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MIRALLES, Teresa. Mulher o controle formal e informal. In O pensamento criminológico II Estado e controle..compressed

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XV. A MULHER:
O CONTROLE INFORMAL
Por Teresa Miralles
1. A Abordagem Tradicional
No século XIX, a administração da justiça foi racio-
nalizada e centralizada. Foram adotados métodos matemáti-
cos para medir os fenómenos sociais e criminais, explicados
pelas estatísticas, que os representam graficamente. Uma
evidência foi observada nestas estatísticas: o menor volume
da criminalidade feminina quando comparada à masculina,
sendo um tipo diferente de desvio.
Este fato real foi explicado em termos da singula-
ridade e raridade do comportamento criminal dentro das
características atribuídas ao sexo feminino. Isso significou
que, tradicionalmente, a explicação para a criminalidade fe-
minina referia-se aos traços da mulher, por sua essência par-
ticular. O problema era individualizado, dentro de um foco
patológico, nas especificidades biológicas e psicológicas do
sexo feminino e de seus atributos. De modo que, uma ação
derivada a partir de um aspecto formal do desempenho do
Estado e das instâncias informais era convertida em indi-
vidual. Tratava-se de âmbito mais pessoal: o biológico e o
psicológico.
Foram elaboradas as concepções clássicas da biolo-
gia e da psicologia, cuja explicação científica baseava-se nas
crenças e mitos do conhecimento vulgar e comum a respeito
da essência feminina. Assim, o discurso que permeava es-
tas concepções correspondia à ideologia dominante, o que
supunha não só sua continuação como também sua consa-
gração científica. Isso poderia explicar a rápida adoção da
postura acrítica afeita a esses temas e a sua permanência
durante tantos anos não só como teorias científicas, mas
também como questões de controle formal na medicalização
e na prática clínica. Para Smart (1976, p. 27), a relevância
que ainda têm as explicações fornecidas pelos estudos tra-
dicionais é devida à compatibilidade da sua argumentação
ideológica com os interesses dos profissionais patologistas e
dos agentes do controle social.
As teorias sociológicas que durante anos têm domi-
nado o pensamento da disciplina criminológica esqueceram
completamente o tema da criminalidade feminina. Para nós
esta posição de abstenção cleve-se a dois fatos: primeiro,
que os teóricos da criminologia têm ficado satisfeitos com
as explicações biológicas e psicológicas (que recobrem per-
feitamente a ideologia dominante sobre a mulher); e segun-
do, que o mundo académico tem refletido na sua produção
científica a mesma atitude social de indiferença para com as
mulheres, ausência da vida comunitária e profissional em
geral e do protagonismo social das frações que têm entrado
no campo cio problema criminal.
Com efeito, desde 1920, os Estados Unidos expe-
rimentaram o impacto de várias imigrações, com os pro-
blemas sociais que isso implica, como: adaptação cultural,
mobilidade social, problemas salariais, dificuldades de habi-
tação, conflitos de geração etc. Seu reflexo na criminalidade
se evidenciou por ser uma fração social não absorvida pelo
Estado e, portanto, criminalizada. Configurava-se uma cri-
178
minaliclade masculina, decorrente das ações do adulto e do
adolescente.
Vale ressaltar que, a posição subordinada do papel
exercido pela mulher foi mais forte na cultura dos povos
imigrantes. Entretanto, o controle do Estado e os estudos de
criminologia concentravam na criminalidade das gangues e
na maior esfera de negócios, através da ativiclade de "co-
larinho branco". Logo, ambas as atividades correspondiam
plenamente ao mundo masculino.
A marginalização social da mulher ilustrou o tipo e
a especificidade de sua criminalidade. Portanto, sendo tra-
dicionalmente excluída das atividades económicas inseridas
no conceito de "colarinho branco", a mulher restringiu-se,
segundo Smart (1976, p. 24), às áreas ele ações mais arrisca-
das (não protegidas legalmente, como ocorreu com o "cola-
rinho branco"), e de pequenas ofensas.
A menor importância da criminalidade da mulher,
entendida na sua qualidade de ilícito-penal e cie ofensa
contra a sociedade, foi vista como uma cias causas da fal-
ta de interesse que a criminologia teve sobre o assunto.
Todavia, se a gravidade ou a importância de uma ação
criminosa é medida pela gravidade das sanções, é pos-
sível constatar que a mulher é autora de crimes punidos
rigorosamente. Pois, quando realiza uma mesma ativida-
de criminosa que um homem submete-se à condenação à
pena de reclusão, mais frequentemente do que os homens.
Já, quando ambos são condenados, a mulher recebe uma
pena de prisão maior.
Podemos, portanto, dizer que a criminalidade das
mulheres, no tocante ao seu volume, pode ser pouco im-
portante, embora seja significativo considerar a gravidade
cio castigo que recebe. Por conseguinte, deve-se desfazer a
tese de que a criminalidade feminina não supõe um ataque
significativo à ordem social. Porém, precisa-se especificar
o que se entende por ordem social, clistinguindo-a de seus
179
componentes políticos, económicos e sociais e morais. A
dissidência feminina supõe, acima de tudo, tradicionalmen-
te, um ataque à ordem moral da sociedade. Daí que, sua
criminalidade seja baixa, uma vez que o campo da mora-
lidade é desenvolvido em grande parte na esfera privada,
através de relações individuais regidas pelas coordenadas
da educação familiar, de alta carga emocional-psicológica.
Logo, a criminalidade localizarse apenas nas áreas públicas
e mais notórias do terreno moral. Então, a mulher só ficou
com uma pequena área e muito reduzida, para criminalizar
suas ações de rebeldia.
Por sua vez, o aspecto moral está diretamente ligado
com o psicológico (veja as relações entre a psicologia e o jul-
gamento moral na obra de Foucault, de 1961, História de Ia
locura en Ia época clásica), de onde resulta a patologização
desta criminalidade, que encontra apoio social para a sua
adaptação nas crenças e mitos da sociedade sobre a essência
feminina.
2. As Concepções Clássicas (Patológicas) da
Delinquência Feminina
Na biologia criminal a explicação da criminalidade
da mulher tem influenciado as características próprias que
têm sido atribuídas em sua essência; para, a partir daí, fazer
notar a "raridade feminina" no delito. Outra direção, dentro
da biologia tem sido a de concentrar várias ativiclades crimi-
nosas da mulher nos processos biológicos do seu sexo. Em
ambos os tipos cie abordagem, a criminalidade feminina tem
sido sexualizacla, ou seja, não escapa à atitude unidimensio-
nal que a moralidade, a sociedade - em seu conhecimento
vulgar - e a religião têm exercido em relação à explicação
de qualquer assunto relacionado à mulher; simplificados nos
atributos da essência sexual feminina.
180
Um primeiro estudo da biologia criminal foi o efe-
tuado por Lombroso e Ferrero, em 1895. A hipótese básica
refere-se ao conceito de atavismo, que se manifesta nos
estigmas de degeneração que estes autores detectam, atra-
vés da medição dos crânios, dos sinais e tatuagens das
mulheres prisioneiras. Foi encontrado um pequeno número
de mulheres que pertenciam ao tipo "criminoso nato". Este
fato, alegado pelos autores, dava-se porque a mulher, por
ser menos evoluída do que o homem, era biologicamente
menos ativa e, levava, naturalmente, um tipo de vida mais
sedentário .'
Assim, a partir do momento em que constataram que
a mulher era menos evoluída do que o homem, o seu baixo
nível evolutivo registrou-se em sua degeneração. Contudo,
a mulher criminosa apresentava para os autores as qualida-
des da criminalidade masculina e as piores características da
feminina, como: astúcia, rancor e falsidade. Logo, a mulher
criminosa era uma combinação "antinatural" de ambos os
sexos (Smart, 1976, p. 33).
Com este estudo, inferiu-se um componente de mas-
culinidade na mulher criminosa. Tratava-se de uma anoma-
lia biológica, como fator básico de sua criminalidade. Isso
quer dizer que, a mulher criminosa era uma anormal, pois
apresentavacaracterísticas biológicas que por si mesmas são
antiéticas em relação ao crime.
Este estudo, segundo Smart (1976, p. 33 - 34), parte
de duas falácias. Em primeiro lugar, ao entender que exis-
tiam bases biológicas imutáveis para determinar as dife-
renças entre género masculino e feminino, isto é, nas suas
A respeito, dizem Lombroso e Ferrero (1895, página 109):
"Notou-se a tendência conservadora das mulheres em todas
as questões de ordem social; um conservadorismo cuja primei-
ra causa provém de estar forçada à inamovibilidade do óvulo
comparado com o espermatozóide".
181
características. Em segundo lugar, havia uma confusão entre
sexo e género, quando na realidade o sexo era um compo-
nente biológico; o género era de índole social, cultural e
psicológica; como tinham argumentado vários antropólogos,
como: Mead (1967) e Oakley (1972). Embora, cada sociedade
use o sexo biológico como critério para atribuir o género
(Oakley, 1972, p. 158).
O conceito da "verdadeira natureza" da mulher foi
absolutamente fundamental ria obra de Lombroso e Ferrero.
Desse modo, qualquer característica social da mulher era
vista como reflexo de sua natureza. Assim, estabeleceu-se
uma base biológica natural de anormalidade na mulher cri-
minosa, defendida até hoje (Cowie, Cowie e Slater, 1968). A
constituição da base biológica se dá a partir da visão de que
o género feminino adota tipos de comportamento que são
claramente "masculinos", passa a se autorrotular como mas-
culina, com conotações características da masculinidade.
A partir do estudo de Lombroso e Ferrero, a mulher
criminosa é considerada biologicamente anormal, porque
não só é rara, como também não é completa. Segue-se um
duplo opróbrio: a condenação legal pelo crime e a condena-
ção social pela anormalidade biológica ou sexual. Lombroso
e Ferrero (1895, p.152) vão aduzir: "Por ser uma dupla exce-
ção a mulher criminosa é um monstro".
O enfoque endocrinológico quer encontrar nas dife-
renças hormonais do homem e da mulher a explicação da
diversidade da criminalidade entre ambos os sexos. Estas
diferenças referem-se ao comportamento emocional, que
é estudado por Gray (1970) em relação a dois aspectos: a
agressividade e o medo ou fobia. Nesse sentido, entende-se
que o homem é mais agressivo do que a mulher, diferença
produzida em decorrência da maior presença de hormônios
andróginos (Gray, 1970, p. 39). Disto resulta uma também
maior agressividade na criminalidade masculina (Gray, 1970,
p. 30; e Sears, 1965).
182
Algumas pesquisas salientaram em particular o fato
de que a mulher tem mais medo do que o homem (Geer,
1965; e Marks, 1969). Apresenta mais fobias, especialmente,
a agorafobia (Marks, 1969). Concentra-se na mulher elevada
presença de depressões reativas (Eysenck, 1960; e Cattell
e Scheier, 1961) e também neuróticas (Kendell, 1968). São
encontrados sintomas neuróticos e psicossomáticos em uma
maior extensão na mulher do que no homem (Srole et. ai.
1962; e Leighton et. ai, 1963).
A diferença entre os sexos que se refere aos sinto-
mas psiquiátricos, dentro de uma base endocrinológica, foi
achada por Langer (1965), em três comunidades mexicanas.
Nelas as mulheres foram tomadas pela depressão, preocu-
pação neurótica e queixas psicossomáticas. Eysenck (1960)
constatou que a correspondência entre um elevado caráter
neurótico e uma alta introversão levava à previsão forçada
de transtornos neuróticos, tais como: fobias, estado de ansie-
dade e depressão reativa.
O estudo da relação entre as mencionadas diferenças
emocionais entre os sexos e a base endócrina foi realizado
em experimentos com vários animais, principalmente com
ratos e camundongos. Foram injetados hormônios masculi-
nos à fêmea, que foi masculinizada com testosterona e estro-
gênios; e os machos foram castrados. Com isso, conclui-se
(Gray, 1970, p. 38) que as diferenças emocionais entre os
géneros, relativas ao medo e às fobias dependiam do de-
senvolvimento normal do sistema nervoso, que, geralmente,
difere em cada sexo.
Dois aspectos hormonais endócrinos chamaram
particularmente a atenção para a singularidade cia crimi-
nalidade da mulher: o desenvolvimento sexual e o perí-
odo menstrual ou crise catamenial. Ambos os fenómenos
biológicos são relevantes para a tabela psiquiátrica que os
comporta. Desse modo, ao fator biológico justapõe-se a
desordem psíquica. Assim, toda a criminalidade feminina é
183
especialmente produto do transtorno psíquico patológico,
sob causas biológicas. Esta presença de uma anormalidade
mental tem estado sempre presente nas concepções clássi-
cas da criminologia.
No que diz respeito ao desenvolvimento sexual, são
consideradas especialmente a fase da puberdade e a da me-
nopausa, intimamente relacionadas com o roubo ou o furto,
realizado por uma necessidade irracional, um impulso irre-
sistível e a ausência total de premeditação (Heuyer, 1968; e
Gibbens e Price, 1902).
Há muitos estudos sobre a criminalidade catamenial
sob o impulso "obsessivo" da menstruação. Vale conferir
uma pesquisa realizada na Espanha, o resultado da crimino-
logia, em 1968, por Aznar. Para este autor, a criminalidade
catamenial, mesmo sendo configurada em diversas modali-
dades criminais, geralmente apresenta dois tipos distintos:
um grave, sob a forma de assassinato ou homicídio, e um de
menor importância, implantado na forma de furto ou roubo.
A criminalidade de tipo grave ocorre, de acordo com este
autor, em mulheres com transtorno psicopata. A sua morfo-
logia foi descrita por Aznar (1968, p. 178):
"Trata-se de um avanço no impulso consciente, por vezes
irresistível e imperioso, única solução da ideia obsessi-
va, angustiante, que geralmente vem precedida por lutas
intensas entre a personalidade aparentemente normal e
a tendência à execução do crime, entre o desejo e a ob-
sessão. É a luta que se dá, após esgotar até os meios
mais refletidos para desviar a conduta delituosa, ao ser
considerada vencida e ainda assim, decidida a realizá-la,
a prepara minuciosamente..."
Em pequenos crimes também está presente, segun-
do este autor, o mesmo processo psíquico, mas com tons
mais suaves, por ausência do fundo psicopata.
184
A menstruação é apresentada como uma doença,2
que por sua vez faz da condição feminina uma desgraça3 e
que pela sua patologia produz na mulher sintomas neuroló-
gicos e psíquicos: as obsessões que representam um caráter
delituoso (Aznar, 1968, p. 159). Com efeito, o fundamental é
a obsessão que produz transtornos em relação a associações
afetivas. "São as ideias fixas, obsessivas, que ao entrarem em
conflito com a vontade provocam uma luta angustiante das
obsessões e impulsos" (Aznar, 1968, p. 171). E prossegue
argumentando este autor (p. 169): "É claro que a ação do
período menstrual funciona como fator desencadeante ou
revelador de distúrbios ou doenças mentais e como exacer-
bador de síndromes psicóticas".
Em consonância aos transtornos neuropsíquicos des-
taca-se a diminuição da capacidade mental, a exaltação da
libido e a depressão. A relação entre os transtornos mentais
e a menstruação foi estudada por Kraft-Ebing (1902), em es-
tudos que, segundo Aznar (1968), ainda que temas cie várias
2
 Diz Aznar (1968, pp. 141-142): "... Alterações anatómicas do en-
dométrio e, sobretudo, com tão profundas variações bioquí-
micas e tóxicas do meio externo, repercutem mais ou menos
intensamente no organismo feminino, mais ainda quando do
período menstrual, antropologicamente considerado, constitui
como veremos, um processo anómalo que, com grande fre-
quência, insere-se no âmbito do patológico... A alteração cor-
poral e anímica provocada pela menstruação é um fator a mais
na ininterrupta cadeia de crises biológicas vinculadas à sexua-
lidade, que paciente e resignadamente sofre a mulher desde a
puberdade até o climatério, o que, diga-se de passagem, con-
trasta com a privilegiada posiçãodo homem na transcendental
missão da perpetuação da espécie".
Se analisamos tais crises -puberdade, menstruação, materni-
dade, climatério - não é estranho que se diga que a mulher é
um ser "naturalmente débil e enfermo, uma espécie de doente
natural que sempre padece de algo".
185
discussões, nunca foram desvirtuados. Nesse sentido, agrega
Aznar (1968, p.167): "Com que argumentos se nega a óbvia
e particular relação causal menstruação-transtorno mental,
talvez a mais antiga conexão somática-psíquica, considera-
da pelos médicos e criminólogos como fator etiopatogênico,
de uma específica criminalidade feminina?" Justamente, de
acordo com o autor (p. 164), o fenómeno biológico passa "a
ter transcendência jurídica.
Quanto ao hiper-erotismo catamenial, informa Az-
nar (1968, p. 153): "Em minha opinião não é surpreendente
que consiga canalizar obsessões-impulsões, tão comuns nos
distúrbios psíquicos do período, para o campo da prostitui-
ção." Finalmente, salienta-se como alteração metabólica a cio
equilíbrio ácido básico, segundo Hoff, a estados depressivos
(Aznar, 1968, p. 153-154).
Além disso, a influência da menstruação tem sido
estudada em face de um crime específico, que é o furto em
grandes armazéns. Exner (1949) observou essa influência em
63 % dos casos; outro autor, Dalton (1961), em seu estudo em
386 detentas, descobriu que 41% delas cometeram o crime
no período menstrual ou pré-menstrual. Gibbens (1960) e
Gibbens e Price (1962), em sua tipologia dos autores deste
crime, entenderam que a mulher, durante ou após a mens-
truação, é cleptomaníaca, que rouba compulsiva e repetida-
mente, ficando excitada sexualmente ao manusear os itens
roubados. Em uma criminalidade mais grave, Parker (1960)
conclui que, 62% dos crimes de violência de mulheres deten-
tas, foram cometidos na semana pré-menstrual.
Essas características sexuais biológicas da mulher,
isto é, os estágios do desenvolvimento sexual, incluindo a
gravidez e a menstruação, são para Pollak (1961), em sua
análise da criminalidade feminina, processos fisiológicos
anormais que influenciam os aspectos psicológicos e os so-
ciais da mulher criminosa. Assim, explica que a mulher, du-
rante a menstruação, comete atos por vingança, ao se sentir
186
em um status inferior ao homem, uma vez que o período
menstrual patenteia seu fracasso de não poder ser um ho-
mem. Nesse rumo, a vingança toma a forma de falsas acusa-
ções, perjúrio, incêndios e até mesmo assalto e assassinato.
Também a menopausa está associada, segundo o autor, à
perda da feminilidade, levando à depressão, à irritabilidade
e, finalmente, ao crime.
