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J PÚBLICO E PRIVADO
Os conceitos de "público" e "privado" podem ser
interpretados como a tradução em termos espaciais de
' "coletivo" e "individual"\
Num sentido mais absoluto, podemos dizer:•público é
uma área acessível a todos a qualquer momento; a
responsabilidade por sua manutenção é assumida
coletivamente. Privada é uma área cujo acesso é
determinado por um pequeno grupo ou por uma
pessoa, que tem a responsabilidade de mantê-la .!
Esta oposição extremo entre o público e o privado - como
o oposição entre o coletivo e o individual - resultou num
clichê, e é tão sem matizes e falsa como o suposto oposição
entre o geral e o específico, o objetivo e o subjetivo. Tais
oposições são sintomas da desintegração das relações
humanos básicos. Todo mundo quer ser aceito, quer se
inserir, quer ter um lugar seu. Todo comportamento no
sociedade em geral é, na verdade, determinado por papéis,
nos quais a personalidade de cada indivíduo é afirmada
pelo que os outros vêem nele. No nosso mundo,
experimentamos uma polarização entre a individualidade
exagerado, de um lodo, e o coletividade exagerado, de
outro. Coloco-se excessiva ênfase nestes dois pólos, embora
não exista uma único relação humano que nos interesse
como arquitetos que se concentre exclusivamente em um
indivíduo ou em um grupo, ou mesmo que se concentre de
modo exclusivo em todos os outros, ou seja, no "mundo
externo". É sempre uma questão de pessoas e grupos em
inter-relação e compromisso mútuo, i.e., é sempre uma
questão de coletividade e indivíduo, um em face do outro.
12 liÇÕES DE ARQUITETURA
'Wenn aber der lndividualismus nur einen Teil des Menschen
erfassf so erfassf der Koflektivismus nur den Menschen ais
Teil: zur Ganzheif des Menschen, zum Menschen ais Ganzes
dringen beide nicht vor. Der lndividualismus sieht den
Menschen nu r in der Bezogenheif auf sich selbst, aber der
Kollektivismus sieht den Menschen überhaupt nicht, er sieht
nur die "Gesetlschaft", Beide Lebensanschauungen sind
Ergebnisse oder Aeusserungen des gleichen menschlichen
Zustands.
Dieser Zusfand ist durch das Zusammensfromen von
kosmischer und sozialer Heimlosigkeif, von Weltangsf und
Lebensangst, zu einer Daseinsverfassung der Einsamkeit
gekennzeichnet, wie es sie in diesem Ausmass vermutlich
noch nie zuvor gegeben hat. Um sich vor der VerzweiRung
zu relfen, mil der ihn siene Vereinsamung bedroht, ergrei&
der Mensch den Ausweg, diese zu glorifizieren. Der
moderne lndividualismus hat im wesentlichen eine
imaginare Grundlage. An diesem Charakter scheitert er,
denn di e lmagination reicht nicht zu, die gegebene Situation
faktisch zu bewiiltigen.
Der moderne Kollektivismus ist die letzte Schranke, die der
Mensch vor der Begegnung mil sich selbst aufgerichtet
hat .. . ; im Kollektivismus gibt sie, mil dem Verzicht auf die
Unmiitelbarkeit persõnh"cher Entscheiclung und
Veranfwortung, sich selber auf In beiden Falfen ist sie
unfahig, den Durchbruch zum Anderen zu volfziehen: nur
zwischen echten Personen gibt es echte Beziehung. Hier gibt
es keinen anderen Ausweg ais den Aufstand der Person um
der Befreiung der Beziehung willen. lch sehe am Horizont,
mil der Langsamkeit a/ler Vorgange der wahren
Menschengeschichte, eine grosse Unzufriedenheit
heraufkommen.
Man wird sich nicht mehr b/oss wie bisher gegen eine
bestimmte herrschende Tendenz um anderer Tendenz willen
emporen, sondem gegen die falsche Realisierung eines
grossen Strebens, des Strebens zur Gemeinschah, um der
echten Realisierung witlen.
Man wird gegen die Verzerrung und für die reine Gesta/f
kiimpfen. lhr ersfer Schritf muss die Zerschlagung einer
falschen Alternafive sein, der Alternafive "lndividualismus
oder Kollektivismus".;
(Marlin Buber, Das Problem des Menschen, Heidelberg, 1948, também
publicado em Forum 7·1959, p. 249)
I"Se, porém, o individualismo compreende apenas parte da •
humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade
como parte; nenhum deles apreende o todo da
humanidade, a humanidade como um todo.
O individualismo vê a humanidade apenas na relação
consigo mesmo, mas o coletivismo não vê o homem de
maneira nenhuma, vê apenas a 'sociedade'. Ambas as
visões de mundo são produtos ou expressões da mesma
condição humana.
Esta condição caracteriza-se pela confluência de um
desamparo cósmico e social, de uma angústia diante do
mundo e da vida, por um estado existencial de solidão, que
provavelmente nunca se manifestaram antes nesse nível.
)Na tentativa de fugir do desespero trazido pelo isolament~,..,
o homem, como escapatória, procura glorificá-lo.
O individualismo moderno possui um fundamento
imaginário. Neste aspecto, ele fracassa, pois a imaginação
é incapaz de lidar factualmente com uma situação dada.
O coletivismo moderno é a última barreira que o homem
construiu para evitar o encontro consigo mesmo { ... ]; no
coletivismo, com a renúncia à imediaticidade da decisão e
da responsabilidade pessoal, ela se rende. Em ambos os
casos é incapaz de efetuar uma abertura para o outro: só
entre pessoas reais pode haver uma relação real.
Não há alternativa, neste caso, a não ser a rebelião do
indivíduo em favor da libertação do relacionamento. Veio
surgir no horizonte, com a lentidão de todos os processos
da história humana, um grande descontentamento.
As pessoas não mais se levantarão como fizeram no
possàóo conlra cer'la lendência predominante e a favor de
uma tendência diferente, mas contra a falsa realização de
um grande anseio, o anseio pelo comunitário, em nome da
verdadeira realização.
As pessoas lutarão contra a distorção e pela pureza.
O pníneiro passo deve ser a destruição de uma Falsa
escolha, a escolha: 'individualismo ou coletivismo'." -
Os conceitos de "público" e "privado" podem ser
vistos e compreendidos em termos relativos como uma
série de qualidades espaciais que, diferindo
gradualmente, referem-se ao acesso, à
responsabilidade, à relação entre a propriedade
privada e a supervisão de unidades espaciais
específicas.
DOM ÍNIO PÚBLICO 13
-2 DEMARCACOES
I
TERRITORIAIS
Uma área aberta, um quarto ou um espaço podem ser
concebidos como um lugar mais ou menos privado ou
como uma área pública, dependendo do grau de
acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de
quem toma conta dele e de suas respectivas
responsabilidades.
O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em
comparação com a sala de estar e a cozinha da casa
em que mora. Você tem a chave do seu quarto, do
qual você mesmo cuida. O cuidado e a manutenção da
sala de estar e da cozinha são basicamente uma
responsabilidade compartilhada por todos os que
moram na casa, que têm a chave da porta de entrada.
Numa escola, cada sala de aula é privada em
comparação com o ha/1 comunitário. Este ha/1, por sua
vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua.
RUAS E RESIDÊNCIAS, BALI (1 ·41
Os quartos de várias habitações em Bali são muitas vezes
pequenas casas construídas separadamente, agrupadas em
volta de uma espécie de pátio interno, no qual se entra por
um portão. Depois que atravessamos o portão, não temos a
sensação de que estamos entrando numa residência,
embora isso seja o que acontece de fato. As unidades
separadas da residência - área de cozinha, dormitórios e,
às vezes, uma câmara mortuária e um berçário - possuem
uma intimidade maior e são, certamente, de acesso menos
fácil para um estranho. Deste modo, a casa abrange uma
seqüência de gradações distintas de acesso.
14 LIÇÕES DE ARQUI TE TU RA
•
~
•
HJ
I
2
•
r=r=ll
~
~lei ~~
1. Dormitório para os pais 5. Dormitório
2. Altar 6. Cozinha
3. Templo fami liar
4. Área de estar/convidados
7. Depósito de arroz
8. Eira
Muitos ruas em Boli constituem o território de uma família
extenso.Nessas ruas estão situados os cosas dos diversos
unidades familiares, que juntos compõem o família extenso.
Essas ruas têm um portão de entrado, que é muitos vezes
provido de uma pequeno cerco de bambu encarregado de
manter os crianças e os animais do lodo de dentro, e,
embora sejam basicamente acessíveis o qualquer um,
tendemos o nos sentir como intrusos ou, no máximo, como
visitantes.
Além das diversos nuances nos demarcações territoriais, os
balineses fazem uma distinção dentro do espaço público: o
área do templo, que compreende uma série de recintos
sucessivos com entrados claramente marcados, aberturas
nas cercos ou portões de pedra (conhecidos como tjandi
bentar). Esta área do templo serve como ruo e como
pfayground poro os crianças. Poro o visitante também é
acessível como ruo - pelo menos quando não estão
acontecendo manifestações religiosos - , mos, mesmo assim,
o visitante sente certo relutância. Como alguém estranho ao
lugar, sente-se honrado por ter permissão de entrar.
No mundo inteiro encontramos gradações de
demarcações territoriais, acompanhadas pela sensação
de acesso. Às vezes o grau de acesso é uma questão
de legislação, mas, em geral, é exclusivamente uma
questão de convenção, que é respeitada por todos.
EDIFÍCIOS PúBLICOS
Os chamados edifícios públicos, tais como o ha/1 do correio
central ou uma estação ferroviário , podem (pelo menos
durante os horas em que ficam abertos) ser vistos como um
espaço de ruo no sentido territoria l. Outros exemplos de
graus diferenciados de acesso ao públ ico estão listados
abaixo, mos o listo, naturalmente, pode ser ampliado poro
incluir outros experiências pessoais:
• os pátios quadrangulares dos universidades no Inglaterra,
como em Oxford e Combridge; são acessíveis o todos pelos
pórticos, formando uma espécie de subsistema de caminhos
poro pedestres que atravesso todo o centro do cidade.
• edifícios públicos, como, por exemplo, o ha/1 do correio,
o estação ferroviário, etc.
• os pátios de blocos de moradia em Paris, onde o
concierge em geral reino supremo.
• ruas "fechados", encontrados em grande variedade por
todo o mundo, às vezes patrulhados por guardas de
segurança privado.
DOMÍN IO PÚBL ICO 15
Estação Centro/,
Hoorlem, Holanda
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6 7
lO I I
Ruo holandesa,
século XIX
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... 10 :.· ·.:· I
.. ·. ·.
ALDEIA DE MóRBISCH, ÁUSTRIA {6·81
As ruas na aldeia austríaca de Morbisch, perto da fronteira
húngaro (publicado em Forum 9-1959), têm portões largos,
como os que dão acesso a fazendas - mas aqui dão acesso
a ruas laterais ao longo das quais se situam residências,
estábulos, celeiros e hortas.
.... Estes exemplos mostram como são inadequados os
termos público e privado, enquanto as áreas
chamadas semiprivadas ou semipúblicas, que muitas
vezes estão espremidas no zona intermediária, são
equívocas demais para acomodar as sutilezas que
devem ser levadas em conta ao projetar cada espaço
e cada área.,
• Onde quer que indivíduos ou grupos tenham a
oportunidade de usar partes do espaço público para
seus próprios interesses, e apenas indiretamente no
interesse dos outros, o caráter público do espaço é
temporária ou permanentemente colocado em questão
por meio do uso. Exemplos desse tipo podem ser
encontrados em qualquer parte do mundo.
Em Bali - mais uma vez usada como exemplo - o arroz é
espalhado para secar em amplas áreas dos caminhos
16 d(Õ fS DE AROU TE'UiA
públicos e até mesmo no meio-fio das estradas de
macadame, onde permanece intocado pelos veículos e
pelos pedestres, pois todos estão conscientes da
importância da contribuição de cada membro da
comunidade para a colheita de arroz. 191
Um outro exemplo de mistura do público com o privado é o
roupa pendurada para secar nas ruas estreitas de cidades
do sul da Europa: uma expressão coletiva de simpatia pelo
lavagem de roupa de cada família, que fica pendurada
numa rede de cabos que atravessa a rua de uma casa a
outra.
Nápoles
Outros exemplos são as redes e navios sendo reparados
nos cais de aldeias e portos pesqueiros, e o Dogon: a lã
estirado no praça da aldeia.
O uso do espaço público por residentes, como se fosse
"privado", fortalece a demarcação por parte do
usuário desta área aos olhos dos outros. A dimensão
extra dada ao espaço público por essa demarcação
sob a forma de uso para objetivos privados será
discutida detalhadamente mais adiante, mas antes
devemos procurar saber quais as conseqüências que
traz para o arquiteto.
BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, 1862-1868 I H. lABROUSTE (12)
No principal sala de leitura da Biblioteca Nacional em
Paris, os espaços de trabalho individual, dispostos um em
frente ao outro, são separados por uma "zona" média mais
elevada; as lâmpadas no centro dessa prancha fornecem
luz paro as quatro superfícies de trabalho diretamente
adjacentes. Esta zona central é mais acessível do que os
espaços de trabalho individual, mais baixos, e tem como
claro objetivo o uso compartilhado por aqueles que se
sentam de ambos os lados.
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER ( 13·19)
Há muitos anos, antes de se estabelecer a moda de
"escrivaninha lisa", as escrivaninhas dos escritórios eram
providas de pranchas que, quando as escrivaninhas eram
colocadas uma contra a outra, formavam uma zona central
semelhante às que dividem as mesas de leitura da
Biblioteca Nacional em Paris. Por meio dessa articulação,
reserva-se um lugar para os objetos compartilhados por
diversos usuários, tais como telefones e vasos. O espaço
sob as pranchas cria uma área maior de armazenamento
privado para cada usuário individual. A articulação em
termos de maior ou menor acesso (público) também pode
revelar sua utilidade nos detalhes.
T.U..PO l Af(AAl E lAioiPQ t FIAS( IAO
13
12 14
DOM ÍNIO PÚBliCO 17
16
7 18
18 liÇÕES DE ARQUITETURA
Portas de vidro entre espaços igualmente públicos e
portanto igualmente acessíveis, por exemplo, proporcionam
ampla visibilidade de ambos os lados, de modo que as
colisões podem ser facilmente evitadas. Portas sem painéis
transparentes têm de dar acesso a espaços mais privados,
menos acessíveis. Quando um código desse tipo é adotado
coerentemente em todo o edifício, é entendido racional ou
intuitivamente por todos os usuários do prédio e assim pode
contribuir paro esclarecer os conceitos subjacentes à
organização do acesso. Uma classificação adicional pode
ser obtida mediante a forma dos painéis de vidro, o tipo do
vidro empregado: semitransparente ou opaco, ou a
meia-porta .
Quando, ao projetar cada espaço e segmento, temos
consciência do grau de relevância da demarcação
territorial e das formas concomitantes das
possibilidades de "acesso" aos espaços vizinhos,
podemos expressar essas diferenças pela articulação
de forma, material, luz e cor, e introduzir certo
ordenamento no projeto como um todo. Isto, por sua
vez, pode aumentar a consciência dos moradores e
visitantes quanto à composição do edificio, formado
por ambientes diferentes na que diz respeito ao
acesso. O grau de acesso de espaços e lugares fornece
padrões para o projeto. A escolha de motivos
arquitetônicos, sua articulação, forma e material são
determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido
por um espaço.
DO MÍNIO PÚBl iCO 19
-3 DIFERENCIACAO ,
TERRITORIAL
20
21 22 23
24
I ' I
l .n·~ ' ~I' I,
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Escola Montessori Delft
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' 1
20 llÇÕES DE ARQUITETURA
Holel Solvoy, Bruxelas, 1896/V. Horlo
{ver lambém página84)
Ao marcar as gradações de acesso público às
diferentes áreas e partes de um edifício em uma
planta, obtemos uma espécie de mapa mostrando a
"diferenciação territorial" . Este mapa mostrará
claramente que aspectos de acesso existem na
arquitetura, quais são a s demarcações de áreas
específicas e a quem se destinam, e que espécie de
divisão de responsabilidades pode ser esperada no
que diz respeito aos cuidados e à manutenção dos
diferentes espaços, de modo que essas forças possam
ser intensificadas (ou atenuadas) na elaboração
posterior da planta .
DOM ÍNIO PÚ BLICO 21
25 26
27 28
29
4 ZONEAMENTO
TERRITORIAL
30
22 l iÇÕES DE ARQU ITETURA
O caráter de cada área dependerá em grande parte
de quem determina o guarnecimento e o ordenamento
do espaço, de quem está encarregado, de quem zela e
de quem é ou se sente responsável por ele.
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (30, 31)
Os efeitos surpreendentes obtidos pelos funcionários do
Centraal Beheer na maneira como ordenaram e
personalizaram o espaço de seus escritórios com cores de sua
escolha, vasos e objetos de estimação, não são apenas a
conseqüência lógica do fato de o acabamento dos interiores
ter sido deliberadamente entregue aos usuários do edifício.
Embora a nudez do interior severo e cinzento seja um convite
DOMÍNIO PUBliCO 23
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óbvio para que os usuários dêem os toques de acabamento
ao espaço de acordo com seus gostos pessoais, isto, por si só,
não é garantia de que irão fazê-lo.
