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XV. A MULHER: O CONTROLE INFORMAL Por Teresa Miralles 1. A Abordagem Tradicional No século XIX, a administração da justiça foi racio- nalizada e centralizada. Foram adotados métodos matemáti- cos para medir os fenómenos sociais e criminais, explicados pelas estatísticas, que os representam graficamente. Uma evidência foi observada nestas estatísticas: o menor volume da criminalidade feminina quando comparada à masculina, sendo um tipo diferente de desvio. Este fato real foi explicado em termos da singula- ridade e raridade do comportamento criminal dentro das características atribuídas ao sexo feminino. Isso significou que, tradicionalmente, a explicação para a criminalidade fe- minina referia-se aos traços da mulher, por sua essência par- ticular. O problema era individualizado, dentro de um foco patológico, nas especificidades biológicas e psicológicas do sexo feminino e de seus atributos. De modo que, uma ação derivada a partir de um aspecto formal do desempenho do Estado e das instâncias informais era convertida em indi- vidual. Tratava-se de âmbito mais pessoal: o biológico e o psicológico. Foram elaboradas as concepções clássicas da biolo- gia e da psicologia, cuja explicação científica baseava-se nas crenças e mitos do conhecimento vulgar e comum a respeito da essência feminina. Assim, o discurso que permeava es- tas concepções correspondia à ideologia dominante, o que supunha não só sua continuação como também sua consa- gração científica. Isso poderia explicar a rápida adoção da postura acrítica afeita a esses temas e a sua permanência durante tantos anos não só como teorias científicas, mas também como questões de controle formal na medicalização e na prática clínica. Para Smart (1976, p. 27), a relevância que ainda têm as explicações fornecidas pelos estudos tra- dicionais é devida à compatibilidade da sua argumentação ideológica com os interesses dos profissionais patologistas e dos agentes do controle social. As teorias sociológicas que durante anos têm domi- nado o pensamento da disciplina criminológica esqueceram completamente o tema da criminalidade feminina. Para nós esta posição de abstenção cleve-se a dois fatos: primeiro, que os teóricos da criminologia têm ficado satisfeitos com as explicações biológicas e psicológicas (que recobrem per- feitamente a ideologia dominante sobre a mulher); e segun- do, que o mundo académico tem refletido na sua produção científica a mesma atitude social de indiferença para com as mulheres, ausência da vida comunitária e profissional em geral e do protagonismo social das frações que têm entrado no campo cio problema criminal. Com efeito, desde 1920, os Estados Unidos expe- rimentaram o impacto de várias imigrações, com os pro- blemas sociais que isso implica, como: adaptação cultural, mobilidade social, problemas salariais, dificuldades de habi- tação, conflitos de geração etc. Seu reflexo na criminalidade se evidenciou por ser uma fração social não absorvida pelo Estado e, portanto, criminalizada. Configurava-se uma cri- 178 minaliclade masculina, decorrente das ações do adulto e do adolescente. Vale ressaltar que, a posição subordinada do papel exercido pela mulher foi mais forte na cultura dos povos imigrantes. Entretanto, o controle do Estado e os estudos de criminologia concentravam na criminalidade das gangues e na maior esfera de negócios, através da ativiclade de "co- larinho branco". Logo, ambas as atividades correspondiam plenamente ao mundo masculino. A marginalização social da mulher ilustrou o tipo e a especificidade de sua criminalidade. Portanto, sendo tra- dicionalmente excluída das atividades económicas inseridas no conceito de "colarinho branco", a mulher restringiu-se, segundo Smart (1976, p. 24), às áreas ele ações mais arrisca- das (não protegidas legalmente, como ocorreu com o "cola- rinho branco"), e de pequenas ofensas. A menor importância da criminalidade da mulher, entendida na sua qualidade de ilícito-penal e cie ofensa contra a sociedade, foi vista como uma cias causas da fal- ta de interesse que a criminologia teve sobre o assunto. Todavia, se a gravidade ou a importância de uma ação criminosa é medida pela gravidade das sanções, é pos- sível constatar que a mulher é autora de crimes punidos rigorosamente. Pois, quando realiza uma mesma ativida- de criminosa que um homem submete-se à condenação à pena de reclusão, mais frequentemente do que os homens. Já, quando ambos são condenados, a mulher recebe uma pena de prisão maior. Podemos, portanto, dizer que a criminalidade das mulheres, no tocante ao seu volume, pode ser pouco im- portante, embora seja significativo considerar a gravidade cio castigo que recebe. Por conseguinte, deve-se desfazer a tese de que a criminalidade feminina não supõe um ataque significativo à ordem social. Porém, precisa-se especificar o que se entende por ordem social, clistinguindo-a de seus 179 componentes políticos, económicos e sociais e morais. A dissidência feminina supõe, acima de tudo, tradicionalmen- te, um ataque à ordem moral da sociedade. Daí que, sua criminalidade seja baixa, uma vez que o campo da mora- lidade é desenvolvido em grande parte na esfera privada, através de relações individuais regidas pelas coordenadas da educação familiar, de alta carga emocional-psicológica. Logo, a criminalidade localizarse apenas nas áreas públicas e mais notórias do terreno moral. Então, a mulher só ficou com uma pequena área e muito reduzida, para criminalizar suas ações de rebeldia. Por sua vez, o aspecto moral está diretamente ligado com o psicológico (veja as relações entre a psicologia e o jul- gamento moral na obra de Foucault, de 1961, História de Ia locura en Ia época clásica), de onde resulta a patologização desta criminalidade, que encontra apoio social para a sua adaptação nas crenças e mitos da sociedade sobre a essência feminina. 2. As Concepções Clássicas (Patológicas) da Delinquência Feminina Na biologia criminal a explicação da criminalidade da mulher tem influenciado as características próprias que têm sido atribuídas em sua essência; para, a partir daí, fazer notar a "raridade feminina" no delito. Outra direção, dentro da biologia tem sido a de concentrar várias ativiclades crimi- nosas da mulher nos processos biológicos do seu sexo. Em ambos os tipos cie abordagem, a criminalidade feminina tem sido sexualizacla, ou seja, não escapa à atitude unidimensio- nal que a moralidade, a sociedade - em seu conhecimento vulgar - e a religião têm exercido em relação à explicação de qualquer assunto relacionado à mulher; simplificados nos atributos da essência sexual feminina. 180 Um primeiro estudo da biologia criminal foi o efe- tuado por Lombroso e Ferrero, em 1895. A hipótese básica refere-se ao conceito de atavismo, que se manifesta nos estigmas de degeneração que estes autores detectam, atra- vés da medição dos crânios, dos sinais e tatuagens das mulheres prisioneiras. Foi encontrado um pequeno número de mulheres que pertenciam ao tipo "criminoso nato". Este fato, alegado pelos autores, dava-se porque a mulher, por ser menos evoluída do que o homem, era biologicamente menos ativa e, levava, naturalmente, um tipo de vida mais sedentário .' Assim, a partir do momento em que constataram que a mulher era menos evoluída do que o homem, o seu baixo nível evolutivo registrou-se em sua degeneração. Contudo, a mulher criminosa apresentava para os autores as qualida- des da criminalidade masculina e as piores características da feminina, como: astúcia, rancor e falsidade. Logo, a mulher criminosa era uma combinação "antinatural" de ambos os sexos (Smart, 1976, p. 33). Com este estudo, inferiu-se um componente de mas- culinidade na mulher criminosa. Tratava-se de uma anoma- lia biológica, como fator básico de sua criminalidade. Isso quer dizer que, a mulher criminosa era uma anormal, pois apresentavacaracterísticas biológicas que por si mesmas são antiéticas em relação ao crime. Este estudo, segundo Smart (1976, p. 33 - 34), parte de duas falácias. Em primeiro lugar, ao entender que exis- tiam bases biológicas imutáveis para determinar as dife- renças entre género masculino e feminino, isto é, nas suas A respeito, dizem Lombroso e Ferrero (1895, página 109): "Notou-se a tendência conservadora das mulheres em todas as questões de ordem social; um conservadorismo cuja primei- ra causa provém de estar forçada à inamovibilidade do óvulo comparado com o espermatozóide". 181 características. Em segundo lugar, havia uma confusão entre sexo e género, quando na realidade o sexo era um compo- nente biológico; o género era de índole social, cultural e psicológica; como tinham argumentado vários antropólogos, como: Mead (1967) e Oakley (1972). Embora, cada sociedade use o sexo biológico como critério para atribuir o género (Oakley, 1972, p. 158). O conceito da "verdadeira natureza" da mulher foi absolutamente fundamental ria obra de Lombroso e Ferrero. Desse modo, qualquer característica social da mulher era vista como reflexo de sua natureza. Assim, estabeleceu-se uma base biológica natural de anormalidade na mulher cri- minosa, defendida até hoje (Cowie, Cowie e Slater, 1968). A constituição da base biológica se dá a partir da visão de que o género feminino adota tipos de comportamento que são claramente "masculinos", passa a se autorrotular como mas- culina, com conotações características da masculinidade. A partir do estudo de Lombroso e Ferrero, a mulher criminosa é considerada biologicamente anormal, porque não só é rara, como também não é completa. Segue-se um duplo opróbrio: a condenação legal pelo crime e a condena- ção social pela anormalidade biológica ou sexual. Lombroso e Ferrero (1895, p.152) vão aduzir: "Por ser uma dupla exce- ção a mulher criminosa é um monstro". O enfoque endocrinológico quer encontrar nas dife- renças hormonais do homem e da mulher a explicação da diversidade da criminalidade entre ambos os sexos. Estas diferenças referem-se ao comportamento emocional, que é estudado por Gray (1970) em relação a dois aspectos: a agressividade e o medo ou fobia. Nesse sentido, entende-se que o homem é mais agressivo do que a mulher, diferença produzida em decorrência da maior presença de hormônios andróginos (Gray, 1970, p. 39). Disto resulta uma também maior agressividade na criminalidade masculina (Gray, 1970, p. 30; e Sears, 1965). 182 Algumas pesquisas salientaram em particular o fato de que a mulher tem mais medo do que o homem (Geer, 1965; e Marks, 1969). Apresenta mais fobias, especialmente, a agorafobia (Marks, 1969). Concentra-se na mulher elevada presença de depressões reativas (Eysenck, 1960; e Cattell e Scheier, 1961) e também neuróticas (Kendell, 1968). São encontrados sintomas neuróticos e psicossomáticos em uma maior extensão na mulher do que no homem (Srole et. ai. 1962; e Leighton et. ai, 1963). A diferença entre os sexos que se refere aos sinto- mas psiquiátricos, dentro de uma base endocrinológica, foi achada por Langer (1965), em três comunidades mexicanas. Nelas as mulheres foram tomadas pela depressão, preocu- pação neurótica e queixas psicossomáticas. Eysenck (1960) constatou que a correspondência entre um elevado caráter neurótico e uma alta introversão levava à previsão forçada de transtornos neuróticos, tais como: fobias, estado de ansie- dade e depressão reativa. O estudo da relação entre as mencionadas diferenças emocionais entre os sexos e a base endócrina foi realizado em experimentos com vários animais, principalmente com ratos e camundongos. Foram injetados hormônios masculi- nos à fêmea, que foi masculinizada com testosterona e estro- gênios; e os machos foram castrados. Com isso, conclui-se (Gray, 1970, p. 38) que as diferenças emocionais entre os géneros, relativas ao medo e às fobias dependiam do de- senvolvimento normal do sistema nervoso, que, geralmente, difere em cada sexo. Dois aspectos hormonais endócrinos chamaram particularmente a atenção para a singularidade cia crimi- nalidade da mulher: o desenvolvimento sexual e o perí- odo menstrual ou crise catamenial. Ambos os fenómenos biológicos são relevantes para a tabela psiquiátrica que os comporta. Desse modo, ao fator biológico justapõe-se a desordem psíquica. Assim, toda a criminalidade feminina é 183 especialmente produto do transtorno psíquico patológico, sob causas biológicas. Esta presença de uma anormalidade mental tem estado sempre presente nas concepções clássi- cas da criminologia. No que diz respeito ao desenvolvimento sexual, são consideradas especialmente a fase da puberdade e a da me- nopausa, intimamente relacionadas com o roubo ou o furto, realizado por uma necessidade irracional, um impulso irre- sistível e a ausência total de premeditação (Heuyer, 1968; e Gibbens e Price, 1902). Há muitos estudos sobre a criminalidade catamenial sob o impulso "obsessivo" da menstruação. Vale conferir uma pesquisa realizada na Espanha, o resultado da crimino- logia, em 1968, por Aznar. Para este autor, a criminalidade catamenial, mesmo sendo configurada em diversas modali- dades criminais, geralmente apresenta dois tipos distintos: um grave, sob a forma de assassinato ou homicídio, e um de menor importância, implantado na forma de furto ou roubo. A criminalidade de tipo grave ocorre, de acordo com este autor, em mulheres com transtorno psicopata. A sua morfo- logia foi descrita por Aznar (1968, p. 178): "Trata-se de um avanço no impulso consciente, por vezes irresistível e imperioso, única solução da ideia obsessi- va, angustiante, que geralmente vem precedida por lutas intensas entre a personalidade aparentemente normal e a tendência à execução do crime, entre o desejo e a ob- sessão. É a luta que se dá, após esgotar até os meios mais refletidos para desviar a conduta delituosa, ao ser considerada vencida e ainda assim, decidida a realizá-la, a prepara minuciosamente..." Em pequenos crimes também está presente, segun- do este autor, o mesmo processo psíquico, mas com tons mais suaves, por ausência do fundo psicopata. 184 A menstruação é apresentada como uma doença,2 que por sua vez faz da condição feminina uma desgraça3 e que pela sua patologia produz na mulher sintomas neuroló- gicos e psíquicos: as obsessões que representam um caráter delituoso (Aznar, 1968, p. 159). Com efeito, o fundamental é a obsessão que produz transtornos em relação a associações afetivas. "São as ideias fixas, obsessivas, que ao entrarem em conflito com a vontade provocam uma luta angustiante das obsessões e impulsos" (Aznar, 1968, p. 171). E prossegue argumentando este autor (p. 169): "É claro que a ação do período menstrual funciona como fator desencadeante ou revelador de distúrbios ou doenças mentais e como exacer- bador de síndromes psicóticas". Em consonância aos transtornos neuropsíquicos des- taca-se a diminuição da capacidade mental, a exaltação da libido e a depressão. A relação entre os transtornos mentais e a menstruação foi estudada por Kraft-Ebing (1902), em es- tudos que, segundo Aznar (1968), ainda que temas cie várias 2 Diz Aznar (1968, pp. 141-142): "... Alterações anatómicas do en- dométrio e, sobretudo, com tão profundas variações bioquí- micas e tóxicas do meio externo, repercutem mais ou menos intensamente no organismo feminino, mais ainda quando do período menstrual, antropologicamente considerado, constitui como veremos, um processo anómalo que, com grande fre- quência, insere-se no âmbito do patológico... A alteração cor- poral e anímica provocada pela menstruação é um fator a mais na ininterrupta cadeia de crises biológicas vinculadas à sexua- lidade, que paciente e resignadamente sofre a mulher desde a puberdade até o climatério, o que, diga-se de passagem, con- trasta com a privilegiada posiçãodo homem na transcendental missão da perpetuação da espécie". Se analisamos tais crises -puberdade, menstruação, materni- dade, climatério - não é estranho que se diga que a mulher é um ser "naturalmente débil e enfermo, uma espécie de doente natural que sempre padece de algo". 185 discussões, nunca foram desvirtuados. Nesse sentido, agrega Aznar (1968, p.167): "Com que argumentos se nega a óbvia e particular relação causal menstruação-transtorno mental, talvez a mais antiga conexão somática-psíquica, considera- da pelos médicos e criminólogos como fator etiopatogênico, de uma específica criminalidade feminina?" Justamente, de acordo com o autor (p. 164), o fenómeno biológico passa "a ter transcendência jurídica. Quanto ao hiper-erotismo catamenial, informa Az- nar (1968, p. 153): "Em minha opinião não é surpreendente que consiga canalizar obsessões-impulsões, tão comuns nos distúrbios psíquicos do período, para o campo da prostitui- ção." Finalmente, salienta-se como alteração metabólica a cio equilíbrio ácido básico, segundo Hoff, a estados depressivos (Aznar, 1968, p. 153-154). Além disso, a influência da menstruação tem sido estudada em face de um crime específico, que é o furto em grandes armazéns. Exner (1949) observou essa influência em 63 % dos casos; outro autor, Dalton (1961), em seu estudo em 386 detentas, descobriu que 41% delas cometeram o crime no período menstrual ou pré-menstrual. Gibbens (1960) e Gibbens e Price (1962), em sua tipologia dos autores deste crime, entenderam que a mulher, durante ou após a mens- truação, é cleptomaníaca, que rouba compulsiva e repetida- mente, ficando excitada sexualmente ao manusear os itens roubados. Em uma criminalidade mais grave, Parker (1960) conclui que, 62% dos crimes de violência de mulheres deten- tas, foram cometidos na semana pré-menstrual. Essas características sexuais biológicas da mulher, isto é, os estágios do desenvolvimento sexual, incluindo a gravidez e a menstruação, são para Pollak (1961), em sua análise da criminalidade feminina, processos fisiológicos anormais que influenciam os aspectos psicológicos e os so- ciais da mulher criminosa. Assim, explica que a mulher, du- rante a menstruação, comete atos por vingança, ao se sentir 186 em um status inferior ao homem, uma vez que o período menstrual patenteia seu fracasso de não poder ser um ho- mem. Nesse rumo, a vingança toma a forma de falsas acusa- ções, perjúrio, incêndios e até mesmo assalto e assassinato. Também a menopausa está associada, segundo o autor, à perda da feminilidade, levando à depressão, à irritabilidade e, finalmente, ao crime. Junto à influência biológica sublinha-se a análise freudiana. O autor incorpora vários mitos que o conheci- mento comum ou vulgar considera sobre a mulher, como o mito da mulher vingativa, de raízes religiosas, na figura de Juclith. Como aduz Smart: (1976, p. 53) Pollak "incorporou os mitos masculinos4 para sua análise e lhes deu um status pseudocientífico".s A teoria psicanalítica tem explicado a especificidade cia criminalidade feminina em relação às diferentes formas e motivações individuais. A teoria psicanalítica de Freud parte da suposição cie que a agressividade é um componente mas- culino. Daí, o homem ser mais propenso do que a mulher a cometer atos criminosos. O ego é a chave: o ego saudável 4 Sobre estes mitos, diz Pollak (1961, página 149): "em nossa cul- tura dominada pelo homem, a mulher sempre foi considerada como algo estranho, secreto e às vezes perigoso. 