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AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EVOLUÇÃO E 
COMPORTAMENTO HUMANO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Leonardo Martins 
 
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INTRODUÇÃO 
Nesta aula, vamos tentar consolidar a compreensão dos impactos da 
evolução sobre o cérebro. Se quisermos compreender a relação entre evolução e 
comportamento humano, é fundamental termos em vista como esse processo 
biológico afetou esse órgão que coordena, em diversos níveis, justamente o 
comportamento humano, seus processos cognitivos, emocionais etc. 
Assim, tomando o cuidado de não nos perdermos em detalhes de difícil 
memorização, abordaremos as mudanças cruciais no tamanho do cérebro 
ocorridas durante o processo evolutivo e a emergência de novas áreas cerebrais 
e novas funções e processos cognitivos. 
TEMA 1 – O TAMANHO DO CÉREBRO 
O cérebro humano é um órgão absolutamente notável. Responsável por 
algo próximo a 2% do peso corporal, ele consome, nos dias mais tranquilos, 
aproximadamente 20% da energia do organismo. Isso ocorre devido ao 
gerenciamento extremamente complexo que o cérebro mantém das mais diversas 
funções corporais e mentais. Esse tão sofisticado órgão resulta de bilhões de anos 
de desenvolvimento em um processo evolutivo que começa logo após o 
surgimento da vida na Terra, com organismos unicelulares bastante simples. 
O Homo sapiens teve, portanto, muitas outras espécies como ancestrais, 
em uma sequência que chega a organismos unicelulares primordiais muito 
distantes no tempo. Mas não é necessário irmos tão longe para o ponto que nos 
interessa. Quando observamos os ancestrais mais próximos da espécie humana, 
como o Homo habilis, o Homo erectus, o Australopithecus, um dos aspectos que 
se sobressai – e que precisamos discutir se quisermos compreender as 
especificidades do Homo sapiens – é o tamanho do cérebro. 
Para rápido efeito de comparação, o volume cerebral do Australopithecus 
afarensis mudou de 500 para 600 centímetros cúbicos em um intervalo 
aproximado de um milhão de anos. Já o Australopithecus africanus, a seguir, 
atingiu os arredores de 800 centímetros cúbicos em menos de um milhão de anos. 
Em um intervalo de tempo análogo, o Homo habilis, por sua vez, alcançou um 
volume em torno de 900 centímetros cúbicos. Já o Homo erectus deu um grande 
salto, aproximando-se dos 1.300 centímetros cúbicos de volume cerebral após 
outros um milhão e meio de anos, após o que o Homo sapiens finalmente chegou 
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aos 1.300 centímetros cúbicos em menos de meio milhão de anos (Cartwright, 
2002, p. 122). 
Figura 1 – O tamanho do cérebro 
 
Fonte: Sakurra/Shutterstock. 
Temos, contudo, de combater desde já uma das distorções a que esses 
dados podem conduzir: a ideia de que o Homo sapiens é mais evoluído porque 
possui o cérebro maior e, por isso, é mais inteligente. De início, é importante saber 
que evolução não tem relação com ser “mais forte” ou “mais inteligente”, mas com 
adaptações a condições ambientais específicas. Assim, as mudanças no tamanho 
do cérebro verificadas nas espécies (e não nos indivíduos, meramente) surgiram 
por mutações graduais (isto é, por acasos genéticos) que se mostraram 
adaptativas nos ambientes específicos em que aquelas espécies viveram 
(lembrando que características também podem surgir como subproduto de outras 
características ou por acidentes). Ou seja, a depender das circunstâncias 
ambientais, outras características (talvez até mesmo cérebros menores) poderiam 
se mostrar mais adaptativos e ser selecionados. Assim, muito lentamente, ao 
longo de milhões de anos, as pequenas vantagens na sobrevivência e reprodução 
daqueles indivíduos com cérebros maiores se traduziram em maior frequência na 
transmissão genética dessas características, resultando, finalmente, nas 
características do cérebro do Homo sapiens. 
