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Nutrição Animal Artigo Aproveitamento do farelo de açaí como recurso regional na ração de frangos de corte Jessica Karoline de Sousa Alves 1, Kemily Karoliny dos Santos Lima2, Laíssa Isabelle Miranda Alves ³ e Mayara Costa da Conceição ⁴ Resumo: O uso de subprodutos da agroindústria na alimentação de aves pode representar uma alternativa viável e eficiente para reduzir custos e incentivar práticas mais sustentáveis. Neste contexto, o estudo tem como objetivo formular uma ração e avaliar a inclusão do farelo de açaí como ingrediente alternativo na dieta de frangos de corte da linhagem Caipirão, durante a fase de crescimento. A escolha do farelo de açaí se justifica pela sua ampla disponibilidade na região Norte do Brasil, onde a agroindústria do açaí gera grandes quantidades de resíduos por ano que, muitas vezes, não são aproveitados. Para o experimento, serão utilizadas 10 aves com peso linhagem e idade semelhantes, divididas em dois grupos experimentais de cinco animais cada. O primeiro grupo será alimentado com a ração formulada contendo farelo de açaí, enquanto o grupo controle receberá ração comercial padrão. As aves serão pesadas a cada cinco dias, permitindo acompanhar o ganho de peso e a conversão alimentar durante o período experimental. Espera-se que os resultados indiquem a viabilidade nutricional e econômica do uso do farelo de açaí na alimentação de frangos, além de contribuir para o aproveitamento de recursos regionais e o desenvolvimento de sistemas de produção mais sustentáveis na avicultura. Palavras-chave: farelo de açaí; frango Caipirão; ração; ganho de peso; conversão alimentar; sustentabilidade; alimento regional; resíduos; 1. Introdução Em algumas regiões do Brasil, a restrição de recursos, somada ao alto valor das principais matérias-primas, tem alavancado uma demanda cada vez maior por pesquisas com alimentos alternativos em rações para aves. A região da Amazônia se destaca por suas inúmeras espécies nativas de plantas com potencial econômico, tecnológico e nutricional (Nascimento, 2010). Dentre as frutas estudadas, o açaí destaca-se como o fruto de maior importância da região Norte do Brasil (Queiroz; Melém Júnior, 2001). A polpa de açaí é o produto mais importante obtido do processamento do fruto (Menezes et al., 2008), porém representa apenas 10% da massa total, sendo as sobras descartadas como resíduo, o que corresponde a um volume considerável de rejeitos produzidos anualmente e descartados de forma inadequada, sem reaproveitamento (Jensen et al., 2008). Além disso, ao utilizar o farelo de açaí em dietas de aves, foi relatado que uma inclusão moderada pode proporcionar bons teores de fibras, além de causar efeito positivo no desempenho e nas funções digestivas (Rufino et al., 2021). Com base nessas informações, objetivou-se avaliar o aproveitamento do farelo de açaí como recurso regional na dieta de frangos de corte, considerando seu potencial nutricional, o efeito no desempenho produtivo e a contribuição para o aproveitamento sustentável de resíduos agroindustriais da região Amazônica. �2. Materiais e métodos 2.1 Aves Serão utilizados 10 frangos caipiras (linhagem Caipirão), com peso e idade semelhantes e em fase de crescimento, separados em dois grupos (n=5 aves/grupo): Grupo 1 : ração comercial. Grupo 2: ração formulada com inclusão de 10% de farelo de caroço de açaí (FCA). As aves serão adquiridas de um revenda comercial qualificada, com suas devidas vacinas, e passarão por período de adaptação de 3 dias às instalações experimentais e ao manejo alimentar. Durante o período experimental, as aves serão pesadas a cada cinco dias, a fim de monitorar o ganho de peso e o desempenho. 