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Joseph Hudnud (1884-1968) publicado na Architectural Record #97 maio de 1945 ; traduzido por Gustavo Rocha-Peixoto a partir de: Oakman, J. Architecture culture 1943-1968, a documentary anthology. Columbia Books of Architecture/Rizzoli: Nova Iorque, 1993. A casa pós-moderna Tenho pensado sobre essas casas pré-fabricadas, produtos puros da pesquisa tecnológica e da manufatura que nos são prometidas tão logo alguns pequenos detalhes financeiros e de distribuição estejam resolvidos: casas feitas de plástico ou aço-cromo por máquinas gigantescas que despejadas por linhas de montagem por dezenas de milhares, remetidas para qualquer parte por encomenda telefônica e, finalizadas para uso pelo processo simples de apertar um parafuso. Tenho tentado capturar uma dessas casas com os olhos de minha mente para construir aqui. Não apenas sua forma e feições, mas a vida dentro dela para dar-lhe, se meus leitores me perdoarem, uma habitação local e um nome. Fui auxiliado recentemente nesse esforço por uma viagem de avião para Nova Iorque. Quando deixamos Boston voamos sobre um estacionamento junto a um estádio de basebol e meia hora depois, quando nos aproximávamos de Nova Iorque, sobrevoamos aquela área imensa de estacionamento que fica junto de Jones Beach. Em cada um desses, milhares de automóveis estavam arrumados em espinha de peixe. Todos, tanto quanto se pode ver do céu, exatamente semelhantes em forma, exceto por pequenos caprichos aerodinâmicos e niquelados, configurando a colheita perfeita da mente tecnológica não adulterada pela arte. Pareceu a mim que estacionados desse jeito, esses milhares de automóveis prefiguravam subúrbios futuros onde cada família terá sua concha padronizada, serial e móvel, indistinguíveis das de seus milhares de vizinhos exceto por uma escolha de cor e as ambições (relativas) de seus proprietários para morar no último modelo. Agora estou advertido de que essa uniformidade no projeto de casas para a maior parte da humanidade é freqüentemente uma condição necessária e nem sempre indesejável – uma circunstância claramente ilustrada por esse aguaceiro das casas de veraneio de Cape Cod que está agora mesmo saturando nossas paisagens da Nova Inglaterra e que é, talvez, tanto um prenúncio da estandardização de nossas casas quanto os automóveis estacionados. Tal como os automóveis há uma importante diferença entre essas milhões de cabanas de madeira e as formas mais rigorosas das casas pré-fabricadas, uma diferença apenas indiretamente relacionada com os materiais e processos de fabricação. A casa pré- fabricada, como eu a imagino, não consegue conferir à minha mente essa totalidade de impressão que a palavra casa (significando uma construção ocupada por uma família) sempre denotou. Deixa escondida essa idéia de lar que desencadeia tantas nuances de pensamento e sentimento. Meus leitores podem denunciar meu romantismo, se quiserem – mas será que conseguem conceber um lar sem romance? – Entretanto não encontro em nenhum desses tipos de casa prefiguradas nos ensaios de tecnólogos essa promessa de felicidade que é a qualidade importante de todas as aparências. Minha impressão é obviamente compartilhada por um público amplo – circunstância que explica em parte a persistência com que a gente, apesar de apaixonada pela ciência, se apega aos padrões familiares de suas casas. Entre os soldados que escrevem cartas para mim há, por exemplo, um em Tóquio que descreve com algum detalhe e não sem eloqüência, os diversos utensílios para poupar trabalho, as novas idéias em planejamento, os novos materiais, isolamentos e condicionamentos de ar que existem para embelezar sua casa nova. Ele termina a carta com a esperança confiante que tudo isso em nada mudará o projeto da casa que ele espera que eu construa para ele. Ele tem em mente, se o entendi corretamente, uma cabana de Cape Cod que, além de aberta, será vista como uma geladeira-de-morar. Não estou absolutamente seguro