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Tipos de pesquisa: aspectos metodológicos especificos * EUDA SIGELMANN** 1. Introdução; 2. Tipos de pesquisa; 3. Passos metodológicos específicos. o artigo veicula a idéia da cientificidade de qualquer tipo de pesquisa desde que obedeça aos padrões metodológicos da ciência. Fundamentada em várias classificações de pesquisa, a autora se propõe a caracterizar os aspectos meto- dológicos aos diferentes tipos de pesquisa. Tomando como referência a classi- ficação e as definições de I. l. Lehman e W. A. Mehrens; os passos da ativi· dade, sua dinâmica subjacente e os resultados são apresentados segundo o protótipo elaborado por D. J. Fox. Não há, contudo, qualquer intenção de trazer "receitas", mas padrões -gerais que devem ser adaptados à natureza do problema em investigação. 1. Introdução Discorrer sobre metodologia da pesquisa científica apresenta-se como proposta sem muita possibilidade de originalidade. Inúmeros manuais o fazem de modo suficientemente simples para alcançar todos os estudantes. Assim mesmo, propusemo-nos neste artigo a resumir de modo sistemático, aqueles aspectos da metodologia que, apesar da sua universalidade, assumem características específicas em cada tipo de pesquisa. Mas tipologia de pesquisa é um ponto de divergência entre os autores. Cada um advoga uma classificação segundo o valor que atribui à atividade e ao que entende por ciência. Assim para algumas posições radicais o conhe- cimento só é alcançado ou pela pesquisa experimental ou pelo survey, depen- dendo do que acreditam seja a finalidade da ciência. * Artigo apresentado à Redação em 26.05.83. ** Psicóloga do ISOP. (Endereço da autora: Rua da Candelária, 6 - 39 andar - Rio de Janeiro, RJ.) Arq _ bras. Psic. I Rio de Janeiro 36(3): 141-155 jul./ set. 1984 Para os autores mais moderados abre-se um leque de possíveis tipos de pesquisa, igualmente válidas do ponto de vista científico. O valor de uma pes- quisa não reside apenas no fato de ser experimental. Alguns problemas na área comportamental, e talvez a maior parte deles, não permite esta abordagem. Estudos de outra natureza podem permitir alcançar conclusões com validade científica, desde que observados os preceitos metodológicos. Tanto a arbitrariedade das classificações como o fato de não existir qual- quer pesquisa que se enquadre literalmente em qualquer uma das denomina- ções encontradas, observa-se certa desorientação entre os pesquisadores, quan- do planejam seus estudos e quando tratam de classificá-los. Conforme salienta Rummel (1972, p. 8), não há pesquisa que use apenas um tipo de procedi- mento. A pesquisa parte de uma fase inicial geralmente bibliográfica, histórica ou estudo de caso; a seguir, coleta dados na realidade empírica, o que pode ser um levantamento de campo ou de laboratório; e finalmente envolve a aná- lise, que pode ser estatística ou não. O importante é que em cada etapa sejam obedecidas as regras metodo- lógicas específicas. Um estudo bibliográfico não é apenas a reunião de cita- ções e paráfrases das idéias de diferentes autores. Um estudo histórico não é apresentação cronológica de fatos ou idéias. Um estudo de caso não é o relato das observações assistemáticas de uma pessoa. Para cada procedimento existem passos metodológicos que devem ser observados, sob pena de comprometerem a validade interna e externa da pes- quisa e até mesmo a sua caracterização de trabalho científico. 2. Tipos de pesquisa Carter Van Good (1963, p. 207) apresentou diferentes métodos que qual- quer tipo de pesquisa pode empregar, simultânea ou isoladamente,conforme decisões prévias do pesquisador, a partir do problema específico a ser inves- tigado. Estes devem, após a decisão, permanecer constantes durante todo o desenvolvimento do estudo, sob pena de virem a tornar confusos os resultados caso haja mudanças no transcurso do trabalho. Se o pesquisador estiver fa- zendo, por exemplo, um levantamento de campo ou de relações possíveis entre variáveis, não poderá usar a linguagem experimental, muito menos chegar a conclusões causais. Se estiver trabalhando em problema sociológico é preciso cautela para não transferi-lo para a área psicológica. Se o estudo for teórico, não será possível fazer afirmações de cunho prático sem que sejam feitos outros estudos empíricos que venham a confirmar proposições teóricas. Se estiver fazendo correlações entre diversas dimensões é preciso que estas sejam observadas nos mesmos indivíduos. E assim por diante. Na mesma obra Van Good classifica os métodos quanto a: 1. os campos aos quais se aplicam. Exemplo: educação, psicologia, biologia etc.; 2. o propósito. Exemplo: descrição, predição, causalidade, status etc.; 3. o lugar. Exemplo: campo ou laboratório; 142 A.B.P. 3/84 4. a aplicação. Exemplo: pura (ou básica) e aplicada. 