Junto à influência biológica sublinha-se a análise
freudiana. O autor incorpora vários mitos que o conheci-
mento comum ou vulgar considera sobre a mulher, como o
mito da mulher vingativa, de raízes religiosas, na figura de
Juclith. Como aduz Smart: (1976, p. 53) Pollak "incorporou
os mitos masculinos4 para sua análise e lhes deu um status
pseudocientífico".s
A teoria psicanalítica tem explicado a especificidade
cia criminalidade feminina em relação às diferentes formas e
motivações individuais. A teoria psicanalítica de Freud parte
da suposição cie que a agressividade é um componente mas-
culino. Daí, o homem ser mais propenso do que a mulher
a cometer atos criminosos. O ego é a chave: o ego saudável
4
 Sobre estes mitos, diz Pollak (1961, página 149): "em nossa cul-
tura dominada pelo homem, a mulher sempre foi considerada
como algo estranho, secreto e às vezes perigoso.
5
 Existem outros estudos biológicos sobre a mulher criminosa.
Por exemplo, o de Hancls, Herbert e Tennent (1974), os quais
encontraram entre as mulheres detidas num hospital especia-
lizado alguma associação entre as fases do ciclo menstrual e o
comportamento agressivo. D'Orban (1971) descreve as garotas
criminosas como super desenvolvidas e excessivamente altas
para a idade delas. Epps e Parnell (1952), comparando mulhe-
res delinquentes com mulheres não delinquentes do ensino
primário, encontra nas primeiras o predomínio do tipo me-
soforme. Gibbens (1969), indica que as mulheres criminosas
apresentam numa proporção elevada anormalidades em seus
cromossomos.
187
desenvolve vários mecanismos cie defesa ou habilidades dis-
tintas. Para treinar seu ego, uma mulher precisa da figura
materna estável. Advertem Ferracutti e Newman (1977, p.
109), que está implícito na teoria de Freud que "as mulheres
não conseguem desenvolver plenamente o seu ego, por isso
são passivas, tímidas e não agem contra o mundo". Portan-
to, sua criminalidade é de pequenas proporções. A mulher
criminosa não possui os atributos característicos da feminili-
dade. A psicanálise, segundo Ferracutti e Newman (1977, p.
110), "pode explicar as várias formas de crime pela sua capa-
cidade de transformar as imagens simbólicas e inconscientes
da vida mental no equivalente da vida real".
A psiquiatria também estudou a anormalidade da
mulher criminosa ancorada nos dados objetivos sobre a bai-
xa proporção de mulheres que entram no sistema de justiça
criminal. Há uma tendência a considerar a mulher criminosa
como anormal, devido à excentricidade estatística do seu
comportamento (Walker, 1968). Esta atitude científica e so-
cial é ilustrativa do maior número de mulheres que são co-
locadas em hospitais especiais, ao invés de serem enviadas
para a prisão. O número de mulheres internadas chega a ser
dez vezes superior ao de homens (Prins, 1980, p. 313). Pa-
rece, portanto, que há uma estreita conexão entre a atitude
teórica e a ação de política criminal.
Cinco estudos recentes são mostras suficientes para
ilustrar a posição psiquiátrica. 1. Guze (1976), na sua pes-
quisa das 66 detentas sentenciadas encontra: sociopatia em
65 %; alcoolismo em 47%; dependência de drogas em 26 %;
homossexualidade em 6%; ansiedade neurótica em 11%; de-
pressão em l %; esquizofrenia em 1,5 %; e subnormalidade
em 6%. 2. O estudo de Barack e Widem (1978), utilizando
o questionário de personalidade de Eysenck em mulheres
aguardando resolução processual, encontra uma alta por-
centagem de neurose e psicose. 3- Prins (1980) enfatiza o
188
elevado grau de histeria nas mulheres, o tipo de conduta
que relaciona, a título de hipótese, à psicopatia.
Este autor conclui (p. 319) que a mulher possui ele-
mentos psicopatológicos mais exuberantes e traumáticos do
que os homens. Liga este fato da reação melodramática fa-
miliar à criminalidade da mulher e à má relação com o pai.
Dois são os estudos que sustentam a sua hipótese. O de
Riege (1972) que relaciona a criminalidade da mulher à visão
de um pai que não ama e nem elogia os filhos; e o estudo de
Gilbert (1972) que lida com o liame entre a autoimagem da
moça criminosa e a falta de afeto paterno, que traumatizam
a sua relação com o sexo oposto. 4. A este respeito Glover
(1957) analisa a psicopatologia da prostituição. Assim, en-
contra nas mulheres pesquisadas uma atitude de raiva frente
ao pai e de hostilidade diante da mãe. Tais elementos são
importantes na formação do fator homossexual inconscien-
te, que está presente na prostituição. 5. Em sua pesquisa,
Gibbens (1971) observa que as mulheres criminosas estão
mais deprimidas do que os homens, apresentando sintomas
específicos, tais como a fobia.
No campo da patologia social, destaca-se uma tese
teórica que estabelece uma estreita ligação entre a crimina-
lidade da mulher, a sua infra-socialização e a adaptação aos
valores cia comunidade, a causa de sua doença, estimando-
-se a necessidade de tratamento individual para a cura. Isso
rompe a conexão entre a explicação teórica e o controle do
Estado, através de seus corpos hospitalares e do trabalho
social. O estudo de Thomas (1967) é um excelente exemplo
dessa tendência liberal-funcionalista, carregada também de
vestígios biológicos. Para Thomas (1967), os desejos básicos
do atuar social são derivadosde instintos biológicos, espe-
cialmente do sistema nervoso. Nesse rumo, são canalizados
para fins sociais pelo processo de socialização desenvolvido
dentro da família. Instintos biológicos distintos no homem
e na mulher e a falta de coesão familiar são os aspectos
189
chave na teoria deste autor. A mulher, para Thomas (1967),
apresenta no seu sistema nervoso uma maior variedade de
amor referido ao instinto maternal, que também a conduz
aos homens doentes e desamparados. Sob este prisma, a
mulher de acordo com o papel e a valorização social será:
mãe, enfermeira ou irmã cie caridade.
Com efeito, o autor retratou o primeiro aspecto da
criminalidade na mulher, especialmente na prostituição.
Este comportamento ocorre pela necessidade intensa que
têm as mulheres de dar e sentir amor e que, por um defeito
na sua socialização canaliza-o para o comportamento de
prostituição. Depois, apontou o segundo conceito chave da
criminalidade feminina, por problemas na unidade familiar
tradicional, ou seja, uma situação microssociológica onde as
reações nervosas individuais se desenrolam. Com a quebra
da atitude tradicional caseira e familiar da mulher há distor-
ção nos seus instintos nervosos, que a conduzem ao crime.
Para Thomas, a criminalidade na mulher é quase exclusiva-
mente de tipo sexual, por desvio do papel social tradicional
implícito no seu sistema nervoso.
Este tipo de análise corresponde ao que, em 1943,
Wright Mills chamava cie "moralidade rural", que equipara
a comunidade rural e o grupo primário ao bem-estar e à
ordem. Então, para Thomas, quando a boa ordem familiar
tradicional desaparece, também desaparecem as sanções fa-
miliares e a mulher, que até então havia sido reprimida por
aquelas. Pois, a mulher é socialmente desajustada, na medi-
da em que, desvia o seu instinto de dar e receber amor na
ativiclade criminosa.
A teoria de Thomas tem importantes implicações
de política criminal, pois o autor apresenta a necessidade
de trabalhar na área pré-criminosa. Almeja reconhecer nas
moças suas tendências criminais e compensar a influência
negativa que a perda da coesão familiar origina nas cidades.
190
Ele busca, em termos cie controle, substituir a família pelas
diferentes agências estatais.
Esta conclusão de Thomas (1967) é fortemente critica-
da por Smart (1976), que vê oculto no liberalismo deste autor
um marcado autoritarismo, que se manifesta: na necessidade
de socialização na ordem existente, nas sentenças mais seve-
ras dirigidas aos menores por atos criminosos e não crimi-
nosos, na supremacia do controle estatal pela imposição de
valores da moral da classe média. Isso implica dificuldade
para atender às condições de vida da classe trabalhadora e
ignorância frente à influência do duplo Standard na morali-
dade, no sentido de que, o valor social da mulher depende
da percepção dos outros; de modo que ela deve ser símbolo
de pureza e objeto de adoração. Nesse diapasão, Thomas
(1967) aproxima a criminalidade da mulher à sexualidade
anormal. Na obra de Thomas encontra-se a presença de pre-
conceitos e crenças tradicionais sobre a mulher.
A atitude científica também é encontrada na obra de
Pollack (1961), que desenvolve sua explicação da crimina-
lidade da mulher com uma visão totalmente estereotipada.
O autor concentrou seu estudo com base na limitada influ-
ência objetiva da criminalidade da feminina. Para explicar
esta questão, começa por considerar as características en-
contradas na mulher criminosa, como: 1) a capacidade de
instigação, pois as mulheres são quase sempre os cérebros
organizadores do crime masculino, ou seja, realizam infra-
ções por meio do homem e nunca são presas ou culpadas;
2) a habilidade de falsear e mentir que derivam de um ele-
mento biológico, da passividade sexual, daí a atitude de es-
tranhamento em relação "à verdade"; e 3) o sentimento de
vingança que a mulher desenvolve frente ao homem como
consequência da repressão sofrida.
Pollack (1961) afirma que o homem toma uma atitu-
de bem definida a respeito do crime cometido pela mulher,
no sentido de não chegar a entendê-lo. Isso ocorre porque
191
sempre tem considerado o género feminino como dócil, que
necessita de proteção, posto que, realmente, o homem teme
sua insurreição. Logo, o cavalheirismo masculino para com a
mulher, que segundo Pollack (1961), reafirma a "idealização
da mulher em termos de doçura e pureza, vendo-a como
um ser inofensivo; mas essa atitude muda quando a mulher
comete um crime. Então, o homem tem que amaldiçoá-la"
como criminosa, para poder condená-la" (p. 49).
Parece haver uma contradição no argumento de
Pollack, uma vez que parte da atitude de cavalheirismo do
homem para com a mulher. Na área criminal o que alega
este autor pode ser traduzido por uma abstenção para de-
nunciar o crime, mas também que a primeira reação do
homem frente ao crime feminino é a incredulidade, para
depois amaldiçoá-la. Isso quer dizer que, uma vez ciente da
efetiva realidade criminal, a atitude inicial do homem, deixa
de ser cortês e se torna mais ofensiva. Então, como pode
argumentar que o homem não denuncia o delito da mulher?
Portanto, como Pollack quer dizer que o crime não é denun-
ciado por cavalheirismo, mas que, internamente, o homem
vai amaldiçoá-la? Parece uma atitude estranha, é ainda mais
estranha quando consideramos a explicação de Pollack so-
bre a atuação das instâncias de controle formal, quando ele
relata o tratamento de suavidade da polícia e do juiz relativo
às mulheres criminosas. Como entender a maldição por um
lado (o policial e o juiz também são homens) e a suavidade
pelo outro? Em sua análise, o autor (1961) destaca a exis-
tência real da alta cifra negra da criminalidade da mulher,
no sentido de que há de fato uma criminalidade real, mas
é cometida por instigação ou falsamente (e, portanto, difi-
cilmente descoberta); ou não é denunciada pelo homem,
que muitas vezes é a vítima-, ou é tratada com cuidado pela
polícia e pelo juiz, conduzindo a um elevado número de
processos que culminam com a absolvição.
A atitude teórica a respeito da criminalidade da mu-
lher tem tentado desvendar o mistério, o porquê da escassa
criminalidade feminina. Nessa linha, abundam as explica-
ções sobre o comportamento das mulheres, a partir da anor-
malidade puramente biológica, de matiz sexual, à patologia
psicológica e à sociopatologia, até chegar a uma análise so-
cial, imbuída de nuances e conceitos abordados na crença
mitológica.
Compreendendo a mulher em função da dimen-
são da anormalidade tem-se uma percepção científica em
relação à criminalidade do género feminino, que segue a
dicotomia: bondade/maldade, pureza/pecado, passividade/
agressividade, submissão/insurreição, com a qual a socieda-
de tem focado a interpretação da mulher; pautada nas cren-
ças sociais; em cuja formação destas crenças esteve ausente.
As características dicotômicas são reduzidas a uma funda-
mental: que as abriga, a essência feminina versus a anorma-
lidade e/ou masculinidade feminina. Esta essência feminina
tem como conotação a bondade, a pureza, a passividade e a
submissão. Já a anormalidade ou a masculinidade tem como
aspectos a maldade (falsidade, mentira, instigação, vingança
etc), o pecado (focado no desvio ou na anormalidade sexu-
al), a agressão e a insurreição. Daí que, o comportamento
criminoso na mulher, como será visto a seguir, pode ser
facilmente integrado em um amplo conceito: transtornos de
conduta e de personalidade, e com isso vir a se converter
em uma questão clínica.
3. A Nova Abordagem: o Controle Social
A abordagem patológica das concepções clássicas
tem uma importância fundamental pelo seu impacto sobre
a forma de controle social incidente na mulher. Cria-se uma
concordância no aspecto social e na atuação estatal, no sen-
tido de que a atitude valorativa para com a mulher nutra
193
um tipo de controle informal, pelaavaliação méclica e psi-
quiátrica, com dimensão teórico-científica, que influencia o
controle formal. Forma-se, pois, um continuum de controles
que atuam na mesma direção; alguns são excludentes em
face de outros e outros são confluentes.
Há, portanto, uma expectativa específica do Estado e
da sociedade direcionada à mulher, daí ser entendida como
uma realidade singular, em cada instituição de controle. O
estudo da criminalidade feminina vai mais longe, pois aban-
dona a utilização da ciência para servir aos preconceitos so-
bre a opressão sofrida pelo género feminino. A criminologia
crítica, como indicado por Stang-Dahl e Snare (1979, p. 11),
"tentou encontrar uma nova linguagem dentro da perspec-
tiva social e fez uma análise que relaciona o campo pessoal
com o político, e a subjetividade com a história. Assim, foi
adquirida uma nova qualidade mental, a imaginação socio-
lógica". No sentido delineado por Wright Mills (1959, p. 6):
"A imaginação sociológica nos permite colocar a história e a
biografia entrelaçadas na sociedade."
O novo enfoque de estudo desenvolvido no âmbito
da postura crítica da criminologia centra-se na questão do
Estado e do seu controle. AAssim, a criminologia crítica insere
o desvio feminino dentro de cada tipo de controle - infor-
mal e formal -, com uma função específica de acordo com
o modelo de Estado e de sociedade, em razão da orientação
político-econômica e dos interesses que dela derivam. A es-
cassez numérica da criminalidade feminina é vista como
resultado de uma projeçào diferente dos controles sociais so-
bre a mulher. Então, comprova-se que os controles informais
funcionam com enorme eficiência em uma área extensa, por
isso resta pouco espaço para o controle formal atuar, quer
dizer, pela prisão. Nessa seara, a mulher não recebe uma
Para o estudo do controle formal e informal, remetemos o lei-
tor aos capítulos XI e XII desta terceira parte da obra.
194
atitude externa suave e nem gentil. Encontra um conjunto de
controles constantes em todas as esferas de seu agir.
Nas seções seguintes deste capítulo, veremos como
no âmbito familiar o papel da mulher e os valores nele implí-
citos ordenam um controle próprio. Dessa maneira, quando
a mulher se desvia do papel imposto, a instituição familiar a
forçará à adaptação. Este é o primeiro tipo de controle que
é colocado diante da mulher. Se for aceito, ela será reinte-
grada à ordem familiar em seu papel, dificilmente atingirá
a criminalidade (o que supõe o acionamento do controle
formal). Contudo, caso não seja aceito, entrarão em cena a
psiquiatria e a clínica, absorvendo dentro cio seu contexto
esta primeira rebelião.
Logo, quando falhar o controle informal, entrará em
ação o controle formal, com a elaboração do status de crimi-
noso. Utilizar-se-á da influência patológica, daí, a incidência
do tratamento clínico, que retorna com a noção de proteção
da mulher. Entretanto, quando o desvio não for absorvido
pelos outros tipos de controle social, caberá a prisão, como
limite final, para o resíduo da mulher. Este controle não fun-
ciona em termos de proteção, mas de disciplina e punição,
de contenção e de exclusão. A este controle submeter-se-ão
as mulheres mais vulneráveis: pobres, negras, ciganas e jo-
vens.
4. O Controle Social Informal
O controle social informal é um fenómeno complexo,
com diferentes dimensões, que abrangem diversos modos
cie opressão à mulher. Os interesses do Estado no sistema
capitalista de produção, vinculados ao papel da mulher, in-
cluem a família, a escola, o trabalho e a medicina. Todas
estas instituições aplicam o mesmo programa, funcionam
com os mesmos objetivos: criar e manter o papel atribuído
à mulher. Como vimos no capítulo XII, 2, a instituição fami-
195
liar estrutura-se em torno de dois papéis: primordialmente,
na produção de bens que correspondem ao homem, e em
seguida na reprodução que corresponde ao papel atribuído
à mulher. Logo, a disciplina social transporta-se na família
pela autoridade da figura paterna sobre os filhos e pela au-
toridade do marido sobre a esposa. Quanto ao papel de re-
produção, são atribuídas características femininas especiais.
Assim, a mulher é principalmente mãe e sua vida social e
sexual está destinada a este -fim. A disciplina em relação ao
marido é cultivada na obediência social e sexual. A mulher
é responsável por assegurar a monogamia e a moral na fa-
mília. Os aspectos próprios da feminilidade, já vistos, são
coincidentes com o papel secundário que a mulher exerce
na família e na sociedade.
Por conseguinte, a mulher só é realmente considera-
da mulher quando apresenta um comportamento feminino.
Isso significa que deve ser: meiga, doce, dependente, obe-
diente, servil, agradável e dedicar a sua vida à felicidade
dos que formam seu ambiente familiar. Nessa esteira, em
consonância à educação que recebe da família, ensina às
suas filhas táticas de socialização peculiar ao seu género: ser
mais controlada, passiva e caseira. Logo, a mulher deve bus-
car proteção contra a agressividade e contra a força física.7
Quando uma mulher engloba essas características
passa a ser aceita pelo ambiente familiar e pela sociedade. A
família consiste no primeiro controle que a mulher recebe;
no sentido de que deve manter-se nesses limites, para ser
apreciada e valorizada como pessoa. A necessidade cons-
tante de se colocar em uma posição subordinada, de atuar
A passividade e a fragilidade como características do papel so-
cial que desempenham se refletem nas características da crimi-
nalidade violenta, por usar geralmente armas especificas (faca,
veneno) ou atuar sobre vítimas especiais, do entorno familiar
(Hoffman-Bustamante, 1973).
em concordância às características atribuídas, lhe é incutida
desde a educação infantil, através dos jogos psicológicos do
amor, do afeto e do sentimento de culpa. Afinal, a mulher
é mãe, que dá amor e carinho, nas relações que estabelece
com as crianças e com o marido, que se lastreiam na ter-
nura. Realiza o trabalho doméstico, o qual não tem valor
económico de troca. Nessa esteira, sua única apreciação gira
em torno de sua capacidade de dar e manter fortes relações
de afetividade.
