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UNIDADE DE APRENDIZAGEM OBESIDADE NUTRIÇÃO CLÍNICA I 1 • Breve contextualização • Objetivos da Disciplina • Apresentação do E-book • 1. Unidade 1 • 2. Unidade 2 • 3. Unidade 3 • 4. Unidade 4 • 5. Unidade 5 • 6. Unidade 6 • 7. Unidade 7 • 8. Unidade 8 • 9. Unidade 9 • 10. Encerramento do E-book ............. 03 ............. 03 ............. 03 ............. 04 ............. 14 ............. 24 ............. 37 ............. 48 ............. 61 ............. 73 ............. 86 ............. 93 ............. 102 Sumário 3 APRESENTAÇÃO DO E-BOOK: Seja bem-vindo(a) ao mundo da nutrição clínica! Ao longo desta jornada de aprendizado, iremos explorar nove unidades das doenças mais comuns na prática clínica do nutricionista: na obesidade, diabetes mellitus, nas doenças cardiovasculares, no sistema gastrointestinal superior (boca, estômago e esôfago), no intestino e pâncreas, nas neoplasias, doenças carenciais e desnutrição, distúrbios da tireoide, distúrbios renais e neurológicos. Ao longo de cada e-book, iremos nos aprofundar em cada um desses temas e iremos conhecer as definições, epidemiologia, etiologia e tratamentos, bem como os princípios da dietoterapia de cada condição. Desejamos que este e-book seja um valioso norteador para sua formação. Cada tema abordado fornecerá um conhecimento essencial para que você possa se tornar um profissional qualificado e preparado para lidar com os desafios da prática clínica em nutrição. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Neste e-book, buscaremos compreender as causas, epidemiologia, tratamentos e o papel da nutrição no manejo adequado da obesidade, uma condição que afeta uma parcela significativa da população. OBJETIVOS DA DISCIPLINA: Orientar o estudo das enfermidades, com a profundidade necessária para a identificação dos fatores etiológicos e patogênicos, dos mecanismos fisiopatológicos, dos quadros clínicos e das condições mórbidas decorrentes destes, e conhecer a conduta dietoterápica adequada a essas enfermidades, para casos individuais e coletivos. 4 OBJETIVO DE APRENDIZAGEM DO CAPÍTULO: Identificar as principais causas e fatores de risco envolvidos no desenvolvimento da obesidade, bem como sua epidemiologia, etiologia e tratamentos disponíveis atualmente, incluindo a dietoterapia aplicada à obesidade. PARA INÍCIO DE CONVERSA: Neste primeiro capítulo dedicado ao estudo da obesidade, iremos nos aprofundar na compreensão dessa doença crônica que hoje pode ser considerada uma pandemia e um grave problema de saúde pública. Como futuros nutricionistas, é de extrema importância o estudo abrangente da obesidade, suas causas e seu impacto tanto na saúde individual quanto na saúde pública. Com taxas de prevalência em crescimento constante, a obesidade é um fator de risco associado a diversas complicações de saúde e seu manejo requer uma abordagem multiprofissional, sendo que a intervenção dietética desempenha um papel fundamental no tratamento. Além disso, a prevenção da obesidade e o estímulo à adoção de hábitos de vida saudáveis é tão importante quanto o tratamento quando a doença já está instalada. FONTE: ENVATO 5 1. DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2000), a obesidade é definida como uma doença crônica caracterizada pelo acúmulo de gordura corporal depositada em diferentes partes do corpo e que pode gerar danos à saúde. Para o diagnóstico da obesidade, o Índice de Massa Corporal (IMC) é o cálculo mais utilizado, sendo: IMC = peso (em quilos) Altura² (em metros) O resultado é dado em kg/m², onde: O IMC é um indicador rápido, simples, fácil de ser aplicado e sem custo. No entanto, não deve ser utilizado isoladamente para o diagnóstico da obesidade em adultos, pois possui limitações importantes, entre elas: não diferencia composição corporal (massa magra e massa de gordura) e não é totalmente correlacionado com gordura corporal, podendo ser superestimado em casos de pessoas com alto peso corporal proveniente de músculos. Além disso, é menos preciso na avaliação nutricional de idosos devido às mudanças em composição corporal características do envelhecimento (MANCINI; MELO, 2017). Além do IMC, também é possível avaliar a circunferência abdominal (CA), que está relacionada ao conteúdo de gordura visceral, sendo as medidas de corte: 6 ≤90 cm para homens e ≤80cm para mulheres, conforme o International Diabetes Federation (IDF), ou por meio dos pontos de corte propostos pelo National Cholesterol Education Program (NCEP), de ≤102 cm para homens e ≤88cm para mulheres. Outros métodos de diagnóstico da obesidade incluem a estimativa da composição corporal pelas pregas cutâneas (aferição com adipômetro) e bioimpedância elétrica. Importante: A adipometria possui limitações em indivíduos obesos devido à dificuldade de pinçamento de dobras com grande espessura e separação da gordura subcutânea do músculo. Também é possível a avaliação por meio da absorciometria com raios-X de dupla energia (DEXA) e técnicas de imagem como ressonância magnética e tomografia computadorizada, no entanto, estas apresentam custo elevado e limitação de uso na prática clínica (ABESO, 2016). 2. EPIDEMIOLOGIA É alarmante o aumento expressivo da prevalência da obesidade em várias populações ao redor do mundo, incluindo o Brasil. O World Obesity Atlas (WOF, 2023) prevê que 51% da população mundial (mais de 4 bilhões de pessoas) serão obesas nos próximos 12 anos, caso nenhuma medida efetiva de saúde pública seja tomada. A previsão para o Brasil é que em 2035, 41% da população adulta será obesa. O relatório estima, ainda, que em 2035, o impacto financeiro para o tratamento da obesidade e das comorbidades a ela relacionadas, no Brasil, será de R$100 milhões. Dados do Vigitel (2019) apontam que aproximadamente 19,8% da população adulta brasileira está obesa, sendo 18,7% dos homens e 20,7% das mulheres (BRASIL, 2020). Figura 2 – Adipometria FONTE: FREEPIK FIGURA 3 – Hemodiálise FONTE: IMAGENS CANVA 7 Curiosidade: A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) disponibiliza o Mapa da Obesidade em seu site (https://abeso.org.br/ obesidade-e-sindrome-metabolica/mapa-da-obesidade/). Para conhecer os índices de obesidade nas capitais brasileiras, passe o mouse em cima de cada estado. 3. ETIOLOGIA E OBESIDADE COMO FATOR DE RISCO A obesidade é considerada uma doença complexa e de origem multifatorial, não devendo ser pensada apenas como resultado do desequilíbrio entre a alta ingestão calórica e gasto energético (WHO, 2000). Sua etiologia é resultante de fatores genéticos, ambientais, de estilo de vida, socioeconômicos e emocionais (LYSEN; ISRAEL, 2012; ABESO, 2016): Fatores genéticos: certos genes podem influenciar o metabolismo, a fome e a saciedade, por exemplo, a distribuição da gordura corporal, o número e tamanho dos adipócitos (células de gordura) e a taxa metabólica de repouso. No entanto, é importante ressaltar que os genes não são os únicos determinantes e interagem com fatores ambientais. • Fatores ambientais: incluem a disponibilidade e acesso aos alimentos, ambiente obesogênico, influência social e cultural, ambiente escolar/ trabalho e influência do marketing nas escolhas alimentares. • Estilo de vida: aqui incluem-se principalmente os maus hábitos alimentares e inatividade física. A baixa ingestão de alimentos in natura em combinação com o aumento da ingestão de alimentos ultraprocessados (AUP) contribui para o excesso de peso. Além disso, a urbanização, o aumento da dependência de meios de transporte motorizados e o uso excessivo de dispositivos eletrônicos contribuem para um estilo de vida mais sedentário, reduzindo a quantidade de calorias gastas e aumentando o risco de ganho de peso. FONTE: FREEPIK 8 • Fatorese leite e derivados (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). B) DIARREIA A diarreia é um sintoma caracterizado pelo aumento da frequência evacuatória, com presença de fezes amolecidas ou líquidas e ocorrência de perda de eletrólitos, em especial sódio e potássio. A diarreia pode estar associada a infecções (bacterianas, virais ou fúngicas), consumo de alimentos estimulantes do funcionamento intestinal (como açúcares e gorduras) ou alterações na mucosa intestinal que causam má absorção (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). A diarreia pode ser diferenciada quanto à sua etiologia: Importante: O tratamento médico envolve a utilização de medicamentos que tem como princípio a atração de água para o intestino, favorecendo assim a evacuação. O tratamento nutricional consiste na adequação da ingestão de fibras da dieta, tanto solúveis quanto insolúveis, e aumentar a ingestão de líquidos. As fibras atuam no aumento da quantidade de água nas fezes no cólon, aumento da massa microbiana (que corresponde a 60-70% do peso das fezes), aumento da frequência de evacuação e da taxa de trânsito pelo intestino. Em associação ao adequado consumo de líquidos, as fibras amolecem as fezes, tornando-as mais fácil de serem eliminadas (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). É recomendada uma ingestão mínima de 25 g de fibras ao dia, sendo este o valor recomendado para mulheres adultas. Para os homens, esse consumo deve ser de cerca de 30g ao dia. 51 O tratamento médico visa identificar a causa da diarreia e tratá-la. É prudente que se administre líquidos e reponha eletrólitos devido às perdas, com atenção especial ao especial sódio e ao potássio (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). A alimentação pode seguir o seguinte modelo: C) DOENÇA CELÍACA A doença celíaca é um distúrbio crônico do sistema imunológico que afeta o intestino delgado. É causada pela ingestão de glúten, uma proteína encontrada em cereais como trigo, cevada e centeio. Nas pessoas com doença celíaca, o sistema imunológico reage ao glúten e danifica as vilosidades intestinais, responsáveis pela absorção de nutrientes no intestino delgado. Os sintomas da doença celíaca incluem anemia, diarreia crônica, perda de peso, fadiga, inchaço abdominal, dor abdominal, vômitos, erupções cutâneas com prurido, osteoporose, infertilidade, entre outros. Em crianças, a doença celíaca também pode afetar o crescimento e o desenvolvimento. O padrão ouro para diagnóstico é a biópsia intestinal, mas devido à complexidade, são considerados achados clínicos, laboratoriais e avaliação histológica (SEMRAD, C. E., 2016). Quando a doença celíaca não é tratada, a resposta imunológica e inflamatória causada pelo glúten leva ao achatamento e atrofia das vilosidades intestinais, levando 52 O único tratamento efetivo atual para a doença celíaca é a adoção de uma alimentação sem glúten. Isso significa evitar todos os alimentos que contenham trigo, cevada, centeio e seus derivados. Também é necessário ter atenção com a contaminação cruzada de alimentos (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). Incluem-se nos alimentos que contém glúten: 1) trigo (cuscuz, trigo duro, semolina, triticale, gérmen de trigo), centeio, cevada, aveia (exceto as que tenham no rótulo que não contém glúten), farinha com baixo teor de glúten; 2) batatas fritas ou carnes empanadas quando fritas em óleo reutilizado que tenha sido utilizado para fritar outros alimentos (contaminação cruzada), massas, macarrão, amido de trigo, recheios, tortilhas de farinha, croutons; 3) bolachas, biscoitos feitos com farinha de trigo, salgadinhos de centeio, pão ázimo, cerveja, bebidas com malte; 4) sorvete com pedaços de cookies, pretzels, massa de torta, bolos, alimentos feitos com farinhas que contém glúten. Além da exclusão do glúten da dieta, recomenda-se substituir a farinha de trigo por farinha de milho, batata, arroz, soja, tapioca e araruta; pode ser necessária a suplementação de vitaminas e minerais, cálcio e vitamina D, orientar o paciente a ler os rótulos dos alimentos a fim de identificar aqueles que não contém glúten e encaminhar para grupos de apoio a pacientes celíacos (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). ao comprometimento das funções secretórias, digestivas e absortivas, causando deficiências nutricionais, principalmente relacionadas ao ferro, cálcio, magnésio, zinco, vitamina C, vitaminas do complexo B e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). Importante: A aveia é um cereal naturalmente isento de glúten, no entanto, durante seu processamento é comum que ocorra a contaminação cruzada através dos cereais que contém glúten. Celíacos devem sempre observar o rótulo da aveia e encontrar a informação “livre de glúten” para garantir o consumo seguro. FIGURA 1 – Intestino na doença celíaca FONTE: WERNKE (2019) 53 O tratamento da intolerância à lactose envolve a redução ou eliminação do consumo de produtos lácteos ou o uso de produtos lácteos sem lactose, visto que o consumo de até 12g ao dia de lactose parece não apresentar sintomas importantes. Podem ser utilizados também suplementos de lactase, que podem ser ingeridos antes de consumir alimentos lácteos para auxiliar na digestão da lactose (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). Importante: A intolerância à lactose é diferente da alergia à proteína do leite de vaca (APLV). Enquanto na intolerância ocorrem sintomas relacionados ao trato gastrointestinal e a má digestão da lactose, na APLV os sintomas são relacionados a reações do sistema imunológico. E) DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTI- NAIS (DII) As duas formas mais prevalentes de doença inflamatória intestinal (DII) são a doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RU). A malignidade da doença é proporcional à duração, provavelmente pelo estado inflamatório e proliferativo aumentado (CARUSO, L., 2018). D) INTOLERÂNCIA À LACTOSE A intolerância à lactose é um distúrbio associado à deficiência da enzima lactase na borda em escova do intestino. Pode ser associada a defeitos congênitos raros, secundária a doenças que danificam o intestino (por exemplo, doença de Crohn) ou à genética (deficiência de lactase). A deficiência da lactase leva a má digestão da lactose, o carboidrato do leite e seus derivados, causando os sintomas gastrointestinais característicos da doença. Os sintomas comuns incluem desconforto abdominal, inchaço, gases, diarreia ou constipação, e, em alguns casos, náuseas. Esses sintomas geralmente surgem após a ingestão de alimentos ou bebidas que contêm lactose. O diagnóstico pode ser realizado pelo teste de respiração anormal de hidrogênio ou teste oral de tolerância à lactose (mais comum) (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). FIGURA 2 – Leite e derivados FONTE: FREEPIK 54 O tratamento médico envolve a utilização de medicamentos a fim de induzir e manter a remissão dos sintomas e melhorar o estado nutricional. Inclui os corticoesteroides, anti-inflamatórios, imunossupressores, antibióticos e anti-TNF. Já a dietoterapia tem como objetivo induzir a manter a remissão da doença, recuperar ou manter o estado nutricional, manter o crescimento em crianças e aplicar as recomendações nutricionais adequadas de acordo com o tipo de doença e grau de atividade (DRYDEN, G. W.; SEIDNER, D. L., 2016). As orientações nutricionais nas DII incluem: As DII compartilham algumas características, como diarreia, febre, perda de peso, anemia, intolerâncias alimentares, desnutrição, deficiência no crescimento e manifestações extraintestinais, como as relacionadas às articulações, dermatológicas e hepáticas, e se diferenciam conforme algumas características. FONTE: MD SAÚDE 55 Na maioria dos casos, o diagnóstico da SII pode ser feito com base na história clínica, com pouca necessidade de investigações adicionais, a menos que haja sintomas de alarme,como perda de peso, sangramento retal ou histórico familiar de DII ou doença celíaca (FORD, A. C. et al, 2020). O tratamento da SII inclui educação do paciente sobre a condição, mudanças na dieta, aumento da ingestão de fibras solúveis e o uso de medicamentos antiespasmódicos. Outros tratamentos são geralmente reservados para casos graves e podem incluir neuromoduladores centrais, medicamentos que favorecem a secreção intestinal, medicamentos que afetam os receptores opióides ou a serotonina e antibióticos (dependendo do padrão predominante de intestino – predominância de diarreia, predominância de constipação ou mista), bem como terapias psicológicas (FORD, A. C. et al, 2020). F) SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL (SII) A síndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio gastrointestinal caracterizado pela dor abdominal associada a alterações na forma ou frequência das fezes. Pode haver influência de outros sintomas como inchaço abdominal, sensação de evacuação incompleta, muco nas fezes, aumento da urgência e esforço evacuatório. Geralmente apresenta períodos de sintomas seguidos por períodos de remissão. A SII é mais comum em pessoas com distúrbios psicológicos e em mulheres jovens adultas. Embora a fisiopatologia da SII não seja completamente compreendida, é reconhecido que existe uma falha na comunicação entre o intestino e o cérebro, levando a distúrbios de motilidade, hipersensibilidade visceral e alterações no processamento do sistema nervoso central (SNC). Pode haver envolvimento de outros mecanismos, como associações genéticas, alterações na microbiota gastrointestinal e disfunções imunológicas e mucosas, embora ainda não sejam totalmente compreendidos (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S.,2012). FONTE: ADOBE STOCK 56 A dietoterapia para a SII envolve manejo dos sintomas dependendo do padrão predominante (constipação ou diarreia), bem como avaliar a tolerância a alguns alimentos como gorduras, cafeína, lactose, frutose, sorbitol e bebidas alcoólicas. O padrão alimentar low FODMAP (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis) restringe alimentos que contém frutose, lactose, fruto e oligossacarídeos e alcoóis de açúcar (sorbitol, manitol, xilitol e maltitol). Estes compostos são pouco absorvidos no intestino delgado, são altamente osmóticos e rapidamente fermentados pelas bactérias intestinais (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). No quadro a seguir constam os alimentos ricos em FODMAP: É recomendado que a reintrodução dos alimentos excluídos da dieta seja feita de maneira gradual, limitando apenas os irritantes, o que pode contribuir significativamente para a melhora da qualidade de vida e convívio social do paciente. 