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Além disso, o tamanho do cérebro não pode ser tomado exclusivamente 
como responsável pela complexidade da mente humana. Enquanto o cérebro 
humano pesa, em média, um quilo e meio, o da baleia azul, por exemplo, pesa 
aproximadamente dez quilos, e o do elefante africano, sete quilos e meio. Tão ou 
mais importante que o tamanho do cérebro é a proporção cérebro-corpo (aqueles 
2%, no caso do ser humano), a complexidade com que os neurônios se conectam 
e as múltiplas redes cruzadas que se formam. Nesse último quesito, o cérebro 
humano é particularmente distinto em relação a outros animais. 
TEMA 2 – O NEOCÓRTEX 
Quando abordamos as funções e processos cerebrais na complexidade em 
que se manifestam no ser humano, precisamos abordar o conceito de neocórtex. 
As descobertas nesse sentido começaram com o neurocientista Paul McLean, que 
propôs a teoria do cérebro trino, pela qual humanos e uma parcela dos outros 
animais teriam três camadas ou níveis no cérebro, do mais antigo ao mais recente, 
em termos evolutivos: o cérebro reptiliano, o sistema límbico e o neocórtex 
(MacLean, 1990). Em analogia, essas três camadas seriam como os anéis 
concêntricos que vemos quando árvores muito antigas são cortadas, de modo que 
os anéis internos são mais antigos que os externos (embora, diferentemente dos 
anéis, que mostram a antiguidade da árvore como indivíduo, o cérebro trino diz 
respeito às camadas mais antigas e mais novas em relação às espécies). 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Figura 2 – Cérebro trino, com as divisões funcionais como descritas 
tradicionalmente por MacLean (1990) 
 
Fonte: Designua/Shutterstock. 
O cérebro reptiliano (ou cérebro basal, ou tronco cerebral, numa 
nomenclatura mais atual) é formado pela medula espinhal e pelas porções basais 
do prosencéfalo. Tendo sido o tipo de cérebro mais antigo em termos evolutivos, 
ele gerencia os reflexos mais simples. Por ocorrer também em animais de 
estrutura mais antiga, como os répteis, ele herda esse nome. Animais que 
possuem apenas o seu equivalente do cérebro reptiliano são capazes de 
respostas mais simples ao ambiente e são favoráveis à sobrevivência, incluindo a 
regulação de funções básicas como fome, sede, regulação de funções corporais 
básicas etc. O mesmo ocorre com animais de cérebro mais complexo (como os 
humanos e outros), que mantêm o tronco cerebral como parte ativa e fundamental 
de sua sobrevivência. 
Mais tarde, na escala evolutiva, uma parcela dos animais (a maioria dos 
mamíferos) experimentou vantagens evolutivas ao desenvolver outra camada “por 
cima” do tronco cerebral, o cérebro límbico, de modo que ele persistiu nas 
respectivas espécies. Essa área acabou por ser associada a diversas funções 
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mais sofisticadas como certas bases da memória, aspectos emocionais e de 
motricidade mais sofisticados. 
Figura 3 – Ilustração sintética das proporções das diferentes camadas cerebrais 
entre, respectivamente, uma espécie de peixe, de réptil, de pássaro, de mamífero 
de menor porte, de macaco e de humano. Apenas o tronco cerebral, o cerebelo e 
o neocórtex são mostrados, pois o cérebro límbico é interno. 
 
Fonte: Aldona Griskeviciene/Shutterstock. 
Por fim, ainda mais recentemente em termos evolutivos, surgiu o neocórtex, 
a terceira camada do cérebro por cima e em volta do cérebro límbico. Por isso, o 
prefixo neo, que significa novo, em grego. O neocórtex está associado às funções 
cognitivas complexas que tomam grande parte desse curso e é dividido nos 
lóbulos frontal, límbico, parietal, temporal e occipital (lembrando que são dois 
hemisférios cerebrais, dobrando os lóbulos,conforme a Figura 4). Cada um deles 
possui diversas áreas específicas, giros e sulcos com nomes pelos quais são 
conhecidos na ciência e que não nos cabe listar aqui para que não fujamos do 
ponto. 