A capacidade afetiva é mantida na família pelo
jogo da culpa, porque o campo destas interações familia-
res inscreve-se na esfera social da moralidade. Daí que, co-
mumente, a culpa seja percebida como o primeiro controle
feminino. Pois, a família ou a própria mulher a coloca em
funcionamento quando há recusa do papel moral afetivo fe-
minino. Logo, a culpa cabe facilmente no âmbito da psicolo-
gia, pelo jogo cia punição ou autopunição; ao negar o apoio
amoroso eficaz nas relações estabelecidas pela mulher.
Socialmente, o papel da mulher é hipertrofiado, pois
há dependência sexual. Nesta tarefa colaboram as formas de
linguagem, a mídia (pensemos nos anúncios e comerciais
clirecionados à mulher) e a proteção penal de certas institui-
ções. Existe uma sexualização da atuação da mulher e assim
do comportamento delinquente. Como veremos no próximo
capítulo, o desvio da mulher de seu papel sexual implica,
imediatamente, uma criminalização de sua conduta. Ainda
que, a mesma ação do homem não seja punida.
Vale ressaltar que, as tarefas da mulher estão ligadas
ao jogo de afeto, à culpa e à dependência sexual. Cumpre
um papel social desvalorizado. Pois só é relevante no seio
da família e nas escassas derivações deste ambiente: grupo
de amigos em comum do casal ou amigos de negócios do
marido, onde acaba perpetuando o papel secundário.
O estudo de Finstad (1976) compara, através de en-
trevistas estruturadas e fechadas, a vida da mulher em casa
197
e na prisão. Este trabalho, intitulado "Somos todas prisionei-
ras", estabelece similitudes entre as sociedades limitadas e
as institucionalizadas, da família e da prisão. A mulher que
vive no núcleo familiar fechado, no espaço doméstico,situa-
-se como uma prisioneira no cárcere, é socialmente esqueci-
da. Na família, a mulher sofre a privação cie identidade e não
pode tomar o próprio lugar - ocupa o campo que lhe impõe
-, fica fora cio movimento soc-ial, com limitações físicas -
na célula nuclear - e recebe coerções físicas, económicas e
ideológicas.
Essa situação de invisibilidade pública da mulher
conduz à individualização e privatização dos seus direitos,
dos seus deveres e de suas crises. Sobre esse aspecto a
análise de Stang-Dahl e Snare (1979) concentra-se nas con-
dições materiais e nas situações de vida da mulher, tendo
como conceito fundamental a noção de privacidade e das
suas consequências sócio-políticas. Nesse ínterim, a mu-
lher é relegada ao setor privado, tem pouca visibilidade e
mobilidade. Daí, em sua esfera doméstica, as normas, os
conflitos e os mecanismos de controle são personalizados e
não públicos (vide o baixo número de mulheres na prisão
como instituição pública). Portanto, qualquer necessidade
ou interesse cia mulher é neutralizado por leis abstraias de
conteúdo conceituai irrelevante ou neutro, que escondem a
natureza da opressão experimentada pelo género feminino
(Snare e Stang-Dahl, 1979, p. 12). Nota-se, um primeiro con-
trole no sentido da coerção, ao manter a mulher no espaço
privado, e esta coerção desempenha um papel fundamental
na perpetuação da ordem social existente, que descreve as
características de seu desvio, da sua criminalidade e de seu
comportamento anormal.
A situação de dependência da mulher e a subordina-
ção do seu papel social acentuaram-se ainda mais na ideo-
logia espanhola deste século. Pois, desenvolve-se em nosso
país, uma sociedade voltada para dentro, baseada nos slo-
gans de patriotismo, religião e família, como os três pilares
de sustentação. Dentro da família é exacerbada a ênfase no
aspecto moral e no reprodutor, os quais devem ser assegu-
rados pela mulher. Esta é vista como arquiteta da unidade
familiar e destinada à primeira finalidade do matrimónio
cristão: gerar e educar os filhos para Deus e para a pátria.
Então, a rígida autoridade do esquema ditatorial transcende
do aparato do Estado às instâncias informais. Nessa órbita,
este programa de opressão é implantado na mulher, modela-
-se uma mediação da força ideológica colocada na família,
resulta vima série de elementos como os apresentados por
De Miguel (1979). Assim, o autor retrata o que chama de
"mito da Imaculada Conceição", que trata do conjunto de
afirmações pronunciadas pelos ginecologistas, homens que
entram no reduzido círculo íntimo da mulher. Afinal,,se-
gundo De Miguel (1979) o ginecologista foi considerado "o
melhor amigo da mulher", quem entende a função sexual, o
programa de maternidade.
Na obra são desenvolvidos os pontos chaves desta
ideologia médica que concebe a mulher como "um ser bio-
logicamente inferior ao homem. Com a finalidade apenas de
ser mãe, tem um papel secundário, não precisa de mais do
que uma educação geral. Se a mulher é normal não deve
trabalhar. Pois, a mulher moderna está se virilizando e pode
colocar em perigo a espécie" (p. 9). Para isto são adicio-
nadas as seguintes considerações referentes à sexualidade
da mulher: "anormalidade da menstruação, frigidez sexual e
antissexualismo geral dos ginecologistas".
Sobre a frigidez sexual da mulher apontam os gine-
cologistas Conill e Conill (1967): "Sabe-se que 75% das mu-
lheres são frígidas, sem outro propósito na sua vida íntima,
além de agradar e dominar. (...) Portanto, 90% das mulheres
glorificariam o fato de ter filhos sem a áspera servidão que
isso requer. Finalmente, observou-se que 10% dos que têm
198 199
plenitude de orgasmo são intersexuais com rastro de virilis-
mo córtico-supra-renal (...)" (De Miguel, 1979, p. 17).
Temos implícito aqui o mito da maldade da mulher
e da virilidade, leia-se anormalidade cia mulher com desejo
sexual. A mulher é vista como um ser diferente e tida como
inferior ao homem. Maranón (1935) a define em termos de
"amorfa, instável, ambivalente e de alma contraditória" (De«
Miguel, 1979, p. 27). Ramon e Cajal, em 1938, concebem
o papel subordinado da mulher: "deve-se moldar o caráter
feminino, dobrando-o às exigências de uma vida séria, de
trabalho heróico e de recato austero. Em suma, fazer dela
um órgão mental complementar, absorvido nas questões pe-
quenas, (...) para que o marido livre de inquietudes, possa
se ocupar de coisas relevantes (...)" (De Miguel, 1979, p. 27).
No que diz respeito ao seu papel secundário e de co-
operação com o marido, afirma outro ginecologista, Dexeus,
em 1970: "(...) destacam-se entre os atributos que contribuem
para que a mulher se adapte ao papel cie conselheira e co-
laboradora do marido: intuição, espírito de sacrifício, bom
gosto, humanidade etc." (De Miguel, 1979, p. 29).
A atitude de proteção relativa à mulher e cie seu en-
quadramento no círculo familiar é evidente em José Botella,
no texto publicado em 1975; "A mulher, em pagamento pelo
seu esforço reprodutivo, deveria ser livre do áspero contato
com o mundo exterior. Deveria viver defendida pelo ho-
mem no microcosmo que é a família" (De Miguel, 1979, p.
30). Este mesmo autor defende a desigualdade dos papéis
sociais/sexuais e a inferioridade feminina: "Não sendo igual
biologicamente a missão da mulher e a do homem, também
não se pode igualar, ou seja, converter a mulher no homem"
(De Miguel, p. 34).
No que tange à educação feminina, dois textos de
Conill e Conill, escritos em 1967, argumentam: "o homem,
quanto mais dinâmico e inteligente for, mais aprecia a paz
do lar; para isso contribui em geral, a mulher, com uma
200
educação requintada e uma instrução extensa e pouco pro-
funda". Para estes autores, apenas o épico e o romance clás-
sico podem ser interessantes para a mulher, porque como se
costuma dizer: "todo o resto é inútil para educá-la, só serve
para convertê-la em uma pedante, fantasiosa e perturbado-
ra" (De Miguel, 1979, p. 39). De acordo com estes autores,
uma mulher inteligente é intersexual, e a elas "se convém o
ensino superior (...)" (De Miguel, 1979, p. 41).
Assim, nota-se o exemplo claro da "amplitude" inte-
lectual outorgada à mulher, apenas para desempenhar o seu
papel, e isso parece enraizado na sua própria natureza sexu-
al, de modo que se é inteligente será intersexual. Muito bem
definido por Botella o fato de que a educação da mulher é
sempre para sua dedicação à família, não é social. Segundo
Botella: "A formação da mulher deve encaminhá-la não a se
tornar uma boa cidadã, mas sim uma boa esposa e unia boa
mãe de família. Ou, do contrário, permanece solteira para
ser útil aos seus semelhantes" (De Miguel, 1979, p. 40).
Vale conferir uma consequência da pouca ou ne-
nhuma importância da mulher em nosso país, que está na
consideração do trabalho da mulher fora cio âmbito familiar.
Cientificamente têm sido desenvolvidas teorias que associam
a criminalidade dos jovens ao trabalho da mãe fora do lar.
No campo do controle social na esfera espanhola é curioso
notar como o trabalho da mulher fora de casa é uma variá-
vel que o Tribunal Tutelar de Menores de Barcelona coleta
na sua estatística anual como item classificatório do menor.
O mais significativo em relação ao prejuízo social causado
é que a variável é colocada em um mesmo quadro junto às
circunstâncias cie sífilis, alcoolismo e doenças mentais. Res-
salta-se que estas representam obviamente eventos patológi-
cos que corroem a harmonia e o equilíbrio, não só familiar,
como o desenvolvimento psicológico e patológico dos filhos
(Essas tabelas são analisadas por Giménez-Salinas, 1978, p.
376.)
201
A obra citada de De Miguel (1979) demonstra a ati-
tude do médico em relação à mulher que trabalha fora. De
um lado, considera-se que "contribui para a corrupção dos
costumes e a destruição da família" (p. 45), o que é incom-
patível com o papel da esposa.Nesse diapasão, o médico se
pergunta se "a mulher sábia vai perder sua feminilidade ou
se vai assustar o homem" (p. 47). O único tipo de trabalho
aceito para a mulher é o realizado pela sua dedicação aos
filhos, mesmo que eles já tenham se emancipado. Entende-
-se que o trabalho aceitável é aquele que cumpre uma fun-
ção terapêutica (p. 48). Os médicos relatam até a formação
de um terceiro sexo, com o instinto sexual exacerbado e a
perda do instinto maternal (p. 50). Este mais relacionado
ao trabalho fora do lar, que por ser visto como nefasto é,
imediatamente, sexualizado. Sob esse prisma, a mulher tra-
balhadora é compreendida como uma imoral que "vive o
jogo sexual" (p. 50).
Paralelamente, foi informado que o declínio da ma-
ternidade tem produzido uma falta de interesse da mulher
no que tange ao trabalho doméstico, deixando-a migrar para
os interesses público-sociais. No entanto, segundo Oakley
(1974), isso expandiu mais o tempo,s a energia e o dinhei-
ro4 que a mãe passou a dedicar aos seus filhos. Na mesma
linha, Firestone (1970) observa que essa alteração na família,
elevou a atenção da mãe, com um ou dois filhos, rumo ao
que foi chamado de "ideologia da infância", porque foi "sen-
timental izado" e "romantizado" este período de idade.
* Morgan (1970), refere que o Chase Manhattan Bank estima que
uma mulher dedique atualmente em torno cie 99,6 horas por
semana ao trabalho doméstico.
O consumismo atual proporcionou, diz Davies (1977), que os
filhos gastem maior tempo em jogos e que se utilizem pedia-
tras, psicólogos, professores de música, dança, dentistas etc.
202
É evidente que o trabalho da mulher na sociedade
e o papel cada vez mais importante que tem exercido no
âmbito social produziram uma mudança na perspectiva de
sua vida. Mas devemos realçar: primeiramente esta transfor-
mação objetiva - com a alteração de valores que comporta
-, é vista por muitos autores10 como causa do aumento da
criminalidade feminina. Tal análise foi feita de uma maneira
muito superficial, ao conectar exclusivamente o crime com
a entrada da mulher na área pública de produção. Assim,
Adler (1975) foi criticada por ter dado importância demais
ao aumento da criminalidade da mulher, especialmente, em
crimes violentos. Pois, não levou em conta apropriadamen-
te o reduzido número de mulheres que são presas. A este
respeito aduz Davies (1977, p. 251) que, em 1973, as prisões
femininas correspondiam a 15,3%, dos crimes violentos, 3%
do total (cometidos por homens e mulheres) e 10% dos ca-
sos por mulheres.
Em segundo plano, temos conectada a emancipação
da mulher e o movimento feminista com o aumento da cri-
minalidade (Kestenbaum, 1977; Loewestein, 1978). Trata-se
cie uma posição que revela uma atitude ambígua em rela-
ção a esses fatos sociais e que é, ao mesmo tempo, muito
simplista, por estabelecer uma continuidade unilateral entre
trabalho fora de casa e emancipação. Essas análises consi-
Um exemplo está em Smith (1974), que trata especificamente
do aumento da participação da mulher em assaltos, sequestros
de avião e outras formas de terrorismo, e relaciona a nível de
hipótese a influência da nova posição social, laborai e tecnoló-
gica da mulher com o cometimento de fraudes fiscais, estelio-
natos e outras falsidades.
203
deram que qualquer tipo de crime deve-se à abertura da
mulher11 ao espaço público.
O setor criminológico tem dado muitos exemplos de
atitude reacionária ao movimento feminista. Em 1969, o es-
tudo de Mulvihill e de outros sobre crimes violentos funcio-
na como um claro exemplo disso. Consoante estes autores
(p. 425): "a emancipação das mulheres em nossa sociedade,"
nas últimas décadas, reduziu a diferença entre a criminalida-
de dos meninos e das meninas, dos homens e das mulheres,
pois caíram as diferenças culturais entre ambos".
Certamente, entre os anos 1960 e 1970, houve um
aumento considerável da criminalidade feminina.12 Embora,
como assinala Smart (1970), o fenómeno deve ser analisa-
do dentro de um período mais amplo. Assim, entre 1935
e 1946 ocorreu também um aumento total de 365% desta
criminalidade; de modo que, não se pode relacionar este
último aumento com o atual movimento feminista. Porém,
"este exame mostra que a criminalidade feminina é uma
resposta dada pelas mulheres para um determinado número
de situações que sofreram mudanças nos últimos 40 ou 45
anos". Todavia, acreditamos que dois fatores devem ser con-
1
 A influência cia "emancipação" da mulher é extremamente
complexa; assinala Smart (1973, página 73) que entre outras
coisas também afeta o avanço da justiça social, pela extensão
dos direitos humanos, reivindicar oportunidades sócio-econô-
micas etc. Contudo, (página 74), as mudanças no comporta-
mento da mulher não podem se relacionar diretamente com
o movimento feminista, porque enquanto movimento social
mostra-se como manifestação de diversas mudanças na ordem
política, económica e social.
2
 225% de delitos contra a pessoa e 149% contra a propriedade.
204
siderados: o aumento do consumo em todas as classes so-
ciais, especialmente a do trabalhador, e a crise económica.13
Contudo, como o maior interesse da polícia fixa-se
em perseguir ações criminosas das mulheres, como postura
reacionária ante um fenómeno social novo de mudança, que
o movimento feminista envolve, "aconteceu uma mudança
da definição da conduta, em vez de uma mudança desta"
(Smith, 1975, p. 11).
Em terceiro lugar, o trabalho da mulher fora de casa
tem sido visto como o elo mais importante da sua liberta-
ção. Entretanto, é interessante notar que ele também é fonte
de frustrações, porque nele experimenta outro fracasso, ao
encontrar bloqueado o seu acesso a certas posições mais
elevadas e a mobilidade para outros lugares ou empregos;
pela existência do duplo Standard,1'1 que traz desigualdade
laborai, através de salários mais baixos (Davies, 1977, p. 253).
A mulher é uma marginalizada no mundo da produção. O
seu trabalho não é visto como uma fonte de autorrealização
e de desenvolvimento como ser humano, mas como subor-
dinação à família, como um meio para compensar a crise
económica familiar (Glazer, Majka, Acker e Bosé, 1976).
Esta exclusão abrange outro aspecto: a variação da
participação da mulher no mercado de trabalho, condicio-
nada às necessidades cie produção do modelo capitalista.
Assim, durante os períodos de crise económica, a mulher é
obrigada a voltar para o lar; é a primeira força de trabalho
que fica desempregada. Ressurge, enquanto isso, com muita
13
 Prova disso são as estatísticas de criminalidade feminina nos
países economicamente mais avançados, algumas delas apre-
sentadas no próximo capítulo.
H
 A igualdade laborai entre sexos não passa de uma formalidade
legal/constitutional, que não se encontra refletida nos sindica-
tos, na comunidade e nem nas organizações políticas (Glenn e
Feldberg, 1976; Glazer e Waehrer, 1972).
205
força, a ideologia da mulher feminina, no espaço domés-
tico, pelo impacto da moda, do cinema, das músicas, dos
auxílios estatais para a segunda ou terceira maternidade etc.
A mulher opera como o exército cie reserva mais amplo
cio mundo capitalista. Portanto, é uma força cie trabalho de
segunda ordem, na medida em que o seu trabalho é visto
como temporário e considerado como uma atividade não
essencial, em relação à atividade doméstica. Há uma divisão
laborai em termos económicos e especialmente sexuais: o
primeiro modo de vida do homem é o contrato laborai, e o
da mulher é o casamento como contrato matrimonial (Stang-
-Dahl e Snare, 1979, p. 14).
Em suma, a coerção da mulher na esfera doméstica
continua a ser o primeiro controle, contribuindo para isso o
sistema de produção, as leis, a família e a sociedade em ge-
ral. Embora tenha sofrido algumas mudanças, ainda estamos
longe da concretização dos objetivos do movimento feminis-
ta, que expressa Davies (1977,p. 256), que tendem princi-
palmente para uma expressão integral da mulher como ser
humano sem exclusão ou inferioridade.15
a) Os Autocon/roles: Estratégia de Controle Pessoal
O controle interno na esfera privada, que descreve-
mos, funciona bem mais para as mulheres. Porém, apresen-
tou desvios, manifestação cie uma disfunção. Então, entram
em funcionamento outros controles. O primeiro é o au-
tocontrole, operado pela própria mulher quando enfrenta
seus problemas, como dificuldades pessoais que podem ser
Importante recordar que as condições implícitas da marginali-
zação laborai ora considerada são mais obscuras e negativas na
classe trabalhadora e no lúmpen proletariado; nestes .setores a
exploração da mulher é muito considerável, de modo que para
ela o trabalho nunca foi enfocado como meio de liberação e de
autossatisfação.
