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NÃO PODE FALTAR MISTURAS FARMACÊUTICAS Gabriele Wander Ruas de Lima Imprimir PRATICAR PARA APRENDER Prezado aluno, Nesta seção, vamos dar continuidade às operações farmacêuticas, porém, com o foco em processos de misturas. Abordaremos, aqui, os tipos e os processos de mistura, os equipamentos utilizados, os tipos de misturados e as diferenças entre operações de misturas de sólidos, líquidos e semissólidos. Lembrando que as misturas são procedimentos realizados com o objetivo de conferir homogeneidade à forma farmacêutica, ou seja, distribuir todos os componentes de maneira uniforme. Esse procedimento pode ser realizado com substâncias sólidas, líquidas e pastosas, utilizando-se do gral, do cálice ou dos agitadores magnéticos. Muito bem! Para trabalharmos as temáticas da seção levando em conta as possíveis atividades de sua prática pro�ssional, teremos como contexto a rotina de um farmacêutico que atua em uma equipe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 V e r a n o ta çõ e s de uma indústria farmacêutica. Assim, chegamos à situação-problema desta seção: a indústria farmacêutica pretende incluir em seu portfólio de produtos uma pomada para assaduras com a seguinte composição: Ingredientes Quantidade Vitamina A 100.000 UI Vitamina D 40.000 UI Glicerina 5,0% Óxido de zinco 10,0% Talco 5,0% Vaselina líquida 10,0% Lanolina anidra 2,5% Vaselina sólida q.s.p. 100,0% Como você, no lugar de um farmacêutico do setor de P&D desta indústria, proporia uma rota produtiva para esta formulação? Mantenha o foco e siga em frente! CONCEITO-CHAVE A mistura é uma das operações farmacêuticas mais usadas na rotina do pro�ssional que trabalha com farmacotécnica. Esta operação é de�nida como o processo que homogeneiza dois ou mais componentes para obter uma distribuição aleatória e uniforme entre os componentes. As características dos ingredientes da mistura, tais como concentração, tamanho, densidade ou forma, interferem no processo de mistura, na escolha do equipamento e na técnica a ser empregada nesta operação farmacêutica. 0 V e r a n o ta çõ e s MISTURA DE LÍQUIDOS E SEMISSÓLIDOS Os líquidos são classi�cados em newtonianos e não newtonianos, de acordo com o seu escoamento e comportamento reológico. Essas características são determinadas pela tensão e pela velocidade de corte: a tensão de corte é de�nida pela interação entre o líquido e a superfície que está em contato, já a velocidade de corte é determinada pela distância percorrida e pela direção do �uxo. Em líquidos newtonianos, a velocidade de corte é proporcional à tensão aplicada; já em �uidos não newtonianos, essa proporcionalidade não é aplicada. MECANISMOS DE MISTURA E EQUIPAMENTOS UTILIZADOS NO PROCESSO Os mecanismos de mistura de líquidos são classi�cados em quatro tipos diferentes: por convexão, por �uxo turbulento, por �uxo laminar e por difusão molecular. Na mistura por convexão, temos o deslocamento de uma grande porção do líquido em direções diferentes dentro do recipiente (misturador), o que é ocasionado pela utilização de pás ou lâminas de um agitador. Na mistura de �uxo turbulento, temos uma variação aleatória da velocidade de escoamento dos líquidos a serem misturados, gerando o �uxo agitado e a turbulência, que podem ser visualizados pela formação de redemoinhos de tamanhos variados. Este mecanismo de mistura é bastante e�ciente. A mistura por �uxo laminar é realizada empregando-se agitação suave, geralmente aplicada às misturas de líquidos com elevada viscosidade. O mecanismo de difusão molecular é baseado na Primeira Lei de Fick de Difusão, de acordo com a qual a taxa de transporte de massa é proporcional ao gradiente de concentração e ao coe�ciente de difusão da substância. A e�cácia da mistura pelo mecanismo de difusão depende da viscosidade do líquido e do tamanho das moléculas que se difundem. O processo de mistura pode ser classi�cado em mistura por lote ou mistura contínua. Na mistura por lote, geralmente temos uma limitação da capacidade do equipamento em suportar o volume de líquido a ser misturado, então, é necessário realizar a operação em etapas. Na mistura contínua, o líquido a ser misturado é constantemente agitado e misturado por um sistema de recirculação. 