5 Existem outros estudos biológicos sobre a mulher criminosa. Por exemplo, o de Hancls, Herbert e Tennent (1974), os quais encontraram entre as mulheres detidas num hospital especia- lizado alguma associação entre as fases do ciclo menstrual e o comportamento agressivo. D'Orban (1971) descreve as garotas criminosas como super desenvolvidas e excessivamente altas para a idade delas. Epps e Parnell (1952), comparando mulhe- res delinquentes com mulheres não delinquentes do ensino primário, encontra nas primeiras o predomínio do tipo me- soforme. Gibbens (1969), indica que as mulheres criminosas apresentam numa proporção elevada anormalidades em seus cromossomos. 187 desenvolve vários mecanismos cie defesa ou habilidades dis- tintas. Para treinar seu ego, uma mulher precisa da figura materna estável. Advertem Ferracutti e Newman (1977, p. 109), que está implícito na teoria de Freud que "as mulheres não conseguem desenvolver plenamente o seu ego, por isso são passivas, tímidas e não agem contra o mundo". Portan- to, sua criminalidade é de pequenas proporções. A mulher criminosa não possui os atributos característicos da feminili- dade. A psicanálise, segundo Ferracutti e Newman (1977, p. 110), "pode explicar as várias formas de crime pela sua capa- cidade de transformar as imagens simbólicas e inconscientes da vida mental no equivalente da vida real". A psiquiatria também estudou a anormalidade da mulher criminosa ancorada nos dados objetivos sobre a bai- xa proporção de mulheres que entram no sistema de justiça criminal. Há uma tendência a considerar a mulher criminosa como anormal, devido à excentricidade estatística do seu comportamento (Walker, 1968). Esta atitude científica e so- cial é ilustrativa do maior número de mulheres que são co- locadas em hospitais especiais, ao invés de serem enviadas para a prisão. O número de mulheres internadas chega a ser dez vezes superior ao de homens (Prins, 1980, p. 313). Pa- rece, portanto, que há uma estreita conexão entre a atitude teórica e a ação de política criminal. Cinco estudos recentes são mostras suficientes para ilustrar a posição psiquiátrica. 1. Guze (1976), na sua pes- quisa das 66 detentas sentenciadas encontra: sociopatia em 65 %; alcoolismo em 47%; dependência de drogas em 26 %; homossexualidade em 6%; ansiedade neurótica em 11%; de- pressão em l %; esquizofrenia em 1,5 %; e subnormalidade em 6%. 2. O estudo de Barack e Widem (1978), utilizando o questionário de personalidade de Eysenck em mulheres aguardando resolução processual, encontra uma alta por- centagem de neurose e psicose. 3- Prins (1980) enfatiza o 188 elevado grau de histeria nas mulheres, o tipo de conduta que relaciona, a título de hipótese, à psicopatia. Este autor conclui (p. 319) que a mulher possui ele- mentos psicopatológicos mais exuberantes e traumáticos do que os homens. Liga este fato da reação melodramática fa- miliar à criminalidade da mulher e à má relação com o pai. Dois são os estudos que sustentam a sua hipótese. O de Riege (1972) que relaciona a criminalidade da mulher à visão de um pai que não ama e nem elogia os filhos; e o estudo de Gilbert (1972) que lida com o liame entre a autoimagem da moça criminosa e a falta de afeto paterno, que traumatizam a sua relação com o sexo oposto. 4. A este respeito Glover (1957) analisa a psicopatologia da prostituição. Assim, en- contra nas mulheres pesquisadas uma atitude de raiva frente ao pai e de hostilidade diante da mãe. Tais elementos são importantes na formação do fator homossexual inconscien- te, que está presente na prostituição. 5. Em sua pesquisa, Gibbens (1971) observa que as mulheres criminosas estão mais deprimidas do que os homens, apresentando sintomas específicos, tais como a fobia. No campo da patologia social, destaca-se uma tese teórica que estabelece uma estreita ligação entre a crimina- lidade da mulher, a sua infra-socialização e a adaptação aos valores cia comunidade, a causa de sua doença, estimando- -se a necessidade de tratamento individual para a cura. Isso rompe a conexão entre a explicação teórica e o controle do Estado, através de seus corpos hospitalares e do trabalho social. O estudo de Thomas (1967) é um excelente exemplo dessa tendência liberal-funcionalista, carregada também de vestígios biológicos. Para Thomas (1967), os desejos básicos do atuar social são derivadosde instintos biológicos, espe- cialmente do sistema nervoso. Nesse rumo, são canalizados para fins sociais pelo processo de socialização desenvolvido dentro da família. Instintos biológicos distintos no homem e na mulher e a falta de coesão familiar são os aspectos 189 chave na teoria deste autor. A mulher, para Thomas (1967), apresenta no seu sistema nervoso uma maior variedade de amor referido ao instinto maternal, que também a conduz aos homens doentes e desamparados. Sob este prisma, a mulher de acordo com o papel e a valorização social será: mãe, enfermeira ou irmã cie caridade. Com efeito, o autor retratou o primeiro aspecto da criminalidade na mulher, especialmente na prostituição. Este comportamento ocorre pela necessidade intensa que têm as mulheres de dar e sentir amor e que, por um defeito na sua socialização canaliza-o para o comportamento de prostituição. Depois, apontou o segundo conceito chave da criminalidade feminina, por problemas na unidade familiar tradicional, ou seja, uma situação microssociológica onde as reações nervosas individuais se desenrolam. Com a quebra da atitude tradicional caseira e familiar da mulher há distor- ção nos seus instintos nervosos, que a conduzem ao crime. Para Thomas, a criminalidade na mulher é quase exclusiva- mente de tipo sexual, por desvio do papel social tradicional implícito no seu sistema nervoso. Este tipo de análise corresponde ao que, em 1943, Wright Mills chamava cie "moralidade rural", que equipara a comunidade rural e o grupo primário ao bem-estar e à ordem. Então, para Thomas, quando a boa ordem familiar tradicional desaparece, também desaparecem as sanções fa- miliares e a mulher, que até então havia sido reprimida por aquelas. Pois, a mulher é socialmente desajustada, na medi- da em que, desvia o seu instinto de dar e receber amor na ativiclade criminosa. A teoria de Thomas tem importantes implicações de política criminal, pois o autor apresenta a necessidade de trabalhar na área pré-criminosa. Almeja reconhecer nas moças suas tendências criminais e compensar a influência negativa que a perda da coesão familiar origina nas cidades. 190 Ele busca, em termos cie controle, substituir a família pelas diferentes agências estatais. Esta conclusão de Thomas (1967) é fortemente critica- da por Smart (1976), que vê oculto no liberalismo deste autor um marcado autoritarismo, que se manifesta: na necessidade de socialização na ordem existente, nas sentenças mais seve- ras dirigidas aos menores por atos criminosos e não crimi- nosos, na supremacia do controle estatal pela imposição de valores da moral da classe média. Isso implica dificuldade para atender às condições de vida da classe trabalhadora e ignorância frente à influência do duplo Standard na morali- dade, no sentido de que, o valor social da mulher depende da percepção dos outros; de modo que ela deve ser símbolo de pureza e objeto de adoração. Nesse diapasão, Thomas (1967) aproxima a criminalidade da mulher à sexualidade anormal. Na obra de Thomas encontra-se a presença de pre- conceitos e crenças tradicionais sobre a mulher. A atitude científica também é encontrada na obra de Pollack (1961), que desenvolve sua explicação da crimina- lidade da mulher com uma visão totalmente estereotipada. O autor concentrou seu estudo com base na limitada influ- ência objetiva da criminalidade da feminina. Para explicar esta questão, começa por considerar as características en- contradas na mulher criminosa, como: 1) a capacidade de instigação, pois as mulheres são quase sempre os cérebros organizadores do crime masculino, ou seja, realizam infra- ções por meio do homem e nunca são presas ou culpadas; 2) a habilidade de falsear e mentir que derivam de um ele- mento biológico, da passividade sexual, daí a atitude de es- tranhamento em relação "à verdade"; e 3) o sentimento de vingança que a mulher desenvolve frente ao homem como consequência da repressão sofrida. Pollack (1961) afirma que o homem toma uma atitu- de bem definida a respeito do crime cometido pela mulher, no sentido de não chegar a entendê-lo. Isso ocorre porque 191 sempre tem considerado o género feminino como dócil, que necessita de proteção, posto que, realmente, o homem teme sua insurreição. Logo, o cavalheirismo masculino para com a mulher, que segundo Pollack (1961), reafirma a "idealização da mulher em termos de doçura e pureza, vendo-a como um ser inofensivo; mas essa atitude muda quando a mulher comete um crime. Então, o homem tem que amaldiçoá-la" como criminosa, para poder condená-la" (p. 49). Parece haver uma contradição no argumento de Pollack, uma vez que parte da atitude de cavalheirismo do homem para com a mulher. Na área criminal o que alega este autor pode ser traduzido por uma abstenção para de- nunciar o crime, mas também que a primeira reação do homem frente ao crime feminino é a incredulidade, para depois amaldiçoá-la. Isso quer dizer que, uma vez ciente da efetiva realidade criminal, a atitude inicial do homem, deixa de ser cortês e se torna mais ofensiva. Então, como pode argumentar que o homem não denuncia o delito da mulher? Portanto, como Pollack quer dizer que o crime não é denun- ciado por cavalheirismo, mas que, internamente, o homem vai amaldiçoá-la? Parece uma atitude estranha, é ainda mais estranha quando consideramos a explicação de Pollack so- bre a atuação das instâncias de controle formal, quando ele relata o tratamento de suavidade da polícia e do juiz relativo às mulheres criminosas. Como entender a maldição por um lado (o policial e o juiz também são homens) e a suavidade pelo outro? Em sua análise, o autor (1961) destaca a exis- tência real da alta cifra negra da criminalidade da mulher, no sentido de que há de fato uma criminalidade real, mas é cometida por instigação ou falsamente (e, portanto, difi- cilmente descoberta); ou não é denunciada pelo homem, que muitas vezes é a vítima-, ou é tratada com cuidado pela polícia e pelo juiz, conduzindo a um elevado número de processos que culminam com a absolvição. A atitude teórica a respeito da criminalidade da mu- lher tem tentado desvendar o mistério, o porquê da escassa criminalidade feminina. Nessa linha, abundam as explica- ções sobre o comportamento das mulheres, a partir da anor- malidade puramente biológica, de matiz sexual, à patologia psicológica e à sociopatologia, até chegar a uma análise so- cial, imbuída de nuances e conceitos abordados na crença mitológica. Compreendendo a mulher em função da dimen- são da anormalidade tem-se uma percepção científica em relação à criminalidade do género feminino, que segue a dicotomia: bondade/maldade, pureza/pecado, passividade/ agressividade, submissão/insurreição, com a qual a socieda- de tem focado a interpretação da mulher; pautada nas cren- ças sociais; em cuja formação destas crenças esteve ausente. As características dicotômicas são reduzidas a uma funda- mental: que as abriga, a essência feminina versus a anorma- lidade e/ou masculinidade feminina. Esta essência feminina tem como conotação a bondade, a pureza, a passividade e a submissão. Já a anormalidade ou a masculinidade tem como aspectos a maldade (falsidade, mentira, instigação, vingança etc), o pecado (focado no desvio ou na anormalidade sexu- al), a agressão e a insurreição. Daí que, o comportamento criminoso na mulher, como será visto a seguir, pode ser facilmente integrado em um amplo conceito: transtornos de conduta e de personalidade, e com isso vir a se converter em uma questão clínica. 3. A Nova Abordagem: o Controle Social A abordagem patológica das concepções clássicas tem uma importância fundamental pelo seu impacto sobre a forma de controle social incidente na mulher. Cria-se uma concordância no aspecto social e na atuação estatal, no sen- tido de que a atitude valorativa para com a mulher nutra 193 um tipo de controle informal, pelaavaliação méclica e psi- quiátrica, com dimensão teórico-científica, que influencia o controle formal. Forma-se, pois, um continuum de controles que atuam na mesma direção; alguns são excludentes em face de outros e outros são confluentes. Há, portanto, uma expectativa específica do Estado e da sociedade direcionada à mulher, daí ser entendida como uma realidade singular, em cada instituição de controle. O estudo da criminalidade feminina vai mais longe, pois aban- dona a utilização da ciência para servir aos preconceitos so- bre a opressão sofrida pelo género feminino. A criminologia crítica, como indicado por Stang-Dahl e Snare (1979, p. 11), "tentou encontrar uma nova linguagem dentro da perspec- tiva social e fez uma análise que relaciona o campo pessoal com o político, e a subjetividade com a história. Assim, foi adquirida uma nova qualidade mental, a imaginação socio- lógica". No sentido delineado por Wright Mills (1959, p. 6): "A imaginação sociológica nos permite colocar a história e a biografia entrelaçadas na sociedade." O novo enfoque de estudo desenvolvido no âmbito da postura crítica da criminologia centra-se na questão do Estado e do seu controle. AAssim, a criminologia crítica insere o desvio feminino dentro de cada tipo de controle - infor- mal e formal -, com uma função específica de acordo com o modelo de Estado e de sociedade, em razão da orientação político-econômica e dos interesses que dela derivam. A es- cassez numérica da criminalidade feminina é vista como resultado de uma projeçào diferente dos controles sociais so- bre a mulher. Então, comprova-se que os controles informais funcionam com enorme eficiência em uma área extensa, por isso resta pouco espaço para o controle formal atuar, quer dizer, pela prisão. Nessa seara, a mulher não recebe uma Para o estudo do controle formal e informal, remetemos o lei- tor aos capítulos XI e XII desta terceira parte da obra. 194 atitude externa suave e nem gentil. Encontra um conjunto de controles constantes em todas as esferas de seu agir. Nas seções seguintes deste capítulo, veremos como no âmbito familiar o papel da mulher e os valores nele implí- citos ordenam um controle próprio. Dessa maneira, quando a mulher se desvia do papel imposto, a instituição familiar a forçará à adaptação. Este é o primeiro tipo de controle que é colocado diante da mulher. Se for aceito, ela será reinte- grada à ordem familiar em seu papel, dificilmente atingirá a criminalidade (o que supõe o acionamento do controle formal). Contudo, caso não seja aceito, entrarão em cena a psiquiatria e a clínica, absorvendo dentro cio seu contexto esta primeira rebelião. Logo, quando falhar o controle informal, entrará em ação o controle formal, com a elaboração do status de crimi- noso. Utilizar-se-á da influência patológica, daí, a incidência do tratamento clínico, que retorna com a noção de proteção da mulher. Entretanto, quando o desvio não for absorvido pelos outros tipos de controle social, caberá a prisão, como limite final, para o resíduo da mulher. Este controle não fun- ciona em termos de proteção, mas de disciplina e punição, de contenção e de exclusão. A este controle submeter-se-ão as mulheres mais vulneráveis: pobres, negras, ciganas e jo- vens. 4. O Controle Social Informal O controle social informal é um fenómeno complexo, com diferentes dimensões, que abrangem diversos modos cie opressão à mulher. Os interesses do Estado no sistema capitalista de produção, vinculados ao papel da mulher, in- cluem a família, a escola, o trabalho e a medicina. Todas estas instituições aplicam o mesmo programa, funcionam com os mesmos objetivos: criar e manter o papel atribuído à mulher. Como vimos no capítulo XII, 2, a instituição fami- 195 liar estrutura-se em torno de dois papéis: primordialmente, na produção de bens que correspondem ao homem, e em seguida na reprodução que corresponde ao papel atribuído à mulher. Logo, a disciplina social transporta-se na família pela autoridade da figura paterna sobre os filhos e pela au- toridade do marido sobre a esposa. Quanto ao papel de re- produção, são atribuídas características femininas especiais. Assim, a mulher é principalmente mãe e sua vida social e sexual está destinada a este -fim. A disciplina em relação ao marido é cultivada na obediência social e sexual. A mulher é responsável por assegurar a monogamia e a moral na fa- mília. Os aspectos próprios da feminilidade, já vistos, são coincidentes com o papel secundário que a mulher exerce na família e na sociedade. Por conseguinte, a mulher só é realmente considera- da mulher quando apresenta um comportamento feminino. Isso significa que deve ser: meiga, doce, dependente, obe- diente, servil, agradável e dedicar a sua vida à felicidade dos que formam seu ambiente familiar. Nessa esteira, em consonância à educação que recebe da família, ensina às suas filhas táticas de socialização peculiar ao seu género: ser mais controlada, passiva e caseira. Logo, a mulher deve bus- car proteção contra a agressividade e contra a força física.7 Quando uma mulher engloba essas características passa a ser aceita pelo ambiente familiar e pela sociedade. A família consiste no primeiro controle que a mulher recebe; no sentido de que deve manter-se nesses limites, para ser apreciada e valorizada como pessoa. A necessidade cons- tante de se colocar em uma posição subordinada, de atuar A passividade e a fragilidade como características do papel so- cial que desempenham se refletem nas características da crimi- nalidade violenta, por usar geralmente armas especificas (faca, veneno) ou atuar sobre vítimas especiais, do entorno familiar (Hoffman-Bustamante, 1973). em concordância às características atribuídas, lhe é incutida desde a educação infantil, através dos jogos psicológicos do amor, do afeto e do sentimento de culpa. Afinal, a mulher é mãe, que dá amor e carinho, nas relações que estabelece com as crianças e com o marido, que se lastreiam na ter- nura. Realiza o trabalho doméstico, o qual não tem valor económico de troca. Nessa esteira, sua única apreciação gira em torno de sua capacidade de dar e manter fortes relações de afetividade. A capacidade afetiva é mantida na família pelo jogo da culpa, porque o campo destas interações familia- res inscreve-se na esfera social da moralidade. Daí que, co- mumente, a culpa seja percebida como o primeiro controle feminino. Pois, a família ou a própria mulher a coloca em funcionamento quando há recusa do papel moral afetivo fe- minino. Logo, a culpa cabe facilmente no âmbito da psicolo- gia, pelo