206
resolvidas privadamente (Stang-Dahl e Snare, 1979, p 20).
Trata-se de uma estratégia de controle totalmente privatiza-
da e pessoal.
1) Quando a interação familiar é insatisfatória, a mulher -
separada cia sociedade, sem objetivo extra-familiar, mo-
nopolizada pela publicidade comercial que romantiza o
trabalho doméstico e preocupada com uma rotina ago-
nizante e desinteressante - substitui a sua frustração pela
atividade doméstica compulsiva. Logo, ritualiza-se, no
sentido que Merton (1978) imprime ao termo - pela limpe-
za e pelo cuidado do lar (Davies, 1977, p. 250). Configura-
-se um desvio hipef-conformista, observado por Cavan
(1955) e utilizado pela mulher que se desvia da norma por
hipertrofiar os caracteres implícitos no comportamento
(Miranda Rosa, Miralles e Cerceira, 1979, p. 8-9). Pode ou
não causar reações negativas ao ambiente.
2) O segundo autocontrole ou reação privada ao stress cau-
sado pelas pressões da família é a forte dependência
de sedativos e tranquilizantes. Como destaca Christie
(1976, p. 74), na conclusão de seu estudo sobre mulhe-
res da classe burguesa e da trabalhadora: "As mulheres
resolvem os seus problemas de uma maneira legalmente
aceita, que é o uso de fármacos. A medicalização talvez
se torne um tipo de lubrificação, um método para per-
manecer em funcionamento, exatamente no nível que
precisa operar." Muitas vezes, os fármacos são prescritos
por médicos e, principalmente, pelo médico "da família".
Constata-se o destaque desempenhado pela profissão
médica que reforça a privatização cio papel da mulher
(Stang-Dahl e Snare, 1979, p. 20).
3) Um tipo de autocontrole bem contido, embora mais difícil
de se tomar conhecimento, realizado de forma privada e
escondida, é a dependência feminina do álcool. Normal-
mente, é conhecida apenas quando atinge um estado de
207
alta gravidade e a família a coloca em uma clínica ou a
polícia a detém, na rua ou no bar se embriagando.
4) Outro mecanismo de autocontrole invisível consiste na
auto-hospitalização durante o dia, quando a mulher se
esconde cios demais membros da família. Christie (1976)
em seu estudo sobre as mulheres expõe esta situação
e revela vários casos por entrevistas. Vale conferir um
trecho de uma delas (p. 76): "Eu só posso elogiar o tra-
tamento clínico diurno do hospital. Minha família não
sabe, meu marido e meus filhos saem pela manhã, as-
sim como eu. Retorno para casa antes deles. Quando
chegam, eu já tenho o jantar pronto". É impressionan-
te como a mulher internaliza o seu papel de dona de
casa exemplar, conforma-se a ele, que terá que esconder
eventuais falhas, quaisquer problemas. O mecanismo da
culpa desempenha um papel importante aqui.
5) Um autocontrole que ocorre paralelamente ao anterior
é o da demanda por consulta psiquiátrica pela mulher,
sem a interferência da família. A psicanálise tornou-se o
sistema de controle mais utilizado, cujo objetivo envolve
a perpetuação do sistema sócio-econômico, através da
manutenção dos papéis familiares, como primeira célula
de padronização.
6) Um último mecanismo de autocontrole que a mulher em-
prega é a depressão e os sintomas psico-patológicos. As-
sim, a mulher é impulsionada pela força que nela exerce
o jogo psicológico (pela educação recebida) de afeto -
cuidar dos outros - e a culpa (anteriormente exposta). A
mulher ensinada a internalizar seus problemas e emo-
ções16 está enfrentando um impasse quando, inconscien-
temente, recusa-se a continuar o seu papel doméstico /
secundário / inferiorizado / privado.17
A recusa é inconsciente, pois encontra resistência,
precisamente, pela culpa implícita. A agressão será a rea-
ção exteriorizada e a depressão será a resposta internalizada
(aqui o mecanismo psicológico tem ainda uma força maior).
Friedman 0970) considera que o essencial na depressão é a
falta de capacidade para expressar hostilidade, juntamente
com uma autoimagem negativa. Portanto, entendemos que
os sintomas depressivos ou patológicos do comportamento
que a mulher apresenta não vêm da sua natureza patológica,
nem se consubstanciam em um desvio, mas, como adverte
Davies (1977, p. 264), são gerados pelo papel convencional
imposto e servem como resposta normal a uma inferiorida-
de e estrutura totalmente carente.
b) Os Controles da Esfera Familiar
Em geral, diante dos estados depressivos ou sinto-
mas psico-patológicos da mulher - dona de casa -, a família
pode aceitar isso como normal ou buscar seus mecanismos
de defesa. Na sua reação de controle, a família usa ainda,
com maior força, o sistema de proteção e ajuda à mulher,
considerando-a como um ser sem força e poder de decisão.
Em muitos casos, a verdadeira ajuda à mulher implicaria sua
saída para o mundo, a sua libertação. Porém, a família tenta
evitar esta medida, porque acima de tudo, almeja se defen-
der da reação da mulher e proteger seu sistema de funcio-
namento tradicional. Há, como denotou Chesler (1972), uma
marginalização dentro do ambiente familiar para a mulher
' A mulher possui certamente menos canais socialmente aceitos
para se autoexpressar em seus problemas. A agressividade, a
autoindulgência excessiva, o alcoolismo, que nos homens são
vistos como desvios, estes sim são típicos do papel da mulher.
1
 As donas de casa não têm poder de decisão na família pelo cará-
ter secundário e subordinado de seu papel (Blood e Wolfe, 1960),
que se combina com o desenvolvimento pessoal limitado que
conduz a uma autoimagem de inferioridade (Bernard, 1975).
208 209
que se desvia do seu papel. Na reação da família existem
duas saídas: conter a mulher / esposa / mãe para que per-
maneça no seu papel e/ou responsabilizá-la pela sua revo-
lução particular. Na contenção é encarregada a clínica, com
a distribuição em massa de medicamentos e sedativos. Na
culpa é encarregado o psiquiatra. Em ambos os casos a atu-
ação ocorre como uma extensão dos interesses familiares»
A hospitalização pela família, narrou Stang-Dahl e
Snare (1979, p. 20), opera quando a situação de stress da
esposa piora. Isso acontece quando as exigências de consi-
deração, sacrifício e autoanulação alcançam os limites do su-
portado pela família. As estatísticas mostram que as clínicas
privadas são usadas com preferência pela mulher. 1K
Porque ao acontecer o desvio feminino, no seio da
família (o masculino geralmente só afeta fora da família)
atinge profundamente a sua estrutura. Sendo assim, são
bem mais comuns em mulheres as medidas hospitalares do
que nos homens. Além disso, como assinala González Duro
(1979), a perspectiva psiquiátrica é endógena, isto é, deixa
de lado as relações sociais e o mundo da produção.
Portanto, há um continuum entre as abordagens que
tomam o controle social e o familiar. Portanto, a família é
completamente desresponsabilizada pela contradição que
surge na mulher, o problema social do ambiente familiar
passa a ser visto como um problema endógeno, completa-
mente desligado das circunstâncias que o produziram.
Há no hospital uma última delegação de responsa-
bilidade, limitadaao controle familiar. A clínica atua como
uma mãe, fingindo o ambiente psicológico, que se expe-
Contudo, há que se destacar a discriminação que sofrem as
mulheres quando sua origem social é baixa, porque em muitos
casos ao não poder ir a clínicas luxuosas, acabam caindo no
sistema de controle formal e daí facilmente seguirão para o
manicômio público.
210
rimenta na infância e na falta de vontade de viver (Pitch,
1975). Por estar doente, a mulher deixa de ter a responsa-
bilidade sobre si e se entrega aos cuidados clínicos, onde é
tratada como uma mulher-menina, ser assexuado, sem ini-
ciativa ou capacidade para ter relações sexuais, sem que seja
reconhecida a sua dignidade de pessoa. A relação médico /
enfermeiro / paciente reproduz as relações paternas e ma-
ternas (Pitch, 1975).
Muitas vezes, a mulher vai para a clínica ou para
o hospital contra sua vontade; pois para ser internada foi
enganada ou forçada. Para Goffman (1972), a clínica, que
aparentemente tem uma função assistencial e curativa, é
mais uma prisão branca com tortura branca, ante a rebelião.
Lá, as horas de terapia são muito escassas, uma vez que os
conflitos são resolvidos principalmente com meclicalização,
lobotomia, eletrochoques ou coma por insulina, entre otitros
meios. Quando a mulher se adapta às prescrições médicas e
colabora em tudo, é considerada uma boa paciente. Assim,
alcança-se uma desintegração pessoal, a doença é esquecida
e só interessa a adaptação da mulher ao meio clínico (Goff-
man, 1972). Porque nele deixam de ter relevância (se é que
já tiveram) as razões da reação-rebelião da mulher. Enfatiza-
-se o que importa para a família: preparar novamente a mu-
lher para a submissão que o seu papel implica.
Em Fevereiro de 1982, concluímos um estudo sobre
o controle informal da mulher na área de Barcelona Foi in-
teressante notar a importância cia atitude da família em rela-
ção ao tipo de psiquiatria que se aplica e ao que é entendido
por cura da mulher. Também constatamos de forma signifi-
cativa a força da dependência e da privacidade na vida da
mulher, a qual cria para si uma incapacidade social e uma
facilidade de escolha, como via de solução, da psiquiatria.
Percebemos nas ilações (Miralles, 1982, p 44) que "a família,
com a sua atitude endógena, é foco e centro de problemas
mentais nas jovens, mas particularmente em duas fases da
211
vida adulta da mulher. São elas: a vida de casada e a perda
das etapas domésticas (incluindo o papel específico cie mãe
zelosa). A dependência da mulher de afeto e da vida endó-
gena é a característica mais marcante em seus problemas.
Assim, a moça jovem se esfacelará, a qualquer momento,
para obter a sua independência, mesmo sem consegui-la;
a mulher recém-casada viverá a sua sexualidade como um
fracasso pessoal e como algo que lhe foi roubado; a mulher
adulta, em seus quarenta anos, culpar-se-á, patologicamente
por suas fantasias amorosas, símbolo de uma rejeição de
vida; a mulher madura viverá a saída de suas crianças como
um abandono, uma mutilação em seu próprio corpo, na sim-
bologia família-corpo.
Nessa seara, a família poderá aclotar duas atitudes
diferentes em relação ao problema apresentado pela mulher,
fundamentais para o tipo de assistência que será escolhido.
"Se a família é fechada ao diálogo e resiste a uma reestru-
turação, será alvo de uma psiquiatria que individualiza o
problema na 'doente', que usa a farmacologia e a segrega da
comunidade, colocando-a no hospital público ou na clínica
particular; quando a família está aberta ao diálogo (...) acei-
tará uma psiquiatria aberta, comunitária, integradora, que
através do diálogo encontra na reestruturação da família a
possibilidade de uma saída social da mulher (...)".
212
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217
•
XVI. A MULHER:
O CONTROLE FORMAL
Por Teresa Miralles
1. Considerações Introdutórias
Somente um âmbito reduzido de atuação da mulher
está submetido ao controle formal; trata-se das condutas que
ultrapassam o marco das desordens e conflitos morais origi-
nados nas relações privadas e passam a afetar diretamente a
ordem social e moral de interesse público, ofendendo bens
juridicamente protegidos. Nesta esfera atuam as instâncias
policial, judicial e executivo-penitenciária.
As estatísticas mostram, em todos os países, que a
proporção de mulheres detidas nas prisões com relação ao
número de homens é no geral inferior a 5%.'
Parece que esta desproporção fica atenuada em al-
guns países pelo amplo uso da clínica como controle for-
mal na mulher, de modo que grande parte cia delinquência
feminina é tratada nas clínicas e, assim, ao considerar as
estatísticas das medidas terapêuticas, as cifras entre homens
e mulheres se aproximam.
Há, pois, duas instituições de controle formal para a
execução das penas privativas de liberdade; a extensão na
aplicação de uma ou outra medida, a prisão ou a clínica,
varia segundo os países; e há uma relação direta entre o uso
da medida clínica, o desenvolvimento económico do país
e o tipo da prática liberal na política criminal, que se sus-
tenta na estrutura específica do Estado de bem-estar social
com capacidade económica para integrar as classes sociais
1
 Dados de vários países sobre diferentes anos ilustram perfeita-
mente esta afirmação, sem necessidade tle serem exauridos: no
ano de 1977 na Noruega a.s prisões dos distritos norte e oeste
continham um total de 4.125 detidos, dentre estes 4.116 ho-
mens e 99 mulheres, resultando um percentual de 97,5% de ho-
mens e 2,50% de mulheres.; na Suécia, no ano de 1979, de um
total de 5.655 indivíduos sob condenação criminal (probation),
800 são mulheres, o que significa que 14,1% e de 10.822 con-
denados à prisão, 299 são mulheres, alcançando, pois, 2,76%;
na Espanha, no ano de 1980, a prisão de Falência continha 75
homens e 2 mulheres, o que dá 2,5%; a prisão de Guadalajara
continha 158 homens e nenhuma mulher; em julho de 1981 a
prisão de homens de Barcelona encarcerou 2.339 homens e a
de mulheres 108 reclusas, o que significa uma porcentagem de
mulheres de 4,45%; em 1979 a população penitenciária foi de
10.463 reclusos, dos quais 10.101 homens e 362 mulheres, cifras
que traduzidas à porcentagem chegam a 96,5% de homens e
3,5% de mulheres.
220
que seu próprio sistema marginaliza, mediante programas
de controle social de todos os níveis; o nível formal não se
isenta dessa implantação de novos elementos tecnológicos e
científicos para a normalização de todos os cidadãos.
Assim, pois, quanto mais avançado é económica,
tecnológica e cientificamente um país e mais anos de expe-
riência democrática viveu, maiores inovações de corte libe-
ral terá introduzido em seu sistema de controle formal, cujas
formas recobrem os objetivos científico e político-crimínais
de reabilitação, sendo a internação clínica social-terapêutica
sua forma mais completa. Os países escandinavos, Holanda
e Inglaterra representam, na Europa, este enfoque político-
-criminal.
Pelo contrário, a Espanha, país antiliberal e antide-
mocrático na década dos anos cinquenta a sessenta - quan-
do surge esta ideologia de reabilitação - representa um
panorama distinto: a prisão é praticamente o único sistema
de execução penal, com um regime disciplinar extremamen-
te rígido e existe como instituição paralela, embora pouco
aplicada, o internamento psiquiátrico forense, segregante e
cronificante, nos hospitais gerais, onde não se dispensa ne-
nhum tipo de terapia nem de controle do enfermo, de modo
que este é literalmente depositado, alienado para sempre da
sociedade e da superação de seu próprio conflito (Miralles,
1982).
O predomínio do uso da prisão com sua estrutura
regimental se mantém inalterado até nossos dias, inclusive
depois da introdução, pela Lei Geral Penitenciária de 1978,
de terapias de todo tipo, inclusive comunitária, como méto-
do efetivo e elemento principal do objetivo ressocializador
da privação da liberdade.
Os aspectosde interesse no estudo do controle for-
mal da mulher são: o perfil da delinquência da mulher, que
mostra o tipo cie desvios que são criminalizados na mu-
lher; a aplicação da medida terapêutica, principalmente em
221
estabelecimentos e clínicas especializadas; as prisões para
mulheres, o sistema disciplinar e a situação das prisões para
mulheres em nosso país. Vamos estudar todos eles.
2. O Perfil da Delinquência da Mulher
Do estudo das estatísticas prisionais de vários países
se observa que o delito contra a propriedade, síndrome de
uma necessidade económica crónica de setores sociais em-
pobrecidos, é o mais representado.2
Na Espanha, as estatísticas de prisões nos últimos
anos mostram uma marcada evolução da mulher para uma
delinquência de tipo económico, condicionada tanto pelo
peso da crise económica nas zonas sociais empobrecidas
como pela diminuição do interesse por criminalizar condu-
tas de problemática estritamente moral.
As estatísticas cio ano de 1975 mostram que a mulher
está na prisão principalmente por delitos contra as pessoas,
categoria que alcança 45%, seguida pelos delitos cie tipo eco-
nómico em uma porcentagem de 25%; enquanto que neste
mesmo ano o delito económico do homem alcança a por-
centagem de 63,3%. Isto levaria a pensar que, em primeiro
lugar, na Espanha de 1975 se criminaliza a mulher em um
O roubo é o delito mais comum: na França, em 1977, de 851 mu-
lheres reclusas, 114 o estavam por roubo; o roubo e a falsificação
cie cheque eram as infrações mais frequentes na Holanda em
1975, com uma população penal de 45 mulheres; na Dinamarca
as estatísticas do ano cie 1972 mostram que as infrações mais
representadas na prisão se referem a delitos com interesse eco-
nómico; laclroagens e furtos (28%), fraudes (15,6%), falsificação
de documentos (15,6%) e outras ofensas contra a propriedade
(12,6%), enquanto os delitos sexuais obtiveram 4,7% e a violência
contra as pessoas 6,3%. Nos Estados Unidos em 1973, de um to-
tal cie 868 detenções, 615 eram por roubo; na Noruega em 1973,
de um total cie 243 reclusões, 35 eram por roubo e 19 por fraude.
222
tipo de delinquência derivada de conflitos surgidos na área
de suas relações endógenas, com membros de sua família ou
em relações também privadas paralelas ao mundo familiar.
Não obstante, este quadro muda. Os dados que reco-
lhemos no ano 1980 durante nossa visita às prisões de mu-
lheres cie Madrid e de Valência, e no ano de 1982 na prisão
de mulheres de Barcelona, mostram um perfil distinto de
criminalização, que obviamente responde a uma mudança
na estrutura de mentalidade de nosso país com relação à
mulher.3
Em outubro de 1980 201 mulheres se encontravam reclusas no
Complexo Penitenciário feminino de Madrid, conhecido como
Yeserías. Destas, 185 por delitos, 57 como apenadas, 84icomo
presas preventivas comuns e 2 como presas preventivas peri-
gosas; 2 mulheres em medida de segurança de reeducação; 12
em trâmites cie expulsão do território nacional e 2 em trânsito.