2.2 Local e instalações O experimento será conduzido em um galinheiro localizado em Mojuí dos Campos, com cobertura de fibrocimento, e cercado de madeira com tela galvanizada. O galinheiro possui dois compartimentos, um na parte de cima e outro na parte de baixo, possui altura total de 1,35 m, com largura de 65 cm e comprimento de 1,38 m. A parte de cima tem 70 cm de altura, e a parte de baixo, 59 cm. Ambos, possuem as mesmas medidas de largura e comprimento, onde em cada compartimento ficarão 5 aves. O piso será forrado com cama de maravalha, como prática recomendada para manutenção do conforto térmico (CASSUCE et al., 2013). Cada unidade terá um comedouro e um bebedouro, fornecendo ração e água. Por se tratar de aves em fase de crescimento, não será necessário aquecimento suplementar. 2.3 Processamento do Farelo de Caroço de Açaí (FCA) Os caroços de açaí serão obtidos em pontos comerciais de venda de açaí. Após a coleta, os caroços serão selecionados e lavados em água corrente para remoção de resíduos de polpa. O próximo passo visa a secagem dos caroços, com o objetivo de deixar a umidade entre ~10 - 12%, a secagem será feita ao sol,, onde iremos espalhar, em camada fina sobre lona limpa, mexendo de 3-4x/dia. A lona ficará protegida de chuva/sereno, essa etapa será realizada até que os caroços fiquem bem secos, "cantando" quando batem entre si. Para verificar se os caroços estão de fato bem secos, fazemos a pesagem, e colocaremos para secar novamente por mais 2-3h, em seguida pesamos outra vez e quando o peso estabilizar entre medições é o sinal que a secagem está completa. Logo em seguida, os caroços serão triturados e peneirados para obtenção do farelo de caroço de açaí (FCA). De acordo com Arruda et al. (2018), a utilização da semente sem mesocarpo é recomendada por apresentar melhor perfil bromatológico, como mostrado na Tabela 1, em comparação ao caroço integral, com menor teor de fibra e maior aproveitamento energético. O farelo do caroço de açaí caracteriza-se por apresentar teores relevantes de fibras insolúveis (principalmente lignina e celulose), além de lipídios e compostos bioativos, como polifenóis e antioxidantes (Silva et al., 2014; Santos et al., 2020). A inclusão de até 10% de farelo do caroço de açaí (FCA) em dietas para frangos de crescimento lento tem sido considerada viável e segura, sem comprometer o desempenho zootécnico (Arruda et al., 2018; Costa et al., 2017). Tabela 1. Composição bromatológica de diferentes componentes do caroço do açaí. AcM = semente de açaí com mesocarpo; AsM = semente de açaí sem mesocarpo, valores expressos na matéria seca. Valores são média ± desvio-padrão de cinco amostras. Dados adaptados de Arruda et al. (2018). Parâmetro AcM (com mesocarpo) AsM (sem mesocarpo) Energia bruta (cal/g) 4417 ± 0,02 4304 ± 0,01 Umidade (%) 43,01 ± 0,07 31,14 ± 0,05 Matéria seca (%) 56,99 ± 0,27 68,86 ± 0,42 Extrato etéreo (%) 0,78 ± 0,21 1,42 ± 0,19 Proteína bruta (%) 2,86 ± 0,03 3,78 ± 0,10 Matéria mineral (%) 1,27 ± 0,04 1,29 ± 0,01 Fibra bruta (%) 80,52 ± 0,56 77,20 ± 0,78 FDN (%) 87,02 ± 0,32 82,95 ± 0,13 FDA (%) 72,25 ± 0,19 46,53 ± 0,50 . Fonte: Adaptado de Arruda et al. (2018) 2.1 Formulação da ração A ração será formulada utilizando milho triturado, farelo de soja (45% PB), núcleo/premix de crescimento que irá conter macro e micro ingredientes, vitaminas e minerais, como calcário, fosfato, sal, aminoácidos (metionina, lisina), vitaminas (A, D3, E, complexo B), minerais (cobre, ferro, zinco) e aditivos (enzimas, absorventes de micotoxinas) e por fim inclusão do farelo de caroço de açaí, similar a metodologia descrita por Arruda et al. (2018). As misturas serão realizadas manualmente em sequência, iniciando com o milho e o FCA, depois com a adição do farelo de soja e a inclusão do núcleo conforme orientação do fabricante, até a completa homogeneização. O armazenamento será feito em sacos bem