0 V e r a n o ta çõ e s Para a mistura em lotes, são necessários um tanque e também uma fonte de energia responsável pelo processo de mistura. Essa fonte de energia pode ser um impulsor (agitador ou turbina), uma corrente de ar ou um jato de líquido. Os impulsores podem ser classi�cados em radial, axial ou tangencial (Figura 3.5), de acordo com o �uxo que proporcionam. Em geral, os agitadores proporcionam um �uxo radial, enquanto as turbinas proporcionam �uxos axiais ou tangenciais. Agitadores (Figura 3.6) e turbinas (Figura 3.7) são constituídos por uma rosca associada a lâminas; em geral, os agitadores de líquidos apresentam 3 lâminas (Figura 3.8). Figura 3.5 | Esquema representativo de �uxos de líquidos em um tanque cilíndrico Nota: A: tangencial; B: radial; C: axial. Fonte: Lachman et al. (2001, p. 9). Figura 3.6 | Esquema de rotores de pás Fonte: Terron (2012, p. 376). Figura 3.7 | Esquema de rotores de turbina 0 V e r a n o ta çõ e s Fonte: Terron (2012, p. 375). Figura 3.8 | Ilustração dos tipos de lâminas de agitadores e turbinas Nota: vista de cima e lateral, de acordo com o �uxo proporcionado. A e B: �uxo radial; C e D: radial e axial. Fonte: Lachman et al. (2001, p. 10). EXEMPLIFICANDO Exemplos de velocidades de agitação aplicadas à mistura de líquidos de baixa e média viscosidade, de acordo com o tipo de agitador: Pás: 20 a 150 rpm; Turbinas: 150 a 400 rpm; Hélices: 400 a 1500 rpm. A injeção de correntes de ar em um líquido de baixa viscosidade proporciona a sua mistura a partir da �utuação das bolhas de ar no sentido de baixo para cima (Figura 3.9). 0 V e r a n o ta çõ e s Figura 3.9 | Ilustração da injeção de corrente de ar para mistura de líquidos em um tanque vertical Fonte: Lachman et al. (2001, p. 11). A operação de mistura por jato de líquido ocorre por meio de injeção de líquido pulverizado no interior de um tanque, proporcionando uma mistura total ou parcial. Nessa operação de mistura, o jato de líquido funciona como um agitador, gerando um �uxo turbulento. Cabe dar destaque a um dispositivo acessório ao processo de mistura, chamado chicana ou de�etor, que auxilia na efetividade da mistura. Geralmente, são placas metálicas dispostas verticalmente no interior dos tanques (Figura 3.10). Figura 3.10 | Ilustração de chicanas em tanque cilíndrico Nota: A: vista lateral; B: vista de cima. Fonte: elaborada pela autora. As chicanas também são utilizadas no processo de mistura contínua, localizadas em tubos ou tanques misturadores. Na mistura contínua, temos um fornecimento constate de material a ser misturado, utilizando um processo de recirculação que 0 V e r a n o ta çõ e s gera um �uxo turbulento (Figura 3.11). Figura 3.11 | Ilustração de um tanque de mistura contínua Fonte: Lachman et al. (2001, p. 15). EXEMPLIFICANDO Para obter uma mistura homogênea de dois líquidos com densidades diferentes em um tanque vertical cilíndrico, podemos adicionar o líquido mais denso no fundo do tanque e o líquido de menor densidade logo acima. Devemos posicionar o agitador de lâminas na interface dos líquidos para conferir �uxo turbulento. A viscosidade e a densidade dos líquidos que compõem a mistura determinam o tipo de �uxo e o mecanismo de mistura envolvidos no processo. Por exemplo, líquidos de baixa viscosidade são homogeneizados de maneira efetiva empregando-se um �uxo turbulento a partir da injeção de jatos de ar, líquido ou turbinas. Já para cremes, pomadas e pastas podem ser utilizados os