As 185 mulheres reclusas por delitos se distribuem segundo as
seguintes categorias delitivas:
Delitos de sangue: homicídio: total cie 39; 25 cumprindo con-
denação e 15 presas preventivas; representam 23,&% do total
pesquisado.
Delito económico: roubo, total 40; 19 condenadas e 21 preven-
tivas. Furto tal 12; 5 condenadas e 7 preventivas. Fraudes: total
5; 3 condenadas e 2 preventivas. Outros: total 7; porcentagem
total 40%.
Delitos de terrorismo: total 21: 2 condenadas e 17 preventivas;
representando 11,3% das reclusões.
Delitos contra a saúde pública: 8 apenadas e 24 preventivas; 17,
3% cias reclusões.
Os poucos dados que obtivemos em 1980 cio cárcere de mu-
lheres de Valência, relativos às 17 mulheres presas preventivas,
mostram um panorama parecido; os ataques à propriedade
são mais numerosos: 6 mulheres por roubo e 2 por veículo
automotor, completando 8 mulheres; 6 mulheres por homicídio
e l por lesões, somando 7 casos.
223
Estes dados mostram um aumento dos delitos de
tipo ou objetivo económico e uma diminuição dos delitos
característicos de sangue com uma significação privada. Se
comparamos estes dados com os do ano 1975, referidos a
toda a população feminina, observamos que a representa-
ção de ambas as categorias de delitos se inverte, de modo
que os delitos de sangue representam 45% em 1975 e 23,7%
em 1980; enquanto que os económicos aparecem em 25%
em 1975 e 40% em 1980. Surge'm ainda, em 1980, os delitos
de terrorismo (11,3%) e o tráfico e uso de entorpecentes
(17,3%). Parece que não só a crise económica, mas também o
tipo de atuação da polícia, que se foca atualmente em ações
delitivas como roubos, assaltos e drogas, são os fatores que
se conjugam para chegar a mudar o perfil da criminalização
da mulher em nosso país.
Em fevereiro de 1982 há 93 mulheres mantidas na
prisão de Triniclad de Barcelona. As estatísticas dos delitos
dessas mulheres refletem a mudança que a problemática so-
cial e moral da mulher está enfrentando, e ao mesmo tempo
mostram que os conflitos íntimos e afetivos são os que pre-
dominam em delitos de sangue. Ilustremos esta afirmação
com números: Em primeiro lugar, de 93 mulheres, somente
duas estão presas por prostituição e outras por efetuar prá-
ticas abortivas sobre outras mulheres. A criminalização des-
tas condutas representaria, sobretudo, o peso cia moral do
duplo Standard sexual em uma cultura social intolerante e
moralizadora na consideração dos direitos da mulher para a
determinação de questões em que está diretamente e priva-
damente envolvida. Na realidade, são tipos legais muito pou-
co aplicados, ainda que criminalizem condutas amplamente
praticadas, com grande visibilidade pública, especialmente
a primeira, e sempre com grande cumplicidade. Condutas
que entram na categoria dos chamados "delitos sem vítimas"
que se caracterizam por obter um alto nível de consenso
na adaptação social, que satisfazem desejos e interesses to-
224
talmente privados sem resultar dele qualquer vítima senão
a defesa cia moral social tradicional, que por si mesma não
goza já de consenso, por causa cia ampla margem outorga-
da à liberdade individual pelas mudanças sociais que nosso
país experimentou nos últimos anos, levando uma maior
tolerância às questões privadas de cada indivíduo (Lamo de
Espinosa, 1982).
Em segundo lugar, os dados mostram que os ataques
à vida alcançam a cifra de 11, os quais sobre 93 mulheres
representam 11,9% das prisões. Os conflitos no âmbito fami-
liar e íntimo predominam como desencacleantes deste tipo
de conduta.4
Em terceiro lugar, da observação dos dados sobres-
sai a importância da delinquência com um motivo econó-
mico. Os delitos contra a propriedade totalizam 31 casos, o
que se traduz numa porcentagem de 33,3%; deles, o roubo é
o delito mais apresentado, com 21 casos; seguido com uma
importância muito menor o furto, com três casos, o assalto,
com três casos, a fraude, com três casos e a apropriação in-
débita, com um caso.
Há, contudo, outros delitos que juridicamente não
atacam a propriedade, como o tráfico de entorpecentes e al-
gumas falsificações, mas que a nosso entender têm um mo-
tivo eminentemente económico, ou seja, que são condutas
que acontecem para satisfazer necessidades económicas; as
Com efeito, esmiuçando esta cifra de 11 casos por delito encon-
tramos 3 parricídios, 2 homicídios (do amante), 2 assassinatos,
l homicídio por sequestro de criança por motivo económico de
resgate (pressionada pelas constantes exigências económicas
do marido, diz a acusada) e l infanticídio, do filho recém-nas-
cido de uma jovem de 21 anos (nascida em Cádiz, faxineira,
grávida de quem não a desposou, quis esconder dos pais, com
quem vivia , e, diante da impossibilidade de fazê-lo, matou
logo após o nascimento).
225
estatísticas mostram que na prisão de Barcelona estão pre-
sas 22 mulheres por tráfico de entorpecentes e3 mulheres
por falsificação, o que alcança o número de 25 casos, que
expressados em termos de porcentagem representa 26,8%
das prisões. Se somamos a esta porcentagem o relativo aos
delitos contra o património, 33,3%, encontramos que 60,1%
das mulheres presas cie Barcelona o estão por delitos que
implicam, diretamente uma problemática de tipo económi-
co, com predomínio de ações que necessitam da força para
ocorrer ou que acontecem em zonas marginalizadas, como
são o roubo e o tráfico de drogas, índices da infraestrutura
deficiente do mundo social da população penitenciária.
Entretanto, sobressai a importância dos delitos de
sangue quando comparamos as estatísticas carcerárias espa-
nholas com as de países europeus de capitalismo avançado,
já que nas estatísticas desses países os delitos graves contra
a vida são mínimos ou estão ausentes. Podemos interpretar
este feito no sentido de que o infanticídio, o parricídio ou
o homicídio de maridos ou amantes, ao serem geralmente
delitos provocados por graves problemas de marginalização
da mulher, não ocorreriam neste países onde a miséria e a
pobreza social estariam em princípio resolvidas pelos dife-
rentes programas sociais estatais de ajuda económica dentro
cia estrutura cie integração do Estado de bem-estar social,
assim como pela aceitação do aborto e sua inserção na prá-
tica sanitária pública. Contudo, a explicação mais real está
em que os delitos de sangue, ainda que cometidos em me-
nor quantidade, existem sim, mas recebem como medida de
política criminal a internação em uma clínica especializada,
o que elimina sua representação nas estatísticas carcerárias.
Como já vimos, a escassa delinquência da mulher foi
distorcida por explicações de índole patológica e foi levanta-
da a ideologia de cavalheirismo pelos juizes e policiais, que
como homens antes de representantes da justiça protegiam
a mulher poupando-a de ser presa e processada. Entretanto,
diversos estudos mostram que as razões são outras, eviden-
ciando-se a falsidade desta problemática por seis situações
objetivas.
Primeiro, como aponta Davies (1977), se criminaliza
a nível legal, na lei penal, condutas que se referem ao âmbi-
to masculino ou feminino, mas se concentra desde um início
a diferente pressão do controle nos âmbitos do homem e
da mulher. A imensa maioria dos tipos penais se referem a
proteção do âmbito público, onde o homem principalmente
atua; e além disso, somente há três tipos delitivos que ex-
clusivamente se referem a questões particulares da mulher:
o infanticídio, a prostituição e certas modalidades de aborto.
Segundo, entretanto, em condutas de âmbito público
e de índole moral pública a mulher é condenada com maior
frequência que o homem. Isso se explica porque são ações
que não implicam um ataque importante a bens jurídicos,
mas que implicam na mulher um desvio de seu papel tradi-
cional, especialmente nas relações sexuais. Assim, as condu-
tas de tipo moral-sexual se castigam com maior frequência
cio que no homem. Espanha, país em que esta situação é
característica, mostra que o ano 1975 havia nas prisões 6,8%
de homens e 19,64% de mulheres por delitos contra a hones-
tidade. Enquanto em outros países, onde a liberação da ide-
ologia de dependência sexual da mulher obteve uma ampla
tolerância social, que se refletiu no controle formal, como é
o caso da Noruega, oncle em 1860 havia 61% de mulheres
condenadas por estes delitos, já em 1905 havia 13% e em
1971 0,4%, descenso devido à despenalização de condutas
que antes eram consideradas como ofensas públicas por se-
rem ofensas à moralidade. Na prostituição temos o exemplo
mais contundente da aplicação do duplo standard sexual
na prática penal e legislativa, já que uma mesma conduta,
"oferecer e solicitar relações sexuais mediante pagamento",
leva à incriminação do oferecimento da mulher e não a so-
licitação cio homem.
226 227
Nas instâncias formais o controle da mulher também
se exerce na esfera de sua sexualidade; esta "sexualização"
das condutas clelitivas se inicia já nas instituições de menores,
onde, como apontam Chesney-Lind (1974) e Klein (1973), as
menores que chegam nas instituições detidas por condutas de
desvio, como são as fugas, furtos ou vagabundagem, sofrem
um exame ginecológico com o fim de detectar a presença de
relações sexuais que, existindo, passam a formar parte da co*n-
duta desviante da adolescente, convertendo-se no fundamento
das ações de controle. O sistema de controle formal, depositá-
rio cia moral tradicional, está interessado em quebrar desde seu
início a vivacidade, o interesse e a participação igualitária da
mulher em um estilo de vida alternativo (Chesney-Lind, 1974).
Na-Espanha, as medidas aplicadas pelo Tribunal Tu-
telar de Menores são um perfeito exemplo deste feito. Gi-
menez-Salinas (1981) mostra como o ano de 1976, de 25
meninas condenadas por "conduta imoral", 12 recebem
como medida a internação longa e 2 a internação curta; no
total, pois, 14 internações, que representa 5% das medidas
contra 3% cie internações nos meninos para estas ações, no
mesmo ano (páginas 98-100).^
Terceiro: outras categorias de delitos que se crimina-
lizam na mulher entram na categoria denominada "delitos
de status" (status offences) que implicam em um ataque da
mulher ao seu papel social; são condutas como: conduta de-
sordenada, fugas de casa, vadiagem, vagabundagem, que na
realidade podem ser referidas a vagas normas de decência e
sujeição familiar, exigidas à mulher desde cedo. Aponta Ches-
ney-Lind (1974) que a mulher só não é mais condenada por
estas condutas que o homem, mas que sofre em maior medi-
da a reclusão preventiva e é condenada a penas mais longas.
Para um estudo mais detalhado do tema é possível consultar:
Herschel Prins, 1980, Offenders, deviants ofpatients; e CAKOL
SMART, 1976, Women crime and criminology.
Quarto: ademais as mulheres são detidas e condena-
das por infraçòes cie gravidade muito baixa, quando os ho-
mens nestes casos não são condenados nem detidos (Nagel,
1972); e como estas mulheres não têm nenhuma educação
nem profissionalização, são pobres e jovens, recebem com
maior frequência uma sentença indeterminada (Davies, 1977,
p. 268). Tomemos como exemplo as pequenas rapinagens e
furtos de objetos de pequeno valor; não é de se depreciar ,
que na Noruega as estatísticas de 1973 mostrem que de um
total de 243 mulheres na prisão, 42 estão presas por peque-
nos furtos e 44 por rapinagens. Quanto às menores, aponta
Mawby, citada em Davies (1977), que nos Estados Unidos as
jovens são levadas a uma instituição com maior frequência
que os jovens por razões "não criminais", apelando a razões
preventivas de proteção/'
Quinto: quando a mulher é primária, é presa como
preventiva numa proporção de mais de cinco vezes que o
homem (Prins, 1980, p. 304) e, ademais, nos casos em que
a mulher é condenada a uma sentença curta de prisão, o
homem é absolvido ou colocado em liberdade condicional
(Prins, 1980, p. 304). Apoiam este fato Goodman e Price
(1907) e Walker e McCabe (1973), argumentando que a mu-
lher responde mais favoravelmente que o homem a penas
curtas cie prisão, talvez porque a mulher reage melhor como
indivíduo a medidas cie coerção por ser "mais sensível para
adquirir e manter as boas opiniões dos demais sobre ela"
(em Prins, 1980, p. 305).
Sexto: sobre a atitude mais severa da justiça para
com a mulher delinquente é revelador o público juízo de
valor efetuado por um estudo patrocinado pelo Estado de
Washington (citado em Davies, 1977, p. 269), no sentido de
que os cidadãos "consideram que o delito é muito mais sério
Uma exposição ampla cleste aspecto se encontra na obra cie NA-
NETTE DAVIES, 1977, Feminism deviance and social cbange.
228 229
na mulher que no homem, e recomenda [o estudo] um trata-
mento mais duro para a mulher delinquente". "Entretanto, é
factível que o tratamento judicial discrimineem favor da mu-
lher de classe média, vendo-a como não culpável, enquan-
to persegue rigorosamente as mulheres de classe baixa por
entendê-las como perigosas" (p. 269). Quando falamos de
classe social baixa e classe marginalizada tratamos de dois
tipos de zona social, ambas penalizadas como expressão
de uma ação de poder máxima, justamente para perpetuar
nelas a condição de marginalização e de falta total cie acesso
às zonas de poder social e político: as zonas pobres e de mi-
séria e as zonas da juventude são as mais marcadas; nestas,
mulheres se reencontram: as mulheres mais jovens e mais
pobres. Esta é, em última análise, a variável que atua como
constante para dirigir a atuação das instâncias de controle
formal por meio do filtro que sua atuação admite, para asse-
gurar que o máximo de poder do Estado se exerça sobre as
zonas que têm um mínimo de poder.
3. O Tratamento Social-terapêutico
Vimos que o uso cio controle informal da mulher
opera entre amplas margens, dentro das quais se destacam
o controle familiar da educação, o controle médico por au-
tocontrole ou por delegação familiar e as internações perió-
dicas em clínicas privadas ou públicas pela via familiar. Os
deveres, os conflitos e a rebelião se consumam em âmbito
privado e o controle que se desdobra se refere sempre ao
mais íntimo da mulher: sua psique. O básico, pois, na edu-
cação e nos controles privados se centraliza na problemática
psicológica do afeto e da culpabilidade, de modo que todo o
mundo da mulher se define por características endógenas, já
que ao conter seu conflito e sua rebelião dentro do psicoló-
gico é negado seu significado social e sua definição histórica
(Pitch, 1975, p.3).
230
Este mesmo raciocínio é seguido pelo controle for-
mal dentro da mesma engrenagem ideológica: a psiquiatria
assegura a imposição disciplinar através da autoridade, a for-
ça da moral, a culpabilidade e a negação de toda capacidade
de decisão, ou seja, a dependência total e absoluta. É, pois,
interessante constatar que o impacto terapêutico permeia a
área do controle formal na época da organização de progra-
mas sociais de reeducação nos estados de bem estar social;
daí que nestes países, a partir dos anos cinquenta, surgem
estabelecimentos clínicos para o tratamento de delinquentes.
Apesar da terapia ter se iniciado no controle formal
para o tratamento de delinquentes sexuais masculinos, na
clínica fundada pelo médico dinamarquês Sturup foi con-
siderado que este tipo "alternativo" de controle foi aplicado
em maior medida para o tratamento da mulher e que -ele
supôs uma mudança de perspectiva com respeito ao contro-
le formal da mulher, porque não foi difícil superar a prisão
como forma de controle, embora a terapia social não tenha
implicado em um aumento da incriminação.
Entretanto, entendemos que o impacto da terapia so-
cial como controle formal deve ser concentrada em termos
mais qualitativos que quantitativos, pois quantitativamente
o número de mulheres submetidas à terapia continua sendo
escasso comparado com o de homens.
Contudo, a clínica social terapêutica chegou a suplan-
tar o regime carcerário da mulher em alguns países e é tam-
bém utilizada como única medida de controle para certos
tipos de delitos, sendo uma prática processual extensamente
utilizada pelos juizes. Tudo isto responderia à receptividade
do controle formal ao impacto que foi suposto pela psiquia-
trização da sociedade; e que especialmente se faz efetiva no
controle da mulher pela força que têm as concepções de índo-
le biológica e psicológica na explicação do desvio da mulher.
É, pois, pela importância qualitativa cia terapia social
na mulher que incluímos este tema neste capítulo dedicado
231
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ao controle formal da mulher. Seu estudo exige que se trate
o tema em seus aspectos teóricos gerais, que podem ser refe-
ridos também ao controle do homem, e que se exponha seu
funcionamento no terreno empírico do controle da mulher.
Queremos ressaltar quatro pontos neste tema: a) como
o conceito de terapia social surge no marco da desinstítucio-
nalização e como evolui para sua aplicação em internação; ò)
a definição de doença mental na mulher e sua adequação ao
papel "doente-paciente"; c) o tratamento social terapêutico e a
organização da clínica, e d) a situação na Espanha.
a) Muito se escreveu sobre o conceito e alcance da
terapia social para se referir sempre a uma medida de ajuda
terapêutica de tipo psicológico efetuada sobre indivíduos em
liberdade, ou seja, integrados na sociedade, sobre a ideia rei-
tora de que somente se pode capacitar alguém a viver nor-
malmente em sociedade por métodos que por si consistam
em um tratamento que possibilite, durante sua execução, a
vida social do indivíduo. Este tipo de nova terapia ia supor,
portanto, uma mudança radical na lógica de funcionamento
do sistema de controle formal até então existente: sistema
que encarcerava o indivíduo e, pela segregação da socie-
dade e o isolamento no próprio estabelecimento (grupos
de internos por classificação separados dos demais), queria
chegar a sua ressocialização. A falha evidente deste sistema,
por sua própria incongruência, determinou que nas refor-
mas dos anos cinquenta se pensasse em eliminar imediata-
mente o obstáculo cia falta de integração social cio indivíduo
que se quer ressocializar.
Destas primeiras ideias muito pouco ficou na práti-
ca da terapia social; melhor dizendo, tudo ficou menos sua
ideia essencial: a integração social. Atualmente no campo
da execução penal pelo tratamento se pode somente falar
da primazia da execução de tratamento por cima cia tera-
pia social, e isto porque o tratamento acontece em clínicas
fechadas ainda que sejam denominadas "estabelecimentos
sócio-terapêuticos". A terapia social é um dos métodos que
se utilizam e implica em uma "amplificação e melhoramento
da ação terapêutica em quanto se consegue colocar em ação
métodos terapêuticos decididamente mais amplos e mais
exigentes [...] por isso a terapia social está em situação de
dar um impulso inovador na execução penal normal" (Kau-
fmann, 1979, p. 240).
