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Bárbara Maia Brito PROBLEMA 6 – THE WALKING DEAD CASO CLÍNICO Bianca, 24 anos, parda, ajudante de cozinha, natural do Maranhão, queixa-se de manchas vermelhas no corpo há 8 meses, que não ardem, não coçam e não doem. Seu marido fez tratamento para hanseníase há 1 ano. Ao exame dermatológico apresentava madarose superciliar e discreta infiltração dos pavilhões auriculares, além de múltiplas lesões eritêmato- acastanhadas, infiltradas, disseminadas pelo tronco, abdome, membros e nádegas, com diâmetros variando de 1 a 5 cm. O exame de sensibilidade revelou hipoestesia térmica, dolorosa e tátil. O nervo ulnar estava espessado bilateralmente. Foi feito o diagnóstico de hanseníase virchowiana e iniciado tratamento com esquema terapêutico apropriado. Após 6 meses retornou ao ambulatório com numerosos nódulos acastanhados e dolorosos nos membros, associados a febre diária e mal-estar geral. Bianca ficou muito ansiosa e se questionava o porquê de ainda apresentar lesões na pele, mesmo tratando sua doença. INSTRUÇÃO Descreva a importância do diagnóstico correto da doença de Bianca e como isto implica no seu tratamento e prognóstico. TERMOS DESCONHECIDOS MADAROSE: Perda dos cílios e sobrancelhas HIPOESTESIA: Redução da sensibilidade de uma região do corpo OBJETIVOS DE ESTUDO 1. Descrever as diversas formas de apresentação clínica da hanseníase e sua fisiopatologia (com ênfase nos aspectos imunológicos). 2. Discutir o diagnóstico e tratamento da hanseníase (de acordo com o Ministério da Saúde), reconhecendo os principais efeitos colaterais das drogas utilizadas na sua terapêutica. 3. Reconhecer as reações hansênicas (tipos, causas, diagnóstico, tratamento e prognóstico). OBJETIVO 1. DESCREVER AS DIVERSAS FORMAS DE APRESENTAÇÃO CLÍNICA DA HANSENÍASE E SUA FISIOPATOLOGIA (COM ÊNFASE NOS ASPECTOS IMUNOLÓGICOS). DEFINIÇÃO A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae, um bacilo álcool-ácido resistente, fracamente gram- positivo, que infecta os nervos periféricos e, mais especificamente, as células de Schwann. A doença acomete principalmente os nervos superficiais da pele e troncos nervosos periféricos (localizados na face, pescoço, terço médio do braço e abaixo do cotovelo e dos joelhos), mas também pode afetar os olhos e órgãos internos (mucosas, testículos, ossos, baço, fígado, etc.). Se não tratada na forma inicial, a doença quase sempre evolui, torna-se transmissível e pode atingir pessoas de qualquer sexo ou idade, inclusive crianças e idosos. Essa evolução ocorre, em geral, de forma lenta e progressiva, podendo levar a incapacidades físicas. Os pacientes diagnosticados com hanseníase têm direito a tratamento gratuito com a poliquimioterapia (PQT-OMS), disponível em qualquer unidade de saúde. O tratamento interrompe a transmissão em poucos dias e cura a doença. TRANSMISSÃO A hanseníase é transmitida por meio de contato próximo e prolongado de uma pessoa suscetível (com maior probabilidade de adoecer) com um doente com hanseníase que não está sendo tratado. Normalmente, a fonte da doença é um parente próximo que não sabe que está doente, como avós, pais, irmãos, cônjuges, etc. A bactéria é transmitida pelas vias respiratórias (pelo ar), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Estima-se que a maioria da população possua defesa natural (imunidade) contra o M. leprae. Portanto, a maior parte das pessoas que entrarem em contato com o bacilo não adoecerão. É sabido que a susceptibilidade ao M. leprae possui influência genética. Assim, familiares de pessoas com hanseníase possuem maior chance de adoecer. Bárbara Maia Brito CLASSIFICAÇÃO De acordo com a Organização Mundial da Saúde, para fins operacionais de tratamento, os doentes são classificados em paucibacilares (PB – presença de até cinco lesões de pele com baciloscopia de raspado intradérmico negativo, quando disponível) ou multibacilares (MB – presença de seis ou mais lesões de pele OU baciloscopia de raspado intradérmico positiva). O Brasil também utiliza essa classificação. Entretanto, alguns pacientes não apresentam lesões facilmente visíveis na pele, e podem ter lesões apenas nos nervos (hanseníase primariamente neural), ou as lesões podem se tornar visíveis somente após iniciado o tratamento. Assim, para melhor compreensão e facilidade para o diagnóstico, neste guia utilizamos a classificação de Madri (1953): • Indeterminada (PB) • Tuberculóide (PB) • Dimorfa (MB) • Virchowiana (MB) IMUNOLOGIA DA HANSENÍASE A hanseníase é uma doença cuja apresentação clínica e evolução dependem, diretamente, do sistema imunológico. É imprescindível que nós consigamos dominar alguns conceitos da imunidade para o adequado entendimento dessa doença. O primeiro ponto importante é termos em mente que o M. leprae é um bacilo intracelular obrigatório. O tipo de imunidade adequada, por regra, para combater esse tipo de infecção, é a imunidade celular (polo Th1). Nesse tipo de imunidade, os linfócitos T liberam citocinas que ativarão os macrófagos (histiócitos) para destruir os agentes intracelulares (nesse caso, o M. leprae). Esses macrófagos conseguem agrupar-se, formar os granulomas e impedir que a doença se dissemine. Com isso, conseguimos entender que, nos pacientes em que há predomínio da imunidade celular, haverá cura espontânea da doença, ou doença localizada. Por outro lado, a imunidade humoral (polo Th2), não é eficaz contra os agentes intracelulares. Nesse tipo de imunidade, há uma grande produção de anticorpos (hipergamaglobulinemia) e não há ativação dos histiócitos com capacidade de formar granulomas. Daí conseguimos entender que, nos pacientes em que há predomínio da imunidade humoral, haverá doença disseminada. Claro que, na biologia, entre um polo e outro (imunidade celular e imunidade humoral) há um grande espectro de possibilidades. A maior parte dos pacientes apresenta um grau de imunidade entre a imunidade celular e a imunidade humoral. Assim como a imunologia, a hanseníase é uma doença espectral! De acordo com o tipo de imunidade predominante no paciente, a hanseníase se apresentará de uma forma diferente. Aqueles pacientes com intensa imunidade celular, terão o tipo chamado de hanseníase tuberculoide (TT). Por outro lado, aqueles com intensa imunidade humoral apresentarão a chamada hanseníase virchowiana (VV). Já os pacientes com uma imunidade entre um polo e outro serão os pacientes com hanseníase dimorfa (DD). A hanseníase dimorfa ainda é dividida entre pacientes que apresentam um pouco mais de imunidade celular (dimorfo-tuberculoide ou DT) e pacientes com um pouco mais de imunidade humoral (dimorfo- virchowiano ou DV). QUADRO CLÍNICO Os principais sinais e sintomas da hanseníase são: • Áreas da pele, ou manchas esbranquiçadas (hipocrômicas), acastanhadas ou avermelhadas, com alterações de sensibilidade ao calor e/ou dolorosa, e/ou ao tato; • Formigamentos, choques e câimbras nos braços e pernas, que evoluem para dormência – a pessoa se queima ou se machuca sem perceber; • Pápulas, tubérculos e nódulos (caroços), normalmente sem sintomas; • Diminuição ou queda de pelos, localizada ou difusa, especialmente nas sobrancelhas (madarose); • Pele infiltrada (avermelhada), com diminuição ou ausência de suor no local. Bárbara Maia Brito Além dos sinais e sintomas mencionados, pode-se observar: • Dor, choque e/ou espessamento de nervos periféricos; • Diminuição e/ou perda de sensibilidade nas áreas dos nervos afetados, principalmente nos olhos, mãos e pés; • Diminuição e/ou perda de força nos músculos inervados por estes nervos, principalmente nos membros superiores e inferiores e, por vezes, pálpebras; • Edemade mãos e pés com cianose (arroxeamento dos dedos) e ressecamento da pele; • Febre e artralgia, associados a caroços dolorosos, de aparecimento súbito; • Aparecimento súbito de manchas dormentes com dor nos nervos dos cotovelos (ulnares), joelhos (fibulares comuns) e tornozelos (tibiais posteriores); • Entupimento, feridas e ressecamento do nariz; • Ressecamento e sensação de areia nos olhos. HANSENÍASE INDETERMINADA (PAUCIBACILAR) Todos os pacientes passam por essa fase no início da doença. Entretanto, ela pode ser ou não perceptível. Geralmente afeta crianças abaixo de 10 anos, ou mais raramente adolescentes e adultos que foram contatos de pacientes com hanseníase. A fonte de infecção, normalmente um paciente com hanseníase multibacilar não diagnosticado, ainda convive com o doente, devido ao pouco tempo de doença. A lesão de pele geralmente é única, mais clara do que a pele ao redor (mancha), não é elevada (sem alteração de relevo), apresenta bordas mal delimitadas, e é seca (“não pega poeira” – uma vez que não ocorre sudorese na respectiva área). Há perda da sensibilidade (hipoestesia ou anestesia) térmica e/ou dolorosa, mas a tátil (habilidade de sentir o toque) geralmente é preservada. A prova da histamina é incompleta na lesão, a biópsia de pele frequentemente não confirma