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FACULDADE DE NUTRIÇÃO GEOGRAFIA E ECONOMIA APLICADA À NUTRIÇÃO RESENHA DO LIVRO SABER AMBIENTAL DE ENRIQUE LEFF Fabiellen de Moraes Brum Pelotas, 2025 A obra Saber Ambiental, do sociólogo Enrique Leff, surge como um convite ao repensar do conhecimento ambiental e de suas implicações no desenvolvimento social, econômico e ecológico. Em tempos de crise ambiental global, onde os problemas relacionados ao meio ambiente e às desigualdades sociais se interconectam, Leff oferece uma reflexão profunda sobre os paradigmas de saber e as práticas que sustentam as relações humanas com a natureza. O autor, em sua análise crítica, propõe uma nova racionalidade, uma racionalidade ambiental que ultrapasse os limites impostos pelo pensamento capitalista e pelos modelos tradicionais de desenvolvimento, propondo um novo caminho mais integrador e sustentável. O livro se propõe a uma reconciliação entre os saberes tradicionais e científicos, defendendo a construção de um conhecimento interdisciplinar que considere as particularidades locais e culturais, ao mesmo tempo que questiona o modelo de progresso desenfreado e predatório das últimas décadas. No desenvolvimento da obra, Leff começa discutindo a emergência de um saber ambiental que desafia as lógicas hegemônicas de conhecimento. Ele questiona como as concepções dominantes sobre progresso e desenvolvimento, sustentadas por modelos econômicos baseados na exploração dos recursos naturais, têm levado à degradação ambiental e social. Segundo o autor, é necessário um novo olhar sobre a relação entre o ser humano e a natureza, e esse novo saber é justamente o saber ambiental, que surge como uma resposta às limitações da racionalidade produtiva moderna. O saber ambiental não se restringe apenas à ciência ecológica, mas propõe uma reorientação ética e política, que abarca as dimensões culturais e sociais. Leff argumenta que este novo saber ambiental é fruto da convergência de diversos conhecimentos, incluindo saberes populares e técnicos, e que ele deve ser capaz de articular soluções concretas para os desafios ambientais, sem negligenciar a complexidade dos processos naturais e sociais. A obra aprofunda o conceito de racionalidade ambiental, um dos principais pontos discutidos por Leff, que se desvia da racionalidade técnica e econômica predominante para construir uma visão que seja mais holística e integradora. A racionalidade ambiental, como descrita no livro, é uma forma de pensar que leva em conta a apropriação de recursos naturais de maneira responsável e justa, a recuperação de saberes tradicionais e o uso democrático da ciência e da tecnologia. Esse novo modelo de racionalidade exige um reposicionamento das políticas públicas, das práticas econômicas e dos processos educativos, que devem ser capazes de promover um desenvolvimento que seja simultaneamente humano e ambientalmente sustentável. A obra destaca que o desenvolvimento baseado em uma lógica produtiva que prioriza o lucro, sem considerar os impactos sociais e ecológicos, gera desigualdade e destruição dos ecossistemas, e é esse ciclo que a racionalidade ambiental propõe quebrar. Leff defende que a transição para esse novo modelo depende de uma transformação nas estruturas sociais, políticas e econômicas, onde a sustentabilidade será a principal diretriz. Ao longo do livro, Leff também introduz o conceito de "novos atores sociais", essenciais para a construção da racionalidade ambiental. Esses novos atores são os agentes capazes de mobilizar e articular os princípios do ambientalismo, sendo parte de um movimento mais amplo que questiona as lógicas tradicionais de desenvolvimento. Para o autor, é preciso que esses atores sociais se articulem em redes que promovam a conscientização, a educação ambiental e a formação de novas práticas de gestão de recursos naturais. Esses novos atores podem vir de diversos setores da sociedade, como movimentos sociais, organizações comunitárias e até mesmo do próprio campo científico, mas todos devem trabalhar juntos para a implementação de soluções para os problemas ambientais