É preciso algo mais para que isso aconteça: para começar, a
própria forma do espaço deve oferecer as oportunidades,
incluindo os acessórios básicos, etc., para que os usuários
preencham os espaços de acordo com suas necessidades e
desejos pessoais. Mas, além disso, é essencial que a
liberdade de tomar iniciativas pessoais esteja presente na
estrutura organizacional da instituição, e este aspecto tem
24 l iÇÕES DE ARQUITETURA
conseqüências muito maiores do que se pode pensar à
primeira vista. Pois a questão fundamental é saber quanta
responsabilidade a alta direção está disposta a delegar, isto
é, quanta responsabilidade será dada aos usuários
individuais dos escalões mais baixos.
É importante ter em mente que, neste caso, um empenho tão
excepcional para investir amor e cuidado no ambiente de
trabalho só se tornou possível porque a responsabilidade de
ordenamento e acabamento dos espaços foi deixada aos
usuários, de maneira muito explícita. Foi graças a isso que os
oportunidades oferecidas pelo arquiteto foram efetivamente
aproveitadas, gerando um resultado de êxito surpreendente.
Mas, se este edifício foi originalmente construído como uma
expressão espacial da necessidade de um ambiente mais
humano (embora muitos suspeitassem que isso teria sido
motivado por considerações relativas ao recrutamento de
pessoal), há no momento uma tendência para a
desumanização, em grande parte decorrente de cortes nos
custos, que afetam particularmente o quadro de funcionários.
Mas pelo menos pode-se dizer que o edifício oferece uma
resistência louvávél a essa tendência, e que, com um pouco
de sorte, conseguirão conservar o seu estilo. O que desaponta
é que o que pensávamos ser um passo inicial rumo a uma
responsabilidade maior para com os usuários revelou ser
apenas o último passo que pode ser dado no momento.
Hoje, isto é, em 1990, restou muito pouco da decoração
expressiva e colorida dos ambientes de trabalho. O apogeu
da expressividade pessoal da década de 1970 deu lugar à
limpeza e à ordem. Parece que o impulso de expressão
pessoal desapareceu e que neste momento as pessoas tendem
mais .ao conformismo. Talvez em razão do medo diante do
crescente desemprego da década de 1980, considera-se mais
sensato assumir uma posição menos extrovertida, e os efeitos
dessa situação já podem ser vistos na atmosfera fria e
impessoal da maioria dos escritórios de hoje.
FACULDADE DE ARQUITETURA DO M IT, (AMBRIDGE, USA
OFICINA DE TRABALHO 1967 (32, 33)
O grau de influência que os usuários podem exercer, em
casos extremos, sobre seu ambiente de trabalho ou de
moradia é claramente demonstrado nos ajustes feitos à
arquitetura existente pelos estudantes de arquitetura do MIT.
Os estudantes opuseram-se a ter de trabalhar em
pranchetas de desenho arrumadas em filas longas e
rígidas, todas voltadas na mesma direção. Usando restos de
material de construção, eles construíram o tipo de espaço
que queriam - no qual podiam trabalhar, comer, dormir e
receber seus orientadores.
Seria de esperar que cada novo grupo de estudantes
desejasse fazer seu próprio ajuste, mas a situação evoluiu
de outra maneira. O resultado da feroz disputa com as
autoridades loca is de prevenção a incêndios foi que todos
as estruturas teriam de ser derrubadas, a menos que um
sistema completo de sprinklers fosse instalado. Depois que
essa providência foi tomada, a situação tornou-se
permanente, e o ambiente, se é que ainda existe, pode ser
visto como um monumento ao entusiasmo de um grupo de
estudantes de arquitetura. Mas não devemos nos
surpreender se tudo já não foi eliminado (ou venha a sê-lo)
- a burocracia da administração centralizadora voltou a
assumir o controle.
A influência dos usuários pode ser estimulada, pelo
menos nos lugares certos, i.e., onde se pode esperar o
envolvimento necessário; e como isto depende do grau
de acesso, das demarcações territoriais, da
organização da manutenção e da divisão de
responsabilidades, é essencial que o projetista esteja
plenamente consciente desses fatores nas suas
gradações adequadas. Nos casos em que a estrutura
organizacional impede os usuários de exercerem
qualquer influência pessoal em seu ambiente, ou
quando a natureza de determinado espaço é tão
pública que ninguém se sente inclinado a exercerem
influência nele, não há motivo para que o arquiteto
tente fazer uma contribuição nesse sentido.
No entanto, o arquiteto ainda assim pode tirar
vantagem da reorganização que o ato de ocupar um
novo edifício sempre requer e tentar exercer alguma
influência na reavaliação da divisão de
responsabilidades, pelo menos no que diz respeito ao
ambiente físico. Uma coisa pode levar à outra. Pelo
simples fato de apresentar argumentos capazes de
assegurar à alta direção de que delegar
responsabilidades pelo ambiente aos usuários não
resulta necessariamente em caos, o arquiteto coloca-se
em posição de contribuir para melhorar as coisas, e
certamente é seu dever fazer pelo menos uma tentativa
nesse sentido.
ESCOLA MONTESSORI, DELFT (34, 35)
Uma prancha de madeira acima da porta, com uma
largura extra para que sobre ela possam ser colocados
objetos - como neste caso entre a sala de aula e o ha/1-,
presta-se mais a ser usada se for acessível pelo lado
adequado, i.e. , pelo lado de dentro da sala de aula. A
estante acima pode criar um efeito estético agradável se a
vidraça for recuada, mas é improvável que seja usada.
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (36·39)
Embora o cuidado pelos espaços dos escritórios no edifício
Centraal Beheer, nos quais cada funcionário tem sua
própria ilha particular para trabalhar, seja da
responsabilidade dos usuários, nenhum membro do quadro
de funcionários sente-se diretamente responsável pelo
espaço central do edifício. A área verde neste espaço
central é mantida por uma equipe especial (cf. Obras
DOMÍNIO PÚBLICO 25
3A 35
36 37
38
39 40
Públicas), e os quadros nas paredes são colocados por uma
equipe de profissionais.
Estes empregados também fazem seu trabalho com grande
dedicação e cuidado, mas há uma diferença de atmosfera
marcante entre a área comunitária e os espaços individuais
de trabalho com toda a sua diversidade.
Nos balcões de lanches deste espaço central, o serviçoé
feito pela mesma moça todo dia; o serviço de lanches foi
organizado de tal modo que cada garçonete foi alocada
num balcão específico. Ela se sentia responsável por aquele
balcão e, com o tempo, acabou por considerá-lo seu
26 liÇÕE S DE ARQUITETUR A
domínio, dando-lhe um toque pessoal. Estes balcões de café
já foram removidos, e bancos e máquinas de café foram
instalados em seu lugar. Todo o edifício está passando por
uma renovação e uma limpeza, e durante este processo um
grande número de ajustes será feito para atender aos
requisitos de um local de trabalho contemporâneo.
(ENTRO MUSICAL VREDENBURG 140)
A idéia subjacente que teve êxito no Centraal Beheer não
se aplica aos balcões de lanches do Centro Musical em
Utrecht. Ali a situação varia consideravelmente de um
concerto para outro, com diferentes balcões e diferentes
balconistas servindo o público. Já que, no caso, não se
esperava uma afinidade especial entre os empregados e os
espaços específicos de trabalho, havia motivo suficiente
para que as áreas de lanches fossem completadas e
inteiramente mobiliadas pelo arquiteto.
Em ambos os edifícios - no Centraal Beheer e no Centro
Musical - as paredes dos fundos são providas de espelhos.
No primeiro, porém, eles foram instalados pelos
funcionários e no segundo foram escolhidos pelo arquiteto
de acordo com os mesmos princípios gerais que regem todo
o edifício. Os espelhos da parede dos fundos permitem que
se possa ver quem está à frente, atrás e perto de nós.
Eles evocam as pinturas de teatro de Manet 141), que usou
espelhos para desenhar o espaço dentro do plano do
quadro e, assim, definir o espaço mostrando as pessoas e
como estão agrupadas.
O Centro Musical tem um quadro de funcionários
competente e dedicado que cuida do lugar.
O mesmo não pode ser dito, por exemplo, dos vagões de
refeição das ferrovias holandesas: os garçons
constantemente trocam de trem. Seu único compromisso
consiste em deixar o vagão limpo e asseado para o turno
seguinte. Imagine como as coisas seriam diferentes se o
mesmo garçom trabalhasse sempre no mesmo trem. Embora
o vagão-restaurante tenha desaparecido - dos trens
holandeses pelo menos-, uma nova forma de serviço
surgiu nas viagens aéreas. Mas as refeições servidas nos
aviões são mais uma imposição ao passageiro do que um
serviço; são servidas em horas que convêm mais à
companhia do que ao passageiro (além de serem muito
caros, pois estão incluídas no preço já bastante alto da
passagem).
Do lufthansa
Bordbuch, 6/88
41
42
43
44
S DE USUÁRIO
A MORADOR
A tradução dos conceitos de "público" e "privado" à
luz de responsabilidades diferenciadas torna mais fácil
para o arquiteto decidir onde devem ser tomadas
medidas para que os usuários/ habitantes possam dar
suas contribuições ao projeto do ambiente e onde isto
é menos relevante. Na organização de um projeto em
função de plantas-baixa s e de cortes, e também de
acordo com o princípio das instalações, podem-se criar
as condições para um maior senso de responsabilidade
e, conseqüentemente, também um ma ior envolvimento
no arranjo e no mobiliamento de uma á rea. Deste
modo os usuários tornam-se moradores.
EsCOLA MONTESSORI, DELFT 144-47)
As solos de aula desta escalo são concebidos como unidades
autônomos, pequenos lares, por assim dizer, já que todas
estão situados ao longo do ha/1 do escola, como uma ruo
comunitária. A professora, a "tia", de cada casa decide, junto
com os crianças, que aparência terá o lugar e, portanto, qual
será o seu tipo de atmosfera.
Cada solo de aula também tem seu pequeno vestíbulo, em vez
do usual espaço comunitário para toda a escola, que em
geral sign ifica a ocupação total do espaço por filas de
cabides e suo inutilizoção para qualquer outro fim. E, se cada
sala de aula tivesse seu próprio banheiro, isto também
28 LIÇÕES DE ARQUITEIURA
contribuiria para aprimorar o sentido de responsabilidade da
criança (a proposto foi rejeitada pelas autoridades
educacionais sob o pretexto de que seriam necessários
banheiros separados paro meninos e meninos- como se fosse
assim na cosa deles-, o que exigiria o dobro de banheiros].
É perfeitamente concebível que os crianças de cada solo
mantenham seu "lar" limpo, como os pássaros fazem com seu
ninho, dando deste modo expressão à ligação emocional com
seu ambiente diário.
A idéia Montessori, no verdade, compreende os chamados
deveres domésticos como porte do programa diário para
todas as crianças. Assim, dó-se muito ênfase ao cuidado com
o ambiente, fortalecendo com isso o afinidade emocional das
crianças com o espaço à suo volta.
Cada criança também pode trazer suo próprio planto para a
sala de aula e cuidar dela. (A consciência do ambiente e a
necessidade de cuidar dele ocupam um lugar proeminente no
conceito de Montessori. Exemplos típicos são o tradição de
trabalhar no assoalho sobre tapetes especiais - pequenas
áreas temporárias de trabalho que são respeitadas pelos
outros -e a importância atribuída ao hábito de arrumar as
coisas em armários abertos.] Um passo à frente, no sentido de
uma abordagem mais pessoal poro os espaços que circundam
diariamente os crianças, incluiria o possibilidade de regular o
aquecimento central de cada solo. Isso aumentaria o
consciência das crianças quanto ao fenômeno do calor e ao
cuidado que temos de tomar para nos mantermos aquecidos,
ao mesmo tempo em que os tornaria mais conscientes dos
usos do energia.
Um "ninho seguro" - um espaço conhecido à nossa
volta, onde sabemos que nossa s coisas estão seguras e
onde podemos nos concentra r sem sermos perturbados
pelos outros - é a lgo de que cada indivíduo preciso
tanto quanto o grupo.
Sem isso, não pode haver colaboração com os outros.
Se você não tem um lugar que possa chamar seu, você
não sabe onde está!
Não pode haver aventura sem uma base para onde
retornar: todo mundo precisa de a lguma espécie de
ninho para pousar.
O domínio de um grupo particular de pessoas deveria ser
respeitado tanto quanto possível pelos "estranhos". Por esta
razão, há certos riscos ligados ao chamado uso
multifuncional. Vamos tomar como exemplo uma sala de
aula: se é usado poro outros finalidades foro do horário
escolar, por exemplo, para atividades do vizinhança, toda
a mobília tem de ser deslocado temporariamente e, claro,
nem sempre é colocada de volto a seu lugar adequado. Em
ta is circunstâncias, figuras de borro modelado deixados
para secar, por exemplo, podem ser quebradas
"acidentalmente" com facilidade, ou então o apontador de
lápis de alguém pode desaparecer.
45
DOMIN10 PÚBliCO 29
46
47
É importante que as crianças possam exibir as coisas que
fizeram, digamos, na aula de trabalhos manuais, sem medo
de que possam ser destruídas, e que possam também deixar
trabalhos inacabados sem que haja o perigo de serem
retirados ou "arrumados" por "estranhos". Afinal de contas,
uma faxina completa feita por outra pessoa pode fazer
30 liÇÕES DE ARQUITETURA
alguém sentir-se perdido em seu próprio espaço na manhã
seguinte.
Uma sala de aula, concebida como o domínio de um
grupo, pode mostrar sua própria identidade ao resto da
escola se lhe for dada a oportunidade de fazer umo
exposição das coisas com as quais o grupo estó
especialmente envolvido (coisas que as crianças fizeram
dentro ou fora da sala de aula). Isto pode ser executado de
modo informal usando-se a divisória entre o ha/1 e a sala
de aula como espaço de exposição e abrindo-se muitas
janelas com peitoris generosos na divisório.
Um pequeno mostruário (neste caso, até iluminado) é um
desafio para o grupo apresentar-se de maneira mais
formal. O exterior da sala de aula pode então funcionar
como uma espécie de "vitrine" que mostra o que o grupo
tem a "oferecer".
Desse modo, cadaturma pode apresentar uma imagem com
que os outros podem se relacionar e que marca a transição
entre cada sala de aula e o espaço comunitário do ha/1.
1
ESCOlAS APOLLO 148-50)
Se o espaço entre as solas de aula foi usado para criar
áreas semelhantes a alpendres, como na escola Montessori
de Amsterdom, essas áreas podem servir como lugares de
trabalho adequados onde se pode estudar sozinho, i.e. ,
sem estar na sala de aula mas também sem ficar isolado
desta. Esses lugares consistem numa superfície de trabalho
com iluminação própria e num banco encostado a uma
parede baixa. Para regular o contato entre a sala de aula e
o ha/1 da maneira mais sutil possível, foram instaladas
meias-portas, cuja ambigüidade pode gerar o grau
adequado de abertura para o ha/1 e, ao mesmo tempo,
oferecer o isolamento necessário a cada situação.
Aqui encontramos mais uma vez (como na escola de Delft)
o mostruário de vidro contendo o museu-miniatura e a
exposição da sala de aula.
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DOM NIO PUBL CO 31
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51
6 O "INTERVALO"
O significado mais amplo do conceito de intervalo foi
introduzido em Forum 7, 1959 (lo plus grande réolité
du seuil) e em Forum 8, 1959 (Dos Gestolt gewordene
Zwischen: the concretizotion of the in-between)
A soleira fornece o chove poro o transição e o conexão
entre áreas com demarcações territoriais divergentes e,
no qualidade de um lugar por direito próprio, constitui,
essencialmente, o condição espacial poro o encontro e
o diálogo entre áreas de ordens diferentes.
32 LIÇÕ ES DE AROUIHIURA
O valor deste conceito é mais explícito no soleira por
excellence, o entrado de uma coso . Estamos lidando
aqui com o encontro e o reconciliação entre o ruo, de
um lodo, e o domínio privado, de outro.
A criança sentada no degrau em frente à sua casa está
suficientemente longe da mãe para se sentir independente,
para sentir a excitação e a aventura do grande
desconhecido.
Mas, ao mesmo tempo, sentada ali no degrau, que é parte
da rua assim como da casa, ela se sente segura, pois sabe
que sua mãe está por perto. A criança se sente em casa e
ao mesmo tempo no mundo exterior. Esta dualidade existe
graças à qualidade espacial da soleira como uma
plataforma, um lugar em que os dois mundos se superpõem
em vez de estarem rigidamente demarcados.
. ~
~ . . .
'!!'P'-
~ """"'"' j,._~ ~~.
ESCOLA MONTESSORI, DELFT (52·56)
A entrada de uma escola primária devia ser mais do que
uma mera abertura através da qual as crianças são
engolidos quando as aulas começam e expelidas quando
elas terminam. Deveria ser um lugar que oferecesse algum
tipo de conforto para as crianças que chegam cedo e para
os alunos que não querem ir logo para casa depois das
aulas.
As crianças também têm seus encontros e compromissos.
Muros baixos em que se possa sentar são o mínimo a se
oferecer; um canto bem abrigado é melhor, mas o melhor
mesma seria uma área coberta para quando chove.