jogo cia punição ou autopunição; ao negar o apoio amoroso eficaz nas relações estabelecidas pela mulher. Socialmente, o papel da mulher é hipertrofiado, pois há dependência sexual. Nesta tarefa colaboram as formas de linguagem, a mídia (pensemos nos anúncios e comerciais clirecionados à mulher) e a proteção penal de certas institui- ções. Existe uma sexualização da atuação da mulher e assim do comportamento delinquente. Como veremos no próximo capítulo, o desvio da mulher de seu papel sexual implica, imediatamente, uma criminalização de sua conduta. Ainda que, a mesma ação do homem não seja punida. Vale ressaltar que, as tarefas da mulher estão ligadas ao jogo de afeto, à culpa e à dependência sexual. Cumpre um papel social desvalorizado. Pois só é relevante no seio da família e nas escassas derivações deste ambiente: grupo de amigos em comum do casal ou amigos de negócios do marido, onde acaba perpetuando o papel secundário. O estudo de Finstad (1976) compara, através de en- trevistas estruturadas e fechadas, a vida da mulher em casa 197 e na prisão. Este trabalho, intitulado "Somos todas prisionei- ras", estabelece similitudes entre as sociedades limitadas e as institucionalizadas, da família e da prisão. A mulher que vive no núcleo familiar fechado, no espaço doméstico,situa- -se como uma prisioneira no cárcere, é socialmente esqueci- da. Na família, a mulher sofre a privação cie identidade e não pode tomar o próprio lugar - ocupa o campo que lhe impõe -, fica fora cio movimento soc-ial, com limitações físicas - na célula nuclear - e recebe coerções físicas, económicas e ideológicas. Essa situação de invisibilidade pública da mulher conduz à individualização e privatização dos seus direitos, dos seus deveres e de suas crises. Sobre esse aspecto a análise de Stang-Dahl e Snare (1979) concentra-se nas con- dições materiais e nas situações de vida da mulher, tendo como conceito fundamental a noção de privacidade e das suas consequências sócio-políticas. Nesse ínterim, a mu- lher é relegada ao setor privado, tem pouca visibilidade e mobilidade. Daí, em sua esfera doméstica, as normas, os conflitos e os mecanismos de controle são personalizados e não públicos (vide o baixo número de mulheres na prisão como instituição pública). Portanto, qualquer necessidade ou interesse cia mulher é neutralizado por leis abstraias de conteúdo conceituai irrelevante ou neutro, que escondem a natureza da opressão experimentada pelo género feminino (Snare e Stang-Dahl, 1979, p. 12). Nota-se, um primeiro con- trole no sentido da coerção, ao manter a mulher no espaço privado, e esta coerção desempenha um papel fundamental na perpetuação da ordem social existente, que descreve as características de seu desvio, da sua criminalidade e de seu comportamento anormal. A situação de dependência da mulher e a subordina- ção do seu papel social acentuaram-se ainda mais na ideo- logia espanhola deste século. Pois, desenvolve-se em nosso país, uma sociedade voltada para dentro, baseada nos slo- gans de patriotismo, religião e família, como os três pilares de sustentação. Dentro da família é exacerbada a ênfase no aspecto moral e no reprodutor, os quais devem ser assegu- rados pela mulher. Esta é vista como arquiteta da unidade familiar e destinada à primeira finalidade do matrimónio cristão: gerar e educar os filhos para Deus e para a pátria. Então, a rígida autoridade do esquema ditatorial transcende do aparato do Estado às instâncias informais. Nessa órbita, este programa de opressão é implantado na mulher, modela- -se uma mediação da força ideológica colocada na família, resulta vima série de elementos como os apresentados por De Miguel (1979). Assim, o autor retrata o que chama de "mito da Imaculada Conceição", que trata do conjunto de afirmações pronunciadas pelos ginecologistas, homens que entram no reduzido círculo íntimo da mulher. Afinal,,se- gundo De Miguel (1979) o ginecologista foi considerado "o melhor amigo da mulher", quem entende a função sexual, o programa de maternidade. Na obra são desenvolvidos os pontos chaves desta ideologia médica que concebe a mulher como "um ser bio- logicamente inferior ao homem. Com a finalidade apenas de ser mãe, tem um papel secundário, não precisa de mais do que uma educação geral. Se a mulher é normal não deve trabalhar. Pois, a mulher moderna está se virilizando e pode colocar em perigo a espécie" (p. 9). Para isto são adicio- nadas as seguintes considerações referentes à sexualidade da mulher: "anormalidade da menstruação, frigidez sexual e antissexualismo geral dos ginecologistas". Sobre a frigidez sexual da mulher apontam os gine- cologistas Conill e Conill (1967): "Sabe-se que 75% das mu- lheres são frígidas, sem outro propósito na sua vida íntima, além de agradar e dominar. (...) Portanto, 90% das mulheres glorificariam o fato de ter filhos sem a áspera servidão que isso requer. Finalmente, observou-se que 10% dos que têm 198 199 plenitude de orgasmo são intersexuais com rastro de virilis- mo córtico-supra-renal (...)" (De Miguel, 1979, p. 17). Temos implícito aqui o mito da maldade da mulher e da virilidade, leia-se anormalidade cia mulher com desejo sexual. A mulher é vista como um ser diferente e tida como inferior ao homem. Maranón (1935) a define em termos de "amorfa, instável, ambivalente e de alma contraditória" (De« Miguel, 1979, p. 27). Ramon e Cajal, em 1938, concebem o papel subordinado da mulher: "deve-se moldar o caráter feminino, dobrando-o às exigências de uma vida séria, de trabalho heróico e de recato austero. Em suma, fazer dela um órgão mental complementar, absorvido nas questões pe- quenas, (...) para que o marido livre de inquietudes, possa se ocupar de coisas relevantes (...)" (De Miguel, 1979, p. 27). No que diz respeito ao seu papel secundário e de co- operação com o marido, afirma outro ginecologista, Dexeus, em 1970: "(...) destacam-se entre os atributos que contribuem para que a mulher se adapte ao papel cie conselheira e co- laboradora do marido: intuição, espírito de sacrifício, bom gosto, humanidade etc." (De Miguel, 1979, p. 29). A atitude de proteção relativa à mulher e cie seu en- quadramento no círculo familiar é evidente em José Botella, no texto publicado em 1975; "A mulher, em pagamento pelo seu esforço reprodutivo, deveria ser livre do áspero contato com o mundo exterior. Deveria viver defendida pelo ho- mem no microcosmo que é a família" (De Miguel, 1979, p. 30). Este mesmo autor defende a desigualdade dos papéis sociais/sexuais e a inferioridade feminina: "Não sendo igual biologicamente a missão da mulher e a do homem, também não se pode igualar, ou seja, converter a mulher no homem" (De Miguel, p. 34). No que tange à educação feminina, dois textos de Conill e Conill, escritos em 1967, argumentam: "o homem, quanto mais dinâmico e inteligente for, mais aprecia a paz do lar; para isso contribui em geral, a mulher, com uma 200 educação requintada e uma instrução extensa e pouco pro- funda". Para estes autores, apenas o épico e o romance clás- sico podem ser interessantes para a mulher, porque como se costuma dizer: "todo o resto é inútil para educá-la, só serve para convertê-la em uma pedante, fantasiosa e perturbado- ra" (De Miguel, 1979, p. 39). De acordo com estes autores, uma mulher inteligente é intersexual, e a elas "se convém o ensino superior (...)" (De Miguel, 1979, p. 41). Assim, nota-se o exemplo claro da "amplitude" inte- lectual outorgada à mulher, apenas para desempenhar o seu papel, e isso parece enraizado na sua própria natureza sexu- al, de modo que se é inteligente será intersexual. Muito bem definido por Botella o fato de que a educação da mulher é sempre para sua dedicação à família, não é social. Segundo Botella: "A formação da mulher deve encaminhá-la não a se tornar uma boa cidadã, mas sim uma boa esposa e unia boa mãe de família. Ou, do contrário, permanece solteira para ser útil aos seus semelhantes" (De Miguel, 1979, p. 40). Vale conferir uma consequência da pouca ou ne- nhuma importância da mulher em nosso país, que está na consideração do trabalho da mulher fora cio âmbito familiar. Cientificamente têm sido desenvolvidas teorias que associam a criminalidade dos jovens ao trabalho da mãe fora do lar. No campo do controle social na esfera espanhola é curioso notar como o trabalho da mulher fora de casa é uma variá- vel que o Tribunal Tutelar de Menores de Barcelona coleta na sua estatística anual como item classificatório do menor. O mais significativo em relação ao prejuízo social causado é que a variável é colocada em um mesmo quadro junto às circunstâncias cie sífilis, alcoolismo e doenças mentais. Res- salta-se que estas representam obviamente eventos patológi- cos que corroem a harmonia e o equilíbrio, não só familiar, como o desenvolvimento psicológico e patológico dos filhos (Essas tabelas são analisadas por Giménez-Salinas, 1978, p. 376.) 201 A obra citada de De Miguel (1979) demonstra a ati- tude do médico em relação à mulher que trabalha fora. De um lado, considera-se que "contribui para a corrupção dos costumes e a destruição da família" (p. 45), o que é incom- patível com o papel da esposa.Nesse diapasão, o médico se pergunta se "a mulher sábia vai perder sua feminilidade ou se vai assustar o homem" (p. 47). O único tipo de trabalho aceito para a mulher é o realizado pela sua dedicação aos filhos, mesmo que eles já tenham se emancipado. Entende- -se que o trabalho aceitável é aquele que cumpre uma fun- ção terapêutica (p. 48). Os médicos relatam até a formação de um terceiro sexo, com o instinto sexual exacerbado e a perda do instinto maternal (p. 50). Este mais relacionado ao trabalho fora do lar, que por ser visto como nefasto é, imediatamente, sexualizado. Sob esse prisma, a mulher tra- balhadora é compreendida como uma imoral que "vive o jogo sexual" (p. 50). Paralelamente, foi informado que o declínio da ma- ternidade tem produzido uma falta de interesse da mulher no que tange ao trabalho doméstico, deixando-a migrar para os interesses público-sociais. No entanto, segundo Oakley (1974), isso expandiu mais o tempo,s a energia e o dinhei- ro4 que a mãe passou a dedicar aos seus filhos. Na mesma linha, Firestone (1970) observa que essa alteração na família, elevou a atenção da mãe, com um ou dois filhos, rumo ao que foi chamado de "ideologia da infância", porque foi "sen- timental izado" e "romantizado" este período de idade. * Morgan (1970), refere que o Chase Manhattan Bank estima que uma mulher dedique atualmente em torno cie 99,6 horas por semana ao trabalho doméstico. O consumismo atual proporcionou, diz Davies (1977), que os filhos gastem maior tempo em jogos e que se utilizem pedia- tras, psicólogos, professores de música, dança, dentistas etc. 202 É evidente que o trabalho da mulher na sociedade e o papel cada vez mais importante que tem exercido no âmbito social produziram uma mudança na perspectiva de sua vida. Mas devemos realçar: primeiramente esta transfor- mação objetiva - com a alteração de valores que comporta -, é vista por muitos autores10 como causa do aumento da criminalidade feminina. Tal análise foi feita de uma maneira muito superficial, ao conectar exclusivamente o crime com a entrada da mulher na área pública de produção. Assim, Adler (1975) foi criticada por ter dado importância demais ao aumento da criminalidade da mulher, especialmente, em crimes violentos. Pois, não levou em conta apropriadamen- te o reduzido número de mulheres que são presas. A este respeito aduz Davies (1977, p. 251) que, em 1973, as prisões femininas correspondiam a 15,3%, dos crimes violentos, 3% do total (cometidos por homens e mulheres) e 10% dos ca- sos por mulheres. Em segundo plano, temos conectada a emancipação da mulher e o movimento feminista com o aumento da cri- minalidade (Kestenbaum, 1977; Loewestein, 1978). Trata-se cie uma posição que revela uma atitude ambígua em rela- ção a esses fatos sociais e que é, ao mesmo tempo, muito simplista, por estabelecer uma continuidade unilateral entre trabalho fora de casa e emancipação. Essas análises consi- Um exemplo está em Smith (1974), que trata especificamente do aumento da participação da mulher em assaltos, sequestros de avião e outras formas de terrorismo, e relaciona a nível de hipótese a influência da nova posição social, laborai e tecnoló- gica da mulher com o cometimento de fraudes fiscais, estelio- natos e outras falsidades. 203 deram que qualquer tipo de crime deve-se à abertura da mulher11 ao espaço público. O setor criminológico tem dado muitos exemplos de atitude reacionária ao movimento feminista. Em 1969, o es- tudo de Mulvihill e de outros sobre crimes violentos funcio- na como um claro exemplo disso. Consoante estes autores (p. 425): "a emancipação das mulheres em nossa sociedade," nas últimas décadas, reduziu a diferença entre a criminalida- de dos meninos e das meninas, dos homens e das mulheres, pois caíram as diferenças culturais entre ambos". Certamente, entre os anos 1960 e 1970, houve um aumento considerável da criminalidade feminina.12 Embora, como assinala Smart (1970), o fenómeno deve ser analisa- do dentro de um período mais amplo. Assim, entre 1935 e 1946 ocorreu também um aumento total de 365% desta criminalidade; de modo que, não se pode relacionar este último aumento com o atual movimento feminista. Porém, "este exame mostra que a criminalidade feminina é uma resposta dada pelas mulheres para um determinado número de situações que sofreram mudanças nos últimos 40 ou 45 anos". Todavia, acreditamos que dois fatores devem ser con- 1 A influência cia "emancipação" da mulher é extremamente complexa; assinala Smart (1973, página 73) que entre outras coisas também afeta o avanço da justiça social, pela extensão dos direitos humanos, reivindicar oportunidades sócio-econô- micas etc. Contudo, (página 74), as mudanças no comporta- mento da mulher não podem se relacionar diretamente com o movimento feminista, porque enquanto movimento social mostra-se como manifestação de diversas mudanças na ordem política, económica e social. 2 225% de delitos contra a pessoa e 149% contra a propriedade. 204 siderados: o aumento do consumo em todas as classes so- ciais, especialmente a do trabalhador, e a crise económica.13 Contudo, como o maior interesse da polícia fixa-se em perseguir ações criminosas das mulheres, como postura reacionária ante um fenómeno social novo de mudança, que o movimento feminista envolve, "aconteceu uma mudança da definição da conduta, em vez de uma mudança desta" (Smith, 1975, p. 11). Em terceiro lugar, o trabalho da mulher fora de casa tem sido visto como o elo mais importante da sua liberta- ção. Entretanto, é interessante notar que ele também é fonte de frustrações, porque nele experimenta outro fracasso, ao encontrar bloqueado o seu acesso a certas posições mais elevadas e a mobilidade para outros lugares ou empregos; pela existência do duplo Standard,1'1 que traz desigualdade laborai, através de salários mais baixos (Davies, 1977, p. 253). A mulher é uma marginalizada no mundo da produção. O seu trabalho não é visto como uma fonte de autorrealização e de desenvolvimento como ser humano, mas como subor- dinação à família, como um meio para compensar a crise económica familiar (Glazer, Majka, Acker e Bosé, 1976). Esta exclusão abrange outro aspecto: a variação da participação da mulher no mercado de trabalho, condicio- nada às necessidades cie produção do modelo capitalista. Assim, durante os períodos de crise económica, a mulher é obrigada a voltar para o lar; é a primeira força de trabalho que fica desempregada. Ressurge, enquanto isso, com muita 13 Prova disso são as estatísticas de criminalidade feminina nos países economicamente mais avançados, algumas delas apre- sentadas no próximo capítulo. H A igualdade laborai entre sexos não passa de uma formalidade legal/constitutional, que não se encontra refletida nos sindica- tos, na comunidade e nem nas organizações políticas (Glenn e Feldberg, 1976; Glazer e Waehrer, 1972). 205 força, a ideologia da mulher feminina, no espaço domés- tico, pelo impacto da moda, do cinema, das músicas, dos auxílios estatais para a segunda ou terceira maternidade etc. A mulher opera como o exército cie reserva mais amplo cio mundo capitalista. Portanto, é uma força cie trabalho de segunda ordem, na medida em que o seu trabalho é visto como temporário e considerado como uma atividade não essencial, em relação à atividade doméstica. Há uma divisão laborai em termos económicos e especialmente sexuais: o primeiro modo de vida do homem é o contrato laborai, e o da mulher é o casamento como contrato matrimonial (Stang- -Dahl e Snare, 1979, p. 14). Em suma, a coerção da mulher na esfera doméstica continua a ser o primeiro controle, contribuindo para isso o sistema de produção, as leis, a família e a sociedade em ge- ral. Embora tenha sofrido algumas mudanças, ainda estamos longe da concretização dos objetivos do movimento feminis- ta, que expressa Davies (1977,p. 256), que tendem princi- palmente para uma expressão integral da mulher como ser humano sem exclusão ou inferioridade.15 a) Os Autocon/roles: Estratégia de Controle Pessoal O controle interno na esfera privada, que descreve- mos, funciona bem mais para as mulheres. Porém, apresen- tou desvios, manifestação cie uma disfunção. Então, entram em funcionamento outros controles. O primeiro é o au- tocontrole, operado pela própria mulher quando enfrenta seus problemas, como dificuldades pessoais que podem ser Importante recordar que as condições implícitas da marginali- zação laborai ora considerada são mais obscuras e negativas na classe trabalhadora e no lúmpen proletariado; nestes .setores a exploração da mulher é muito considerável, de modo que para ela o trabalho nunca foi enfocado como meio de liberação e de autossatisfação. 206 resolvidas privadamente (Stang-Dahl e Snare, 1979, p 20). Trata-se de uma estratégia de controle totalmente privatiza- da e pessoal. 1) Quando a interação familiar é insatisfatória, a mulher - separada cia sociedade, sem objetivo extra-familiar, mo- nopolizada pela publicidade comercial que romantiza o trabalho doméstico e preocupada com uma rotina ago- nizante e desinteressante - substitui a sua frustração pela atividade doméstica compulsiva. Logo, ritualiza-se, no sentido que Merton (1978) imprime ao termo - pela limpe- za e pelo cuidado do lar (Davies, 1977, p. 250). Configura- -se um desvio hipef-conformista, observado por Cavan (1955) e utilizado pela mulher que se desvia da norma por hipertrofiar os caracteres implícitos no comportamento (Miranda Rosa, Miralles e Cerceira, 1979, p. 8-9). Pode ou não causar reações negativas ao ambiente. 