que enfrentamos. A obra propõe que, para que a racionalidade ambiental seja implementada de maneira eficaz, é necessário integrar diferentes saberes e práticas que respeitem as especificidades culturais e ecológicas locais. A racionalidade ambiental, portanto, não é uma abordagem única ou homogênea, mas se desdobra em diferentes formas, como a racionalidade substância, teórica, instrumental e cultural. A racionalidade substância se refere aos valores que orientam o desenvolvimento, como a preservação da biodiversidade e o pleno desenvolvimento humano. A racionalidade teórica organiza as ideias do discurso ambientalista e dá coerência aos processos sociais e naturais. Já a racionalidade instrumental diz respeito aos instrumentos técnicos e normativos necessários para colocar a sustentabilidade em prática, como políticas públicas e tecnologias apropriadas. Por fim, a racionalidade cultural integra as práticas e saberes tradicionais das comunidades, considerando as identidades culturais e promovendo a autogestão dos recursos naturais. Outro aspecto fundamental da obra é a crítica à racionalidade capitalista, que Leff considera responsável pela exploração dos recursos naturais de forma desenfreada, sem levar em conta as consequências sociais e ambientais. Para o autor, a construção da racionalidade ambiental é um antídoto à lógica do capitalismo, pois busca alternativas que integrem a sustentabilidade ecológica com a justiça social. A racionalidade ambiental, ao contrário da racionalidade capitalista, propõe um modelo de desenvolvimento que é baseado em princípios de equilíbrio, equidade e respeito aos limites dos ecossistemas. Esse novo modelo exige mudanças profundas nas estruturas ideológicas, institucionais e nas práticas de produção e consumo, promovendo uma transição para um futuro mais sustentável. Em relação à formação do saber ambiental, Leff destaca a importância da interdisciplinaridade e da integração de diversos conhecimentos, como os saberes tecnológicos tradicionais, que foram marginalizados ao longo da história do desenvolvimento científico. O autor chama atenção para a necessidade de valorizar e recuperar esses saberes, como as práticas comunitárias de manejo de recursos naturais, que são mais sustentáveis e respeitam o equilíbrio ecológico. A obra também enfatiza a importância de incluir nos processos de tomada de decisão as populações locais, que detêm conhecimentos valiosos sobre a biodiversidade e os ecossistemas, e que podem contribuir com práticas de gestão ambiental inovadoras e eficazes. Leff ainda discute como as mobilizações sociais têm contribuído para a defesa da racionalidade ambiental. A conscientização, a formação de novos atores sociais e a pressão política são algumas das maneiras pelas quais as mobilizações têm influenciado a construção do saber ambiental. Movimentos sociais e organizações comunitárias têm defendido políticas públicas que priorizem a sustentabilidade e a justiça social, e têm trabalhado para implementar práticas de gestão ambiental que sejam mais inclusivas e equitativas. Essas mobilizações também têm gerado alternativas ao modelo de desenvolvimento tradicional, propondo novos modelos de produção e consumo que respeitem os limites dos ecossistemas e promovam o bem-estar das populações locais. Em conclusão, Saber Ambiental é uma obra profunda e desafiadora, que propõe uma reorientação do pensamento sobre o meio ambiente e o desenvolvimento. Enrique Leff nos convida a repensar nossas práticas de produção, consumo e gestão ambiental, e a construir um novo saber ambiental que seja capaz de integrar as dimensões sociais, culturais, políticas e ecológicasde forma mais harmoniosa e sustentável. A obra é uma contribuição importante para o debate contemporâneo sobre sustentabilidade, e apresenta um olhar crítico e inovador sobre os desafios que enfrentamos para garantir um futuro mais justo e ecologicamente equilibrado. Leff não apenas faz uma crítica ao modelo atual, mas propõe caminhos concretos para a construção de um mundo mais sustentável, onde a racionalidade ambiental seja o alicerce das ações humanas.