A entrada de um jardim-de-infância é freqüentada pelos
pais- ali eles se despedem de seus filhos e esperam por
eles quando as aulas terminam. Os pais que esperam os
filhos têm assim uma bela oportunidade para se conhecer e
poro combinar visitas das crianças às casas dos colegas.
Em suma, este pequeno espaço público, como local de
encontro para pessoas com interesses comuns, cumpre uma
importante função social. Como resultado da mais recente
transformação, em 1981 (56), esta entrada não mais existe.
DOMINIO PUBliCO 33
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DE ÜVERLOOP, lAR PARA IDOSOS 157, 58)
Uma área coberta na porta da frente, o começo da
"5oleira", é o lugar em que dizemo5 olá ou adeu5 ao5
vi5itante5, limpamo5 a neve da5 bota5 e penduramo5 o
guarda-chuva.
A5 entrada5 coberta5 para 05 apartamento5 do abrigo De
Overloop, em Almere, 5Õo equipada5 com banco5 perto da5
porta5 da frente. A5 porta5 da frente e5tão di5po5ta5 de
dua5 em dua5 para formar um alpendre combinado, o qual,
porém, é dividido em entrada5 5eparada5 por uma divi5ória
vertical que se projeta a partir da fachada. A5 meia5-portas
permitem a quem e5teja 5entado do lado de fora manter
contato com o interior do apartamento, de modo que 5e
pode pelo meno5 ouvir o telefone tocar. E5ta zona de
entrada é vi5ta como uma exlen5Õo da ca5a, como 5e pode
perceber pelos capachos colocado5 do lado de fora.
34 LIÇOES Ot AR OUITEIURA
Graça5 à saliência da cobertura, ninguém preci5a e5pero1
na chuva até que a porta 5eja aberta, enquanto a
atmo5fera ho5pitaleira do lugar dó a quem chega a
5en5ação de que já está qua5e dentro da ca5a.
Pode-se dizer que o banco na porta da frente é um motive
tipicamente holandê5 - pode ser vi5to em muita5 pinturas
antiga5, mas, no no550 5éculo, Rietveld, por exemplo, cri01
o mesmo arranjo, completado por uma meia-porta, em sut
famo5a ca5a Schroder. Utrecht, 1924 159).
DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS (60)
Em situações nos quais posso ser necessário um contato
entre o interior e o exterior - num lar poro idosos, por
exemplo, alguns dos moradores possam boa porte de seu
tempo no solidão de seus próprios quartos por causo do
mobilidade reduzido, esperando que alguém vá visitá-los,
enquanto outros moradores que ficam do lodo de foro
também gostariam de algum contato-, em tais situações,
uma boa idéio é instalar portos com duas seções, de
maneiro que o porte de cimo posso ser mantido aberto e o
porte de baixo fechado. Essas "meio-portos" constituem um
cloro gesto de convite: o porto está aberto e fechado ao
mesmo tempo, i.e. , suficientemente fechado para evitar que
os intenções dos que estão lá dentro fiquem
demasiadamente explícitos, mos aberto o bastante poro
facilitar o converso casual com quem está passando, o que
pode levar o um contato mais íntimo.
A concretização do sole ira como intervalo significa, em
primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para
as boas-vindas e as despedidas, e, portanto, é a
tradução em termos arquitetônicos da hospitalidade.
Além disso, a soleira é tão importante para o contato
social quanto as paredes grossas para a privacidade.
Condições para a privacidade e condições para manter
os contatos sociais com os outros são igualmente
necessárias. Entradas, alpendres e muitas outras
formas de espaços de intervalo fornecem uma
oportunidade para a "acomodação" entre mundos
contíguos. Esta espécie de dispositivo dá margem o
certa articulação do edifício em foco, o que requer
espaço e dinheiro, sem que sua função possa ser
facilmente demonstrável - e ainda menos quantificável -,
e, por esse motivo, torna-se muitas vezes difícil de
realizar, exigindo esforço e trabalho de persuasão
constante durante a fase de planejamento.
RESIDÊNCIAS DOCUMENTA URBANA (61 -70)
O edifício em formo de meandro, denominado "serpente",
é composto de segmentos, cada um deles projetado por
arquitetos diferentes. As escadas comunitários foram
colocados numa situação de amplo luminosidade, bem
maior que o do espaço residual costumeiro, em geral de
pouco luminosidade.
Numa residência poro vários famílias, o ênfase não deve
recair exclusivamente sobre medidos arquitetônicos
destinadas o prevenir o barulho excessivo e o
inconveniência dos vizinhos; uma atenção especial deve ser
dado em particular à disposição espacial, que pode
conduzir aos contatos sociais esperados entre os vários
ocupantes de um mesmo edifício. Por conseguinte,
atribuímos às escadas mais importância do que de costume.
As escadas comunitários não devem ser apenas uma fonte
de aborrecimento no que diz respeito ao acúmulo de
sujeira e à limpeza - devem servir também, por exemplo,
como um ployground poro os crianças de famílias vizinhos.
Por este motivo, foram projetados com o máximo deluz e
abertura, como ruas com telhado de vidro, e podem ser
avistados dos cozinhas. Os alpendres de entrado abertos,
com duas portos, uma após o outro, expõem ao território
comunitário um pouco mais de seus moradores do que os
portos fechados tradicionais.
Embora, naturalmente, tenho-se tomado cuidado poro
assegurar o privacidade adequado nos terraços, os famílias
vizinhos não estão de todo isolados umas dos outros.
Procuramos projetor os espaços exteriores de tal modo que
o vedação necessário roube o mínimo possível dos
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36 l i ÇÕES DE ARQUITETURA
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~~········ II:::J~··Orãlial
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condições espaciais paro contatos entre os vizinhos. Tal
expansão do espaço mínimo requerido poro "finalidades de
circulação" mostrou-se capaz não apenas de atrair os
crianças - serve também como um lugar em que os vizinhos
podem se sentar e conversor. Neste coso os moradores
também providenciaram os equipamentos.
Edificio à direito. O. Steid/e, arquiteto.
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69
70
Além da tradicional porta da frente, as moradias têm uma
segunda porta de vidro que também pode ser trancada e
que conduz à escada, obtendo-se assim um espaço de
entrada aberto. Uma vez que esse espaço intermediário
entre a escada e a porta da frente é interpretado de
maneira diferente por pessoas diferentes- i.e. , não apenas
como parte das escadas mas também como uma extensão
da casa - , é usado por alguns como um ho/1 aberto, no
qual a atmosfera da casa pode penetrar. Deste modo,
dependendo de qual das duas portas é considerada como a
verdadeira porta da frente, os moradores podem expor sua
38 liCÕES DE ARQUITETURA
individualidade, em geral restrita à intimidade do lar, ao
mesmo tempo em que a escadaria perde algo de suo
característica de terra-de-ninguém e pode até adquirir un::
atmosfera autenticamente comunitária. O princípio do
caminho vertical para o pedestre, tal como aplicado no
projeto habitacional de Kassel, foi posteriormente
elaborado no conjunto habitacional LiMa em Berlim.
As escadas desse conjunto conduzem a terraços
comunitários nos telhados. No final, decidiu-se que não
seria necessário incorporar as varandas para lazer
previstas no projeto de Kassel , já que o pátio isolado
oferecia o espaço de lazer adequado, especialmente pore
. .
as cnanças ma1s novas.
CITÉ NAPOLEON, PARIS, 1849 IM. H. VEUGNY (71·74)
A Cité Nopoléon, em Paris, foi uma dos primeiros
tentativas, e certamente o mais notável, de solução razoável
poro o problema do distância entre o ruo e o porto da
hnte num prédio residencial de muitos andores. Este
espoço interior, com suas escadas e passarelas, evoco as
edificações de vários andares de uma aldeia nas
montanhas. Uma razoável quantidade de luz alcança os
andores mais altos através do telhado de vidro.
Os moradores dos andores de cima abrem suas janelas
poro este espaço interior, e o presença de vasos de plantas
mostro, pelo menos, que os pessoas dão valor a esse
detalhe. Embora não tenho sido possível - em que pesem as
boas intenções dos construtores - transformar esse espaço
interior (fechado como é em relação à ruo lá foro) numa
ruo interna verdadeiramente funcional segundo nossos
podrões, não há dúvida de que este exemplo se destaca de
maneiro brilhante, sobretudo quando se penso em todas
aquelas sombrios escadarias construídas desde 1849.
1.···.··--~••uHu••l .. :·.•. ,······~········· ,_, ::::::~::·_·::
o 5 10
I L..J'tJ
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7 DEMARCACOES PRIVADAS
I
NO ESPACO PÚBLICO
I
O conceito de intervalo é o chove para eliminar a
divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações
territoriais. A questão está, portanto, em criar espaços
intermediários que, embora do ponto de vista
administrativo possam pertencer quer ao domínio
público quer ao privado, sejam igualmente acessíveis
para ambos os lados, isto é, quando é inteiramente
aceitável, para ambos os lados, que o "outro" também
possa usá-lo.
DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS (75·77)
Os corredores servem como ruas num edifício que deve
funcionar como uma cidade para seus moradores, afetados
por sérias limitações, já que o maior porte deles é incapaz
de deixar o área sem ajudo. As unidades de habitação
situadas ao longo desta "ruo" têm, aos pares, áreas
semelhantes a alpendres, que, por um lado, pertencem às
habitações, mos, por outro, também fazem porte da "rua".
Os moradores colocam suas coisas ali, cuidam deste espaço
e com freqüência criam plantas e flores ali , como se este
fosse parte de sua próprio cosa, uma espécie de varando
no nível da rua. Embora a área do alpendre seja
completamente acessível aos transeuntes, permanece como
porte da rua.
É extremamente difícil reservar os poucos metros quadrados
necessários a um objetivo como esse dentro da infinito rede
de regulamentos e normas que se referem às dimensões
mínimas e máximas que governam cada um dos aspectos
do projeto arquitetônico.
No caso dos abrigos sociais, esse aspecto é considerado,
40 liÇÕ ES O E A RQ UI TE! U R A
do ponto de vista administrativo, como uma redução
indevida do tamanho da unidade domiciliar, ou como uma
expansão indevida do corredor: a funcionalidade de cada
metro quadrado é, afinal, medida de acordo com a
utilidade quantificável. O amor e o cuidado que os
moradores investem neste espaço, que, estritamente, não é
porte do apartamento, dependem de um detalhe
aparentemente menor, ou seja, a janela que lhes permite
vigiar os objetos que foram colocados lá fora , não só como
uma precaução contra o roubo, mas simplesmente porque é
agradável poder ver os próprias coisas ou verificar como 01
plantas vão indo. O arquiteto precisa de uma dose
incomum de engenhosidade para que esta idéia consigo
passar pela vigilância cuidadoso dos autoridades
responsáveis pela prevenção de incêndios.
Os quadros de luz no "De Drie Hoven" perto das portos do
frente foram instalados em pequenas muretas salientes, de
tal modo que se pode colocar facilmente um tapete ao lodo.
o o
Usando pedaços de tapete, os moradores se apropriam do
pequeno espaço assim criado e o equipam, estendendo desta
moneira os limites de sua casa além da porta da frente.
Se incorporamos os sugestões espaciais adequados e m
nosso projeto, os moradores sentem-se mais inclinados
a expandir suo esfera de influência em di reção à área
pública. Até mesmo um pequeno ajustamento, no
forma de uma articulação espacial do entrado, pode
ser o bastante poro estimular a expansão do esfera de
influência pessoal , e, deste modo, o qualidade do
espaço público será consideravelmente aprimorado no
interesse comum.
RESIDÊNCIAS DIAGOON (78·83)
O que poderia ser feito com os calçados nos "ruas
residenciais", se coubesse aos moradores a
responsabilidade pelo espaço, pode ser imaginado com
base na experiência com as calçadas em frente às
residências Diagoon, em Delh. A área em frente às
moradias não foi projetada como jardim; foi simplesmente
pavimentada como uma calçada comum e,
conseqüentemente, como parte do domínio público,
embora, de modo estrito, não o seja.
As áreas pertencentes às diversas casos não foram
demarcadas, e o loyouf não contém nenhuma sugestão de
demarcação privada. A pavimentação foi leito com blocos de
concreto comum, o que desperta automaticamente associações
com uma rua pública porque as calçadas em geral são
pavimentadas com o mesmo material. Os moradores então
começaram a remover alguns dos blocos de concreto para
colocar plantas no lugar. "Dessous les pavés la plage."
O resto dos blocos foi deixado intactopara proporcionar um
caminho até a porta ou um espaço para estacionar o corro
da família perto da casa. Cada morador uso a área em frente
à sua casa de acordo com suas necessidades e desejos,
incorporando a parte da área de que necessita e deixando o
resto acessível para o uso público.
Se o layouf tivesse partido da idéia de áreas separados,
privadas, então sem dúvida todos iriam usá-las ao máximo
em seu próprio benefício, mas surgiria uma divisão
irreversivelmente abrupta entre o espaço público e o
privado, em vez da zona intermediária que foi criada, uma
fusão do território estritamente privado das casas e da área
público do rua. Nesta área de intervalo, entre o público e o
privado, demarcações individuais e coletivas podem
superpor-se e os conflitos resultantes devem ser resolvidos
mediante um acordo entre os portes. É aqui que cada
morador desempenha o papel que revela o tipo de pessoa
que quer ser e, por conseguinte, como desejo que os outros
o vejam. Aqui se decide também o que o indivíduo e a
coletividade podem oferecer um ao outro.
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MORADIAS LIMA (84-89)
O conjunto de moradias LiMo está localizado no ponto de
uma área triangular, cujo esquina é ocupado por uma
igreja. Os volumes desta igreja não se relacionam
claramente com o alinhamento arquitetônico geral.
42 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Construir nesta ilha triangular implico manter o igreja à
porte como uma estruturo destacado e autônomo . O pátio
bastante diferente do tradicional e muitos vezes deprimente
pátio berlinense, e suo concepção é o de um espaço
público com seis caminhos de acesso para os pedestres,
incluindo conexões com a ruo e com o pátio vizinho. Estes
caminhos para pedestres constituem parte dos escadarias
comunitárias. No centro do pátio há um amplo tanque de
areia dividido em segmentos, cujas laterais foram
decorados com mosaicos pelas próprias famílias dos
moradores.
Não foi difícil despertar o entusiasmo dos moradores - os
quais já estavam profundamente interessados no projeto do
pátio- especialmente depois que eles viram as fotografias
do parque de Gaudí e as Torres Watt. A ajuda técnico e
organizacional foi fornecida por Akelei Hertzberger, que
empreendeu vários projetos semelhantes no passado com
resultados igualmente bem-sucedidos.
No começo, foram principalmente as crianças que
contribuíram com seus "ladrilhos", mas logo em seguida os
adultos aderiram, trazendo qualquer pedaço de cerâmica
que pudessem obter.
Nenhum arquiteto hoje seria capaz de dedicar tonto
atenção o um tanque de areia, nem isto seria necessário,
porque é algo que pode ser deixado poro os próprios
moradores. É difícil imaginar uma maneiro melhor de
responder ao incentivo oferecido. Mos ainda mais
importante é o foto de que o tanque de areia se tornou
algo que pertencia o eles e um objeto de seus cuidados: se
um fragmento do mosaico cai ou revelo ser pontudo
demais, por exemplo, algo será feito sem que haja
necessidade de reuniões especia is, cartas oficiais ou
processos contra o arquiteto.
Uma área de rua com o qual os moradores estão
envolvidos, onde marcos individuais são criados por
eles próprios, é apropriado conjuntamente e
transformado num espaço comunitário.
DOMiNIO PÚBLICO 43
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8 CONCEITO DE
OBRA PÚBLICA
Coniunto residencial
Biilmermeer,
Amsterdam
90 91
92
Fotomontagem
44 liÇÕES OE ARQUITETURA
Proieto residencial Familistere, Guise, França
O segredo é dor aos espaços públicos uma formo tal
que a comunidade se sinto pessoalmente responsável
por eles, fazendo com que cada membro da
comunidade contribuo à suo maneira para um
ambiente com o qual posso se relacionar e se
identificar.
O grande paradoxo do conceito de bem-estar coletivo,
tal qual se desenvolveu lodo a lodo com os ideais do
socialismo, é que ele acabo subordinando as pessoas
ao sistema que foi construído para libertá-las.
Os serviços prestados pelos departamentos de Obras
Públicas Municipais são vistos, por aqueles em cujo
benefício esses departamentos foram criados, como
uma abstração opressivo; é como se as obras públicas
fossem uma imposição vindo de cimo; o homem
comum sente que "não tem nado o ver com ele", e,
deste modo, o sistema produz um sentimento
generalizado de alienação.
o~ jordin$ público$ e O$ cinturÕe$ verdes em volto do$
bloco~ de oportomento$ no$ novo$ área$ urbano$ $ãO de
responsabilidade dos departamentos de Obrm Público$,
que fazem o que podem poro tornar e$SO$ áreas tão
atraente$ quanto possível -dentro dos limites dos
orçamento$ alocados - em benefício do comunidade.
Mo$ os resultados conseguidos desta maneiro não deixam
de ser rígidos, impessoais e ontieconômicos, comparados
com os que poderiam ser alcançados se todos os moradores
dos apartamentos tivessem o oportunidade de usar um
pequeno pedaço de terra (mesmo que fosse apenas do
tamanho de uma vogo de estacionamento) poro seus
próprios objetivos.