2. DOENÇAS DO PÂNCREAS A) PANCREATITE A pancreatite é a inflamação do pâncreas e pode ser dividida em: aguda, aguda grave e crônica. A forma aguda ocorre de forma repentina e é geralmente de curta duração. Pode ser causada por diferentes fatores, como o consumo excessivo de bebida alcoólica, doenças do trato biliar, hipertrigliceridemia, trauma abdominal, pós operatório de cirurgias abdominais, causas infecciosas (virais) e alguns medicamentos. Os sintomas da pancreatite aguda incluem dor abdominal intensa, frequentemente localizada na região superior do abdômen e podendo se estender para as costas, edema discreto, elevação das enzimas amilases, além de náuseas, vômitos, perda de apetite e febre. O tratamento consiste em jejum alimentar por 2 a 5 dias e uso de analgésicos até alívio dos sintomas (CARUSO, L., 2018). Assim que possível, a alimentação via oral deve ser iniciada para os pacientes com pancreatite aguda leve. Preferindo uma dieta com baixo teor de gordura (ARVANITAKIS, M. et al, 2020). 57 A pancreatite aguda grave ocorre quando além dos sintomas iniciais, também há distúrbios gerais mais graves, como insuficiência de órgãos, associada ao hipermetabolismo e alta mortalidade. O objetivo da terapia nutricional nesses casos é manter o repouso do pâncreas, com jejum via oral e preservação do estado nutricional (HASSE, J. M.; MATARESE, L. E., 2012). A terapia nutricional enteral (TNE) é indicada na pancreatite aguda caso o paciente tenha previsão de não conseguir se alimentar por via oral num período entre 5 a 7 dias. Deve ser a via preferencial em detrimento da nutrição parenteral e pode ser iniciada precocemente (dentro de 24 a 72h após admissão hospitalar). Na pancreatite aguda grave, pode ser necessária a suplementação de glutamina via parenteral quando a TNE não for tolerada (ARVANITAKIS, M. et al, 2020). A pancreatite crônica é caracterizada por inflamação persistente e duradoura do pâncreas, resultando em danos progressivos e irreversíveis ao tecido pancreático com comprometimento da absorção, e, em muitos casos, cursa com desenvolvimento de diabetes mellitus pela insuficiência na produção de insulina. O consumo excessivo de álcool a longo prazo e a pancreatite aguda recorrente são as causas mais comuns da pancreatite crônica. Os sintomas incluem dor abdominal persistente, perda de peso, diarreia (frequentemente com esteatorreia), náuseas, vômitos e desnutrição (HASSE, J. M.; MATARESE, L. E., 2012). Para a pancreatite crônica, o tratamento visa controlar os sintomas, melhorar a nutrição e prevenir complicações. Isso pode incluir mudanças na dieta, medicamentos para alívio da dor e melhora da digestão, suplementos enzimáticos e outras abordagens terapêuticas (HASSE, J. M.; MATARESE, L. E., 2012). Pode ser necessário que os pacientes sejam rastreados pelo menos anualmente para deficiência de micronutrientes. Para aqueles com desnutrição é necessário aumentar o aporte energético e proteico da dieta, em 5 a 6 refeições ao dia, além disso, deve-se evitar uma dieta com alto teor de fibras e a ingestão de bebidas alcoólicas. FONTE: FREEPIK 58 Não é necessário reduzir a ingestão de lipídios, a menos que haja persistência de esteatorreia, neste caso, deve-se reduzir a ingestão de lipídios a 20% do valor calórico total da dieta (ARVANITAKIS, M. et al, 2020). A utilização de TNE na pancreatite crônica pode ser considerada em caso de intolerância à alimentação via oral, ou nutrição parenteral quando há intolerância à TNE ou nos casos de obstrução gástrica e fístulas (ARVANITAKIS, M. et al, 2020). 3. DOENÇAS DO FÍGADO São englobadas nas doenças hepáticas crônicas (DHC) a hepatite, cirrose e insuficiência hepática. Uma das principais causas para a ocorrência das doenças hepáticas é a ingestão de bebida alcoólica. No metabolismo do álcool, é liberado o acetaldeído, um subproduto tóxico que causa danos à estrutura e função da membrana mitocondrial dos hepatócitos. O dano mais grave é a cirrose, que pode ser causada pelos vírus da hepatite B e C, ingestão excessiva de álcool, alguns medicamentos e doenças autoimunes (DE JESUS, R. P. et al, 2018). Os pacientes portadores de doenças hepáticas podem desenvolver sangramento gastrointestinal, encefalopatia hepática (EH), aumento da pressão sanguínea no sistema venosa portal causada pela obstrução do fluxo sanguíneo através do fígado (hipertensão portal), varizes esofágicas, ascite, edema, má absorção de lipídios, síndrome hepatorrenal, osteopenia, desnutrição, produção diminuída de albumina e outros distúrbios (HASSE, J. M.; MATARESE, L. E., 2012). Os objetivos da terapia nutricional na DHC incluem favorecer a aceitação da dieta e melhorar o aproveitamento dos nutrientes, suprir a demanda nutricional do organismo e manter o estado nutricional adequado, garantir a quantidade adequada de aminoácidos para manter o balanço nitrogenado e a síntese de proteínas de fase aguda e ao mesmo tempo que normalize a função hepática sem precipitar a EH (HASSE, J. M.; MATARESE, L. E., 2012). A EH é uma complicação da doença hepática em que as substâncias tóxicasque normalmente seriam eliminadas pelo fígado se acumulam no sangue e chegam ao cérebro, causando deterioração da função cerebral. FONTE: STOCK ADOBE 59 As orientações na EH incluem utilizar aminoácidos de cadeia ramificada e administração de terapia redutora de amônia (com lactulose, probióticos e simbióticos) (DE JESUS, R. P. et al, 2018). CONSIDERAÇÕES FINAIS: Na Unidade 5 pudemos explorar as principais doenças do intestino, do pâncreas e do fígado que ocorrem na prática clínica do nutricionista. O estudo dessas condições é amplo e seu conhecimento é de fundamental importância de maneira a prestar o suporte nutricional adequado a cada condição, auxiliando na manutenção ou recuperação da saúde. REFERÊNCIAS: ARVANITAKIS, M. et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in acute and chronic pancreatitis. Clinical Nutrition, v. 39, p. 612-631, 2020. Disponível em: . Acesso em: 09/06/2023. CARUSO, L. Distúrbios do trato digestório. In: CUPPARI, L. Guia de nutrição: clínica no adulto. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2018. DE JESUS, R. P. et al. Doenças hepáticas. In: CUPPARI, L. Guia de nutrição: clínica no adulto. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2018. DECHER, N.; KRENITSKY, J. S. Capítulo 29 - Tratamento Nutricional nos Distúrbios do Trato Gastrointestinal Inferior. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. DRYDEN, G. W.; SEIDNER, D. L. A nutrição na doença inflamatória intestinal: implicações do seu papel no controle da doença de Crohn e da colite ulcerativa. In: ROSS, A. C. et al. Nutrição moderna de Shils na saúde e na doença. 11 ed. Barueri, SP: Manole, 2016. FORD, A. C. et al. Irritable bowel syndrome. Lancet, v. 21, n. 396, p. 1675-1688, 2020. Disponível em: . Acesso em: 09/06/2023. HASSE, J. M.; MATARESE, L. E. Capítulo 30 – Terapia Nutricional para Doenças Hepatobiliares e Pancreáticas. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. 60 INCA – INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER. Guia de nutrição para pacientes e cuidadores: orientações aos pacientes, 3 ed. Rio de Janeiro: Inca, 2015. 16 p. Disponível em: . Acesso em: 08/06/2023. LONGSTRETH, G. F., et al. Functional bowel disorders. Gastroenterology, v. 130, n. 5, p. 1480-1491, 2006. Disponível em: . Acesso em: 07/06/2023. SEMRAD, C. E. Doença celíaca. In: ROSS, A. C. et al. Nutrição moderna de Shils na saúde e na doença. 11 ed. Barueri, SP: Manole, 2016. WERNKE, N. S. Guia Alimentar e Nutricional para Celíacos, 2019. 52 p. Disponível em: . Acesso em: 08/06/2023. 61 UNIDADE DE APRENDIZAGEM NEOPLASIAS NUTRIÇÃO CLÍNICA I 6 62 Para Início de Conversa: O câncer é uma doença de origem multifatorial. No entanto, há uma estreita relação entre a alimentação e o desenvolvimento das neoplasias. Além do risco aumentado para o câncer, a alimentação adequada pode influenciar na progressão da doença, na resposta aos tratamentos e na qualidade de vida dos pacientes. A alimentação também tem papel importante na prevenção do desenvolvimento do câncer. Neste capítulo, veremos de maneira atualizada a relação entre câncer e nutrição. Abordaremos a epidemiologia, etiologia, a caquexia do câncer e a dietoterapia no controle de sintomas decorrentes do tratamento e na prevenção. Objetivo de Aprendizagem do Capítulo: • Compreender a fisiopatologia do câncer e os fatores que influenciam no seu desenvolvimento, bem como a dietoterapia aplicada à doença. 1. O QUE É O CÂNCER? Câncer é nome dado a um conjunto de mais de 100 tipos diferentes de doenças que têm como característica o crescimento desordenado de células que podem invadir tecidos e órgãos à distância (metástases). A palavra câncer vem do grego karkínos e significa caranguejo, e têm relação com a similaridade das patas do caranguejo com a capacidade de angiogênese da doença, ou seja, da sua capacidade de criar novos vasos sanguíneos para “alimentar” o tumor. As células com crescimento anormal tendem a ser agressivas e ter rápido e incontrolável crescimento, enquanto na formação de tumores benignos a velocidade de crescimento é lenta, não há capacidade de invasão de outros tecidos e é possível notar o delineamento, ao contrário dos tumores cancerígenos (INCA, 2020). O processo de formação tumoral recebe o nome de carcinogênese, conforme ilustrado na Figura 1. FIGURA 1 – Carcinogênese FONTE: INCA (2020) 63 2. EPIDEMIOLOGIA Em 2022 os 5 principais tipos de câncer no Brasil em homens foram o de próstata (71.730 novos casos), cólon e reto (21.970 novos casos), traqueia, brônquios e pulmão (18.020 novos casos), estômago (13.340 novos casos) e cavidade oral (10.900 novos casos). Já nas mulheres o de mama (73.610 novos casos), cólon e reto (23.660 novos casos), colo do útero (17.010 novos casos), traqueia, brônquios e pulmão (14.540 novos casos) e tireoide (14.160 novos casos) (INCA, 2022). Quanto à mortalidade, nos homens em 2020 os 5 primeiros foram relacionados à traqueia, brônquios e pulmão, próstata, cólon e reto, estômago e esôfago e nas mulheres mama, traqueia, brônquios e pulmão, cólon e reto, colo do útero e pâncreas (INCA, 2022). FIGURA 2 – Exemplo de sarcoma e características dos tumores Os nomes dos tumores se diferenciam de acordo com o local de origem. Os carcinomas têm origem no tecido epitelial (início na pele ou nos tecidos que revestem os órgãos internamente), os sarcomas têm origem no tecido conjuntivo e os linfomas no tecido linfático (INCA, 2020). FONTE: ELSEVIER FONTE: ENVATO 64 3. ETIOLOGIA O câncer tem etiologia multifatorial. Há influência de variáveis geográficas e ambientais (incluindo os relacionados ao trabalho), hereditariedade, distúrbios pré - neoplásicos e hábitos de vida. As células normais passam a sofrer mutações no ácido desoxirribonucleico (DNA) e essas células alteradas passam a se multiplicar com o recebimento de instruções erradas para sua proliferação. Essas alterações celulares podem ser ativadas pelos proto-oncogenes, que se transformam em oncogenes, responsáveis pela malignidade do crescimento (INCA, 2020). As variáveis geográficas e ambientais refletem o aumento da incidência de câncer dependendo da localidade geográfica. Por exemplo, em 2020, para todos os tipos de câncer, em ambos os sexos e em todas as idades, houve incidência maior de câncer em países norte-americanos, na Europa e Austrália, com incidência ≥257,1 a cada 100.000 habitantes (WHO, 2020). Quanto à exposição ocupacional, estão aquelas relacionadas à exposição aos raios-x e Y profissionais de saúde devido ao risco de contaminação por material biológico, profissionais que aplicam agrotóxicos, exposição a amianto, benzeno, formol e outros (INCA, 2023c). Curiosidade: Sobreviventes da bomba de Hiroshima e Nagasaki tinham risco aumentado para o desenvolvimento de leucemias, câncer de mama, tireoide e pulmão devido à exposição à radiação ionizante. A hereditariedade diz respeito a fatores genéticos que determinam a presença de uma mutação nos genes que são passadas de geração em geração, predispondo os integrantes de uma mesma família a desenvolverem certos tipos de cân- cer. A hereditariedade responde a aproximadamente 5 a 10% de todos os casos de câncer. Para alguns tipos de câncer já se sabe quais são os genes responsáveis pelaformação dos tumores, como no caso do câncer de mama, intestino, sarcomas, entre outros (INCA, 2023a). FONTE: ADOBE STOCK 65 Importante: O uso de cigarros eletrônicos está relaciona- do ao aumento do risco de câncer por ser um produto fumíge- no. Os fatores que dizem respeito aos hábitos de vida são: alimentação, sobrepeso e obesidade, atividade física, consumo de bebidas alcoólicas, exposição solar e tabagismo. É possível observar no Quadro 1 a relação de cada hábito de vida com o risco aumentado para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer. Os distúrbios pré-neoplásicos são aqueles em que a presença de certas doenças ou condições aumentam o risco de câncer. É o caso da replicação celular regenerativa persistente (por exemplo, em pacientes com fígado cirrótico), presença de gastrite atrófica crônica (desenvolvimento de câncer gástrico, de esôfago, hepatocelular e pâncreas em decorrência do tratamento prolongado de infecção por H. pylori), colite ulcerativa crônica (associada ao desenvolvimento de câncer colorretal), infecção pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) (relacionado a câncer de faringe, nasofaringe, ânus, laringe, pele não melanoma, vulva, vagina, colo de útero, pênis, cavidade oral e amígdala) e hepatites B e C, que são fatores de risco para o desenvolvimento de leucemias, câncer de fígado e ductos biliares. Há ainda outros tipos com início em infecções (INCA, 2023b). Quanto à etiologia relacionada aos hábitos de vida, essas correspondem por 80 a 90% dos casos de câncer (INCA, 2023d). FONTE: INCA (2023C) 66 Importante: Pacientes obesos também podem desenvolver caquexia, levando ao que chamamos de obesidade sarcopênica. FIGURA 4 – Visualização da obesidade sarcopênica Em 2011 foi proposto por Argilés, et al, o The cachexia score (CASCO), que considera o paciente com caquexia do câncer aquele com perda de peso, inflamação e distúrbios metabólicos, imunossupressão, alteração em performance física, anorexia e redução da qualidade de vida. 4. CAQUEXIA DO CÂNCER A caquexia do câncer é uma síndrome multifatorial caracterizada pela perda de peso (PP), perda muscular e inapetência, levando à fadiga, comprometimento funcional, aumento da toxicidade relacionada ao tratamento, redução da qualidade de vida e redução da sobrevida. A caquexia é altamente prevalente, afetando mais de 50% dos pacientes em tratamento antineoplásico (ROELAND, E. J. et al, 2020). A desnutrição pode ser caracterizada como “um estado resultante da falta de ingestão ou absorção de nutrição que leva à alteração da composição corporal (diminuição da massa livre de gordura) e massa celular corporal levando à diminuição da função física e mental e desfecho clínico prejudicado na doença”. No paciente oncológico, a desnutrição está relacionada com a doença/inflamação orgânica promovida pela doença, o que pode levar o paciente a desenvolver a caquexia do câncer (CEDERHOLM, T., et al, 2017). A caquexia do câncer pode ser subdividida em 3 estágios: 1) pré caquexia: ≤5% de PP em associação a anorexia e alterações metabólicas; 2) caquexia: >5% de PP ou IMC 2% ou sarcopenia e PP >2%; associada a redução da ingestão alimentar/inflamação sistêmica e 3) caquexia refratária: catabolismo, sem resposta ao tratamento oncológico, baixo score de desempenho e expectativa de vidadeve ser evitado, sendo considerada como processada a carne que passou por processo de salga, cura, fermentação, defumação ou outros processos que tenham como objetivo realçar o sabor e aumentar o tempo de preservação. As substâncias da fumaça do processo de defumação, os conservantes presentes nestas carnes (nitritos e nitratos) e o alto teor de sal estão relacionados ao aumento dos casos de câncer de cólon e reto. Não são orientados o uso rotineiro de suplementos em cápsulas, comprimidos, em pó ou líquidos para a prevenção do câncer (INCA, 2020; INCA, 2023e). Considerações Finais: Na Unidade 6 pudemos compreender os aspectos relacionados às neoplasias, os tratamentos disponíveis e o impacto da doença no estado nutricional. Compreendemos também a dietoterapia nos sintomas do tratamento antineoplásico e a alimentação como parte fundamental da prevenção do câncer. É importante lembrar que o tratamento oncológico faz parte de uma equipe multidisciplinar, e que a abordagem nutricional deve considerar aspectos individuais de cada paciente, personalizando as orientações. Além de oferecer suporte nutricional para minimizar a chance de caquexia, melhorar os sintomas e a qualidade de vida, o nutricionista tem a oportunidade de educar o paciente sobre a importância da alimentação saudável na prevenção do câncer. FONTE: ADOBE STOCK 71 Referências: ARGILÉS, J. M., et al. The cachexia score (CASCO): a new tool for staging cachectic cancer patients. Journal of Cachexia Sarcopenia Muscle, v. 2, 2011. Disponível em: .pdf Acesso em: 13/06/2023. CEDERHOLM, T., et al. ESPEN guidelines on definitions and terminology of clinical nutrition. Clinical Nutrition, v. 36, 2017. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. FEARON, K. et al. Definition and classification of cancer cachexia: an international consensus. The Lancet Oncology, v. 12, n. 5, p. 489-495, 2011. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer, 6 ed revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Inca, 2020. 114 p. Disponível em: . Acesso em: 12/06/2023. GRANT, B. L.; HAMILTON, K. K. Capítulo 37 – Terapia Nutricional Médica para Prevenção, Tratamento e Recuperação do Câncer. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Consenso Nacional de Nutrição Oncológica, 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: INCA, 2015. Disponível em: . Acesso em: 14/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Dieta, nutrição, atividade física e câncer: uma perspectiva global: um resumo do terceiro relatório de especialistas com uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: INCA, 2020. 140 p. Disponível em: . Acesso em: 14/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Estatísticas do câncer. 2022. Disponível em: . Acesso em: 12/06/2023. 72 INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Hereditariedade. 2023a. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. HPV e outras infecções. 2023b. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Exposição no trabalho e no ambiente. 2023c. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Causas e prevenção do câncer. 2023d. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Causas e prevenção do câncer - Alimentação. 2023e. Disponível em: . Acesso em: 14/06/2023. MUSCARITOLI, M. et al. ESPEN practical guideline: Clinical Nutrition in cancer. Clinical Nutrition, v. 40, p. 2898-2913, 2021. Disponível em: . Acesso em: 14/06/2023 ROELAND, E. J. et al. Management of Cancer Cachexia: ASCO Guideline. Journal of Clinical Oncology, v. 38, n. 21, jul, p. 2438-2453, 2020. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. WHO – World Health Organization. Estimated age- standardized incidence rates (World) in 2020, all cancers, both sexes, all ages. International Agency for Research on Cancer. 2020. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2023. 73 UNIDADE DE APRENDIZAGEM DOENÇAS CARENCIAIS E DESNUTRIÇÃO. NUTRIÇÃO CLÍNICA I 7 74 PARA INÍCIO DE CONVERSA: As doenças carenciais são resultado da carência específica de determinados nutrientes. Essas doenças podem apresentar uma série de sintomas, desde fadiga e fraqueza até problemas de crescimento, desenvolvimento e baixa imunidade. Já a desnutrição ocorre quando o organismo humano não recebe a quantidade adequada de nutrientes necessários para manter as funções corporais normais. Ela pode ocorrer quando há falta de acesso aos alimentos, desequilíbrio alimentar, deficiência de conhecimento sobre alimentação, entre outros. Com ela, também pode haver efeitos graves em pessoas de todas as idades, porém, é especialmente preocupante em crianças, pois pode prejudicar seu crescimento e desenvolvimento físico e mental OBJETIVO DE APRENDIZAGEM DO CAPÍTULO: • Compreender a fisiopatologia e a dietoterapia aplicada a cada doença por carência de nutrientes e desnutrição. 1. DOENÇAS CARENCIAIS As doenças carenciais são aquelas relacionadas à carência de determinados nutrientes necessários para a manutenção da homeostase orgânica. A seguir, abordaremos os principais tipos de anemias prevalentes na prática clínica do nutricionista e a hipovitaminose A. 1.1 ANEMIA FERROPRIVA (AF) Anemia ferropriva (AF) é o tipo de anemia causada pela deficiência de ferro de modo que o ferro se torna insuficiente para prover as necessidades fisiológicas do organismo. Este tipo de anemia é altamente prevalente em relação às demais e estima- se que aproximadamente 90% dos casos das anemias sejam decorrente da deficiência de ferro. FONTE: ENVATO 75 Durante a gestação e nos primeiros dois anos de vida, as necessidades de ferro são elevadas, por isto, além da alimentação, orienta-se a adoção de medidas complementares profiláticas (BRASIL, 2013a). Os determinantes para deficiência de ferro e sua consequente prevenção incluem: QUADRO 1 – Determinantes da anemia ferropriva Os grupos de risco para a AF são as crianças menores de dois anos, gestantes, e mulheres adultas em idade reprodutiva, emborahomens e idosos também possam ser afetados (BRASIL, 2013a). Mundialmente, a AF afeta 33% das mulheres em idade reprodutiva, 40% das gestantes e 42% das crianças (OPAS, 2020). No Brasil e no mundo, a AF é considerada um importante problema de saúde pública. Mesmo após tratamento, crianças que tiveram anemia nos primeiros anos de vida tendem a apresentar baixo rendimento escolar em idade posterior. Além disso, a AF na infância é relacionada à baixa produtividade na vida adulta, o que contribui para a perpetuação do ciclo da pobreza (BRASIL, 2013a). O ferro é um micronutriente essencial para a sobrevivência, principalmente na síntese das hemácias e no transporte de oxigênio pelo organismo. Também participa de todas as fases da síntese proteica, do sistema respiratório, dos processos oxidativos e anti-infecciosos. A maior parte do ferro utilizado pelo organismo humano vem do sistema de “reciclagem” das hemácias, enquanto uma pequena porção é proveniente da dieta, tanto o ferro heme quanto o ferro não heme (SBP, 2018). 76 QUADRO 2 – Valores diagnósticos de Anemia Ferropriva As principais consequências da AF incluem: aumento da predisposição a infecções devido ao comprometimento do sistema imune, aumento do risco de doenças e mortalidade perinatal de mães e recém-nascidos, atraso da função cognitiva, do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor das crianças, com repercussão em outras fases da vida. Também há aumento da predisposição a cáries dentárias, alteração no paladar e apetite, entre outros (SBP, 2018). À medida que a AF avança, a pele, a língua, as unhas, a boca e o estômago sofrem alterações como palidez, interior da pálpebra inferior fica de coloração rosa-clara ao invés de vermelha, atrofia das papilas linguais, aspecto liso, seroso e brilhante da língua (glossite), estomatite angular, gastrite e unhas finas, achatadas e em formato coiloníquo (formato de colher) (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). FIGURA 1 – Unha coiloníqua Há dois tipos de ferro nos alimentos: 1) ferro heme: presente em alimentos de origem animal como carne vermelha, vísceras, carnes de aves, suínos, peixes e mariscos e 2) ferro não heme: tem como fonte alimentos como hortaliças verde-escuras, leguminosas, beterraba e castanhas. O ferro não heme tem baixa biodisponibilidade, portanto, recomenda-se a ingestão de uma fonte de vitamina C para melhorar a absorção desse ferro. Dentre as fontes de vitamina C incluem-se as frutas cítricas (laranja, limão, acerola e caju) e alimentos como tomate. FONTE: STOPLER E WEINER (2012) 77 trigo e milho com ferro e ácido fólico e 4) promoção de uma alimentação adequada e saudável para aumentar o consumo de alimentos ricos em ferro. Essas medidas, incluindo a suplementação de ácido fólico, são recomendadas a fim de evitar o baixo peso ao nascer da criança, a anemia e deficiência de ferro na gestante (SBP, 2018). As quantidades da suplementação profilática estão listadas no Quadro 3: QUADRO 3 – Suplementação de sulfato ferroso Propõe-se também ingerir alimentos ricos em vitamina A, por exemplo, manga, mamão e hortaliças como cenoura. Dentre as fontes de vitamina C incluem-se as frutas cítricas (laranja, limão, acerola e caju) e alimentos como tomate. Propõe-se também ingerir alimentos ricos em vitamina A, por exemplo, manga, mamão e hortaliças como cenoura. O ferro heme possui fatores próprios de regulação e é independente à ação de mecanismos inibidores ou facilitadores da dieta. Já o ferro não heme sofre influência de fatores antinutricionais durante a absorção. Além disso, a secreção gástrica de ácido clorídrico é necessária para solubilizar os sais de ferro e mantê-lo na forma absorvível, o ferro ferroso (Fe2+) (SBP, 2018). Importante: Além da adequação alimentar, também se propõe evitar o uso de leite de vaca in natura, não processado, em pó ou fluido antes do primeiro ano de vida da criança, e, após, limitar para no máximo 500 ml ao dia. No Sistema Único de Saúde (SUS), são implementadas medidas de prevenção e controle da AF: 1) Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF), que consiste na suplementação com doses profiláticas de sulfato ferroso via oral para crianças de seis a 24 meses de idade, gestantes no início do pré natal até o terceiro mês pós-parto; 2) fortificação dos alimentos preparados para crianças com micronutrientes em pó; 3) obrigatoriedade de fortificação das farinhas de 78 1.2.1 ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE ÁCIDO FÓLICO A anemia por deficiência de ácido fólico (vitamina B9) ocorre pela carência deste micronutriente. As causas podem incluir: ingestão alimentar inadequada (baixa ingestão dos alimentos fonte e cocção excessiva de legumes e hortaliças, deficiência de vitamina B12 ou vitamina C, alcoolismo crônico), absorção inadequada (enteropatia induzida pela sensibilidade ao glúten ou doença celíaca, interações medicamentosas, defeitos congênitos), utilização inadequada do folato (uso de anticonvulsivos, uso de antagonistas, glicina e metionina em excesso), aumento da demanda (na infância, hematopoiese, aumento da atividade metabólica), aumento da excreção (deficiência de vitamina B12, doença hepática, diálise renal, Importante: A suplementação de ferro pode precipitar sintomas pelo uso prolongado como constipação ou diarreia, gosto metálico na boca, desconforto abdominal, náuseas e vômitos. No entanto, mesmo na ocorrência de efeitos colaterais, é importante que as famílias sejam esclarecidas quanto à importância da suplementação. Já na constatação da AF, a suplementação de ferro sugerida é de 120 mg de ferro elementar por dia por três meses para adultos e 3 mg de ferro/kg/dia para crianças, não ultrapassando o limite de 60 mg ao dia (BRASIL, 2013a). 1.2 ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS (AM) Dentre as anemias megaloblásticas (AM) têm-se em maior prevalência as decorrentes da deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico. Essa anemia favorece distúrbios na síntese de DNA que resulta em alterações na forma e função dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas, e seus precursores sanguíneos e na medula óssea. O folato e a vitamina B12 são essenciais para a síntese de timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA. As células visualizadas neste tipo de anemia são grandes, imaturas e anormais e, em 95% dos casos são atribuídas à deficiência de ácido fólico e vitamina B12 (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). FONTE: ENVATO 79 Outras fontes alimentares além das frutas e vegetais incluem fígado bovino, carnes, leguminosas e ovos. O tratamento para esta anemia consiste em aumentar a ingestão de frutas, vegetais ou sucos de frutas; orientar o paciente não cozinhar demasiadamente os vegetais; uso de suplemento de ácido fólico via oral e atenção especial àquele público que a anemia tenha tendência a reicivida, como nos alcoolistas e celíacos (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). 