mecanismos de mistura por difusão molecular e laminar, obtidos por misturadores de turbina ou lâmina planaem um �uxo radial (Figura 3.12). Figura 3.12 | Correlação entre os tipos de rotores e a viscosidade do líquido 0 V e r a n o ta çõ e s Fonte: Terron (2012, p. 377). REFLITA O fenômeno da difusão faz parte da nossa rotina, como ao sentir o cheiro agradável de um perfume ou ao derrubar um copo de suco sobre a toalha da mesa de jantar. Também se faz presente nas operações de misturas farmacêuticas, com a aplicação dos conceitos da Lei de Fick de Difusão de Substâncias. Sendo assim, qual seria a in�uência da primeira Lei de Fick na mistura homogênea de líquidos? MISTURA DE SÓLIDOS O processo de mistura de sólidos sofre interferências das características inerentes aos pós a serem misturados, tais como tamanho de partícula, formato, densidade e concentração na mistura. Além disso, o tipo de equipamento, velocidade de rotação e mecanismo de mistura também podem interferir na homogeneidade da mistura. MECANISMOS DE MISTURAS DE SÓLIDOS A mistura de ingredientes sólidos pode ser classi�cada em três diferentes tipos: mistura por convexão, mistura por fricção e mistura por difusão. Mais de um mecanismo atua simultaneamente na mistura dos ingredientes sólidos de uma mistura. Na mistura por convexão, temos a homogeneização dos pós por inversão de uma porção sobre a outra, utilizando-se lâminas ou pás. A mistura por fricção, ou cisalhamento, ocorre quando uma camada do material se desloca por cima de outra camada, por meio do tombamento, por exemplo. Na mistura por difusão, ocorre o movimento individual e desordenado das partículas de uma camada de sólidos sobre outra camada, ou seja, uma camada em repouso é forçada a se movimentar, por exemplo, por ação da gravidade. EQUIPAMENTOS UTILIZADOS NA MISTURA DE SÓLIDOS Na mistura por lote são empregados equipamentos constituídos por reservatórios com formas geométricas que giram em seu próprio eixo, por exemplo: misturador em “V” (Figura 3.13), em “Y”, duplo cone (Figura 3.14), Ribbon (Figura 3.15), cúbico e cilíndrico. 0 V e r a n o ta çõ e s Figura 3.13 | Misturador em “V” Fonte: Shutterstock. Figura 3.14 | Misturador em cone Fonte: Shutterstock. Figura 3.15 | Interior de um misturador Ribbon blender (em �ta) 0 V e r a n o ta çõ e s Fonte: Shutterstock. A e�ciência desse processo de mistura está relacionada à velocidade de rotação do misturador, pois a velocidade impacta diretamente o tombamento do pó no interior do equipamento, assim, uma rotação muito lenta, por exemplo, não proporciona uma mistura efetiva e homogênea, ao mesmo tempo em que uma velocidade de rotação excessivamente alta, por outro lado, produz força centrífuga que leva à adesão do pó às paredes do equipamento. Portanto, a velocidade ideal para a mistura depende do tipo de material a ser misturado, do tamanho de partícula, da densidade e da forma. Em geral, a velocidade de rotação destes equipamentos �ca entre 30 e 100 rotações por minuto (rpm). O processo de mistura contínua pode ser aplicado ao processo de fabricação de comprimidos, no qual a mistura obtida é direcionada imediatamente a máquinas de compressão. Quantidades de�nidas de pós ou grânulos são passadas através de um misturador por impacto ou atrito, com o objetivo de reduzir a intensidade de segregação da mistura, processo análogo à mistura contínua de líquidos. O fenômeno de segregação dos pós é oposto ao processo de mistura e ocorre, geralmente, em etapas de transferências de equipamentos ao longo do processo de fabricação do medicamento ou devido ao tempo excedente de mistura no equipamento. Para reduzir a ocorrência desse fenômeno, indica-se: a uniformização do tamanho de partícula dos sólidos que compõem a mistura; a redução do tamanho de partícula dos sólidos; a seleção de ingredientes com densidades iguais; a redução de