Há que se distinguir, pois, entre execução de trata-
mento, entenclo-a como a execução penal normal que trata
em regime fechado os presos "selecionados com seu assenti-
mento" (Kauffmann, 1979, p. 239) e terapia social, que pode
ser também realizado na execução penal já que têm um mes-
mo objetivo: a prevenção da reincidência; mas se separam
pelos métodos, já que em toda execução de tratamento há,
implícita, uma subordinação às necessidades regimentais dis-
ciplinares, enquanto que na terapia social prevalecem sobre
as normas disciplinares as necessidades de ressocialização.
A crítica mais importante que foi levantada à terapia
social é aquela que a entende como produto clireto cia "ide-
ologia cio tratamento", porque amplia o conceito de doença
e, portanto, atribui a necessidade cie tratamento, e afinal, a
colocação sob o controle formal, de um número maior de
indivíduos; isto é baseado na afirmação de que o compor-
tamento desviante tem, ademais, uma qualidade diferente
do comportamento adequado, realidade da qual é difícil,
aponta a crítica, dar provas empíricas. Com esta ampliação
do conceito de doença a situações conflitivas oncle a proble-
mática social é preferente, estende-se desproporcionalmente
a aplicação destas medidas, que se apresentam como ajuda
científica mas que são impostas por meio de pautas de do-
minação (Peters e Peters, 1970).
Kauffmann (1979, pp. 242-251) defendeu abertamente
as premissas ideológicas e conceituais da terapia social, nas
quais adquire importância a definição do que se entende por
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Balão de comentário
doença mental e os tipos de tratamento aplicados nos esta-
belecimentos social-terapêuticos. Argumenta esta autora que
os clientes destes estabelecimentos são delinquentes que em
certa medida "efetivamente padecem sua delinquência", ainda
que muitos não a demonstrem; de modo que somente depois
do diagnóstico individual se conhece o sofrimento deste in-
divíduo (p. 244); daí a primeira necessidade da clínica sócio-
-terapêutica. Este sofrimento, em parte consciente e em parte
reprimido, é expresso por Sturup (1968) quando define os
delinquentes que trata em sua clínica como "dirigidos por im-
pulsos de pensamento e conduta que os impelem à conduta
antisocial, apesar de sua vontade e desejos". O padecimento
admite toda classe de gradações, "desde o padecimento ex-
tremo até a completa insensibilidade" (página 244).
Parte-se, pois, de um conceito cie doença extrema-
mente amplo, que abrange qualquer tipo de causa de pade-
cimento de cará ter psíquico, o que leva a englobar quase
por completo toclo tipo cie criminalidade. Não obstante,
Kauffmann (1979, p. 250) opta por ampliar ainda mais o âm-
bito de indivíduos que podem ser submetidos a tratamento
nos estabelecimentos social-terapêuticos, quando afirma que
ao encarar aos internados cio estabelecimento como doentes
se corre o perigo de que se auto desculpem, sendo passivos
ao tratamento que, pelo contrário, requer para seu êxito as
forças do internado para que seja útil. De tal modo, é pre-
ferível para esta autora trabalhar com o conceito de doença
estendido à opinião pública, em cuja génesis desempenha
um importante papel o rigor moral primitivo que tende a
sociedade e que há de se levar em conta, pois desempenhou
um importante papel na biografia de cada internado.
Não obstante, aponta Kauffmann (1979, p. 251), o im-
portante para a terapia social não é um conceito concreto de
doença e que a partir dela se selecionem os sujeitos internos
das clínicas submetidos a este tipo de terapia; e isto por duas
razões: 1) porque o entendimento conceituai da palavra "te-
rapia" orientado ao entendimento conceituai científico das te-
orias de terapia gerais, não implica em modo algum que o
delinquente respectivo seja considerado como "doente", mas
sim como um homem ao qual se oferece ajuda para solucionar
problemas; 2) porque o conceito de "terapia" não significa de
modo algum que as causas dos fatos puníveis só sejam procu-
rados na personalidade cio autor. O conceito está aberto a toda
teoria da criminalidade; especialmente não exclui tampouco o
tratamento do pano de fundo social geral da criminalidade e
não impede a inclusão terapêutica, frequentemente necessária,
da rede de relações sociais em que vive o autor (pp. 251-252).
Até aqui poderia ser compreensível o enquadramen-
to conceituai elaborado por Kauffmann e o conteúdo do sig-
nificado que clá à terapia social, se esta fosse executada em
estabelecimentos abertos com uma forte integração do indi-
víduo ao seu meio; nesta situação terapêutica pode sim ser
efetiva uma ambientação terapêutica da família do paciente,
mas tudo isso perde seu sentido quando a terapia social é
forçada a ser implantada em clínicas fechadas, nestes es-
tabelecimentos social-terapêuticos que encerram por prazo
indefinido delinquentes dos quais se infere que necessitam
ajuda, sendo assim que o fundamento para tal seleção não
se encontra em nenhuma base conceituai precisa, mas chega
a envolver qualquer tipo de problemática.
b) E aqui passamos a considerar o segundo aspecto
imediatamente conectado com o primeiro, referido à definição
específica da doença mental nestas clínicas terapêuticas. Partir
cio pressuposto prático de "ajuda ao que padece", criado pelos
defensores cia terapia social, evita que se tome qualquer postu-
ra com relação ao epíteto de doente, que na realidade se cria
quando se impõe sobre um indivíduo algum tipo cie terapia. E
é evidente que a imposição terapêutica que se impõe à mulher
no sistema de controle formal se efetua sob a crença de uma
desordem mental subjacente a sua problemática delitiva.
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Riscado
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Balão de comentário
epítetonull1. palavra ou expressão que se associa a um nome ou pronome para qualificá-lo.null"qual o melhor e. para tão notável beleza?"null2. qualificação elogiosa ou injuriosa dada a alguém; alcunha, qualificativo. "imbecil é o e. que melhor lhe cabe"
sophh
Destacar
Entende-se que neste amplo campo das condutas
não existe ofatorzero, ou seja, a carência total de um pano
de fundo patológico, ainda que a problemática delitiva que
se tenha expressado tenha algumas implicações e origem
marcadamente social. Daí se pôde afirmar, como fez Kau-
ffmann (1979, p. 247), que se comprovaram empiricamente
as conexões entre criminalidade e psicose e, portanto, ofun-
) somático que se pôde manifestar no indivíduo em crise
psicótica e em formas concretas de criminalidade; de modo
que se possa afirmar que a neurose é uma doença muito
extensa entre os delinquentes.
A partir dessa abordagem, as desordens sociais que
levam a um marcado desvio ou a um determinado ato delitivo
são convertidas em desordem mental nos estabelecimentos
psicoterapêuticos, dentro da área do controle formal. Tome-
nos um exemplo de importância: a classificação do desvio da
mulher no estabelecimento clínico de Holloway em Londres
(Inglaterra), a antiga maior prisão cia Inglaterra para mulhe-
res, hoje convertida em centro clínico psiquiátrico. Em 1977,
Loway abrigou uma média de 1.358 internas. Estas mu-
lheres são consideradas "mentalmente anormais", implicando
a imposição deste termo ao desvio por parte cias mulheres
normas cie tipo social e psicológico. Na formação des-
te conceito cie "mentalmente anormal" desempenharam três
categorias distintas: a) Diagnóstico psiquiátrico, especialmen-
te esquizofrenia, tratada psiquiátrica ou farmacologicamente.
b) Amplo diagnóstico psiquiátrico de "personalidade desor-
denada", tratado farmacológica, psiquiátrica ou socialmente
(terapia social), c) Diagnóstico de "psicopata" ou "sociopata",
tratado por médicos psicológicos ou terapia social. É indicado
no registro cia clínica Holloway que a maioria das mulheres
entram nas categorias de diagnóstico b e c, ou seja, que sua
"mentalidade anormal", sua "patologia" provém ou se forma
o desvio das exigências sociais que estão implícitas nos di-
reitos e deveres cie seu papel tradicional (Prins, 1980, p. 314).
236
É evidente que o controle formal segue a mesma estra-
tégia cie definição cia mulher que os controles informais, já que
a situação da mulher não se define socialmente por fatores de
implicação histórica, como seriam os conceitos de opressão e
exploração, que diretamente exigem uma conexão de análise
sócio-política, embora já desde o âmbito informal a situação da
mulher é interpretada por fatores onde cada aspecto tem sua
especificidade, onde o psicológico, derivado das características
biológico-sexuais, entra em primeiro plano e cujo conjunto não
pode ser reconduzido a características gerais (Pitch, 1975, p. 5).
No que diz respeito à mulher, esta é em geral boa
paciente; nisso desempenha um papel importante sua de-
pendência, que foi usada para ser definida pelos outros, de
forma que em seu eventual internamento clínico não lhe
é difícil aceitar as respostas e soluções (diagnóstico e tra-
tamento) que a clínica dá ao seu caso. Falou-se também
nesta questão - ou seja, na aceitação passiva pela mulher
do rótulo de doente - da falta cie reação pessoal da mulher;
descrevem-na os próprios funcionários de Holloway, que re-
lacionam esta atitude com a terapia que lhes é administrada.
Diz-se em Holloway que a maioria das mulheres delinquen-tes não sabem levar bem suas relações pessoais e são inep-
tas para se amoldar à vida em comunidade; são muitas vezes
incoerentes, sem terem nenhuma prática de pensar e resol-
ver seus problemas, o que tem levado a introduzir na clínica
os chamados grupos de conselho (group counselling), as
comunidades terapêuticas em pequeno número e outras for-
mas protetoras de psicoterapia (Kelley, 1975).
c) O terceiro aspecto trada da aplicação da medida te-
rapêutica e a organização cia clínica social terapêutica que a
aplica. Embora a terapia social se empregue em vários paí-
ses, centralizamos nossa exposição nos sistemas da Holanda e
Suécia, países arquétipos; na comparação destas medidas, sua
frequência e a de prisão, no sistema de clínicas, cletendo-nos
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na terapia administrada na clínica da Holanda, do doutor Van
der Hoeven, por ser a mais importante que atende mulheres.7
No sistema penal holandês há dois institutos punitivos:
a pena privativa de liberdade e as medidas de segurança, ambas
impostas pelo juiz da sentença. As penas são sempre determina-
das e 3/4 são cumpridas em reclusão carcerária e 1A em liberdade.
A prisão é para o cumprimento de penas longas e as casas 'de
detenção (remand House), para penas curtas. As medidas de
segurança são indeterminadas,' decretadas pelo juiz depois de
ter ouvido o diagnóstico da clínica psiquiátrica de observação
(POK = Psiquiatric Observation Klinik) de Utrech, com capaci-
dade para 50 homens e mulheres e um moderno equipamento,
o do departamento de observação da casa de custódia de Ams-
terclam e dos serviços psiquiátricos cios distritos.
O diagnóstico da POK pode ser pedido pelo juiz na
instrução do processo, assim como quando se está cumprin-
do uma pena determinada na prisão e se apresentam pro-
blemas mentais, diagnosticados como mentally disturbed, e
pode levar ao diagnóstico cie "mentalmente insano parcial".
Desde 1952 se efetuam na clínica testes clínicos de perso-
nalidade completos; embora não haja normas que fixem os
fatores que se estudam, no geral se efetuam diagnósticos de
desordem de personalidade, o histórico dos conflitos no tra-
balho, os delitos cometidos, o perigo de fuga, o tipo de ame-
aça à comunidade e se decreta o tratamento mais pertinente.
Na POK, selecionam-se os diagnosticados para dis-
tribuí-los nas diferentes clínicas públicas ou privadas. Se não
há lugar imediato na clínica de destino, espera-se na prisão,
isolada. Há estatísticas dos diagnósticos em sentença, mas
não se dispõe de informação sobre o número de detidos na
prisão que são transferidos às clínicas sociais terapêuticas.
Para uma ampla informação sobre medidas terapêuticas, testes
psiquiátricos e psicológicos e clínicas especializadas na Alema-
nha, Holanda e Dinamarca, se pode consultar a obra de Hilde
Kaufman, 1979. Ejecución penal y terapia social.
238
A reclusão em uma clínica especial é uma medida que
se chama oficialmente "detenção ao prazer do Governo" (De-
tention at the Government's pleasuré) e que ordinariamente
se denomina TBR. Na seção 37, parágrafo l cio código penal,
nota-se que "ninguém será castigado por um delito pelo qual
não é responsável devido a um desenvolvimento defeituoso
ou incapacidade de suas faculdades mentais". Sobre um nú-
mero de aproximadamente 40.000 sentenças por ano, 12.000
condenam à prisão e de 100 a 200 à TBR. Esta medida pode
ser decretada isolada ou cumulativamente à pena cie prisão.
O termo psicopata é o que se utiliza atualmente com
referência aos indivíduos sujeitos a uma ordem TBR, enten-
dendo-se assim como infratores as pessoas a quem tenha
sido aplicada a lei para psicopatas (Psychopath Acf), concei-
to, pois, legal, distinto ao conceito ao médico e que contém
diversas categorias mentais.
Os tipos de delito pelos quais se recebe uma ordem
TBR são tanto os de índole violenta, como sexual, como
aqueles contra a propriedade. As estatísticas dos anos 1977
e 1978 mostram respectivamente: delitos de violência, 239 e
246; ofensas sexuais, 81 e 81; contra a propriedade, 83 e 60
(Care of the Criminal Psychopatbs Service, 1977).
Há sete clínicas na Holanda que atendem a infra-
tores da lei penal: estas clínicas são tanto do Estado como
de gestão privada. Há duas clínicas do Estado: a do doutor
Van Mesdag em Groningen e Veldzicht em Avereest. E cinco
clínicas privadas, que por acordo com o Governo reservam
grande parte de sua capacidade para infratores condenados
à medidas de segurança indeterminadas (a indeterminação
é a primeira exigência das clínicas): clínica doutor Henri
van der Hoeven em Utrecht; clínica professor mister W. P. J.
Pompe em Nijmegen; Vereniging Rekkense Inrichtingen em
Rekken; Hoeve Boschoord em Vledder e Groot Batelaar, que
é um centro aberto. Dessas, as clínicas mais importantes são:
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1. A clínica do doutor Van Desdag em Groningen, si-
tuada em uma antiga prisão, está extremamente vigiada e às
vezes é usada como prisão de segurança máxima; nela estão
presos os autores de delitos violentos; são indivíduos subme-
tidos às medidas de segurança e considerados como casos
especiais, e "os casos especiais que não podem ser tratados
na prisão, que são quase um caso psiquitátrico" (declarações
obtidas em entrevista). Pelo artigo 120 da Lei de Prisões se
envia a uma clínica de máxima segurança os indivíduos que
durante o cumprimento da sentença se tornaram loucos ou
cuja conduta causa problemas na prisão. Não há estatísticas
publicadas sobre estes envios nem o número nem as razões
das transferências. Até mesmo a uma equipe de investiga-
ção do Instituto de Criminologia da Universidade Livre de
Amsterdam sobre o Controle da Mulher nos anos 1979-1981
foi negado qualquer tipo de informação. "Necessitam uma
terapia mais intensa, maior ajuda, e a clínica de Groningen
é o melhor lugar para isso porque é o mais fechado, com
grande número de assistência pessoal" (declarações obtidas
em entrevista)8.
Os internos que provêm da prisão permanecem na
clínica pelo tempo estipulado na sentença, não se podendo
8
 Tanto os dados objetivos como as estatísticas e os comentários
sobre o sistema terapêutico da clínica do Doutor Van der Hoe-
ven foram obtidos por Teresa Miralles em janeiro de 1980, por
documentos solicitados ao Ministério da Justiça pelo doutor em
psicologia Sietse Steenstra, professor do Instituto de Criminologia
da Universidade Livre de Amsterdam e por entrevista com uma
psicóloga, funcionária do Ministério da Justiça a cargo da super-
visão das instituições de mulheres. Outros dados sobre medidas
TBR nos foram proporcionados por John Vervaele, candidato ao
doutorado em criminologia pela Universidade de Amberes. As
estatísticas da clínicas, de 1982, e das prisões, de 1981, nos foram
enviadas por Hugo Durieux, periodista da revista holandesa KRI,
especializada em questões institucionais e agências de controle.
240
retê-los indeterminadamente. Contudo, as guardiãs desta clí-
nica de Groningen, que são mulheres, e que vigiam constan-
temente o preso e trabalham conjuntamente a terapia com
ele, não estão de acordo com que haja um tempo fixo de es-
tadia subordinado à pena determinada, argumentando que
desta maneira não se pode fazer o trabalho corretamente.
2. A clínica do doutor Henri van der Hoeven em
Utrecht é a maior em que há terapia para mulheres; foi a
única até pouco tempo atrás, já que atualmente há outra
clínica para mulheres em Rekken. Embora seja privada e de-
dique a maior parte de sua capacidade a mulheres tratadas
privadamente, reserva 80 vagas para o tratamento de delin-
quentes cuja proporção é de 65 homens e 15 mulheres. A
medida deTBR não é muito aplicada; as estatísticas do ano
de 1971, nos meses cie fevereiro, maio, agosto e novembro,
dão um total de 147 mulheres que entraram sob o controle
de instituições penais; delas, 74 são condenadas à casa de
custódia, onde se cumprem penas muito curtas de prisão;
4 em detenção (preventiva), 62 recebem pena de prisão e 7
vão à clínica sócio-terapêutica. Segundo nossa informação,
obtida em janeiro cie 1980, ou seja, 9 anos depois, a propor-
ção sócio-terapêutica aumentou nestes anos.
Qual o passado institucional das pacientes submeti-
das a uma medida TBR? A doutora Roosenburg, diretora des-
ta clínica durante muitos anos, escreveu em 1966 que quase
70% clelas foram tiradas de suas casas antes dos 18 anos e
colocadas em algum outro lugar; 20% estiveram em famílias
adotivas e mais da metade em uma ou várias instituições
para crianças. Um quarto delas teve sua primeira condena-
ção antes dos 16 anos e mais da metade antes dos 18 anos
com uma heterogénea carreira criminal, sentenciadas pelo
menos seis vezes. A metade esteve em clínicas estatais para
criminosos mentalmente insanos e 55% foi para instituições
privadas e hospitais psiquiátricos. Estas mulheres chegaram
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a passar 90% de seu tempo em instituições (pp. 7-8). São as
chamadas delinquentes perigosas e o tratamento é de tipo
reabilitador para que desenvolvam modelos alternativos de
conduta menos agressivos (Roosenburg, 1973, p. 168). As-
sim, uma medida TBR responde a duas necessidades: prote-
ger a sociedade de delitos graves cometidos por perturbados
mentais e proporcionar ao enfermo o direito a um tratamen-
to adequado (Care oftbe Criminal Psycbopatbs Service, 1977,
p.5). Para ser efetivo seu programa de tratamento social tera-
pêutico, a clínica Van der Hoeven é de tipo fechado.