5. os recursos da coleta de dados. Exemplo: testes, questionários, entrevistas, bibliografias etc.; 6. os símbolos. Exemplo: matemáticos ou lingüísticos; 7. a forma do pensamento. Exemplo: dedutivo, indutivo, associativo etc.; 8. o controle dos fatores. Exemplo: experimentação controlada ou não-con- trolada, observação, participação etc.; 9. os métodos para estabelecimento das relações. Exemplo: concordância, di- ferença, resíduos, variação concomitante etc. A partir dessa classificação, diferentes estudiosos do assunto formularam suas próprias classificações de tipos de pesquisa, geralmente se fixando em um ou mais dos nove pontos de vista levantados por Van Good. Para exemplificar vejamos alguns autores. R. Mouly em 1963, classifica as pesquisas em: histórica, survey e experimental. D. J. Fox sustenta a mesma classificação, mas introduz um desdobramento no survey subdividindo-o em: descritivo, comparativo e avaliativo, baseado na classificação de H. H. Hyman. D. B. Van Dalen (1966), W. R. Borg (1963), G. Sax (1968), apesar de man- terem a mesma trilogia, preferem destituir o survey da posição de classe e tomá-lo como uma subdivisão da categoria descritiva. Dentro desta, conside- ram outros tipos, a saber: estudo de caso, transcultural, desenvolvimento, cor- relacionaI e ex-post facto. Borg, por influência dos trabalhos de Kurt Lewin, incorpora a pesquisa-ação como uma classe distinta das demais. Note-se que nenhum autor inclui a pesquisa bibliográfica nas suas tipo- logias. Observe-se também a arbitrariedade dessas classificações, já que a maioria das pesquisas pode usar tanto uma abordagem descritiva quanto ex- perimental, dependendo da natureza do problema, da alcançabilidade de su- jeitos, da disponibilidade de técnicas e métodos de mensuração e análise esta- tística. D. Katz e L. Festinger (1972) fogem a este esquema voltando-se para o controle e o lugar onde o estudo se desenvolve. Para eles a pesquisa é ou não experimental, podendo ser desenvolvida no laboratório ou em campo, e estudos de campo. R. M. Travers (1964) apesar de defender nos seus escritos a importância e necessidade da pesquisa básica ou pura (ou teórica), ou seja, a aplicação do estudo, na sua classificação considera apenas as pesquisas: histórica, obser- vacional, survey, predicional, desenvolvimental e experimental. Mais recentemente F. N. Kerlinger classifica a pesquisa em: experimento de campo e laboratório, estudos de campo, ex-post facto, experimental e sur- vey. Admite em 1973 outros tipos considerados importantes: a histórica e a metodológica. Assim toma uma posição mais abrangente em relação aos de- Tipos de pesquisa 143 mais especialistas. Encontra-se ainda na literatura vanas outras maneiras de classificar a pesquisa científica. Considerando que a atividade de pesquisa visa a aumentar o conhecimento do homem a respeito do mundo circundante, quer por mera curiosidade, quer pelo desejo de resolver questões práticas ime- diatas, alguns teóricos classificama investigação científica nos seguintes ter- mos: orientada para conclusão, orientada para decisão, orientada para ação e orientada para avaliação. Enfatizam, desse modo, o propósito da pesquisa. Outros, ainda, dando ênfase à coleta de dados, propõem uma tipologia em função dos procedimentos de coleta: entrevista, questionário, observação, testes padronizados, indução de situações, participação etc. (Rummel, 1972, p. 9). Algumas vezes encontra-se uma simples dicotomia, tal como: quantita- tiva X não-quantitativa (ou qualitativa), experimental X não-experimental, pura (básica ou teórica) X aplicada, descritiva X reflexiva. Essas dicotomias têm a vantagem de eliminar as denominações, que, além do mais, são definidas de modos diversos pelos autores. Como se conclui dessa falta de concordância dos pontos de vista dos teó- ricos da metodologia de pesquisa, tudo concorre para a impossibilidade de padronizar os tipos de pesquisa. Ao contrário, não existe uma fórmula ou uma "receita" para se desenvolver estudos científicos. O pesquisador deve ser dota- do de bom raciocínio lógico e flexibilidade para ajustar o método às suas ne- cessidades, desde que siga os passos específicos a cada abordagem de modo a não