Vale lembrar, contudo, que a nomenclatura e as funções de cada camada 
atribuídas por MacLean (1990) se encontram parcialmente ultrapassadas 
atualmente. Tem sido cada vez mais enfatizada a interação complexa entre as 
três diferentes camadas para a realização de diversas funções cerebrais, das mais 
simples às mais complexas, o que ocorre paralelamente a certas especializações 
já mencionadas dessas áreas, que continuam válidas. Assim, a importância do 
neocórtex em processos distintamente humanos nos motiva a sedimentar aqui a 
compreensão a seu respeito. 
Saiba mais 
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Para uma revisão detalhada sobre o que é atual ou não em relação ao 
cérebro trino, recomendamos o texto a seguir: 
RIBAS, G. C. Considerações sobre a evolução filogenética do sistema 
nervoso, o comportamento e a emergência da consciência. Revista Brasileira de 
Psiquiatria, v. 28, n. 4, p. 326-38, 2006. Disponível em: 
. Acesso em: 15 out. 2019. 
Figura 4 – Lóbulos cerebrais vistos, respectivamente, por fora, por dentro, por 
cima e por baixo 
 
Fonte: Udaix/Shutterstock. 
TEMA 3 – O CÉREBRO SOCIAL 
Entre os fatores ambientais que tornaram certas características do cérebro 
mais adaptativas e agiram como pressões seletivas para sua transmissão estava 
o convívio social. Esse aspecto vale tanto para seres humanos quanto, no mínimo, 
para outros primatas, cujo tamanho típico de agrupamentos começou a aumentar 
ao longo dos muitos milhares de anos. 
As pesquisas mostraram que o volume e a complexidade do neocórtex 
parecem ser diretamente proporcionais ao tamanho típico do grupo social dessas 
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espécies (Vieira; Oliva, 2017, p. 18). Isso significa que seu curso da evolução 
natural emergiu também das necessidades cognitivas da vida em grupo. Não era 
tarefa simples conviver em grupo, especialmente em um ambiente repleto de 
ameaças e de competição por recursos e por oportunidades de acasalamento, 
como era o ambiente ancestral em que as espécies do gênero Homo evoluíram. 
Por isso, mutações que favorecessem (direta ou indiretamente) o convívio social 
teriam um papel importante a exercer. 
A perspectiva vigente aponta que essas pressões do ambiente favoreceram 
a seleção de genes ligados a diversas especializações de áreas e circuitos 
cerebrais progressivamente complexos (Shultz; Dunbar, 2010). Essas 
necessidades incluem, entre outras, a linguagem, a capacidade para conceber a 
realidade em termos simbólicos e imaginativos, a necessidade maior de controle 
de impulsos, a inteligência (no sentido de solução de problemas), a capacidade 
de estabelecer laços afetivos a “famílias estendidas” (Vieira; Oliva, 2017, p. 19), e 
o desenvolvimento da chamada teoria da mente, isto é, a noção de que os outros 
indivíduos possuem pensamentos, desejos, sentimentos distintos dos nossos, de 
modo que precisamos levar isso em conta para antever suas motivações, sua 
confiabilidade, como agir com eles etc. (Korkmaz, 2011). Tudo isso exige um 
neocórtex que consiga sustentar esses processos cognitivos, de modo que as 
vantagens adaptativas para aqueles que as possuíam alavancaram sua 
transmissão e consolidação nas espécies. 