o diagnóstico e a baciloscopia é negativa. Portanto, os exames laboratoriais negativos não afastam o diagnóstico clínico. Atenção deve ser dada aos casos com manchas hipocrômicas grandes e dispersas, ocorrendo em mais de um membro, ou seja, lesões muito distantes, pois pode se tratar de um caso de hanseníase dimorfa macular (forma multibacilar); nesses casos, é comum o paciente queixar-se de formigamentos nos pés e mãos, e/ou câimbras, e na palpação dos nervos frequentemente se observa espessamentos. HANSENÍASE TUBERCULÓIDE (PAUCIBACILAR) É a forma da doença em que o sistema imune da pessoa consegue destruir os bacilos espontaneamente. Assim como na hanseníase indeterminada, a doença também pode acometer crianças (o que não descarta a possibilidade de se encontrar adultos doentes), tem um tempo de incubação de cerca de cinco anos, e pode se manifestar até em crianças de colo, onde a lesão de pele é um nódulo totalmente anestésico na face ou tronco (hanseníase nodular da infância). Mais frequentemente, manifesta-se por uma placa (mancha elevada em relação à pele adjacente) totalmente anestésica ou por placa com bordas elevadas, bem delimitadas e centro claro (forma de anel ou círculo). Com menor frequência, pode se apresentar como um único nervo espessado com perda total de sensibilidade no seu território de inervação. Nesses casos, a baciloscopia é negativa e a biópsia de pele quase sempre não demonstra bacilos, e nem confirma sozinha o diagnóstico. Sempre será necessário fazer correlação clínica com o resultado da baciloscopia e/ou biópsia, quando for imperiosa a realização desses exames. Os exames subsidiários raramente são necessários para o diagnóstico, pois sempre há perda total de sensibilidade, associada ou não à alteração de função motora, porém de forma localizada. Bárbara Maia Brito HANSENÍASE DIMORFA (MULTIBACILAR) Caracteriza-se, geralmente, por mostrar várias manchas de pele avermelhadas ou esbranquiçadas, com bordas elevadas, mal delimitadas na periferia, ou por múltiplas lesões bem delimitadas semelhantes à lesão tuberculóide, porém a borda externa é esmaecida (pouco definida). Há perda parcial a total da sensibilidade, com diminuição de funções autonômicas (sudorese e vasorreflexia à histamina). É comum haver comprometimento assimétrico de nervos periféricos, as vezes visíveis ao exame clínico. É a forma mais comum de apresentação da doença (mais de 70% dos casos). Ocorre, normalmente, após um longo período de incubação (cerca de 10 anos ou mais), devido à lenta multiplicação do bacilo (que ocorre a cada 14 dias, em média). A baciloscopia da borda infiltrada das lesões (e não dos lóbulos das orelhas e cotovelos), quando bem coletada e corada, é frequentemente positiva, exceto em casos raros em que a doença está confinada aos nervos. Todavia, quando o paciente é bem avaliado clinicamente, os exames laboratoriais quase sempre são desnecessários. Esta forma da doença também pode aparecer rapidamente, podendo ou não estar associada à intensa dor nos nervos, embora estes sintomas ocorram mais comumente após o início do tratamento ou mesmo após seu término (reações imunológicas em resposta ao tratamento). HANSENÍASE VIRCHOWIANA (MULTIBACILAR) É a forma mais contagiosa da doença. O paciente virchowiano não apresenta manchas visíveis; a pele apresenta-se avermelhada, seca, infiltrada, cujos poros apresentam-se dilatados (aspecto de “casca de laranja”), poupando geralmente couro cabeludo, axilas e o meio da coluna lombar (áreas quentes). Na evolução da doença, é comum aparecerem caroços (pápulas e nódulos) escuros, endurecidos e assintomáticos (hansenomas). Quando a doença encontra-se em estágio mais avançado, pode haver perda parcial a total das sobrancelhas (madarose) e também dos cílios, além de outros pelos, exceto os do couro cabeludo. A face costuma ser lisa (sem rugas) devido a infiltração, o nariz é congesto, os pés e mãos arroxeados e edemaciados, a pele e os olhos secos. O suor está diminuído ou ausente de forma generalizada, porém é mais intenso nas áreas ainda poupadas pela doença, como o couro cabeludo e as axilas. São comuns as queixas de câimbras e formigamentos nas mãos e pés, que entretanto apresentam-se aparentemente normais. “Dor nas juntas” (articulações) também são comuns e, frequentemente, o paciente tem o diagnóstico clínico e laboratorial equivocado de “reumatismo” (artralgias ou artrites), “problemas de circulação ou de coluna”. Os exames reumatológicos frequentemente