fechados de plástico grosso, onde iremos identificar com data de fabricação e guardá-los em local ventilado longe do chão, de umidade e de roedores. A introdução da ração com o farelodo caroço de açaí será feita de forma gradual até atingir o nível de 5% de inclusão. O nível de 5% foi definido por ser considerado seguro para aves em crescimento, uma vez que o farelo apresenta elevado teor de fibra e baixa energia metabolizável, o que pode comprometer o desempenho em níveis muito altos. Porém, estudos demonstraram que inclusões de até 10% não prejudicam o ganho de peso nem a viabilidade de frangos de crescimento lento (Arruda et al., 2018), mas a utilização de 5% foi escolhida de forma a garantir a adaptação e evitar possíveis perdas de desempenho. Tabela 2. Valores de composição química, aminoácidos e energia metabolizável dos alimentos, expressos na base da matéria natural. Itens Milho triturado Soja 45% PB (Farelo) Matéria seca, % 85,35 87,52 Proteína bruta, % 8,55 45,87 Extrato etéreo, % 5,11 1,57 Fibra bruta, % 2,10 4,82 Matéria mineral, % 1,43 5,78 Cálcio, % 0,02 0,27 Fósforo, % 0,33 0,61 Energia bruta, kcal/kg 3.850 4.038 Energia metabolizável, kcal/kg 3.650 2.850 Arginina 0,41 2,77 Fenilalanina 0,93 2,14 Histidina 0,26 – Isoleucina 0,28 2,20 Leucina 1,14 3,85 Lisina 0,25 2,66 Metionina 0,20 0,61 Treonina 0,33 1,73 Valina 0,42 2,42 Triptofano 0,05 0,36 Triptofano disponível 0,03 0,81 Fonte: Adaptado de Albino et al. (1982) – Composição química e disponibilidade de nutrientes em ingredientes para rações de aves. Comunicado Técnico n.º 34, Embrapa-CNPSA. 3. Problemas a serem observados Durante o desenvolvimento teórico do trabalho, percebemos que existem poucos estudos publicados sobre o uso do farelo do caroço de açaí na alimentação de frangos de corte. O farelo apresenta alguns desafios nutricionais, como o alto teor de fibras, que podem reduzir o aproveitamento dos nutrientes pelas aves (Arruda et al., 2018; Kumar et al., 2010). Sua composição também pode variar de acordo com o processamento, o que torna mais difícil ainda estabelecer um padrão para inclusão em dietas. Mesmo com essas limitações, estudos publicados anteriormente indicam que a inclusão de até 10% do farelo de caroço de açaí na ração não compromete o desempenho das aves, enquanto níveis maiores podem afetar o ganho de peso e a conversão alimentar (Arruda et al., 2018). Outro ponto importante é o cuidado necessário no armazenamento, já que a umidade do ingrediente pode favorecer a presença de fungos e micotoxinas (Oliveira et al., 2019). Assim, nosso planejamento foi feito de maneira simples e cuidadosa, buscando testar a inclusão do uso do farelo sem causar prejuízos ao desempenho zootécnico das aves. Referências ● Albino, L. F. T. et al. Composição química e disponibilidade de nutrientes em ingredientes para rações de aves. Concórdia: EMBRAPA- CNPSA, 1982. (Comunicado Técnico, 34). ● Arruda, A. M. V. et al. Potencial do caroço de açaí na alimentação animal: composição bromatológica e uso em monogástricos. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, v. 19, n. 1, p. 103-115, 2018. ● Arruda, J. de C. B.; Fonseca, L. A. B. da; Pinto, L. C. P.; Pinheiro, H. C. de O.; Monteiro, B. T. O.; Manno, M. C.; Lima, K. R. de S.; Lima, A. R. de. Açaí seed bran in the feed of slow-growth broilers. Acta Amazonica, v. 48, p. 298-303, 2018. ● Cassuce, F. N. et al. Avaliação do conforto térmico e temperatura adequada para frangos de corte. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 17, n. 2, p. 151-157, 2013. ● Embrapa. Orientações práticas de criação de frangos de corte e fábricas de ração. Brasília: Embrapa, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/. Acesso em: 26 ago. 2025. ● Jensen, G. S.; Wu, X.; Patterson, K. 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