de qual desses requisitos, considerando-os como contraditórios, é mais importante. Sabendo que eu sou um arquiteto afetado pelo modernismo, meu soldado teme que eu possa ficar tentado a pendurar sua casa em uma árvore, ou girá-la em torno de um mastro ou, quem sabe, dar-lhe o formato de um feijão de alumínio. E suponho que ele queira evitar que o meu entusiasmo por um absolutismo tecnológico possa me conduzir tão longe. Ele gostaria de todos os novos inventos técnicos, mas os quer temperados com aquele quadro, sentimento e símbolo que, para alguém escrevendo de Tóquio, parece ser de igual importância. Ele ficaria com a mecanização mas, na frase de um consagrado historiador da arte, não deixaria a mecanização assumir o comando. Eu não ficaria surpreso de saber que seus requisitos refletem exatamente os do Exército, da Marinha, da Força Aérea, da WAC, e da WAVES. Nossos soldados já estão bastante estragados pelas felicitações e, devo admitir, há ainda outra instância na qual sua persistência ultrapassa os juízos da ciência. Além da ingenuidade superficial na carta do meu amigo está expressa uma idéia de importância crítica para a arquitetura: uma idéia muito antiga, para ser sincero, mas que parece freqüentemente ser esquecida pelos arquitetos: a forma completa e ordenada de nossas casas não é derivada da evolução das técnicas construtivas ou dos conceitos de planejamento. Não procede apenas daí. Não podem ser imaginados inteiramente a partir dessas premissas. Nos corações das pessoas ela está relacionada a algo muito além da ciência e dos usos da ciência. Quero ser bem compreendido a esse respeito. Não sou excessivamente adepto das cabanas de Cape Cod. No seu habitat nativo elas são bonitas de forma e charmosas em sua franqueza, entretanto acho seu tipo um pouco tedioso agora que foi repetido quatro ou cinco milhões de vezes. Desejo que esses empreiteiros que espalham suas nebulosas brancas de casas em torno de nossas grandes cidades possam de vez em quando testar o mercado com alguma outra forma de bombom. Para falar francamente isso não representa uma espécie de exploração mais justificável do que qualquer outra. Entretanto é fato, patente para o mais superficial observador, que milhões de pessoas acham, nas mudanças da arquitetura, compensações para uma experiência que muitos deles ignoram. Eles são os substitutivos tímidos porém necessários para a experiência de uma arquitetura em que os valores emocionais são confundidos com valores tecnológicos. Até que concluamos que as cabanas de Cape Cod tomaram o comando. Nossos arquitetos são freqüentemente seduzidos pelos novos encantos de suas técnicas. Conheci arquitetos cujas atitudes e ideais não diferem das dos engenheiros; que acham recompensa suficiente para seu trabalho nas satisfações intelectuais advindas de suas invenções; que são bastante indiferentes para as conseqüências formais de suas construções – a beleza é, para eles, uma flor que desabrochará livre sob seus pés. Há outros que descobrem com tal excesso de fervor as possibilidades dramáticas dos balanços de concreto e dos pilotis de ferro que esquecem de perguntar se elas são, de alguma maneira, apropriadas para a idéia a ser expressa. Há ainda outros cuja lógica é tão absoluta que não admitem uma forma graciosa que não seja explicada por necessidade econômica ou por virtuosismo técnico, nem permitirão que se aprecie qualquer beleza que não seja justificada pela régua de cálculo, e com freqüência a beleza só será reconhecida, em suas salas calculadas, após alguma demonstração. Como um anjo-da-guarda a máquina entra em nossas casas para dar nova perspectiva e economia, uma nova ordem e eficiência, ao processo da vida quotidiana, para aumentar as horas livres; para desfazer mil tiranias de costume e preconceito, para remover montanhas de trabalhos penosos de nossos ombros. Como o arauto de um jovem rei recém coroado, a máquina anuncia uma nova dinastia e saúda sua autoridade libertadora. Como umaaragem primaveril