Não é equivocado, portanto, dizer que somos animais sociais; isso não 
somente está entranhado em nosso cérebro como é em parte responsável pela 
evolução desse órgão. Ele evoluiu para acomodar e possibilitar os primórdios da 
cultura, a qual, por sua vez, deu seus primeiros passos, evoluindo com base no 
que os novos cérebros progressivamente permitiam. Caracteriza-se, assim, um 
caso de retroalimentação (Vieira; Oliva, 2017), de coevolução genes-cultura, não 
no sentido de uma abordagem de pesquisa, mas como natureza do fenômeno. 
Somos, enfim, tanto produtores quanto produto da cultura. 
Além dos grupos sociais progressivamente maiores e das novidades 
cognitivas que isso implicava, temos também de considerar o desenvolvimento 
gradual da tecnologia, com o progressivo uso de ferramentas. Isso também faz 
parte da cultura e exigiu habilidades sofisticadas como a abstração, o 
estabelecimento de relações de causa e efeito, a comunicação para a transmissão 
desse conhecimento para os outros membros do grupo etc. 
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Tecnologia, em sentido amplo, inclui mais que o uso de pedras e gravetos 
para finalidades práticas, envolvendo também o uso de palavras e gestos para 
diversos fins. O desenvolvimento de recursos dessa natureza, associado ao 
cérebro social, nos remete, por exemplo, aos primeiros rituais de cura. As aptidões 
cerebrais que vimos aqui, necessárias para o convívio em grupo, parecem ter 
alicerçado também as primeiras formas de intervenção diante de problemas de 
saúde através de sons e movimentos comunicacionais do curandeiro, que 
induziam alterações de consciência favoráveis aos processos de cura, resultando 
na tranquilidade do paciente, em diminuição da dor e de hemorragias etc. Tudo 
isso caracterizou uma coevolução genes-cultura, em que tanto o cérebro quanto 
os rituais de cura se transformaram e se impulsionaram mutuamente ao longo de 
muitos milhares de anos (McClenon, 1997). 
Figura 5 – Rituais de cura 
 
Fonte: Monika Wisniewska/Shutterstock. 
Esse ponto nos ajuda a contornar outro equívoco frequente nas 
concepções populares (e, por vezes, até de acadêmicos entrincheirados em seu 
recorte da realidade): ser natural e ser produto de uma construção social não são 
características mutuamente excludentes (Vieira; Oliva, 2017, p. 46). Determinado 
comportamento humano pode ter elementos oriundos de sua biologia e da cultura 
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de modo indistinto, como, entre tantos exemplos, parece ser o caso da propensão 
humana a experimentar estados alterados de consciência e a ser hipnotizado 
(McClenon, 1997). Os alunos de psicologia, em seu primeiro ano, quase 
invariavelmente aprendem que o ser humano é biológico, psicológico e social ao 
mesmo tempo, mas muitos parecem esquecer esse ponto nos anos seguintes. 
Assim, para evitar o risco de cometermos reducionismos, devemos atentar para a 
profunda dependência existente entre cultura, biologia e subjetividade. 
TEMA 4 – EVOLUÇÃO E CONSCIÊNCIA 
Ao longo da trajetória de evolução do cérebro humano, com ênfase no 
neocórtex, uma das características que acabaram por emergir e que 
desempenharam um papel fundamental na construção da subjetividade e da 
história humana é a consciência. Uma das maiores autoridades do mundo no 
assunto, o neurocientista português António Damásio (2015, p. 18-19) nos fornece 
uma dimensão do alcance da consciência sobre aquilo que nos torna 
propriamente humanos: 
A consciência, de fato, é a chave para que se coloque sob escrutínio 
uma vida, seja isso bom ou mau; é o bilhete de ingresso, nossa iniciação 
em saber tudo sobre fome, sede, sexo, lágrimas, riso, prazer, intuição, o 
fluxo de imagens que denominamos pensamento, os sentimentos, as 
palavras, as histórias, as crenças, a música e a poesia, a felicidade e o 
êxtase. Em seu nível mais simples e mais elementar, a consciência 
permite-nos reconhecer um impulso irresistível para permanecer vivos e 
cultivar o interesse pelo self [pelo “si mesmo”]. Em seu nível mais 
complexo e elaborado, a consciência ajuda-nos a cultivar um interesse 
por outras pessoas e a aperfeiçoar a arte de viver. 