resultam positivos, como FAN, FR, assim como exame para sífilis (VDRL). É importante ter atenção aos casos de pacientes jovens com hanseníase virchowiana que manifestam dor testicular devido a orquites. Em idosos do sexo masculino, é comum haver comprometimento dos testículos, levando à azospermia (infertilidade), ginecomastia (crescimento das mamas) e impotência. Os nervos periféricos e seus ramos superficiais estão simetricamente espessados, o que dificulta a comparação. Por isso, é importante avaliar e buscar alterações de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil no território desses nervos (facial, ulnar, fibular, tibial), e em áreas frias do corpo, como cotovelos, joelhos, nádegas e pernas. Na hanseníase virchowiana o diagnóstico pode ser confirmado facilmente pela baciloscopia dos lóbulos das orelhas e cotovelos. Bárbara Maia Brito OBJETIVO 2. DISCUTIR O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HANSENÍASE (DE ACORDO COM O MINISTÉRIO DA SAÚDE), RECONHECENDO OS PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS DAS DROGAS UTILIZADAS NA SUA TERAPÊUTICA. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de hanseníase deve ser baseado na história de evolução da lesão, epidemiologia e no exame físico (nervos periféricos espessados e/ou lesões de pele ou áreas de pele com alterações de sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil, alterações autonômicas circunscritas quanto à reflexia à histamina e/ou à sudorese). Em algumas situações, os exames subsidiários (baciloscopia e biópsia de pele) podem ser necessários para auxiliar o diagnóstico, porém sempre devemos considerar as limitações desses exames, valorizando essencialmente os achados clínicos encontrados. EXAMES SUBSIDIÁRIOS O diagnóstico da hanseníase deve ser baseado, essencialmente, no quadro clínico. Quando disponíveis, de qualidade e confiáveis, os exames subsidiários (baciloscopia e biópsia de pele) podem ser feitos. Na interpretação dosresultados desses exames, especialmente a baciloscopia, os resultados devem ser correlacionados com a clínica, pois hoje ainda há muitas dificuldades e erros no processo de coleta, fixação, envio, coloração, e mesmo na leitura de lâminas de baciloscopia ou biópsia. Intepretação da baciloscopia de raspado intradérmico: • No paciente paucibacilar (PB), ou seja, com hanseníase indeterminada ou tuberculóide, a baciloscopia é negativa. • Caso seja positiva, reclassificar o doente como MB. • No paciente MB (hanseníase dimorfa e virchowiana), a baciloscopia normalmente é positiva. Caso seja negativa, levar em consideração o quadro clínico para o diagnóstico e classificação desse doente (manter a classificação MB se o quadro clínico for de hanseníase dimorfa ou virchowiana). • O resultado positivo de uma baciloscopia classifica o caso como MB, porém o resultado negativo não exclui o diagnóstico clínico da hanseníase, e nem classifica o doente obrigatoriamente como PB. Interpretação da biópsia de pele: • Na hanseníase indeterminada, encontra-se, na maioria dos casos, um infiltrado inflamatório que não confirma o diagnóstico de hanseníase. A procura de bacilos (BAAR) é quase sempre negativa. • Na hanseníase tuberculóide, encontra-se um granuloma do tipo tuberculóide (ou epitelióide) que destrói pequenos ramos neurais, agride a epiderme e outros anexos da pele. A procura de bacilos (BAAR) é negativa. • Na hanseníase virchowiana, encontra-se um infiltrado histiocitário xantomizado ou macrofágico, e a pesquisa de bacilos mostra incontáveis bacilos dispersos e organizados em grumos (globias). • Na hanseníase dimorfa, há um infiltrado linfo- histiocitário, que varia desde inespecífico até com a formação de granulomas tuberculóides; a baciloscopia da biópsia é frequentemente positiva, sobretudo nos nervos dérmicos e nos músculos lisos dos pelos Prova da histamina: • A prova de histamina exógena consiste numa prova funcional para avaliar a resposta vasorreflexa à droga, indicando integridade e viabilidade do sistema nervoso autonômico de dilatar os vasos cutâneos superficiais, o que resulta no eritema. • Quando disponível, a prova de histamina exógena aplica-se ao diagnóstico de Mobile User Bárbara Maia Brito hanseníase e aos diagnósticos diferenciais em lesões hipocrômicas • Como resposta ao difosfato de histamina 1,5%, em áreas normais, são esperados três sinais típicos que caracterizam a tríplice reação de Lewis: Sinal da punctura, Eritema reflexo e Pápula TRATAMENTO O