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36 4. Biomecânica do desporto: seu contributo para a Educação Física e Desporto em Moçambique Alberto Graziano1 Introdução A questão colocada como título desta apresentação é “Biomecânica do Desporto: Seu contributo para a Educação Física e Desporto em Moçambique”. Mantendo-me fiel à natureza dupla deste título, proponho dividir minha apresentação em duas partes. A primeira, que ocupará pouco tempo, será devotada a uma visão geral do campo da biomecânica desportiva. A segunda será praticamente devotada a uma longa discussão da questão colocada no título. Para preparar as bases para o que se segue, é provavelmente desejável gastar um ou dois minutos na questão fundamental: o que é biomecânica? 1. Biomecânica A Biomecânica estudada no curso de Licenciatura em Ensino de Educação Fisica em Moçambique pode ser definida como a aplicação dos princípios da Mecânica para o estudo das habilidades motoras básicas do ser humano, e em específico no estudo dos movimentos desportivos. Quando se fala em Mecânica obviamente se fala da Física e da Matemática Básica aplicada na compreensão e utilização das fórmulas que descrevem o movimento. Deste modo, a Biomecânica não é uma disciplina fácil. E sabemos também que muitos reclamam que não têm base de Física e Matemática e que os docentes na Faculdade de Ciências de Educação Física e Desporto perdem-se em equações e em conceitos da Física incompreensíveis para o ser humano normal. Por isso, a disciplina de Biomecânica costuma ser alvo de críticas por parte de alunos e docentes de cursos de Educação Física. Muitos alunos julgam-na complexa demais e “aplicada de menos”, demonstrando poucos vínculos directos com as actividades de campo profissional.Mas, ao mesmo tempo, com a velocidade actual na geração e divulgação das informações e com a tecnologia cada vez mais presente na vida diária dos indivíduos, todos são unânimes em afirmar que a Biomecânica é muito importante. A Biomecânica pode ainda ser dividida em forças internas e externas. Esta divisão efectua-se segundo a determinação quantitativa ou qualitativa da força que actua sobre os corpos, assim como da interacção do corpo com o meio onde o movimento acontece. As forças internas são compostas 1 Professor Associado da Universidade Pedagógica afecto à Faculdade de Ciências de Educação Fisica e Desporto. Doutor em Ciências do Desporto. 37 pelas forças musculares, articulares e as consequências resultantes dessas forças (tensões) do biomaterial, frente às diferentes formas de solicitação mecânica: tracção (quando um corpo é submetido à acção de duas forças, com sentidos relativos de afastamento, aplicadas em pontos diferentes. O corpo sofre um alongamento); flexão (quando um corpo é submetido à acção de três forças, sendo duas no mesmo sentido e outra em sentido contrário. O corpo sofre uma compressão em uma superfície e tracção em outra); torção (quando um corpo é submetido à acção de duas forças, que agem em sentidos opostos e em planos diferentes. O corpo será torcido); etc, enquanto que as forças externas, constituem-se da força da gravidade, da força de reacção ao solo e outras (AMADIO, 2000). A Biomecânica enquanto ciência visa contemplar os aspectos cinemáticos, cinéticos, electromiográficos e antropométricos do movimento humano. Nestas perspectivas pode-se relacioná-la às mais diversas formas de movimento que a Educação Física engloba e pode-se ainda fazer um perfeito elo entre as contribuições que a Biomecânica traz para as actividades realizadas no campo da Educação Física e Desporto. Sendo assim, o conhecimento produzido pela Biomecânica é muito útil para os profissionais que trabalham na Educação Física e Desporto e também para aqueles que se servem dela. 2. Contribuições à prática da educação física e desporto em Moçambique Uma das metas da Biomecânica Desportiva é melhorar as práticas na Educação Física e no desporto. Tal afirmação levanta as questões óbvias “até onde está a Biomecânica Desportiva nesta meta?” e “de que forma a biomecânica desportiva tem influenciado as práticas na Educação Física e no Desporto em Moçambique?”