incorrer em erros nos pontos nevrálgicos de cada tipo de pesquisa. Como exemplo citamos, deixar de formular problemas e hipóteses substantivas quan- do realiza pesquisa bibliográfica, histórica e documental ou deixar de fazer crítica interna e externa das fontes consultadas; descuidar da amostragem e dos instrumentos de medida no survey; formular hipóteses estatísticas em estu- dos que não se propõem a testar hipótese; deixar de formular hipóteses esta- tísticas em estudos experimentais; tirar conclusões causais em estudos asso- ciativos ou usar duas amostras em estudos correlacionais, e assim por diante. O sucesso de qualquer empreendimento científico depende de três ele- mentos: uma clara identificação dos objetos a serem investigados (definições sem ambigüidades ou obscuras), uma teoria que explique como os objetos se inter-relacionam e uma visão clara da metodologia que leva à prova as ques- tões formuladas. Embora esses elementos sejam fundamentais ao raciocínio claro, eles devem se adequar às metodologias específicas. A institucionaliza- ção de certos procedimentos, particularmente o experimental, tem levado à falsa idéia de que qualquer problema é tratado da mesma maneira. Muitas vezes essa falsa idéia obriga aos pesquisadores verdadeiras acrobacias para conseguirem enquadrar seus estudos nos modelos que lhes são fornecidos. Para tomar possível a descrição dos passos metodológicos específicos aos diferentes tipos de pesquisa, decidiu-se, neste artigo, tomar como referência a classificação de I. J. Lehman e W. A. Mehrens (1971), porque: a) seguem os padrões gerais descritos pela maioria dos autores; b) apresentam critérios explícitos da classificação. Adotando a metodologia e os propósitos como critérios, esses autores apresentam a seguinte classificação: histórica, descritiva, correlacionaI, ex- post facto e experimental. 144 A.B.P. 3/84 Lehman e Mehrens caracterizam os tipos de pesquisa do seguinte modo: i. Pesquisa histórica: "está interessada na determinação, avaliação e com- preensão de eventos passados com o propósito primordial de obter compreen- são mais clara sobre o presente e melhor previsão do futuro" (Lehman & Mehrens, 1971, p. 23). E uma investigação crítica de eventos, desenvolvimentos e experiências do passado, análise cuidadosa da validade das fontes de informação sobre o pas- sado e interpretação da evidência à luz de pressupostos teóricos. Os fatos com que lida são eventos únicos e não podem ser repetidos em con- dições de laboratório. A comparação dos fatos se dá por meio de comparações e constructos hipotéticos. Analogias históricas nos apresentam aproximações possíveis (e não prováveis) dos comportamentos, antecipações (e não predi- ções permitem a tomada de precauções (e não de controle). 2. Pesquisa descritiva: é a investigação que procura "determinar natureza e grau de condições existentes" (Lehman e Mehrens, 1971, p. 95). Metodologicamente distingue-se da correlacionaI e da ex-post facto quanto à possibilidade de poder coletar dados de uma única amostra ou de mais de uma amostra, como também poder trabalhar com uma ou mais variáveis, sem o intuito de estabelecer relações ou fazer predições. Tem como único propó- sito descrever condições existentes (ver Lehman e Mehrens, 1971, p. 95). Na pesquisa descritiva podem ser empregadas diversas abordagens, a saber: a) estudo de caso; b) survey; c) estudos de desenvolvimento. A. Estudo de caso é um estudo intensivo, exaustivo e profundo sobre um in- divíduo, evento, instituição ou comunidade, visando identificar variáveis rela- cionadas com o evento e que possam sugerir hipóteses explicativas para o fe- nômeno; também é usado para auxiliar no aperfeiçoamento de modelos e hi- póteses (Lehman e Mehrens, 1971, p. 95). Para o estudo de caso é importante que os sujeitos sejam típicos ao proble- ma em estudo. Portanto, não se aplicam métodos de randomização na seleção dos sujeitos, mas deve-se evitar escolhas por conveniências, ao invés de sujeitos capazes de oferecer contribuição provável para esclarecer o problema teórico. E um trabalho idiográfico e ipsativo que usa técnicas de observação, sem preocupação de generalizar os resultados encontrados. Para tanto será preciso replicar o estudo numa amostra representativa, uma vez que sofre todas as dificuldades oriundas da técnica. B. Survey é um estudo extensivo, visando descrever as características da po- pulação por meio de uma amostra selecionada segundo métodos aleatórios (Lehman e Mehrens, 1971, p. 97). Ao contrário