O que foi negado à coletividade poderio ter sido o
contribuição de cada morador do comun idade. O espaço
poderio ser usado de modo mais intensivo se nele fossem
investidos amor e cuidado pessoal.
Um exemplo desta afirmação pode ser visto no Fomilistere
em Guise, no França, um projeto de moradias construído
poro o fábrica de fogões Godin: uma comunidade de
moradores e trabalhadores moldado de acordo com os
idéias de Fourier. Embora construído no século XIX, ainda
conservo seu interesse como um exemplo do que pode ser
feito.
MORADIAS VROESENLAAN, RomRDAM, 1931-34 I J. H. VAN
DEN BROEK (93, 94)
As áreas de lazer e conforto comunitários só podem
florescer pelo esforço comunitário dos usuários. Essa deve
ter sido o idéio subjacente aos espaços comunitários
interiores - sem cerCO$ e divi$órios - que foram projetado$
no$ ano$ 20 e nos anO$ 30.
DOMÍNIO PUBliCO 45
93
94
95 DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (95)
O espaço cercado contendo animais, que deve suo
existência à iniciativa de um membro do equipe do "De
Drie Hoven", desenvolveu-se até tornor·se um zoológico em
miniatura, com um faisão, um povão, golinhos, cobras,
uma porção de patos num logo cheio de peixes. Poro os
idosos que moram no Lar, os animais compõem uma visto
agradável e interessante, e os quartos com visto poro o
menagerie são os mais procurados.
Abrigos de fabricação caseiro para os animais passarem a
noite foram providenciados por entusiastas, mas, logo que
esse esquema popular virou um sucesso e a expansão se
tornou necessária, o Departamento de Inspeção de
Moradias decidiu que os coisas não podiam mais continuar
assim; estipularam então que era preciso submeter à
aprovação de autoridades e comissões competentes uma
planta de construção elaborada por profissionais.
Para a população local, a menagerie representa um convite
ao envolvimento nos cuidados com os animais ou
simplesmente um passeio para ver como eles estão. Quando
é que as crianças da cidade vêem animais? Os únicos que
a maioria delas vê em seu ambiente são animais domésticos
de estimação, cachorros presos em coleiras, já que parece
impossível organizar formas de posse coletiva de animais
com divisão de responsabilidades pela sua manutenção.
Uma idéia dessa natureza nem sequer é sugerida - os
moradores locais, afinal, normalmente não exercem
nenhuma influência na maneira como seus espaços
comunitários são organizados e usados. Mas não podemos
46 liÇÕES DE ARQUITETURA
esperar que o setor de Obras Públicas vá cuidar de animais
por toda a cidade. Para isso, seria necessário um novo
departamento com funcionários especializados, para não
falar dos milhares de avisos dizendo "Não dê comida aos
• • 11
an1ma1s .
A distribuição dos espaços e os animais no "De Drie
Hoven" constituemum fator de indução natural para o
contato social entre os seus idosos moradores e a
população local - dois grupos com limitações diferentes.
Os moradores do Lar são fo rçados pelas circunstâncias a
ser estranhos na cidade, mas graças a "seu" jardim podem
oferecer alguma compensação para os outros - os quais,
por suo vez, são estranhos na área do "De Drie Hoven".
Estes exemplos servem para ilustrar como as melhores
intenções podem levar à desilusão e à indiferença.
As coisas começam a dar errado quando as escalas se
tornam grandes demais, quando a conservação e a
administração de uma área comunitária não podem
mais ser entregues àqueles que estão diretamente
envolvidos e se torna necessária uma organização
especial, com sua equipe especializada, com interesses
e preocupações próprios quanto à sua continuidade e,
possivelmente, à sua expansão. Quando se atinge o
ponto em que a principal preocupação de uma
organização é assegurar a continuidade de sua
existência - independente dos objetivos para as quais
foi criada, ou seja, fazer pelos outros o que não se
pode esperar que eles mesmos façam -, neste
momento a burocracia assume o controle. As regras
tornam-se uma camisa-de-força de regulamentos.
O sentido de responsabi lidade pessoal perde-se numa
burocracia sufocante de responsabilidades para com
superiores. Embora não exista nada de errado com as
intenções do elo individua l nesta interminável cadeia
de interdependências, elas se tornam virtua lmente
irrelevantes porque estão demasiado afastadas
daqueles em cujo benefício todo o sistema foi
inventado. A razão pela qual os habitantes da cidade
se tornam estra nhos em seu próprio ambiente de vida
é porque o potencial da iniciativa coletiva foi
grosseiramente superestimado ou porque a
participação e o envolvimento foram subestimados.
Os moradores de uma casa não estão de fato
preocupados com o espaço fora de seus lares, mas
também não podem ignorá-lo. Esta oposição conduz à
alienação diante de seu ambie nte e - na medida em
que suas relações com os outros são influenciadas por
ele - conduz também à alienação diante dos
moradores vizinhos.
O crescimento do nível de controle imposto de cima
poro baixo está tornando o mundo à nossa volta cada
vez mais inexorável: e isso abre caminho para a
agressividade que, por sua vez, conduz a um
enrijecimento ainda maior da teia de regulamentos.
O resultado é um círculo vicioso, a falta de
comprometimento e o medo exagerado do caos
alimentando-se mutuamente.
A incrível destruição da propriedade pública,
destruição que está aumentando nas principais cidades
do mundo, pode ser provavelmente imputada à
alienação diante do ambiente de vida. O fato de que
os abrigos de transporte público e os telefones
públicos venham sendo, semana após semana,
completamente destruídos é na verdade uma
alarmante acusação à nossa sociedade como um todo.
Quose tão alarmante, no enta nto, é que essa tendência
- e sua escala - é enfrentada como se fosse um mero
problema de organização: por meio do expediente de
reparos periódicos, como se tudo não passasse de uma
questão rotineira de manutenção, e da aplicação de
reforços-extras l"à prova de vândalos") . Desta
maneira, a situação parece estar sendo aceita como
"apenas mais uma dessas coisas". Todo o sistema
repressivo da ordem estabelecida é gerado para evitar
conflitos, para proteger os membros individuais da
comunidade das incursões de outros membros da
mesma comunidade, sem o envolvimento direto dos
indivíduos em questão. Isso expl ica por que há um
medo profundo da desordem, do caos e do
inesperado, e por que os regulamentos impessoais,
"objetivos", são sempre preferidos ao envolvimento
pessoal. É como se tudo devesse ser regulamentado e
quantificável, de modo que permitisse um controle total
e criasse as condições para que o sistema repressivo
da ordem nos torne locatários em vez de
co-proprietários, subordinados em vez de participantes.
Assim, o próprio sistema cria a alienação e, embora
afirme representar o povo, na verdade impede o
desenvolvimento de condições que poderiam resultar
num ambiente mais hospitaleiro.
• O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente
que ofereça muito mais oportunidades para que as
pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais,
que possa ser apropriado e anexado por todos como
um lugar que realmente lhes "pertença". O mundo que
é controlado e administrado por todos e para todos
terá de ser construído com entidades pequenas e
funcionais, não maiores do que as capacidades de
cada um para mantê-las. Cada componente espacial
será usado mais intensamente (o que valoriza o
espaço), ao mesmo tempo em que se espera que os
usuários demonstrem suas intenções. Mais
emancipação gera mais m.otivação, e deste modo
pode-se liberar a energia represada pelo sistema de
decisões centralizadas. Isto constitui um apelo em
favor da descentralização das responsabilidades, de
suo restituição onde for possível, e em favor da
delegação de responsabilidade a quem de direito-
para que possam ser tomadas medidas eficazes, para
resolver os problemas da inevitável alienação diante
do "deserto urbano".
DOM INIO PUBl i CO 47
96
9 A RUA
Amsterdam, bairro
operário, a vida nas
ruas: bem diferente de
hoje, mas lembre-se
de como as moradias
eram apertadas e
inadequadas naquele
tempo
97
9B
Gioggia, Itália. Rua
de convivência, sem
trânsito. Procurando
um lugar na sombra
48 L I Ç Õ E S DE A RQU I TETU RA
Para além de nossa porta ou do portão do jardim,
começa um mundo com o qual pouco temos a ver, um
mundo sobre o qual praticamente não conseguimos • •
exercer influência. Há um sentimento crescente de que 1114
o mundo para além de nossa porta é um mundo hostil, de
de vandalismo e agressão, onde nos sentimos gal
ameaçados, nunca em casa. No entanto, tomar esse int
sentimento generalizado como ponto de partida para o di1
planejamento urbano seria fatal. • c
Certamente seria bem melhor voltar ao conceito otimista ca1
e utópico da "rua reconquistada", que podíamos ver tão • c
claramente diante de nós há menos de duas décadas. nÚI
Nesta visão, inspirada pelo prazer existencialista diante aa
da vida no pós-guerra (especialmente o Provo, no caso POI
da Holanda), a rua é de novo concebida como o que &Sf
deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o rue
contato social entre os moradores pode ser estabelecido: est
como uma sala de estar comunitária. E o conceito de dis
que as relações sociais podem até ser estimuladas pelo ma
aplicação eficiente de recursos arquitetônicos pode ser de1
encontrado em Team X e especialmente em Forum, • C!
onde, como um tema central, esta questão era pel
repetidamente levantada. a f.
A desvalorização desse conceito de rua pode ser A F
atribuído aos seguintes fatores: esti
• o aumento do tráfego motorizado e a prioridade que
recebe;
• o organização sem critérios de áreas de acesso às
moradias, em particular as portas da frente, por causa
de vias indiretas e impessoais de acesso, tais como
galerias, elevadores, passagens cobertas (os
inevitáveis subprodutos de construções muito altas) que
diminuem o contato com o nível da rua;
• a anulação da rua como espaço comunitária por
causa do assentamento dos blocos;
• densidades reduzidas de moradias, enquanto o
número de moradores por unidade também diminui
acentuadamente. Assim, a queda da densidade
populacional vem acompanhada por um acréscimo no
espaço de habitações por moradores e na largura das
ruas. A conseqüência inevitável é que as ruas de hoje
estão bem mais vazias do que as do passado; além
disso, a melhoria no tamanho e na qualidade das
moradias significa que as pessoas passam mais tempo
dentro de casa e menos na rua;
• quanto melhoresas condições econômicas das
pessoas, menos ela necessitam dos vizinhos, e tendem
a fazer menos coisas juntas.
A prosperidade crescente parece, por um lado, ter
estimulado o individualismo, enquanto, por outro lado,
pe rmite que o coletivismo assuma proporções além da
nossa compreensão.
Devemos tentar lidar com esses fatores - ainda que o
arquiteto seja incapaz de fazer mais do que exercer
uma influência incidental nos aspectos fundamentais
de mudança social mencionados acima - criando
condições para uma área mais viável de rua onde quer
que seja possível. O que significa que isto deve ser
feito no âmbito da organização espacial, isto é , por
meios arquitetônicos.
• Situações em que a rua serve como uma extensão
comunitária das moradias são familiares a todos nós.
Dependendo do clima, as partes ensolaradas ou as
partes com sombra são as mais populares, mas o
tráfego motorizado está sempre ausente ou pelo menos
longe o bastante para não impedir que os moradores
vejam uns aos outros e possam ser ouvidos.
As ruas de convivência, que não servem mais
exclusivamente como via de tráfego e que estão
organizadas de tal modo que há também espaço para
as crianças brincarem, estão se tornando uma
presença cada vez mais familiar tanto nos novos
conjuntos habitacionais quanto nos projetos de
renovação - pelo menos na Holanda. Os interesses do
99
Moradias Spangen.
Rotterdam, 1919/
M. Brinkman. Rua de
convivência, sem
trânsito. Procurando
um lugar aa sol
DOMINIO PÚBLICO 49
IOI
100 102
pedestre estão sendo finalmente levados em
consideração, e com a instituição da woonerf (área
residencial com severas restrições ao tráfego e
prioridade total para os pedestres) com base jurídica,
ele está reconquistando seu lugar ou, pelo menos, não
é mais tratado como um fora-da-lei. No entanto, ainda
que os motoristas sejam obrigados a se comportar de
modo mais disciplinado, seus veículos ainda constituem
um embaraço, pois são tão grandes e, em especial, tão
numerosos, que ocupam cada vez mais o espaço
público.
MORADIAS HAARLEMMER HOUTIUINEN ( 100-1 09)
O tema central no Haarlemmer Houttuinen é a rua como
espaço de convivência, elaborada em associação com Van
Herk e Nagelkerke. A decisão de reservar uma área de
27 metros para o trânsito - mais relacionada com política
do que com planejamento urbano- obrigou-nos a construir
dentro desse limite de alinhamento imposto; como
resultado, não sobrou espaço para jardins nos fundos (que,
de qualquer modo, ficariam permanentemente na sombra).
Em suma, essas circunstâncias desfavoráveis- i.e. ,
orientação indesejável e ruído de trânsito - deixavam claro
que o lado norte deveria acomodar a parede de fundo, e,
deste modo, toda a ênfase recaiu automaticamente na rua
de convivência do lado sul. Esta rua de convivência é
acessível apenas para os carros dos próprios moradores e
para os veículos de entregas; o fato de estar fechada ao
tráfego motorizado em geral e também a sua largura de
sete metros - um perfil inusitadamente estreito pelos
padrões modernos - criaram uma situação capaz de evocar
a antiga cidade. Os equipamentos necessários à rua, tais
como luzes, estacionamentos de bicicletas, cercas baixas e
bancos públicos, estão distribuídos de tal modo que apenas
uns poucos carros estacionados já são o bastante para
50 liÇÕES DE ARQUITETURA
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::; :::::;::::::::::::::::::: ~:::::::::::::::::: : ::::::::::::::::::::::::::::::::: : ::::::::::::::::::::::::::::::::
'\0... . SI
r 1 ' ' • 1 (/\J
obstruir a passagem de qualquer tráfego adicional. Foram
plantados árvores para formar um centro a meio-caminho
entre as duas seções da rua. As estruturas que se projetam
a partir dos fachadas - as escadas externas e as varandas
-articulam o perfil da rua, fazendo-a parecer menos
ampla do que os sete metros da frente de uma casa até a
frente de outro. A conseqüência é uma zona que
proporciono espaço poro os terraços das residências
térreos. Estes canteiros com muros baixos não são maiores
do que as varandas do primeiro andar; é claro que não
podiam ser menores, mas o questão é saber se ficariam
melhores se fossem maiores. Como oferecem bem menos
privacidade do que as sacadas, podemos nos perguntar se
os moradores do andar térreo não ficam em desvantagem,
mas, por outro lado, o contato imediato com os transeuntes
e com as atividades gerais da rua parece ser atraente para
muitas pessoas, especialmente quando a rua readquire algo
de sua antiga qualidade comunitária. Foram deixadas
faixas em aberto ao lado dos espaços privados externos;
deliberadamente, ficou indefinida a organização dessas
faixas. O departamento de obras públicas não resistiu à
oportunidade de pavimentar esses espaços. Os moradores,
por suo vez, estão colocando plantas ali, apropriando-se
gradativamente dessa área basicamente pública.
A construção civil na Holanda tem a tradição de dedicar
muita atenção aos problemas de acesso aos andares mais
altos, e uma grande variedade de soluções foi desenvolvida
no país - todas com o objetivo de dar a cada residência
uma porta de entrada com o máximo de acesso possível
pela rua. No verdade, a solução que adotamos é apenas
uma outra variação de um tema essencialmente antigo: a
escadaria externa de ferro conduz o um patamar no
primeiro andar, onde fica a porta da frente da moradia do
andar de cima; daí a escadaria continua por dentro do
DOMÍNIO PÚBLICO 51
103
104
Reiinier Vinkeleskade,
Amslerdam, 1924 I
J. C. van Epen
105 IOó
107a
107b
108 107c 109
edifício, passando pelos dormitórios do moradia do andar
térreo até a moradia do andar de cima.
As entrados para os moradias dos andares de cima,
localizadas em "varandas públicas" com vista para a rua,
não constituem obstáculo para as moradias do andar térreo,
mas dão a estas uma espécie de abrigo para suas próprias
entradas. Como as escadas são leves e transparentes, o
espaço que fica embaixo delas pode ser totalmente usado
para caixas de correio, bicicletas e para as brincadeiras das
crianças. Houve um esforço considerável para separar os
áreas de acesso às habitações dos andares de cima e os
espaços de jardim em frente das habitações do andar
térreo. Isso se reflete na definição clara das
responsabilidades dos moradores quanto à limpeza de suas
áreas de acesso. A ausência de uma definição assim tão
clara resultaria sem dúvida numa utilização menos intensa
do espaço disponível para cada morador.
O conceito da rua de convivência está baseado na
idéia de que os moradores têm algo em comum, que
têm expectativas mútuas, mesmo que seja apenas
porque estão conscientes de que necessitam um do
outro. Este sentimento, no entanto, parece estar
desaparecendo rapidamente de nossas vidas.
A afinidade entre os moradores parece diminuir à
medida que aumenta a independência proporcionada
pela prosperidade. Tal anonimato chega mesmo a ser
elogiado pelos adeptos do coletivismo e da
centralização: se as pessoas se relacionam muito entre
52 liÇÕES DE ARQUITETURA
Segunda andar
Primeiro andar
Andar térreo
DOMÍNIO PÚH ICO 53
110 111
si, há o perigo de um excesso de "controle social",
eles argumentam.