a máquina purifica e revigora. Arquitetos estão certos de amar a máquina; não poderiam, de outro modo, construir uma casa moderna. Estão certos de amar a máquina, mas não podemos permitir que ela extinga o fogo em nossos peitos. As formas e relações, as qualidades e arranjos de cor, luz, texturas e os mil outros elementos da construção pelos quais o espírito humano se faz conhecer; eis a substância essencial de uma casa, de forma alguma coincidentes com os padrões da economia ou do bem estar físico. Por elas nossas paredes devem ultrapassar a utilidade para encerrar essas coisas etéreas sem as quais uma casa é, em qualquer sentido real, um objeto inútil. Por elas falam dentro de nós a segurança e a paz, as lealdades íntimas, o amor e a terna afeição das crianças, o romance que nossos soldados anseiam, a aventura tantas vezes revivida e sempre nova; e nem isso é demais a esperar de uma casa. Há um modo de trabalhar, às vezes denominado arte, que confere às coisas feitas pelo homem, qualidades de forma além das demandas econômicas, sociais e éticas; um modo de trabalhar que harmoniza conosco alguma parte do ambiente criado por nós; que faz esse ambiente, pela educação, uma experiência universal; que transforma a ciência da construção em arquitetura. Se um jantar vai ser servido, é a arte que prepara o alimento, determina a ordem do serviço, prepara e arranja a mesa, estabelece e dirige as convenções do traje e da conversa, e tempera o conjunto com essa cerimônia que, muito antes de Lady Macbeth nos esclarecer, era o melhor dos molhos. Se uma história vai ser contada, é a arte que confere aos eventos proporção e clímax, os fortalece com contraste, tensão e a palavra relevante, os colore com metáfora e alusão e, assim, os torna cognatos e suaves ao coração. Se uma prece vai ser dita, é a arte que a conjuga com música, a cerca de observâncias ancestrais, a resguarda nas abóbadas solenes das grandes catedrais. As formas de todas as coisas feitas pelo homem são determinadas pelas suas funções, pelas leis dos materiais e da energia, pela aceitação do mercado (às vezes) e os termos da manufatura; mas essas formas podem ser também determinadas pela necessidade, mais antiga e mais imperiosa que nossas técnicas atuais, por alguma segurança de importância e valor nessas coisas que orientam a humanidade. Isso é verdade também para todas as formas de fazer, para todos os padrões de trabalho e conduta e ostentação. É verdade para a casa e para tudo o que faz parte da casa; porque aqui, entre todas as coisas feitas é o que impressiona mais imediatamente o espírito – o símbolo, a insígnia e o coração de uma família. O templo mesmo cresceu dessa raiz; e a Casa de Deus, que a arquitetura celebra com seus mais gloriosos dons, é apenas um simulacro e a afirmação suprema do conhecimento espiritual que, primeiro, iluminou a vida da família e só depois as vidas dos homens vivendo em comunidade. Aqui está aquele abrigo que o homem modelou na terra há um milhão de anos, a cova que tornou-se choupana, a caverna, a habitação protegida, o alojamento Sioux, e os milhares de outras construções com que nossa invenção incansável cobriu a terra até hoje; o abrigo que em um milhão de formas acompanhou a longe jornada do homem, seu companheiro e escudo e vestimenta externa. Aqui está esse lar que primeiro conformou e disciplinou nossas emoções e, por séculos afora, formou e confirmou os hábitos e as valorações sobre os quais repousa a sociedade humana. Aqui está aquele espaço que o homem aprendeu a remodelar em padrões de acordo com seu espírito: o espaço que ele transformou em arquitetura. Esse tema, tão lírico em sua natureza essencial, pode ser parodiado pela ciência. Um excesso de realismo fisiológico, por exemplo, pode desmontar e desfigurar o espírito tão engenhosamente quanto aquele excesso de açúcar que o ecletismo em seu aspecto popular despeja na casa suburbana. Uma ‘afirmação destemida’ das funções de nutrição, dormição, educação, procriação e