do tipo anterior, é um traba- lho nomotético, envolvendo grande número de pessoas. Utiliza geralmente como técnica o questionário, a entrevista, o formulário e escalas. Sofre todas as difi- culdades decorrentes desses instrumentos. A amostragem torna-se ponto cru- cial para o estudo, bem como a conceituação das variáveis e a validade dos instrumentos. Tipos de pesquisa 145 Os surveys exigem uma metodologia específica bastante diferente daquela utilizada na pesquisa experimental. Por causa dessa diferença há autores que classificam a pesquisa em survey e experimental. . H. H. Hyman (1966) distingue duas variedades de surveys: descritivos e ex- plicativos. Estes últimos dividem-se em: teoréticos ou experimentais e ava- liativos ou programáticos. Embora o survey seja um diagnóstico que estabelece relação entre um ou mais fenômenos (ou variáveis dependentes), e uma ou mais causas (ou variá- veis independentes), o desenvolvimento dessa tarefa varia com os objetivos. Para ser eficaz, um analista de survey precisa saber como relacionar princí- pios metodológicos gerais ao contexto operacional particular de um survey. O sur- vey explicativo segue o modelo do experimento de laboratório, com a diferen- ça fundamental de que é desenvolvido no ambiente natural. Em conseqüência, a variável independente não é manipulada, mas sua presença é constatada em diferentes exemplos naturais. Seu objetivo é explicar um problema e indicar o curso de ações adequadas para solucioná-lo. Já o survey descritivo preocupa- se em detectar um estado de natureza social, reunindo informações sem a preocupação de explicar. Observe-se que a pesquisa-ação, conforme definida por seu autor Kurt Le- win, tem características semelhantes. É também um diagnóstico que visa a reso- lução de problemas. Mas enquanto no survey prevalece a postura estática, como aliás também ocorre na pesquisa participativa, na pesquisa-ação observa-se uma atitude dinâmica, onde a resolução de um problema leva à resolução dos problemas subseqüentes, que se criam pela resolução do primeiro. C. Estudosde desenvolvimento propõem-se a estudar mudanças ocorridas nos sujeitos nas áreas cognitiva, afetiva e psicomotora, como função do tem- po. Classificam-se em: a) transversais; b) longitudinais; c) transculturais. a) Estudos transversais propõem-se a estudar um problema utilizando dados colhidos em diferentes subgrupos de pessoas que estejam em diferentes está- gios de desenvolvimento. A grande dificuldade desse tipo de estudo está na obtenção de grupos comparáveis e, também, é preciso cuidado para não tirar conclusões longitudinais (Lehman e Mehrens, 1971, p. 95). b) Estudos longitudinais como nos estudos transversais, propõem-se a estudar diferentes estágios de desenvolvimento de um problema, porém seguindo os mesmos indivíduos durante um certo período de tempo. A dificuldade maior desse tipo de estudo é que o pesquisador tem de esperar muitos anos para poder completar seu trabalho e durante esse período corre o risco de perder seus sujeitos amostrais (Lehman e Mehrens, 1971, p. 96). Os resultados de estudos longitudinais podem oferecer contribuições científicas mais fiéis do que os estudos transversais, embora estes sejam mais econômicos e rápidos. c) Estudos transculturais propõem-se a estudar fenômenos em diferentes cul- turas a fim de verificar as peculiaridades específicas e as possibilidades de ge- neralizações universais (Lehman e Mehrens, 1971, p. 96). 146 A.B.P. 3/84 3. Pesquisa correlacionai: propõe-se a descobrir e/ou medir o grau de rela- ção entre duas ou mais variáveis em uma única amostra. Tem como propó- sito fazer predições e, em estudos exploratórios, determinar se existe e qual o grau de relação entre variáveis (ver Lehman e Mehrens, 1971, p. 189). A pesquisa correlacionaI, no entanto, apesar de proporcionar boas predições, só indica a existência de relação entre variáveis (associação), jamais uma rela- ção causal (ver Lehman e Mehrens, 1971, p. 190). Usa como método de aná- lise estatística os diversos tipos de correlação e equações de regressão simples e múltipla. Freqüentemente este tipo de pesquisa é usado quando existem muitas variáveis e um grupo único, cujas relações o pesquisador ignora mas deseja verificar quais delas se relacionam. ~ importante que as variáveis sejam definidas sem ambigüidades. Especial cuidado deve merecer a amostragem uma vez que as técnicas de correlação e regressão são muito sensíveis à natureza da amostra. Assim, podem ser encontrados coeficientes altos apenas porque a amostra é heterogênea e não porque existe real relação entre as variáveis. Contrariamente, podem ser encontrados coeficientes baixos por causa da homogeneidade da amostra. Por isso requer validação cruzada e correções para atenuação e redução (ver Lehman e Mehrens, 1971, p. 191-3). 