2) O segundo autocontrole ou reação privada ao stress cau- sado pelas pressões da família é a forte dependência de sedativos e tranquilizantes. Como destaca Christie (1976, p. 74), na conclusão de seu estudo sobre mulhe- res da classe burguesa e da trabalhadora: "As mulheres resolvem os seus problemas de uma maneira legalmente aceita, que é o uso de fármacos. A medicalização talvez se torne um tipo de lubrificação, um método para per- manecer em funcionamento, exatamente no nível que precisa operar." Muitas vezes, os fármacos são prescritos por médicos e, principalmente, pelo médico "da família". Constata-se o destaque desempenhado pela profissão médica que reforça a privatização cio papel da mulher (Stang-Dahl e Snare, 1979, p. 20). 3) Um tipo de autocontrole bem contido, embora mais difícil de se tomar conhecimento, realizado de forma privada e escondida, é a dependência feminina do álcool. Normal- mente, é conhecida apenas quando atinge um estado de 207 alta gravidade e a família a coloca em uma clínica ou a polícia a detém, na rua ou no bar se embriagando. 4) Outro mecanismo de autocontrole invisível consiste na auto-hospitalização durante o dia, quando a mulher se esconde cios demais membros da família. Christie (1976) em seu estudo sobre as mulheres expõe esta situação e revela vários casos por entrevistas. Vale conferir um trecho de uma delas (p. 76): "Eu só posso elogiar o tra- tamento clínico diurno do hospital. Minha família não sabe, meu marido e meus filhos saem pela manhã, as- sim como eu. Retorno para casa antes deles. Quando chegam, eu já tenho o jantar pronto". É impressionan- te como a mulher internaliza o seu papel de dona de casa exemplar, conforma-se a ele, que terá que esconder eventuais falhas, quaisquer problemas. O mecanismo da culpa desempenha um papel importante aqui. 5) Um autocontrole que ocorre paralelamente ao anterior é o da demanda por consulta psiquiátrica pela mulher, sem a interferência da família. A psicanálise tornou-se o sistema de controle mais utilizado, cujo objetivo envolve a perpetuação do sistema sócio-econômico, através da manutenção dos papéis familiares, como primeira célula de padronização. 6) Um último mecanismo de autocontrole que a mulher em- prega é a depressão e os sintomas psico-patológicos. As- sim, a mulher é impulsionada pela força que nela exerce o jogo psicológico (pela educação recebida) de afeto - cuidar dos outros - e a culpa (anteriormente exposta). A mulher ensinada a internalizar seus problemas e emo- ções16 está enfrentando um impasse quando, inconscien- temente, recusa-se a continuar o seu papel doméstico / secundário / inferiorizado / privado.17 A recusa é inconsciente, pois encontra resistência, precisamente, pela culpa implícita. A agressão será a rea- ção exteriorizada e a depressão será a resposta internalizada (aqui o mecanismo psicológico tem ainda uma força maior). Friedman 0970) considera que o essencial na depressão é a falta de capacidade para expressar hostilidade, juntamente com uma autoimagem negativa. Portanto, entendemos que os sintomas depressivos ou patológicos do comportamento que a mulher apresenta não vêm da sua natureza patológica, nem se consubstanciam em um desvio, mas, como adverte Davies (1977, p. 264), são gerados pelo papel convencional imposto e servem como resposta normal a uma inferiorida- de e estrutura totalmente carente. b) Os Controles da Esfera Familiar Em geral, diante dos estados depressivos ou sinto- mas psico-patológicos da mulher - dona de casa -, a família pode aceitar isso como normal ou buscar seus mecanismos de defesa. Na sua reação de controle, a família usa ainda, com maior força, o sistema de proteção e ajuda à mulher, considerando-a como um ser sem força e poder de decisão. Em muitos casos, a verdadeira ajuda à mulher implicaria sua saída para o mundo, a sua libertação. Porém, a família tenta evitar esta medida, porque acima de tudo, almeja se defen- der da reação da mulher e proteger seu sistema de funcio- namento tradicional. Há, como denotou Chesler (1972), uma marginalização dentro do ambiente familiar para a mulher ' A mulher possui certamente menos canais socialmente aceitos para se autoexpressar em seus problemas. A agressividade, a autoindulgência excessiva, o alcoolismo, que nos homens são vistos como desvios, estes sim são típicos do papel da mulher. 1 As donas de casa não têm poder de decisão na família pelo cará- ter secundário e subordinado de seu papel (Blood e Wolfe, 1960), que se combina com o desenvolvimento pessoal limitado que conduz a uma autoimagem de inferioridade (Bernard, 1975). 208 209 que se desvia do seu papel. Na reação da família existem duas saídas: conter a mulher / esposa / mãe para que per- maneça no seu papel e/ou responsabilizá-la pela sua revo- lução particular. Na contenção é encarregada a clínica, com a distribuição em massa de medicamentos e sedativos. Na culpa é encarregado o psiquiatra. Em ambos os casos a atu- ação ocorre como uma extensão dos interesses familiares» A hospitalização pela família, narrou Stang-Dahl e Snare (1979, p. 20), opera quando a situação de stress da esposa piora. Isso acontece quando as exigências de consi- deração, sacrifício e autoanulação alcançam os limites do su- portado pela família. As estatísticas mostram que as clínicas privadas são usadas com preferência pela mulher. 1K Porque ao acontecer o desvio feminino, no seio da família (o masculino geralmente só afeta fora da família) atinge profundamente a sua estrutura. Sendo assim, são bem mais comuns em mulheres as medidas hospitalares do que nos homens. Além disso, como assinala González Duro (1979), a perspectiva psiquiátrica é endógena, isto é, deixa de lado as relações sociais e o mundo da produção. Portanto, há um continuum entre as abordagens que tomam o controle social e o familiar. Portanto, a família é completamente desresponsabilizada pela contradição que surge na mulher, o problema social do ambiente familiar passa a ser visto como um problema endógeno, completa- mente desligado das circunstâncias que o produziram. Há no hospital uma última delegação de responsa- bilidade, limitadaao controle familiar. A clínica atua como uma mãe, fingindo o ambiente psicológico, que se expe- Contudo, há que se destacar a discriminação que sofrem as mulheres quando sua origem social é baixa, porque em muitos casos ao não poder ir a clínicas luxuosas, acabam caindo no sistema de controle formal e daí facilmente seguirão para o manicômio público. 210 rimenta na infância e na falta de vontade de viver (Pitch, 1975). Por estar doente, a mulher deixa de ter a responsa- bilidade sobre si e se entrega aos cuidados clínicos, onde é tratada como uma mulher-menina, ser assexuado, sem ini- ciativa ou capacidade para ter relações sexuais, sem que seja reconhecida a sua dignidade de pessoa. A relação médico / enfermeiro / paciente reproduz as relações paternas e ma- ternas (Pitch, 1975). Muitas vezes, a mulher vai para a clínica ou para o hospital contra sua vontade; pois para ser internada foi enganada ou forçada. Para Goffman (1972), a clínica, que aparentemente tem uma função assistencial e curativa, é mais uma prisão branca com tortura branca, ante a rebelião. Lá, as horas de terapia são muito escassas, uma vez que os conflitos são resolvidos principalmente com meclicalização, lobotomia, eletrochoques ou coma por insulina, entre otitros meios. Quando a mulher se adapta às prescrições médicas e colabora em tudo, é considerada uma boa paciente. Assim, alcança-se uma desintegração pessoal, a doença é esquecida e só interessa a adaptação da mulher ao meio clínico (Goff- man, 1972). Porque nele deixam de ter relevância (se é que já tiveram) as razões da reação-rebelião da mulher. Enfatiza- -se o que importa para a família: preparar novamente a mu- lher para a submissão que o seu papel implica. Em Fevereiro de 1982, concluímos um estudo sobre o controle informal da mulher na área de Barcelona Foi in- teressante notar a importância cia atitude da família em rela- ção ao tipo de psiquiatria que se aplica e ao que é entendido por cura da mulher. Também constatamos de forma signifi- cativa a força da dependência e da privacidade na vida da mulher, a qual cria para si uma incapacidade social e uma facilidade de escolha, como via de solução, da psiquiatria. Percebemos nas ilações (Miralles, 1982, p 44) que "a família, com a sua atitude endógena, é foco e centro de problemas mentais nas jovens, mas particularmente em duas fases da 211 vida adulta da mulher. São elas: a vida de casada e a perda das etapas domésticas (incluindo o papel específico cie mãe zelosa). A dependência da mulher de afeto e da vida endó- gena é a característica mais marcante em seus problemas. Assim, a moça jovem se esfacelará, a qualquer momento, para obter a sua independência, mesmo sem consegui-la; a mulher recém-casada viverá a sua sexualidade como um fracasso pessoal e como algo que lhe foi roubado; a mulher adulta, em seus quarenta anos, culpar-se-á, patologicamente por suas fantasias amorosas, símbolo de uma rejeição de vida; a mulher madura viverá a saída de suas crianças como um abandono, uma mutilação em seu próprio corpo, na sim- bologia família-corpo. Nessa seara, a família poderá aclotar duas atitudes diferentes em relação ao problema apresentado pela mulher, fundamentais para o tipo de assistência que será escolhido. "Se a família é fechada ao diálogo e resiste a uma reestru- turação, será alvo de uma psiquiatria que individualiza o problema na 'doente', que usa a farmacologia e a segrega da comunidade, colocando-a no hospital público ou na clínica particular; quando a família está aberta ao diálogo (...) acei- tará uma psiquiatria aberta, comunitária, integradora, que através do diálogo encontra na reestruturação da família a possibilidade de uma saída social da mulher (...)". 212 BIBLIOGRAFIA ADLER, F. (1975), Sisters in Crime, tbe vise oftbe newfemale crimi- nal, New York, McGraw-Hill. AZNAR, B. (1968), Notas para un estúdio sobre Biologia Criminal de Ia Mujer, Madrid, Escuela de Medicina Legal. BARACK, L. L; e WIDEN, C. S. (1978), Eysenck's tbeory qf cri- minality Applied to women awaiting trial, "British Journal of Psyquiatry". BERNARD, J. (1975), Tbe future of molberbood, New York, Pen- guin. BLOOD, R.; e WOLFE, D. (1960), Husbands and Wives, Glencoe, 111., Free Press. BOTELLA, J. 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As estatísticas mostram, em todos os países, que a proporção de mulheres detidas nas prisões com relação ao número de homens é no geral inferior a 5%.' Parece que esta desproporção fica atenuada em al- guns países pelo amplo uso da clínica como controle for- mal na mulher, de modo que grande parte cia delinquência feminina é tratada nas clínicas e, assim, ao considerar as estatísticas das medidas terapêuticas, as cifras entre homens e mulheres se aproximam. Há, pois, duas instituições de controle formal para a execução das penas privativas de liberdade; a extensão na aplicação de uma ou outra medida, a prisão ou a clínica, varia segundo os países; e há uma relação direta entre o uso da medida clínica, o desenvolvimento económico do país e o tipo da prática liberal na política criminal, que se sus- tenta na estrutura específica do Estado de bem-estar social com capacidade económica para integrar as classes sociais 1 Dados de vários países sobre diferentes anos ilustram perfeita- mente esta afirmação, sem necessidade tle serem exauridos: no ano de 1977 na Noruega a.s prisões dos distritos norte e oeste continham um total de 4.125 detidos, dentre estes 4.116 ho- mens e 99 mulheres, resultando um percentual de 97,5% de ho- mens e 2,50% de mulheres.; na Suécia, no ano de 1979, de um total de 5.655 indivíduos sob condenação criminal (probation), 800 são mulheres, o que significa que 14,1% e de 10.822 con- denados à prisão, 299 são mulheres, alcançando, pois, 2,76%; na Espanha, no ano de 1980, a prisão de Falência continha 75 homens e 2 mulheres, o que dá 2,5%; a prisão de Guadalajara continha 158 homens e nenhuma mulher; em julho de 1981 a prisão de homens de Barcelona encarcerou 2.339 homens e a de mulheres 108 reclusas, o que significa uma porcentagem de mulheres de 4,45%; em 1979 a população penitenciária foi de 10.463 reclusos, dos quais 10.101 homens e 362 mulheres, cifras que traduzidas à porcentagem chegam a 96,5% de homens e 3,5% de mulheres. 220 que seu próprio sistema marginaliza, mediante programas de controle social de todos os níveis; o nível formal não se isenta dessa implantação de novos elementos tecnológicos e científicos para a normalização de todos os cidadãos. Assim, pois, quanto mais avançado é económica, tecnológica e cientificamente um país e mais anos de expe- riência democrática viveu, maiores inovações de corte libe- ral terá introduzido em seu sistema de controle formal, cujas formas recobrem os objetivos científico e político-crimínais de reabilitação, sendo a internação clínica social-terapêutica sua forma mais completa. Os países escandinavos, Holanda e Inglaterra representam, na Europa, este enfoque político- -criminal. Pelo contrário, a Espanha, país antiliberal e antide- mocrático na década dos anos cinquenta a sessenta - quan- do surge esta ideologia de reabilitação - representa um panorama distinto: a prisão é praticamente o único sistema de execução penal, com um regime disciplinar extremamen- te rígido e existe como instituição paralela, embora pouco aplicada, o internamento psiquiátrico forense, segregante e cronificante, nos hospitais gerais, onde não se dispensa ne- nhum tipo de terapia nem de controle do enfermo, de modo que este é literalmente depositado, alienado para sempre da sociedade e da superação de seu próprio conflito (Miralles, 1982). O predomínio do uso da prisão com sua estrutura regimental se mantém inalterado até nossos dias, inclusive depois da introdução, pela Lei Geral Penitenciária de 1978, de terapias de todo tipo, inclusive comunitária, como méto- do efetivo e elemento principal do objetivo ressocializador da privação da liberdade. Os aspectosde interesse no estudo do controle for- mal da mulher são: o perfil da delinquência da mulher, que mostra o tipo cie desvios que são criminalizados na mu- lher; a aplicação da medida terapêutica, principalmente em 221 estabelecimentos e clínicas especializadas; as prisões para mulheres, o sistema disciplinar e a situação das prisões para mulheres em nosso país. Vamos estudar todos eles. 2. O Perfil da Delinquência da Mulher Do estudo das estatísticas prisionais de vários países se observa que o delito contra a propriedade, síndrome de uma necessidade económica crónica de setores sociais em- pobrecidos, é o mais representado.2 Na Espanha, as estatísticas de prisões nos últimos anos mostram uma marcada evolução da mulher para uma delinquência de tipo económico, condicionada tanto pelo peso da crise económica nas zonas sociais empobrecidas como pela diminuição do interesse por criminalizar condu- tas de problemática estritamente moral. As estatísticas cio ano de 1975 mostram que a mulher está na prisão principalmente por delitos contra as pessoas, categoria que alcança 45%, seguida pelos delitos cie tipo eco- nómico em uma porcentagem de 25%; enquanto que neste mesmo ano o delito económico do homem alcança a por- centagem de 63,3%. Isto levaria a pensar que, em primeiro lugar, na Espanha de 1975 se criminaliza a mulher em um O roubo é o delito mais comum: na França, em 1977, de 851 mu- lheres reclusas, 114 o estavam por roubo; o roubo e a falsificação cie cheque eram as infrações mais frequentes na Holanda em 1975, com uma população penal de 45 mulheres; na Dinamarca as estatísticas do ano cie 1972 mostram que as infrações mais representadas na prisão se referem a delitos com interesse eco- nómico; laclroagens e furtos (28%), fraudes (15,6%), falsificação de documentos (15,6%) e outras ofensas contra a propriedade (12,6%), enquanto os delitos sexuais obtiveram 4,7% e a violência contra as pessoas 6,3%. Nos Estados Unidos em 1973, de um to- tal cie 868 detenções, 615 eram por roubo; na Noruega em 1973, de um total cie 243 reclusões, 35 eram por roubo e 19 por fraude. 222 tipo de delinquência derivada de conflitos surgidos na área de suas relações endógenas, com membros de sua família ou em relações também privadas paralelas ao mundo familiar. Não obstante, este quadro muda. Os dados que reco- lhemos no ano 1980 durante nossa visita às prisões de mu- lheres cie Madrid e de Valência, e no ano de 1982 na prisão de mulheres de Barcelona, mostram um perfil distinto de criminalização, que obviamente responde a uma mudança na estrutura de mentalidade de nosso país com relação à mulher.3 Em outubro de 1980 201 mulheres se encontravam reclusas no Complexo Penitenciário feminino de Madrid, conhecido como Yeserías. Destas, 185 por delitos, 57 como apenadas, 84icomo presas preventivas comuns e 2 como presas preventivas peri- gosas; 2 mulheres em medida de segurança de reeducação; 12 em trâmites cie expulsão do território nacional e 2 em trânsito. As 185 mulheres reclusas por delitos se distribuem segundo as seguintes categorias delitivas: Delitos de sangue: homicídio: total cie 39; 25 cumprindo con- denação e 15 presas preventivas; representam 23,&% do total pesquisado. Delito económico: roubo, total 40; 19 condenadas e 21 preven- tivas. Furto tal 12; 5 condenadas e 7 preventivas. Fraudes: total 5; 3 condenadas e 2 preventivas. Outros: total 7; porcentagem total 40%. Delitos de terrorismo: total 21: 2 condenadas e 17 preventivas; representando 11,3% das reclusões. Delitos contra a saúde pública: 8 apenadas e 24 preventivas; 17, 3% cias reclusões. Os poucos dados que obtivemos em 1980 cio cárcere de mu- lheres de Valência, relativos às 17 mulheres presas preventivas, mostram um panorama parecido; os ataques à propriedade são mais numerosos: 6 mulheres por roubo e 2 por veículo automotor, completando 8 mulheres; 6 mulheres por homicídio e l por lesões, somando 7 casos. 