1.2.2 ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12 A absorção da vitamina B12 é dependente de fator intrínseco (FI). O FI é uma glicoproteína secretada pelas células parietais da mucosa gástrica. Após a ingestão, a B12 é liberada da proteína pelo ácido gástrico e pelas enzimas do estômago e do intestino. A vitamina B12 livre se liga ao fator salivar R e na porção proximal do intestino delgado, a tripsina pancreática destrói o fator R e deixa a vitamina B12 livre. Em pH alcalino, como o encontrado no intestino delgado, o FI se liga à vitamina B12 e são transportadas até o íleo. No íleo, com a combinação do cálcio iônico (Ca 2+) e pH >6, o complexo B12-FI se liga à superfície receptora nas células da borda em escova ileal (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). dermatite esfoliativa crônica) e aumento da destruição (oxidantes alimentares) (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). A anemia por deficiência de folato pode afetar gestantes e recém nascidos cujas mães apresentam deficiência destavitamina. Caso a gestante tenha deficiência no início da gestação, podem ocorrer defeitos na formação do tubo neural do bebê (KOURY, M., WHEELER, A. P., SIKA, M., 2023). Sinais clínicos desta anemia incluem fadiga, dispneia, feridas na língua, diarreia, esquecimento, irritabilidade, anorexia, glossite e perda ponderal (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). O folato armazenado no organismo se esgota dentro de 2 a 4 meses nos indivíduos com dietas pobres neste nutriente. Antes de iniciar o tratamento recomenda-se descartar anemia por deficiência de vitamina B12, visando evitar manifestações neurológicas (KOURY, M., WHEELER, A. P., SIKA, M., 2023). FIGURA 2 – Fontes de folato FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 80 A vitamina B12 é encontrada principalmente em alimentos de origem animal, não sendo encontrada em frutas e vegetais e a necessidade diária para adultos é de 2,4 mcg ao dia. FIGURA 3 – Fontes de vitamina B12 Importante: Dietas vegetarianas ou veganas são estritamente relacionadas à deficiência de vitamina B12, e nestes casos deve-se sempre suplementar essa vitamina A anemia perniciosa é resultante da deficiência de vitamina B12, frequentemente relacionada à deficiência de FI. Outras causas incluem ingestão inadequada (dietas vegetarianas e veganas e falta de suplementação, uso crônico de bebida alcoólica e dificuldade de acesso aos alimentos), absorção inadequada (como na presença de distúrbios gástricos com hipocloridria e pacientes submetidos a cirurgias bariátricas pois modificam a secreção de FI por alterar a fisiologia gástrica), utilização inadequada, aumento da demanda e aumento da excreção. O armazenamento de vitamina B12 do organismo se esgota em alguns anos nos indivíduos com dietas pobres em vitamina B12. A suplementação de ácido fólico pode mascarar a anemia por deficiência de vitamina B12, e, se a deficiência não for corrigida, pode levar a um quadro de lesão neuropsiquiátrica grave (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). Além do sangue, a anemia perniciosa reverbera sintomas gastrointestinais e neurológicos. Como participa da mielinização, a deficiência de vitamina B12 afeta a mielinização adequada dos nervos, causando sintomas como parestesias (formigamento e dormência nas mãos e pés), dificuldade em coordenação motora, má memória e alucinações (STOPLER, T., WEINER, S., 2012). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 81 1.3 HIPOVITAMINOSE A A hipovitaminose A é a deficiência de vitamina A. Caso não tratada, resulta na xeroftalmia, um distúrbio ocular que pode levar à cegueira irreversível, além de propiciar distúrbios epiteliais (principalmente nos olhos), distúrbios do crescimento e desenvolvimento, do sistema imunológico e na reprodução. Esta hipovitaminose costuma se relacionar com a desnutrição calórico-proteica e é mais prevalente nas populações de baixo nível socioeconômico, sendo um problema de saúde pública no Brasil. A deficiência de vitamina A está relacionada ao desmame precoce e ao consumo inadequado de alimentos fonte. Além da xeroftalmia, outros sinais clínicos podem indicar hipovitaminose A: xerose (alterações nas estruturas epiteliais oculares), manchas de Bitot e cicatrizes na córnea. Além dos sinais clínicos, o valor sérico ≤0,2 mg/L de vitamina A também indica deficiência dessa vitamina (SOUZA, W. A. de, BOAS, O. M. G. da C. V., 2002; BRASIL, 2007). FIGURA 3 – Manifestações clínicas da hipovitaminose A A ação da vitamina A na visão ocorre através de sua ligação com a opsina, uma proteína produtora da rodopsina, um pigmento visual que participa do processo de visão quando há luminosidade reduzida. Por isto, quando há deficiência, o principal sintoma é a cegueira noturna. A vitamina A participa também da diferenciação celular e na resposta imune do organismo, mediada pelas células T e de ativação de macrófagos. A literatura científica evidencia o papel da vitamina A na redução da morbidade e mortalidade principalmente nas causas relacionadas a doenças infecciosas e em crianças às causas relacionadas à diarreia (BRASIL, 2007). Os agentes precursores dietéticos do retinol são os carotenoides ou provitamina A. Os carotenoides são amplamente distribuídos nos alimentos de origem vegetal, e sua coloração pode variar do pigmento amarelo até o vermelho e roxo. A melhor fonte de vitamina A para o lactente é o leite materno. As fontes de vitamina A da dieta podem ser divididas daquelas provenientes de fonte animal, como fígado de peixes (como o bacalhau, no entanto, sua utilização é mais com finalidade de medicamento), manteiga, queijo, leite integral, gema de ovo e peixes e fontes vegetais (os alimentos ricos em carotenoides precursores da vitamina A) como manga, mamão, goiaba, caju, cenoura, abóbora, moranga, batata doce, folhas verde escuras, óleos vegetais (maiores fontes incluem o óleo de dendê, pequi e pupunha) entre outros (BRASIL, 2007). FONTE: ADAPTADO DE BRASIL (2013B) 82 FIGURA 5 – Fontes de vitamina A Alguns fatores alteram a biodisponibilidade dos carotenoides, por exemplo, o tempo de cocção pode favorecer a liberação dos carotenoides, mas caso seja excessivamente coccionado, pode destruí-los. Na presença de gorduras, os carotenoides têm sua disponibilidade aumentada. Dentre os fatores que reduzem a biodisponibilidade dos carotenoides se pode citar a má absorção de gorduras e presença de parasitas intestinais (BRASIL, 2007). A literatura científica mostra efeitos benéficos da suplementação profilática de vitamina A para crianças de 6 a 59 meses, reduzindo o risco de morte em 24%, de mortalidade por diarreia em 28%, e para aquelas HIV positivo a redução é de 45%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda suplementos de vitamina A para reduzir a carência, a xeroftalmia e a cegueira de origem nutricional para as crianças de 6 a 59 meses. Medidas importantes visando a prevenção da hipovitaminose A incluem: 1) incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e em conjunto à alimentação complementar até os 2 anos de idade; 2) promoção da alimentação saudável e incentivo ao consumo dos alimentos fonte; 3) suplementação profilática de vitamina A para crianças de 6 a 59 meses e 4) suplementação profilática de vitamina A para puérperas, antes da alta hospitalar, visto que o teor de vitamina A do leite materno está relacionado à adequação desta vitamina na mãe (BRASIL, 2013b). Em âmbito nacional, o Brasil conta com o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. O Programa consiste na suplementação profilática de vitamina A para as crianças de 6 a 59 meses e mulheres no pós parto. Os suplementos são distribuídos gratuitamente pelo SUS (BRASIL, 2013b). 2. DESNUTRIÇÃO Nas últimas décadas, a população brasileira vivenciou a chamada transição nutricional, em que as transformações sociais favoreceram a redução dos índices de desnutrição em FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 83 detrimento do aumento dos níveis de obesidade. Apesar dessa redução, ainda há registros de desnutrição. A desnutrição é uma doença multifatorial de base social cujas raízes se encontram na pobreza. Quando a reserva nutricional ou a ingestão alimentar de um indivíduo está em déficit grave de forma a não atender as demandas metabólicas e corporais, trata-se de um estado de desnutrição. Além da ingestão alimentar inadequada, a desnutrição pode ser resultado da digestão e absorção prejudicadas, alterações metabólicas ou aumento da excreção. Em geral, lactentes, crianças, gestantes, pessoas de baixo nível socioeconômico, pacientes hospitalizados e idosos têm maior propensão à desnutrição (HAMMOND, K. A, 2012). Os impactos da desnutrição incluem redução de massa muscular e dos depósitos de gordura corporal; déficit de crescimento; alterações psíquicas e psicológicas; alterações em cabelo, pele e unhas; alterações ósseas, dentre elas, a máformação; alterações em sistema nervoso e nos demais órgãos e sistema respiratório. Essas alterações são preocupantes, em especial, nas crianças abaixo dos 5 anos de idade (HAMMOND, K. A, 2012). Apesar de muitas vezes a desnutrição ser negligenciada, em nível hospitalar pode apresentar como principais complicações: baixa resposta imunológica, atraso na cicatrização, risco de complicações cirúrgicas e infecciosas, aumento do risco de desenvolver lesão por pressão, aumento do tempo de internação, do risco de mortalidade e dos custos de internação (TOLEDO, D. O. et al, 2018). Os objetivos principais do tratamento da desnutrição são o favorecimento do ganho de peso, a recuperação do estado nutricional e a promoção do crescimento saudável para as crianças. Embora seja considerada o padrão ouro para determinação das necessidades nutricionais, a calorimetria indireta apresenta alto custo e é de difícil acesso à maioria dos profissionais de nutrição. Sendo assim, recomenda-se utilizar fórmula de bolso para estimativa das necessidades energéticas. Para pacientes em enfermaria, o valor varia de 25 até 40 kcal/kg. A perda de massa muscular também é evidente nestes pacientes, e sugere-se para cálculo a aqueles em enfermaria, prescrição que vai de 1 a 1,2g/kg nos casos de doenças de baixo catabolismo, até 1,5 a 2g/kg para doenças que apresentam alto catabolismo (TOLEDO, D. O. et al, 2018). FONTE: FREEPIK 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ao longo da Unidade 7 pudemos conhecer e compreender os aspectos relacionados à fisiopatologia e conduta dietoterápica para as doenças carenciais mais frequentes na prática clínica do nutricionista, bem como na desnutrição. Fica evidente que a deficiência de nutrientes essenciais pode desencadear desequilíbrios no organismo, comprometendo o funcionamento adequado de diversos sistemas. A abordagem nutricional adequada desempenha um papel fundamental na restauração dos níveis de nutrientes necessários, corrigindo deficiências e promovendo a recuperação da saúde. Ao nutricionista, é importante conhecer as fontes alimentares dos nutrientes e a avaliação individualizada do paciente, visando o equilíbrio e qualidade alimentar na prevenção e recuperação da saúde das pessoas afetadas pelas anemias carenciais e pela desnutrição. REFERÊNCIAS: BRASIL – Ministério da Saúde. Unicef. Cadernos de Atenção Básica: Carências de Micronutrientes. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 60 p. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. BRASIL – Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Suplementação de Ferro: manual de condutas gerais/Brasília: Ministério da Saúde, 2013a. 24 p.: il. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. BRASIL – Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde, 2013b. 34 p.: il. Disponível em: . Acesso em: 22/06/2023. 85 HAMMOND, K. A. Capítulo 4 – Ingestão: Análise da Dieta. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. KOURY, M., WHEELER, A. P., SIKA, M. Deficiência de folato. BMJ Best Practice. 2023. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE – OPAS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Novas orientações da OMS ajudam a detectar deficiência de ferro na gravidez e proteger desenvolvimento do cérebro de crianças. 2020. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA – SBP. Consenso sobre anemia ferropriva: mais que uma doença, uma urgência médica. Departamentos de Nutrologia e Hematologia-Hemoterapia, n. 2, 2018. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. SOUZA, W. A. de, BOAS, O. M. G. da C. V. A deficiência de vitamina A no Brasil: um panorama. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 12, n.3, 2002. Disponível em: . Acesso em: 22/06/2023. STOPLER, T., WEINER, S. Capítulo 33 – Tratamento Clínico Nutricional para Anemia. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT- STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. TOLEDO, D. O. et al. Campanha “Diga não à desnutrição”: 11 passos importantes para combater a desnutrição hospitalar. BRASPEN Journal, v. 33, n. 1, p. 86- 100, 2018. Disponível em: . Acesso em: 22/06/2023. WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. WHO guideline on use of ferritin concentrations to assess iron status in individuals and populations. Geneva: World Health Organization; 2020. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2023. 86 UNIDADE DE APRENDIZAGEM TIREOIDE NUTRIÇÃO CLÍNICA I 8 87 PARA INÍCIO DE CONVERSA: A tireoide é uma glândula endócrina que tem como função a produção dos hormônios tireoidianos T3 e T4. Esses hormônios têm efeitos em diversos órgãos, sendo que a manutenção de seus níveis adequados apresenta influência no metabolismo de lipídios e carboidratos, na temperatura corporal e na frequência cardíaca. As principais doenças que acometem a tireoide são de origem auto imune e são representadas principalmente pelo hipotireoidismo (ou tireoidite de Hashimoto) e pelo hipertireoidismo (doença de Graves). OBJETIVO DE APRENDIZAGEM DO CAPÍTULO: • Compreender a fisiopatologia, os sintomas, o método de diagnóstico e o tratamento das condições associadas à tireoide. 1. TIREOIDE A tireoide responde ao estímulo de um hormônio secretado pela hipófise, o hormônio estimulante da tireoide (TSH). Quando estimulada, a tireoide secreta seus dois hormônios principais: o T3 (tri-iodotironina) e o T4 (tiroxina). Cada um destes hormônios recebe essa denominação em função da quantidade de moléculas de iodo, sendo 3 e 4 moléculas, respectivamente. A síntese dos hormônios tireoidianos depende de tirosina e iodo. Na tireoide, o iodeto é oxidado a iodo pelo peróxido de hidrogênio. Quando os hormônios são liberados na circulação, dependem da sua ligação em receptores específicos nas células para que possam cumprir sua função (DEAN, S., 2012). FIGURA 1 - Tireoide FONTE: FREEPIK 88 2. HIPOTIREOIDISMO O hipotireoidismo (ou tireoide hipoativa) é a disfunção da tireoide de forma a não produzir os seus hormônios em quantidades adequadas, sendo a causa mais comum a doença de Hashimoto. Em indivíduos com doença de Hashimoto, ocorre uma forma de ataque a tireoide de modo que a produção dos hormônios fique comprometida (SKARULIS, M. C., STACK JR, B. C. S., 2021). importante: A tireoidite de Hashimoto é a causa mais frequente de hipotireoidismo. Mas outras causas incluem: tratamento do hipertireoidismo com radioiodo, tratamento radioterápico do câncer, defeitos congênitos e remoção da tireoide Os sintomas do hipotireoidismo incluem: fadiga, esquecimento, depressão, maior sangramento menstrual, cabelos secos e ralos, alteração de humor, ganho de peso, voz rouca, pele seca, pálida e áspera, constipação, sentirfrio mais que o normal. Níveis sanguíneos elevados de TSH e baixos dos hormônios T3 e T4 diagnosticam o hipotireoidismo. Para a identificação da tireoidite de Hashimoto, o teste de anticorpos peroxidase tireoidiana (anti-TPO) identifica se há ataque a tireoide peroxidase, enzima responsável na tireoide A produção dos hormônios tireoidianos dentro da tireoide responde à mecanismos de regulação (feedback) do sistema hipotálamo-hipófise-tireoide. FIGURA 2 – Sistema hipotálamo-hipófise-tireoide O hipotálamo sintetiza e secreta o hormônio liberador de tireotropina (TRH) que vai para a hipófise e estimula a liberação de TSH, que induz a tireoide a secretar T3 e T4. Quando o T4 é liberado pela tireoide, é transportado pela corrente sanguínea ligado a proteínas. O T3 é o hormônio mais metabolicamente ativo da tireoide, e, embora haja produção de T3 pela tireoide, cerca de 80 a 85% de sua produção é proveniente da conversão de T4 no fígado e nos rins (DEAN, S., 2012). FONTE: SILVERTHORN (2017) 89 pela produção dos hormônios tireoidianos (DEAN, S., 2012; SKARULIS, M. C., STACK JR, B. C. S., 2021). Importante: Disfunções tireoidianas podem ser relacionadas a gatilhos como estresse suprarrenal e estresse oxidativo, envelhecimento e gestação O tratamento médico do hipotireoidismo é feito através de medicamentos sintéticos dos hormônios tireoidianos. A levotiroxina é a forma sintética do T4 e a liotironina do T3. Quanto ao tratamento nutricional, sabe-se que diversos nutrientes estão envolvidos na saúde da tireoide, principalmente o iodo, ferro, selênio, vitamina A e zinco. O ferro é necessário nos estágios iniciais da síntese dos hormônios tireoidianos, o selênio e o zinco participam da conversão do T4 em T3 e a vitamina A atua na fase de síntese de tireoglobulina e da captação de iodo pela tireoide. O jejum e dietas restritivas podem reduzir a atividade dos hormônios da tireoide e a ingestão de alimentos goitrogênicos também tem relação com a redução da secreção dos hormônios tireoidianos. Alimentos goitrogênicos são aqueles que inibem a tireoide peroxidase através da produção de goitrina, são eles: couve flor, brócolis, repolho, couve de Bruxelas, mostarda, nabo, rabanete, broto de bambu e mandioca (DEAN, S., 2012). O consumo de vegetais crucíferos e de soja se relaciona com a tireoide à medida que a hidrólise de glucosinolatos encontrados nestes alimentos libera íons de tiocianato, que compete com o iodo pela absorção pela tireoide. No entanto, o risco de hipotireoidismo aumenta apenas se o consumo de vegetais crucíferos for acompanhado pela deficiência de iodo. É importante frisar que o iodo é um mineral que participa ativamente da síntese de T3 e T4. Desde os anos 1950 é obrigatório o acréscimo de iodo no sal de cozinha. Deficiência na ingestão de iodo durante a gestação é associada a morte fetal, aborto espontâneo e anomalias congênitas (DEAN, S., 2012; BRASIL, s/d). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 90 O diagnóstico de hipertireoidismo pode ser realizado através de exames laboratoriais, em que há elevação sanguínea de T3 e T4 e redução do TSH (DEAN, S., 2012; BRASIL, 2016; SKARULIS, M. C., STACK JR, B. C. S., 2021). Em sua forma grave, o hipertireoidismo afeta a gravidez e a fertilidade feminina. FIGURA 4 – Exoftalmia FIGURA 5 – Bócio Importante: A forma mais grave da deficiência de iodo é o cretinismo, distúrbio que ocorre atraso intelectual, nanismo, surdez-mudez e espasticidade Além da ingestão adequada de iodeto através do sal iodado e frutos do mar, por exemplo, é importante a adequação calórico-proteica da alimentação. Deve-se atentar para a ingestão de alimentos goitrogênicos não cozidos e de glúten. A alimentação balanceada e rica em nutrientes também desempenha seu papel protetor nas doenças da tireoide (DEAN, S., 2012). 3. HIPERTIREOIDISMO O hipertireoidismo (ou tireoide hiperativa) é o distúrbio em que a tireoide está aumentada (bócio) e a produção de T3 e T4 aumentada. A causa mais comum é a doença de Graves, um distúrbio autoimune. Os sintomas mais comuns incluem suor intenso, perda de peso, batimento cardíaco irregular, nervosismo, ansiedade, irritabilidade, tremor nas mãos e dedos, distúrbios do sono, alteração nos olhos que incluem olhos vermelhidão, olhos secos, inchados e aumentados (exoftalmia). FONTE: DEAN (2012) FONTE: FAB (S/D) 91 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ao longo da Unidade 8, exploramos os distúrbios da tireoide, em especial o hipotireoidismo e o hipertireoidismo. Pudemos compreender seus sintomas, causas, o diagnóstico e o tratamento clínico. Conforme analisamos, a tireoide é uma glândula de grande relevância na regulação do peso corporal, o que acaba impactando nas questões relacionadas à alimentação. Por outro lado, é importante a avaliação da ingestão adequada de micronutrientes, principalmente o iodo, selênio e ferro no suporte do tratamento das doenças da tireoide. É essencial a integração da nutrição com a equipe multidisciplinar no tratamento dos distúrbios da tireoide, propiciando o cuidado integral ao paciente. No hipertireoidismo há um estímulo contínuo da tireoide pelos anticorpos circulantes contra o receptor do TRH. Pelo sistema de feedback negativo, a secreção de TSH hipofisária é suprimida devido ao aumento da produção dos hormônios tireoidianos. Os anticorpos levam à liberação dos hormônios da tireoide e estimulan a absorção de iodo, a síntese de proteínas e o crescimento da glândula tireoide (DEAN, S., 2012). Importante: Os gatilhos do hipertireoidismo incluem infecções, ingestão excessiva de iodeto, estresse, sexo feminino, uso de esteroides e certas toxinas O tratamento clínico inclui uso de medicamentos antitireoidianos, de modo a evitar que a tireoide produza os hormônios. Também podem ser utilizados betabloqueadores para redução dos efeitos favorecidos pela elevação do T3 e T4, como a elevação da frequência cardíaca. Além dos medicamentos, o tratamento com radioiodo que utiliza iodo radioativo com a finalidade de eliminar as células da tireoide produtoras de hormônio, porém, este tipo de tratamento pode causar hipotireoidismo permanente; e há a opção do tratamento cirúrgico, que remove a maior parte ou a tireoide como um todo, o que também pode levar a hipotireoidismo permanente (SKARULIS, M. C., STACK JR, B. C. S., 2021). 92 REFERÊNCIAS: BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção e Controle de Agravos Nutricionais – Deficiência de iodo. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. s/d. Disponível em: . Acesso em: 28/06/2023. BRASIL. Ministério da Saúde. Hipertireoidismo. Biblioteca Virtual em Saúde, 2016. Disponível em: . Acesso em: 28/06/2023. DEAN, S. Capítulo 32 – Tratamento nutricional clínico de distúrbios da tireoide e condições relacionadas. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. SILVERTHORN, D. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada, 7 ed., Artmed, 2017. SKARULIS, M. C., STACK JR, B. C. S. Thyroid disease. Office on Women’s Health. Disponível em: . Acesso em: 27/06/2023. 93 UNIDADE DE APRENDIZAGEM DOENÇAS RENAIS. NUTRIÇÃO CLÍNICA I 9 94 PARA INÍCIO DE CONVERSA: A principal função dos rins é a manutenção da homeostase hidroeletrolítica. Em condições normais, os rins realizam essa função pela regulação da água, sódio e outros solutos corporais através da filtração contínua do sangue. Os rins recebem diariamente cerca de 20% do débito cardíaco, filtrando aproximadamente180 litros de sangue por dia, o que equivale a 90 a 125 ml de sangue por minuto. Após a filtração, os rins produzem um fluido chamado de ultrafiltrado (UF). As doenças renais ocorrem quando há algum distúrbio nesse órgão, e, podem ser divididas em litíase renal, lesão renal aguda e lesão renal crônica. As metas do tratamento nutricional dependem do diagnóstico e do tipo de terapia renal a qual o paciente será submetido. OBJETIVO DE APRENDIZAGEM DO CAPÍTULO: Compreender a fisiopatologia, os sintomas, tratamentos e a dietoterapia aplicada às condições renais. 1. OS RINS Os rins são órgãos de regulação corporal que excretam e conservam água e diversos solutos. Suas funções principais são: 1) manutenção do balanço de água corporal, da osmolaridade, das concentrações de eletrólitos como o sódio, potássio, cloreto, cálcio, magnésio e fosfato; 2) excreção de substâncias finais do metabolismo, com potencial tóxico para o organismo, como ureia, ácido úrico e amônia, e também outras substâncias como medicamentos e 3) produção e secreção de hormônios e enzimas que participam do metabolismo renal, de maturação de hemácias na medula óssea, do balanço de cálcio e fósforo e do metabolismo ósseo (ZAMBELLI, C. M. S. F. et al, 2021). FIGURA 1 - Rins FONTE: FREEPIK 95 2. LITÍASE RENAL A litíase renal, também chamada de pedra no rim, é a formação cálculos na estrutura renal. Esta formação ocorre por processos complexos, sendo os cálculos de cálcio os mais comuns, podendo ocorrer também cálculos de oxalato, de ácido úrico, cistina e outros. O principal fator de risco para a formação de cálculos renais é a obesidade. Indivíduos obesos excretam mais sódio, cálcio, ácido úrico e citrato e, menos amônia. A literatura científica mostra que a alimentação com predominância de alimentos ultraprocessados, ricos em sódio, proteínas de origem animal e bebidas adoçadas, se relacionam com a formação dos cálculos à medida que aumentam a excreção de cálcio, ácido úrico, oxalato e fósforo, e reduzem o citrato e o pH urinário (WILKENS, K. G.; JUNEJA, V.; SHANAMAN, E., 2012; NERBASS, F. B., 2014). A etiologia da litíase renal se relaciona com a presença de comorbidades como hipertensão, diabetes, síndrome metabólica, hiperparatireoidismo (alteração hormonal relacionada ao metabolismo do cálcio) e síndromes de má absorção; histórico familiar e fatores da dieta, como baixa ingestão de líquidos e cálcio, alta ingestão de oxalato, sódio, proteína animal, frutose e vitamina C. A estrutura do rim compreende aproximadamente 1 milhão de néfrons. Cada néfron é constituído por um glomérulo conectado a uma série de túbulos. Caso algum ou alguns segmentos de um néfron sejam destruídos, ele perde sua funcionalidade. Os túbulos renais absorvem grande parte dos componentes do UF e, por este processo ocorrer ativamente, demanda quantidade considerável de adenosina trifosfato (ATP). Após a filtração, o rim produz a urina que é levada através dos ureteres até a bexiga para ser excretada. A maior parte dos solutos que compõem a urina são substâncias nitrogenadas provenientes do metabolismo proteico: ureia, ácido úrico, creatinina e amônia (WILKENS, K. G. JUNEJA, V. SHANAMAN, E., 2012). FIGURA 2 - Néfron FONTE: WILKENS, JUNEJA E SHANAMAN (2012) 96 Os principais sintomas são a dor lombar e as cólicas renais que podem vir acompanhadas de náuseas, vômitos, hematúria e infecções urinárias. O tratamento médico visa o controle da dor e a eliminação espontânea dos cálculos, mas, caso não sejam expelidos naturalmente, outras medidas médicas podem incluir litotripsia (uso de ondas de choque para fragmentar os cálculos, tornando a eliminação urinária mais fácil) e remoção das pedras por cirurgia (BRASIL, 2020) É comum a reincidência dos cálculos renais. Para pacientes que já tiveram a formação de cálculos, as orientações nutricionais incluem: controle do peso corporal; aumento da ingestão de líquidos (pelo menos 30 ml/kg de peso corporal); redução da ingestão de sal; evitar o consumo de alimentos ultraprocessados e ricos em sódio como os embutidos; evitar o consumo de fontes de oxalato como espinafre, beterraba, batata doce, castanhas, chá verde e chá preto; consumo moderado de proteína animal; evitar refrigerantes a base de cola pelo seu teor de ácido fosfórico; ingestão normal de cálcio; dieta rica em fibras, frutas e hortaliças e aumento da ingestão de potássio (WILKENS, K. G.; JUNEJA, V.; SHANAMAN, E., 2012). 3. DOENÇA RENAL AGUDA (DRA) A doença renal aguda (DRA) ocorre de maneira súbita e é caracterizada como a redução da taxa de filtração glomerular (TFG) por um período de até 3 meses, após este período, já se considera doença renal crônica (DRC). A DRA pode ocorrer associada a redução do débito urinário (oligúria) ou manter o débito urinário normal e, normalmente ocorre em rins previamente saudáveis. FONTE: ENVATO 97 Curiosidade: As condições renais agudas geralmente são causadas por enfermidades graves, e, por isso, têm alta taxa de mortalidade, podendo variar de 10 a 80%, sendo as condições infecciosas e cardiorrespiratórias as causas mais frequentes O tratamento para os distúrbios renais pode envolver necessidade de terapia de reposição renal (TRR). As TRR incluem diálise e transplante renal (TR), sendo as principais modalidades dialíticas: hemodiálise (HD) e diálise peritoneal (DP), que pressupõem a filtração e limpeza do sangue com auxílio de equipamentos próprios. O tipo de filtração pode ser difuso ou convectivo. Algumas causas da DRA incluem: 1) perfusão renal inadequada pré renal (ex. desidratação grave, colapso circulatório); 2) doenças intrínsecas no parênquima renal (ex. trauma, sepse, nefrotoxicidade); 3) obstrução do trato urinário pós-renal (ex. hipertrofia prostática benigna com retenção urinária, câncer de bexiga ou próstata, rabdomiólise) (WILKENS, K. G.; JUNEJA, V.; SHANAMAN, E., 2012). A injúria renal aguda (IRA) é uma subcategoria da DRA, e também se caracteriza pelo rápido declínio da função renal, com acúmulo de metabólitos, toxinas e medicamentos no sangue. A diferença entre IRA e DRA se dá pelo critério funcional e pela presença ou ausência de dano renal. Os critérios para caracterizar IRA e DRA podem ser observados no quadro a seguir: FONTE: ENVATO 98 Nas condições renais agudas, as TRR podem ser indicadas quando há importante instabilidade hemodinâmica e necessidade de retirada urgente de líquidos. Podem ser indicadas também na presença de hipercatabolismo grave. Embora sejam boas opções de tratamento, as TRR favorecem perdas e ganhos intensivos de macro e micronutrientes e eletrólitos (ZAMBELLI, C. M. S. F. et al, 2021). Curiosidade: Na terapia renal, há o chamado “paradoxo da obesidade”, em que pacientes renais com IMC >40 esocioeconômicos: em populações com menor poder aquisitivo, a falta de acesso regular a alimentos nutritivos e de qualidade pode levar a escolhas alimentares menos saudáveis, geralmente com alta prevalência do consumo de AUP, que são mais baratos, tem maior densidade energética, mas são pobres em nutrientes. • Fatores emocionais: estresse, ansiedade, depressão e outros distúrbios psicológicos podem estar relacionados ao desenvolvimento da obesidade. Muitas vezes, o emocional acaba influenciando a ingestão alimentar, levando o indivíduo a utilizar a comida como uma forma de lidar com as emoções, o que pode resultar em ganho de peso. A obesidade é fator de risco significativo para o desenvolvimento de uma variedade de doenças e condições de saúde, tais como: doenças cardiovasculares (por exemplo, doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular cerebral (AVC); diabetes mellitus tipo 2 (DM); hipertensão arterial sistêmica (HAS); dislipidemia; alguns tipos de câncer (por exemplo, mama, próstata, cólon, endométrio, rins e pâncreas); apneia obstrutiva do sono; esteatose hepática não alcoólica; infertilidade; síndrome dos ovários policísticos (SOP); osteoartrite; distúrbios psicológicos, como depressão, ansiedade e isolamento social. A combinação de obesidade com pelo menos três outros critérios diagnósticos pode representar a síndrome metabólica (SM): medida da circunferência abdominal > 102 cm para homens e > 88cm para mulheres; triglicerídeos ≥ 150 mg/dL; valores reduzidos de HDL-colesterol 40 kg/m² sem presença de comorbidades ou 35 kg/m² com uma ou mais comorbidades relacionadas à obesidade; e 3) comprovação de que o paciente não conseguiu perder peso ou manter a perda de peso apesar de acompanhamento nutricional, psicoterapia, tratamento com medicamentos e atividade física por pelo menos 2 anos (ABESO, 2016). FONTE: ENVATO 11 Já no pós-operatório, os objetivos do tratamento nutricional incluem a prevenção de complicações pós- cirúrgicas e efeitos colaterais (rompimento da sutura cirúrgica, náusea e vômitos e síndrome de dumping), a evolução da dieta via oral pós-operatória e a suplementação nutricional (MECHANICK et al., 2019). A evolução da dieta via oral pós-operatória deve ser individualizada de acordo com a tolerância individual e características da técnica cirúrgica, mas como base, pode-se adotar o proposto: Além da evolução da dieta, é importante se atentar à hidratação, devendo o paciente consumir pelo menos 1,5 litro ao dia, em pequenos goles e em média a cada 30 minutos (MECHANICK et al., 2019). CONSIDERAÇÕES FINAIS: No módulo 1, exploramos questões relacionadas à obesidade, destacando sua complexidade e o papel crucial do nutricionista no tratamento e modificações dietéticas. Enfatizamos a importância de abordagens integradas, considerando aspectos individuais e promovendo mudanças saudáveis no estilo de vida. Como futuros nutricionistas, vocês têm a oportunidade de fazer a diferença na vida de seus pacientes, fornecendo o suporte nutricional personalizado e motivando-os a adotar hábitos saudáveis. FONTE: ENVATO 12 REFERÊNCIAS: ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes Brasileiras de Obesidade. 4 ed. São Paulo: ABESO, 2016. Disponível em: https://abeso.org. br/wp-content/uploads/2019/12/Diretrizes-Download-Diretrizes- Brasileiras-de-Obesidade-2016.pdf. Acesso em: 09/05/2023. ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Posicionamento sobre o tratamento nutricional do sobrepeso e da obesidade. 