4. Pesquisa ex-post facto: Esta denominação não é aceita pela totalidade dos autores. Alguns preferem denominá-la causal-comparativa, outros ainda a cha- mam de quase-experimental, dado liua semelhança com a pesquisa experimental. F. N. Kerlinger (1973, p. 130) define pesquisa ex-post facto como "aquela pesquisa na qual a variável independente ou variáveis já ocorreram e na qual o pesquisador inicia com a observação de uma ou mais variáveis dependen- tes". A variável independente não sofre manipulação experimental. ~ estudada em retrospecto quanto às suas possíveis relações e efeitos sobre a variável dependente. Segundo Kerlinger o cientista, quando trabalha neste tipo de pes- quisa, está interessado em saber "como ou sob que condições uma ou mais variáveis independentes estão relacionadas ou afetam uma ou mais variáveis dependentes". Por isso não se pode legitimamente deduzir relações de causa e efeito. Relações causais só podem ser estabelecidas na pesquisa experimental. A pesquisa ex-post facto, segundo Lehman e Mehrens, avizinha-se dos de- mais tipos de pesquisa em diversos aspectos. "B descritiva porque o pesquisador descreve os fatos como os observa. ~ correlacionai porque tenta atribuir rela- ções ao que observa. ~ experimental porque tenta deduzir ou descobrir como e porque um fenômeno ocorre. Mas difere da descritiva e da correlacionai porque se propõe explicar, sem contudo dispor do mesmo grau de certeza, manipulação e controle da experimental" (Lehman e Mehrens, 1971, p. 251). Apesar de suas limitações não se pode prescindir deste tipo de estudo. Pode-se até mesmo afiançar que provavelmente o número de pesquisas ex-post facto é muito maior do que o de pesquisas experimentais. A pesquisa ex-post facto é usada quando não é possível realizar, humana ou eticamente, um experimento. ~ o caso de estudos sobre delinqüência, perso- nalidade, deficiências físicas ou mentais, influências sociais sobre a educação Tipos de pesquisa 147 e aprendizagem, atitudes e outras varlavelS expressando status. Lehman e Mehrens apontam os seguintes problemas específicos da pesquisa ex-post facto: a) ausência de manipulação da variável independente, conseqüentemente o controle fica limitado; b) na ausência de controle da variável independente, também não há con- trole dos sujeitos amostrais, os quais se auto-selecionam segundo tipicidade com os critérios (variáveis dependentes, que podem não ser válidas); c) em conseqüência, a interpretação do resultado deve ser cautelosa. Pode ser estabelecida erroneamente uma relação causal entre as variáveis depen- dente e independente, quando outros fatores desconhecidos podem estar intervindo. 5. Pesquisa experimental: é "uma pesquisa onde se manipulam uma ou mais variáveis independentes e os sujeitos são designados aleatoriamente a grupos experimentais" (Kerlinger, 1979, p. 94). 1! o único tipo que permite controle sobre as variáveis independente e dependente e sujeitos amostrais. Nem todos os autores concordam com a inclusão da aleatoriedade da amos- tra na definição, mas nesse caso os resultados não oferecem a mesma força inter- pretativa. Mesmo assim muitos experimentos são conduzidos sem que a esco- lha dos sujeitos seja aleatória, porém seria desejável que pelo menos a sua designação para os grupos experimental e de controle fosse aleatória. Entre- tanto, é preciso deixar claro que manipulação da variável tratamento (ou ex- perimental) é o requisito mínimo de um estudo experimental. A existência de manipulação e controle no método experimental torna-se a condição sine qua non para o estabelecimento de relações causais. Da análise dos trabalhos universitários observou-se que outros tipos de pes- quisa ocupam as preferências dos estudantes de mestrado e doutorado em nosso país. São estes: a pesquisa bibliográfica, a metodológica, a documental e a pesquisa-ação ou dinâmica (participante). Por este motivo a incluímos neste artigo. A pesquisa bibliográfica define-se como uma investigação crítica de idéias, conceitos; uma análise comparativa de diversas posições acerca de um pro- blema, a partir das quais o pesquisador defenderá, de forma lógica e criativa, a sua tese (Rummel, 1968, p. 4). A pesquisa documental, assemelha-se à bibliográfica e se aproxima da pes- quisa histórica. 