tratamento da hanseníase é realizado através da associação de medicamentos (poliquimioterapia – PQT) conhecidos como Rifampicina, Dapsona e Clofazimina. Deve-se iniciar o tratamento já na primeira consulta, após a definição do diagnóstico, se não houver contraindicações formais (alergia à sulfa ou à rifampicina). Até recentemente, a PQT era administrada em dois esquemas terapêuticos distintos, sendo um composto por rifampicina, clofazimina e dapsona para casos multibacilares, e outro, composto apenas por rifampicina e dapsona, destinado aos paucibacilares. No entanto, desde 2018 a OMS passou a preconizar o uso dos três medicamentos para o tratamento de todos os casos de hanseníase, independentemente da classificação operacional, mantendo o tempo de seis doses mensais para casos PB e de 12 doses mensais para os casos MB. Os medicamentos são disponibilizados exclusivamente para o tratamento da hanseníase e distribuídos mediante o SUS, em apresentações adulto e infantil. A regressão das lesões dermatológicas da hanseníase, durante e após o uso da poliquimioterapia, é bastante variável, podendo levar meses ou anos para ocorrer. Essa resposta pode ser ainda mais lenta nos MB, especialmente em pacientes com hansenomas, lesões infiltradas e índice baciloscópico (IB) elevado. Nos casos em que esses parâmetros permaneçam inalterados em relação ao diagnóstico, deve-se investigar resistência medicamentosa; naqueles em que a resistência for descartada, pode-se acompanhar o paciente do ponto de vista clínico e baciloscópico no período pós-alta, sem administrar a PQT-U. RIFAMPICINA A rifampicina é um potente bactericida para M. leprae, sendo o único medicamento bactericida incluído no regime de PQT-U. Quatro dias após uma dose única de 600mg, os bacilos de um paciente MB não tratado previamente tornam-se inviáveis. A rifampicina é bem absorvida por via oral e deve sempre ser administrada em combinação com outros hansenostáticos, para prevenir que o M. leprae desenvolva resistência ao fármaco. Seu mecanismo de ação é a inibição da polimerase de RNA dependente de DNA, comprometendo a síntese de RNA bacteriano. Risco na gravidez: o uso de rifampicina durante as últimas semanas de gravidez pode causar hemorragias pós-natais na mãe e no neonato. Recomenda-se o uso de vitamina K para esses casos. Pode ocorrer hepatotoxicidade com leve aumento transitório das transaminases hepáticas, mas essa reação é rara na dosagem e nos intervalos recomendados para hanseníase, não sendo uma indicação para interromper o tratamento. Como a rifampicina é administrada apenas em uma dose mensal no esquema PQT-U, os eventos adversos reconhecidos de seu uso na tuberculose raramente são vistos. Uma dose mensal de rifampicina provavelmente não causa indução do citocromo hepático P450, mas esse resultado nunca foi medido formalmente. CLOFAZIMINA A clofazimina é um corante de fenazina com atividade antimicobacteriana e antiinflamatória. É disponibilizada em cápsulas contendo clofazimina micronizada suspensa em uma base de cera de óleo. Também está indicada para o tratamento da reação tipo 2 (eritema nodoso hansênico). Seu mecanismo de ação contra as micobactérias não está totalmente elucidado. Risco na gravidez: foi relatado aumento da pigmentação da pele em bebês nascidos de mulheres Bárbara Maia Brito que receberam clofazimina durante a gravidez e o aleitamento, a qual regride após a interrupção da transferência do fármaco para o recém-nascido. Em pacientes com hanseníase, recomenda-se manter o tratamento com clofazimina em ambas as situações. O efeito mais comum e perceptível é a pigmentação da pele, variando de vermelho a castanho-escuro, dependendo da dosagem. O fármaco pode acumular- se nas lesões cutâneas ativas da hanseníase, tornando- as mais evidentes. A pigmentação geralmente desaparece dentro de seis a 12 meses após a interrupção da clofazimina, embora traços de descoloração ainda possam permanecer por até quatro anos. Pode haver coloração rosada da urina, expectoração e suor, especialmente após a ingestão da dose mensal supervisionada. A clofazimina também produz ictiose característica nas pernas e antebraços. Os efeitos gastrointestinais, que variam de cólicas leves a diarreia e perda de peso, podem ocorrer como resultado da deposição de cristais de clofazimina na parede do intestino delgado, especialmente no uso contínuo de doses elevadas do fármaco. A pigmentação da pele não deve ser considerada critério para suspensão do