1. ed. São Paulo: ABESO, 2022. Disponível em: https://abeso.org.br/ wp-content/uploads/2022/11/posicionamento_2022-alterado- nov-22-1.pdf. Acesso em: 10/05/2023. BRASIL – Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 156 p. Disponíveldevem se atentar ao ganho de peso interdialítico (GPID), que é o peso que aumenta entre as sessões de diálise e considera o peso seco (após cada sessão) e o peso antes da nova sessão. Recomenda-se que o GPID não ultrapasse 3 a 5% do peso seco As recomendações dietoterápicas para pacientes com disfunções renais agudas podem ser verificadas no quadro a seguir: 4. DOENÇA RENAL CRÔNICA (DRC) A doença renal crônica (DRC) é caracterizada pelo prejuízo à função renal por um período maior de 3 meses e TFG . Acesso em: 05/07/2023. BRASIL. Ministério da Saúde. Cálculo renal (pedra no rim). Biblioteca Virtual em Saúde. 2020. Disponível em: . Acesso em: 05/07/2023. HORTEGAL, E. V.; DIAS, R. S. C. Nutrição para a prevenção da doença renal crônica. Universidade Federal do Maranhão, UNA-SUS/UFMA. Disponível em: . Acesso em: 06/07/2023. KDIGO. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney International Supplements, v. 3, n. 1, 2013. Disponível em: . Acesso em: 06/07/2023. 102 NERBASS, F. B. Orientação dietética e litíase renal. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 36, n. 4, p. 428- 429, 2014. Disponível em: . Acesso em: 05/07/2023. NIH - National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases. Diet & Nutrition for Adults with Advanced Chronic Kidney Disease. NIH, s/d. Disponível em: . Acesso em: 06/07/2023. WILKENS, K. G.; JUNEJA, V.; SHANAMAN, E. Capítulo 36 – Terapia Nutricional para Distúrbios Renais. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. ZAMBELLI, C. M. S. F. et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente com Doença Renal. BRASPEN Journal, v. 36, suplem. 2, n. 2, p. 2-22, 2021. Disponível em: . Acesso em: 04/07/2023. ENCERRAMENTO DO EBOOK: Chegamos ao final deste material que explorou as diversas patologias que mais ocorrem na prática clínica do nutricionista. Ao longo das 9 unidades em que estivemos juntos, aprofundamos o conhecimento da fisiopatologia, sintomas, aspectos relacionados e a dietoterapia nas diversas condições clínicas abordadas, sendo elas: obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, sistema gastrointestinal superior e inferior, neoplasias, doenças carenciais e desnutrição, distúrbios da tireoide e por fim as doenças renais. Esperamos que os conhecimentos adquiridos tenham sido valiosos para sua formação como nutricionista e que tenham compreendido a importância da nutrição adequada no manejo destas doenças. Lembrem-se que o nutricionista desempenha um papel de extrema importância na promoção à saúde e no suporte nutricional dos pacientes. Aprimorem continuamente seus conhecimentos na nutrição e sejam agentes transformadores na saúde dos pacientes.em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em: 10/05/2023. BRASIL – Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. 137 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf>. Acesso em: 09/05/2023. LYSEN, L. K.; ISRAEL, D. A. Capítulo 22 – Nutrição no Controle do Peso. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. MANCINI, M. C.; MELO, M. E. de. Capítulo 32 – Diagnóstico e Fisiopatologia do Excesso de Peso e Obesidade. In: WAITZBERG, D. L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017. Disponível em: https:// plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/169002/pdf/0. Acesso em: 09/05/2023. 13 MECHANICK, J. I. et al. Clinical practice guidelines for the perioperative nutrition, metabolic, and nonsurgical support of patients undergoing bariatric procedures - 2019 update: cosponsored by american association of clinical endocrinologists/american college of endocrinology, the obesity society, american society for metabolic & bariatric surgery, obesity medicine association, and american society of anesthesiologists - executive summary. Endocrine Practice, v. 25, n. 12, p. 1346-1359, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi. nlm.nih.gov/31682518/. Acesso em: 10/05/2023. WHO – World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a WHO consultation. WHO: Geneva, 2000. 252 p. Disponível em: https:// apps.who.int/iris/handle/10665/42330. Acesso em: 10/05/2023. WOF – World Obesity Federation. World Obesity Atlas 2023. World Obesity Federation: London, 2023. Disponível em: https://data.worldobesity.org/publications/?cat=19. Acesso em: 09/05/2023. 14 UNIDADE DE APRENDIZAGEM DIABETES MELLITUS (DM) NUTRIÇÃO CLÍNICA I 2 15 PARA INÍCIO DE CONVERSA: Neste segundo capítulo, estudaremos o Diabetes Mellitus (DM). O DM é uma condição crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e é caracterizado pelos níveis elevados de açúcar no sangue e incapacidade de o organismo regular tais níveis, que podem levar a uma série de complicações graves de saúde se não forem adequadamente manejados. O DM requer cuidados diários, incluindo monitoramento dos níveis de açúcar no sangue, alimentação equilibrada, exercícios físicos regulares e, em muitos casos, o uso de medicamentos ou insulina. O DM afeta significativamente a alimentação, sendo de extrema importância o tratamento nutricional adequado a fim de propiciar qualidade de vida ao portador. OBJETIVO DE APRENDIZAGEM DO CAPÍTULO: Compreender a fisiopatologia do DM, incluindo suas causas e principais tipos. Além disso, identificar os sintomas comuns do DM, compreender os métodos de diagnóstico e avaliação e as principais estratégias de tratamento e manejo da doença. Fornecer aos alunos uma base de conhecimento sobre o DM, sendo possível reconhecer, compreender e abordar essa condição crônica de forma adequada, incluindo a dietoterapia aplicada ao DM. 16 Figura 1 – Aferição da glicemia A classificação do DM se baseia na sua etiologia (CUNHA; CAMPOS; SILVA, 2019): • DM tipo 1: cerca de 5 a 10% dos casos. O diagnóstico ocorre geralmente na infância ou adolescência. É resultante da destruição das células do pâncreas, com consequente deficiência na produção de insulina por processos autoimunes (maior parte dos casos). Os casos em que não há envolvimento autoimune são chamados de idiopáticos. No DM tipo 1, a hiperglicemia ocorre pela ausência da insulina, fazendo com que a glicose se acumule na circulação. O portador deve obrigatoriamente aplicar insulina para o controle glicêmico. 1. DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO O Diabetes Mellitus (DM) consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por níveis persistentemente elevados de açúcar no sangue, decorrente da deficiência na produção de insulina, na sua ação, ou ambos. O diagnóstico precoce e o tratamento reduzem consideravelmente as complicações relacionadas ao DM, bem como os gastos médicos da doença (FRANZ, 2012). Importante: A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que tem como função o transporte de glicose da circulação para dentro das células, onde esse açúcar servirá de energia. É considerada o principal hormônio anabólico do organismo. A estimativa é de que aproximadamente 537 milhões de pessoas no mundo vivem com DM e mais de 50% da população adulta brasileira portadora de DM desconhece o diagnóstico devido à característica silenciosa da doença (RODACKI; TELES; GABBAY, 2022). FONTE: FREEPIK 17 Importante: Na suspeita de DM tipo 1, o tratamento com insulina deve ser iniciado imediatamente, independentemente da confirmação laboratorial do diagnóstico. • DM tipo 2: 90 a 95% dos casos. Caracteriza-se pela deficiência na secreção e ação da insulina. Geralmente diagnosticado após os 40 anos de idade e a maior parte apresenta sobrepeso ou obesidade. A hiperglicemia é decorrente da dificuldade da ação da insulina em transportar a glicose para dentro das células (resistência à insulina). Geralmente antes do aparecimento dos sintomas, o indivíduo já é pré-diabético. Tem como fatores de risco questões ligadas à genética e a fatores ambientais, incluindo histórico familiar de DM, idade avançada, aumento do peso corporal, sedentarismo, histórico de DM gestacional e etnia. • Pré-DM: valores laboratoriais de glicose sanguínea acima do valor de referência, mas ainda abaixo dos valores de diagnóstico de DM. • DM gestacional: hiperglicemia diagnosticada durante a gestação sem histórico prévio de DM. • Outros tipos de DM: defeitos monogênicos na função das células do pâncreas; diabetes neonatal; diabetes mitocondrial; defeitos genéticos na ação da insulina; secundário a doenças do pâncreas (por exemplo, fibrose cística, pancreatite, trauma); secundário a endocrinopatias (por exemplo, acromegalia, hipertireoidismo); secundário a infecções (rubéola, citomegalovírus); secundário a drogas (por exemplo, vacor, ácido nicotínico, interferon Y) e outras síndromes. O diagnóstico de DM é realizado com base nos exames laboratoriais, sendo o exame da hemoglobina glicada (HbA1c) o determinante da glicemia nos últimos 2 a 3 meses e os de glicose que refletem a ingestão atual pré, pós- prandial ou ao acaso (RODACKI; TELES; GABBAY, 2022): 18 2. SINTOMAS Os sintomas de DM incluem (CUNHA; CAMPOS; SILVA, 2019): • aqueles relacionados à hiperglicemia: poliúria (urina em excesso), polidipsia (sede excessiva) e perda de peso; • polifagia (fome excessiva); • perda de peso significativa (DM tipo 1); • hipoglicemia; • hiperglicemia. Curiosidade: A acantose nigricans é um achado frequente em pacientes com DM tipo 2. Caracteriza-se pelo aparecimento de manchas escuras e de textura grossa, geralmente nas axilas, virilha e pescoço. 3. COMPLICAÇÕES Os níveis aumentados persistentes de açúcar no sangue estão associados a complicações crônicas micro e macrovasculares, aumento da morbidade, redução da qualidade de vida e elevação da taxa de mortalidade (CUNHA; CAMPOS; SILVA, 2019). As complicações macrovasculares são aquelas relacionadas às doenças cardiovasculares (doença cardíaca coronariana, doença vascular periférica e doença cerebrovascular). Já as microvasculares são: • Retinopatia diabética – lesão nos vasos da retina. Aumenta a chance de perda da visão, doença renal, acidentevascular cerebral e doença cardiovascular (MALERBI et al., 2022). • Doença renal do diabetes – anteriormente chamada de nefropatia diabética, é caracterizada pela perda progressiva da função renal (SÁ et al., 2022). • Neuropatia diabética – sintomas e sinais de disfunção dos nervos. A neuropatia periférica diabética diz respeito à forma mais comum de neuropatia diabética: FONTE: ADOBE STOCK 19 “lesão difusa, simétrica, distal e progressiva das fibras sensitivo-motoras e autonômicas, causadas pela hiperglicemia crônica e por fatores de risco cardiovasculares” (ROLIM et al., 2022). • Pé diabético – alta prevalência em pacientes diabéticos e associado ao aumento de infecções, cuidados médicos, gastos com saúde, terapia antibiótica e procedimentos cirúrgicos. É a complicação mais frequentemente associada a internações e pode levar à amputação de membros (MATTOS; ADMONI; PARISI, 2022). • Cetoacidose diabética – ocorre principalmente no DM tipo 1 e é caracterizada pela hiperglicemia e produção aumentada de cetonas devido à lise das gorduras para produção de energia, é uma complicação grave que pode levar a óbito. Curiosidade: Em crianças e adolescentes com diagnóstico de DM tipo 1, o rastreamento de retinopatia diabética pode ser considerado a partir dos 11 anos de idade com pelo menos 2 a 5 anos de duração do diagnóstico. Já para aqueles com diagnóstico de DM tipo 2, o rastreamento pode ser considerado já no diagnóstico. Figura 2 – Pé diabético 4. TRATAMENTO E DIETOTERAPIA O tratamento medicamentoso do DM inclui, além da insulina, medicamentos orais hipoglicemiantes: 1) biguanidas: metformina, tem como característica reduzir a produção de glicose hepática; 2) sulfonilureia: promove a secreção de insulina pelo pâncreas; 3) tiazolidinedionas: reduzem a resistência à insulina em tecidos periféricos, aumentando a capacidade das células musculares esqueléticas e adiposas de captar glicose; 4) agonistas peptídeo-1 similar ao glucagon: exenatida e liraglutida, mimetizam a ação da incretina, que tem como princípio a redução da glicose. Também são classes de medicamentos utilizados: inibidores da alfaglicosidase, glinidinas, agonistas da amilina e inibidores de DPP-4 (FRANZ, 2012). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 20 Quanto à insulina, a sua diferença se dá pela velocidade e início da ação, pico e duração: Figura 3 – Insulina O tratamento nutricional é desafiador para o indivíduo portador de diabetes e está diretamente relacionado com a manutenção do controle glicêmico, principalmente no DM tipo 2. De acordo com Cunha, Campos e da Silva (2019), os principais objetivos do tratamento dietoterápico incluem: • a promoção e apoio a hábitos alimentares saudáveis com alimentação variada e com redução de porções; • atingir as metas glicêmicas, de pressão arterial e lipídicas; • alcançar e manter o peso corporal dentro de limites saudáveis; • prevenção e tratamento de complicações do DM e comorbidades a ele associadas; • fornecer ferramentas para o planejamento das refeições; • atender as necessidades nutricionais individuais. Figura 4 – Alimentação e DM FONTE: FREEPIK FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 21 As recomendações dietéticas para o DM estão resumidas no quadro a seguir: Outras recomendações dietéticas para o DM incluem: • Sódio – limitar a ingestão em até 2.000 mg devido ao risco aumentado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. • Bebidas alcoólicas – podem promover hipoglicemia reativa em indivíduos diabéticos. Portanto, deve- se recomendar moderação no consumo de bebida alcoólica. • Edulcorantes – não são essenciais ao tratamento, mas podem ser utilizados. Seu uso não visa à melhora do controle glicêmico, mas sim à redução da ingestão calórica total. Algumas estratégias vêm sendo estudadas com relação aos carboidratos (CAMPOS et al., 2020): • Dietas low-carb – essas dietas apresentam resultados conflitantes na literatura científica quando utilizadas no DM. Apesar disso, é consenso entre especialistas quanto ao impacto dos níveis de glicemia pós- prandiais quando da ingestão de carboidratos. Um dos benefícios parece estar na redução do uso de medicamento para DM. No entanto, devido ao risco de cetose, há algumas contraindicações importantes. Podem ser utilizadas desde que bem indicadas e com acompanhamento adequado. 22 • Contagem de carboidratos – deve fazer parte do tratamento nutricional de pacientes com DM desde que dentro de um contexto de alimentação saudável. A contagem de carboidratos propõe somar a quantidade de carboidratos (em gramas) de cada refeição e assim ajustar a dose de insulina a ser utilizada de acordo com a razão insulina/carboidrato a ser informada pelo médico. Essa razão corresponde à quantidade de carboidrato coberta a cada 1UI de insulina. • Índice (IG) e carga glicêmica (CG) dos alimentos – o IG é a velocidade com que um alimento pode subir a glicemia sanguínea após a ingestão, considera a quantidade. Já a CG determina o quanto o alimento pode aumentar a glicemia após ser ingerido, considera a quantidade e a qualidade do alimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS: No módulo 2, compreendemos questões relacionadas ao DM, sua etiologia, diagnóstico, sintomas e tratamentos, além de abordar estratégias nutricionais essenciais para auxiliar pacientes com essa condição. Destacamos o papel do nutricionista no tratamento dietético do DM, visto que seu controle está intimamente ligado à boa alimentação. Lembrem-se de que como futuros nutricionistas, vocês podem fazer a diferença na vida das pessoas que convivem com o DM. Compreender as necessidades específicas desses indivíduos e fornecer orientações nutricionais personalizadas pode contribuir significativamente para o manejo adequado da doença e a promoção de um estilo de vida saudável, além de prevenir complicações. FONTE: ADOBE STOCK 23 REFERÊNCIAS: CAMPOS, L. F. et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Diabetes Mellitus. BRASPEN Journal, v. 35, supl. 4, p. 2-22, 2020. Disponível em: https://www.braspen. org/_files/ugd/66b28c_77ee5a91b6d14ade864fe0c091afde8c. pdf. Acesso em: 17/05/2023. CUNHA, M. R.; CAMPOS, L. F.; da SILVA, J. G. N. Capítulo 119 – Diabetes Mellitus Tipo 2. In: WAITZBERG, D. L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017. Disponível em: https://plataforma. bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/169002/pdf/0. Acesso em: 17/05/2023. FRANZ, M. J. Capítulo 31 – Terapia Nutricional Clínica para Diabetes Melito e Hipoglicemia de Origem não Diabética. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. MALERBI, F. et al. Manejo da retinopatia diabética. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz.diabetes.org.br/manejo-da- retinopatia-diabetica/. Acesso em: 17/05/2023. MATTOS, L.; ADMONI, S.; PARISI, M. Infecção no pé diabético. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz.diabetes.org. br/infeccao-no-pe-diabetico/. Acesso em: 17/05/2023. RAMOS, S. et al. Terapia Nutricional no Pré-Diabetes e no Diabetes Mellitus Tipo 2. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz. diabetes.org.br/terapia-nutricional-no-pre-diabetes-e-no- diabetes-mellitus-tipo-2/. Acesso em: 17/05/2023. RODACKI, M.; TELES, M.; GABBAY, M. Classificação do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz.diabetes.org.br/ classificacao-do-diabetes/. Acesso em: 17/05/2023. ROLIM, L. et al. Diagnóstico e tratamento da neuropatia periférica diabética. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz.diabetes. org.br/prevencao-diagnostico-e-tratamento-da-neuropatia-periferica-diabetica. Acesso em: 17/05/2023. SÁ, J. R. et al. Doença renal do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). Disponível em: https://diretriz.diabetes.org.br/doenca-renal-do-diabetes/. Acesso em: 17/05/2023. 24 UNIDADE DE APRENDIZAGEM DOENÇAS CARDIOVASCULARES NUTRIÇÃO CLÍNICA I 3 25 Para Início de Conversa: Neste terceiro capítulo abordaremos as Doenças Cardiovasculares (DCV). As DCV estão entre as principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo e é de suma importância que como futuros profissionais de nutrição, haja o entendimento dos mecanismos, fatores de risco e quanto ao papel da alimentação no tratamento e prevenção destas condições de saúde. Os eventos cardiovasculares são fortemente influenciados pelas DCV que abordaremos neste capítulo. O infarto agudo do miocárdio (IAM) e o acidente vascular cerebral (AVC) são eventos agudos frequentemente desencadeados por um bloqueio que interrompe o fluxo sanguíneo para o coração ou para o cérebro. Pode-se considerar como principal causa desse bloqueio o acúmulo de gordura nas paredes internas dos vasos sanguíneos que irrigam esses órgãos. Quando há uma associação metabólica complexa de fatores de risco cardiovascular, o indivíduo desenvolve a chamada síndrome metabólica (SM), que também será tratada neste capítulo. Objetivo de Aprendizagem do Capítulo: Compreender a fisiopatologia das DCV, em especial a HA, DSLP e IC, incluindo sua fisiopatologia, causas, fatores de risco e prevenção. Além disso, analisar o papel da nutrição na saúde cardiovascular, no tratamento e prevenção destas condições, bem como na identificação da SM. FONTE: ENVATO 26 A pressão arterial (PA) é determinada pelo resultado da multiplicação do débito cardíaco pela resistência periférica. Quando o diâmetro do vaso sanguíneo está reduzido, resulta em maior resistência e consequente aumento da PA, já o diâmetro aumentado do vaso resulta em redução da resistência e da PA. A regulação da PA em curto prazo é feita pelo Sistema Nervoso Simpático (SNS) através da secreção de noradrenalina, e, a longo prazo, pelos rins através do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAYMOND, J. L., COUCH, S. C., 2012). O diagnóstico de HA é feito pela aferição da PA e sua consequente elevação: da pressão arterial sistólica (PAS) (contração do coração que resulta no esvaziamento sanguíneo dos ventrículos) e da pressão arterial diastólica (PAD) (relaxamento do coração que resulta no enchimento sanguíneo dos ventrículos). Os valores diagnósticos de HA a partir dos 18 anos podem ser verificados no quadro: QUADRO 1 – Valores referenciais da PA 1. HIPERTENSÃO ARTERIAL (HA) A Hipertensão Arterial (HA) é uma Doença Crônica Não Transmissível (DCNT) definida pelos níveis pressóricos elevados e persistentes. A estimativa de 2019 era de que esta condição atingisse aproximadamente 1/3 da população adulta. Por se tratar de uma doença assintomática, é de difícil identificação, controle e tem baixas taxas de adesão ao tratamento (PRÉCOMA, D. B. et al, 2019). FIGURA 1 – Aferição de pressão arterial BANCO DE IMAGENS FREEPIK FONTE: ADAPTADO DE PRÉCOMA, ET AL (2019) 27 Caso a PAD e PAS estejam em categorias de classificação diferentes, a maior deverá ser utilizada para diagnóstico. A aferição da PA deve ser realizada com a técnica correta, em pelo menos duas ocasiões diferentes e sem a utilização de medicamentos antihipertensivos (BARROSO, W. K. S, et al, 2021). Importante: São fatores de risco para o desenvolvimento de HA: genética, idade avançada, sexo, etnia, excesso de peso, ingestão elevada de sódio e potássio, sedentarismo e álcool. Índices maiores de HA também são encontrados em indivíduos com baixa escolaridade. A HA pode favorecer alterações estruturais e/ou funcionais em órgãos-alvo para as doenças cardiovasculares (DCV), como coração, cérebro, rins e vasos sanguíneos, sendo agravada pela presença de outros fatores de risco, como obesidade, intolerância à glicose e diabetes mellitus (DM). A HA é uma doença que impacta significativamente os custos em saúde pública decorrentes do tratamento das comorbidades e morbidades a ela associadas, como a doença arterial coronariana (DAC), acidente vascular encefálico (AVE), doença renal crônica (DRC) que podem necessitar de diálise, entre outros (BARROSO, W. K. S, et al, 2021). Curiosidade: Dados do DataSUS de 2017 constataram que 49.635 de óbitos no país se deveram à HA A prevenção é tão importante quanto o tratamento. É proposto que haja controle do peso, adoção de uma alimentação saudável, moderação no consumo de sódio, aumento da ingestão de potássio, prática de atividade física, controle no consumo do álcool, controle do estresse, cessação do tabagismo e prática da espiritualidade como forma de prevenir a ocorrência da HÁ (BARROSO, W. K. S, et al, 2021). O tratamento envolve dois tipos de abordagem: terapia farmacológica com uso de medicamentos antihipertensivos e a não farmacológica, fundamentada pelas mudanças no estilo de vida e modificação dos fatores de risco que favoreçam a redução da PA (PRÉCOMA, D. B. et al, 2019). FONTE: ENVATO 28 As recomendações dietéticas para o controle não farmacológico da HA podem ser verificadas no Quadro 2: QUADRO 2 – Recomendações relacionadas à nutrição no controle da PA A adoção da Dietary Approaches to Stop Hypertension (Dieta DASH) é a recomendação de maior grau científico atual para a redução da PA, e preconiza escolhas alimentares com menor teor de gorduras saturadas, priorizando as gorduras insaturadas e restringindo as gorduras trans, além disso, é uma dieta rica em frutas, vegetais, laticínios com baixo teor de gorduras, grãos integrais e oleaginosas. Recomenda-se também evitar a ingestão de açúcares e alimentos ultraprocessados (NIH, 2003). A terapia farmacológica tem como objetivos a redução da PA, dos desfechos cardiovasculares e mortalidade associada à HA. As classes de medicamentos são divididas em: 1) diuréticos (DIU), 2) bloqueadores dos canais de cálcio (BCC), 3) inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA), 4) betabloqueadores (BB), 5) simpatolíticos de ação central, 6) alfabloqueadores, 7) vasodilatadores diretos. Podem ser utilizadas a monoterapia e a combinação de fármacos, sendo esta última, a modalidade preferencial de esquema medicamentoso (BARROSO, W. K. S, et al, 2021). FIGURA 2 – Fluxograma de terapia farmacológica na HA FONTE: BARROSO, ET AL, 2021 FONTE: ADAPTADO DE MALACHIAS, ET AL, (2016) 29 2. DISLIPIDEMIA (DSLP) As dislipidemias se caracterizam pela alteração dos lipídios circulantes em corrente sanguínea, que levam ao processo aterosclerótico e são um fator de risco importante para eventos cardiovasculares, sendo que a lipoproteína de baixa densidade colesterol (LDL-c) é o mais relevante fator de risco modificável para a DAC (PRÉCOMA, D. B. et al, 2019). Importante: Aterosclerose: agressão ao endotélio vascular que ocorre naturalmente desde a infância e pode ser acentuada por comportamentos e fatores de risco como as próprias dislipidemias, tabagismo e HA. Dados do Vigitel de 2016 mostraram que entre os homens acima dos 18 anos de idade, o diagnóstico de DSLP variou de 14% (em Porto Velho) até 25% (em Aracaju). Entre as maiores capitais do país, esse percentual foi de 18% em São Paulo e no Rio de Janeiro. Já entre as mulheres, variou de 20% (em Boa Vista) até 32% em Aracaju, 25% em São Paulo e 24% no Rio de Janeiro. Esses dados mostram que o índice de DSLP foi 22,6% maior entre as mulheres comparado aos homens (BRASIL, 2017). Alguns suplementos vêm sendo estudados quanto ao seu potencial redutor da PA, como potássio (90 a 120 mmol/ dia), vitamina C (500 mg/dia), alho (alicina) (12,3 a 2400 mg/dia),fibras dietéticas (11,5 g/dia), chocolate amargo (46 a 100g/dia), soja (substituir 25g de proteína da dieta), nitratos orgânicos (15,5 ± 9,2 mmol +140-500mL suco beterraba/dia) e ômega 3 (3 a 4g/dia) (PRÉCOMA, D. B. et al, 2019). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 30 QUADRO 3 – Valores referenciais para o diagnóstico de dislipidemia Há ainda, a classificação de acordo com o tipo de alteração, sendo (PRÉCOMA, D. B. et al, 2019): 1) Hipercolesterolemia isolada: aumento isolado do LDL-c ≥160 mg/dL; 2) Hipertrigliceridemia isolada: aumento isolado dos triglicerídeos de acordo com valores referenciais com e sem jejum; 3) Hiperlipidemia mista: aumento do LDL-c ≥160 mg/dL e dos triglicerídeos de acordo com valores referenciais com e sem jejum; 4) HDL-c baixo (isolado ou associado ao aumento do TG ou LDL-c): HDL-c 102 cm para homens e >88 cm para mulheres 2) Triglicerídeos ≥150 mg/dL 3) Valores reduzidos de HDL-c; sendoFONTE: ENVATO FONTE: ENVATO 35 Referências: BARROSO, W. K. S. et al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 116, n. 3, p. 516-658, 2021. Disponível em: .pdf Acesso em: 23/05/2023. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2016. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. 160p. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. CARVALHO, M. H. C. et al. I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 84, n. 1, p. 1-28, 2005. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. FALUDI, A. A. et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 109, supl. 1, p. 1-76, 2017. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. MALACHIAS, M. V. B. et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 107, n. 3, supl. 3, p. 1-83, 2016. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. NIH. Your Guide to Lowering Blood Pressure. U.S. Department of Health and Human Services, n. 03-5232, 2003. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. 36 PRÉCOMA, D. B. et al. Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular daSociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 113, n. 4, p. 787-891, 2019. Disponível em: . Acesso em: 23/05/2023. RAYMOND, J. L., COUCH, S. C. Capítulo 34 – Tratamento Nutricional Clínico da Doença Cardiovascular. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. RODHE, L. E. et al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 111, n. 3, p. 436-539, 2018. Disponível em: . Acesso em: 24/05/2023. 37 UNIDADE DE APRENDIZAGEM TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR (BOCA, ESÔFAGO E ESTÔMAGO). NUTRIÇÃO CLÍNICA I 4 38 Para Início de Conversa: As doenças que afetam o TGS, em específico a boca, o esôfago e o estômago, possuem um impacto significativo na saúde dos indivíduos. Como futuros nutricionistas, é crucial compreender a fisiopatologia dessas condições, uma vez que a adequada ingestão de nutrientes e a dietoterapia desempenham um papel fundamental no tratamento e controle dessas doenças. Neste e-book iremos explorar algumas das principais condições que afetam o TGS, abordando suas causas, sintomas e opções de tratamento, destacando a relevância da intervenção nutricional na promoção da saúde e alívio dos sintomas. Objetivo de Aprendizagem do Capítulo: • Compreender a fisiopatologia das condições que afetam o TGS, bem como a dietoterapia aplicada a cada condição. 1. DOENÇAS DA BOCA O Trato Gastrointestinal (TGI) é responsável pela fragmentação, digestão e absorção dos alimentos e nutrientes. Alterações no TGI podem impedir a ingestão alimentar adequada e, consequentemente, o estado nutricional do indivíduo. FIGURA 1 – Trato gastrointestinal superior Na boca é onde temos o receptor sensorial do paladar: a língua, composta por papilas gustativas, onde é possível a percepção dos sabores primários (doce, amargo, salgado e ácido). O número de papilas gustativas diminui com a idade e são afetadas pelo tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas, prejudicando a percepção dos sabores pelo paladar (GUEBUR, M. I.; FURUHATA, V. L.; HEPP, V. 2017). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA 39 A cariogenicidade diz respeito à capacidade de um alimento promover cáries e pode ser classificada de acordo com sua composição nutricional, quando é ingerido com relação a outros alimentos e líquidos, da duração da exposição do alimento ao dente e da frequência com que é ingerido (RADLER, D. R., 2012). Podem ser considerados alimentos cariogênicos: as frutas e sucos de frutas, sendo que frutas como a melancia que contém alto teor de água tem menor potencial cariogênico que outras frutas como a banana e frutas secas. Sucos, refrigerantes, chás e outras bebidas adoçadas com açúcares, sobremesas, biscoitos doces, balas e bolos também possuem alto grau cariogênico. Laticínios adoçados com frutose, sacarose e outros açúcares também podem ser cariogênicos em razão do açúcar adicionado, no entanto, também possuem alto teor de cálcio, um mineral alcalino que pode reduzir o potencial cariogênico do alimento. Todas as formas dietéticas do açúcar (xaropes, mel, melado, açúcar mascavo, açúcar demerara, etc.) também são potencialmente cariogênicos (RADLER, D. R., 2012). Já os alimentos cariostáticos, são aqueles que não são metabolizados pelos micro-organismos orais e não causam redução do pH, não sendo favoráveis ao desenvolvimento da cárie dental. A) CÁRIES: A cárie é uma doença causada pela desmineralização do esmalte do dente. Dentre os fatores de risco para aumento da incidência de cáries, pode-se citar: 1) suscetibilidade individual aumentada; 2) presença de cepas de Streptococcus ou Lactobacillus na cavidade oral ou placa dental; 3) dieta rica em carboidratos fermentáveis e 4) tempo que a bactéria presente na cavidade oral leva para metabolizar os carboidratos fermentáveis, produzir ácidos e reduzir o pH para menos de 5,5 (pH ácido). Quando o pH está ácido, as bactérias iniciam o processo de desmineralização do esmalte do dente (RADLER, D. R., 2012). Curiosidade: Devido à adição de açúcares, o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados é associado também ao aumento da incidência de cárie dentária. O Streptococcus mutans é o microorganismo mais relacionado às cáries, seguido do Lactobacillus casein e do Streptococcus sanguis. Esses três micro-organismos metabolizam os carboidratos na boca, produzindo o ácido que causa a desmineralização do dente. Os carboidratos fermentáveis são aqueles mais suscetíveis à ação da amilase salivar e os ácidos produzidos pela sua metabolização são capazes de deixar o pH da boca ácido, favorecendo o crescimento bacteriano. 