descarte do lixo é premissa tão falsa de projeto quanto a confusão de telhados incoerentes, grandes chaminés, dormitórios esquisitos, essa simetria pretensiosa de janelas fechadas e bandeiras de porta, que formam os mais decorosos disfarces de Bronxville e Wellesley Hills; nem tenho uma fé firme na bonita linguagem e altas intenções daqueles sociólogos que chegam à arquitetura através de “um estudo analítico de fatores ambientais favoráveis aos requisitos de vida de famílias consideradas como instrumentos de continuidade social”. Estou menos convencido pelos biólogos, especialmente aqueles que criaram uma humanidade vegetal a ser preservada, ou resfriada, ou propagada em caixas criadas para tais propósitos. Quero dizer essas pessoas que fazem diagramas demonstrando o impacto sobre o espaço de uma senhora que arranja um buquê ou um cavalheiro que se veste para jantar ou 3,81 crianças brincando e, então, convidam arquitetos para compor suas salas a partir desses “determinantes básicos”. Meus requisitos são um tanto mais sutis que um tomate maduro ou de um hipopótamo engaiolado, qualquer que seja a opinião da Fundação Pierce. Desenvolvemos ultimamente uma nova linguagem de forma estrutural. Essa linguagem é capaz de profunda eloqüência; no entanto a usamos raramente como linguagem. Assim como os estilos históricos de arquitetura estão afastados das modernas tecnologias, e por esse afastamento perdem vitalidade e vivacidade que deveria vir de uma referência direta ao nosso tempo. Assim nossos novos motivos são afastados da déia a ser expressa. Eles não têm origem na idéia mas em problemas de construção e em princípios de planejamento. Não aprendemos ainda a conferir-lhes significados bastante persuasivos. Eles têm frequentemente qualidades estéticas interessantes, nos detêm pela sua novidade e sua dramaticidade, mas com muita freqüência, têm muito pouco a nos dizer. Os arquitetos da tradição Georgiana1 eram tão ciosos do progresso na ciência de construir quanto nós. Eles projetaram suas casas com o mesmo cuidado pelo uso prático que tinham, por exemplo, por suas carruagens e seus navios e, no entanto, sua primeira preocupação era pelo seu estilo de vida. Quando eu visito as ruas de Salem não fico tão convencido como alguns de meus colegas de que seus arquitetos padeciam de uma escolha limitada de materiais e sistemas estruturais. Erguida no meio de uma cultura estranha aos seus formalismos refinados, essas casas tornam patente para mim a idéia que deveriam captar. Eu as entendo como deveria entender uma canção numa língua estrangeira. Estamos prontos para confundir novidade com progresso e progresso com arte. Digo aos meus estudantes que houve nobres edifícios antes da invenção da madeira compensada. Eles me ouvem com indulgência, mas não acreditam em mim. Às vezes penso que devemos defender nossas casas contra os novos processos de construção e contra as formas estéticas que eles acarretam. Precisamos lembrar que as técnicas têm um valor extremamente limitado como elementos de expressão. Sua competência repousa no jeito que as usamos. Entretanto elas podem nos intrigar, elas não têm lugar no projeto de uma casa a não ser que realmente sirvam ao propósito do lar e sejam conexas com seu temperamento. Quando, como geralmente ocorre, sua única virtude é sua exibição, sua natureza adventícia logo é notada. Elas são, neste caso, um empecilho à melodia tão grande quanto excesso de ornamentação. O balanço mais poderoso que projeta minha casa sobre o quintal ou uma cascata; essa parede flexível e pele esticada; esses fanatismos de tijolo de vidro; essas estranhas levitações de minha casa sobre a terra firme – desafiam minha mente mas não meu coração. Um mestre pode usá-las por sua conta e risco, mas para o uso diário da natureza humana, ainda temos proporções, ordenamentos domésticos, superfícies murais tranqüilas, bons modos, senso comum e amor. Esses são também excelentesmateriais de construção. 