1! uma investigação crítica de eventos, desenvolvimentos e expe- riências próximos ao presente através de cuidadosa análise das fontes de informação. Dalen (1966, p. 211) refere-se a este tipo de pesquisa como aquela que descreve condições e práticas existentes, detecta tendências, desenvolvimento, fraquezas, desvios, atitudes, interesses, valores e estados psicológicos. A pesquisa metodológica é descrita por Kerlinger (1979, p. 348) como uma investigação crítica e teórica de métodos, visando a adequação teórica e em- pírica de novos modelos metodológicos. Trata-se de investigação controlada 148 A.B.P. 3/84 de aspectos teóricos e aplicados de medidas, modelos matemáticos e esta- tísticos. A pesquisa-ação reporta-se ao método dinâmico desenvolvido por KurtLewin com base na teoria de campo aplicada às ciências sociais. Visa determinar relações causais em "unidades dinâmicas naturais", num processo de inter- venção imediata na solução de problemas existentes em sociedade, institui- ções e indivíduos (Kurt Lewin, 1965, p. 175). 3. Passos metodológicos específicos Com o objetivo de alargar a visão de pesquisador para além do universo téc- nico, passamos a sintetizar os passos metodológicos específicos a cada tipo de pesquisa, lembrando que o estudante deve sempre relacionar os princípios metodológicos gerais com o contexto operacional particular do seu estudo. Toda e qualquer atividade de investigação científica segue um processo básico, caracterizado por diferentes estágios, assim identificados por D. J. Fox: 1. identificação da área de problemas ou idéias iniciais; 2. revisão inicial da literatura; 3. definição do problema específico da pesquisa; 4. estimativa da viabilidade operacional da pesquisa; 5. segunda revisão da literatura (específica ao problema definido); 6. seleção da abordagem da pesquisa (experimento ou não); 7. exposição ou redação das hipóteses de pesquisa; 8. seleção dos métodos e técnicas de coleta de dados; 9. seleção e/ou desenvolvimento dos instrumentos para a coleta dos dados; 10. elaboração do plano de análise; 11. identificação da população e amostra; 12. elaboração do plano de coleta de dados; 13. estudo-piloto da abordagem, método, técnica, instrumento e plano de co- leta e análise dos dados; 14. execução de plano de coleta de dados; 15. execução de plano de análise de dados; 16. preparação de relatório; 17. disseminação dos resultados e articulação para ação. Esses tópicos gerais variam em importância segundo o tipo de pesquisa escolhido pelo pesquisador conforme veremos nos quadros 1 a 5, a seguir. Todas, no entanto, têm em comum a identificação da área do problema (o tema), a revisão inicial da literatura para identificar um problema específico e a revisão da literatura específica ao problema. Os quadros que se seguem baseiam-se no paradigma elaborado por D. J. Fox. Tipos de pesquisa 149 Quadro 1 Pesquisa histórica, documental e bibliográfica Passos 1. Identificação da área e tema Dinâmica subjacente Motivação, interesse, expe- riência do pesquisador Resultados dos passos Interesse e metas do pesqui- sador 2. Revisão inicial da litera- Familiarização com o tema Identificação de um proble- tura ma específico 3. Definição e delimitação do problema 4. Segunda revisão da litera- tura Competência, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Adquirir os conhecimentos específicos da área do pro- blema 5. Formulação de hipótese Conhecimento adquirido e da pesquisa experiência 6. Coleta dos dados 7. Interpretação crítica dos dados 8. Conclusões e sugestões 9. Referências bibliográficas 10. Relatório 150 Análise crítica de fontes pri- márias e secundárias Crítica externa, visando a autenticidade da obra ou documento Crítica interna, visando a autenticidade da informação contida na obra ou do- cumento Habilidade, conhecimento e experiência do pesquisador Considerações práticas e teóricas Conhecimento das normas técnicas brasileiras para re- ferenciação bibliográfica Sondagem das investigações já realizadas Exposição explícita ou re- dação do problema, sua im- portância e justificativa Identificação, localização e fichamento de leituras e do- cumentos Exposição explícita ou reda- ção da(s) hipótese(s) Resposta ao problema de pesquisa Confirmação ou não da(s) hipótese(s) Redação crítico-lógica dos dados em função do proble- ma e hipótese Indicações explícitas visan- do esclarecer situações teó- ricas ou práticas Redação das referências por ordem