Na verdade, quanto mais isoladas e alienadas a s
pessoas se tornarem em seu ambiente diá rio, mais
fácil será controlá-las com decisões autoritárias.
Embora o "controle social" não tenho de ser nega tivo
por definição, ele sem dúvida existe e seus efe itos
negativos são sentidos quando não podemos fazer
nado sem que sejamos julgados e vigiados pelos
outros, como em toda comunidade muito concentrado,
uma vila , por exemplo.
Devemos aproveitar todas as oportunidades possíveis
poro evitar uma separação rígida entre habitações
e para estimular o que restou do sentimentode
participar de algo que nos é comum.
Em primeiro lugar, esse sentimento de comunidade está
presente em qualquer interação social do cotidia no, tal
como nos brincadeiras dos crianças, no hábito de
revezar-se poro tomar conta das crianças, na
preocupação em manter-se informado sobre o saúde
do outro, em sumo, em todos esses cuidados e alegrias
que talvez pareçam tão evidentes que tendemos a
subestimar sua importância.
• As unidades de habitação funcionam melhor quando
as ruas em que estão localizadas funcionam bem como
espaços de convivência , o que por suo vez depende
particularmente de verificar o quanto são receptivos,
i.e., em que medida o atmosfera dentro dos cosas pode
se integrar à atmosfera comunitário do rua lá fora. Isto
54 LIÇÕES DE ARQUITETURA
é determinado em grande parte pelo planejamento e
pelo detalhamento do /ayout do vizinhança.
CoNJUNTO HABITACIONAL SPANGEN, RomRDAM, 1919 I
M. BRINKMAN (110, 111)
As galerias de acesso no conjunto habitacional Spanger
Rotterdom ( 1919) ainda não foram superados no que diz
respeito ao que oferecem aos moradores. Como só existe
portos do frente em um lodo dessa "ruo de convivência·.
moradores têm como companhia apenas seus vizinhos
imediatos. Isso é uma desvantagem em comparação cor
uma ruo normal, onde naturalmente encontramos os
vizinhos também do outro lado da ruo. No entanto, em Um
Spongen, o contato entre vizinhos é excepcionalmenle
intenso, o que mostro como é importante o ausência do
trânsito. Ainda assim, o interação que ocorre nos acesSO\
do galeria não se estende à ruo abaixo, onde ficam os
fundos dos residências. Não se pode estar em dois lu gar~
ao mesmo tempo.
ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (112·115
As unidades de habitação poro os estudantes casados o
quarto andor induziram à construção de uma rua·golerio
que poderio ser visto como um protótipo para uma ruo de
convivência, livre do trânsito e com visto poro os telhodol
do cidade velho. É um lugar seguro mesmo para as
crianças pequenos, que podem brincar ali enquanto seus
pois podem ficar sentados em frente às suas cosas.
O exemplo em que esse projeto se baseou foi, na verdooe
o complexo Spongen de 45 anos atrás.
r ~ 1·x r~ -~ ... ~ -1·· l .ld ' i 1 j ~ 1 ~. IJ : - · · • • · a ~ 1 ~ I
-- .J ,. • . ~ ~ . <f: • ~ C-1 - ' -'
Um dos problemas nas ruas-galerias é a colocação das
janelas dos quartos de dormir: se se abrem para a galeria,
surge a desvantagem de uma privacidade insuficiente. Essa
situação pode ser melhorada ao se erguer o nível do chão
do quarto de dormir, de modo que os que estão dentro
passam olhar pela janela com sua visão acima das cabeças
dos pessoas que estão do lado de fora, ao mesmo tempo
em que o janela é alta demais para que os que estão do
lado de fora possam olhar para dentro do quarto.
O edifício como um todo acabou se tornando muito menos
aberto, e, em conseqüência, a rua-galeria não é mais
acessível ao público.
PRINCÍPIOS DE ASSENTAMENTO (I I 6)
Pode·se ver como isto funciona, de uma forma elementar,
nos princípios de assentamento adotados de um modo ou
de outro em todos os projetos de moradia recentemente
construídos.
. ' I I
1~11[]
A procura por mais espaço e luz solar para todas as
unidades habitacionais conduziu, no planejamento urbano
do século XX, ao abandono do até então habitual
assentamento de quadras dentro do perímetro.
O resultado foi a perda do contraste entre a reclusão
tranqüila dos pólios cercados e a agitação e o barulho do
DOMÍ NIO PÚSL CO SS
112
113
114 115
116obc
117 118 119
trânsito da rua adjacente. As fachadas dando para as ruas
eram as frentes (e por isso os arquitetos concentraram seus
esforços nelas), enquanto as fachadas mais informais dos
fundos, com suas varandas e varais de roupa - algumas
favorecidas por sua orientação, outras muito ao contrário-,
formavam o chamado lado de convivência. Este arranjo foi
superado pelo assentamento em faixas, com habitações de ·
duas frentes, o que criou a possibilidade de colocar todos
os jardins ao lado (diagrama a). É importante compreender,
porém, que com esse tipo de fayout todas as portas da
frente de uma fileira de casas dão para os jardins da
próxima fileira. Assim, todo o mundo vive numa meia-rua,
por assim dizer, com os espaços entre os blocos sendo
essencialmente os mesmos em vez de se alternarem entre o
espaço do jardim e o espaço da rua. Incidentalmente, o
princípio de assentamento em faixa permite esta forma de
alternância na medida em que a orientação seja adequada
(diagrama b), mas, mesmo se este não for o caso, vale a
pena esforçar-se para assegurar que as frentes dos blocos
(isto é, onde as portas da frente estão localizadas) fiquem
uma em frente à outra (diagrama c) . Se as entradas das
habitações ficam uma em frente à outra, todos olham poro
o mesmo espaço comunitário - você pode ver as crianças
56 liÇÕES DE ARQUITETURA
do vizinho saindo apressadas de manhã para a escolo
seu relógio está atrasado de novo?).
Mos ter uma visão completa de seus vizinhos também
estimular a bisbilhotice, motivo pelo qual, com esse tipo
assentamento, é ainda mais importante, do que com o
que as janelas e os portas da frente sejam posicionados
bastante cuidado em relação às da cosa oposta, de tal
que se possa oferecer a cada entrada pelo menos alguma
privacidade, capaz de protegê-la contra a indiscrição
excessiva. No caso dos tradicionais esquemas de quadros
fechadas de moradias, todos os jardins e todas as
ficam uns em frente aos outros. As áreas dos jardins têm
portanto uma natureza diferente daquela das áreas do
RoYAL CRESCENTS, BATH, INGLATERRA 1767 I J. Wooo, J.
(11 7· 119)
Embora certamente não tenham sido projetadas com o
objetivo de contribuir para a interação de vizinhos, os
fachadas curvas dos "crescentes" de Bath são
particularmente interessantes nesse aspecto.
Por causa da concavidade da curva, as casas dão uma
para as outras. É o mesmo efeito de quando estamos
trem e os trilhos descrevem uma curva: por um momento
podemos ver os outros vagões cheios de passageiros,
presença não tínhamos notado ainda. Uma fachada
com as casas voltadas para a mesmo área contribui
natureza comunitária da área.
Enquanto o lado côncavo de uma fachada pode
o sentimento de comunidade, o lado convexo dos fundos
faz com que as casas, por assim dizer, se distanciem
das outras, contribuindo assim paro o privacidade dos
jardins. A solução dos crescentes contempla os dois
aspectos.
RóMERSTADT, FRANKFURT, ALEMANHA, 1927-28 I E. MAY (120-123)
Ernst Moy, como seu colega mais famoso, Bruno Taut, está
entre os mais importantes pioneiros da construção de
moradias no Alemanha. Os numerosos complexos
habitacionais que construiu em Frankfurt no período
1926-1930 mostram como tinha uma percepção aguçada
dos detalhes urbanos que podem melhorar as condições de
vida. A lição que ele ensina é que plantas muito monótonas
de loteamento, que em geral resultam dos orçamentos
limitados poro a habitação social, podem ser transformadas
num excelente ambiente de moradia, apesar dos meios
limitados, no medida em que as plantas sejam
desenvolvidos com um sentido adequado de orientação e
de proporção.
Naturalmente, é importante compreender que a arquitetura
das moradias e o projeto do ambiente à sua volta foram
entregues à responsabilidade do mesmo homem, que, além
disso, não fez nenhuma distinção entre a arquitetura e o
planejamento urbano, conseguindo assim ajustar moradias
e ambiente de tal modo que se tornaram partes
complementares de um todo único.
O conjunto habitacional Rõmerstadt está situado num suave
declive às margens do rio Nidda. As ruas paralelas seguem
o direção do vale. Embora pudesse parecer evidente, neste
coso, com ruas em terraço, planejar coerentementeos
jardins no encosta do vale, decidiu-se colocar as portas de
entrado dos fileiras de casas uma diante da outra de ambos
os lodos do caminho. A desigualdade entre os dois lados
de entrado, resultado da orientação e de uma (leve)
diferença de nível, foi compensada pela organização do
espaço do ruo de tal modo que as casas que ficavam do
lodo com jardins situados menos favoravelmente tinham
uma área verde na frente.
Um detalhe característico é que a pavimentação da calçQda
termino um pouco antes da fachada, deixando uma estreita
faixa nua bem ao lado da parede do lado norte. Este é um
espaço óbvio para as plantas, e as trepadeiras podem subir
pelo fachada, amenizando a sua rigidez.
HET GEIN, MORADIAS (124-128)
O layout do conjunto habitacionai"Het Gein" em Amersfoort
é de tal ordem que a ênfase recai especialmente sobre a
qualidade dos ruas de convivência. O terreno foi dividido,
no medido do possível, em blocos retos e longos e ruas
paralelos. À primeira vista, isto oferece menos, e não mais
variedade que o layout convencional, mas a idéia é que
ruas retos e tranqüilos constituem um ponto de partida mais
adequado poro as variações dentro dos loteamentos. É
como um sistema de urdidura e trama: enquanto a urdidura
1985
ags 18.00 MS .f-
DOMÍNIO PÚBliCO 57
110
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122
123
1934
124 125
127
126 128
(os ruas) num pedaço de pano constitui uma estruturo forte
(ainda que sem cores se for necessário), o tramo dá cor ao
tecido. Um requisito importante, porém, é que os ruas de
convivência sejam mantidos livres do trânsito tonto quanto
possível. Deu-se muito atenção aos perfis dos ruas; eles não
apenas são essenciais poro o qualidade de cada moradia
individual, como também poro o maneiro como estas se
inter-relacionam. As fachadas e, por conseguinte, também
os portos dos moradias ficam uma defronte do outro, duas
o duas, nos dois lodos do ruo. As ruas têm orientação de
sudeste poro noroeste, o que significo que um lodo recebe
mais sol do que o outro. É por isso que os ruas estão
ossimetricomente organizados: os espaços de
estacionamento ficaram num único lodo do ruo - o lodo do
sombra. O outro, o lodo do sol, tem uma amplo área
verde. As habitações com os portos do frente poro o lodo
do sol e, por conseqüência, com jardins do lodo com mais
sombra foram compensados com um espaço extra ( 1,80 m
de largura) oo longo do fachada, que pode ser usado poro
58 LIÇÕES DE ARQUITETURA
s"
.... t' o .... ·( . t\ ' """"
B ,_.{ 'B {,~.> 8
~ ).'{ '
.....
'111
I I I
I I
•
instalar alpendres cobertos, estufas, toldos e outros
confortos individuais. Estes acréscimos foram fornecidos
nós logo no início poro uma série de moradias, o que
estimular os ocupantes de moradias semelhantes a segur
estes exemplos, se tiverem os recursos poro isso. A
como esta zona vier o ser usado por todos os envolvidos
constituirá o principal fonte de diversidade - não como
resultado do projeto, mos sim como expressão de
individuais. Algumas dessas habitações possuem
no telhado, também existe o garantio de que no futuro
serão permitidos mais acréscimos numa zona esoEKIOinll!ll
designado poro isso. Os galpões dos jardins estão
localizados perto do coso ou no jardim, dependendo
condições de luminosidade. Nos jardins parcialmente
cobertos pelo sombra, isso o indo possibilito o criação de
um lugar ensolarado com alguma proteção. Os
com uma orientação mais favorável têm o galpão perto
coso, de modo que se torno atraente construir algum tipo
de conexão no espaço entre os dois.
ACESSO AOS APARTAMENTOS
As moradias devem ser tão diretamente acessíveis quanto
possível e, de preferência, não muito afastadas da rua,
como em geral acontece nos edifícios de muitos andares.
Sempre que, como no caso dos apartamentos, você só pode
chegar à sua casa indiretamente, através dos halls
comunitários, elevadores, escadarias, ou galerias, há o
risco de que estes espaços comunitários sejam tão anônimos
que desencorajem os contatos informais entre os moradores
e acabem degenerando numa vasta terra-de-ninguém.
Ainda que se leve em consideração a necessidade de certo
grau de privacidade para cada unidade nos edifícios de
muitos andares, as pessoas que moram ao lado, acima ou
abaixo, têm muito a ver umas com as outras, embora faltem
condições espaciais para isso. Além disso, num bloco de
apartamentos, é difíci l saber onde receber os amigos e
onde se despedir deles. Devemos acompanhá-los até a
porto da frente e deixá-los descer sozinhos as escadas ou
devemos ir com eles até onde o carro ficou estacionado?
E quanta trabalheira na hora de colocar a bagagem no
corro quando estamos saindo num feriado! Se as crianças
ainda são pequenas demais para brincar sozinhas do lado
de foro, a situação é verdadeiramente problemática.
Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade
de uma sala de estar, não só para a interação
co~diana como também para as ocasiões especiais, de
modo que as atividades comunitárias e as atividades
importantes para a comunidade local possam ser
realizadas ali.
'A diversão começo,
aprontando o corro e
o trailer: Do Guio
Turístico ANWB
A rua também pode ser o lugar para atividades
comunitárias, tais como a celebração de ocasiões
especiais que dizem respeito a todos os moradores
locais. É impossível projetar a área da rua de tal modo
que as pessoas resolvam subitamente fazer juntas as
refeições do lado de fora.
Mesmo assim, é uma boa idéia guardar este tipo de
imagem no fundo da mente como uma espécie de
padrão ao qual o projeto deve, em princípio, ser
capaz de corresponder. Embora as pessoas nos países
Ruo residencial, Soxmundhom, Inglaterra, 1887. 'Celebrando o Jubileu do
Rainha Vitória. No década de 1880, o popularidade do rainha Vitória
havia sobrepuiodo os primeiros ondas de republiconismo, e atingiu seu
clímax nos Jubileus de 1887 e 1897, época em que foi amado e
reverenciado como nenhum outro monarca britânico. Observe que um
policial, no centro do fotografia, com o ;arro no mão direito, está entre os
funcionários que oiudom o servir o população. O dia está bem quente pois
muitos senhoras no mesa do lodo direito abriram suas sombrinhas poro se
proteger do sol. Um rosto queimado de sol em uma mulher era,
naturalmente, uma coisa o ser evitado o qualquer custo coso quisesse
manter algum tipo de posição social. • (Gordon Winter, A country comera,
1844·1914, Penguin, Londres}
Ruo do convivência,
Hamburgo, entre o
Lowenstrosse e o
Folkenried, Alemanha.
130
131
129 132
DOMÍNIO PÚBliCO 59
133
134
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136
nórdicos não tenham o hábito de fazer refeições do
lado de fora, isto acontece de vez em quando, e, deste
modo, deveríamos zelar para que isto não se tornasse
impossível a priori pela organização espacial do lugar.
Talvez as pessoas se sintam até mais inclinadas a dar
novos usos aos espaços públicos se as oportunidades
para fazê-lo forem oferecidas explicitamente.
Tão importante quanto a disposição relativa das
unidades residenciais umas em relação às outras é a
colocação das janelas, das sacadas, das varandas,
terraços, patamares, degraus das portas, alpendres -
para verificar se têm as dimensões corretas e como
estão espacialmente organizadas, i.e., separadas
adequadamente, mas não de modo excessivo.
É sempre uma questão de achar o ponto de equilíbrio
capaz de fazer com que os moradores possam
refugiar-se na privacidade quando o quiserem, mas
que possam também procurar contato com os outros.
A esse respeito, têm uma importância crucial o espaço
em volta da porta da frente, o lugar onde a casa
termina e onde começa o espaço da rua de
convivência. O que a moradia e a rua de convivência
têm a se oferecer mutuamente é que determina o bom
ou mau funcionamento deambos.
FAMILISTÊRE, GUISE, FRANÇA 1859-83 1133-1361
O Familistere de Guise, no norte da França, constitui um
conjunto de moradias criado pela fábrica de fogões Godin
de acordo com as idéias utópicos de Fourier. O complexo
compreende 475 unidades de moradia, divididos em três
blocos contíguos com pátios internos, assim como uma série
de instalações como creche, escola e lavanderia. Nos
amplos pátios cobertos do Familistere de Guise, as moradias
à sua volta constituem literalmente os muros. Embora a
forma do pátio e a maneira como as portas do frente estão
situadas ao longo das galerias lembrem um presídio e nos
impressionem hoje como algo primitivo, este antigo "bloco
de apartamentos" é ainda exemplo proeminente de como
rua e moradia podem ser complementares. Além disso, o
foto de que esses pátios estejam cobertos com um telhado os
torna extremamente convidativos para atividades
comunitárias tais como aquelas que aparentemente foram
exercidas aqui no passado, quando o complexo de
moradias ainda funcionava como uma forma autenticamente
coletiva de habitação.