O tratamento se foca no desenvolvimento das poten-
cialidades sociais que se encaixem ao paciente; o programa
de tratamento individualizado se descreve à paciente e se
tenta fazê-la compreender o perigo que ela representa para a
sociedade. Assim, pois, segundo o que nos diz Roosenburg,
todo início de terapia exige que cada paciente se considere
não só mentalmente enferma, mas também um perigo para
a sociedade e aceitar que a sociedade a teme; a partir daí
tem que assumir o tipo de tratamento diagnosticado e a
quantidade de liberdade de movimentos que são concedi-
das a ela: negação de saídas, sair acompanhada, fornecer a
relação de pessoas com quem estabelecerá contato em suas
saídas. As relações com o exterior, amigos e família são de
maior importância para a execução do tratamento. Contu-
do, já que muitas das pacientes não tiveram uma família
propriamente dita, a clínica se encarrega de encontrar uma
família substituta perto da clínica, de características sócio-
-culturais parecidas com as da paciente para que entre em
contato, visite e trabalhe com ela sua terapia (Roosenburg,
1966, pp. 9-11).
Um dos aspectos do tratamento reside em trabalhar
junto com a paciente as relações desta com a sua vítima e o
mundo desta, para que comece a entendê-la como um ser
humano e não como um objeto sobre o qual abusou; para
que compreenda a capacidade de sofrimento daquela. Com
242
isso surgem novas emoções que permitem à paciente sair de
seu isolamento e cie seus sonhos diurnos; tal tipo de terapia
é especialmente importante para os delitos contra a pessoa
e a permitem enfrentar uma mudança de conduta, mudança
que se inicia quando a paciente entende o dano que causou e
entra na via da reconciliação (Roosenburg, 1973, pp. 168-169).
A vida da clínica é gerida por pacientes e funcioná-
rios, por meio de comités e subcomitês. Cada paciente vive
em um pavilhão junto a outros 12 pacientes e 3 guardiões;
ali se desenvolvem a psicoterapia e o trabalho que efetuam
em conjunto, se obtém lucro económico e se ensina uma
profissão (Roosenburg, 1966, p. 9), embora em nossa visita
efetuada em janeiro de 1980 o tipo do trabalho fosse manual
e desclassificado (exemplo: confeccionar flores de plástico).
O salário é inferior ao mínimo e se distribui de modo que
4/5 são destinadas ao tratamento e guarda da clínica e 1/5
para uso cia paciente; quando trabalha fora da clínica pode
guardar para seus gastos 1/3 de seu salário.
Estimula-se o amor ao trabalho por um sistema de
faixas de mérito, de modo que negar-se a trabalhar implica
em expulsão da competição; não diz Roosenburg se esta
negativa é também considerada falta às normas de disciplina
e se implica em castigo; tampouco isso me foi esclarecido
em minha visita em janeiro cie 1980. A estadia na clínica é
indeterminada; somente quando os psiquiatras e psicólogos
no comando de sua terapia consideram que está reabilitada,
em harmonia com o mundo e com sua vítima, poderá sair
da clínica. Não podemos conseguir dados sobre as estadias
médias das mulheres nas clínicas, mulheres delinquentes pe-
rigosas e doentes mentais.
Atualmente, em 1982, existem na Holanda duas clí-
nicas para mulheres, ambas privadas. Na clínica Van der
Hoeven havia, no dia 1° de março de 1982, 65 homens e
8 mulheres, e na clínica Rekken, 30 homens e 7 mulheres.
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O total é, pois, de 15 mulheres, o que implica em 3,8% de
mulheres sob controle psiquiátrico.
Comparando as estatísticas de clínicas e prisões9
se extraem as seguintes conclusões; 1) aumento do uso da
prisão como controle da mulher (ver estatísticas de 1975):
há mais prisão e maior número de mulheres reclusas; 2) a
medida clínica se manteve constante desde 1971, e 3) a pro-
porção de mulheres é tão escassa nas clínicas (3,86%) como
nas prisões (2,62%). Do que se deduz que o pouco uso do
controle carcerário não está compensado pela utilização da
clínica como controle formal.
O sistema penal sueco aplica também a medida so-
cial terapêutica em clínicas fechadas em elevada proporção
para mulheres. Os dados que apresentamos foram obtidos
por meio de uma colega criminalista que efetua investiga-
ções em uma clínica para mulheres em Estocolmo; foram
enviados em março de 1981 e, segundo aponta Leander, foi
extremamente difícil obter dados sobre as mulheres no siste-
ma formal: as referentes à prisão foram negadas e das quatro
clínicas que há no país, somente teve acesso a algum dado
As estatísticas da prisão em 1981 (outubro), para depois se com-
parar com as da clínica: a capacidade total para homens nas
prisões é de 3.747 vagas e a reclusão efetiva é de 3.778; para
as mulheres a capacidade é de 116 vagas e a reclusão efetiva é
cie 102, que , que se reparte do seguinte modo: 53 em prisão
preventiva, 6 em detenção, 36 condenadas e 6 em outras cir-
cunstâncias. Há três prisões de mulheres: Amsterdam (Singel),
Maastrichl e Groningen. Amsterdam, com capacidade para 70
e reclusão efetiva de 69, destas, 38 preventivas, 3 em detenção,
21 condenadas, l em espera de internamento em clínica e 6
sem especificar. Em Maastricht a capacidade é de 36 vagas com
um efetivo de 27 mulheres, destas 14 são preventivas e 13 con-
denadas; em Groningen há capacidade para 10 mulheres, com
um número efetivo de 6, das quais l é preventiva, 3 estão em
regime de detenção e 2 são condenadas.
244
da clínica em que trabalha como psicólogo; mas o trabalho
está tão dividido em pequenos compartimentos por subes-
pecialidades que não se pode ter acesso ao que está fora do
estreito campo em que se trabalha.
Durante a instrução do processo, a mulher está deti-
da como preventiva ou em liberdade; em ambos os casos o
juiz pode solicitar um exame psiquiátrico que se efetua em
quatro clínicas e é realizado em regime fechado para as pre-ventivas ou em regime cie ambulatório para as mulheres que
estão em vida livre. Segundo Leander, os juizes pedem um
exame psiquiátrico prévio à sentença para todas as mulheres
que respondem processo penal, fato que não acontece com
tanta extensão com relação aos homens. Na clínica se reali-
zam todos os tipos de exames psiquiátricos e a partir deles
a clínica pode recomendar ao juiz o tratamento psiquiátrico
em regime fechado ou aberto, ou a prisão, com fundamento
em três categorias de diagnóstico: 1) "Não comparável": não
há anormalidade que peça um tratamento especial, reco-
mendando-se seu envio a uma prisão; 2) "insano": definição
legal que se refere aos deficientes mentais que podem ser
tratados psiquiatricamente em regime fechado ou aberto, e
3) "comparável": há uma anormalidade mental de tal profun-
didade que se há de comparar à insanidade; recomenda-se
tratamento psiquiátrico em regime fechado ou aberto ou em
instituições especiais (sócio-terapêuticas) com tratamento
social, especialmente para os diagnósticos de psicopatia.
O juiz não está obrigado a seguir as recomendações
clínicas em sua sentença, mas normalmente o faz em quase
todos os casos. Sentenciar a tratamento psiquiátrico não im-
plica que o indivíduo seja considerado inimputável, mas em
vez disso continua sendo visto como culpável do ato deliti-
vo; quer dizer que o diagnóstico clínico não afeta a decisão
judicial sobre a culpabilidade, mas é unicamente pertinente
em termos do tipo de execução que será melhor para sua
individualidade.
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Karen Leander ressalta a escassa proporção de ho-
mens e mulheres que são enviados às clínicas especiais,
tendo em conta a enorme quantidade de dinheiro que foi
utilizado para implantar estes programas e a publicidade
que o Governo os deu. Os dados do quadro seguinte para
Total de
Total de
Insanas
Quadro
exames psiquiátricos
mulheres examinadas
(regime aberto)
Comparáveis (clínica)
Não comparáveis (prisão)
1
1978
610
35
7
14
14
1979
585
45
18
15
12
•
1980
571
34
12
9
9
A partir dos dados do quadro, entende-se que a me-
dida clínica especial que se impõe à categoria de "compa-
rável" e a de prisão para a categoria de "não comparável"
é quase a mesma em ambas e, se consideramos os casos
de insanidade (7, 18 e 12), vemos que mais da metade das
mulheres examinadas psiquiatricamente recebem uma re-
comendação para o tratamento psiquiátrico; enquanto isso,
nestes mesmos anos, a relação numérica para homens em
categorias "comparável" (tratamento psiquiátrico) e "não
comparável" (prisão) mostra um predomínio da medida de
prisão: em 1978 há 185 "comparáveis" contra 260 "não com-
paráveis", em 1979 há 186 contra 252 e em 1980 há 170
contra 232. Leander especifica que se poderia generalizar
dizendo que são destinadas à prisão as infratoras por delitos
contra a propriedade e o uso e tráfico de drogas, enquanto
que recebem uma sentença de tratamento psiquiátrico as
infratoras contra a vida e outros delitos com violência.
246
Do estudo dos dados dos países Holanda e Suécia
resultam os seguintes pontos: 1) Nestes países a implanta-
ção de medidas socioterapêuticas em regime aberto é mui-
to escassa, não justificando a grande propaganda política e
científica que se propiciou por seus governos desde os anos
cinquenta. 2) É muito difícil, e na prática quase impossí-
vel, realizar medidas socioterapêuticas em regimes fechados,
pela incapacidade de combinar as exigências destas terapias
e o peso da rejeição social que a loucura e a inferiorida-
de social destas mulheres implica. 3) Também em regime
fechado a aplicação da medida terapêutica é escassa, pelo
que a hipótese de que a representação escassa da mulher na
prisão era compensada por seu elevado número no campo
psiquiátrico destes países não parece exata à luz das poucas
estatísticas de que dispusemos; 4) Do ponto de vista dá re-
lação entre tipo de delito e aplicação de medida psiquiátrica
ou carcerária, a panorâmica destes países leva a entender
que a escassa ou nula representação na carceragem de deli-
tos violentos e contra a pessoa se deve a sua orientação ao
sistema cie controle formal no campo psiquiátrico.
d) Em nosso país não existe nenhum tipo de es-
tabelecimento clínico especial onde se realize um sistema
de tratamento de integração social; tampouco o tratamento
individual e de grupo se efetua nas prisões de mulheres
(ver ponto 4 deste capítulo). Em nosso país os juizes podem
enviar a um hospital geral sob custódia quem é acusada de
um delito se, seja pelo tipo de delito ou pela conduta da
acusada, entende o juiz que é mais apropriada a reclusão
em um hospital psiquiátrico. Estes casos são numericamente
irrelevantes; em Barcelona em janeiro-fevereiro de 1982, nos
8 hospitais gerais, não chegavam a três os casos de interna-
mento judicial, e sempre por delito de narcóticos (Miralles,
1982). Há unicamente um estabelecimento psiquiátrico para
mulheres contíguo a prisão e que está no Complexo Psiqui-
átrico Feminino de Madrid, estabelecimento que visitamos
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em outubro de 1980. Naquela data atendia a 18 mulheres
consideradas doentes mentais - delas, duas meninas muito
jovens - por droga, e duas mulheres consideradas perigo-
sas que estavam em celas, fechadas e algemadas; a situação
de uma delas é um caso a considerar como exemplo do
tratamento psiquiátrico de tipo unicamente farmacológico e
segregante que se efetua em nossas carceragens, que foge
do diálogo e perpetua a mulher em sua situação de choque
ininteligível para ela mesma.1()
Quando uma mulher condenada ou em qualidade
de preventiva, reclusa em uma prisão, mostra sintomas cie
um grave problema psiquiátrico que, diz-se, dificulta sua
convivência com as demais reclusas, pode ser enviada pela
direção ao hospital geral psiquiátrico ou ao Psiquiátrico cio
Complexo Penitenciário Feminino de Madrid.
' A mulher havia sido encerrada no psiquiátrico por mandado
judicial de Jerez de Ia Frontera. Com quatro filhos, muito po-
bre, o marido alcoólatra e violento ameaçava levar o menor
dos filhos, com 14 meses. A mulher ameaçava com uma faca
quem se aproximasse dela e de seu filho, que não soltava dos
braços. No psiquiátrico, ela recebia sedativos que a mantinham
dormindo, com os pés e mãos amarrados; foi separada do filho
"porque os remédios adulteravam o leite do peito com o qual
alimentava a criança". Formou-se um círculo vicioso: quando
a mulher acordava e reclamava pelo filho, ao não ser atendida
nem permitir-se vê-lo, ficava enfurecida e lhe administravam
novamente calmantes. A mulher se encontrava neste estado
há duas semanas no momento de nossa visita. A psiquiatra
do estabelecimento, considerada "muito progressista", nem quis
discutir o caso, para ela tudo estava muito claro: aquela mulher
prejudicava o filho (criança que estava perfeitamente saudável
e feliz). Não obstante se mantinha a prioridade psiquiátrica: o
tratamento farmacológico mais tradicional e a segregação da
mulher cie seus objetos de afeto e de vida: o filho.
248
As escassas cifras de internamentos judiciais ou fo-
renses em hospitais gerais e o escasso número de mulheres
ingressas no Psiquiátrico cio Complexo Penitenciário Femini-
no de Madrid mostram até que ponto a medida de controle
psiquiátrico de tipo formal é escassa em nosso país, irrele-
vante para significar uma alternativa à prisão como controle
da mulher.
4. As Prisões de Mulheres: o Regime Disciplinar
Nesta seção nos referimos unicamente a aspectos es-
pecíficos do regime penitenciário em prisões de mulheres.
Como disciplina, junto ao regime comum pode haver nas
prisões demulheres um regime mais duro, cie maior segu-
rança; o regime comum pode apresentar características es-
peciais. Ilustramos isso com exemplos de diferentes países.
Em 1975 existia somente uma prisão de mulheres na
Holanda, com capacidade para 60 mulheres; em setembro
de 1975 continha um número efetivo de 45 reclusas. Havia
dois tipos cie regime muito distintos, o comunitário e o de
isolamento, em cuja divisão operam como base ideológica
as atitudes de duplo Standard de divisão tradicional entre
sexos com um conjunto de características aplicadas a mu-
lher. De modo que a mulher que apresenta as característi-
cas tradicionalmente imputadas à feminidade é colocada em
regime comunitário, cujo ambiente físico recorda muito o
de uma grande casa ou um alegre hospital; as funcionárias
levam uniforme de enfermeira e se relacionam constante-
mente com as reclusas cie modo similar ao da relação mãe e
filha. Neste regime paternalista há de 16 a 22 presas (ou seja,
não chega à metade da população carcerária). As mulheres
durante o dia vivem e circulam por todo o recinto, portas
abertas, conversando, vendo a televisão, escutando música,
e ficam vestidas com aventais brancos. As celas são chama-
das quartos, as paredes são brancas com flores, quadros,
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cortinas. Trata-se de criar uma atmosfera acolhedora que
recorde o lar, como diz a díretora, "para que os filhos que
vêm visitar suas mães não saibam que estão em uma prisão".
1
 No regime de isolamento as presas ficam fechadas em suas
celas (aqui já não são quartos) e não têm o menor contato
com os funcionários, que usam uniforme; tem pouco»conta-
to entre elas e nenhum tipo de distração (música, televisão
etc). Neste regime baseado nas premissas de contenção e
disciplina de ferro estão as reclusas mais jovens ou mais
agressivas, cuja conduta se considera "tipicamente masculi-
na". Estas são as presas segregadas das características da pri-
são, embora sejam mais numerosas que as presas em regime
ordinário. Quer dizer, o sistema disciplinar que se apresenta
como exceção se aplica a mais da metade das reclusas.
Os ciados e informações que apresentamos nos fo-
ram passados em setembro de 1975 por entrevista com o
doutor Carol, da Universidade Erasmus de Rotterdam, a
quem visitamos, quando a visita que havíamos solicitado
por vias oficiais nos foi denegada pela diretora da prisão
com o argumento de que não queria que pessoas de fora da
prisão fossem estragar com sua visita o ambiente que tinha
em sua prisão.
No ano de 1980 começa a funcionar uma nova prisão
de mulheres junto ao novo complexo penitenciário de Ams-
terdam, no bairro de Singel, que consta de seis grandes tor-
res das quais em 1980 duas estavam habitadas por homens,
120 em cada uma, e uma terceira ainda sem encher. Uma
quarta torre para homens em conflito, onde as celas são
menores, e uma torre que é a prisão de mulheres com capa-
cidade para 70. Visitamos uma única torre que não está ocu-
pada, assim como aspectos comuns das torres de homens.
Está aqui implícita a atitude social de exigir da mulher uma
superioridade moral, depreciando, por consequência, a mulher
delinquente, a vergonha dos filhos.
250
De novo me foi denegada a visita à prisão ou à torre de
mulheres, argumentando que faltava tempo necessário para
cruzar a torre. Além disso, a diretora (a mesma de 1975?) é
muito restritiva na hora de conceder visitas; apesar disso, a
torre é igual à que verei desocupada. A prisão é totalmente
eletrônica, com um sistema de painel eletrônico que dirige
todas as portas e inclusive recebe sinal se a presa se aproxi-
ma cios vidros da janela.
Na entrada do complexo penitenciário há o mesmo
tipo de controle eletrônico, com seis telas que mostram a en-
trada de cada uma das seis torres. É muito moderno, limpo,
com plantas tropicais ao gosto holandês e as paredes e teto
de uma cor bege claro e com luz ténue constante dia e noite,
a fim de que tudo se possa ver pelo televisor. Se o prisio-
neiro pede, apagam a luz de sua cela durante a noite. Cada
piso da torre tem uma sala de controle eletrônico protegida
por vidros especiais, uma salinha e uma sala de jantar; ao
redor cio amplo corredor estão as celas. 24 por andar, com
celas individuais amplas e limpas com seu lavabo. No último
andar, as celas de isolamento. É curioso constatar que nas
torres de homens com capacidade para 120 há previstas 3
celas cie isolamento (castigo), enquanto que na torre para
agressivos e na torre para mulheres, ambas com capacidade
para 70 pessoas, as celas de isolamento previstas são 6. O
chefe de disciplina que me acompanha na visita não sabe
a que responde esta diferença; mas diz que, muito embora
acredite que as poucas celas de isolamento para os homens
respondem ao fato prático de que para estes se dispõe da
torre de agressivos, com 70 celas especiais mais as 6 de
isolamento. Isso é correto? O chefe de disciplina não sabe o
que responder.