medicamento, exceto quando há insatisfação extrema do paciente, com risco de abandono do tratamento. DAPSONA A dapsona é um antagonista competitivo do ácido paraminobenzoico (PABA) que impede a sua utilização pela bactéria para a síntese do ácido fólico, de modo que é fracamente bactericida. Foi relatada infertilidade em alguns homens que receberam dapsona, sendo este um efeito potencialmente reversível após a descontinuação do uso do fármaco. Deve-se monitorar cuidadosamente o surgimento de sinais e sintomas de reações hemolíticas, particularmente em pacientes em uso concomitante de agentes antimaláricos, pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), metemoglobinaredutase ou com presença de hemoglobina M. Nesses casos, considerar a modificação da terapia. Risco na gravidez: não existem estudos controlados em mulheres. Usar na gravidez somente se os benefícios potenciais para a mãe justificarem os riscos para o feto. Em pacientes com hanseníase, recomendase manter o tratamento com dapsona durante a gravidez. A dapsona geralmente é bem tolerada nas doses recomendadas para a hanseníase, mas pode causar hemólise e, mais raramente, anemia significativa. A deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase raramente aumenta esse risco, não sendo necessário testar rotineiramente os níveis da enzima antes do início da PQT-U. Recomenda-se, sempre que possível, o monitoramento dos níveis hematológicos nos primeiros meses de tratamento. São descritos casos raros de hepatopatia, nefropatia, agranulocitose e psicose. A Dapsona é a droga do esquema que requer maior atenção dos profissionais de saúde. Reações alérgicas como avermelhamento da pele, coceira e descamação, principalmente na face e antebraços, podem ocorrer. Nesses casos, interrompa a medicação e envie para a referência OBJETIVO 3. RECONHECER AS REAÇÕES HANSÊNICAS (TIPOS, CAUSAS, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PROGNÓSTICO). DEFINIÇÃO As reações hansênicas são fenômenos inflamatórios agudos que cursam com exacerbação dos sinais e sintomas da doença e acometem um percentual elevado de casos, chegando a 50% dos pacientes em alguns estudos. Resultam da ativação de resposta imune contra o M. leprae e podem ocorrer antes, durante ou após o tratamento da infecção. Afetam especialmente a pele e os nervos periféricos, podendo acarretar dano neural e incapacidades físicas permanentes quando não tratadas adequadamente. CLASSIFICAÇÃO As reações são classificadas em dois tipos, denominados reação tipo 1 (ou reação reversa) e reação tipo 2 (ou eritema nodoso hansênico). Enquanto as primeiras são reações de hipersensibilidade celular e geram sinais e sintomas Bárbara Maia Brito mais restritos, associados à localização dos antígenos bacilares, a segunda é uma síndrome mediada por imunocomplexos, resultando em um quadro sistêmico e acometendo potencialmente diversos órgãos e tecidos. Quadros atípicos de resposta imune também podem ocorrer na hanseníase, dificultando a classificação de alguns casos reacionais e simulando doenças como artrite reumatoide, outras doenças reumatológicas, uveítes, nefrites, hepatites e vasculites, dentre outras. REAÇÃO HANSÊNICA TIPO 1 (REAÇÃO REVERSA) A reação hansênica tipo 1 acomete especialmente pacientes com formas dimorfas da hanseníase e, portanto, pode surgir tanto em casos classificados como paucibacilares como nos multibacilares. Ocorre abruptamente, com piora das lesões de pele preexistentes e aparecimento de novas lesões, muitas vezes acompanhada por intensa inflamação de nervos periféricos. É uma reação de hipersensibilidade do tipo III e IV na Classificação de Gell e Coombs, desencadeada por resposta imunológica contra antígenos do M. leprae e, por isso, pode ser direcionada contra bacilos mortos ou fragmentos bacilares que permanecem no organismo por períodos longos após a antibioticoterapia. Clinicamente, a reação reversa caracteriza-se por um processo inflamatório agudo. As lesões cutâneas tornam-se mais visíveis, com coloração eritemato- vinhosa, edemaciadas, algumas vezes dolorosas. Frequentemente, essas alterações aparecem também em áreas da pele onde a infecção era imperceptível, dando origem a lesões aparentemente novas. Qualquer nervo periférico e ramos nervosos cutâneos podem ser afetados, gerando dor aguda, que pode ser de forte intensidade, espontânea ou à palpação dessas estruturas, observando-se o reflexo característico de retirada do membro à palpação feita pelo avaliador. Muitas