. Estas questões são mais fáceis de perguntar do que responder. Existem poucas evidências palpáveis. Somos, portanto, obrigados a confiar em nossas próprias observações se quisermos obter mesmo uma simples indicação do impacto que a Biomecânica Desportiva tem tido na prática em Moçambique. Meu próprio julgamento da situação é o seguinte: creio que a Biomecânica Desportiva tem tido um impacto de duas maneiras distintas: i) Primeiro, ela tem feito alguns dos estudantes dos cursos de biomecânica da nossa Faculdade e dos departamentos de Educação Física da Beira melhores professores de destreza do que eles o seriam por uma outra maneira. O conteúdo dos nossos cursos é de grande relevância para as situações práticas no ensino e na preparação física às quais o grosso dos estudantes recorrem. 38 Nestes casos alguns dos estudantes dominam os conceitos básicos tão bem que ficam aptos a fazer o elo conceitual desde a teoria dos livros às práticas de campo. É através destes estudantes, creio, que a biomecânica desportiva tem tido influência na prática. Para complementar a abordagem destes conteúdos recentemente foi lançado um livro intitulado: “Biomecânica: Fundamentos e Aplicações na Educação Física Escolar”. Este livro é resultado de um trabalho de pesquisa sobre a Biomecânica e Educação Física Escolar. O Autor tomou como base a disciplina de Biomecânica para identificar na Educação Física, objectivos claros e convincentes para a sociedade moçambicana poder defender a importância da disciplina como conteúdo da Educação Física e Desporto Escolar e como conhecimento que fundamenta a prática pedagógica do professor e com base nos conceitos biomecânicos básicos contidos nos conceitos mecânicos e principalmente nas três (3) leis de Newton, poder apresentar alguns exemplos de situações em que o conhecimento da Biomecânica poderá auxiliar na solução de problemas frequentes na Educação Física e Desporto Escolar em Moçambique. Como exemplo, olhemos para a primeira lei de Newton: A primeira lei de Newton, a chamada lei da inércia, foi formulada por Newton em 1678, nos seguintes términos: “Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento uniforme, a menos que seja aplicada uma força sobre ele”. Este conceito aplica-se tanto ao movimento linear como angular. No movimento linear, a inércia é igual à massa. Quanto maior a massa de um corpo, maior sua inércia. Já no movimento angular, a inércia depende da massa e da distância dessa massa ao eixo de rotação. Relativamente a versão linear os desportos não oferecem exemplos para ilustrar esta equivalência. No entanto, na sua versão angular, a lei da inércia reafirma o princípio da conservação do momento angular: Quer dizer: “Um corpo em rotação manterá o estado de movimento angular constante desde que não exista a actuação de momentos externos”. Na análise de movimentos desportivos nem sempre é fácil apreciar justamente a capacidade da inércia das partes do corpo humano. No entanto, existe uma série de exercícios de ginástica nos quais se aproveita a inércia para a realização de determinados elementos do movimento. Vejamos o ensino do rolamento para frente. Lembro-me das aulas de ginástica no ex- INEF (Instituto Nacional de Educação Física), agora Faculdade de Ciências de Educação Física e Desporto. No início, o professor, que foi um grande amigo meu e de muitos outros colegas ligados ou não ao Desporto, o falecido professor Lázaro Sengo, que aproveito aqui para lhe homenagear, pedia-nos para que partíssemos da posição agachada e que procurássemos manter o queixo junto 39 ao peito. Isso não era mais do que um pedido mecânico para que diminuíssemos o raio, isto é, a distânciada força peso (resistência) até o eixo (tendo como eixo inicialmente o pé e depois as mãos no rolo propriamente dito) de maneira que diminuíssemos a inércia e, com isso, exercêssemos menor força para sair do repouso. O conceito, explicado acima tem inúmeras aplicações dentro do processo ensino aprendizagem e da correcção de habilidades a partir do momento em que os movimentos podem ser facilitados ou dificultados pela variação da inércia, por meio da alteração da distância da resistência até ao eixo, isto é, flexionando ou estendendo as articulações em relação ao eixo de movimento. A Biomecânica possui uma efectiva utilização como instrumento pedagógico. A partir de seus diversos conceitos, e principalmente através dos três axiomas de Newton, nota-se as diferentes abordagens e/ou preocupações que ela traz. O acto educativo, admitido como principal acção da Educação física no contexto escolar, determina amplas possibilidades. A partir deste exemplo podemos também afirmar categoricamente que a Biomecânica ainda pode actuar com assuntos relacionados ao aperfeiçoamento da técnica do movimento, aperfeiçoamento do processo de treinamento, aperfeiçoamento e adaptações ambientais, aperfeiçoamento