"Qualquer tentativa de reformar as relações de trabalho
está condenada ao fracasso, a menos que seja
acompanhada por uma reforma da construção com o
objetivo de criar um ambiente confortável para os
trabalhadores, que esteja completamente sintonizado com
suas necessidades práticas e também com o fim de fornecer
acesso aos prazeres da vida em comunidade, que todo ser
humano merece desfrutar."
(A. Godin, Sofutions Sociales, Paris, 19841
60 liÇÕES DE ARQUITETURA
DE ORlE HOVEN, lAR PARA IDOSOS ( 137-140)
Nos hospitais, lares poro idosos e grandes comunidades de
teor semelhante, o mobilidade restrito dos moradores torno
imperativo conceber o plano quase literalmente como uma
cidade em escalo reduzido. No coso do De Drie Hoven,
ludo linho de ser acessível em uma distância relativamente
curto sob o mesmo teto, porque quase ninguém é capaz de
deixar o lugar sem ajudo. Graças às grandes dimensões do
Lar, foi possível realizar um programo abrangente de
serviços de tal ordem que o instituição pôde aproximar-se
do natureza de uma cidade também neste sentido.
Os moradores acomodaram-se o seu ambiente como se ele
fosse uma comunidade de aldeia.
Fortemente influenciado pelo noção de restituição do
organização, o complexo foi dividido em um determinado
número de "aios", cada uma com seu próprio "centro".
Os diversos departamentos desembocam numa "solo
comum• central. Esta disposição dos espaços gerou uma
seqüência de áreas abertos que, do ponto de visto espacial,
rellete o seqüência: centro de vizinhança, centro de
comunidade, centro de cidade - um todo compósito dentro
do qual codo "clareira" ou área aberto possui uma função
específico. Este padrão é dominado pelo "pátio" central,
que os próprios moradores chamam de "praça do aldeia".
Esta "praça do aldeia" não é, estritamente falando,
bordejado pelos unidades de moradia, como acontece por
exemplo com os pátios cobertos no Fomilistere de Guise,
mos, no medido em que o uso e os relações sociais estão
envolvidos, constitui o foco do conjunto. É onde acontecem
todos os atividades que são organizados pelo e poro o
comunidade de moradores: festas, concertos, espetáculos de
danço e de teatro, desfiles de modo, feiras, apresentação
de corais, noites de jogos de cortas, exposições e refeições
festivos em eventos especiais! Algo especial acontece ali
quase que diariamente. Esta "praça do aldeia" é uma
interpretação bastante livre do auditório convencional poro
eventos especiais, que poderio ficar sem uso metade do
tempo, se fosse uma solo separado, de localização menos
central.
DOMÍN O PUBLICO 61
137 138
139 l.tC
ll l 142
ESCOLA MONTESSORI, DELFT (141 , 142)
Na Escola Montessori, o ha/1 comunitário foi concebido de tal
modo que se relaciona com as salas de aula como uma rua se
relaciona com as casas. A relação espacial entre as salas de
aula e o ha/1, assim como a forma do ha/1, foram concebidas
como a "sala de estar comunitária" da escola. A experiência
de como isso funciona na escola, por sua vez, pode servir
como modelo para o que poderia ser feito numa rua.
KASBAH, HENGELO 1973 I P. BLOM (143, 144)
Ninguém esteve mais ativamente engajado na busca de
reciprocidade entre moradia e espaço da rua do que Piei
Blom. Enquanto o projeto Kasbah (ver Forum, 7, 1959 e Forum, 5,
1960·61) estava preocupado especialmente com o que a
própria disposição das moradias podia gerar, na "área
urbana" criada em Hengelo as moradias não formam os
muros da rua mas sim "o telhado da cidade", deixando o
grande espaço ao nível do chão para todas as atividades
62 LIÇÕES DE ARQU IT ET UR A
comunitárias e eventos. No entanto, só se faz um uso
incidental das excepcionais oportunidades de espaço
são oferecidas aqui.
Há uma boa lição para ser aprendida aqui. As
estão isoladas demais da rua embaixo - estão, por
dizer, removidas para longe dela, voltadas para cimo,
não se pode ver bem a rua das janelas, e até mesmo
entradas estão posicionadas indiretamente à rua. Nesse
sentido, a forma do espaço da rua, como uma espé<:ie
contraforma das moradias, não cria as condições paro
uso diário. Além disso, esse espaço é provavelmente
demais para ser preenchido, porque não há diversões
suficientes para tal - diversões que poderiam existir de
numa vilo autônoma do mesmo tamanho.
Mas tente imaginar um esquema assim no coração de
Amsterdam, com um mercado movimentado na rua
embaixo! Este deve ter sido o tipo de situação que Piei
imaginou quando concebeu este projeto.
Ao abandonar o princípio do assentamento tradicional
dos blocos, os arquitetos tentaram, inspirados
especialmente por Team X e Forum, inventar uma
tendência de novas formas de moradia. Essa tentativa
conduziu muitas vezes a resultados espetaculares, mas
a questão de que venham a funcionar de maneiro
adequada é algo que só parcialmente irá depender da
qualidade das próprias moradias. Um aspecto pelo
menos tão importante quanto esse está na
possibilidade de o arquiteto descobrir um caminho,
usando os moradias como seu material de construção,
paro fazer uma rua que funcione adequadamente.
A qualidade de uma depende da qualidade da outra:
casas e ruas são complementares!
Que o resultado destas construções seja com
freqüência desapontador, deve-se muitas vezes às
idéias equivocadas dos arquitetos a respeito do modo
como o espaço real das ruas será vivenciado e usado.
Além da tendência que eles têm em confiar
excessivamente na eficácia de medidas específicas (o
que muitos vezes se mostra menos viável do que se
pensava), o erro mais comum consiste no cálculo
errado do proporção entre a dimensão do lugar
público e o número esperado de usuários.
Se a área da rua é ampla demais, pouca coisa
acontece em poucos lugares, e, apesar de todas as
boas intenções em sentido contrário, o resultado são
vastos espaços transformados em "desertos"
simplesmente por ficarem vazios demais. Muitos
projetos - ainda que bem concebidos -funcionariam
sa6sfatoriamente se ao menos uma feira funcionasse
ali num sábado ensolarado: o tipo de feira que se
pode imaginar facilmente, mas que na realidade existe
apenas no proporção de uma para cem mil moradias.
Devemos testar continuamente a planta no que diz
respeito à densidade da população, indicando grosso
moclo no projeto o número esperado de pessoas a
fazer uso das diferentes áreas em diversas situações.
Ao fazê·lo, podemos pelo menos verificar se existe um
excesso de espaço para recreação, por exemplo.
Embora os vastos espaços estimulem a imaginação do
arquiteto por terem certa atmosfera de serenidade,
não é certo que a população local sinta o mesmo. Para
moradias e edifícios em geral pode ser formulada uma
grande variedade de formas, contantoque o espaço
da rua seja criado de maneiro que sirva como um
agente cotolisador e ntre os moradores locais em
situações cotidianas, para que, pelo menos, não
aumente a distância entre os moradores, tantas vezes
encerrados em moradias hermeticamente fechadas.
A organização espacial deve, em vez disso, servir
para estimular a interação e a coesão social.
Via Mazzanti,
Verana, Itália
DOM Í N lO PÚBL ICO 63
145
146
10 O DOMÍNIO PÚBLICO
Passeata estudantil no Gollerio Vittorio Emonuele, Milão.
'Com o revolto dos estudantes, o educação retornou à cidade e às ruos e, assim, encontrou um campo
de experiência rico e diversificado, mais formador que o oferecido pelo antigo sistema escolar. Talvez
esteiomos entrando em umo era em que educação e experiência total coincidirão novamente, em que
o escola como instituição estabelecido e codificado não terá mais motivo poro existir. •
(do artigo •Architecture ond Educotion' , Gioncorlo de Cor/o, Horvord Educotion Review, 1969/
148 149
Se as casas são domínios privados, a rua é o domínio
público. Dar igual atenção à moradia e à rua significa
tratar a rua não apenas como o espaço residual entre
quadras residenciais, mas sim como um elemento
fundamentalmente complementar, espacialmente
64 LI ÇÕES DE ARQ UI TE TU RA
organizado com tanto cuidado que possa criar uma
situação na qual a rua possa servir a outros
além do trânsito motorizado. Se a rua como uma
coleção de blocos de edifícios é basicamente a
expressão da pluralidade de componentes
na maior parte privados, a seqüência de ruas e
como um todo constitui potencialmente o espaço e11
que deve tornar-se possível um diálogo entre os
moradores.
A rua foi , originalmente, o espaço para ações,
revoluções, celebrações, e ao longo de toda a h'
podemos ver como, de um período para o outro, os
arquitetos projetaram o espaço público no
comunidade a que de fato serviam.
Este, portanto, é um apelo para se dar mais ênfase
tratamento do domínio público, para que este possa
funcionar não só para estimular a interação social
como também para refleti -la. Quanto a todo es~
público, devemos nos perguntar como ele funciona:
para quem, por quem e para qual objetivo.
Estamos apenas impressionados por suas or~>DOI'cilll
ou será que ele talvez sirva para estimular melhores
relações entre as pessoas?
Quando uma rua ou praça nos impressiona como
não é somente por causa das dimensões e
agradáveis, mas também pela maneira como ela
funciona dentro da cidade como um todo. Este
não precisa depender apenas das condições
embora estas muitas vezes ajudem, e estes casos
obviamente são exemplos interessantes para o
arquiteto e para o planejador urbano.
PALAIS ROYAl, PARIS, 1780 I J. V. LUIS (148· 1501
Em 1780, foram construídas filas de casas com
lojas nos três lados do que antes fora o jardim Pelais
Royal em Paris. Hoje é um dos espaços públicos mais
'obrigados" da cidade, ao mesmo tempo em que serve
como um importante atalho do área do Louvre até o
Biblioteca Nacional. O pequeno porque oblongo extrai suo
qualidade espacial e sua atmosfera agradável não apenas
das proporções seguras dos edifícios regularmente
articulados à sua volta, mos também do loyout
diversificado, com áreas de grama, cadeiras, bancos,
tanques de areia e um café ao ar livre para os moradores
da cidade escolherem à vontade.
PRAÇA PúBLICA, VENCE, FRANÇA (1 511
Em países de clima quente, a ruo adquire naturalmente
muito mais importância na vida das pessoas do que nos
países de clima frio. Praças públicas como os de Vence são
encontrados em todas os aldeias e cidades dos países
mediterrâneos. Em muitos lugares o turismo deteriorou
drasticamente o estilo de vida e, como conseqüência,
também a função dos espaços públicos, mos, apesar de
tudo, esses espaços ainda são extremamente adequados
poro os atividades comunitários - e talvez ainda mais
nestes tempos de mudança, como demonstram, por
exemplo, os concertos ao ar livre organizados poro os
turistas.
ROCKEFELLER PlAZA, NOVA YORK (1 521
A Rockefeller Plaza, no coração de Novo York, funciono até
mesmo no inverno como uma espécie de solo de estar
urbano, em que pessoas de todo porte vêm patinar no gelo.
Os patinadores mostram suas proezas poro os
espectadores, e, embora não haja muito coisa acontecendo,
transeuntes podem experimentar certo sentimento de
companheirismo, o tipo de sentimento que se pode esperar
num teatro, numa igreja ou em qualquer outro lugar onde
os pessoas se reúnam, e que aqui surge espontaneamente,
em porte graças às condições espaciais que foram criados.
150
DOMÍNIO PÚBLICO 6S
151
152
153 154
155
PJAZZA DEL CAMPO, SJENA, ITÁLIA 11 53-155)
Se há algum espaço público cuja forma fechada e
localização excepcional dão a impressão de uma sala de
estar urbana, a Piazza del Campo, em Siena, é este lugar.
Embora um tanto centrada no seu interior, com seus edifícios
algo austeros dominados pelo Pollozzo Communole, sua
cavidade em formo de pires irradiando-se em becos
íngremes crio uma atmosfera de abertura e luz. O lado
ensolarado do piazza está cheio de cafés ao ar livre que
são freqüentados o ano inteiro, especialmente por turistas.
66 liÇÕES DE ARQUITETURA
A situação mudo completamente quando é realizado o
Palio dell Contrade, uma corrido de cavalos cujos
competidores representam os vá rios bai rros da região.
evento anual, que é ao mesmo tempo uma cerimônia e
disputo, lança um feitiço em todo a cidade e em sua
população, e este adorável espaço em formato de
se enche com uma multidão que ocupo as portes
praça e desfruta uma boa visão do corrido disputado no
centro.
Em tais ocasiões, os cafés ao ar livre dão lugar às
e as janelas de cada residência ficam apinhados seja
espectadores pagantes, seja de amigos do família. E, no
véspera do competição, 15 mil pessoas jantam nas rum
todos os bairros.
PLAZA MAYOR, CHINCHÓN, ESPANHA !156, 157)
Em Chinchón, uma pequeno cidade ao sul de Madri, a
praça do mercado central se transformo numa arena
ocasião da corrido de touros anual. Esta plaza, com a
forma de um anfiteatro grego e situada na depressão
encosta de uma colina, está inteiramente cercado por
edifícios, com lojas e cafés nos galerias e moradias na
parte alta.
Todas estas moradias têm varandas de madeiro que
um lodo do fachada até o outro, unindo-se poro formar
círculo contínuo de fileiras, dando de frente poro a
Quando há uma tourada, os varandas se transformam
tribunas, com filas de assentos que os moradores
poro ganhar um dinheiro extra. Estas moradias
particulares, locolizodos em lugares proeminentes e
estratégicos no vida do comunidade, assumem
temporariamente condição pública.
Todos essas varandas, construídas segundo os mesmos
princípios como uma área adicional de madeira sustentada
por vigas em fachadas relativamente fechadas
-evidentemente tendo em vista essa função pública
odicionol-, acabam por formar um grande espaço
unificado, semelhante ao teatro italiano clássico com suas
~!eiras verticais de camarotes.
fCffiE DIONNE, TONNERRE, FRANÇA 11581
lugares comunitários paro a lavagem de roupa (ou bombas
de águo ou torneiros de localização central em pequenas
comunidades rurais) sempre foram um ponto de encontro
muito popular, onde os habitantes do local promovem a
troco dos notícias e dos mexericos mais recentes. A água
corrente e os máquinas de lavar deram um fim a essa
prático. "As mulheres agora têm mais tempo para si" é um
argumento em defeso do modernização que se ouve
freqüentemente. No famoso fonte de Tonnerre, o lugar onde
o águo emerge do fundo do terra foi cercado por um
simples dique circular. Esta solução intensifico a grandeza
deste fenômeno natural, e também cria as condições
simples poro um lugar comunitário de lavar roupadestinado às pessoas que vivem naquela vizinhança.
Não construímos mais lugares para lavar roupa (as
instalações poro o lavagem dos carros não contam). Mas
será q~re ainda há lugares onde as atividades cotidianas
dão origem à necessidade de criar serviços comunitários
em áreas públicas, como estas que ainda são encontradas
em partes menos prósperas do mundo?
DOMÍNIO PÚBLICO 67
156 157
158
159
160
1 1 O ESPACO PÚBLICO COMO
I
AMBIENTE CONSTRUÍDO
68 liÇÕES DE ARQUIIEIURA
Até o século XIX havia poucos edifícios públicos, e
mesmo estes não o eram de maneira integral.
O acesso público o edifícios como igrejas,
templos, mesquitas, spas, bazares, (onfi-)teatros,
universidades, etc. sofria certos restrições,
pelos encarregados de suo manutenção ou pelos
proprietários. Os verdadeiros espaços públicos
estavam quase sempre ao ar livre. O século XIX
o época de ouro do edifício público, em princípio
construído com os recursos fornecidos pela
comunidade. Os tipos de edifício que foram
desenvolvidos nesse período formaram os blocos
construção poro o cidade, e nós ainda podemos
aprender com estes e xemplos quais meios
arquitetônicos e espaciais podem se r mais bem
aproveitados poro tornar um edifício mais
e hospitaleiro.
A (r)evolução industrial abriu um novo mercado de
massa. A aceleração e o massificação dos ·
produção e distribuição conduziram à criação de
de departamento, exposições (mundiais), mercados
cobertos e à construção de redes de transporte
público, com estações fer roviárias e de metrô, e,
conseqüentemente, ao crescimento do turismo.
YICHY, FRANÇA 1159, 160)
Um exemplo particularmente interessante é a "estação de
águas" com fontes naturais, como Vichy, na França.
As esperanças e expectativas quanto às qualidades
da água são um dos temas prediletos na converso de
visitantes. Os tratamentos que foram prescritos poro eles
algum tempo, o que significa que seus caminhos se cruza~
regularmente no parque no centro da cidade, onde os
estão localizadas. As principais passagens do porque são
cobertas par leves estruturas de metal, o que dó ao
a sensação de estar ao mesmo tempo dentro e foro.
A atmosfera geral é a de um interminável café ao ar
com inúmeros bancos e cadeiras para que todos
que vieram em busca de uma cura para seus moles
se sentar e tomar a água medicinal do lugar. A corren~
permanente de visitantes é um fator determinante do ·
urbana como um todo: há muitas lojas, restaurantes, um
cassino e todo o tipo de conforto para os visitantes, os
quais constituem para os moradores uma importante
de renda. Deste modo, uma precoce forma de turismo ~e
desenvolveu aqui.