223 Estes dados mostram um aumento dos delitos de tipo ou objetivo económico e uma diminuição dos delitos característicos de sangue com uma significação privada. Se comparamos estes dados com os do ano 1975, referidos a toda a população feminina, observamos que a representa- ção de ambas as categorias de delitos se inverte, de modo que os delitos de sangue representam 45% em 1975 e 23,7% em 1980; enquanto que os económicos aparecem em 25% em 1975 e 40% em 1980. Surge'm ainda, em 1980, os delitos de terrorismo (11,3%) e o tráfico e uso de entorpecentes (17,3%). Parece que não só a crise económica, mas também o tipo de atuação da polícia, que se foca atualmente em ações delitivas como roubos, assaltos e drogas, são os fatores que se conjugam para chegar a mudar o perfil da criminalização da mulher em nosso país. Em fevereiro de 1982 há 93 mulheres mantidas na prisão de Triniclad de Barcelona. As estatísticas dos delitos dessas mulheres refletem a mudança que a problemática so- cial e moral da mulher está enfrentando, e ao mesmo tempo mostram que os conflitos íntimos e afetivos são os que pre- dominam em delitos de sangue. Ilustremos esta afirmação com números: Em primeiro lugar, de 93 mulheres, somente duas estão presas por prostituição e outras por efetuar prá- ticas abortivas sobre outras mulheres. A criminalização des- tas condutas representaria, sobretudo, o peso cia moral do duplo Standard sexual em uma cultura social intolerante e moralizadora na consideração dos direitos da mulher para a determinação de questões em que está diretamente e priva- damente envolvida. Na realidade, são tipos legais muito pou- co aplicados, ainda que criminalizem condutas amplamente praticadas, com grande visibilidade pública, especialmente a primeira, e sempre com grande cumplicidade. Condutas que entram na categoria dos chamados "delitos sem vítimas" que se caracterizam por obter um alto nível de consenso na adaptação social, que satisfazem desejos e interesses to- 224 talmente privados sem resultar dele qualquer vítima senão a defesa cia moral social tradicional, que por si mesma não goza já de consenso, por causa cia ampla margem outorga- da à liberdade individual pelas mudanças sociais que nosso país experimentou nos últimos anos, levando uma maior tolerância às questões privadas de cada indivíduo (Lamo de Espinosa, 1982). Em segundo lugar, os dados mostram que os ataques à vida alcançam a cifra de 11, os quais sobre 93 mulheres representam 11,9% das prisões. Os conflitos no âmbito fami- liar e íntimo predominam como desencacleantes deste tipo de conduta.4 Em terceiro lugar, da observação dos dados sobres- sai a importância da delinquência com um motivo econó- mico. Os delitos contra a propriedade totalizam 31 casos, o que se traduz numa porcentagem de 33,3%; deles, o roubo é o delito mais apresentado, com 21 casos; seguido com uma importância muito menor o furto, com três casos, o assalto, com três casos, a fraude, com três casos e a apropriação in- débita, com um caso. Há, contudo, outros delitos que juridicamente não atacam a propriedade, como o tráfico de entorpecentes e al- gumas falsificações, mas que a nosso entender têm um mo- tivo eminentemente económico, ou seja, que são condutas que acontecem para satisfazer necessidades económicas; as Com efeito, esmiuçando esta cifra de 11 casos por delito encon- tramos 3 parricídios, 2 homicídios (do amante), 2 assassinatos, l homicídio por sequestro de criança por motivo económico de resgate (pressionada pelas constantes exigências económicas do marido, diz a acusada) e l infanticídio, do filho recém-nas- cido de uma jovem de 21 anos (nascida em Cádiz, faxineira, grávida de quem não a desposou, quis esconder dos pais, com quem vivia , e, diante da impossibilidade de fazê-lo, matou logo após o nascimento). 225 estatísticas mostram que na prisão de Barcelona estão pre- sas 22 mulheres por tráfico de entorpecentes e3 mulheres por falsificação, o que alcança o número de 25 casos, que expressados em termos de porcentagem representa 26,8% das prisões. Se somamos a esta porcentagem o relativo aos delitos contra o património, 33,3%, encontramos que 60,1% das mulheres presas cie Barcelona o estão por delitos que implicam, diretamente uma problemática de tipo económi- co, com predomínio de ações que necessitam da força para ocorrer ou que acontecem em zonas marginalizadas, como são o roubo e o tráfico de drogas, índices da infraestrutura deficiente do mundo social da população penitenciária. Entretanto, sobressai a importância dos delitos de sangue quando comparamos as estatísticas carcerárias espa- nholas com as de países europeus de capitalismo avançado, já que nas estatísticas desses países os delitos graves contra a vida são mínimos ou estão ausentes. Podemos interpretar este feito no sentido de que o infanticídio, o parricídio ou o homicídio de maridos ou amantes, ao serem geralmente delitos provocados por graves problemas de marginalização da mulher, não ocorreriam neste países onde a miséria e a pobreza social estariam em princípio resolvidas pelos dife- rentes programas sociais estatais de ajuda económica dentro cia estrutura cie integração do Estado de bem-estar social, assim como pela aceitação do aborto e sua inserção na prá- tica sanitária pública. Contudo, a explicação mais real está em que os delitos de sangue, ainda que cometidos em me- nor quantidade, existem sim, mas recebem como medida de política criminal a internação em uma clínica especializada, o que elimina sua representação nas estatísticas carcerárias. Como já vimos, a escassa delinquência da mulher foi distorcida por explicações de índole patológica e foi levanta- da a ideologia de cavalheirismo pelos juizes e policiais, que como homens antes de representantes da justiça protegiam a mulher poupando-a de ser presa e processada. Entretanto, diversos estudos mostram que as razões são outras, eviden- ciando-se a falsidade desta problemática por seis situações objetivas. Primeiro, como aponta Davies (1977), se criminaliza a nível legal, na lei penal, condutas que se referem ao âmbi- to masculino ou feminino, mas se concentra desde um início a diferente pressão do controle nos âmbitos do homem e da mulher. A imensa maioria dos tipos penais se referem a proteção do âmbito público, onde o homem principalmente atua; e além disso, somente há três tipos delitivos que ex- clusivamente se referem a questões particulares da mulher: o infanticídio, a prostituição e certas modalidades de aborto. Segundo, entretanto, em condutas de âmbito público e de índole moral pública a mulher é condenada com maior frequência que o homem. Isso se explica porque são ações que não implicam um ataque importante a bens jurídicos, mas que implicam na mulher um desvio de seu papel tradi- cional, especialmente nas relações sexuais. Assim, as condu- tas de tipo moral-sexual se castigam com maior frequência cio que no homem. Espanha, país em que esta situação é característica, mostra que o ano 1975 havia nas prisões 6,8% de homens e 19,64% de mulheres por delitos contra a hones- tidade. Enquanto em outros países, onde a liberação da ide- ologia de dependência sexual da mulher obteve uma ampla tolerância social, que se refletiu no controle formal, como é o caso da Noruega, oncle em 1860 havia 61% de mulheres condenadas por estes delitos, já em 1905 havia 13% e em 1971 0,4%, descenso devido à despenalização de condutas que antes eram consideradas como ofensas públicas por se- rem ofensas à moralidade. Na prostituição temos o exemplo mais contundente da aplicação do duplo standard sexual na prática penal e legislativa, já que uma mesma conduta, "oferecer e solicitar relações sexuais mediante pagamento", leva à incriminação do oferecimento da mulher e não a so- licitação cio homem. 226 227 Nas instâncias formais o controle da mulher também se exerce na esfera de sua sexualidade; esta "sexualização" das condutas clelitivas se inicia já nas instituições de menores, onde, como apontam Chesney-Lind (1974) e Klein (1973), as menores que chegam nas instituições detidas por condutas de desvio, como são as fugas, furtos ou vagabundagem, sofrem um exame ginecológico com o fim de detectar a presença de relações sexuais que, existindo, passam a formar parte da co*n- duta desviante da adolescente, convertendo-se no fundamento das ações de controle. O sistema de controle formal, depositá- rio cia moral tradicional, está interessado em quebrar desde seu início a vivacidade, o interesse e a participação igualitária da mulher em um estilo de vida alternativo (Chesney-Lind, 1974). Na-Espanha, as medidas aplicadas pelo Tribunal Tu- telar de Menores são um perfeito exemplo deste feito. Gi- menez-Salinas (1981) mostra como o ano de 1976, de 25 meninas condenadas por "conduta imoral", 12 recebem como medida a internação longa e 2 a internação curta; no total, pois, 14 internações, que representa 5% das medidas contra 3% cie internações nos meninos para estas ações, no mesmo ano (páginas 98-100).^ Terceiro: outras categorias de delitos que se crimina- lizam na mulher entram na categoria denominada "delitos de status" (status offences) que implicam em um ataque da mulher ao seu papel social; são condutas como: conduta de- sordenada, fugas de casa, vadiagem, vagabundagem, que na realidade podem ser referidas a vagas normas de decência e sujeição familiar, exigidas à mulher desde cedo. Aponta Ches- ney-Lind (1974) que a mulher só não é mais condenada por estas condutas que o homem, mas que sofre em maior medi- da a reclusão preventiva e é condenada a penas mais longas. Para um estudo mais detalhado do tema é possível consultar: Herschel Prins, 1980, Offenders, deviants ofpatients; e CAKOL SMART, 1976, Women crime and criminology. Quarto: ademais as mulheres são detidas e condena- das por infraçòes cie gravidade muito baixa, quando os ho- mens nestes casos não são condenados nem detidos (Nagel, 1972); e como estas mulheres não têm nenhuma educação nem profissionalização, são pobres e jovens, recebem com maior frequência uma sentença indeterminada (Davies, 1977, p. 268). Tomemos como exemplo as pequenas rapinagens e furtos de objetos de pequeno valor; não é de se depreciar , que na Noruega as estatísticas de 1973 mostrem que de um total de 243 mulheres na prisão, 42 estão presas por peque- nos furtos e 44 por rapinagens. Quanto às menores, aponta Mawby, citada em Davies (1977), que nos Estados Unidos as jovens são levadas a uma instituição com maior frequência que os jovens por razões "não criminais", apelando a razões preventivas de proteção/' Quinto: quando a mulher é primária, é presa como preventiva numa proporção de mais de cinco vezes que o homem (Prins, 1980, p. 304) e, ademais, nos casos em que a mulher é condenada a uma sentença curta de prisão, o homem é absolvido ou colocado em liberdade condicional (Prins, 1980, p. 304). Apoiam este fato Goodman e Price (1907) e Walker e McCabe (1973), argumentando que a mu- lher responde mais favoravelmente que o homem a penas curtas cie prisão, talvez porque a mulher reage melhor como indivíduo a medidas cie coerção por ser "mais sensível para adquirir e manter as boas opiniões dos demais sobre ela" (em Prins, 1980, p. 305). Sexto: sobre a atitude mais severa da justiça para com a mulher delinquente é revelador o público juízo de valor efetuado por um estudo patrocinado pelo Estado de Washington (citado em Davies, 1977, p. 269), no sentido de que os cidadãos "consideram que o delito é muito mais sério Uma exposição ampla cleste aspecto se encontra na obra cie NA- NETTE DAVIES, 1977, Feminism deviance and social cbange. 228 229 na mulher que no homem, e recomenda [o estudo] um trata- mento mais duro para a mulher delinquente". "Entretanto, é factível que o tratamento judicial discrimineem favor da mu- lher de classe média, vendo-a como não culpável, enquan- to persegue rigorosamente as mulheres de classe baixa por entendê-las como perigosas" (p. 269). Quando falamos de classe social baixa e classe marginalizada tratamos de dois tipos de zona social, ambas penalizadas como expressão de uma ação de poder máxima, justamente para perpetuar nelas a condição de marginalização e de falta total cie acesso às zonas de poder social e político: as zonas pobres e de mi- séria e as zonas da juventude são as mais marcadas; nestas, mulheres se reencontram: as mulheres mais jovens e mais pobres. Esta é, em última análise, a variável que atua como constante para dirigir a atuação das instâncias de controle formal por meio do filtro que sua atuação admite, para asse- gurar que o máximo de poder do Estado se exerça sobre as zonas que têm um mínimo de poder. 3. O Tratamento Social-terapêutico Vimos que o uso cio controle informal da mulher opera entre amplas margens, dentro das quais se destacam o controle familiar da educação, o controle médico por au- tocontrole ou por delegação familiar e as internações perió- dicas em clínicas privadas ou públicas pela via familiar. Os deveres, os conflitos e a rebelião se consumam em âmbito privado e o controle que se desdobra se refere sempre ao mais íntimo da mulher: sua psique. O básico, pois, na edu- cação e nos controles privados se centraliza na problemática psicológica do afeto e da culpabilidade, de modo que todo o mundo da mulher se define por características endógenas, já que ao conter seu conflito e sua rebelião dentro do psicoló- gico é negado seu significado social e sua definição histórica (Pitch, 1975, p.3). 230 Este mesmo raciocínio é seguido pelo controle for- mal dentro da mesma engrenagem ideológica: a psiquiatria assegura a imposição disciplinar através da autoridade, a for- ça da moral, a culpabilidade e a negação de toda capacidade de decisão, ou seja, a dependência total e absoluta. É, pois, interessante constatar que o impacto terapêutico permeia a área do controle formal na época da organização de progra- mas sociais de reeducação nos estados de bem estar social; daí que nestes países, a partir dos anos cinquenta, surgem estabelecimentos clínicos para o tratamento de delinquentes. Apesar da terapia ter se iniciado no controle formal para o tratamento de delinquentes sexuais masculinos, na clínica fundada pelo médico dinamarquês Sturup foi con- siderado que este tipo "alternativo" de controle foi aplicado em maior medida para o tratamento da mulher e que -ele supôs uma mudança de perspectiva com respeito ao contro- le formal da mulher, porque não foi difícil superar a prisão como forma de controle, embora a terapia social não tenha implicado em um aumento da incriminação. Entretanto, entendemos que o impacto da terapia so- cial como controle formal deve ser concentrada em termos mais qualitativos que quantitativos, pois quantitativamente o número de mulheres submetidas à terapia continua sendo escasso comparado com o de homens. Contudo, a clínica social terapêutica chegou a suplan- tar o regime carcerário da mulher em alguns países e é tam- bém utilizada como única medida de controle para certos tipos de delitos, sendo uma prática processual extensamente utilizada pelos juizes. Tudo isto responderia à receptividade do controle formal ao impacto que foi suposto pela psiquia- trização da sociedade; e que especialmente se faz efetiva no controle da mulher pela força que têm as concepções de índo- le biológica e psicológica na explicação do desvio da mulher. É, pois, pela importância qualitativa cia terapia social na mulher que incluímos este tema neste capítulo dedicado 231 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar ao controle formal da mulher. Seu estudo exige que se trate o tema em seus aspectos teóricos gerais, que podem ser refe- ridos também ao controle do homem, e que se exponha seu funcionamento no terreno empírico do controle da mulher. Queremos ressaltar quatro pontos neste tema: a) como o conceito de terapia social surge no marco da desinstítucio- nalização e como evolui para sua aplicação em internação; ò) a definição de doença mental na mulher e sua adequação ao papel "doente-paciente"; c) o tratamento social terapêutico e a organização da clínica, e d) a situação na Espanha. a) Muito se escreveu sobre o conceito e alcance da terapia social para se referir sempre a uma medida de ajuda terapêutica de tipo psicológico efetuada sobre indivíduos em liberdade, ou seja, integrados na sociedade, sobre a ideia rei- tora de que somente se pode capacitar alguém a viver nor- malmente em sociedade por métodos que por si consistam em um tratamento que possibilite, durante sua execução, a vida social do indivíduo. Este tipo de nova terapia ia supor, portanto, uma mudança radical na lógica de funcionamento do sistema de controle formal até então existente: sistema que encarcerava o indivíduo e, pela segregação da socie- dade e o isolamento no próprio estabelecimento (grupos de internos por classificação separados dos demais), queria chegar a sua ressocialização. A falha evidente deste sistema, por sua própria incongruência, determinou que nas refor- mas dos anos cinquenta se pensasse em eliminar imediata- mente o obstáculo cia falta de integração social cio indivíduo que se quer ressocializar. Destas primeiras ideias muito pouco ficou na práti- ca da terapia social; melhor dizendo, tudo ficou menos sua ideia essencial: a integração social. Atualmente no campo da execução penal pelo tratamento se pode somente falar da primazia da execução de tratamento por cima cia tera- pia social, e isto porque o tratamento acontece em clínicas fechadas ainda que sejam denominadas "estabelecimentos sócio-terapêuticos". A terapia social é um dos métodos que se utilizam e implica em uma "amplificação e melhoramento da ação terapêutica em quanto se consegue colocar em ação métodos terapêuticos decididamente mais amplos e mais exigentes [...] por isso a terapia social está em situação de dar um impulso inovador na execução penal normal" (Kau- fmann, 1979, p. 240). Há que se distinguir, pois, entre execução de trata- mento, entenclo-a como a execução penal normal que trata em regime fechado os presos "selecionados com seu assenti- mento" (Kauffmann, 1979, p. 239) e terapia social, que pode ser também realizado na execução penal já que têm um mes- mo objetivo: a prevenção da reincidência; mas se separam pelos métodos, já que em toda execução de tratamento há, implícita, uma subordinação às necessidades regimentais dis- ciplinares, enquanto que na terapia social prevalecem sobre as normas disciplinares as necessidades de ressocialização. A crítica mais importante que foi levantada à terapia social é aquela que a entende como produto clireto cia "ide- ologia cio tratamento", porque amplia o conceito de doença e, portanto, atribui a necessidade cie tratamento, e afinal, a colocação sob o controle formal, de um número maior de indivíduos; isto é baseado na afirmação de que o compor- tamento desviante tem, ademais, uma qualidade diferente do comportamento adequado, realidade da qual é difícil, aponta a crítica, dar provas empíricas. Com esta ampliação do conceito de doença a situações conflitivas oncle a proble- mática social é preferente, estende-se desproporcionalmente a aplicação destas medidas, que se apresentam como ajuda científica mas que são impostas por meio de pautas de do- minação (Peters e Peters, 1970). Kauffmann (1979, pp. 242-251) defendeu abertamente as premissas ideológicas e conceituais da terapia social, nas quais adquire importância a definição do que se entende por 232 233 sophh Destacar sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Destacar sophh Sublinhado sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophhDestacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Sublinhado sophh Balão de comentário doença mental e os tipos de tratamento aplicados nos esta- belecimentos social-terapêuticos. Argumenta esta autora que os clientes destes estabelecimentos são delinquentes que em certa medida "efetivamente padecem sua delinquência", ainda que muitos não a demonstrem; de modo que somente depois do diagnóstico individual se conhece o sofrimento deste in- divíduo (p. 244); daí a primeira necessidade da clínica sócio- -terapêutica. Este sofrimento, em parte consciente e em parte reprimido, é expresso por Sturup (1968) quando define os delinquentes que trata em sua clínica