do mecanismo de controlo de cargas internas do aparelho locomotor, aperfeiçoamento de sistemas para simulação de movimentos, aperfeiçoamento tecnológico instrumental para aquisição e processamento de sinais biológicos e ao aperfeiçoamento de sistemas (hardware e software) para análises de movimentos e consequentes aplicações práticas. ii) Segundo, ela tem em certas ocasiões fornecido a professores, técnicos e atletas equipamentos ou técnicas mais adequadas com as quais se pode actuar. Estou a falar do laboratório de Biomecânica da nossa Faculdade que tem como meta a investigação e análise do movimento humano em suas estruturas básicas relacionadas às actividades físico-desportivas e\ou actividades quotidianas.. Como exemplo, podemos, a partir ,do remate em suspensão em andebol, fazer uma filmagem em vídeo de um atleta executando o movimento. E, com ajuda da cinemetria, uma das áreas de estudo da Biomecânica, realizar o cálculo das variáveis dependentes dos dados observados nas imagens, como posição, orientação, velocidade e aceleração do corpo ou e seus segmentos. Ou a partir do mesmo movimento, os biomecânicos podem medir as componentes da força de reacção do solo usando um instrumento básico que é a plataforma de forças . Uma plataforma de forças é uma escala de medida muito sofisticada geralmente embutida no solo, com sua superfície 40 nivelada com a superfície do solo onde o indivíduo está. Assim, através da dinamometria mede-se a acção deformadora da força sobre os corpos através de um método directo onde determinam-se as forças externas, as quais são pré-requisitos necessários para o cálculo das forças internas. Com os equipamentos sofisticados de que a nossa Faculdade dispõe, é possível fazer análises quantitativas, recorrendo-se às suas áreas de investigação: cinemetria, antropometria, dinamometria e electromiografia. Contudo, como é do nosso conhecimento, abordagens quantitativas muitas vezes não fazem parte da realidade profissional da maioria dos graduados em Educação Fìsica em Moçambique, exceptuando-se aqueles que se encaminham à pesquisa científica e pretendem seguir carreira acadêmica Como sabem, quando se realizam descrições quantitativas detalhadas de um movimento a partir de procedimentos biomecânicos, têm-se acesso a um volume grande de informações que, se não forem interpretadas para a compreensão do fenômeno, nunca passarão de um conjunto de números. Assim, pode-se dizer que a compreensão do movimento não termina com a obtenção de resultados quantitativos sobre a sua estrutura, mas ela inicia-se nesse momento. Ou seja, análises biomecânicas quantitativas em Moçambique não têm sido suficientes, pois estas não têm prescindido de uma avaliação qualitativa. O que significa dizer que o estudante não tem apenas aprendido a medir variáveis com rigorosos métodos pré-estabelecidos, mas tem também aprendido a “dissecar de uma forma visual e conceitualmente o movimento (KNUDSON & MARRISON, 2001). Assim, descrever o movimento não é suficiente para compreendê-lo à luz dos conceitos e princípios biomecânicos. Por isso, para colmatar esta situação, o gabinete tem-se preocupado em transmitir metodologias que são utilizadas para a análise mecânica do movimento humano, o processo de observação visual (analise qualitativa), este processo torna mais fácil a observação crítica do desempenho de atletas. As informações adquiridas por este processo servem como base para recomendações e julgamentos das habilidades desportivas, Para o desenvolvimento desse processo de observação visual, são básicos os conhecimentos de anatomia humana, princípios mecânicos, habilidade motora e do padrão e da técnica que está sendo analisada. É claro que o sucesso na utilização de qualquer sistema de análise qualitativa depende largamente da precisão com que os movimentos envolvidos serão percebidos. Se o observador que conduz a análise for capaz de perceber exactamente o que o executante está fazendo, conclusões apropriadas serão provavelmente melhores alcançadas. 