vibrações ou agitações após o período de mistura 0 V e r a n o ta çõ e s no equipamento; e a ordenação da mistura. Na mistura ordenada, podemos encontrar partículas de pós com tamanhos distintos, porém, o índice de segregação é relativamente baixo devido à interação entre elas, ou seja, as partículas menores são carreadas pelas partículas maiores, mantendo a uniformidade da mistura. ASSIMILE Critérios considerados na seleção do misturador: Propriedades físicas dos materiais que compõem a mistura; Tempo necessário para a mistura; Consumo de energia do equipamento; Custo e manutenção do equipamento. Encerramos mais uma unidade de Tecnologia Farmacêutica I, seguimos para a quarta e última unidade do livro. Na próxima unidade, trataremos das formas farmacêuticas sólidas. Vamos em frente! FAÇA A VALER A PENA Questão 1 O processo de mistura de líquidos é classi�cado a partir de mecanismos diferentes. Um deles, aquele em que ocorre o deslocamento de uma grande fração do líquido em direções distintas do reator, pode ser chamado de _________. Assinale a alternativa que completa de forma correta a lacuna no trecho apresentado. a. condução. b. convexão. c. �uxo laminar. d. �uxo turbulento. e. difusão. Questão 2 A operação de mistura por jato de líquido ocorre por meio da injeção de líquido pulverizado no interior de um reator. O jato de líquido gera um �uxo turbulento, atuando como um agitador. 0 V e r a n o ta çõ e s Essa opção de mistura é viável e e�caz para qual tipo de ingrediente? a. Pós. b. Pomadas. c. Semissólidos. d. Líquidos de alta viscosidade. e. Líquidos de baixa viscosidade. Questão 3 O fenômeno de segregação dos pós ocorre naturalmente num processo de mistura. Esse fenômeno é oposto ao processo de mistura e, em geral, ocorre durante a transferência e/ou agitação da preparação após o tempo adequado de mistura no equipamento. Considerando o contexto apresentado, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I. Para reduzir a ocorrência da segregação de pós, indica-se a ordenação da mistura, entre outros artifícios. PORQUE II. Na mistura ordenada, mesmo com partículas de pós com tamanhos distintos, o índice de segregação é relativamente baixo devido ao carreamento das partículas menores pelas partículas maiores. A respeito das asserções, assinale a alternativa correta. a. As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justi�ca a I. b. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não justi�ca a I. c. A asserção I é uma proposição verdadeira e a II, falsa. d. A asserção I é uma proposição falsa e a II, verdadeira. e. As asserções I e II são proposições falsas. REFERÊNCIAS ALLEN, L.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 8. ed. São Paulo: Jones & Bartlett, 2006. AULTON, M. E.; TAYLOR, K. M. G. Aulton: delineamento de formas farmacêuticas. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. E-book. Disponível em: minha biblioteca. 0 V e r a n o ta çõ e s BERMAR, K. C. O. Farmacotécnica – Técnicas de manipulação de medicamentos. 1. ed. São Paulo: Érica, 2014. E-book. Disponível em: minha biblioteca. BRITTES, J. M.; MOREIRA, A. C. Estudo de diferentes processos de mistura de pós – usados para o preparo de cápsulas em farmácias magistrais. Revista Contexto Saúde, Ijuí, v. 5, n. 10, p. 47-53, jan./jun. 2006. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoesaude/article/view/1380/11 39. Acesso em: 19 nov. 2020. GENNARO, A. R. Remington – A ciência e a prática da farmácia. 20. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. ISENSEE, D. B. Análise comparativa de formulações cosméticas sulfatadas x formulações cosméticas não sulfatadas. 2016. 40 f. Monogra�a (Graduação em Engenharia Química) - Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo, Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2016. 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