Há duas categorias de presas: as preventivas e as con-
denadas; estas, classificadas e separadas em dois grupos se-
gundo o delito cometido, a partir do que se inferem distintas
características da mulher. Um grupo cuja atividade principal
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é o tráfico e obtenção de droga e que está relacionado com
prostituição, roubo e desordem. Traficar com drogas define
um tipo cie vicia criminoso. Neste tipo as mulheres são jovens,
entre 20 e 24 anos, e causam poucos problemas na prisão. O
segundo grupo agrupa a delinquência clássica, geralmente
violenta: infanticídio, homicídio e fraudes; as sentenças são
mais longas, pelo que a média da idade das mulheres é mais
elevada. Geralmente, seu comportamento na prisão é mais
violento e muitas vezes são enviadas às clínicas especiais (Van
der Hoeven e as psiquiátricas de outros centros).
Haveria mudanças em relação ao regime disciplinar
da antiga prisão de Rotterdam, à qual a torre substitui? Não
muitas, ainda que haja uma diferença quanto ao trabalho, já
que as presas preventivas estão somente sob custódia e não
trabalham, não querem trabalhar, mesmo diante do interesse
por parte cia direção em que o façam junto das sentenciadas.
Estão todas juntas nos andares, as mulheres com longas sen-
tenças (segundo grupo) e as jovens cio grupo um, inclusive
as preventivas; isto se deve ao fato de assim se querer evitar
a sínclrome de reclusão nas mulheres de penas longas. Há
que matizar, não obstante, o regime penitenciário segundo
os grupos; geralmente, as mulheres do segundo grupo são
mais controladas por medicamentos ou por isolamento.
Houve outra mudança importante com relação à an-
tiga prisão de Rotterdam, no sentido de que aqui há mais
instalações, salas de televisão, esportes e outros tipos de
atividades recreativas realizadas em grupo e escolhidas pela
própria presa. Mas quando se indagou ao chefe de seguran-
ça, que o regime disciplinar mudou por completo em relação
ao cie 1975 em Rotterdam - sempre segundo as informações
do doutor Carol - este apontou que "também há mulheres
jovens agressivas que estão colocadas no primeiro grupo e
também nos encontramos com mulheres muito sociáveis no
segundo, já que, de fato, com mulheres não se pode esta-
belecer regras objetivas, tem que ir a cada tipo de pessoa".
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O que não mudou em absoluto desde 1975 é a ati-
tude cie desvalorização social com a mulher delinquente, já
que a necessidade de esconder aos filhos que visitam sua
mãe o fato de que esta está na prisão leva os guardiões a
vestirem como uniforme uma saia azul escura e blusa azul
clara, uniforme das antigas enfermeiras, de modo que, sa-
lienta o chefe de segurança, seus filhos acreditam que a mãe
está em um hospital.
"Por que é melhorque os filhos acreditem que a mãe
está em um hospital?" "Porque na sociedade, quando se sabe
que o vizinho (homem) está na prisão, tudo bem, admite -
-se; mas, quando se trata da mulher, é muito ruim. Os filhos
também podem dizer ao vizinho que o seu pai está traba-
lhando fora de casa, mas não podem dizer isso da mãe."
O chefe de segurança do complexo penitenciário novo de
Amsterdam em 1980 nos mostra uma atitude muito definida
para com a mulher.
As mulheres podem ter consigo na prisão seus filhos
desde o nascimento até os 9 meses e, inclusive, até os 13
meses se a mãe solicita e a diretora aceita, o que geralmente
acontece quando a sentença a ser cumprida é longa.
Na Dinamarca há uma prisão preventiva para mulhe-
res com condições restritivas de isolamento celular comple-
to, com trabalho individual na cela somente para clistração
da presa. O tempo de estadia mínimo neste regime é de 14
dias, podendo chegar a vários meses. Para as mulheres con-
denadas, havia até 1975 uma só prisão: Horserocl, que é um
estabelecimento fechado fora da cidade com várias casas de
madeira, quatro delas ocupadas por mulheres e o resto por
homens. As casas-prisão de mulheres estão cercadas com
pilares de madeira e ferro; as mulheres tem um regime dis-
ciplinar muito mais restritivo que os homens.
A partir cie janeiro de 1976 abre-se a prisão de Ringe
para presos submetidos a longas penas. É cie grande segu-
rança, com regime misto para mulheres e homens e pavi-
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Ondulado
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Ihões somente de homens. Fica no campo, construída num
pequeno vale, de modo que a prisão, ao estar em parte bai-
xa do vale, desaparece da paisagem. A máxima segurança
da prisão requer um sistema de controle eletrônico, última
invenção do princípio benthamiano de inspeção. Os presos
têm de 16 a 25 anos de idade.
Dentro deste sistema misto há de ressaltar as pres-
sões a que está submetida a mulher. Esta não pode pedir
traslado cie andar, enquanto os homens podem, estando as-
sim forçadas a conviver em um mesmo andar, a tolerar as
intromissões dos demais, especialmente homens, ainda que
não queiram. Em cada andar misto há 15 pessoas, delas de
2 a 7 são mulheres, estão sempre em minoria, já que por
norma dos andares mistos há que haver uma maioria mas-
culina, estando proibidos, ademais, os andares de mulheres
sozinhas. Parece que a prisão mista foi criada pensando em
situações de interação social que aportam maiores vantagens
ao homem preso, enquanto que os interesses da mulher são
deixados totalmente de lado.
Estas são as principais conclusões com relação a es-
pecial situação da mulher na nova prisão mista a que chega-
ram Koch e Jensen (1980), depois de ter investigado durante
nove meses o regime e o funcionamento da prisão por meio
da observação participante e entrevistas; as autoras passa-
ram alternadamente 12 semanas na prisão explicando aos
presos sua investigação e puderam conviver com eles sem
nenhuma dificuldade. Suas conclusões ao serem publicadas
foram pouco mais que toleradas, já que criticavam ou con-
tradiziam aspectos que o governo havia feito uma publicida-
de muito positiva e otimista.2
As informações sobre o sistema dinamarquês me foram pro-
porcionadas em janeiro de 1981 por Ida Koch, candidato a
doutor em Psicologia do Instituto de Criminologia de Cope-
nhageni.
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Na Espanha, no complexo penitenciário feminino de
Madrid, em outubro de 1980 havia quatro tipos de regime
disciplinar com separação estrita das mulheres a eles subme-
tidos: ingressos, comum, terroristas e psiquiátrico.
O regime no pavilhão de ingressos é de isolamento
total. O regime comum divide as presas entre as não mães
e as mães que convivem com seus filhos; ambos os grupos
têm dormitórios e refeitórios separados, mas vagam livre-
mente pela prisão, quase todas elas sem trabalho. No pavi-
lhão celular estão as terroristas dos grupos ETA e GRAPO,
têm cozinha e sala de jantar comum, duas salas de reunião
e diferentes quartos para dormir; totalmente separadas da
vicia da prisão, o trato com as funcionárias é de total despre-
zo com as presas e muito tenso. No pavilhão psiquiátrico,
casinha rodeada de um pequeno jardim e isolada por uma
enorme porta de ferro e um alto muro, há 18 mulheres total-
mente perdidas em suas solidões e no tratamento de drogas,
inclusive injeções e algemas.
Em Barcelona, a Comissão de Direitos Humanos do
Parlamento cie Catalunha conclui o relatório de sua visita
à prisão de mulheres efetuado no dia 3 de junho de 1981,
sobre o regime disciplinar. Existe o regime cie isolamento
celular de extremo rigor no qual estão duas mulheres pre-
ventivas acusadas de terrorismo. As presas comumente são
colocadas em regime de convivência. As presas se queixam
à comissão de que o trato humano das funcionárias é dife-
rente segundo sua condição económica e que o regime inte-
rior de tipo comum imposto pela diretora é frequentemente
humilhante e rígido em excesso. Tais declarações coincidem
com as cie algumas funcionárias, para quem a diretora me-
nospreza as internas e não crê em absoluto na possibilidade
de sua reeducação (p. 12).
Os exemplos que apresentamos mostram que a prisão
como controle formal continua tratando a mulher a partir das
expectativas sociais sobre seu papel tradicional e dos valo-
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rés nele implícitos. Porém, ao mesmo tempo, fica claro que
quando a mulher vai para a prisão, ali a espera um regime de
disciplina tão duro como o do homem. Isso quer dizer que
a prisão funciona dentro do sistema ideológico que informa
as demais instâncias e que, por ser o controle mais extremo,
expressa de forma mais contundente a autoridade do Estado,
de modo que tanto mulheres como homens encarcerados so-
frem uma mesma submissão à autoridade estatal, perclendo-
-se, pois, na prisão, a singularidade de seus papéis sociais.
5. Principais Características das Prisões de
Mulheres na Espanha
Poderíamos resumir em quatro as características
das prisões de mulheres em nosso país: 1) Péssimo estado
das instalações, sem trabalho e sem terapia nem psicóloga.
2) Predomínio de presas preventivas. 3) Longas penas. 4)
Adaptação da mulher à superlotação e desordem.3
Primeiro, é evidente o péssimo estado das prisões
por falta de subvenções estatais para fazê-las funcionar den-
tro de condições mínimas, e já não dizemos satisfatórias: sa-
las de trabalho, enfermaria, cuidado médico, alas cie prisão
aberta, salas de recreação. O acondicionamento é, todavia,
pior que nas prisões para homens. Em outubro de 1980 o es-
tado cia prisão de detenção de Falência é deplorável, o aces-
so normal está fechado por inutilidade, tem-se que passar
por um labirinto de estreitas portas e corredores com velhos
As informações e os ciados que apresentamos neste trabalho
foram obtidos das seguintes fontes: visita de Teresa Miralles em
1980 ao Complexo Penitenciário Feminino de Madri e às prisões
de Palencia, Guadalajara e Valência. Visita de Teresa Miralles à
prisão cie mulheres de Barcelona em fevereiro de 1982, autoriza-
da para consultar as estatísticas e fichas e para conversar com a
diretora; e relato escrito cia Comissão Parlamentar da Catalunha
cie Direitos Humanos, que visitou as prisões no verão de 1981.
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móveis que impedem a passagem, a escada de madeira está
quebrada, não há lugar para estar: "total, para duas mulheres
que estão ali". Em Guadalajara todas as paredes têm mofo,
há colchões rasgados, queimados, vidros quebrados, suca-
teados: "total, não há mulheres". E se chegasse uma hoje? A
prisão de Valência é muito mais decente, mas sem trabalho,
sem celas para todas e nem diretora; quem faz suasfunções
é a chefe de vigilância. Em Madrid está tudo por ser feito,
as salas de jantar, cozinhas, corredores, jardim (jardim?) são
simplesmente deploráveis; o psiquiátrico sujo, velho.
A reação comum das diretoras destas prisões é dizer:
"Como somos poucas aqui em comparação com os homens,
pois somos esquecidas, não nos dão trabalho nem se con-
serta nada, não há terapia, nem psicólogo, nem criminólo-
go." E quando em uma prisão de homens se apontam estas
deficiências a razão é justamente a contrária: "porque somos
muitos, não se pode fazer nada".
Como força laborai de segunda ordem, a mulher só
encontra na prisão um trabalho completamente desclassifica-
do: manutenção da prisão e, no máximo, oficina cie trabalho
de montagem de flores de tecido e montagem de patins.4
Este trabalho nas modestas oficinas, as comunicações escas-
sas com familiares e amigos quando os têm, as permissões
para ver a televisão sem ouvi-la, pois não se consegue fazer
silêncio, são as únicas razões que podem justificar a luta
pela subrevivência em um mundo resignado ao abandono e
à miséria (Iglesia, 1982).
Não estamos a dizer, ao estudar as prisões de nosso país, que
estas carências sejam exclusiva da Espanha; pelo contrário, o
estudo de BAUNACH E MURTON (1968), nos Estados Unidos
da América cio Norte, faz um balanço de algumas prisões de
mulheres na Georgia, Carolina do Sul, Illinois e lowa; nestas as
instalações são péssimas; sem salas de recreação, sem ativida-
des, pouco trabalho, salários miseráveis, etc.
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Máquina de escrever
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Em Trinidad, s a prisão de mulheres de Barcelona,
não se respeitam as normas trabalhistas nem a segurança
social; o trabalho que ali se realiza é pago à parte. Com uma
jornada de trabalho de 8 horas, o salário não chega ao míni-
mo interprofissional. Como únicas reformas, observaram as
presas à Comissão de Direitos Humanos, em julho de 1981,
as efetuadas nas dependências e quarto pessoal da diratora.
O único pátio da prisão com árvores não pode ser usado
pelas presas nem por seus.filhos por proibição expressa da
diretora (Comissão de Direitos Humanos do Parlamento de
Catalunha, 1981, p. 11). São insuficientes os serviços de água
quente e calefação; é muito velho o instrumental da enfer-
maria e as instalações sanitárias são muito precárias. O úni-
co médico oficial é um ginecologista (p. 12).
Em nenhuma prisão cie mulheres da Espanha existe
a mínima possibilidade de assistência terapêutica, já que não
há psicólogas nem criminólogas, como exige a Lei Geral
Penitenciária. E precisamente ao se reduzir o número de in-
ternas reduzido, se poderia trabalhar em grupos, fazer algo
positivo e de interesse. A classificação nos três graus e a
reclassificação são efetuadas pela junta de regime.
As próprias condições da população penitenciária fe-
minina são deploráveis em suas possibilidades sociais, cul-
turais, profissionais e económicas.6
Enquanto este livro estava sendo impresso foi desalojada a pri-
são de Trinidad (Barcelona), para .ser utilizada como alojamento
de jovens detidos na Modelo, enquanto as mulheres foram tras-
ladadas para o antigo albergue de menores da Rua Wad-Ras.
Na prisão de Valência, durante minha visita em outubro de
1980, solicitei às reclusas informações sobre suas profissões.
De 32 mulheres, 27 informaram: 7 donas de casa, 2 sem tra-
balho, 5 faxineiras, 6 garçonetes/prostitutas, 2 dependentes,
l mendiga, l vendedora de trilhas, l vendedora cie tecidos, l
operária, l serviços administrativos.
258
Segundo, ressalta na Espanha o elevado número de
presas preventivas, e o largo espaço de tempo que perma-
necem nesta situação. Como exemplo são ilustrativos os cia-
dos obtidos em 1982 na prisão de mulheres de Barcelona:
cte 93 mulheres, 71 são presas preventivas, o que significa
76,3%. Destas, duas estão no cárcere desde 1979 (fevereiro
e outubro); sete desde 1980, treze desde a primeira metade
de 1981; vinte e quatro desde julho de 1981; e vinte e cinco
descle janeiro de 1982. Ou seja, mais cia metade delas estão
há pelo menos um ano na situação cie presas preventivas.
Terceiro, os delitos contra a vicia obtiveram penas
muito longas, oscilam entre 12 e 22 anos; os delitos relacio-
nados com estupefacientes obtiveram todos 6 anos e um dia;
os delitos cie roubo oscilam entre 4 a 6 anos (diversos rou-
bos; em um caso específico, 20 anos); as práticas abortivas
foram apenadas em dois casos a 6 anos e um dia (estatísticas
cie Barcelona, 1982).
O quarto aspecto se refere à situação miserável da
mulher na prisão, condicionada, a viver sempre aglomerada,
e a atitude cie abandono cia reclusa, de resignação, diríamos
mesmo de adaptação, que a princípio parece que não lhe
cabe. Na prisões visitadas há um movimento contínuo, mui-
to ruído, grandes grupos conversando, mulheres que pas-
sam o dia cie roupão. Contrasta com a forte tensão que se
respira em uma prisão de homens, para a qual não se pode
usar a explicação da superpopulação.7
Iglesias ressalta em sua reportagem que como a or-
dem é simbolizada em Madri, dentro da aglomeração e da
Já que uma explicação baseada na superpopulação das prisões,
ainda que muito utilizada pela Direção Geral Penitenciária para
lavar as mãos e assim neutralizar todos os aspectos negati-
vos, não pode aqui ser usada, pois existe ambiente tenso em
prisões que não chegam a sua capacidade total como Ocana,
Burgos, ou El Dueso, onde há amontoamento e desespero.
259
desordem, pelas cinco recontagens diárias a que cada presa
é submetida na prisão e no departamento a ela destinado.
A partir disso, se deixa que a presa ande desorientada pelas
grandes "ruas" da prisão. As instalações físicas da prisão,
deploráveis, a desorientação jurídica, o desamparo, levam a
viver em um mundo estreito, reiterativo e circular, no qual
lhe é sempre forçada a estar em um conglomerado humanp,
e é impossível a intimidade, o que leva a uma permanente
condição de aglomeração e promiscuidade,
Novamente a mulher se adapta a este mundo que
se lhe impõe; inclusive as mulheres que romperam com as
pressões conformistas de seu mundo, que são rebeldes às
expectativas sociais com condutas que negaram tudo que
se espera cie uma mulher. Uma vez "agarrada", se adapta ao
encarceramento com uma conduta que reencontra as bases
psicológicas negativas de sua educação, quando a mulher é
considerada como um ser sem decisão, superficial, sem res-
ponsabilidade, "como uma criança" que joga toda a sua vida.
Parece, pois, que se fazem patentes as pressões negativas da
educação quando a mulher se encontra diante da incerteza
de uma adaptação física e psicológica a um mundo estranho,
alheio e imposto.
260
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XVH. DROGAS E QUESTÃO
CRIMINAL
Por Carlos Gonzãlez Zorilla
1. A Noção de Droga: Classificação e Aspectos
Descritivos
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define como
droga "toda substância que introduzida em um organismo
vivo pode modificar uma ou várias funções deste".K A ampli-
tude desta definição obrigou a ulteriores posições por parte
de médicos e farmacêuticos e hoje é comumente admitido
que se deva entender como droga toda substância que, com
independência de sua utilidade terapêutica, atua sobre o sis-
tema nervoso central modificando a conduta cio indivíduo e
que após o uso contínuo pode criar o fenómeno conhecido
como fármaco-depenclência.
Entende-se por fármaco-dependência, segundo a
mesma OMS, um estado psíquico e às vezes físico causado
pela ação recíproca entre um organismo vivo e um fármaco
Os conceitos fundamentais manejados neste capítulo foram re-
colhidos em Laporte, 1976, pp.13-19 e ss.; A. Biron e outros,
1979, pp.20 e ss.; J.M.Valls Blanco, 1980, pp. 402 e ss.; Cancrini,
1977, pp. 3 e 23 e ss.; Arnao, 1978, pp. 29 e ss.; Freixa, Soler
Insa e outros, 1981, pp.3 e ss.
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