alfabética Redação do relatório A.B.P. 3/84 Quadro 2 Pesquisa metodológica Passos Dinâmica subjacente 1. Revisão inicial da litera- Familiarização com o tema tura 2. Definição e delimitação do problema 3. Formulação da hipótese de pesquisa 4. Construção de instrumen- to de medida ou modelo 5. Verificação empmca do instrumento ou modelo e pla- no de análise 6. Elaboração do plano de coleta de dados 7. Execução do plano de co- leta e de análise de dados 8. Interpretação dos resulta-. dos 9. Conclusões e sugestões 10. Referências bibliográficas 11. Relatório Tipos de pesquisa Competência, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Competência, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Competência, conhecimento e habilidade do pesquisador Submissão a juízes e refor- muI ações Grau de confiança do ins- trumento ou modelo Seleção dos itens discrimi- nativos Verificação empírica num grupo representativo Seleção de métodos e técni- cas estatísticas Necessidade de pesquisa Considerações práticas: tem- po, custos, aceitação da pes- quisa, realidade do ambien- te de pesquisa etc. Habilidade, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Grau de validade do instru- mento ou modelo Considerações teórico-práti- cas Conhecimento das normas técnicas brasileiras Resultados dos passos Sondagem dos estudos já realizados sobre o tema Redação ou exposição do problema específico, defini- ções Decisões quanto ao prosse- guimento, predições Redação explícita da(s) hi- pótese(s) e objetivos Esboço do instrumento ou do modelo, reunindo grande número de itens favoráveis ou desfavoráveis ao concei- to pesquisado Obtenção de uma forma coerente, fidedigna e válida do instrumento ou modelo Decisão quanto a métodos e técnicas estatísticas, nível de significância e sujeitos amostrais Escolha dos sujeitos amos trais Seleção e treinamento de aplicadores Obtenção das informações estatísticas: descritivas, re- ferenciais, quadros e tabelas Análise teórico-prática dos resultados em função do problema e hipótese Indicações da aplicabilida- de teórico-prática Redação das referências por ordem alfabética Redação do relatório 151 Passos 1 . Identificação da área e tema 2. Revisão inicial da litera- tura 3. Definição e delimitação do problema e conceito 4. Segunda revisão da lite- ratura 5. Formulação de hipóteses de pesquisa 6. Seleção da abordagem da pesquisa 7. Planejamento dos métodos e técnicas de coleta de dados: instrumento de medida e iden- tificação de sujeitos amostrais 8. Seleção dos métodos e téc- nicas de análise dos dados Uuadro 3 Pesquisa descritiva Dinâmica subjacente Motivação, interesse, expe- riência do pesquisador Familiarização com o tema Competência, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Aquisição de conhecimentos específicos sobre o proble- ma Conhecimento e experiência do pesquisador Tempo, custos, intenção do pesquisador, adequação ao problema da pesquisa Adequação ao problema da pesquisa Adequação ao problema e abordagem 9. Interpretação dos dados Objetividade 10. Conclusões e sugestões Objetividade 11. Referências bibliográficas Conhecimento das NTB 12. Relatório 152 Resultados dos passos Metas do pesquisador Sondagem dos estudos já realizados sobre o tema Identificação de um proble- ma específico Supostos e fundamentação teórica Redação explícita do pro- blema e conceitos Importância e justificativa Estimativa da validade ope- racional Identificação, localização e fichamento de leituras Seleção de métodos e técni- cas de medida, análise e amostragem Predição e redação explíci- ta das hipóteses Explicação da abordagem da pesquisa Planejamento segundo o ti- po de abordagem Escolha e desenvolvimento de instrumentos demedida Confiança na adequação dos instrumentos, pré-teste Sujeitos adequados ao pro- blema Seleção de estatísticas des- critivas e inferenciais Decisão do nível de signifi- cância Quadros e tabeías Descrição dos resultados em função do problema e hipó- tese, e do tipo de abordagem Indicação da aplicabilidade teórico-prática Redação das referências em ordem alfabética Redacão do relatório inte- grancÍo todas as partes da pesquisa A.B.P. 3/84 Passos 1. Identificação da área e tema 2. Revisão inicial da litera- tura 3. Definição e delimitação de um problema e conceitos 4. Segunda revisão da litera- tura 5. Formulação da hipótese de pesquisa 6. Seleção de métodos e téc- nicas para coleta de dados: instrumentos e escolha dos sujeitos amostrais 7. Seleção dos métodos de análise estatística 8. Interpretação dos