como "dirigidos por im- pulsos de pensamento e conduta que os impelem à conduta antisocial, apesar de sua vontade e desejos". O padecimento admite toda classe de gradações, "desde o padecimento ex- tremo até a completa insensibilidade" (página 244). Parte-se, pois, de um conceito cie doença extrema- mente amplo, que abrange qualquer tipo de causa de pade- cimento de cará ter psíquico, o que leva a englobar quase por completo toclo tipo cie criminalidade. Não obstante, Kauffmann (1979, p. 250) opta por ampliar ainda mais o âm- bito de indivíduos que podem ser submetidos a tratamento nos estabelecimentos social-terapêuticos, quando afirma que ao encarar aos internados cio estabelecimento como doentes se corre o perigo de que se auto desculpem, sendo passivos ao tratamento que, pelo contrário, requer para seu êxito as forças do internado para que seja útil. De tal modo, é pre- ferível para esta autora trabalhar com o conceito de doença estendido à opinião pública, em cuja génesis desempenha um importante papel o rigor moral primitivo que tende a sociedade e que há de se levar em conta, pois desempenhou um importante papel na biografia de cada internado. Não obstante, aponta Kauffmann (1979, p. 251), o im- portante para a terapia social não é um conceito concreto de doença e que a partir dela se selecionem os sujeitos internos das clínicas submetidos a este tipo de terapia; e isto por duas razões: 1) porque o entendimento conceituai da palavra "te- rapia" orientado ao entendimento conceituai científico das te- orias de terapia gerais, não implica em modo algum que o delinquente respectivo seja considerado como "doente", mas sim como um homem ao qual se oferece ajuda para solucionar problemas; 2) porque o conceito de "terapia" não significa de modo algum que as causas dos fatos puníveis só sejam procu- rados na personalidade cio autor. O conceito está aberto a toda teoria da criminalidade; especialmente não exclui tampouco o tratamento do pano de fundo social geral da criminalidade e não impede a inclusão terapêutica, frequentemente necessária, da rede de relações sociais em que vive o autor (pp. 251-252). Até aqui poderia ser compreensível o enquadramen- to conceituai elaborado por Kauffmann e o conteúdo do sig- nificado que clá à terapia social, se esta fosse executada em estabelecimentos abertos com uma forte integração do indi- víduo ao seu meio; nesta situação terapêutica pode sim ser efetiva uma ambientação terapêutica da família do paciente, mas tudo isso perde seu sentido quando a terapia social é forçada a ser implantada em clínicas fechadas, nestes es- tabelecimentos social-terapêuticos que encerram por prazo indefinido delinquentes dos quais se infere que necessitam ajuda, sendo assim que o fundamento para tal seleção não se encontra em nenhuma base conceituai precisa, mas chega a envolver qualquer tipo de problemática. b) E aqui passamos a considerar o segundo aspecto imediatamente conectado com o primeiro, referido à definição específica da doença mental nestas clínicas terapêuticas. Partir cio pressuposto prático de "ajuda ao que padece", criado pelos defensores cia terapia social, evita que se tome qualquer postu- ra com relação ao epíteto de doente, que na realidade se cria quando se impõe sobre um indivíduo algum tipo cie terapia. E é evidente que a imposição terapêutica que se impõe à mulher no sistema de controle formal se efetua sob a crença de uma desordem mental subjacente a sua problemática delitiva. 234 235 sophh Destacar sophh Destacar sophh Riscado sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Balão de comentário epítetonull1. palavra ou expressão que se associa a um nome ou pronome para qualificá-lo.null"qual o melhor e. para tão notável beleza?"null2. qualificação elogiosa ou injuriosa dada a alguém; alcunha, qualificativo. "imbecil é o e. que melhor lhe cabe" sophh Destacar Entende-se que neste amplo campo das condutas não existe ofatorzero, ou seja, a carência total de um pano de fundo patológico, ainda que a problemática delitiva que se tenha expressado tenha algumas implicações e origem marcadamente social. Daí se pôde afirmar, como fez Kau- ffmann (1979, p. 247), que se comprovaram empiricamente as conexões entre criminalidade e psicose e, portanto, ofun- ) somático que se pôde manifestar no indivíduo em crise psicótica e em formas concretas de criminalidade; de modo que se possa afirmar que a neurose é uma doença muito extensa entre os delinquentes. A partir dessa abordagem, as desordens sociais que levam a um marcado desvio ou a um determinado ato delitivo são convertidas em desordem mental nos estabelecimentos psicoterapêuticos, dentro da área do controle formal. Tome- nos um exemplo de importância: a classificação do desvio da mulher no estabelecimento clínico de Holloway em Londres (Inglaterra), a antiga maior prisão cia Inglaterra para mulhe- res, hoje convertida em centro clínico psiquiátrico. Em 1977, Loway abrigou uma média de 1.358 internas. Estas mu- lheres são consideradas "mentalmente anormais", implicando a imposição deste termo ao desvio por parte cias mulheres normas cie tipo social e psicológico. Na formação des- te conceito cie "mentalmente anormal" desempenharam três categorias distintas: a) Diagnóstico psiquiátrico, especialmen- te esquizofrenia, tratada psiquiátrica ou farmacologicamente. b) Amplo diagnóstico psiquiátrico de "personalidade desor- denada", tratado farmacológica, psiquiátrica ou socialmente (terapia social), c) Diagnóstico de "psicopata" ou "sociopata", tratado por médicos psicológicos ou terapia social. É indicado no registro cia clínica Holloway que a maioria das mulheres entram nas categorias de diagnóstico b e c, ou seja, que sua "mentalidade anormal", sua "patologia" provém ou se forma o desvio das exigências sociais que estão implícitas nos di- reitos e deveres cie seu papel tradicional (Prins, 1980, p. 314). 236 É evidente que o controle formal segue a mesma estra- tégia cie definição cia mulher que os controles informais, já que a situação da mulher não se define socialmente por fatores de implicação histórica, como seriam os conceitos de opressão e exploração, que diretamente exigem uma conexão de análise sócio-política, embora já desde o âmbito informal a situação da mulher é interpretada por fatores onde cada aspecto tem sua especificidade, onde o psicológico, derivado das características biológico-sexuais, entra em primeiro plano e cujo conjunto não pode ser reconduzido a características gerais (Pitch, 1975, p. 5). No que diz respeito à mulher, esta é em geral boa paciente; nisso desempenha um papel importante sua de- pendência, que foi usada para ser definida pelos outros, de forma que em seu eventual internamento clínico não lhe é difícil aceitar as respostas e soluções (diagnóstico e tra- tamento) que a clínica dá ao seu caso. Falou-se também nesta questão - ou seja, na aceitação passiva pela mulher do rótulo de doente - da falta cie reação pessoal da mulher; descrevem-na os próprios funcionários de Holloway, que re- lacionam esta atitude com a terapia que lhes é administrada. Diz-se em Holloway que a maioria das mulheres delinquen-tes não sabem levar bem suas relações pessoais e são inep- tas para se amoldar à vida em comunidade; são muitas vezes incoerentes, sem terem nenhuma prática de pensar e resol- ver seus problemas, o que tem levado a introduzir na clínica os chamados grupos de conselho (group counselling), as comunidades terapêuticas em pequeno número e outras for- mas protetoras de psicoterapia (Kelley, 1975). c) O terceiro aspecto trada da aplicação da medida te- rapêutica e a organização cia clínica social terapêutica que a aplica. Embora a terapia social se empregue em vários paí- ses, centralizamos nossa exposição nos sistemas da Holanda e Suécia, países arquétipos; na comparação destas medidas, sua frequência e a de prisão, no sistema de clínicas, cletendo-nos 237 sophh Destacar sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Destacar sophh Destacar sophh Máquina de escrever ???? sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Sublinhado sophh Destacar sophh Sublinhado na terapia administrada na clínica da Holanda, do doutor Van der Hoeven, por ser a mais importante que atende mulheres.7 No sistema penal holandês há dois institutos punitivos: a pena privativa de liberdade e as medidas de segurança, ambas impostas pelo juiz da sentença. As penas são sempre determina- das e 3/4 são cumpridas em reclusão carcerária e 1A em liberdade. A prisão é para o cumprimento de penas longas e as casas 'de detenção (remand House), para penas curtas. As medidas de segurança são indeterminadas,' decretadas pelo juiz depois de ter ouvido o diagnóstico da clínica psiquiátrica de observação (POK = Psiquiatric Observation Klinik) de Utrech, com capaci- dade para 50 homens e mulheres e um moderno equipamento, o do departamento de observação da casa de custódia de Ams- terclam e dos serviços psiquiátricos cios distritos. O diagnóstico da POK pode ser pedido pelo juiz na instrução do processo, assim como quando se está cumprin- do uma pena determinada na prisão e se apresentam pro- blemas mentais, diagnosticados como mentally disturbed, e pode levar ao diagnóstico cie "mentalmente insano parcial". Desde 1952 se efetuam na clínica testes clínicos de perso- nalidade completos; embora não haja normas que fixem os fatores que se estudam, no geral se efetuam diagnósticos de desordem de personalidade, o histórico dos conflitos no tra- balho, os delitos cometidos, o perigo de fuga, o tipo de ame- aça à comunidade e se decreta o tratamento mais pertinente. Na POK, selecionam-se os diagnosticados para dis- tribuí-los nas diferentes clínicas públicas ou privadas. Se não há lugar imediato na clínica de destino, espera-se na prisão, isolada. Há estatísticas dos diagnósticos em sentença, mas não se dispõe de informação sobre o número de detidos na prisão que são transferidos às clínicas sociais terapêuticas. Para uma ampla informação sobre medidas terapêuticas, testes psiquiátricos e psicológicos e clínicas especializadas na Alema- nha, Holanda e Dinamarca, se pode consultar a obra de Hilde Kaufman, 1979. Ejecución penal y terapia social. 238 A reclusão em uma clínica especial é uma medida que se chama oficialmente "detenção ao prazer do Governo" (De- tention at the Government's pleasuré) e que ordinariamente se denomina TBR. Na seção 37, parágrafo l cio código penal, nota-se que "ninguém será castigado por um delito pelo qual não é responsável devido a um desenvolvimento defeituoso ou incapacidade de suas faculdades mentais". Sobre um nú- mero de aproximadamente 40.000 sentenças por ano, 12.000 condenam à prisão e de 100 a 200 à TBR. Esta medida pode ser decretada isolada ou cumulativamente à pena cie prisão. O termo psicopata é o que se utiliza atualmente com referência aos indivíduos sujeitos a uma ordem TBR, enten- dendo-se assim como infratores as pessoas a quem tenha sido aplicada a lei para psicopatas (Psychopath Acf), concei- to, pois, legal, distinto ao conceito ao médico e que contém diversas categorias mentais. Os tipos de delito pelos quais se recebe uma ordem TBR são tanto os de índole violenta, como sexual, como aqueles contra a propriedade. As estatísticas dos anos 1977 e 1978 mostram respectivamente: delitos de violência, 239 e 246; ofensas sexuais, 81 e 81; contra a propriedade, 83 e 60 (Care of the Criminal Psychopatbs Service, 1977). Há sete clínicas na Holanda que atendem a infra- tores da lei penal: estas clínicas são tanto do Estado como de gestão privada. Há duas clínicas do Estado: a do doutor Van Mesdag em Groningen e Veldzicht em Avereest. E cinco clínicas privadas, que por acordo com o Governo reservam grande parte de sua capacidade para infratores condenados à medidas de segurança indeterminadas (a indeterminação é a primeira exigência das clínicas): clínica doutor Henri van der Hoeven em Utrecht; clínica professor mister W. P. J. Pompe em Nijmegen; Vereniging Rekkense Inrichtingen em Rekken; Hoeve Boschoord em Vledder e Groot Batelaar, que é um centro aberto. Dessas, as clínicas mais importantes são: 239 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar 1. A clínica do doutor Van Desdag em Groningen, si- tuada em uma antiga prisão, está extremamente vigiada e às vezes é usada como prisão de segurança máxima; nela estão presos os autores de delitos violentos; são indivíduos subme- tidos às medidas de segurança e considerados como casos especiais, e "os casos especiais que não podem ser tratados na prisão, que são quase um caso psiquitátrico" (declarações obtidas em entrevista). Pelo artigo 120 da Lei de Prisões se envia a uma clínica de máxima segurança os indivíduos que durante o cumprimento da sentença se tornaram loucos ou cuja conduta causa problemas na prisão. Não há estatísticas publicadas sobre estes envios nem o número nem as razões das transferências. Até mesmo a uma equipe de investiga- ção do Instituto de Criminologia da Universidade Livre de Amsterdam sobre o Controle da Mulher nos anos 1979-1981 foi negado qualquer tipo de informação. "Necessitam uma terapia mais intensa, maior ajuda, e a clínica de Groningen é o melhor lugar para isso porque é o mais fechado, com grande número de assistência pessoal" (declarações obtidas em entrevista)8. Os internos que provêm da prisão permanecem na clínica pelo tempo estipulado na sentença, não se podendo 8 Tanto os dados objetivos como as estatísticas e os comentários sobre o sistema terapêutico da clínica do Doutor Van der Hoe- ven foram obtidos por Teresa Miralles em janeiro de 1980, por documentos solicitados ao Ministério da Justiça pelo doutor em psicologia Sietse Steenstra, professor do Instituto de Criminologia da Universidade Livre de Amsterdam e por entrevista com uma psicóloga, funcionária do Ministério da Justiça a cargo da super- visão das instituições de mulheres. Outros dados sobre medidas TBR nos foram proporcionados por John Vervaele, candidato ao doutorado em criminologia pela Universidade de Amberes. As estatísticas da clínicas, de 1982, e das prisões, de 1981, nos foram enviadas por Hugo Durieux, periodista da revista holandesa KRI, especializada em questões institucionais e agências de controle. 240 retê-los indeterminadamente. Contudo, as guardiãs desta clí- nica de Groningen, que são mulheres, e que vigiam constan- temente o preso e trabalham conjuntamente a terapia com ele, não estão de acordo com que haja um tempo fixo de es- tadia subordinado à pena determinada, argumentando que desta maneira não se pode fazer o trabalho corretamente. 2. A clínica do doutor Henri van der Hoeven em Utrecht é a maior em que há terapia para mulheres; foi a única até pouco tempo atrás, já que atualmente há outra clínica para mulheres em Rekken. Embora seja privada e de- dique a maior parte de sua capacidade a mulheres tratadas privadamente, reserva 80 vagas para o tratamento de delin- quentes cuja proporção é de 65 homens e 15 mulheres. A medida deTBR não é muito aplicada; as estatísticas do ano de 1971, nos meses cie fevereiro, maio, agosto e novembro, dão um total de 147 mulheres que entraram sob o controle de instituições penais; delas, 74 são condenadas à casa de custódia, onde se cumprem penas muito curtas de prisão; 4 em detenção (preventiva), 62 recebem pena de prisão e 7 vão à clínica sócio-terapêutica. Segundo nossa informação, obtida em janeiro cie 1980, ou seja, 9 anos depois, a propor- ção sócio-terapêutica aumentou nestes anos. Qual o passado institucional das pacientes submeti- das a uma medida TBR? A doutora Roosenburg, diretora des- ta clínica durante muitos anos, escreveu em 1966 que quase 70% clelas foram tiradas de suas casas antes dos 18 anos e colocadas em algum outro lugar; 20% estiveram em famílias adotivas e mais da metade em uma ou várias instituições para crianças. Um quarto delas teve sua primeira condena- ção antes dos 16 anos e mais da metade antes dos 18 anos com uma heterogénea carreira criminal, sentenciadas pelo menos seis vezes. A metade esteve em clínicas estatais para criminosos mentalmente insanos e 55% foi para instituições privadas e hospitais psiquiátricos. Estas mulheres chegaram 241 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar a passar 90% de seu tempo em instituições (pp. 7-8). São as chamadas delinquentes perigosas e o tratamento é de tipo reabilitador para que desenvolvam modelos alternativos de conduta menos agressivos (Roosenburg, 1973, p. 168). As- sim, uma medida TBR responde a duas necessidades: prote- ger a sociedade de delitos graves cometidos por perturbados mentais e proporcionar ao enfermo o direito a um tratamen- to adequado (Care oftbe Criminal Psycbopatbs Service, 1977, p.5). Para ser efetivo seu programa de tratamento social tera- pêutico, a clínica Van der Hoeven é de tipo fechado. O tratamento se foca no desenvolvimento das poten- cialidades sociais que se encaixem ao paciente; o programa de tratamento individualizado se descreve à paciente e se tenta fazê-la compreender o perigo que ela representa para a sociedade. Assim, pois, segundo o que nos diz Roosenburg, todo início de terapia exige que cada paciente se considere não só mentalmente enferma, mas também um perigo para a sociedade e aceitar que a sociedade a teme; a partir daí tem que assumir o tipo de tratamento diagnosticado e a quantidade de liberdade de movimentos que são concedi- das a ela: negação de saídas, sair acompanhada, fornecer a relação de pessoas com quem estabelecerá contato em suas saídas. As relações com o exterior, amigos e família são de maior importância para a execução do tratamento. Contu- do, já que muitas das pacientes não tiveram uma família propriamente dita, a clínica se encarrega de encontrar uma família substituta perto da clínica, de características sócio- -culturais parecidas com as da paciente para que entre em contato, visite e trabalhe com ela sua terapia (Roosenburg, 1966, pp. 9-11). Um dos aspectos do tratamento reside em trabalhar junto com a paciente as relações desta com a sua vítima e o mundo desta, para que comece a entendê-la como um ser humano e não como um objeto sobre o qual abusou; para que compreenda a capacidade de sofrimento daquela. Com 242 isso surgem novas emoções que permitem à paciente sair de seu isolamento e cie seus sonhos diurnos; tal tipo de terapia é especialmente importante para os delitos contra a pessoa e a permitem enfrentar uma mudança de conduta, mudança que se inicia quando a paciente entende o dano que causou e entra na via da reconciliação (Roosenburg, 1973, pp. 168-169). A vida da clínica é gerida por pacientes e funcioná- rios, por meio de comités e subcomitês. Cada paciente vive em um pavilhão junto a outros 12 pacientes e 3 guardiões; ali se desenvolvem a psicoterapia e o trabalho que efetuam em conjunto, se obtém lucro económico e se ensina uma profissão (Roosenburg, 1966, p. 9), embora em nossa visita efetuada em janeiro de 1980 o tipo do trabalho fosse manual e desclassificado (exemplo: confeccionar flores de plástico). O salário é inferior ao mínimo e se distribui de modo que 4/5 são destinadas ao tratamento e guarda da clínica e 1/5 para uso cia paciente; quando trabalha fora da clínica pode guardar para seus gastos 1/3 de seu salário. Estimula-se o amor ao trabalho por um sistema de faixas de mérito, de modo que negar-se a trabalhar implica em expulsão da competição; não diz Roosenburg se esta negativa é também considerada falta às normas de disciplina e se implica em castigo; tampouco isso me foi esclarecido em minha visita em janeiro cie 1980. A estadia na clínica é indeterminada; somente quando os psiquiatras e psicólogos no comando de sua terapia consideram que está reabilitada, em harmonia com o mundo e com sua vítima, poderá sair da clínica. Não podemos conseguir dados sobre as estadias médias das mulheres nas clínicas, mulheres delinquentes pe- rigosas e doentes mentais. Atualmente, em 1982, existem na Holanda duas clí- nicas para mulheres, ambas privadas. Na clínica Van der Hoeven havia, no dia 1° de março de 1982, 65 homens e 8 mulheres, e na clínica Rekken, 30 homens e 7 mulheres. 