diversidades culturais das crianças sem
que haja a proclamação de um modelo único e verdadeiro. Neste sentido,
o que vem sendo realizado em creches e pré-escolas precisa ser revisto e
reavaliado à luz da Pedagogia da Educação Infantil (Rocha, 1999), no
sentido da construção de um trabalho com as crianças de 0 a 6 anos de
idade, que apesar de ser formalmente estruturado pretende garantir a
elas viver plenamente a sua infância sem imposição de práticas ritua-
lísticas inflexíveis, tais como se cristalizam nas rotinas domésticas,
escolares ou hospitalares. O que reivindicamos é o espaço para a vida,
para a vivência das emoções e dos afetos – alegrias e tristezas –, para as
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relações entre coetâneos e não-coetâneos, para os conflitos, confrontos e
encontros, para a ampliação do repertório vivencial e cultural das crianças
a partir de um compromisso dos adultos que se responsabilizam por
organizar o estar das crianças em instituições educativas que lhes
permitam construir sentimentos de respeito, troca, compreensão, alegria,
apoio, dignidade, amor, confiança, solidariedade, entre tantos outros.
Que lhes garantam acreditar em si mesmos e no seu direito de viver de
forma digna e prazerosa. É importante destacar que temos tido
dificuldade em fazer valer esses princípios na organização do sistema
educacional brasileiro diante das reformas educacionais do Governo
FHC.21
Nesse contexto, firmamos o nosso descontentamento ante a
política educacional brasileira e ante a maneira como vem sendo
implantada a reforma educacional no país, tanto nos aspectos gerais
como nos especificamente relacionados com a educação infantil. A
esperança é que os educadorescomprometidos com a defesa da
educação e dos direitos das crianças à educação infantil continuem
a denunciar o que está acontecendo e a realizar estudos, pesquisas e
projetos de ação que nos possibilitem avançar na construção de uma
“pedagogia da educação infantil” e de políticas públicas plurais que
contemplem as diversidades culturais das crianças brasileiras e que
sejam orientadas por práticas emancipatórias em oposição a práticas
restritivas da criatividade e da felicidade, práticas que visam à forma-
ção de cidadãos e não à de consumidores compulsivos como pretende
o projeto neoliberal em andamento.
Recebido em julho de 2002 e aprovado em agosto de 2002.
Notas
1. Será utilizado o feminino em razão da presença predominante de mulheres no exercício
dessa profissão.
2. Sobre essa questão, ver Füllgraf, 2001.
3. Concepção neoliberal está sendo utilizada neste texto sob a perspectiva indicada por
Saviani: o significado correntemente atribuído ao conceito neoliberal implica em: valori-
zação dos mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não-
governamentais em detrimento do lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor
público, com a conseqüente redução das ações e dos investimentos públicos.
4. O uso dos termos ‘educar’ e ‘cuidar’ deve-se à busca de superação da dicotomia – histórica
no Brasil – entre a visão educacional e a visão assistencialista, respectivamente. Sobre isso
ver Kuhlmann Jr., 1999.
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
5. Cerisara, 1999, p.14.
6. Termo cunhado por Maria Lúcia Machado para explicitar o caráter de intencionalidade
definida, planejada e sistematizada da ação com as crianças.
7. Vale destacar que, do ponto de vista jurídico, a lei não é auto-aplicável, precisando de
regulamentação.
8. Sobre este tema, ver João Monlevade e Eduardo Ferreira, 1997.
9. Dentre eles destaca-se o MIEB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil no Brasil.
10. Sobre este tema ver Shiroma; Moraes e Evangelista, Política educacional.
11. O Parecer CP nº 053/99, de 28 de janeiro de 1999, apresenta as diretrizes gerais para
os institutos superiores de educação e o Parecer CP nº 115/99, de 10 de agosto de 1999,
dispõe sobre os institutos superiores de educação.
12. A ameaça seria: conceber-se o professor como técnico e não como intelectual e considerar-
se que a formação universitária deve ser para os especialistas da educação (orientadores,
supervisores, diretores, gestores) e não para os professores docentes.
13. Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a formação em nível
superior de professores para atuar na educação básica e dá outras providências.
14. VI Seminário Nacional da ANFOPE e XIV Reunião Nacional do FORUMDIR, Carta de Curitiba,
8 de junho de 2001.
15. Com destaque para o Referencial Pedagógico Curricular para a Formação de Docentes da
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (1997) e o Plano Decenal de
Educação para Todos (1993).
16. “A produção acadêmica na área da educação infantil a partir da análise de pareceres sobre
o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil: Primeiras aproximações”, elabo-
rado por Ana Beatriz Cerisara.
17. O parecer institucional da ANPEd foi publicado em 1998, na Revista Brasileira da
Educação.
18. Os cadernos da COEDI são: Subsídios para elaboração de diretrizes e normas para educação
infantil (1998); Proposta pedagógica e currículo para educação infantil: Um diagnóstico e
a construção de uma metodologia de análise (1996); Critérios para um atendimento em
creches e pré-escolas que respeite os direitos fundamentais das crianças (1995); Bilbiografia
anotada (1995); Educação infantil no Brasil: Situação atual (1994); Por uma política de
formação do profissional de educação infantil (1994); Política de educação infantil (1993).
19. Na parte do documento denominada “Esta creche respeita criança. Critérios para a unidade
creche” são destacados os seguintes direitos: Nossas crianças têm direito à brincadeira;
Nossas crianças têm direito à atenção individual; Nossas crianças têm direito a um
ambiente aconchegante, seguro e estimulante; Nossas crianças têm direito ao contato com
a natureza; Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde; Nossas crianças têm direito a
uma alimentação sadia; Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade,
imaginação e capacidade de expressão; Nossas crianças têm direito ao movimento em
espaços amplos; Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade; Nossas
crianças têm direito a expressar seus sentimentos; Nossas crianças têm direito a uma
especial atenção durante o seu período de adaptação à creche. M.M. Campos & Fúlvia
Rosemberg, Critérios para um atendimento em creches e pré-escolas que respeite os direitos
fundamentais das crianças, Brasília: MEC/SEF/DPEF/COEDI, 1997.
20. O parecer da relatora Regina de Assis vale a pena ser conferido, na medida em que
defende e justifica de forma brilhante as diretrizes apresentadas.
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
21. No exato momento em que escrevo este artigo, mais uma investida contra as crianças
brasileiras está em andamento no Conselho Nacional de Educação: o pedido de regula-
mentação das creches domiciliares.
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