40 São exemplos destes alimentos os ricos em proteínas, como as carnes, ovos, peixes, frango; hortaliças, gorduras e alimentos sem açúcar (GUEBUR, M. I.; FURUHATA, V. L.; HEPP, V. 2017). As orientações para a prevenção de cáries incluem a boa higiene oral com escovação pelo menos duas vezes ao dia após alimentar-se, enxaguar a boca após as refeições e lanches, combinar alimentos cariogênicos com alimentos cariostáticos e limitar a ingestão de alimentos e bebidas com carboidratos fermentáveis entre as refeições (RADLER, D. R., 2012). FIGURA 2 - Periodontite B) DOENÇA PERIODONTAL: A doença periodontal é a inflamação da gengiva ocasionada por bactérias presentes na cavidade oral com destruição dos tecidos que sustentam os dentes. Pode ser classificada em duas categorias: gengivite ou periodontite. A gengivite é a inflamação da gengiva, já a periodontiteé mais grave e pode levar à perda da sustentação óssea do dente. A placa produz toxinas que destroem o tecido e permitem desprendimento do dente. Esse processo é influenciado pela saúde geral e integridade do sistema imunológico. A vitamina C, folato e zinco influenciam na integridade da gengiva e quando em deficiência, aumenta a permeabilidade da barreira gengival, aumentando a suscetibilidade a doenças periodontais. No entanto, nutrientes isolados não são capazes de regenerar o tecido gengival a ponto de curar a doença periodontal, sendo recomendada uma alimentação saudável e rica em nutrientes como um todo (RADLER, D. R., 2012). FONTE: BANCO DE IMAGENS CANVA FONTE: ADOBE STOCK 41 Pacientes que apresentem perda dental devem ser rastreados para possíveis deficiências nutricionais, pois devido à mastigação pouco efetiva, esses pacientes podem apresentar redução da ingestão de frutas, verduras, carnes e grãos integrais. A dieta pode ser modificada em consistência branda ou pastosa, deve-se evitar alimentos pegajosos como gomas de mascar e se necessário, cortar os alimentos em pequenos pedaços para favorecer a ingestão (RADLER, D. R., 2012). C) CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO: Os cânceres que afetam a parte da cabeça e pescoço podem influenciar a alimentação devido ao tratamento. As cirurgias, dependendo do local e da extensão podem alterar a ingestão e deglutição, bem como a capacidade de produção de saliva. Já o tratamento quimioterápico e a radioterapia quando realizada nesta região, podem afetar a quantidade da saliva e a tornar densa e viscosa, o que pode levar à xerostomia. Quando há impossibilidade de alimentação via oral, deve-se considerar a utilização de via alternativa de alimentação (nutrição enteral) (RADLER, D. R., 2012). O objetivo da dietoterapia nestes tipos de câncer consiste em monitorar a disfagia e dificuldades na mastigação, prevenir a desnutrição e adaptar a dieta. Também é documentada a importância da ingestão de cálcio e vitamina D devido à sua relação com metabolismo ósseo, osteopenia e osteoporose. Como os pacientes podem apresentar dor e dificuldade de mastigação, a modificação de consistência da dieta via oral pode ser necessária a fim de facilitar a mastigação (GUEBUR, M. I.; FURUHATA, V. L.; HEPP, V. 2017). Importante: A periodontite é uma importante causa de perda dental e consequente uso de próteses dentárias e essa combinação é propícia a modificação dos hábitos alimentares. FONTE: ADOBE STOCK 42 Age ainda no aumento da dor oral e aumento do risco de cáries e infecções bucais. As recomendações dietéticas para a xerostomia incluem aumentar a umidade dos alimentos, preferindo aqueles com molhos e cremes, modificação da consistência para branda ou pastosa, abrandar as fibras pelo cozimento para facilitar a mastigação, evitar adição de temperos fortes como pimenta, aumentar o consumo de líquidos durante e entre as refeições e lanches e estimular a salivação pingando limão na água ou consumir pastilhas efervescentes com sabores cítricos, gomas de mascar ou pastilhas de xilitol, que podem também auxiliar na redução do risco de cáries associadas à xerostomia. É sugerido evitar alimentos secos e viscosos para pacientes com xerostomia grave (RADLER, D. R., 2012). A consistência deve variar de acordo com a tolerância do paciente, preferindo alimentos mais líquidos, liquidificados e pastosos; o valor calórico deve ser determinado de acordo com o estado nutricional do paciente, sendo uma dieta normoglicídica, normolipídica e hiperproteica (1,2 a 1,4 g/kg). Deve ser considerado o abrandamento das fibras pela cocção, fracionar as refeições favorecendo o consumo menor em volume por refeição, evitar temperaturas extremas, reduzir condimentos irritantes e sal, evitar alimentos ácidos e bebidas com gás e aumentar a ingestão de líquidos (GUEBUR, M. I.; FURUHATA, V. L.; HEPP, V. 2017). As recomendações nutricionais da alimentação via oral nos cânceres de cabeça e pescoço quando voltadas à xerostomia poderão ser visualizadas no tópico seguinte. D) XEROSTOMIA: A xerostomia é uma disfunção salivar em que ocorre sua diminuição ou ausência de secreção, deixando a boca seca. Além do tratamento quimioterápico e radioterápico no câncer, são fatores para o desenvolvimento da xerostomia: tabagismo, respiração bucal, doença periodontal, doenças inflamatórias crônicas, diabetes mellitus tipo 1 ou 2, desidratação, alcoolismo, uso de algumas classes de medicamentos, entre outros (UFRGS, 2021). A ausência de saliva causa redução da ingestão alimentar e influencia em todas as etapas da ingestão, como a mastigação, a formação do bolo alimentar e a deglutição. FONTE: ADOBE STOCK 43 FIGURA 3 – Esôfago Importante: A DRGE sempre gera esofagite, mas nem toda esofagite é resultante da DRGE. Além do refluxo, a esofagite pode ser causada pela ingestão de agentes corrosivos, infecção viral ou bacteriana, intubação, radiação ou infiltração eosinofílica. Os sintomas da DRGE e da esofagite incluem: irritação da faringe, pigarro e rouquidão; queimação dolorosa epigástrica; náuseas, dor intermitente e falta de apetite; agravamento de sintomas de asma; refluxo de secreções gástricas e azia (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). Os objetivos da terapia nutricional nas doenças do esôfago incluem prevenção da irritação da mucosa do esôfago na fase aguda, auxiliar na prevenção da ocorrência do refluxo, contribuir para o aumento da pressão do EEI e manutenção do peso saudável (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). As características da dieta incluem: 2. DOENÇAS DO ESÔFAGO O esôfago é um órgão tubular com aproximadamente 25cm de comprimento. As doenças que mais afetam o esôfago são a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e a esofagite. A esofagite pode ser definida como a inflamação da mucosa do esôfago. Já a DRGE é o dano à mucosa esofágica causada pelo movimento contrário do ácido gástrico, que leva à esofagite, erosões no esôfago, úlceras, cicatrizes, estenose e em alguns casos, disfagia. O refluxo ocorre decorrente da redução na pressão do esfíncter esofágico inferior (EEI), que não se contrai adequadamente após a passagem do alimento para o estômago, permitindo o retorno do conteúdo gástrico. (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). O controle do EEI é realizado pelo sistema nervoso e humoral. Na fase gástrica da digestão, a gastrina aumenta a pressão, enquanto a colecistocinina (CCK) e a secretina reduzem (fase intestinal da digestão). Alguns alimentos podem alterar a pressão do EEI, como a cafeína presente no café, chá mate e chá preto, a teobromina do chocolate, as xantinas, o álcool e alimentos como menta e hortelã (CARUSO, L., 2018). FONTE: KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., (2012) 44 • Não usar roupas e acessórios apertados; • Manter a cabeceira da cama elevada; • Evitar o tabagismo; • Consumir uma alimentação rica em nutrientes e fibras. 3. DOENÇAS DO ESTÔMAGO As doenças mais comuns que afetam o estômago e têm envolvimento nutricional são a dispepsia, as úlceras pépticas e a gastrite. Essas doenças afetam a integridade da mucosa gás- trica e tem como principal causa a infecção pela Helicobacter pylori. A dispepsia é a dor ou desconforto abdominal superior inespecífico. A DRGE, gastrite, úlcera péptica, doenças da vesí- cula biliar ou outras condições de saúde podem estar relacio- nadas à dispepsia. Devido à variedade de sintomas, a dispepsia pode se sobrepor a outros diagnósticos como a DRGE, ansieda- de e depressão. A dispepsia é influenciada pela dieta, estresse e outros fatores relacionados ao estilo de vida e o tratamento nutricional é o mesmo sugerido na DRGE (KRENITSKY, J. S.; DE- CHER, N., 2012). Importante: Caso o paciente não apresente sintomas com alguns alimentos que se sugere evitar, não há necessidade de excluí-los da dieta. As recomendações geraisrelacionadas ao estilo de vida para evitar a ocorrência de refluxo são: Evitar se alimentar antes de dormir (pelo menos de 2 a 3 horas); • Comer em posição ereta; • Não se deitar após a refeição; • Manter horários de refeições regulares; FONTE: KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., (2012); DELEGGE, M. H. (2016); CARUSO, L. (2018) 45 As úlceras pépticas são caracterizadas pela perda de tecido nas áreas do tubo digestivo que entram em contato com a secreção gástrica e a infecção pela H. pylori está presente em cerca de 70% dos casos (DELEGGE, M. H., 2016). Em um estômago normal, a mucosa gástrica e duodenal é protegida contra a ação do ácido clorídrico (HCl) e da pepsina pela secreção de muco, ação do bicarbonato, remoção do excesso de ácido pelo fluxo sanguíneo normal e pela renovação e reparo rápido das lesões em células epiteliais. Quando há falha nesses mecanismos de proteção, ocorre a úlcera péptica. É comum que na úlcera péptica tenha evidência de inflamação crônica e processos de reparo ao redor das lesões (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). FIGURA 4 – Estômago normal, com úlcera gástrica e úlcera duodenal Curiosidade: As úlceras podem ocorrer em qualquer parte do estômago, mas são principalmente visualizadas ao longo da curvatura menor ou no duodeno. As principais causas das úlceras pépticas são a infecção por H. pylori, gastrite, uso de aspirina e anti-inflamatórios não esteroides (AINE) e corticoesteróides. Em geral, o estilo de vida também influencia no desenvolvimento das úlceras. O estresse, consumo de bebidas alcoólicas em altas doses e uso de derivados do tabaco podem estar envolvidos no aumento do risco do desenvolvimento das úlceras. Os sintomas incluem dor ou desconforto abdominal e também podem ocorrer perda de peso, náuseas, vômitos e azia (DELEGGE, M. H, 2016). As úlceras podem causar hemorragia e perfuração, o que contribui significativamente para a mortalidade e morbidade. A melena (fezes escurecidas pela presença de sangue digerido) é outro sintoma que pode estar presente, sugerindo hemorragia digestiva alta (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). O tratamento médico das úlceras pépticas visa a erradicação da H. pylori com o tratamento antibiótico, reduzir ou retirar os AINEs, uso de antiácidos e supressão da secreção ácida com inibidores da bomba de prótons ou antagonistas dos receptores H2 (KRENITSKY, J. S.; DECHER, N., 2012). A gastrite pode ser classificada em aguda ou crônica. FONTE: KRENITSKY E DECHER (2012) 46 A condição aguda aparece de repente, tem curta duração e é resolvida sem deixar sequelas. Já a condição crônica é definida pela atrofia crônica progressiva da mucosa gástrica. Também tem como causas a infecção por H. pylori, uso de medicamentos como ácido acetilsalicílico, AINEs, ingestão de bebidas alcoólicas, fumo e substâncias erosivas e situações de estresse como queimaduras graves, politrauma, entre outros (CARUSO, L., 2018). Importante: A gastrite prolongada pode levar à atrofia e perda de células parietais do estômago, com perda da secreção de HCl e fator intrínseco, o que pode resultar em deficiência na absorção da vitamina B12, levando à anemia perniciosa. A redução na secreção de HCl também resulta na redução da absorção de ferro, cálcio e outros nutrientes, pois o HCl aumenta a biodisponibilidade dessas substâncias. A dietoterapia para úlceras pépticas e gastrite pode ser verificada no quadro a seguir: que há uma maior síntese de proteínas do que sua degr Considerações Finais: Assim, é possível concluir que os carboidratos devem ser con- sumidos como parte de uma dieta equilibrada, juntamente com proteínas, gorduras, vitaminas e minerais. Os carboidratos desempenham um papel essencial na saúde e devem ser consumidos de forma consciente, escolhendo fontes nutritivas e equilibrando as quantidades. Deve-se considerar os diversos tipos de carboidratos distribuídos nos alimentos, que devem ser ponderados no momento da escolha alimentar. A ingestão de açúcares diária deve ser mínima e proveniente de produtos menos refinados. É priorizada a obtenção de carboidratos em alimentos naturais, como frutas, tubérculos e cereais com menor grau de refinamento possível. 47 Referências: CARUSO, L. Distúrbios do trato digestório. In: CUPPARI, L. Guia de nutrição: clínica no adulto. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2018. 624 p. DELEGGE, M. H. Capítulo 74 - Esôfago e estômago. In: ROSS, A. C. et al. Nutrição moderna de Shils na saúde e na doença. 11 ed. Barueri: Manole, 2016. 1690 p. GUEBUR, M. I.; FURUHATA, V. L.; HEPP, V. Capítulo 53 – Nutrição em Odontologia. In: WAITZBERG, D. L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 5 ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017. Disponível em: . Acesso em: 30/05/2023. KRENITSKY, J. S.; DECHER, N. Tratamento Clínico Nutricional para Distúrbios do Sistema Gastrointestinal Superior. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. RADLER, D. R. Capítulo 26 – Nutrição para a Saúde Oral e Dental. In: MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p. UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS (TelessaúdeRS- UFRGS). O que é xerostomia e como manejá-la? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS. 2021. Disponível em: . Acesso em: 30/05/2023. 48 UNIDADE DE APRENDIZAGEM INTESTINO, PÂNCREAS E FÍGADO. NUTRIÇÃO CLÍNICA I 5 49 Para Início de Conversa: O intestino, o pâncreas e o fígado são estruturas que participam dos processos de digestão, metabolismo e absorção de nutrientes no organismo. Portanto, quando acometidos por doenças, podem causar impactos significativos na saúde. Neste capítulo, iremos explorar as principais enfermidades associadas a esses órgãos e veremos de maneira abrangente as causas, sintomas e possíveis abordagens nutricionais para o manejo dessas patologias, sendo que as intervenções da dieta são voltadas primariamente para o alívio de sintomas, manutenção do estado nutricional e correção de deficiências nutricionais. Objetivo de Aprendizagem do Capítulo: Compreender a fisiopatologia das condições que afetam o intestino, o pâncreas e o fígado, bem como a dietoterapia aplicada a cada condição. 1. DOENÇAS DO INTESTINO A) CONSTIPAÇÃO A constipação é um sintoma caracterizado pela dificuldade e baixa frequência de evacuação. A prevalência de constipação intestinal é elevada e pode estar presente em todas as faixas etárias. A frequência normal de evacuação pode variar de 3 vezes ao dia ou uma vez a cada 3 dias. As causas da constipação podem incluir alguns hábitos de vida como a alimentação inadequada com baixa ingestão de fibras, inatividade física e hidratação inadequada, bem como outras causas, como, por exemplo, pacientes com distúrbios de mobilidade, neuromusculares, aqueles que fazem uso crônico de medicamentos opioides, gestantes, pacientes com fissura anal, entre outros. Devido à dificuldade para evacuar, muitos indivíduos passam a fazer uso de laxantes com frequência, o que pode danificar a estrutura e enervação do intestino (DECHER, N.; KRENITSKY, J. S., 2012). Podem ser considerados para diagnóstico de constipação os seguintes critérios, devendo estar presentes dois ou mais dos sintomas por pelo menos 3 meses nos últimos 6 meses antes do diagnóstico: 50 Os alimentos ricos em fibras incluem: frutas (em especial as laxativas como abacate, abacaxi, ameixa preta, laranja, mamão, manga), hortaliças (em especial as folhas, beterraba, brócolis, couve, quiabo, vagem), cereais integrais, leguminosas, oleaginosas