243 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Ondulado O total é, pois, de 15 mulheres, o que implica em 3,8% de mulheres sob controle psiquiátrico. Comparando as estatísticas de clínicas e prisões9 se extraem as seguintes conclusões; 1) aumento do uso da prisão como controle da mulher (ver estatísticas de 1975): há mais prisão e maior número de mulheres reclusas; 2) a medida clínica se manteve constante desde 1971, e 3) a pro- porção de mulheres é tão escassa nas clínicas (3,86%) como nas prisões (2,62%). Do que se deduz que o pouco uso do controle carcerário não está compensado pela utilização da clínica como controle formal. O sistema penal sueco aplica também a medida so- cial terapêutica em clínicas fechadas em elevada proporção para mulheres. Os dados que apresentamos foram obtidos por meio de uma colega criminalista que efetua investiga- ções em uma clínica para mulheres em Estocolmo; foram enviados em março de 1981 e, segundo aponta Leander, foi extremamente difícil obter dados sobre as mulheres no siste- ma formal: as referentes à prisão foram negadas e das quatro clínicas que há no país, somente teve acesso a algum dado As estatísticas da prisão em 1981 (outubro), para depois se com- parar com as da clínica: a capacidade total para homens nas prisões é de 3.747 vagas e a reclusão efetiva é de 3.778; para as mulheres a capacidade é de 116 vagas e a reclusão efetiva é cie 102, que , que se reparte do seguinte modo: 53 em prisão preventiva, 6 em detenção, 36 condenadas e 6 em outras cir- cunstâncias. Há três prisões de mulheres: Amsterdam (Singel), Maastrichl e Groningen. Amsterdam, com capacidade para 70 e reclusão efetiva de 69, destas, 38 preventivas, 3 em detenção, 21 condenadas, l em espera de internamento em clínica e 6 sem especificar. Em Maastricht a capacidade é de 36 vagas com um efetivo de 27 mulheres, destas 14 são preventivas e 13 con- denadas; em Groningen há capacidade para 10 mulheres, com um número efetivo de 6, das quais l é preventiva, 3 estão em regime de detenção e 2 são condenadas. 244 da clínica em que trabalha como psicólogo; mas o trabalho está tão dividido em pequenos compartimentos por subes- pecialidades que não se pode ter acesso ao que está fora do estreito campo em que se trabalha. Durante a instrução do processo, a mulher está deti- da como preventiva ou em liberdade; em ambos os casos o juiz pode solicitar um exame psiquiátrico que se efetua em quatro clínicas e é realizado em regime fechado para as pre-ventivas ou em regime cie ambulatório para as mulheres que estão em vida livre. Segundo Leander, os juizes pedem um exame psiquiátrico prévio à sentença para todas as mulheres que respondem processo penal, fato que não acontece com tanta extensão com relação aos homens. Na clínica se reali- zam todos os tipos de exames psiquiátricos e a partir deles a clínica pode recomendar ao juiz o tratamento psiquiátrico em regime fechado ou aberto, ou a prisão, com fundamento em três categorias de diagnóstico: 1) "Não comparável": não há anormalidade que peça um tratamento especial, reco- mendando-se seu envio a uma prisão; 2) "insano": definição legal que se refere aos deficientes mentais que podem ser tratados psiquiatricamente em regime fechado ou aberto, e 3) "comparável": há uma anormalidade mental de tal profun- didade que se há de comparar à insanidade; recomenda-se tratamento psiquiátrico em regime fechado ou aberto ou em instituições especiais (sócio-terapêuticas) com tratamento social, especialmente para os diagnósticos de psicopatia. O juiz não está obrigado a seguir as recomendações clínicas em sua sentença, mas normalmente o faz em quase todos os casos. Sentenciar a tratamento psiquiátrico não im- plica que o indivíduo seja considerado inimputável, mas em vez disso continua sendo visto como culpável do ato deliti- vo; quer dizer que o diagnóstico clínico não afeta a decisão judicial sobre a culpabilidade, mas é unicamente pertinente em termos do tipo de execução que será melhor para sua individualidade. 245 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Ondulado sophh Destacar sophh Destacar sophh Ondulado sophh Destacar Karen Leander ressalta a escassa proporção de ho- mens e mulheres que são enviados às clínicas especiais, tendo em conta a enorme quantidade de dinheiro que foi utilizado para implantar estes programas e a publicidade que o Governo os deu. Os dados do quadro seguinte para Total de Total de Insanas Quadro exames psiquiátricos mulheres examinadas (regime aberto) Comparáveis (clínica) Não comparáveis (prisão) 1 1978 610 35 7 14 14 1979 585 45 18 15 12 • 1980 571 34 12 9 9 A partir dos dados do quadro, entende-se que a me- dida clínica especial que se impõe à categoria de "compa- rável" e a de prisão para a categoria de "não comparável" é quase a mesma em ambas e, se consideramos os casos de insanidade (7, 18 e 12), vemos que mais da metade das mulheres examinadas psiquiatricamente recebem uma re- comendação para o tratamento psiquiátrico; enquanto isso, nestes mesmos anos, a relação numérica para homens em categorias "comparável" (tratamento psiquiátrico) e "não comparável" (prisão) mostra um predomínio da medida de prisão: em 1978 há 185 "comparáveis" contra 260 "não com- paráveis", em 1979 há 186 contra 252 e em 1980 há 170 contra 232. Leander especifica que se poderia generalizar dizendo que são destinadas à prisão as infratoras por delitos contra a propriedade e o uso e tráfico de drogas, enquanto que recebem uma sentença de tratamento psiquiátrico as infratoras contra a vida e outros delitos com violência. 246 Do estudo dos dados dos países Holanda e Suécia resultam os seguintes pontos: 1) Nestes países a implanta- ção de medidas socioterapêuticas em regime aberto é mui- to escassa, não justificando a grande propaganda política e científica que se propiciou por seus governos desde os anos cinquenta. 2) É muito difícil, e na prática quase impossí- vel, realizar medidas socioterapêuticas em regimes fechados, pela incapacidade de combinar as exigências destas terapias e o peso da rejeição social que a loucura e a inferiorida- de social destas mulheres implica. 3) Também em regime fechado a aplicação da medida terapêutica é escassa, pelo que a hipótese de que a representação escassa da mulher na prisão era compensada por seu elevado número no campo psiquiátrico destes países não parece exata à luz das poucas estatísticas de que dispusemos; 4) Do ponto de vista dá re- lação entre tipo de delito e aplicação de medida psiquiátrica ou carcerária, a panorâmica destes países leva a entender que a escassa ou nula representação na carceragem de deli- tos violentos e contra a pessoa se deve a sua orientação ao sistema cie controle formal no campo psiquiátrico. d) Em nosso país não existe nenhum tipo de es- tabelecimento clínico especial onde se realize um sistema de tratamento de integração social; tampouco o tratamento individual e de grupo se efetua nas prisões de mulheres (ver ponto 4 deste capítulo). Em nosso país os juizes podem enviar a um hospital geral sob custódia quem é acusada de um delito se, seja pelo tipo de delito ou pela conduta da acusada, entende o juiz que é mais apropriada a reclusão em um hospital psiquiátrico. Estes casos são numericamente irrelevantes; em Barcelona em janeiro-fevereiro de 1982, nos 8 hospitais gerais, não chegavam a três os casos de interna- mento judicial, e sempre por delito de narcóticos (Miralles, 1982). Há unicamente um estabelecimento psiquiátrico para mulheres contíguo a prisão e que está no Complexo Psiqui- átrico Feminino de Madrid, estabelecimento que visitamos 247 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar em outubro de 1980. Naquela data atendia a 18 mulheres consideradas doentes mentais - delas, duas meninas muito jovens - por droga, e duas mulheres consideradas perigo- sas que estavam em celas, fechadas e algemadas; a situação de uma delas é um caso a considerar como exemplo do tratamento psiquiátrico de tipo unicamente farmacológico e segregante que se efetua em nossas carceragens, que foge do diálogo e perpetua a mulher em sua situação de choque ininteligível para ela mesma.1() Quando uma mulher condenada ou em qualidade de preventiva, reclusa em uma prisão, mostra sintomas cie um grave problema psiquiátrico que, diz-se, dificulta sua convivência com as demais reclusas, pode ser enviada pela direção ao hospital geral psiquiátrico ou ao Psiquiátrico cio Complexo Penitenciário Feminino de Madrid. ' A mulher havia sido encerrada no psiquiátrico por mandado judicial de Jerez de Ia Frontera. Com quatro filhos, muito po- bre, o marido alcoólatra e violento ameaçava levar o menor dos filhos, com 14 meses. A mulher ameaçava com uma faca quem se aproximasse dela e de seu filho, que não soltava dos braços. No psiquiátrico, ela recebia sedativos que a mantinham dormindo, com os pés e mãos amarrados; foi separada do filho "porque os remédios adulteravam o leite do peito com o qual alimentava a criança". Formou-se um círculo vicioso: quando a mulher acordava e reclamava pelo filho, ao não ser atendida nem permitir-se vê-lo, ficava enfurecida e lhe administravam novamente calmantes. A mulher se encontrava neste estado há duas semanas no momento de nossa visita. A psiquiatra do estabelecimento, considerada "muito progressista", nem quis discutir o caso, para ela tudo estava muito claro: aquela mulher prejudicava o filho (criança que estava perfeitamente saudável e feliz). Não obstante se mantinha a prioridade psiquiátrica: o tratamento farmacológico mais tradicional e a segregação da mulher cie seus objetos de afeto e de vida: o filho. 248 As escassas cifras de internamentos judiciais ou fo- renses em hospitais gerais e o escasso número de mulheres ingressas no Psiquiátrico cio Complexo Penitenciário Femini- no de Madrid mostram até que ponto a medida de controle psiquiátrico de tipo formal é escassa em nosso país, irrele- vante para significar uma alternativa à prisão como controle da mulher. 4. As Prisões de Mulheres: o Regime Disciplinar Nesta seção nos referimos unicamente a aspectos es- pecíficos do regime penitenciário em prisões de mulheres. Como disciplina, junto ao regime comum pode haver nas prisões demulheres um regime mais duro, cie maior segu- rança; o regime comum pode apresentar características es- peciais. Ilustramos isso com exemplos de diferentes países. Em 1975 existia somente uma prisão de mulheres na Holanda, com capacidade para 60 mulheres; em setembro de 1975 continha um número efetivo de 45 reclusas. Havia dois tipos cie regime muito distintos, o comunitário e o de isolamento, em cuja divisão operam como base ideológica as atitudes de duplo Standard de divisão tradicional entre sexos com um conjunto de características aplicadas a mu- lher. De modo que a mulher que apresenta as característi- cas tradicionalmente imputadas à feminidade é colocada em regime comunitário, cujo ambiente físico recorda muito o de uma grande casa ou um alegre hospital; as funcionárias levam uniforme de enfermeira e se relacionam constante- mente com as reclusas cie modo similar ao da relação mãe e filha. Neste regime paternalista há de 16 a 22 presas (ou seja, não chega à metade da população carcerária). As mulheres durante o dia vivem e circulam por todo o recinto, portas abertas, conversando, vendo a televisão, escutando música, e ficam vestidas com aventais brancos. As celas são chama- das quartos, as paredes são brancas com flores, quadros, 249 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar cortinas. Trata-se de criar uma atmosfera acolhedora que recorde o lar, como diz a díretora, "para que os filhos que vêm visitar suas mães não saibam que estão em uma prisão". 1 No regime de isolamento as presas ficam fechadas em suas celas (aqui já não são quartos) e não têm o menor contato com os funcionários, que usam uniforme; tem pouco»conta- to entre elas e nenhum tipo de distração (música, televisão etc). Neste regime baseado nas premissas de contenção e disciplina de ferro estão as reclusas mais jovens ou mais agressivas, cuja conduta se considera "tipicamente masculi- na". Estas são as presas segregadas das características da pri- são, embora sejam mais numerosas que as presas em regime ordinário. Quer dizer, o sistema disciplinar que se apresenta como exceção se aplica a mais da metade das reclusas. Os ciados e informações que apresentamos nos fo- ram passados em setembro de 1975 por entrevista com o doutor Carol, da Universidade Erasmus de Rotterdam, a quem visitamos, quando a visita que havíamos solicitado por vias oficiais nos foi denegada pela diretora da prisão com o argumento de que não queria que pessoas de fora da prisão fossem estragar com sua visita o ambiente que tinha em sua prisão. No ano de 1980 começa a funcionar uma nova prisão de mulheres junto ao novo complexo penitenciário de Ams- terdam, no bairro de Singel, que consta de seis grandes tor- res das quais em 1980 duas estavam habitadas por homens, 120 em cada uma, e uma terceira ainda sem encher. Uma quarta torre para homens em conflito, onde as celas são menores, e uma torre que é a prisão de mulheres com capa- cidade para 70. Visitamos uma única torre que não está ocu- pada, assim como aspectos comuns das torres de homens. Está aqui implícita a atitude social de exigir da mulher uma superioridade moral, depreciando, por consequência, a mulher delinquente, a vergonha dos filhos. 250 De novo me foi denegada a visita à prisão ou à torre de mulheres, argumentando que faltava tempo necessário para cruzar a torre. Além disso, a diretora (a mesma de 1975?) é muito restritiva na hora de conceder visitas; apesar disso, a torre é igual à que verei desocupada. A prisão é totalmente eletrônica, com um sistema de painel eletrônico que dirige todas as portas e inclusive recebe sinal se a presa se aproxi- ma cios vidros da janela. Na entrada do complexo penitenciário há o mesmo tipo de controle eletrônico, com seis telas que mostram a en- trada de cada uma das seis torres. É muito moderno, limpo, com plantas tropicais ao gosto holandês e as paredes e teto de uma cor bege claro e com luz ténue constante dia e noite, a fim de que tudo se possa ver pelo televisor. Se o prisio- neiro pede, apagam a luz de sua cela durante a noite. Cada piso da torre tem uma sala de controle eletrônico protegida por vidros especiais, uma salinha e uma sala de jantar; ao redor cio amplo corredor estão as celas. 24 por andar, com celas individuais amplas e limpas com seu lavabo. No último andar, as celas de isolamento. É curioso constatar que nas torres de homens com capacidade para 120 há previstas 3 celas cie isolamento (castigo), enquanto que na torre para agressivos e na torre para mulheres, ambas com capacidade para 70 pessoas, as celas de isolamento previstas são 6. O chefe de disciplina que me acompanha na visita não sabe a que responde esta diferença; mas diz que, muito embora acredite que as poucas celas de isolamento para os homens respondem ao fato prático de que para estes se dispõe da torre de agressivos, com 70 celas especiais mais as 6 de isolamento. Isso é correto? O chefe de disciplina não sabe o que responder. Há duas categorias de presas: as preventivas e as con- denadas; estas, classificadas e separadas em dois grupos se- gundo o delito cometido, a partir do que se inferem distintas características da mulher. Um grupo cuja atividade principal 251 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Sublinhado sophh Destacar é o tráfico e obtenção de droga e que está relacionado com prostituição, roubo e desordem. Traficar com drogas define um tipo cie vicia criminoso. Neste tipo as mulheres são jovens, entre 20 e 24 anos, e causam poucos problemas na prisão. O segundo grupo agrupa a delinquência clássica, geralmente violenta: infanticídio, homicídio e fraudes; as sentenças são mais longas, pelo que a média da idade das mulheres é mais elevada. Geralmente, seu comportamento na prisão é mais violento e muitas vezes são enviadas às clínicas especiais (Van der Hoeven e as psiquiátricas de outros centros). Haveria mudanças em relação ao regime disciplinar da antiga prisão de Rotterdam, à qual a torre substitui? Não muitas, ainda que haja uma diferença quanto ao trabalho, já que as presas preventivas estão somente sob custódia e não trabalham, não querem trabalhar, mesmo diante do interesse por parte cia direção em que o façam junto das sentenciadas. Estão todas juntas nos andares, as mulheres com longas sen- tenças (segundo grupo) e as jovens cio grupo um, inclusive as preventivas; isto se deve ao fato de assim se querer evitar a sínclrome de reclusão nas mulheres de penas longas. Há que matizar, não obstante, o regime penitenciário segundo os grupos; geralmente, as mulheres do segundo grupo são mais controladas por medicamentos ou por isolamento. Houve outra mudança importante com relação à an- tiga prisão de Rotterdam, no sentido de que aqui há mais instalações, salas de televisão, esportes e outros tipos de atividades recreativas realizadas em grupo e escolhidas pela própria presa. Mas quando se indagou ao chefe de seguran- ça, que o regime disciplinar mudou por completo em relação ao cie 1975 em Rotterdam - sempre segundo as informações do doutor Carol - este apontou que "também há mulheres jovens agressivas que estão colocadas no primeiro grupo e também nos encontramos com mulheres muito sociáveis no segundo, já que, de fato, com mulheres não se pode esta- belecer regras objetivas, tem que ir a cada tipo de pessoa". 