A razão mais importante paro o intercâmbio saci~
sempre foi o comércio, que em todos a s formas de
vida comunitário sempre ocorre em certa medido
ruas. Cidade e campo se e ncontram quando o
fazendei ro vai poro o cidade vender seus produtos
gostar o que recebeu em outros produtos. Enquanto
isso, há troco de notícias.
lfs HAttES, PARIS, 1854-66 I V. BALTARD (1 62·1641
Os salões do mercado de Paris constituíam um elo
indispensável na cadeia de distribuição de bens na cidade
-uma estação de abastecimento, por assim dizer, dentro de
um sistema gigantesco, em que produtor e consumidor não
mantêm mais contato direto um com o outro. Os salões do
mercado eram compostos de vastas áreas com telhados de
duas águas e uma área coberta para carga e descarga.
Todo essa atividade não deixou de marcar a vizinhança à
sua volto: havia, por exemplo, muitos restaurantes abertos
durante todo a noite, alguns dos quais ainda existem, como
uma lembrança dos velhos dias.
A expansão contínua, especialmente no transporte de
estoques de alimentos, impôs o necessidade de mudar todo
o centro poro outro lugar (Rungis). Os vastos pavilhões de
aço, uma vez vagos, foram demolidos em 1971 , apesar das
intensos campanhas para impedir que isto acontecesse.
É sempre difícil encontrar terrenos para acomodar
espetáculos teatrais, manifestações esportivas e outros
eventos para grandes públicos, e estes salões teriam servido
muito bem para essas finalidades. A demolição das salas e
sua substituição podem na verdade ser vistas como um
símbolo da destruição do espaço público das ruas como 161 163
'orena' do vida urbana. 161 16J
DOM ÍNIO PÚBliCO 69
165
166obc
CENTROS (OMUN!TÁR!OS I F. VAN KUNGEREN (1 65)
Os centros comunitários projetados por Von Klingeren (ele
os chamava de ágoros) tais como os de Dronten e
Eindhoven foram tentativas de reunir sob um único teto
todos os atividades que ocorrem no centro de uma cidade.
É esse tipo de lugar que gero novos papéis sociais e novos
trocos - que não podem surgir nos novos áreas e
vizinhanças urbanos simplesmente porque ninguém pensou
em tomar os medidos necessários.
Por causo do planejamento em termos de "caixas" isolados,
com entrados separados, mais do que em termos de um
tecido urbano integrado, os "caixas" tendem o produzir um
efeito adverso sobre o viabilidade do ambiente como um
todo e, paradoxalmente, quanto melhor funcionam, mais
diminuem o qualidade de vida no ruo. Portanto, não possam,
no verdade, de centros urbanos "artificiais", que devem suo
existência à inadequação dos condições urbanos e à falto de
uma visão abrangente do correlação necessário entre os
novos bairros residenciais e o núcleo urbano existente.
Por mais interessantes que esses centros comunitários
tenham sido como experimento social nos anos 60, não
surpreende que, sob os condições sociais presentes, com
muito menos tolerância e espírito comunitário, eles não
70 liÇÕ ES DE ARQ UITETURA
sejam mais usados hoje em dia. O barulho das
que ocorrem nos espaços ao lado revelou-se
particularmente perturbador, e logo os pessoas
o erigir paredes e outros tipos de divisórios, eli
assim o unidade espacial que era fundamental para o
projeto.
TORRE EIFFEL, PARIS, 1889 I G. EIFFEL (166)
A Torre Eiffel, que foi construído poro o Exposição
não é apenas o símbolo turístico de Paris, mos também,
segundo suo concepção original, um monumento às
idéias que surgi ram durante o século XIX. Aqui vemos,
numa formo mais sugestivo do que qualquer outra
o expansão concreto do mudança social tal como
manifestado no crescimento e no centralização do
Uma construção como o Torre Eiffel demonstra o que se
torno possível quando inúmeros pequenos componentes,
cada um com suo função e lugar específico, são
combinados poro formar uma entidade concebida co100
central, no qual o todo excede amplamente o soma dos
portes. A sutileza desta proeza de engenharia se torno
mais tangível quando se compreende que um modelo
escalo do estruturo com 30 centímetros de altura só
7 gramas (Guio Michelin). Quanto maior o controle
forças ativos, maior o expansão que pode ser obtido.
A Torre Eiffel é uma corporificoção do princípio de
centralização- que pode produzir uma força capaz de
inspirar admiração o partir de pequenos forças
subordinados. É uma demonstração do realização
orgul hoso de um plano audacioso empreendido com
inocência, sem nenhuma preocupação com os forças
monstruosos e ovossolodoros que acabariam por ser
desencadeados. O tour de force do sistema de
em que os bens produzidos por uma mossa de
são distribuídos através de um labi rinto de canais
intermediários até o mossa dos consumidores, está
em uma complexo estruturo de divisão do trabalho,
especialização e contratos eficientes. E é sem dúvida
tipo de técnico organizacional que alimento o Moloch
outopropogodor do expansão em grande escola e a
diminuição do influência do indivíduo no processo
todo.
PAVILHÕES DE EXPOSIÇÃO
As exposições mundiais- aqueles mostruários internacionais
da produção em massa, poro o qual era preciso criar ou
encontrar novos mercados - requeriam o construçãode
enormes salões de exposição como o Palácio de Cristal em
Londres (1 851) 1167, 1681, o Grond Polois (1900) (1691 e o
Petit Palais em Paris, ambos ainda de pé. Estes vastos salões
de aço e vidro foram os primeiros palácios poro o
consumidor, que rege e é regido pelo sociedade de consumo
(os consumidores consomem e concomitantemente são
consumidos numa sociedade de consumo).
Esta época de novos métodos e sistemas de produção dó
origem também o novos métodos de construção: o introdução
do aço como material de construção tornou possível erigir em
pouco tempo estruturas com enormes vãos. Além disso,
painéis de vidro podiam agora ser inseridos nos molduras de
aço do telhado, e o transparência resultante dava aos vastos
salões uma atmosfera arejado, leve. No verdade, os novos
estruturas pareciam mais redomas fechando o espaço e
oferecendo obrigo contra os variações climáticos. Deste
modo, lembravam mais gigantescos estufas (como aquelas
que ainda existem em Loken, perto de Bruxelas, e nos Kew
Gordens de Londres) do que os habituais edifícios sólidos.
(Incidentalmente, o Palácio de Cristal foi um produto direto
do tradicional estufo.) Os grandes vãos contribuem também,
sem dúvida, poro o sensação de não estarmos dentro de um
edifício no sentido convencional. Mos se o uso de estruturas
de aço tornou possíveis estes grandes vãos, e se os novos
possibilidades oferecidos pelos novos métodos de construção
foram avidamente explorados, permanece em aberto o
questão de saber se eram verdadeiramente funcionais. Talvez
não, porque, embora o vasto telhado de vidro fornecesse
uma excelente iluminação poro grandes espaços, algumas
colunas o mais não representariam uma diferença tão grande
assim de um ponto de visto funcional. Mais uma vez, o mero
foctibilidode parece ter criado o necessidade, do mesmo
modo que o necessidade exigiu novos técnicos e
possibilidades. Assim como o Torre Eiffel demonstrava
claramente uma maneiro de pensar, esta manei ro de pensar,
por suo vez, era indubitavelmente inspirado pelos novos
possibilidades de construção; deste modo, o procuro gero o
oferto e vice-verso (o que veio primeiro, o ovo ou o
golinho?). É, no verdade, muito difícil deixar de associar os
grandes vãos dos telhados e o maneiro como evoluíram,
assim como o articulação espacial mínimo que exigiam, com
o surgimento de uma maneiro de pensar que conduziu à
expansão em grande escalo e à conseqüente centralização
de hoje.
DOMÍNIO PÚBliCO 71
167 168
169
Magasin du
Printemps, Paris
1881 -1889/
P. Sedille
170 172
171
LOJAS DE DEPARTAMENTOS, PARIS
Au Ban Marché, Paris
187 6/L. C. Baileou
A expansão da escala de consumo e de mercado, que
encontrou sua expressão na salas de exposição de aço e
vidro do século passado, também se manifestou, num
âmbito local, nas amplas lojas de departamentos.
72 liÇÕES DE ARQ UITETURA
Ao contrário dos bazares e de outros tipos de
rua cobertos, nos quais um grande número de
individuais se reunia sob um mesmo teto para vender
mercadorias, o loja de departamentos é um
empreendimento único, com administração centralizado,
que afirma administrar uma loja tão grande que se pode
comprar tudo nela. É, no verdade, uma espécie de
armazém geral, mos elevado o uma proporção
e com um estoque excepcionalmente variado.
Enquanto o mercadoria no armazém é guardada atrás
balcão, em prateleiras que vão do chão até o teto,
acessíveis apenas ao vendedor, no loja de rl<>r,nrlnmonw
os vários pavimentos é que são visíveis de
do salão central - como as prateleiras no armazém
mos com o importante diferença de estarem inteiramenle
acessíveis aos compradores.
O telhado de vidro que pode ser encontrado em quase
todos os lojas de departamentos tradicionais (por
os Gronds Magosins em Paris) produz o mesmo efeito
espacial, basicamente, de uma único grande loja,
os espaços em volto sejam divididos em departamentos
diferentes poro produtos diferentes.
A sala central do Golerie Lafoyette oferece ao público
acolhido régio, com suo majestoso escadaria livre,
especialmente convidativo (o escadaria acabou sendo
demolida paro se obter alguns metros quadrados a mois
poro a área de vendas).
Galerie Lafayette,
Paris, 1900
c l\loi~UIII ... Wde UmQ CreSCente rede ferroviáriO abriU 0
às viagens e à troco de produtos, tornando-o menor
ao mesmo tempo. As estações que foram
nos cidades e nas vilas constituíam os pedras
)111111111181Bioi"s do sistema. Geralmente situadas num lugar
bmi11e11le no centro, os estações ferroviárias não apenas
um novo tipo de edifício nas cidades como
também toda uma novo gamo de instalações e
urbanos com elas relacionadas, tais como hotéis,
poro comer e beber e, invariavelmente, lojas.
ainda, com freqüência, um mercado próprio,
s6 parcialmente dependia do consumo dos passageiros
Os salões de muitas estações ferroviárias
illlllnno1rom·se gradualmente em espaços públicos,
cobertos do cidade, onde ainda se pode fazer
quando todas as outras lojas estão fechadas, onde
trocar dinheiro, telefonar, comprar revistas, usar o
tirar fotos numa cabine, obter informações, pegar
lxi ou lazer uma refeição rápida (ou então uma
re~nodo- muitos estações ferroviárias tornaram-se
por causo de seus restaurantes). Esta concentração
pelo vizinhança imediato, com cafés,
•uranlles e hotéis. Na Grã-Bretanha, muitos vezes são
da estação. Em suma, a agitação e o atividade que
Clltlllll a chegado e a partido dos trens levam o uma
llll!llllroçõo de serviços na área em torno do estação
maior do que em qualquer outro lugar do
fsr(OO fERROVIÁRIAS SUBTERRÂNEAS
N•1n1uuu) e saídos dos redes subterrâneas de transporte
como os metrôs de Paris e de Londres, têm o
impacto dos principais estações ferroviários, ainda
IMIIO escola menor e distribuído por vários pontos da
O metrô de Paris em especial, com suas formos
é, por assim dizer, uma vasta construção que
do solo em todos os bairros da cidade como um
familiar e imediatamente identificável. O que a
ferroviário é para a cidade o entrada do metrô é
un bairro: um lugar que atrai diversões e negócios.
salas e passagens labirínticas dos principais interseções
o refúgio favorito dos músicos de rua, especialmente no
quando procuram obrigo nesta porte subterrâneo
cidade.
Metrô de Paris, estação da Place
Dauphine, 1889-190 I /H. Guimard
Estação Central, Glasgow, Grã-Bretanha
DOMÍNIO PÚBLICO 73
173
m
175
176
177 178
12 O ACESSO PÚBLICO
AO ESPACO PRIVADO ,
Embora os grandes edifícios que têm como objetivo ser
acessíveis para o maior número possível de pessoas
não fiquem permanentemente abertos e ainda que os
períodos em que estão abertos sejam de fato impostos
de cima, tais edifícios realmente implicam uma
expansão fundamental e considerável do mundo
público.
Os exemplos mais característicos desta mudança de
ênfase são sem dúvida as galerias: ruas internas de
comércio cobertas de vidro, tais como as construídas
no século XIX, e das quais muitos exemplos marcantes
ainda sobrevivem em todo o mundo. As galerias
serviram em primeiro lugar para explorar os espaços
interiores abertos, e eram empreendimentos comerciais
afinados com a tendência de abrir áreas de venda
para um novo público de compradores. Deste modo,
surgiram circuitos de pedestres no núcleo das áreas de
lojas. A ausência de trânsito permite que o caminho
seja bastante estreito para dar ao comprador potencial
uma boa visão das vitrines dos dois lados.
74 liÇÕES DE ARQU ITETURA
PASSAGE DU (A1RE, PARIS, 1779 (175·178)
Um exemplo interessante do conceito de galeria pode
visto, numa forma elementar, na Passage du Caire, em
Paris. A construção completa de um espaço interior
excepcionalmente modelado foi concebida juntnrnP.ntl••
a parte exterior segundoum princípio racional de
ordenamento que, até certo ponto e submetido a certas
regras, permitiu a livre disposição dos elementos
arquitetônicos. Muitos dos negócios localizados aqui estão
ligados às dependências periféricas, permitindo o
desenvolvimento de uma rede informal de passagens entre
as pontos-de-venda, somando-se às entradas oficiais.
GALERIAS DE LOJAS
Em Paris, onde a galeria de lojas foi inventada e floresceu
lainda existem muitas galerias, especialmente no primeiro e
no segundo Arrondissement), há três quadras consecutivas
axn passagens internas de ligação: Passoge Yerdeau,
Possage Jouffroy, e Passage des Panoramas. Juntas formam
1m0 pequena cadeia que cruzo o Boulevord Montmortre e, se
tivessem continuado, seria fácil imaginar como uma rede de
minhos cobertos para pedestres poderia ter se desenvolvido
ildependentemente do padrão dos ruas à sua volta.
As galerias de lojas existem em todo o mundo, em formas e
dimensões diversas que dependem das condições locais-
mas muitos vezes já perderam seu encanto original como
conjunto de lojas caras, embora em vários lugares ainda
acomodem as lojas mais luxuosas, como por exemplo a
Galerie St. Hubert, em Bruxelas, e a Galleria Yittorio
Paris, 2' distrito f-- .....::.9
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rauagedes
Y!nmnos. Poris
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Galerie Vivienne,
Paris
DOMINIO PUHICO 75
179 181
180 182
Strand Arcade,
Sídney
183 184
185
186
Emanuele, em Milão, que todos identificam como o coração
da cidade.
(Poro um levantamento, análise e história do galeria ver: J. F. Geist,
Possogen, ein Bautyp des 19.Jahrhunderts, Munique, 1969)
O princípio da galeria voltou a adquirir relevância local
quando o volume do trânsito nas ruas do centro das
cidades tornou-se tão pesado que surgiu a necessidade de
áreas exclusivas para pedestres, i.e., de um "sistema"
exclusivo para os pedestres ao longo do padrão existente
das ruas. As galerias típicas do século XIX passavam
através das quadras, como atalhos, e sua proposta básica
era fazer com que as áreas internas fossem usadas.
Embora os edifícios fossem atravessados por essas
passagens, sua aparência exterior não era afetada: o
exterior, a periferia, continuava a funcionar de modo
separado e independente como uma fachada autônoma.
Em muitos projetos contemporâneos de caminhos cobertos
para pedestres, o exterior do complexo dentro do qual a
atividade está concentrada lembra as pouco convidativas
paredes de fundo de um edifício. Esta inversão- virar a
massa do edifício de dentro para fora - não passa de total
perversão do princípio orientador da galeria.
As passagens altas e compridas, iluminadas de cima
graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de um
interior: deste modo, estão do lado de "dentro" e de
"fora" ao mesmo tempo. O lado de dentro e o de fora
acham-se tão fortemente relativizados um em relação
76 LI ÇÕ ES DE ARQUITETU RA
ao outro que não se pode dizer quando estamos
dentro de um edifício ou quando estamos no espaço
que liga dois edifícios separados. Na medida em que a
oposição entre as massas dos edifícios e o espaço da
rua serve paro distinguir - grosso modo - o mundo
privado do público, o domínio privado circunscrito é
lransctndido pela inclusão de galerias. O espaço
inllrior se torno mais acessível, enquanto o tecido das
ruas se torno mais unido. A cidade é virada pelo
CMSSO, tonto espacialmente quanto no que concerne
ao princípio do acesso.
O conceito de galeria contém o princípio de um novo
sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e
o privado é deslocada e, portanto, parcialmente
abolido; em que, pelo menos do ponto de vista
espacial, o domínio privado se torna publicamente
mais acessível.
O abandono do assentamento de quadras num
perímetro fechado, no urbanismo do século XX,
significou a desintegração da definição espacial nítida
dada pelo padrão da rua. À medida que crescia a
autonomia dos edifícios, seu inter-relacionamento
diminuía, e hoje eles se erguem destituídos de
alinhamento, por assim dizer, como um monte de
megálitos irregularmente espalhados, afastados entre
si, num espaço aberto excessivamente amplo.