As notáveisdimensões da consciência possibilitadas pelo desenvolvimento 
do neocórtex incluem também a autoconsciência, que vai além da autopercepção 
(do corpo, dos movimentos, de uma dor de dente etc.) e abarca também a 
consciência de que se tem consciência, a consciência de que se tem 
subjetividade, de que se é alguém. Note as semelhanças entre essas habilidades 
cognitivas com aquelas também sofisticadas apresentadas anteriormente e 
ligadas à dimensão social. Essa consciência mais “simples”, focada no ambiente 
e nas sensações imediatas, é chamada de consciência primária, estando presente 
em tantas espécies animais, já a consciência mais complexa que envolve noções 
de passado, presente e futuro, singularidade, linguagem e subjetividade complexa 
é chamada de consciência superior (Ribas, 2006), sendo muito mais recente em 
termos evolutivos. 
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Para Damásio (2015, p. 18), contudo, o desenvolvimento da consciência 
não é o ápice da evolução. Isso é coerente com o que vimos anteriormente sobre 
evolução não ser sinônimo de ser mais forte ou mais inteligente; da mesma forma, 
não poderia ter relação com ser mais consciente. Novamente, evolução tem 
relação com adaptação. Se a consciência se torna uma característica adaptativa, 
favorável à sobrevivência e à reprodução em dado ambiente (ou se ela for uma 
espécie de subproduto de outras características adaptativas), então podemos 
discutir sua dimensão evolutiva, sem perder de vista, contudo, que outras 
contingências ambientais poderiam, eventualmente, tornar desaptativo o atributo 
da consciência. 
Figura 6 – O desenvolvimento da consciência 
 
Fonte: Vchal/Shutterstock. 
Com isso em vista, Damásio (2015) sustenta que a consciência foi um 
elemento fundamental para o desenvolvimento da cultura, o que se relaciona 
intimamente ao cérebro social, discutido no item anterior deste texto. 
Considerando os aspectos importantes possibilitados pelo cérebro para 
sustentar o convívio em grupo, a forma abrangente como Damásio (2015) entende 
a consciência a coloca como parte fundamental dessas aptidões. O neurocientista 
defende que, longe de ser apenas um subproduto de outro traço adaptativo, a 
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consciência (e a correspondentes estruturas cerebrais que a possibilitam) foi e 
ainda é altamente adaptativa para o ser humano, sendo coerente considerarmos 
sua seleção direta: 
a sobrevivência em um meio complexo, ou seja, a gestão eficaz da 
regulagem da vida, depende de executar a ação certa, e isso, por sua 
vez, pode ser feito de maneira muito melhor se houver intencionalmente 
a antevisão e a manipulação de imagens na mente, aliadas a um 
planejamento ótimo. A consciência permitiu a conexão de dois aspectos 
díspares do processo — a regulagem interior da vida e a produção de 
imagens (Damásio, 2015, p. 59). 
Diante do que comentamos anteriormente sobre a existência tanto de 
especialidades em áreas cerebrais quanto de relações dinâmicas entre suas 
partes para a execução de funções específicas, algumas áreas cerebrais acabam 
desempenhando um papel fundamental na experiência consciente, em todas as 
três camadas mencionadas (em vez de sê-lo apenas no neocórtex, como se 
poderia, eventualmente, esperar). 