252 O que não mudou em absoluto desde 1975 é a ati- tude cie desvalorização social com a mulher delinquente, já que a necessidade de esconder aos filhos que visitam sua mãe o fato de que esta está na prisão leva os guardiões a vestirem como uniforme uma saia azul escura e blusa azul clara, uniforme das antigas enfermeiras, de modo que, sa- lienta o chefe de segurança, seus filhos acreditam que a mãe está em um hospital. "Por que é melhorque os filhos acreditem que a mãe está em um hospital?" "Porque na sociedade, quando se sabe que o vizinho (homem) está na prisão, tudo bem, admite - -se; mas, quando se trata da mulher, é muito ruim. Os filhos também podem dizer ao vizinho que o seu pai está traba- lhando fora de casa, mas não podem dizer isso da mãe." O chefe de segurança do complexo penitenciário novo de Amsterdam em 1980 nos mostra uma atitude muito definida para com a mulher. As mulheres podem ter consigo na prisão seus filhos desde o nascimento até os 9 meses e, inclusive, até os 13 meses se a mãe solicita e a diretora aceita, o que geralmente acontece quando a sentença a ser cumprida é longa. Na Dinamarca há uma prisão preventiva para mulhe- res com condições restritivas de isolamento celular comple- to, com trabalho individual na cela somente para clistração da presa. O tempo de estadia mínimo neste regime é de 14 dias, podendo chegar a vários meses. Para as mulheres con- denadas, havia até 1975 uma só prisão: Horserocl, que é um estabelecimento fechado fora da cidade com várias casas de madeira, quatro delas ocupadas por mulheres e o resto por homens. As casas-prisão de mulheres estão cercadas com pilares de madeira e ferro; as mulheres tem um regime dis- ciplinar muito mais restritivo que os homens. A partir cie janeiro de 1976 abre-se a prisão de Ringe para presos submetidos a longas penas. É cie grande segu- rança, com regime misto para mulheres e homens e pavi- 253 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Ondulado sophh Destacar Ihões somente de homens. Fica no campo, construída num pequeno vale, de modo que a prisão, ao estar em parte bai- xa do vale, desaparece da paisagem. A máxima segurança da prisão requer um sistema de controle eletrônico, última invenção do princípio benthamiano de inspeção. Os presos têm de 16 a 25 anos de idade. Dentro deste sistema misto há de ressaltar as pres- sões a que está submetida a mulher. Esta não pode pedir traslado cie andar, enquanto os homens podem, estando as- sim forçadas a conviver em um mesmo andar, a tolerar as intromissões dos demais, especialmente homens, ainda que não queiram. Em cada andar misto há 15 pessoas, delas de 2 a 7 são mulheres, estão sempre em minoria, já que por norma dos andares mistos há que haver uma maioria mas- culina, estando proibidos, ademais, os andares de mulheres sozinhas. Parece que a prisão mista foi criada pensando em situações de interação social que aportam maiores vantagens ao homem preso, enquanto que os interesses da mulher são deixados totalmente de lado. Estas são as principais conclusões com relação a es- pecial situação da mulher na nova prisão mista a que chega- ram Koch e Jensen (1980), depois de ter investigado durante nove meses o regime e o funcionamento da prisão por meio da observação participante e entrevistas; as autoras passa- ram alternadamente 12 semanas na prisão explicando aos presos sua investigação e puderam conviver com eles sem nenhuma dificuldade. Suas conclusões ao serem publicadas foram pouco mais que toleradas, já que criticavam ou con- tradiziam aspectos que o governo havia feito uma publicida- de muito positiva e otimista.2 As informações sobre o sistema dinamarquês me foram pro- porcionadas em janeiro de 1981 por Ida Koch, candidato a doutor em Psicologia do Instituto de Criminologia de Cope- nhageni. 254 Na Espanha, no complexo penitenciário feminino de Madrid, em outubro de 1980 havia quatro tipos de regime disciplinar com separação estrita das mulheres a eles subme- tidos: ingressos, comum, terroristas e psiquiátrico. O regime no pavilhão de ingressos é de isolamento total. O regime comum divide as presas entre as não mães e as mães que convivem com seus filhos; ambos os grupos têm dormitórios e refeitórios separados, mas vagam livre- mente pela prisão, quase todas elas sem trabalho. No pavi- lhão celular estão as terroristas dos grupos ETA e GRAPO, têm cozinha e sala de jantar comum, duas salas de reunião e diferentes quartos para dormir; totalmente separadas da vicia da prisão, o trato com as funcionárias é de total despre- zo com as presas e muito tenso. No pavilhão psiquiátrico, casinha rodeada de um pequeno jardim e isolada por uma enorme porta de ferro e um alto muro, há 18 mulheres total- mente perdidas em suas solidões e no tratamento de drogas, inclusive injeções e algemas. Em Barcelona, a Comissão de Direitos Humanos do Parlamento cie Catalunha conclui o relatório de sua visita à prisão de mulheres efetuado no dia 3 de junho de 1981, sobre o regime disciplinar. Existe o regime cie isolamento celular de extremo rigor no qual estão duas mulheres pre- ventivas acusadas de terrorismo. As presas comumente são colocadas em regime de convivência. As presas se queixam à comissão de que o trato humano das funcionárias é dife- rente segundo sua condição económica e que o regime inte- rior de tipo comum imposto pela diretora é frequentemente humilhante e rígido em excesso. Tais declarações coincidem com as cie algumas funcionárias, para quem a diretora me- nospreza as internas e não crê em absoluto na possibilidade de sua reeducação (p. 12). Os exemplos que apresentamos mostram que a prisão como controle formal continua tratando a mulher a partir das expectativas sociais sobre seu papel tradicional e dos valo- 255 sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar rés nele implícitos. Porém, ao mesmo tempo, fica claro que quando a mulher vai para a prisão, ali a espera um regime de disciplina tão duro como o do homem. Isso quer dizer que a prisão funciona dentro do sistema ideológico que informa as demais instâncias e que, por ser o controle mais extremo, expressa de forma mais contundente a autoridade do Estado, de modo que tanto mulheres como homens encarcerados so- frem uma mesma submissão à autoridade estatal, perclendo- -se, pois, na prisão, a singularidade de seus papéis sociais. 5. Principais Características das Prisões de Mulheres na Espanha Poderíamos resumir em quatro as características das prisões de mulheres em nosso país: 1) Péssimo estado das instalações, sem trabalho e sem terapia nem psicóloga. 2) Predomínio de presas preventivas. 3) Longas penas. 4) Adaptação da mulher à superlotação e desordem.3 Primeiro, é evidente o péssimo estado das prisões por falta de subvenções estatais para fazê-las funcionar den- tro de condições mínimas, e já não dizemos satisfatórias: sa- las de trabalho, enfermaria, cuidado médico, alas cie prisão aberta, salas de recreação. O acondicionamento é, todavia, pior que nas prisões para homens. Em outubro de 1980 o es- tado cia prisão de detenção de Falência é deplorável, o aces- so normal está fechado por inutilidade, tem-se que passar por um labirinto de estreitas portas e corredores com velhos As informações e os ciados que apresentamos neste trabalho foram obtidos das seguintes fontes: visita de Teresa Miralles em 1980 ao Complexo Penitenciário Feminino de Madri e às prisões de Palencia, Guadalajara e Valência. Visita de Teresa Miralles à prisão cie mulheres de Barcelona em fevereiro de 1982, autoriza- da para consultar as estatísticas e fichas e para conversar com a diretora; e relato escrito cia Comissão Parlamentar da Catalunha cie Direitos Humanos, que visitou as prisões no verão de 1981. 256 móveis que impedem a passagem, a escada de madeira está quebrada, não há lugar para estar: "total, para duas mulheres que estão ali". Em Guadalajara todas as paredes têm mofo, há colchões rasgados, queimados, vidros quebrados, suca- teados: "total, não há mulheres". E se chegasse uma hoje? A prisão de Valência é muito mais decente, mas sem trabalho, sem celas para todas e nem diretora; quem faz suasfunções é a chefe de vigilância. Em Madrid está tudo por ser feito, as salas de jantar, cozinhas, corredores, jardim (jardim?) são simplesmente deploráveis; o psiquiátrico sujo, velho. A reação comum das diretoras destas prisões é dizer: "Como somos poucas aqui em comparação com os homens, pois somos esquecidas, não nos dão trabalho nem se con- serta nada, não há terapia, nem psicólogo, nem criminólo- go." E quando em uma prisão de homens se apontam estas deficiências a razão é justamente a contrária: "porque somos muitos, não se pode fazer nada". Como força laborai de segunda ordem, a mulher só encontra na prisão um trabalho completamente desclassifica- do: manutenção da prisão e, no máximo, oficina cie trabalho de montagem de flores de tecido e montagem de patins.4 Este trabalho nas modestas oficinas, as comunicações escas- sas com familiares e amigos quando os têm, as permissões para ver a televisão sem ouvi-la, pois não se consegue fazer silêncio, são as únicas razões que podem justificar a luta pela subrevivência em um mundo resignado ao abandono e à miséria (Iglesia, 1982). Não estamos a dizer, ao estudar as prisões de nosso país, que estas carências sejam exclusiva da Espanha; pelo contrário, o estudo de BAUNACH E MURTON (1968), nos Estados Unidos da América cio Norte, faz um balanço de algumas prisões de mulheres na Georgia, Carolina do Sul, Illinois e lowa; nestas as instalações são péssimas; sem salas de recreação, sem ativida- des, pouco trabalho, salários miseráveis, etc. 257 sophh Máquina de escrever ????????????????????????????????????????????????????? Em Trinidad, s a prisão de mulheres de Barcelona, não se respeitam as normas trabalhistas nem a segurança social; o trabalho que ali se realiza é pago à parte. Com uma jornada de trabalho de 8 horas, o salário não chega ao míni- mo interprofissional. Como únicas reformas, observaram as presas à Comissão de Direitos Humanos, em julho de 1981, as efetuadas nas dependências e quarto pessoal da diratora. O único pátio da prisão com árvores não pode ser usado pelas presas nem por seus.filhos por proibição expressa da diretora (Comissão de Direitos Humanos do Parlamento de Catalunha, 1981, p. 11). São insuficientes os serviços de água quente e calefação; é muito velho o instrumental da enfer- maria e as instalações sanitárias são muito precárias. O úni- co médico oficial é um ginecologista (p. 12). Em nenhuma prisão cie mulheres da Espanha existe a mínima possibilidade de assistência terapêutica, já que não há psicólogas nem criminólogas, como exige a Lei Geral Penitenciária. E precisamente ao se reduzir o número de in- ternas reduzido, se poderia trabalhar em grupos, fazer algo positivo e de interesse. A classificação nos três graus e a reclassificação são efetuadas pela junta de regime. As próprias condições da população penitenciária fe- minina são deploráveis em suas possibilidades sociais, cul- turais, profissionais e económicas.6 Enquanto este livro estava sendo impresso foi desalojada a pri- são de Trinidad (Barcelona), para .ser utilizada como alojamento de jovens detidos na Modelo, enquanto as mulheres foram tras- ladadas para o antigo albergue de menores da Rua Wad-Ras. Na prisão de Valência, durante minha visita em outubro de 1980, solicitei às reclusas informações sobre suas profissões. De 32 mulheres, 27 informaram: 7 donas de casa, 2 sem tra- balho, 5 faxineiras, 6 garçonetes/prostitutas, 2 dependentes, l mendiga, l vendedora de trilhas, l vendedora cie tecidos, l operária, l serviços administrativos. 258 Segundo, ressalta na Espanha o elevado número de presas preventivas, e o largo espaço de tempo que perma- necem nesta situação. Como exemplo são ilustrativos os cia- dos obtidos em 1982 na prisão de mulheres de Barcelona: cte 93 mulheres, 71 são presas preventivas, o que significa 76,3%. Destas, duas estão no cárcere desde 1979 (fevereiro e outubro); sete desde 1980, treze desde a primeira metade de 1981; vinte e quatro desde julho de 1981; e vinte e cinco descle janeiro de 1982. Ou seja, mais cia metade delas estão há pelo menos um ano na situação cie presas preventivas. Terceiro, os delitos contra a vicia obtiveram penas muito longas, oscilam entre 12 e 22 anos; os delitos relacio- nados com estupefacientes obtiveram todos 6 anos e um dia; os delitos cie roubo oscilam entre 4 a 6 anos (diversos rou- bos; em um caso específico, 20 anos); as práticas abortivas foram apenadas em dois casos a 6 anos e um dia (estatísticas cie Barcelona, 1982). O quarto aspecto se refere à situação miserável da mulher na prisão, condicionada, a viver sempre aglomerada, e a atitude cie abandono cia reclusa, de resignação, diríamos mesmo de adaptação, que a princípio parece que não lhe cabe. Na prisões visitadas há um movimento contínuo, mui- to ruído, grandes grupos conversando, mulheres que pas- sam o dia cie roupão. Contrasta com a forte tensão que se respira em uma prisão de homens, para a qual não se pode usar a explicação da superpopulação.7 Iglesias ressalta em sua reportagem que como a or- dem é simbolizada em Madri, dentro da aglomeração e da Já que uma explicação baseada na superpopulação das prisões, ainda que muito utilizada pela Direção Geral Penitenciária para lavar as mãos e assim neutralizar todos os aspectos negati- vos, não pode aqui ser usada, pois existe ambiente tenso em prisões que não chegam a sua capacidade total como Ocana, Burgos, ou El Dueso, onde há amontoamento e desespero. 259 desordem, pelas cinco recontagens diárias a que cada presa é submetida na prisão e no departamento a ela destinado. A partir disso, se deixa que a presa ande desorientada pelas grandes "ruas" da prisão. As instalações físicas da prisão, deploráveis, a desorientação jurídica, o desamparo, levam a viver em um mundo estreito, reiterativo e circular, no qual lhe é sempre forçada a estar em um conglomerado humanp, e é impossível a intimidade, o que leva a uma permanente condição de aglomeração e promiscuidade, Novamente a mulher se adapta a este mundo que se lhe impõe; inclusive as mulheres que romperam com as pressões conformistas de seu mundo, que são rebeldes às expectativas sociais com condutas que negaram tudo que se espera cie uma mulher. Uma vez "agarrada", se adapta ao encarceramento com uma conduta que reencontra as bases psicológicas negativas de sua educação, quando a mulher é considerada como um ser sem decisão, superficial, sem res- ponsabilidade, "como uma criança" que joga toda a sua vida. Parece, pois, que se fazem patentes as pressões negativas da educação quando a mulher se encontra diante da incerteza de uma adaptação física e psicológica a um mundo estranho, alheio e imposto. 260 BIBLIOGRAFIA BAUNACH, RJ. y MURTON, T.O. (1968), Women in prison, an awaking minority, "American Journal of Correction, marzo- -ahril. GARE OF THE CRIMINAL PSYCHORATHS SERVICE (1977), Deten- tion at lhe governmenfspleasure treatmenl of criminal psycho- paths in tbe Netberland's, Gravenhave. COMISIÓN DERECHOS HUMANOS (1981), Lês presons a Cata- lunya, Barcelona, Parlament de Calalunya. CHESNEY-LIND, M. (1974) Juvenile Delincuency: tbe sexualiza- lion of female crime, "Rsychology Toclay", 2. DAVIES, N. (1977), Feminism, deviance, and social cbange, em Deviance and social change, Londres, Sage. GIMÉNEZ- SALINAS, E. (1981), Delincuencia juvenil y conlrol so- cial, Barcelona, Sertesa. GOODMAN, N. y RRICE, J. (1967), Studies of female offenders, Londres, Home Office Research Unit. 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A Noção de Droga: Classificação e Aspectos Descritivos A Organização Mundial de Saúde (OMS) define como droga "toda substância que introduzida em um organismo vivo pode modificar uma ou várias funções deste".K A ampli- tude desta definição obrigou a ulteriores posições por parte de médicos e farmacêuticos e hoje é comumente admitido que se deva entender como droga toda substância que, com independência de sua utilidade terapêutica, atua sobre o sis- tema nervoso central modificando a conduta cio indivíduo e que após o uso contínuo pode criar o fenómeno conhecido como fármaco-depenclência. Entende-se por fármaco-dependência, segundo a mesma OMS, um estado psíquico e às vezes físico causado pela ação recíproca entre um organismo vivo e um fármaco Os conceitos fundamentais manejados neste capítulo foram re- colhidos em Laporte, 1976, pp.13-19 e ss.; A. Biron e outros, 1979, pp.20 e ss.; J.M.Valls Blanco, 1980, pp. 402 e ss.; Cancrini, 1977, pp. 3 e 23 e ss.; Arnao, 1978, pp. 29 e ss.; Freixa, Soler Insa e outros, 1981, pp.3 e ss. Image Book ----Page 1----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 2----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 3----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 4----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 5----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 6----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 7----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 8----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 9----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 10----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 11----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 12----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 13----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 14----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 15----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 16----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 17----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 18----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 19----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 20----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 21----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 22----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 23----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 24----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 25----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 26----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 27----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 28----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 29----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 30----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 31----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 32----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 33----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 34----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 35----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 36----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 37----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 38----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 39----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 40----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 41----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 42----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 43----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text ----Page 44----|VOICE LANGUAGE:Brazilian Portuguese,PP MODE:Text