1 Georgiano: referente à época dos reis Jorge I, II, III e IV da Inglaterra, isto é, de 1660 a 1830 (N.doT.) O mundo não vai pedir aos os arquitetos lhe explique que esta é uma idade de invenção, de excitações novas e experiências e forças. Avião, rádio, bomba-V e as obras gigantes de engenharia o explanarão mais persuasivamente que qualquer de nossas grandes invencionices. Diante dos píncaros da indústria nossa mulher barbada não haverão de embasbacar por muito tempo o populacho. Deve-se entender que eu não desprezo as dádivas de nossas novas ciências; e certamente os arquitetos dos anos 1920 fizeram demonstrações convincentes de sua utilidade na arte da expressão. Eles não usaram as invenções estruturais em proveito próprio nem apenas em proveito da economia e utilidade, mas como elementos de uma linguagem. O funcionalismo foi uma característica secundária de sua arte expressiva que tinha como concepção básica, no que diz respeito à casa, uma pesquisa de forma que deveria expor uma fase contemporânea de um aspecto antigo da vida. Com essa finalidade novos materiais foram utilizados, os velhos abandonados; mas a verdadeira confiança não era nos materiais mas nas relações entre os elementos arquitetônicos – entre os quais o espaço fechado foi o meio principal. Paredes e tetos foram usados como meios para estabelecer composições espaciais. Para compor com prismas em vez de massas, para abolir a fachada e trabalhar com forma total, para evitar o sentido de fechamento, para aceitar uma estrutura como precisa e escrupulosa se apenas contar com técnicas consoantes com a cultura do dia. Esses foram os métodos importantes de uma arquitetura que jamais se propôs como definida ou ‘internacional’ – que ofereceu apenas uma base sobre a qual novo progresso foi possível, um princípio que deveria ter sua feição própria em cada nação e em cada clima. Não deveria me arriscar aqui a afirmar um credo já tantas vezes reafirmado, se uma enxurrada recente de crítica não houvesse distorcido essa arquitetura até virar um “funcionalismo frio e descomprometido”; se não se tornasse a desculpa para um materialismo árido inteiramente alheio à sua vontade. Não precisamos confiar na maravilha e no dramatismo de nossas invenções mas nas qualidades que lhes podemos dar para além da maravilha e da utilidade. Tome, por exemplo, espaço. De todas as invenções da arquitetura moderna o novo espaço é, ao que me parece, o mais apto a atingir uma significado profundo. Quero dizer com isso que atingimos uma nova ordenação do espaço, mas também uma nova qualidade do espaço. Nossa nova estrutura e nossa nova liberdade em planejamento – uma liberdade, ao menos em parte, possibilitada pelo teto plano – nos deixaram livres para modelar o espaço, para defini-lo, para dirigir seu fluxo e relacionamentos; e ao mesmo tempo deu ao espaço uma elegância etérea desconhecida das arquiteturas históricas. Nossa estrutura nova permite quase toda forma e relação nesse espaço. Você pode dar a ele a proporção que melhor lhe agradar. A cada mudança na altura e largura dos planos que o encerram em relação aos espaços que abrem para ele, você lhe confere nova expressão. O espaço moderno pode ser torto ou curvo, pode ser dinâmico ou estático, elevado ou acachapado, fluir entre panos de vidro para conectar-se com o pátio ou jardim, quebrar-se em fragmentos em volta de alcovas e galerias, filtrar-se através de cortinas ou terminar abruptamente contra um muro de pedra. Você também pode dar-lhe equilíbrio e ritmos simétricos. Se nós quisermos, pois, expressar nessa nova arquitetura a idéia de lar, se quisermos dizer nessa linguagem convincente que essa idéia acompanha a marcha da indústria e a natureza cambiante da sociedade, teremos para isso um amplo vocabulário apenas nos diferentes aspectos do espaço. Claro que eu abri essa pequena dissertação sobre espaço para ilustrar esse riqueza de recursos. Não tive a intenção de fazer um tratado. Eu poderia, com a mesma relevância, ter mencionado a luz, que é certamente um meio tão