dados 9. Conclusões e sugestões Quadro 4 Pesquisa correlacionai Dinâmica subjacente Motivação, interesse, expe- riência do pesquisador Familiarização com o tema Competência, experiência e conhecimento do pesquisa- dor Aquisição de conhecimentos específicos ao problema e conceitos Conhecimento adquirido e experiência Adequação aos conceitos e problema Atenção às características de heterogeneidade ou ho- mogeneidade da amostra (única) Adequação ao tipo de va- riável Associação Objetividade 10. Referências bibliográficas Conhecimento das NTB 11. Relatório Tipos de pesquisa Resultados dos passos Metas do pesquisador e in- teresse Sondagem dos trabalhos já publicados Identificação de um proble- ma específico Fundamentação teórica Redação e exposição do pro- blema; importância e jus- tificativa Definição dos conceitos Identificação, localização e fichamento de leitura Identificação de instrumen- tos de medida e métodos de seleção de sujeitos para a amostra Redação formal da hipótese Seleção dos instrumentos de medida adequados às di- mensões em jogo Identificação dos sujeitos amostrais Escolha do método apropria- do de correlação e/ou re- gressão Estabelecer assoclaçoes (e não causalidade) Discutir os resultados em função da: heterogen~idade ou homogeneidade da amos- tra, validação cruzada, coe- ficientes de correlação cor- rigidos Redação das referências em ordem alfabética Redação do relatório inte- grando todas as partes da pesquisa 153 Quadro 5 Pesquisa ex-post facto e experimental Passos 1. Identificação da área e tema 2. Revisão inicial da litera- tura 3. Definição e delimitação de um problema e conceitos 4. Estimativa de viabilidade do estudo 5. Segunda revisão da litera- tura 6. Formulação de hipóteses 7. Planejamento do método de coleta de dados 8. Seleção das técnicas de medida 9. Planejamento para análise dos dados 10. Elaboração do plano de amostragem 11. Estudo piloto 154 Dinâmica subjacente Motivação, interesse e ex- periência do pesquisador Familiarização com o tema Competência, experiência do pesquisador Aquisição de conhecimen- tos específicos ao problema Experiência e conhecimento Compatibilização com pro- blema, hipótese e aborda- gem Viabilização Confiabilidade dos instru- mentos ou nas técnicas ex- perimentais Adequação ao problema, hi- pótese, abordagem e amos- tra Adequação ao problema e hipótese Verificação da adequação do planejamento Resultados dos passos Metas do pesquisador Sondagem dos trabalhos já publicados Identificação de um proble- ma específico Fundamentação teórica Redação formal do proble- ma; importância e justifi- cativa Definição das variáveis de- pendente e independente Decisão quanto ao prosse- guimento, reformulação ou abandono do problema Localização, identificação e fichamento de leituras Obtenção de idéias sobre métodos de coleta de dados e instrumentos Redação formal das hipóte- ses substantiva e estatística Elaboração do delineamen- to da pesquisa, em função do número e condições das variáveis Identificação dos instrumen- tos de medida Seleção de estatísticas des- critivas e inferenciais Decisão quanto ao nível de significância e tabelas de saída Identificação da população e amostras Seleção dos sujeitos amos- trais Indicação para os grupos experimentais e controle Verificação da padroniza- ção, fidedignidade e valida- de dos instrumentos, da ade- quação das definições, de freqüência da análise esta- tística, da qualidade amos- trai· (Continua) A.B.P. 3/84 (Conclusão) Passos 12. Desencadeamento da pes- quisa 13. Relatório Abstract Dinâmica subjacente Resultados dos passos Seleção dos sujeitos Indicação dos sujeitos para os grupos Coleta dos dados Análise estatística Interpretação dos resultados Conclusões e sugestões Referências bibliográficas Redação do relatório inte- grando todas as partes da pesquisa This artic1e pass the idea that any type of research is scientific as far as it obbeys the methodologicaI standards. Founded on various c1assifications of research, the author searches to characterize the specifics methodological as- pects of different types of research. Taking as reference the I. J. Lehman e W. A. Mehrens' c1assification and definitions, the activity steps, its underIying dynamics and its results are presented following D. J. Fox' tables. However, there is not any intention to give "recipes", but general standards that must be adapted to the nature of the problem under investigation. Referências bibliográficas Borg, W. R. 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