Isso ressalta a importância maior da interação entre as partes, como 
destacamos antes. A porção posterior do tronco cerebral, por exemplo, possui 
relação imediata com a consciência. Se essa porção específica é lesionada, 
ocorre imediatamente um estado de coma, de perda da consciência, ao passo que 
uma lesão um centímetro à frente produz paralisia corporal, perda do controle das 
funções corporais, mas sem a perda da consciência. Já a formação de 
representações mentais conscientes da realidade envolve áreas límbicas, como 
os córtices do cíngulo, e áreas não corticais, como o teto do mesencéfalo. Ao 
mesmo tempo, uma série de processos cerebrais que comandam funções e 
processos inconscientes dos quais a consciência tem apenas um vislumbre dos 
resultados (como ao se ter consciência do aumento de batimentos cardíacos após 
uma série de processos inconscientes de autorregulação do corpo) envolve áreas 
como partes dos córtices límbicos e diversos núcleos subcorticais, do tronco 
cerebral à amigdala. Já o córtex pré-frontal, um dos mais mencionados quando se 
fala de processos conscientes, possui estreita relação com controle de impulsos, 
cálculo de riscos e condutas morais, atributos que tendemos, culturalmente, a 
associar com a consciência e com “quem somos” (Damásio, 2015). 
Note, portanto, que a evolução do cérebro, ao mesmo tempo que 
correspondeu ao surgimento de áreas cerebrais novas como o cérebro límbico e, 
a seguir, o neocórtex, significou também o surgimento de conexões complexas 
entre essas áreas, em vez de funções cerebrais gradativamente novas e isoladas. 
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Saiba mais 
Para uma revisão ampla, detalhada e até um pouco exaustiva sobre o 
surgimento das diferentes áreas cerebrais, recomendamos o texto disponível no 
link a seguir: 
RIBAS, G. C. Considerações sobre a evolução filogenética do sistema 
nervoso, o comportamento e a emergência da consciência. Revista Brasileira de 
Psiquiatria, v. 28, n. 4, p. 326-38, 2006. Disponível em: 
. Acesso em: 15 out. 2019. 
A questão do surgimento e do desenvolvimento da consciência, contudo, 
ainda que tenha avançado notavelmente a partir da década de 1990 (a chamada 
década do cérebro, devido ao grande desenvolvimento de tecnologias para esse 
fim que então ocorreu), permanece um tanto escorregadia e controversa (Ribas, 
2006), em parte também por razões filosóficas que nos desviariam do propósito 
da aula se as abordássemos aqui. 
TEMA 5 – HEMISFÉRIOS CEREBRAIS ESPECIALIZADOS? 
Um dos tópicos mais problemáticos no entendimento comum em relação à 
evolução do cérebro é a especialização dos hemisférios cerebrais. Circulam 
ativamente na cultura noções sobre o hemisfério cerebral esquerdo ser o lado 
analítico do cérebro, responsável pelo pensamento lógico e matemático, pela 
linguagem etc., ao passo que o hemisfério direito é responsável pela criatividade, 
pela imaginação, pela intuição, pelas artes e pelos sentimentos. Como esta aula 
pretende desconstruir alguns mitos comuns sobre evolução e cérebro, precisamos 
abordar justamente este. 
 
 
 
 
 
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Figura 7 – Na concepção popular, a divisão das funções cerebrais conforme os 
hemisférios ocorre dessa maneira. Na realidade, o cérebro é muito mais versátil e 
dinâmico 
 
Fonte: Inegvin/Shutterstock. 
 Como vimos, especializações de áreas cerebrais existem, e foi justamente 
o conhecimento científico a respeito disso que ocasionou a noção popular a esse 
respeito, com compreensíveis distorções e desatualizações. Muitas das primeiras 
descobertas sobre funções de áreas cerebrais defendiam sua 
superespecialização, algo parecido com a visão popular a respeito. Isso também 
guardava relação com a visão antiga de que o cérebro era um tanto estático, 
incapaz de se rearranjar após danos e com o envelhecimento. Além disso, 
variações individuais também podem implicar mudanças na relação entre 
hemisférios e suas funções. 