vezes, a neurite vem acompanhada por comprometimento das funções sensitivas, motoras e/ou autonômicas. Desse modo, deve-se atentar às queixas do paciente em relação à piora das dores nos membros, queda mais frequente dos objetos das mãos e surgimento ou aumento da dormência nas mãos e pés. Em pacientes com intensa resposta inflamatória, pode ocorrer ulceração das lesões cutâneas e formação de abscessos em nervos periféricos. Suspeitar de reação hansênica tipo 1 se ocorrerem, sem mal estado geral do paciente, os seguintes sinais e sintomas: • As lesões de pele da hanseníase se tornarem mais avermelhadas e inchadas; • Os nervos periféricos ficarem mais dolorosos; • Houver piora dos sinais neurológicos de perda de sensibilidade ou perda de função muscular; • As mãos e pés ficarem inchados; • Houver surgimento abrupto de novas lesões de pele até 5 anos após a alta medicamentosa REAÇÃO HANSÊNICA TIPO 2 (ERITEMA NODOSO HANSÊNICO) Acomete exclusivamente pacientes multibacilares, especialmente aqueles com forma virchowiana e dimorfos com altas cargas bacilares. Nesses casos, o mecanismo etiopatogênico subjacente é a ativação da resposta imune humoral contra o bacilo, que cursa com produção de anticorpos específicos e interação antígenoanticorpo em diversos tecidos do hospedeiro. Por esse motivo, o quadro pode vir acompanhado por sintomas gerais como febre, artralgias, mialgias, dor óssea, edema periférico e linfadenomegalia, além do comprometimento inflamatório dos nervos periféricos (neurite), olhos (irite, episclerite), testículos (orquite) e rins (nefrite). Laboratorialmente, pode-se observar leucocitose elevada com neutrofilia, às vezes com desvio à esquerda, plaquetose, elevação da velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, proteinúria e hematúria45. Na pele, a manifestação clássica da reação hansênica do tipo 2 é o eritema nodoso hansênico (ENH), que são nódulos subcutâneos, dolorosos, geralmente múltiplos e caracterizados histopatologicamente por paniculite. Os nódulos podem aparecer em qualquer área da pele e não se relacionam à localização de lesões prévias de Bárbara Maia Brito hanseníase. Em casos severos, pode ocorrer necrose e ulceração das lesões (eritema nodoso necrotizante). De acordo com a OMS, o ENH pode ser classificado, de acordo com a sua evolução, em: • Agudo: episódio que persiste por menos de seis meses, em que o tratamento é eficaz e a retirada progressiva dos medicamentos antirreacionais não está associada à recorrência das lesões; • Recorrente: quando o paciente apresenta pelo menos um segundo episódio de ENH no período igual ou superior a 28 dias após a interrupção do tratamento antirreacional; também denominado “subentrante”; • Crônico: episódios que perduram por mais de seis meses, durante os quais o paciente necessita de tratamento constante ou tem períodos de remissão inferiores a 28 dias. Assim como na reação tipo 1, o processo inflamatório desencadeado pela reação tipo 2 pode causar comprometimento importante dos nervos periféricos, associado a dano neural e incapacidades. O ENH provoca grande morbidade nos pacientes, com comprometimento da sua qualidade de vida e grande impacto psicossocial e econômico. Deve-se considerar que esses episódios reacionais podem perdurar por um ano ou mais, sendo muitas vezes necessário oferecer suporte psicológico e avaliar a necessidade de medidas de proteção social. É preciso monitorar cuidadosamente esses pacientes, especialmente com relação à sua evolução clínica e ao uso correto dos medicamentos, especialmente nas fases de descontinuação dos fármacos. Suspeitar de reação hansênica tipo 2 (eritema nodoso hansênico) se houver: • Manchas ou “caroços” na pele, quentes, dolorosos e avermelhados, às vezes ulcerados; • Febre, “dor nas juntas”, mal-estar; e/ou • Ocasionalmente dor nos nervos periféricos (mãos e pés); • Comprometimento dos olhos; • Comprometimentosistêmico (anemia severa aguda, leucocitose com desvio à esquerda, comprometimento do fígado, baço, linfonodos, rins, testículos, suprarrenais). TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS REAÇÕES HANSÊNICAS O tratamento das reações hansênicas é feito com medicamentos imunomoduladores e anti- inflamatórios. Durante os episódios reacionais, a PQT- U deve ser mantida se o paciente ainda não houver completado os critérios de alta por cura. Nos casos em que as reações ocorrem após a conclusão da PQT-U, esta não deverá ser reintroduzida, exceto nos casos que cumprirem os critérios para recidiva. O manejo dos estados reacionais é geralmente ambulatorial e deve ser prescrito e supervisionado por médico. O acompanhamento do doente com reação deve ser realizado preferencialmente nos serviços de referência (municipal, regional, estadual ou nacional) considerando: 1. Gravidade da reação; 2. Resposta não satisfatória ao tratamento instituído adequadamente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), dentro de 2 a 4 semanas; 3. Existência de complicação ou contra-indicação que afete o tratamento. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA REAÇÃO HANSÊNICA TIPO 1 OU REAÇÃO REVERSA A prednisona é o medicamento de escolha (após ingerida e absorvida, sofre metabolização hepática, sendo convertida em prednisolona, que é sua forma farmacologicamente ativa); porém, não há consenso na literatura sobre as doses ideais nem sobre o tempo de administração da corticoterapia para as reações hansênicas. No Brasil, recomenda-se a corticoterapia com prednisona, administrada por via oral, na dose inicial de 1mg/kg/dia, com redução gradual da dose diária em torno de 10mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 20mg/dia, deve-se passar a reduzir 5mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 5mg/dia, deve- se manter a dose por 15 dias seguidos e, Bárbara Maia Brito posteriormente, passar para 5mg/dia em dias alternados por mais 15 dias. A corticoterapia deve ser mantida, em média, por um período mínimo de seis meses, monitorando-se periodicamente a função neural e os efeitos colaterais do medicamento. No início da corticoterapia, deve-se fazer a profilaxia da estrongiloidíase disseminada, prescrevendo albendazol 400mg/dia, dose única diária, por três dias consecutivos, ou, ainda, ivermectina em dose única de 200mcg/kg. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA REAÇÃO HANSÊNICA TIPO 2 OU ERITEMA NODOSO HANSÊNICO O tratamento é feito preferencialmente com talidomida, administrada por via oral na dose de 100 a 400mg/dia, conforme a intensidade do quadro. Nos pacientes que apresentam quadros associados a orquite, episclerite e/ou neurite aguda (definida pela palpação dos nervos periféricos e pela avaliação da função neural), o tratamento deverá ser feito com corticosteroides, como descrito para a reação tipo 1. PRECAUÇÕES: Devido aos graves efeitos teratogênicos, a talidomida somente poderá ser prescrita para mulheres em idade fértil após avaliação médica com exclusão de gravidez através de método sensível e mediante a comprovação de utilização de, no mínimo, 2 (dois) métodos efetivos de contracepção, sendo pelo menos 1 (um) método de barreira. A dose da talidomida também deverá ser reduzida gradativamente, conforme a resposta terapêutica. Na associação de talidomida e corticoide, deve-se prescrever ácido acetilsalicílico 100mg/dia como profilaxia para tromboembolismo. Pacientes com outros fatores de risco associados devem ser avaliados quanto ao risco de eventos tromboembólicos. Quando a corticoterapia estiver indicada para a reação tipo 2, ela deverá ser administrada nas mesmas doses preconizadas para a reação tipo 1. A pentoxifilina mostrou-se eficaz para o tratamento do ENH, resultando no controle dos sintomas sistêmicos desde a primeira semana de tratamento e na regressão das lesões nodulares nas duas primeiras semanas. Embora a talidomida tenha mostrado efeito mais rápido para o controle do quadro reacional e remissão mais longa após 60 dias de tratamento, a pentoxifilina pode ser uma opção terapêutica para os casos de contraindicação da talidomida e quando não houver indicação para o uso de corticoterapia, como em mulheres com potencial reprodutivo e sem neurite. A correção da dose é necessária na insuficiência renal. Após a regressão dos sinais e sintomas, deve-se iniciar a redução paulatina da dose diária até a completa suspensão do medicamento. REAÇÃO 1 REAÇÃO 2 Prednisona Talidomida Albendazol ou ivermectina Prednisona* AAS* Pentoxifilina* Os surtos reacionais são, em geral, autolimitados, sendo em média de 1 mês para a reação tipo 2 (eritema nodoso hansênico), e de 3 a 6 meses para a reação tipo 1. Em casos de surtos subintrantes ou corticodependentes, ou talidomida-dependentes, reavaliar a presença de focos infecciosos, problemas dentários, diabetes, ou contato do paciente reacional com doentes não tratados e sem diagnóstico, ou ainda insuficiência de tratamento (presença de infiltrações/hansenomas após cessada a reação).