feliz de projeto moderno, ou os novos materiais que abrem uma palheta tão diversificada de texturas e cores, ou as formas e energias de nossos novos tipos de construção, ou as relações com o lugar e com a natureza possibilitadas pelos novos princípios de planejamento. Ainda há as artes da pintura e da escultura, do mobiliário, dos têxteis, metalurgia e cerâmica – cada um dos quais são ou deveriam ser acessórios harmônicos da arquitetura. Ouvimos arquitetos explicarem com fórmulas, cálculos, diagrama e todas as maneiras de linguagem auricular as vantagens da parede de vidro – de áreas amplas de vidro plano abrindo para um jardim – quando bastava dizer que esta é uma das mais adoráveis idéias já concebidas por um arquiteto. Quem sente as paredes não precisa computá-las. Quem é surdo aos ritmos dos grandes quadrados de vidro realçados por panos tranqüilos de muro absorvente de luz não pode apreciar arquitetura. Como eles estão livres desses “buracos furados num muro”, desse equilíbrio e formalismo rígido nas aberturas que proclamam o modo Georgiano; como podemos admitir a luz onde queremos, inventamos, com efeito, um novo tipo de luz. Podemos dirigir a luz, controlar sua intensidade e colorações, dispersá-la sobre o espaço, arremessá-la em respingos brilhantes contra uma parede, dissolvê-la e condensá-la em piscinas tranqüilas, e desses cientistas que trabalham nas novas modas da luz artificial, não apenas novas eficiências e nova economia, mas novo fulgor de vida. Espaço, estrutura, textura, luz – são menos elementos de uma tecnologia que de uma arte. São as cores do pintor, os sons do músico, as imagens de que os poetas constroem sua arquitetura invisível. Como a cor, o som e a imagem, eles servem melhor ao homem quando são usados para tornar conhecida a graça e dignidade do espírito humano. Claro que sei que a arquitetura moderna pode ajustar seus processos ao padrão envolvente da indústria, que os métodos construtivos podem atingir uma unidade essencial com todos os outros processos pelos quais, nesse mundo mecanizado, os materiais são montados e conformados para nós. É sem dúvida que a natureza atacadista da nossa natureza nos impõe monotonia e banalidade maiores que as das arquiteturas passadas – uma condição que não tende a ser remediada pela pré-fabricação – e é sem dúvida que nossas casas, à medida que se conformam melhor aos avanços da tecnologia, escaparão cada vez mais ao controle da arte. Maior inimigo da arquitetura ainda serão essas padronizações de pensamento e idéia já amplamente estabelecidas em nosso país; essa sociedade linha-de-montagem que estampa os homens aos milhões com atitudes de massa e êxtases de massa. Nossos padrões de julgamento serão progressivamente formados por propaganda e demais operações convenientes à indústria. Não posso imaginar um proprietário romântico para minha futura casa, não posso defender as preferências de meu cliente como fraquezas e aberrações normalmente mencionadas como a ‘natureza humana’. Não ele não deve ser um proprietário moderno, se tal coisa for concebível. Livre de todo sentimentalismo ou fantasia ou capricho, sua visão, seus gostos, seus hábitos de pensamento devem ser os mais necessários a um esquema de vida coletivo-industrial; O mundo deve, se lhe agrada, parecer como um sistema de seqüências fortuitas transformadas cada dia pelos milagres cumulativos da consciência. Ainda assim ele clamará para si algumas experiências interiores, livre de controle externo, preservado da profanação pela consciência coletiva. Essa oportunidade, quando o universo estiver socializado, mecanizado e padronizado, será notada no lar, já que sua casa é o produto mais preciso dos processos modernos que serão invadidos em sua invulnerável lealdade contra o assédio de nossas máquinas. Será tarefa do arquiteto, como hoje, compreenderessa lealdade – mais firmemente que qualquer outra pessoa – e, invicto graças a todos os armamentos da indústria, dá-lo à luz em seu caráter verdadeiro e belo.