O "corredor de rua" degenerou em "corredor de
espaço".
Este novo tipo de assentamento aberto, tão inovador
para as condições "físicas" da construção de casas em
particular, teve um efeito desastroso sobre a coesão do
todo - um destino que prejudicou a maioria das
cidades. Quanto mais os edifícios se afastam uns dos
outros como volumes autônomos com fachadas
Esquerda: Galerie
St. Hubert, Bruxelas
Galleria dell'lndustria
Subalpina, Turim
189 190
187 188
184·188:
Galleria Vittorio
Emanuele, Milão
DOMÍNIO PÚBliCO 77
Eafon Cenfer, Toronto
191 192
193
individualizadas e entradas privadas, menos coesão
subsiste, e , especialmente, maior é a oposição entre o
espaço público e o privado, ainda que as quadras de
edifícios possam ser projetadas com galerias de acesso
ou ruas internas cobertas ou mesmo com um espaço
privado a seu redor. O urbanismo baseado em
edifícios como monumentos autônomos, livremente
dispersos, deu origem a um enorme ambiente exterior
- na melhor das hipóteses, uma agradável paisagem
de parque onde sempre nos sentimos "excluídos".
Os arquitetos modernos e os planejadores urbanos já
tinham começado a rasgar a cidade antes da Segunda
Guerra Mundial; esta obra de demolição foi
continuada pela guerra. Mais tarde a mania do
"trânsito" deu o coup de grâce nesta fragmentação.
Assim, hoje estamos todos convencidos da necessidade
de reconstruir o interior da cidade, de retomar o
78 l i ÇÕES DE ARQUITETURA
interesse e a p..'eocupação com a área da rua, e,
portanto, com o exterior dos edifícios. Mas não
devemos permitir que isso nos conduza a uma
arquitetura de ruas cheias de muros, como se as
moradias não passassem de sinais de pontuação ou
objetos de cena com o objetivo de dar suporte ao
cenário. Não devemos nos esquecer de que o
Movimento Moderno tinha como objetivo eSI)eCIII COIDI'
melhoria dos edifícios, e, especialmente, a melhoria
das moradias por meio de um assentamento de
qualidade que assegurasse mais luz, uma visão
espaços exteriores mais satisfatórios, etc. A
de uma cidade é a metade da verdade - moradias
satisfatórias são a outra metade complementar.
Os vários exemplos de urbanismo aberto, tais como
foram projetados nas décadas de 1920 e de 1930,
ainda são de grande relevância, pelo menos se
julgarmos cada um deles de acordo com suas
qualidades específicas.
~ISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAúDE, RIO DE JANEIRO, 1936-37 I
lf (ORBUSIER 1193-1961
Em seu conceito, Le Corbusier não se adaptou à ordem do
quadro tradicional de edifícios, tal como estabelecido pelo
plano urbano. Em vez de uma mossa sólido com fachadas
majestosos cercando o lugar por todos os lodos, Le
Corbusier projetou seu edifício como uma formo livre, uma
construção elevado sustentado por colunas, de maneiro que
não é preciso andor em volto do quadro, mos apenas
atravessar o distância diagonalmente por entre os colunas.
A altura dos colunas e o distância entre elos foram
selecionados de tal modo que o espaço resultante tem um
eleito liberador. A sensação de libertação é ainda mais
impressionante porque não se espero uma situação desse
fipo nos redondezas. Assim, estar ali nos traz uma
sensação estimulante e especial.
A formulação mais importante de Le Corbusier neste
contexto é que um espaço amplo, que, dentro do ordem
natural dos coisas, seria inacessível, já que faz parte do
domínio privado, é, graças à possibilidade de acesso, uma
contribuição à cidade como um todo.
É importante ter em vista, no entanto, que essasolução
perderia muito de sua qual idade se os blocos circundantes
fossem projetados de acordo com o mesmo princípio.
Neste caso, a área como um todo iria apresentar a
imagem padrão de uma cidade moderna. É justamente o
surpresa do contraste que torna o princípio tão claro neste
caso.
Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e
dos edifícios relacionando-os uns aos outros. Um
mosaico de inter-relações - como imaginamos que a
vida urbana seja - requer uma organização espacial
na qual a forma construída e o espaço exterior (que
chamamos rua) não apenas sejam complementares no
sentido espacial e, portanto, guardem uma relação de
reciprocidade, mas ainda, e de modo especial - pois é
com isto que estamos preocupados -, na qual a forma
construída e o espaço exterior ofereçam o máximo de
acesso para que um possa penetrar no outro de tal
modo que não só as fronteiras entre o exterior e o
interior se tornem menos explícitas, como também se
atenue a rígida divisão entre o domínio privado e o
público. Quando entramos pouco a pouco num lugar, a
porta da frente perde sua significação como algo
singular e abrupto; ela é ampliada, por assim dizer,
para formar uma seqüência passo-a-passo de áreas
que ainda não são explicitamente o interior, mas ao
mesmo tempo já são menos explicitamente públicas.
A expressão mais evidente deste mecanismo de acesso
deve ser vista nas galerias, e realmente não
surpreende, portanto, que a idéia de galeria ainda
sirva como um exemplo hoje.
DOMÍNIO PÚBliCO 79
194
195 196
197 198
199
200
80
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (197·200)
O plano urbano, integralmente ajustado à "tradicional"
construção aberto da primeiro metade deste século, i.e.,
sem um alinhamento estrito dos edifícios e sem muros de
rua dentro dos quais o edifício tinha de estar situado,
LIÇÕES DE ARQUIT ETURA
) I-
'' tr-"\\\ ,. ,, '
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(
exigiu portanto um projeto arquitetônico ,,.,t,vontrnM
referências aos edifícios na vizinhança imediata.
Em vez de um volume construído colossal e único,
um conglomerado mais transparente de numerosos
componentes menores, graças à diferenciação em
pequenos, relativamente independentes, separados por
passagens semelhantes às galerias (i.e. , um espaço
essencialmente acessível ao público).
E, como há saídos e entradas por todo o complexo,
parece mais um trecho de uma cidade do que um
lembro sobretudo um pequeno povoado.
O projeto foi concebido visando permitir não só
funcioná rios possam deixar seus espaços de trabal~o
fazer uma pousa, conversar e tomar um cafezinho
vários balcões do espaço central do complexo -
estivessem dando uma volta no centro da cidade -,
também poro que o área posso ser literalmente
Esta oportun idade de acesso público seria i•nro,,n'"'"'"
explorado se o plano original tivesse sido executado:
saber, situando a nova estação ferroviário de
bem ao lado do complexo, de modo que se pudesse
até as plataformas através do Centroal Beheer (foram
desenvolvidos planos em consulto com os ferrovias
holandesas para instalar pontos-de-vendo de
dentro do complexo) . Enquanto o edifício, como uma
entidade autônoma, é colocado em perspectiva no ·
formal por sua articulação de um grande número de
componentes arquitetônicos menores, no nível
articulação similar é conseguida pelo princípio de
do, sem
Hgueu·se
)I ocos
por
1, ele
:difício-
>mo se
, mas
blica.
·am
,agens
1m a
' nível
de
1 acesso
n
adolodo- isto é, pelo fato de que podemos entra r no
elcio o partir de qualquer direção gradualmente e em
Ms estágios.
Sab o inRuência de um risco cada vez maior para a
segurança nos espaços públicos, o Centrao I Beheer também
ilp6s certos restrições ao acesso público. Hoje, todas as
ltados são vigiadas por câmeras de televisão, e sente-se
a necessidade cada vez maior de uma entrada única para
o amplexo como um todo, o qual, além disso, tornou-se
IIIOS imediatamente legível desde a contração dos dois
pílios em um só volume.
CENTRO MUSICAL VREDENBURG (20 1· 203)
Aqui foi feita uma tentativa para evitar a forma tradicional
de sala de concerto como um "templo da música" e chegar,
em vez disso, a uma atmosfera menos formal, menos
reverente e, portanto, mais convidativa aos não-iniciados.
Além de revolucionar a "imagem" geral, também o
"mecanismo" de acesso foi drasticamente alterado. Não se
entra por uma entrada imponente, mas sim pouco a pouco.
Em primeiro lugar, entra-se por uma passagem coberta que
conduz a muitas entradas (como se estivéssemos numa loja
de departamentos), para depois se chegar aos foyers do
Centro Musical e daí seguir até o auditório. O grande
número de entradas ao longo do corredor (ou galeria) e
também ao longo da praça - quando todas estão abertas -
faz com que o edifício se torne temporariamente parte da
rua. E, na verdade, é assim que o edifício funciona durante
DOMÍNIO PÚBliCO 81
201 203
202
205
os concertos semanais gratu itos na hora do almoço. Nesses
dias, vemos os compradores passeando pelo edifício,
muitas vezes demonstrando surpreso, outras vezes ouvindo
atentamente, embora não tenham vindo para ouvir o
concerto, e às vezes apenas tomando um atalho até o
próxima rua.
\
\
\
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\
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82 LI ÇÕ ES DE ARQ UITETUR A
\ ' n ~r ...,
CiNEMA CiNEAC, AMSTERDAM, 1933 I J. DUIKER 1204,
Duiker não só alcançou um êxito maravilhoso ao 1
programa arquitetônico inteiro diagonalmente ao
minúsculo do ed ifício (em que cada centímetro teve
usado), como conseguiu também deixar aberta a
onde se localiza a entrada, de modo que a esquina
continua funcionando como um espaço público.
modo, podemos atravessar a esquina por trás da
alta e, guiados pela marquise curva de vidro,
tentados a comprar um bilhete para uma sessão
de cinema. (Esta marquise foi revestida com
1980; o anúncio luminoso também foi retirado,
desfigurando assim a última das grandes obras de
O espaço que foi devolvido à rua é um componente
da arquitetura, em parte por causa de sua I
específica numa esquina e em parte por causa dos
materiais empregados (o mesmo tipo de azulejos
no resto do edifício, o marquise de vidro). Deste
ambivalente: privado, mas também público.
Wora a expressão da relatividade dos conceitos de
llllriar e exterior seja antes de tudo uma questão de
llfllizoção espacial, o fato de uma á rea te nder para
• atmosfera mais parecido com o do ruo ou mais
partcicla com a de um interior depende especialme nte
.qualidade do espaço.
AM. disso, se os pessoas reconhecerão o área em
f1111ão como interior ou exterior, ou como alguma
... intermediário, depende em grande parte dos
.._.s, da forma e do escolho dos materiais.
Nomso do Centraal Beheer (206) e do Centro Musical
Yledenburg (207), os espaços dos trechos projetados
~mente como áreas de ruas são especialmente altos e
tblos, com iluminação do alto como na galeria de lojas
h!Scionol. Este tipo de corte tranversal evoca os becos de
antigos, e esta evocação se torna ainda mais
1;illnsi~codo pelo tipo de material aplicado nos assoalhos e
que estamos acostumados a ver no exterior.
que penetramos no Centro Musical, esta
é salientada pelo uso de madeira no assoalho e
paredes. A área comercial adjacente, Hoog Catharijne,
PMIIIelltodo com mármore, seus espaços são bem mais
amplos e só incidentalmente iluminados do alto. O caráter
horizontal, com iluminação predominantemente artificial, e
o mármore brilhante, de aparência glamourosa, faz com
que o Hoog Catharijne lembre mais uma grande loja de
departamentos do que o espaço público que essencialmente é.
DOMÍNIO PÚHICO 83
206
'XJ7
208
209 210
211
84 liÇÕES DE ARQ UIT ETURA
HOTEL SOLVAY, BRUXELAS, 1896 I V. HORTA (208·211 )
Emboraos portas da fachada formem de modo in 1
a entrada principal do edifício, descobrimos ao entrar
elas não levam a um ha/1 convencional, mas dão acessog
um corredor que passa diretamente através do prédio o'é
um outro par de portas que dó para um pátio nos fund01
Este corredor foi concebido para permitir o ingresso de
carruagens, para que as pessoas pudessem descer na
verdadeira entrada do prédio sem se molhar.
A verdadeira porta de entrada está situada, portanto, en:
ângulo reto com a fachada, e marca o começo de uma
seqüência espacial que compreende o ha/1 de entrado e
escadaria conduzindo ao primeiro andar, enquanto os
quartos principais estão localizados ao longo de toda o
fachada e dos muros do fundo, com o uso, 1
Horta, de divisórias de vidro para criar uma conexão
aberta com o poço do escada .
O corredor que atravessa o prédio dó a impressão de
parte da rua, embora, na verdade, seja estritamente
privado, um espaço que faz parte da casa. Esta ·
é reforçada pelo uso, neste espaço, de materiais que se
assemelham ao da rua, em especial as pedras de
pavimentação e a borda elevada de pedra.
Um detalhe característico de Horto é o transição fluente
entre a fachada e a calçada, de modo que a fronteiro
o edifício e a rua, entre o espaço público e o privado se
dissolve. Na verdade, nem parece existir, já que os
materiais da fachada e da calçada são os mesmos. É
impossível imaginar isso sendo feito em comum acordo
as autoridades públicas, já que elas sempre adotam
separação estrita entre o espaço público e o privado.
PASSAGE POMMERAYE, NANTES, FRANÇA, 1840-43 (212·214)
Embora os materiais de construção e as formas aplicadas
no maioria dos galerias sejam do tipo que pertencem ao
'exterior', às vezes acontece o contrário, como na Passage
Pommeroye em Nantes. Esta conexão, atravessando uma
quadro entre duas ruas em níveis diferentes, é uma das
mais belos galerias ainda existentes, em especial porque
seus diferentes níveis são ambos visíveis do espaço central e
l~odos por uma grande escadaria de madeira.
O uso de madeiro, algo que não se espera encontrar numa
situação destas, enfatizo o sensação de estarmos no interior
-não apenas pelo eleito visual, mas também pelo efeito
sonoro. O interior e o exterior encontram-se duplamente
relativizados aqui, o que torna essa galeria o exemplo por
exc~êncio de como é possível eliminar a oposição entre o
interior e o exterior.
I
212
213
114
"A CARTA" I PtETER DE HOOGH ( 1629·1684) (2151
O quadro de Pieter de Hoogh demonstra a relatividade das
noções de exterior e interior, pela maneira como elas são
evocadas não só por meio de recursos de distinções
espaciais, mas também, e principalmente, por meio da
expressão dos materiais e de suas temperaturas sob
gradações variáveis de luz. O interior, com seus azulejos
brilhantes e frios e as janelas severas no fundo, possui uma
temperatura exterior que contrasta com o brilho quente da
fachada exterior iluminada pelo sol. A porta de entrado
aberto e sem degrau cria uma transição suave entre a
habitação e a rua com sua superfície semelhante a um
tapete. As funções do exterior e do interior parecem estar
invertidas, criando um conjunto espacialmente coeso que
expresso, acima de tudo, acesso.
86 liÇÕES DE ARQUITETURA
Assim como a aplicação ao interior do tipo de
organização espacial e do material referentes ao
mundo exterior faz com que o interior pareça
íntimo, as referências espaciais ao mundo interior
fazem com que o exterior pareça mais íntimo.
Portanto, é a união em perspectiva de interior e
exterior e a conseqüente ambigüidade que
intensificam a percepção de acesso espacial e de
intimidade. Uma seqüência gradual de indicações
mediante recursos arquitetônicos assegura uma
entrada e uma saída graduais. O complexo inteiro
experiências evocadas pelos recursos arn'"""n'"""
contribui para este processo: gradações de altura,
largura, grau de iluminação (natural e artificial),
materiais, diferentes níveis do chão. As diversas
sensações desta seqüência evocam toda uma
variedade dp1 associações, cada uma delas
corresponden'do a uma gradação específica de
"interioridade e exterioridade" que se baseia no
reconhecimento de experiências prévias sernelhar111!!
Não só cada sensação se refere a uma gradação
específica de exterioridade e interioridade, como se
refere por extensão a um uso correspondente. Eu·
havia sublinhado antes que o uso de uma área, o
sentido de responsabilidade por ela e o cuidado
dispensado a ela encontram-se todos ligadas às
demarcações territoriais e à administração. Mas a
arquitetura, graças às qualidades evocativas de
as imagens explicitamente espaciais, formas e
materiais, possui a capacidade de estimular
determinado tipo de uso. Conceitos como o de
e privado restringem-se, portanto, a meras
administrativas.
Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o
domínio privado pode se tornar menos parecido
uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que,
sua vez, o domínio público, desde que se torne
sensível às responsabilidades individuais e à
pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos,
pode se tornar mais intensamente usado e portanto
mais rico. Enquanto a tendência no fim dos anos 60
parecia levar a uma abertura maior da sociedade
geral e dos edifícios em particular, assim como o
revivescência da rua - o domínio público por
excelência -, há atualmente um movimento
para restringir este acesso e buscar refúgio em suo
própria "fortaleza", longe da agressividade, no
segurança da própria casa. Mas, na medida em
equilíbrio entre a abertura e o fechamento é um
reflexo de nossa sociedade bastante aberta, nós
Países Baixos, com nossa sólida tradição, podemos
ter as melhores condições para a construção de
edifícios fundamentalmente mais acessíveis e de
fundamentalmente mais convidativas.
215
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