41 Complementando essa abordagem qualitativa, as aulas práticas de laboratório têm um papel essencial. Ora, seria de esperar que os alunos do curso de educação Física tivessem adquirido na sua formação escolar de ensino fundamental e médio o conhecimento necessário de Física e Matemática, para que então, pudessem aplicá-los nas aulas de Biomecânica. Porém, como estas disciplinas muitas vezes foram motivos de frustrações e até mesmo traumas, além de não serem utilizadas durante os primeiros anos do curso de Educação Física, a compreensão dos princípios básicos da Biomecânica pode se tornar um entrave para os alunos. Por isso, as nossas aulas laboratoriais tem sido de carácter de vivências facilitadoras da compreensão de conceitos abordados teoricamente e não mais de carácter de demonstração de procedimentos de pesquisa. Embora existam muitos exemplos similares que podem ser citados, existem também alguns casos em que o grau de melhoria e as contribuições feitas pela Biomecânica Desportiva são amplamente proclamadas. Estes proclames são, entretanto, geralmente supervalorizados, ou mesmo distorcidos, a fim de aumentar as vendas do produto que está sendo divulgado e são, pois, virtualmente, como que uma medida do impacto que a Biomecânica Desportiva tem tido em outros países. Existem também problemas na avaliação dos efeitos que a pesquisa biomecânica tem tido nas técnicas de ensino e treinamento. Como é virtualmente impossível determinar-se precisamente que efeito a modificação em uma técnica, baseada em pesquisa, tem sobre uma performance, pois o efeito do treinamento, motivação e outros factores invariavelmente o encobrem, somos obrigados a basear-nos mais uma vez em observações pessoais ou nos relatórios sucintos e por vezes anedóticos de terceiros. Tais observações e relatórios são necessariamente subjetivos; provavelmente distorcidos e possivelmente de proveito próprio. Apesar destas óbvias e sérias limitações, eles são contudo a única fonte de informação que temos sobre o assunto. No entanto ficam algumas questões: será que os nossos alunos, após a conclusão do curso, são capazes de usar esse conhecimento em seu quotidiano profissional? O que estudaram torna-os melhores professores, treinadores ou orientadores desportivos do que seriam sem ela? Da maneira que eu vejo, eles indicam que a Biomecânica Desportiva tem tido notável impacto sobre o ensino da técnica em Educação Física e nos desportos em Moçambique. Existem muitos exemplos que poderiam ser citados em apoio desta afirmação. Conclusões 42 Como se pode observar, a Biomecânica do desporto é um campo vasto, reunindoou aproximando- se de diversas ciências, muitas tecnologias e toda a faixa de técnicas de movimentos usadas na Educação Física e no Desporto. Muito ainda este campo pode oferecer. Ele pode explicar o que já é sabido na prática e desta maneira fornecer uma base científica para coisas tais como a selecção de um determinado equipamento, o ensino de uma técnica e a prevenção de lesões por exemplo. Ele pode também explorar o desconhecido. Pode procurar respostas para questões fundamentais relativas a como o corpo humano se move, e, especialmente importante, uma vez que a maioria de nós na educação física e no desporto estamos preocupados em melhorar a performance, como o corpo pode ser movido para obter o melhor efeito. Por isso, temos feito com que a Biomecânica, com seus conceitos da Mecânica clássica, seja aplicada de uma forma fácil pelos alunos em problemas dentro da sua realidade. Por outro lado, temos adequado os conteúdos e os métodos de ensino da disciplina às necessidades da formação do professor. Temos reformulado a Biomecânica, aproximando-a gradualmente de abordagens mais qualitativas para as análises de movimentos e colocando conceitos biomecânicos para serem compreendidos através de vivências práticas de laboratório. Esta tem sido a nossa tentativa de elaborar alguma “Pedagogia da Biomecânica”, com a finalidade de maximizarmos as contribuições da área à formação de professores de Educação Física e Desporto. Referencias bibliográficas CORRÊA, S. C. “A Biomecânica como ferramenta de intervenção na prática profissional”. Anais do XXVII Simpósio Internacional de Ciências do Esporte. São Paulo, 2004. (no prelo). CORRÊA, S. C., FREIRE, E. S.. “Biomecânica e educação física escolar: Possibilidades de aproximação”. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, 3 (3): 107-123 GRAZIANO, A. Análise Biomecânica do Remate em Suspensão com Corrida no Andebol. Dissertação Apresentada às Provas de Mestrado em Ciências do Desporto na área de Especialização de Desporto de Alto Rendimento. Maputo, FCDEF/ UP, 1997. GRAZIANO, A.. Caracterização Biomecânica do Remate em Suspensão com Corrida no Andebol. Uma Abordagem Cinemática, Dinâmica e Electromiográfica. Tese Apresentada às Provas de Doutoramento em Ciências do Desporto. Maputo, FCDEF/ UP, 2002. HAY, J. G. Biomecânica das técnicas desportivas. Rio de Janeiro, Interamericana, 1981.