Atualmente, contudo, sabe-se que o cérebro é um órgão muito mais 
dinâmico, com plasticidade e versatilidade, capaz de reorganizar funções 
cerebrais para áreas novas, em caso de lesões ou doenças, e funcionando por 
meio de redes extremamente complexas de neurônios. Assim, mais que depender 
apenas de uma área específica, as funçõescerebrais muitas vezes envolvem 
neurônios de múltiplos locais do cérebro ao mesmo tempo. Isso não significa que 
não haja especialização. De fato, há. Mas ela não é tão rígida conforme se 
acreditava anteriormente. 
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Isso posto, vejamos mais algumas tendências (além das que vimos em 
outras seções do texto) nas relações entre áreas e hemisférios cerebrais e 
funções específicas (mas não todas ou sequer a maioria delas, para que não se 
torne algo exaustivo). Note que este texto usa termos como geralmente, tendência 
e seus sinônimos por justamente ocorrerem variações nessas especializações 
cerebrais conforme os indivíduos. Além disso, a relação entre certa função 
cognitiva e determinada área cerebral não significa, de modo algum, que esta é 
responsável apenas por aquilo. 
Alguns processamentos motores e sensoriais (como o controle de mãos e 
o processamento das informações visuais) são cruzados no cérebro, de modo que 
o hemisfério direito controla a mão esquerda e processa parte das informações 
visuais do olho esquerdo, e vice-versa. O desenvolvimento evolutivo do 
hipocampo possibilitou o armazenamento de informações no cérebro, viabilizando 
a memória e o aprendizado. As áreas corticais ligadas à linguagem se 
desenvolveram, ao longo da evolução, em torno da fissura lateral do hemisfério 
dominante (geralmente o esquerdo), entre elas as chamadas área de Broca e área 
de Wernicke. Já as amígdalas se relacionam com a origem das emoções. 
Com o desenvolvimento do neocórtex, desenvolveram-se conexões 
especializadas em desenvolver experiências emocionais, conectanto a amígdala 
e porções traseiras dos hemisférios cerebrais, resultando em vivências mais 
complexas no campo da emoção. Algo semelhante aconteceu com as áreas 
responsáveis pelo processamento dos estímulos sensoriais, que ganharam 
complexidade com o surgimento do neocórtex. Como vimos, a cultura foi um dos 
fatores a aumentar a complexidade de estímulos com os quais os indivíduos 
tinham que lidar, tornando mais adaptativo para as espécies o surgimento de 
novas áreas cerebrais e redes de neurônios para processar as novidades (Ribas, 
2006). 
 
 
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REFERÊNCIAS 
CARTWRIGHT, J. H. Evolutionary explanations of human behaviour. New York: 
Routledge, 2002. 
DAMÁSIO, A. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao 
conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 
KORKMAZ, B. Theory of mind and neurodevelopmental disorders of 
childhood. Pediatric Research, v. 69, n. 5, p. 101R-8R, 2011. 
MACLEAN, P. D. The triune brain in evolution: role in paleocerebral functions. 
New York: Springer Science & Business Media, 1990. 
MCCLENON, J. Shamanic healing, human evolution, and the origin of religion. 
Journal for the Scientific Study of Religion, n. 36, p. 345-354, 1997. 
RIBAS, G. C. Considerações sobre a evolução filogenética do sistema nervoso, o 
comportamento e a emergência da consciência. Revista Brasileira de Psiquiatria, 
v. 28, n. 4, p. 326-38, 2006. 
SHULTZ, S.; DUNBAR, R. I. M. Encephalisation is not a universal 
macroevolutionary phenomenon in mammals but is associated with sociality. 
Proceedings of the National Academy of Science. USA, v. 107, n. 50, p. 21582–
21586, 2010. 
VIEIRA, M. L.; OLIVA, A. D. Evolução, cultura e comportamento humano. 
Florianópolis: Edições do Bosque, 2017. (Série Saúde e Sociedade). 
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